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Seguro defeso para mulheres da pesca artesanal na Colônia Z3 (Pelotas/RS): incertezas e estratégias Luceni Hellebrandt UFSC/Brasil Carmen Silvia de Moraes Rial UFSC/Brasil Maria do Rosário de Fátima Andrade Leitão UFRPE/Brasil Resumo O ano de 2011 trouxe um fato peculiar à vida das populações pesqueiras artesanais do estuário da Lagoa dos Patos (RS), em especial, às mulheres. Neste ano, o pagamento de seguro defeso às mulheres foi suspenso, por determinação do Ministério do Trabalho e Emprego. O benefício é um seguro desemprego destinado aos pescadores artesanais, reconhecidos como segurados especiais da previdência desde 1991, para os meses em que estão proibidos de exercerem suas atividades, devido à reprodução das espécies pesqueiras alvo. Em 2003, uma política pública federal revoga a lei de 1991 e estabelece como obrigatoriedade o pagamento do seguro defeso aos pescadores profissionais artesanais que exercem a atividade em regime de economia familiar, mediante uma série de documentos que comprovem a sua regularidade ao Ministério do Trabalho e Emprego. E assim, o benefício vinha sendo pago a todos profissionais da pesca artesanal regulares, até o ano de 2011, independente de qual atividade executavam na cadeia produtiva dos pescados. Neste ano, uma decisão arbitrária do Ministério do Trabalho e Emprego exigiu que um dos documentos requisitados (Licença Ambiental da embarcação) fosse nominal ao segurado, fato que excluía as mulheres que não exerciam a captura dos pescados e, portanto, não possuíam embarcação para realizar suas atividades pesqueiras pré e pós captura (conserto de redes, beneficiamento de pescado, comercialização, etc.). Este entendimento do MTE desconsiderou a percepção da atividade pesqueira englobando diversas atividades que vão além do ato isolado de capturar o pescado, atividade predominantemente masculina na Lagoa dos Patos, e reforçou o estereótipo de que as atividades executadas por mulheres são apenas ajuda e não trabalho de fato. A partir desta situação, o presente texto explora os desdobramentos desta interpretação do MTE, expondo, através de pesquisa documental e entrevistas semi-estruturadas, como este fato impactou a execução da atividade pesqueira realizada pelas mulheres da Colônia Z3 comunidade pesqueira no município de Pelotas (RS). Como resultado, apresenta as estratégias adotadas para garantir a continuidade de acesso ao benefício de seguro defeso pelo Fórum da Lagoa dos Patos (órgão colegiado de função cooperativa à gestão da pesca na região estuarina da Lagoa dos Patos e com atuação imprescindível para as conquistas das populações pesqueiras da região, inclusive para o direito ao seguro defeso para as mulheres), Colônia de Pesca do município e mulheres da comunidade. Com este texto, espera-se contribuir para o registro das práticas sociais e políticas das comunidades pesqueiras frente a um conflito com órgãos governamentais, tendo como pano de fundo a discussão sobre gênero e pesca.

Resumo: Seguro defeso para mulheres da pesca artesanal na Colônia Z3 (Pelotas/RS): incertezas e estratégias

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conflitos na pesca; gênero e pesca; seguro defeso para mulheres

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Seguro defeso para mulheres da pesca artesanal na Colônia Z3 (Pelotas/RS):

incertezas e estratégias

Luceni Hellebrandt – UFSC/Brasil

Carmen Silvia de Moraes Rial – UFSC/Brasil

Maria do Rosário de Fátima Andrade Leitão – UFRPE/Brasil

Resumo

O ano de 2011 trouxe um fato peculiar à vida das populações pesqueiras artesanais do

estuário da Lagoa dos Patos (RS), em especial, às mulheres. Neste ano, o pagamento de

seguro defeso às mulheres foi suspenso, por determinação do Ministério do Trabalho e

Emprego. O benefício é um seguro desemprego destinado aos pescadores artesanais,

reconhecidos como segurados especiais da previdência desde 1991, para os meses em que

estão proibidos de exercerem suas atividades, devido à reprodução das espécies

pesqueiras alvo. Em 2003, uma política pública federal revoga a lei de 1991 e estabelece

como obrigatoriedade o pagamento do seguro defeso aos pescadores profissionais

artesanais que exercem a atividade em regime de economia familiar, mediante uma série

de documentos que comprovem a sua regularidade ao Ministério do Trabalho e Emprego.

E assim, o benefício vinha sendo pago a todos profissionais da pesca artesanal regulares,

até o ano de 2011, independente de qual atividade executavam na cadeia produtiva dos

pescados. Neste ano, uma decisão arbitrária do Ministério do Trabalho e Emprego exigiu

que um dos documentos requisitados (Licença Ambiental da embarcação) fosse nominal

ao segurado, fato que excluía as mulheres que não exerciam a captura dos pescados e,

portanto, não possuíam embarcação para realizar suas atividades pesqueiras pré e pós

captura (conserto de redes, beneficiamento de pescado, comercialização, etc.). Este

entendimento do MTE desconsiderou a percepção da atividade pesqueira englobando

diversas atividades que vão além do ato isolado de capturar o pescado, atividade

predominantemente masculina na Lagoa dos Patos, e reforçou o estereótipo de que as

atividades executadas por mulheres são apenas ajuda e não trabalho de fato. A partir desta

situação, o presente texto explora os desdobramentos desta interpretação do MTE,

expondo, através de pesquisa documental e entrevistas semi-estruturadas, como este fato

impactou a execução da atividade pesqueira realizada pelas mulheres da Colônia Z3 –

comunidade pesqueira no município de Pelotas (RS). Como resultado, apresenta as

estratégias adotadas para garantir a continuidade de acesso ao benefício de seguro defeso

pelo Fórum da Lagoa dos Patos (órgão colegiado de função cooperativa à gestão da pesca

na região estuarina da Lagoa dos Patos e com atuação imprescindível para as conquistas

das populações pesqueiras da região, inclusive para o direito ao seguro defeso para as

mulheres), Colônia de Pesca do município e mulheres da comunidade. Com este texto,

espera-se contribuir para o registro das práticas sociais e políticas das comunidades

pesqueiras frente a um conflito com órgãos governamentais, tendo como pano de fundo

a discussão sobre gênero e pesca.