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COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS XXV SEMINÁRIO NACIONAL DE GRANDES BARRAGENS SALVADOR, 12 A 15 DE OUTUBRO DE 2003 1 T92 – A13 RETROANÁLISE DOS DADOS DOS ELETRONÍVEIS INSTALADOS NA BARRAGEM PRINCIPAL DA UHE MACHADINHO Márcio Luiz da Silva Goulart Ary José Alves CNEC ENGENHARIA S.A. Prof. João Cyro André Adriane Costa ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO RESUMO O trabalho aborda uma técnica de retroanálise para interpretação dos dados dos eletroníveis instalados na face de concreto da Barragem Principal da UHE Machadinho. As armaduras obtidas utilizando-se os esforços solicitantes determinados pela retroanálise, são comparadas com as obtidos por meio de critérios empíricos e com as realmente utilizadas no projeto. ABSTRACT This paper presents a back analysis technique for interpretation of electro-level monitoring system installed in the concrete face of UHE Machadinho’s Main Dam. The obtained reinforced steel using the applied efforts determined by the back analysis, are compared to the ones by means of empiric criteria and to those used in the project. 1 - INTRODUÇÃO As atuais Barragens de Enrocamento com Face de Concreto (BEFC) contemplam no projeto de instrumentação a utilização de eletroníveis instalados na face de concreto. Esses instrumentos fornecem a rotação na região onde estão localizados, permitindo determinar a configuração deformada e por conseqüência os esforços solicitantes na laje.

RETROANÁLISE DOS DADOS DOS ELETRONÍVEIS … · A face de concreto está dividida em 43 painéis verticais, com largura de 16,20 m, com exceção apenas para o painel o 6 que está

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COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS XXV SEMINÁRIO NACIONAL DE GRANDES BARRAGENS SALVADOR, 12 A 15 DE OUTUBRO DE 2003

1

T92 – A13

RETROANÁLISE DOS DADOS DOS ELETRONÍVEIS INSTALADOS NA BARRAGEM PRINCIPAL DA UHE MACHADINHO

Márcio Luiz da Silva Goulart Ary José Alves

CNEC ENGENHARIA S.A.

Prof. João Cyro André Adriane Costa

ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

RESUMO O trabalho aborda uma técnica de retroanálise para interpretação dos dados dos eletroníveis instalados na face de concreto da Barragem Principal da UHE Machadinho. As armaduras obtidas utilizando-se os esforços solicitantes determinados pela retroanálise, são comparadas com as obtidos por meio de critérios empíricos e com as realmente utilizadas no projeto. ABSTRACT This paper presents a back analysis technique for interpretation of electro-level monitoring system installed in the concrete face of UHE Machadinho’s Main Dam. The obtained reinforced steel using the applied efforts determined by the back analysis, are compared to the ones by means of empiric criteria and to those used in the project. 1 - INTRODUÇÃO As atuais Barragens de Enrocamento com Face de Concreto (BEFC) contemplam no projeto de instrumentação a utilização de eletroníveis instalados na face de concreto. Esses instrumentos fornecem a rotação na região onde estão localizados, permitindo determinar a configuração deformada e por conseqüência os esforços solicitantes na laje.

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O monitoramento dessas obras fornece parâmetros que auxiliam no desenvolvimento de novos projetos, determinando-se modelos matemáticos mais representativos do problema estudado. Alem disso, pode-se avaliar a adequabilidade da aplicação dos critérios empíricos no dimensionamento da face de concreto. Esse trabalho é parte de uma pesquisa dedicada ao estudo das lajes de barragens de enrocamento com face de concreto. Anteriormente, os autores apresentaram trabalho (2003) no qual discutiram várias metodologias para a análise dos dados dos eletroníveis instalados na laje 24 da Barragem da UHE Machadinho, e naquela oportunidade selecionaram a metodologia que consideraram a mais adequada para o tratamento do problema. 2 - DESCRIÇÃO DA BARRAGEM EM ESTUDO A barragem da UHE Machadinho possui altura máxima de 125 m e está implantada ao longo de um eixo retilíneo de 673 m de extensão no rio Pelotas, entre os Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Os paramentos de montante e jusante tem inclinação de 1 : 1,3 (v : h) e 1 : 1,2 , respectivamente. A face de concreto está dividida em 43 painéis verticais, com largura de 16,20 m, com exceção apenas para o painel no 6 que está subdividido em dois outros com largura de 8,10 m. Essa decisão foi tomada para minimizar o problema estrutural decorrente da esconsidade existente no contato do mesmo com o plinto. Os painéis foram executados após o alteamento da barragem, numa fase única, sendo previstas mantas plásticas com espessura de 0,15 mm, para reduzir a aderência entre a laje e o concreto extrudado, o qual serviu como base para a concretagem da referida laje. A espessura dos painéis varia conforme equação (1) representada abaixo.

(m) concreto de face na aconsiderad ltransversa seção da elevação h(m) h-480,00 H

(m) painéis dos espessura e(1) H0,0020,30e

===

⋅+=

No projeto executivo foram elaborados modelos planos em elementos finitos contemplando seções do maciço de enrocamento sujeitos à ação do carregamento hidrostático do reservatório. As deformações obtidas foram impostas nos painéis da laje para determinar-se a armadura necessária, sendo limitada à abertura de fissuras em 0,30 mm apenas na face superior em contato com a água. O arranjo da armadura caracteriza-se por dois trechos distintos: no primeiro as duas faces dos painéis são armadas nas duas direções, resultando numa taxa de armadura de 0,40 a 0,60 % da seção transversal; no segundo a armadura

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está localizada na seção média dos painéis, com uma taxa mínima de 0,35 % nas duas direções. Os eletroníveis estão instalados nas lajes 14, 24 e 36. A primeira está localizada junto à ombreira direita, a segunda na região central da barragem e a terceira junto à ombreira esquerda. Os dados de leitura dos eletroníveis utilizados nesse artigo estão compreendidos no período entre 28/08/01 e 26/03/02, sendo que o enchimento do reservatório ocorreu no mês de outubro de 2001. Em virtude da rápida estabilização dessas leituras, utilizam-se os dados de 20/03/02. A figura 1 apresenta a locação dos aparelhos nas duas lajes que são objeto de estudo neste trabalho.

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FIGURA 1- LOCAÇÃO DOS ELETRONÍVEIS 3 – RETROANÁLISE DOS DADOS As técnicas de retroanálise permitem a identificação de modelos ou de parâmetros de um modelo que melhor representem um processo observado. Nos casos em que o modelo que rege o problema é bem definido tem-se um problema de identificação de parâmetros do modelo, que melhor adaptam medidas e previsões do mesmo, sejam eles relacionados com a geometria da

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estrutura, com as propriedades dos materiais, com as leis que regem o modelo ou com a caracterização das ações. O processo de identificação de parâmetros corresponde a um problema matemático, usualmente um problema de minimização de uma dada função, cuja solução são os valores desses parâmetros, que tornam mínima a diferença entre os valores medidos e os calculados. Utilizam-se os valores medidos das rotações, obtidos dos eletroníveis instalados nos painéis da barragem, para determinar a reação da barragem de enrocamento sobre a face de concreto. Para tanto, utiliza-se o critério dos mínimos quadrados com o algoritmo de minimização de Gauss-Newton e a formulação do método dos elementos finitos (MEF). A descrição completa do procedimento pode ser encontrada em Ledesma (1987 – Referência 6). O procedimento consiste em um processo iterativo da forma:

kkk ?ppp +=+1 (2) onde kp representa o vetor dos valores iniciais para os parâmetros e k?p o vetor dos incrementos para os parâmetros, calculado em cada iteração. A expressão para o cálculo de k?p varia de acordo com o algoritmo de minimização adotado. Utilizando o método de Gauss Newton e considerando o critério dos mínimos quadrados tem-se:

( ) kTkk

Tkk ?uAAA?p

1−= (3)

onde a matriz A , denominada matriz de sensibilidade, é definida por

( )ppu

A∂

∂= , de ordem nm × , com m igual ao número de medidas e n igual ao

número de parâmetros. O vetor k?u representa a diferença entre os valores medidos e os calculados em cada iteração. Utilizando a formulação do MEF, no caso de um sistema discreto linear correspondente a um problema de equilíbrio, a expressão da matriz de sensibilidade A é estabelecida diretamente derivando-se os diversos termos das equações reduzidas de equilíbrio, RKu = , em relação aos parâmetros a serem determinados, ou seja:

( )pR

uKp ∂

∂=

∂∂

.

pR

pu

KupK

∂∂

=∂∂

+∂∂

∂∂

−∂∂

=∂∂ − u

pK

pR

Kpu 1 (4)

e, portanto:

6

∂∂

−∂∂

= − upK

pR

KA 1 (5)

No caso em estudo, a matriz de rigidez independe dos parâmetros a serem determinados e a expressão da matriz de sensibilidade se reduz a:

∂∂

= −

pR

KA 1 (6)

O modelo adotado para representar a estrutura considera a face de concreto como uma viga biengastada com altura variável, discretizada em elementos. Os deslocamentos e as rotações nas extremidades, obtidos das rotações medidas pelos eletroníveis, são considerados como recalques de apoio. Adota-se a hipótese de carregamento linearmente distribuído nos elementos. A Figura 2 ilustra o modelo estrutural adotado para a laje 14, com a viga discretizada em 8 elementos, em que as cargas 7654321 e , , , , , qqqqqqq são os parâmetros a serem identificados. Esses parâmetros representam a diferença entre a pressão hidrostática conhecida e a reação a ser determinada. Os valores dessa diferença admitidos nas extremidades esquerda, 50,2−=q , e direita, 0=q , foram obtidos a partir de estudos preliminares.

2.5

q2

0.0091 0.3046

q6

12.95

q4

32.518.22

0.004140.00483 0.000020.00331 0.0028

q1

q3q5 q7

5.01 6.67 13.04 12.97 26.05

0.00597 0.00232 0.00337 0.00132

Unidades em m e rad FIGURA 2 – MODELO ESTRUTURAL ADOTADO E ROTAÇÕES MEDIDAS

DA LAJE 14 4 – RESULTADOS OBTIDOS E DIMENSIONAMENTO Nas figuras 3 a 8 são apresentados os gráficos de deslocamentos, rotações e diagramas fletores obtidos na análise das lajes 14 e 24, estes últimos estabelecidos anteriormente pelos autores em (2003). .

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FIGURA 3- DESLOCAMENTOS DA LAJE 14

FIGURA 4- DESLOCAMENTOS DA LAJE 24

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FIGURA 5- ROTAÇÕES DA LAJE 14

FIGURA 6- ROTAÇÕES DA LAJE 24

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FIGURA 7- MOMENTOS FLETORES NA LAJE 14

FIGURA 8- MOMENTOS FLETORES NA LAJE 24

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As lajes são verificadas à flexão no Estado Limite Último conforme NBR 6118, sendo as fissuras limitadas em 0,30 mm somente na face em contato com a água. Nos cálculos adotou-se fck= 18 MPa e ? F= 1,40. A tabela 1 contém a armadura calculada nas três seções indicadas nos diagramas de momentos fletores e a armadura existente nas lajes. O valor indicado com * corresponde a armadura simples posicionada no meio da seção transversal; os outros valores correspondem a armadura posicionada em cada face dos painéis.

TABELA 1- COMPARAÇÃO DA ARMADURA EXISTENTE E CALCULADA

Laje As (cm²) Seção 1 Seção 2 Seção 3 As calculada 25 10 10 * 14 As existente 25 15,75 15,75 As calculada 25 10,80 15,75 24 As existente 25 15,75 15,75

Nesse tipo de barragem é usual a utilização de taxas de armadura recomendadas em critérios empíricos para armar as lajes. Os valores mais comuns são 0,40% na direção vertical e 0,30 – 0,35% na horizontal, sendo a malha posicionada no meio da seção transversal. Na tabela 2 são comparadas a armadura recomendada nesses critérios com a calculada, na condição de malha posicionada no meio da seção transversal. TABELA 2- COMPARAÇÃO DA ARMADURA DOS CRITÉRIOS EMPÍRICOS E

CALCULADA

Laje As (cm²) Seção 1 Seção 2 Seção 3 As calculada 50 15,75 7,50 14 As crit. empír. 18,40 17,60 16,80 As calculada 39 22,11 3,80 24 As crit. empír. 20,80 19,20 15,75

5 - PRINCIPAIS CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES Recomenda-se a contínua utilização de instrumentação nos projetos futuros de barragens de enrocamento com face de concreto para auxiliar no desenvolvimento de modelos matemáticos mais representativos do problema. No caso da barragem da UHE Machadinho, a armadura existente é suficiente para resistir aos esforços determinados na retroanálise dos dados dos eletroníveis instalados nos painéis analisados. Verifica-se que a utilização da armadura recomendada nos critérios empíricos pode ser inadequada na região dos painéis próxima ao plinto. Outra restrição do emprego da armadura posicionada no plano médio da laje, como já se

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verificou em alguns casos, é nas regiões próximas à crista da barragem onde pode ocorrer o descolamento da laje resultando no aparecimento de fissuras longitudinais locais. Esses fatos reforçam a necessidade do estudo matemático da estrutura na fase do projeto executivo para o seu dimensionamento. O monitoramento dos painéis deve ser feito ao longo do tempo para determinar-se a evolução das deformações da barragem, e por conseguinte, a avaliação estrutural dos painéis. Essa rotina fornecerá subsídios para ações visando à garantia da segurança da barragem. 6 – AGRADECIMENTOS Os autores agradecem á MAESA – Energética S.A e a CNEC Engenharia S.A pela autorização da publicação das informações. 7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. FREITAS, S.F., BORGATTI, L., ARAYA, J.M., et al.. China – Barragem de

Tianshengqiao I – Monitoramento com Eletroníveis da Face de Concreto. XXIII Seminário Nacional de Grandes Barragens, p.105-115.

2. CAVALCANTI, A.J.C.T., SOUZA, R.J.B., FILHO, P.R., et al.. Utilização de

Eletroníveis na Monitoração da Barragem de Xingó. Anais do XXI Seminário Nacional de Grandes Barragens, Rio de Janeiro, Volume 1, p. 85-90, 1994.

3. COOKE, J.B.. The Development of Today´s CFRD Dam. Anais do II

Simpósio sobre Barragens de Enrocamento com Face de Concreto, Florianópolis, p. 1-10, 1999.

4. COSTA, A.. Aplicação das Técnicas de Retroanálise em Obras Civis..

Dissertação (Mestrado) – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 96p 2000.

5. GOULART, M.L.S., COSTA, A., ANDRÉ, J.C., Utilização de Dados de

Eletroníveis para o Dimensionamento da Laje de uma Barragem de Enrocamento com Face de Concreto. Anais do V Simpósio EPUSP sobre Estruturas de Concreto, São Paulo, 2003.

6. LEDESMA, A. Identificación de parámetros em geotecnia: aplicación a la

excavasión de túneles. Tesis (Doctorado) – Escuela Técnica Superior de Ingenieros de Caminos, Canales y Puertos de Barcelona, Universitat Politécnica de Catalunya, Barcelona, 331p, 1987.

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7. MAURO, V., HUMES, C., ALVES, A.J.. UHE Machadinho – O Enfoque Adotado Para o Dimensionamento da Face de Concreto da Barragem Principal. Anais do XXIV Seminário Nacional de Grandes Barragens, Fortaleza, Tema 3, 399-420, 2001.