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RETROFIT DAS ANTIGAS 14 CASAS EM SANTA MARIA/RS SOCAL, ANA JÚLIA SCORTEGAGNA (1); ROMANO, LEONORA (2) 1. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Departamento de Arquitetura e Urbanismo Rua José de Souza Lima, 135 São José Santa Maria, RS [email protected] 2. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Departamento de Arquitetura e Urbanismo Campus da UFSM, Prédio 30, Sala 204 Camobi Santa Maria, RS. [email protected] RESUMO Este artigo tem como premissa apresentar uma proposta de reconfiguração volumétrica de um conjunto residencial tradicional de catorze sobrados em fita conhecido por 14 casas, construído na década de 1940, na cidade de Santa Maria, RS. Ao final do século XX, parte desse conjunto foi substituído por edificações de diferentes tipologias, volumetrias e proporcionalidades, subtraindo a ideia de conjunto e banalizando a paisagem urbana local. Os estudos objetivaram, desde a liberação das edificações descaracterizantes, até o retrofit das casas remanescentes, passando pela reconfiguração do skyline do conjunto de quatorze sobrados - através da inserção de sete novos volumes finalizado pela apropriação do interior do quarteirão, um miolo de quadra verde e subutilizado, que dará suporte ao empreendimento quanto ao percentual de áreas livres. Palavras-chave: Retrofit; 14 Casas; Patrimônio de Santa Maria.

RETROFIT DAS ANTIGAS 14 CASAS EM SANTA MARIA/RSforumpatrimonio.com.br/paisagem2014/artigos/pdf/215.pdf · Em julho de 1898, junto com alguns amigos, fundou e foi o primeiro presidente

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RETROFIT DAS ANTIGAS 14 CASAS EM SANTA MARIA/RS

SOCAL, ANA JÚLIA SCORTEGAGNA (1); ROMANO, LEONORA (2)

1. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Departamento de Arquitetura e Urbanismo

Rua José de Souza Lima, 135 – São José – Santa Maria, RS [email protected]

2. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Departamento de Arquitetura e Urbanismo

Campus da UFSM, Prédio 30, Sala 204 – Camobi – Santa Maria, RS. [email protected]

RESUMO Este artigo tem como premissa apresentar uma proposta de reconfiguração volumétrica de um conjunto residencial tradicional de catorze sobrados em fita conhecido por 14 casas, construído na década de 1940, na cidade de Santa Maria, RS. Ao final do século XX, parte desse conjunto foi substituído por edificações de diferentes tipologias, volumetrias e proporcionalidades, subtraindo a ideia de conjunto e banalizando a paisagem urbana local. Os estudos objetivaram, desde a liberação das edificações descaracterizantes, até o retrofit das casas remanescentes, passando pela reconfiguração do skyline do conjunto de quatorze sobrados - através da inserção de sete novos volumes – finalizado pela apropriação do interior do quarteirão, um miolo de quadra verde e subutilizado, que dará suporte ao empreendimento quanto ao percentual de áreas livres.

Palavras-chave: Retrofit; 14 Casas; Patrimônio de Santa Maria.

3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

Introdução

Este trabalho é resultado dos estudos acadêmicos da disciplina de Ateliê de Projeto de

Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo IX, do Curso de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), realizado durante o primeiro semestre de 2013.

A disciplina tem como temática o Patrimônio Cultural, especificamente intervenções em

edificações, conjuntos e espaços públicos de valor cultural. O objeto escolhido para estudo na

disciplina foi o conjunto remanescente de casas em fita da Rua Dr. Astrogildo Cezar de

Azevedo (FIGURA 1), conhecido por 14 casas, localizadas na Zona 2, Centro Histórico,

definido pelo Plano Diretor de Santa Maria (RS).

FIGURA 1 – O conjunto remanescente de casas em fita da Rua Dr. Astrogildo Cezar de Azevedo, no Centro Histórico de Santa Maria (RS).

Fonte: ATAU 2014.

Além de constituírem parte do patrimônio edificado do Centro Histórico do município, esses

sobrados possuem importante valor cultural para a cidade, devido à personagem de seu

empreendedor, o Dr. Astrogildo Cezar de Azevedo – que dá nome à rua. Mas antes de

abordar os aspectos materiais que justificarão a conservação dos exemplares remanescentes

deste conjunto, cabe resgatar, brevemente, alguns de seus aspectos intangíveis.

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Nascido em 30 de janeiro de 1867, na cidade de Porto Alegre, Azevedo foi uma figura

importante na história de Santa Maria, tendo atuado como médico e político. No ano de 1889,

formou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Aos 23 anos de idade, voltou ao Rio

Grande do Sul, abrindo uma clínica particular em Santa Maria.

Em julho de 1898, junto com alguns amigos, fundou e foi o primeiro presidente da Sociedade

de Caridade Santa-Mariense, responsável por lançar a pedra fundamental do primeiro e

principal hospital da cidade, inaugurado em 07 de dezembro de 1903. Azevedo trabalhou

ainda como superintendente do Serviço de Profilaxia da Peste, em 1912 e, em 1916, foi eleito

Intendente Municipal, onde se dedicou principalmente ao saneamento urbano. Mesmo em

idade avançada, nunca abandonou completamente sua clínica e visitava com frequência o

hospital, também chamado Hospital de Caridade Dr. Astrogildo Cezar de Azevedo. Azevedo

faleceu em 22 de maio de 1946, aos 79 anos (ACADEMIA, 2010).

Da atividade médica e atuação política de Azevedo todos conhecem, mas poucos sabem

sobre seu espírito empreendedor. A década de 1940 deu início a uma crescente demanda

imobiliária na cidade, impulsionada pelo crescente número de militares que chegavam à

Santa Maria junto com suas famílias e procuravam imóveis para locação. Sensível a esta

realidade, Azevedo resolve construir o conjunto caracterizado por catorze sobrados em fita

um mês após a abertura da via Marquês de Maricá, atual Rua Dr. Astrogildo Cezar de

Azevedo. Os trabalhos de projeto e de execução foram designados ao engenheiro Luiz

Bollick, responsável técnico de várias outras edificações relevantes para a cidade, como o

Edifício Mauá.

Originalmente, o conjunto residencial era constituído por catorze sobrados em fita, construído

no alinhamento, sem recuos frontais, mas com grandes pátios de fundo. O programa era

distribuído em dois pavimentos, com pequenos cômodos, totalizando cerca de noventa

metros quadrados, cada unidade autônoma. As casas possuíam telhado cerâmico aparente

em duas águas, fachada com inspiração art déco - com frisos arrematando as aberturas,

detalhes geométricos na platibanda central, paredes em tijolos maciços cozidos rebocadas

externa e internamente, janelas com escuro em venezianas de madeira e claro em caixilharia

de vidro, porta de acesso recuada em relação à fachada - arrematada por portal geométrico,

além de janela vertical em vitral colorido para iluminação da escada. No interior, piso quente

em parquet ou assoalho de madeira e frio em ladrilhos hidráulicos além de forro em madeira

com encaixe.

O conjunto das casas conferiu valor simbólico na paisagem urbana local, pelo menos até o

final do século XX, quando parte deste conjunto foi destruído. A crescente expansão

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imobiliária deu lugar a edificações de diferentes tipologias, volumetrias e proporcionalidades,

subtraindo a ideia de conjunto e destituindo-o da paisagem urbana. Hoje as sete edificações

remanescentes do conjunto possuem uso comercial ou de serviço, em conformidade com a

predominância do setor terciário no Centro Histórico da cidade.

Assim, o objetivo primeiro do trabalho acadêmico da disciplina foi justamente a liberação

destas edificações descaracterizantes situadas onde antigamente se encontrava o restante

das 14 edificações e a reconfiguração do conjunto de 14 casas, devolvendo a ideia do skyline

original. O objetivo segundo do trabalho diz respeito à apropriação do espaço livre e verde de

meio do quarteirão como suporte à revitalização do espaço, visando à melhoria ambiental da

região e proporcionando novos usos além de uma nova identidade ao conjunto.

Metodologia

O trabalho compreendeu duas etapas distintas: o registro material do bem cultural imóvel e

posterior elaboração das propostas de intervenções arquitetônicas. O registro foi feito através

de pesquisa documental e levantamento cadastral.

A primeira foi realizada em acervos públicos e privados, buscando compilar documentos

relevantes relacionados ao conjunto arquitetônico. O seu projeto original não foi obtido, sendo

inexistente nos arquivos da Prefeitura Municipal de Santa Maria. Entretanto, nele foram

obtidas plantas baixas executivas de duas reformas realizadas em uma das casas nos anos

de 1971 e 1975, servindo de base para a elaboração de uma “planta baixa histórica”,

mostrando as mudanças na articulação original dos ambientes da residência.

O acervo particular da Casa de Memória Edmundo Cardoso forneceu três fotografias em preto

e branco retratando o conjunto em etapa avançada de construção, na década de 1940,

servindo como base para a identificação dos elementos arquitetônicos originais do conjunto.

MARCHIORI (2008) ilustrou através de fotografias aéreas diferentes perspectivas do entorno

imediato ao conjunto, permitindo uma caracterização da sua ambiência urbana ao longo dos

últimos setenta anos.

Foram consultadas publicações sobre o município, a fim de se obter um embasamento

histórico do desenvolvimento do bairro Centro, do logradouro do conjunto das quatorzes

casas e as contribuições do Dr. Astrogildo Cezar de Azevedo, enquanto médico e intendente

municipal, para com Santa Maria. Complementando a pesquisa documental, a neta do Dr.

Astrogildo Cezar de Azevedo, Marina de Azevedo Klumb Dallasta forneceu um relato

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memorial com informações relevantes da época de construção e do processo de ocupação

das casas.

O levantamento cadastral consistiu na tomada das medidas planimétricas e altimétricas in

loco. O grande grupo de vinte e nove acadêmicos da disciplina foi dividido em equipes

responsáveis pelas medições para posterior elaboração de uma base de desenhos técnicos

para a realização da etapa de projeto.

Por este ser um trabalho acadêmico e o levantamento um processo demorado e com acesso

nem sempre facilitado pelos proprietários, a metodologia adotada foi realizar as medições in

loco de uma casa (módulo) e reproduzir o conjunto através da replicação de quatorze

módulos. O grupo obteve acesso a duas destas edificações. A primeira com uso comercial, e

a segunda, residencial. A edificação comercial já não apresentava mais seu pavimento térreo

com a compartimentação original, porém, o segundo pavimento ainda conservava a

distribuição dos ambientes originais. Sua fachada, embora descaracterizada, mantinha alguns

elementos originais, como ornamentos e esquadrias. Já a edificação residencial conservou-se

com poucas alterações em relação à compartimentação original, sendo verificada a

semelhança com a “planta baixa histórica”. Utilizando-se as medidas obtidas in loco e a

observação da compartimentação dos ambientes nas “plantas baixas históricas”, gerou-se

uma planta baixa genérica de uma unidade residencial, mais próxima da original, a partir da

qual foi recriado o conjunto das 14 casas. Processo semelhante foi realizado para construção

das fachadas, através da observação dos elementos arquitetônicos remanescentes e sua

comparação com fotografias de época. A etapa do levantamento cadastral gerou uma base

digital com as plantas baixas, cortes, fachadas, plantas de piso, plantas de forro e

detalhamentos de esquadrias (FIGURA 2), para o projeto de intervenção.

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FIGURA 2 – Exemplos dos desenhos gerados no levantamento para o projeto de intervenção: planta baixa do segundo pavimento de unidade autônoma (1); planta baixa do térreo de unidade autônoma

(2); corte longitudinal do conjunto (3); corte transversal de unidade autônoma (4) e fachada principal de unidade autônoma (5).

Fonte: ATAU 2014.

Resultados

O presente artigo se construiu sobre uma das vinte e nove propostas de intervenção no

conjunto arquitetônico e na forma de apropriação do espaço livre e verde de meio de quadra,

exercícios que integraram a disciplina de Ateliê de Projeto de Arquitetura, Urbanismo e

Paisagismo IX. Os resultados serão apresentados na sequência.

Caracterização do lugar

Como já mencionado, a área de intervenção localiza-se na Zona 2 do Plano Diretor de Santa

Maria, inserida no centro histórico da cidade, possuindo muitas edificações de interesse

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cultural e patrimonial, inclusive com imóveis já tombados. O início da povoação do município

se deu na região do atual bairro Centro, que se desenvolveu a partir do núcleo urbano que se

formou em torno do eixo que liga a Rua do Acampamento, uma das ruas mais antigas da

cidade, com a Avenida Rio Branco. Essa região tornou-se rapidamente muito valorizada,

especialmente pela implantação da estação ferroviária em uma das extremidades deste eixo,

ao final do século XIX, servindo de atrativo para a implementação de muitos outros

empreendimentos comerciais e de serviços, caráter mantido até os dias atuais.

Dessa forma, o objetivo geral da proposta de intervenção envolve manter o caráter terciário

estabelecido no entorno imediato, ao direcionar o objeto - conjunto das 14 casas - para um

empreendimento comercial-cultural voltado às artes plásticas e afins, incentivando

empreendimentos voltados a este setor, tanto nas edificações preexistentes quanto na nova

inserção. O conceito cria uma nova identidade para a Rua Dr. Astrogildo Cezar de Azevedo,

caracterizando-a como Rua das Artes.

Santa Maria conviveu durante muito tempo com a expressão de cidade cultura. Desde os

primórdios de seu povoamento, em 1797, o acampamento da Comissão de Demarcação de

Limites na América Meridional, tinha entre seus engenheiros portugueses, liderados por José

Saldanha, “um pequeno e seleto número de técnicos e intelectuais, a serviço de sua grei e de

sua cultura” (BELTRÃO, 2012, p.21), que redigia e ordenava notas, elaborava relatórios e

outros documentos relacionados com a missão que cumpriam. Este passado histórico se

identifica com o macroprocesso cultural (SANTA MARIA CIDADE CULTURA, 2003, p. 72).

A identificação da cidade com a cultura ainda encontrou luz nas primeiras décadas do século

XX. A oferta de cultura erudita, em 1932, era considerada além da satisfatória, em se tratando

de uma cidade de interior, com 32.742 habitantes (BELÉM, 2000). No caso do teatro, por

exemplo, além do teatro amador, Santa Maria foi palco de exibições teatrais que tinham como

destino o Uruguai e a Argentina, e igualmente das que vinham de lá para Porto Alegre, São

Paulo e Rio de Janeiro. Esta “efervescência cultural” também se manifestou através do

cinema, tendo sido inaugurados, entre 1911 e 1937, quatro cinemas na cidade, “com um

mínimo de oito sessões diárias, com películas de primeira classe, quase todas exibidas em

primeira mão, no Estado” (SANTOS; SANTOS, 2008, p. 106).

Entretanto, a associação feita entre a Cidade e a cultura só foi construída quando do

entrelaçamento entre os conceitos cultura e universidade, verificados aqui a partir da criação

da primeira universidade pública no interior do país, em 1960. Há quem diga que, quem

instituiu a expressão “cidade cultura” foi o próprio José Mariano da Rocha Filho, criador da

Universidade Federal de Santa Maria. Segundo Prof. Mariano, a relação entre universidade e

cultura era entendida “através de sua proposta de uma plena integração entre a Terra, o

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Homem e a Educação” (SANTA MARIA CIDADE CULTURA, 2003, p. 84). Há quem diga que

a diversidade de pessoas é o que torna Santa Maria uma Cidade Cultura (BENADUCE, 2012).

“Santa Maria traz no seu entorno, para viver e conviver na sua cidade, pessoas dos mais

diferentes lugares, das mais diferentes matizes, que vivem e convivem das mais diferentes

formas. Isso torna, por si só, Santa Maria uma cidade multicultural, abrangente no seu entorno

cultural e nas suas ações culturais” (BENADUCE, 2012).

Além disso, Santa Maria é um pólo irradiador de arte, teatro, dança e música, além de servir

de cenário para grandes eventos, como o Festival Internacional de Balonismo, o Santa Maria

em Dança e o Festival de Inverno da Universidade Federal de Santa Maria. Dentro desse

contexto, a ideia de um espaço na cidade voltado à temática das artes visa ratificar e

incentivar esse título de Cidade Cultura. Propõe-se também que os espaços sejam utilizados

em parceria com os cursos de Artes Visuais, Artes Cênicas, Dança e Música, tanto da

Universidade Federal de Santa Maria como de outras instituições de ensino superior da

cidade, valorizando e incentivando a disseminação da produção acadêmica.

Caracterização da função

As sete casas em fita preexistentes foram transformadas em estabelecimentos comerciais e

de serviço voltados à arte: pintura, design, escultura, moda ou outros usos afins, com lojas no

térreo e ateliês no segundo pavimento. Para a nova edificação, ao lado das sete casas

preexistentes, propõe-se uma galeria de arte destinada à exposição dos produtos produzidos

nos ateliês locais ou oriundos de outros. A última das sete casas precedentes, que fica ao lado

da nova inserção, tem configuração em planta diferenciada das demais, pois serve como

apoio à galeria, contendo os sanitários e depósito.

Seguindo uma das diretrizes da disciplina de aproveitar o miolo de quadra verde, a intenção

no projeto em questão foi a de dar um complemento de área livre ao equipamento de caráter

comercial – cultural. A ideia foi criar uma área verde semi-pública, onde possam ser realizadas

oficinas de pintura ao ar livre, apresentações de dança, teatro e outros eventos. A área terá

um caráter de pocket park e não de praça, com grandes extensões de área gramada,

incentivando o convívio e a interação entre as pessoas, bem como a contemplação da

paisagem. Além disso, propõe-se uma arena central pavimentada com espaço voltado para

exposições e oficinas, além de recantos com bancos para descanso e convivencia. Por fim,

essa área contará também com um pequeno anfiteatro, onde acontecerão as apresentações

cênicas (FIGURA 3).

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A fim de evitar que essa área se torne insegura e deserta, mas incentivar o trânsito de

pessoas na região, é proposta a abertura de outras vias de caráter local e a inserção novos

lotes internos voltados ao comércio. Uma das novas ruas (Rua A) configura-se como uma

continuação da Rua Roque Calage, ligando a Rua Astrogildo de Azevedo com a Rua Tuiuti. A

outra via (Rua B) é perpendicular à Rua Riachuelo, porém não se estende até a Rua do

Acampamento pois, segundo definições do grupo nos exercícios anteriores, esta última

passará a ser um largo, perdendo o caráter de leito de veículos. Assim, a Rua B se estende

somente até a Rua A.

Além disso, propõe-se uma outra edificação em formato de U, mais interna, abraçando a área

verde do miolo da quadra, perfazendo cinco salas comerciais de tamanhos variados.

Seguindo a mesma caracterização do resto do projeto, essas salas comerciais terão uso

voltados a outros tipos de arte como fotografia, dança, arquitetura, teatro, música, etc.

FIGURA 3 – Implantação do conjunto: nova edificação (01); sete casas existentes (02); edificação em formato de U (03); área verde para estar e convivência (04); praça seca (05); anfiteatro (06); Rua

Astrogildo de Azevedo (07); Rua Riachuelo (08); Rua A (09); Rua B (10); atual Rua do Acampamento (11) e Rua Roque Calage (12).

A proposta de revitalizar uma área muitas vezes subutilizada, que é o miolo dos quarteirões,

contribui com o aumento de áreas livres verdes compartilhadas e, consequentemente, com o

aumento da qualidade de vida da população. Assim como tantas outras cidades, Santa Maria

carece de espaços públicos arborizados de qualidade e com infra-estrutura adequada,

principalmente no centro da cidade. Atualmente, grande parte dos shows, apresentações e

eventos públicos ocorrem na Praça Saldanha Marinho, uma das principais praças localizadas

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no centro da cidade, bem próxima ao empreendimento em questão. Porém, esse espaço nem

sempre possui a infra-estrutura necessária para os eventos que ali se instalam, prejudicando

a sua realização. Assim, o presente trabalho apresenta a proposta de um outro espaço

voltado diretamente a essa finalidade, além de ser integrado com vários estabelecimentos que

seguem a mesma temática, criando uma identidade para o conjunto.

Caracterização da forma

Outra diretriz da disciplina foi reproduzir, em nova inserção, o antigo skyline das 14 casas,

com a suplementação de outros sete volumes, voltando a ideia de conjunto às outras sete

casas em fita que ali existiam e que completavam o conjunto dos quatorze sobrados

residenciais. Dessa forma, primeiramente, foram realizados diversos estudos de volumetria, a

fim de encontrar a melhor solução que se enquadrasse nessa reprodução.

Em uma primeira proposta, foi pensado uma marcação dos volumes através de elementos

construtivos que ficassem aparentes na fachada. Porém, essa solução não enfatizava o

suficiente a ideia de conjunto necessária. Em seguida, foi analisado como ficaria uma

marcação através de um escalonamento de cobertura, mas novamente não se obteve o

resultado esperado. Por último, chegou-se a uma fachada marcada por um jogo de volumes

que ora avançam, ora retrocedem (FIGURA 4). Esse jogo de volumes, recuado em relação ao

limite do passeio, remeteu à impressão de escalonamento das sete casas originais, obtida em

razão da inclinação da rua, dando a ideia de que elas têm diferentes alturas. Esse jogo de

volumes que marcou a fachada contribuiu também para a distribuição espacial da galeria,

visto que forneceu mais espaços para a exposição de obras.

A fim de obter unidade volumétrica, propôs-se um outro elemento que envolveu o edifício,

neste caso também acompanhando a inclinação da rua. A cobertura avança até o limite do

passeio da Rua Astrogildo de Azevedo, bem como sobre parte do passeio da Rua A, onde

localiza-se o acesso da edificação, funcionando como um beiral, marcando um dos acessos

para o interior do quarteirão.

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FIGURA 4 – Reconfiguração do skyline com os quatorze volumes (01); planta baixa do conjunto das sete casas existentes mais a galeria (02); perspectiva a partir da Rua Astrogildo de Azevedo (03);

perspectiva vôo de pássaro da proposta (04).

A partir do desnível total de três metros existente entre um extremo e outro da galeria de arte,

foram criados três níveis internos a fim de manter a ligação tanto da galeria quanto com a

última casa que serve de apoio, como também com o acesso que se dá através da Rua A,

perpendicular ao conjunto. Devido a esse desnível total e a metragem de rampa que isso

implica, foi proposto um volume na fachada posterior sul da edificação destacando a rampa de

acessibilidade. Além de liberar espaço dentro da galeria, o volume envidraçado auxilia na

integração entre interior com exterior e deixa passar iluminação natural, que, por ser voltada a

sul, será uma iluminação indireta, sem a incidência direta dos raios solares dentro da

edificação, o que não é desejável nesse tipo de empreendimento.

Em relação à edificação do miolo de quadra, que comporta as salas comerciais,

optou-se por uma volumetria em U pois acredita-se que nesse caso é a melhor forma para

conseguir a integração desejada entre o bloco e a área verde interior. Devido ao desnível do

terreno, propõe-se que a edificação seja composta de 3 blocos escalonados possibilitando a

exitência de salas comerciais em vários níveis e remetendo, mais uma vez, a ideia de

escalonamento que existe entre as sete casas existentes. Para manter a unidade em relação

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ao conjunto, dispensa-se o telhado aparente, utilizando platibanda com telhado de

fibrocimento.

A configuração das sete casas preexistentes também sofre alterações para se adequar ao

novo uso comercial. Serão retiradas todas as paredes internas da casa, com exceção das que

envolvem a lavanderia no pavimento térreo, que será transformada em um sanitário, e do

sanitário no segundo pavimento que, de acordo com a proposta, tornar-se-á um almoxarifado

ou depósito. Além disso, será fechado o vão da porta que dá acesso ao pátio e aberto um vão

na ligação da última casa com a galeria. Assim, o pavimento térreo será ocupado pelo setor

comercial dos empreendimentos, enquanto que o segundo pavimento contará com o setor

administrativo e com o espaço destinado aos ateliês.

A escada existente deverá ser substituída por uma outra, metálica e melhor dimensionada. A

laje do segundo pavimento deverá receber reforços estruturais. No primeiro pavimento haverá

também a substituição das esquadrias originais por esquadrias metálica com vidro fixo

configurando vitrines, permitindo visuais para o interior da edificação. As esquadrias do

segundo pavimento, porém, permanecerão as mesmas, recebendo apenas alguns reparos e

outra demão de pintura. Para resgatar a unidade entre as edificações existentes, propõe-se a

pintura de todas as fachadas na cor branca. Além de contrastar com o novo volume proposto

da galeria, essa cor não compete com os produtos expostos nas vitrines das lojas, que

geralmente envolvem muito o uso da cor.

Caracterização da matéria

As novas edificações (tanto a galeria como o bloco de salas comerciais) serão construídos

com materiais industrializados: estrutura metálica e fechamentos de placa cimentícia e placas

de ACM. Optou-se por utilizar esses sistemas construtivos pelas inúmeras vantagens que

apresentam, como facilidade de manutenção e agilidade de execução, facilidade de acesso

às instalações elétricas e hidráulicas e principalmente por serem sistemas de construção

secos, que quase não desperdiçam material, gerando menos entulho e otimizando o tempo de

construção, trasformando o canteiro de obras em uma linha de montagem.

O fechamento entre os pilares metálicos será com Placas Cimentícias Ecoplac, da

Decorlit. São fixadas em perfis de aço espaçados a cada 40cm. Podem ser usadas tanto em

paredes externas quanto em internas e aceitam diversos tipos de revestimentos. Nas faces

externas do bloco da galeria e do volume dos sanitários e depósito do bloco das salas

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comerciais, as placas receberão tratamento nas juntas e duas demãos de selante

impermeabilizante, ficando aparentes. Nas faces internas de ambos os blocos e nas externas

do restante do bloco das salas comerciais, as placas receberão selante impermeabilizante e

pintura elastomérica 400%.

O ACM (Aluminium Composite Material) é um material composto de alumínio, formado por

duas chapas de alumínio conectadas através de um núcleo de polietileno de baixa densidade.

Possui espessura total de cerca de 4mm e pode ser produzido em diversas cores. É muito

utilizado como revestimento de fachada devido à sua ótima planicidade e leveza, facilidade de

montagem e manutenção e a possibilidade de se projetar em grandes modulações. O ACM se

adapta facilmente a superfícies curvas e formas geométricas. Outra vantagem desse tipo de

revestimento é que dispensa qualquer tipo de reboco sobre a superfície onde será aplicado,

sendo instalado diretamente o ACM na parede de tijolo. Isso reduz o tempo de execução e

gastos desnecessários com revestimentos que não ficarão aparentes.

Conclusão

Cada vez mais as cidades estão preenchidas de novas construções e alguma arquitetura. A

renovação destas é eminente e necessária no passar do tempo. Enquanto as obras estão

estagnadas no tempo e no espaço em que foram concebidas, a cidade evolui. Surgem novos

habitantes, novas demandas, novos costumes e a atualização torna-se primordial e deve ser

feita com cautela, principalmente em casos semelhantes ao objeto de estudo desse trabalho.

Especialmente em se tratando de revitalização de edificação de valor cultural, tornando o

processo ainda mais complexo, pois o trabalho a ser feito vai muito além de questões

tecno-mercadológicas, mas envolve a função simbólica, influenciada desde a inserção no

lugar, aos aspectos compositivos da forma, materialidade, e usos pelas quais passaram.

O trabalho apresentado reflete esta preocupação com a atualização da arquitetura

preexistente na cidade, em que o condicionante principal a ser considerado em projeto é todo

e qualquer precedente consolidado e marcante na paisagem urbana. A proposta apresenta

um resultado harmonioso na articulação entre novo e antigo, traduzido através da valorização

do conjunto e na ausência de competição entre as partes. Alcança-se assim o objetivo

primeiro do trabalho, que foi reconfigurar o skyline original do conjunto das 14 casas.

Além disso, o trabalho desenvolvido na disciplina trouxe à tona a questão dos miolos de

quarteirões verdes subutilizados versus aproveitamento do solo urbanizado e da

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infraestrutura existente em áreas de alto valor imobiliário. Alcança-se o objetivo, segundo a

avaliação final do trabalho a partir de propostas de remembramentos e desmembramentos

que compatibilizam a preservação de bens de valor cultural com o mercado imobiliário

controlado. Esta possibilidade pode ir muito além da esfera patrimonial, uma vez que os

vazios em meio de quarteirão não é um fato isolado ao exemplo do quarteirão do conjunto das

14 casas.

Referências

ACADEMIA SUL-RIOGRANDENSE DE MEDICINA. Astrogildo Cesar de Azevedo: o

médico, o cidadão e o homem. Porto Alegre, 2010. Disponível em

<http://www.academiademedicinars.com.br/curriculo-detalhe.php?idcurriculo=62> Acesso

em 18 ago. 2014.

ALMEIDA, L. G. B. Retratos e Memórias. Santa Maria: Pallotti, 2007. 92p.

BELÉM, J. História do município de Santa Maria 1797-1933. Santa Maria: Ed. Da UFSM,

2000. 309p.

BELTRÃO, R. Cronologia Histórica de Santa Maria. Canoas: Tipografia Editora La Salle,

1979. 582p.

BENADUCE, G. Uma cidade com cultura. Santa Maria 18 jun. 2012. Disponível em:

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