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D outor Godói teve que usar fórceps para trazer ao mundo o rebento Hélio Consolaro, que nasceu numa tulha em 23 de setembro de 1948. Contava o avô de Consolaro que seu pai só chorava de medo de perder a mulher e o filho. Mas Deus ajudou e o médico conseguiu salvar os dois. "Sou per- sistente desde o nascimento", conta rindo o espirituoso Consa, como é chamado por muitos. É neto dos imigrantes italianos Luiz Consolaro e Augusta Fortin Consolaro, e casado com a nissei Helena, em 22 de dezem- bro de 1973, com quem tem dois filhos e dois netos. PERSONALIDADE Parafraseando um poema de Gregório de Matos, Hélio Consolaro diz ser um pecador confesso, mas não vira as cos- tas para Deus, não se distancia dele, porque Ele é misericor- dioso. Peca porque é humano. O poeta dizia que pecava para não deixar Deus desempregado, mas com sua ironia fina, ele diz que não chega a tanto. Sempre está ao rés do chão. Pode gritar com alguém, fazer um teatro, mas procura não diminuir as pessoas, nem jogar na cara a imagem que ele tem dela na hora do nervoso. "Tenho melhorado neste aspecto com a idade", confessa. Como ele nasceu com fórceps, "tirado como um carnegão", segundo descrição do próprio, esteve preso na época da ditadura militar, passou por muitos apuros na vida e afirma ser "uma pipo- ca estourada", na linguagem de Rubem Alves. "Também gosto de meus defeitos, porque eles me diferenciam dos demais". Em 1993, quando desistiu da política, resolveu buscar-se. Quem abriu o caminho para que ele se tornasse mais emoti- vo, descobrisse o Dionísio que mora nele, foi Frei Betto e Leo- nardo Boff. LITERATURA Formado em Letras, línguas vernáculas, há 37 anos ele atua no magistério. Desde 1978 escreve para jornais de Araçatuba, in- clusive, para a Folha da Região . Hoje, a literatura significa pouco para os jornais. O gênero literário que ocupa cantos de páginas é a crônica. Poesia nem pensar. E imaginar que Dom Casmurro foi primeiro publicado em jornal, capítulo por capítulo, como se fosse novela de televisão. Hélio Consolaro membro da AAL (Academia Araçatuben- se de Letras), da qual foi presidente. Ele considera que a enti- dade literária contribui muito para estimular a literatura, mas o trabalho poderia ser mais intenso, caso o poder público cola- borasse mais. POLÊMICO Dotado de estilo direto, não faz rodeios na escrita, embora saiba fazê-los. Seu espírito crítico veio dos anos em que viveu na pobreza. "Fui bem pobre mesmo, na infância e adolescência. En- xergava Araçatuba do ângulo da periferia", comparando o bairro Santana de ontem, onde morava, com o São José de hoje. Consolaro conta que é descendente de europeus que não deram certo, não fizeram a América, ou seja, não ganharam di- nheiro. O então menino muito cedo começou a trabalhar: ven- deu bananas, foi catador de algodão, lavador de cachorro pequinês, office boy, mas o que ele queria mesmo era estudar. Ainda sobre a pobreza que passou, ele conta que seu pai se mudou para a cidade sem profissão, com a cara e a coragem, comendo arroz de terceira, morando em casa alugada de três cô- modos. Naquela época não tinha SUS, nem financiamento de ca- sa. Justiça social: zero. Na condição de filho mais velho e com a obstinação do pai, Consolaro ajudou os irmãos a estudar. "Estão todos bem coloca- dos na vida, o mais pobre sou eu. Por aí se vê que fama não significa dinheiro", risos. Na faculdade, conheceu Karl Marx, quando por meio do pensador, lhe apresentaram uma interpretação das razões de sua pobreza. “Fiquei muito revoltado, por isso, hoje, assim que posso, dou oportunidades para todos, detesto panelinha e protecionismo”. VALORES O que admira numa pessoa? A autenticidade. E o que abomina? A hipocrisia, a unilateralidade, só a pessoa está certa. O que é a vida? A vida é uma estrada, o negócio é curtir as margens, sem se preocupar em chegar. E a morte? A morte é a explicação do início da caminhada. Família? Como descendente de italiano, sou pela família, nem que esteja em frangalhos. É religioso? Já fui de carregar andor em procissão. Frequentei o lado mais progressista da igreja católica, enterrada por João Paulo 2.º. Hoje, continuo católico, mas sou mais holístico, aquela vi- são mais cósmica. Araçatuba? Nasci aqui. Vivi sete anos fora daqui, foi uma experiência legal para valorizar minha cidade. Sou provinciano, embora ganho o universo pela leitura, pela arte, pelas viagens, mas minhas raízes estão enterradas aqui. Adoro essa aldeia. >>Vida Paulo Gonçalves/Folha da Região - 22/02/2011 ESPIRITUOSO Consolaro posa ao lado da escultura Espe- lho dos Amantes, do artista plásti- co Franco da Sermide, no pátio da Secretaria da Cultura; nascido a fórceps, Consa, como é chama- do por muitos, diz que é persis- tente desde o nascimento MENSAGEM DE HÉLIO CONSOLARO Só teremos governantes que valorizam a cultu- ra quando a população exigir isso deles. Cultura é a nossa vida, não se trata apenas de lantejoulas, elite. Tiram nossas crianças das garras dos trafican- tes aplicando recursos em cultura, como se faz com o Balé Municipal e o Projeto Guri. O cronista de língua afiada Araçatuba, domingo, 27 de fevereiro de 2011 C3

Retrato consa

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Page 1: Retrato consa

Doutor Godói teve que usar fórceps para trazer ao mundoo rebento Hélio Consolaro, que nasceu numa tulha em23 de setembro de 1948. Contava o avô de Consolaro

que seu pai só chorava de medo de perder a mulher e o filho.Mas Deus ajudou e o médico conseguiu salvar os dois. "Sou per-sistente desde o nascimento", conta rindo o espirituoso Consa,como é chamado por muitos.

É neto dos imigrantes italianos Luiz Consolaro e AugustaFortin Consolaro, e casado com a nissei Helena, em 22 de dezem-bro de 1973, com quem tem dois filhos e dois netos.

PERSONALIDADEParafraseando um poema de Gregório de Matos, Hélio

Consolaro diz ser um pecador confesso, mas não vira as cos-tas para Deus, não se distancia dele, porque Ele é misericor-dioso. Peca porque é humano. O poeta dizia que pecava paranão deixar Deus desempregado, mas com sua ironia fina, elediz que não chega a tanto. Sempre está ao rés do chão. Podegritar com alguém, fazer um teatro, mas procura não diminuiras pessoas, nem jogar na cara a imagem que ele tem dela nahora do nervoso.

"Tenho melhorado neste aspecto com a idade", confessa.Como ele nasceu com fórceps, "tirado como um carnegão",

segundo descrição do próprio, esteve preso na época da ditaduramilitar, passou por muitos apuros na vida e afirma ser "uma pipo-ca estourada", na linguagem de Rubem Alves. "Também gosto demeus defeitos, porque eles me diferenciam dos demais".

Em 1993, quando desistiu da política, resolveu buscar-se.Quem abriu o caminho para que ele se tornasse mais emoti-vo, descobrisse o Dionísio que mora nele, foi Frei Betto e Leo-nardo Boff.

LITERATURAFormado em Letras, línguas vernáculas, há 37 anos ele atua

no magistério. Desde 1978 escreve para jornais de Araçatuba, in-clusive, para a Folha da Região .

Hoje, a literatura significa pouco para os jornais. O gêneroliterário que ocupa cantos de páginas é a crônica. Poesia nempensar. E imaginar que Dom Casmurro foi primeiro publicado emjornal, capítulo por capítulo, como se fosse novela de televisão.

Hélio Consolaro membro da AAL (Academia Araçatuben-se de Letras), da qual foi presidente. Ele considera que a enti-dade literária contribui muito para estimular a literatura, maso trabalho poderia ser mais intenso, caso o poder público cola-borasse mais.

POLÊMICODotado de estilo direto, não faz rodeios na escrita, embora

saiba fazê-los. Seu espírito crítico veio dos anos em que viveu napobreza. "Fui bem pobre mesmo, na infância e adolescência. En-xergava Araçatuba do ângulo da periferia", comparando o bairroSantana de ontem, onde morava, com o São José de hoje.

Consolaro conta que é descendente de europeus que nãoderam certo, não fizeram a América, ou seja, não ganharam di-nheiro. O então menino muito cedo começou a trabalhar: ven-deu bananas, foi catador de algodão, lavador de cachorropequinês, office boy, mas o que ele queria mesmo era estudar.

Ainda sobre a pobreza que passou, ele conta que seu pai semudou para a cidade sem profissão, com a cara e a coragem,comendo arroz de terceira, morando em casa alugada de três cô-modos. Naquela época não tinha SUS, nem financiamento de ca-sa. Justiça social: zero.

Na condição de filho mais velho e com a obstinação do pai,Consolaro ajudou os irmãos a estudar. "Estão todos bem coloca-dos na vida, o mais pobre sou eu. Por aí se vê que fama nãosignifica dinheiro", risos.

Na faculdade, conheceu Karl Marx, quando por meio dopensador, lhe apresentaram uma interpretação das razões desua pobreza. “Fiquei muito revoltado, por isso, hoje, assimque posso, dou oportunidades para todos, detesto panelinha eprotecionismo”.

VALORES

O que admira numa pessoa?A autenticidade.

E o que abomina?A hipocrisia, a unilateralidade, só a pessoa está certa.

O que é a vida?A vida é uma estrada, o negócio é curtir as margens, sem se

preocupar em chegar.

E a morte?A morte é a explicação do início da caminhada.

Família?Como descendente de italiano, sou pela família, nem que

esteja em frangalhos.

É religioso?Já fui de carregar andor em procissão. Frequentei o lado

mais progressista da igreja católica, enterrada por João Paulo2.º. Hoje, continuo católico, mas sou mais holístico, aquela vi-são mais cósmica.

Araçatuba?Nasci aqui. Vivi sete anos fora daqui, foi uma experiência

legal para valorizar minha cidade.Sou provinciano, embora ganho o universo pela leitura,

pela arte, pelas viagens, mas minhas raízes estão enterradasaqui. Adoro essa aldeia.

>>Vida

Paulo Gonçalves/Folha da Região - 22/02/2011

ESPIRITUOSO Consolaro

posa ao lado da escultura Espe-

lho dos Amantes, do artista plásti-

co Franco da Sermide, no pátio

da Secretaria da Cultura; nascido

a fórceps, Consa, como é chama-

do por muitos, diz que é persis-

tente desde o nascimento

MENSAGEM DE HÉLIO CONSOLARO

Só teremos governantes que valorizam a cultu-ra quando a população exigir isso deles. Cultura éa nossa vida, não se trata apenas de lantejoulas,elite. Tiram nossas crianças das garras dos trafican-tes aplicando recursos em cultura, como se fazcom o Balé Municipal e o Projeto Guri.

O cronista de língua afiada

Araçatuba, domingo, 27 de fevereiro de 2011

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