RETROFIT DAS ANTIGAS 14 CASAS EM SANTA MARIA/RS
SOCAL, ANA JÚLIA SCORTEGAGNA (1); ROMANO, LEONORA (2)
1. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Departamento de Arquitetura e Urbanismo
Rua José de Souza Lima, 135 – São José – Santa Maria, RS [email protected]
2. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Departamento de Arquitetura e Urbanismo
Campus da UFSM, Prédio 30, Sala 204 – Camobi – Santa Maria, RS. [email protected]
RESUMO Este artigo tem como premissa apresentar uma proposta de reconfiguração volumétrica de um conjunto residencial tradicional de catorze sobrados em fita conhecido por 14 casas, construído na década de 1940, na cidade de Santa Maria, RS. Ao final do século XX, parte desse conjunto foi substituído por edificações de diferentes tipologias, volumetrias e proporcionalidades, subtraindo a ideia de conjunto e banalizando a paisagem urbana local. Os estudos objetivaram, desde a liberação das edificações descaracterizantes, até o retrofit das casas remanescentes, passando pela reconfiguração do skyline do conjunto de quatorze sobrados - através da inserção de sete novos volumes – finalizado pela apropriação do interior do quarteirão, um miolo de quadra verde e subutilizado, que dará suporte ao empreendimento quanto ao percentual de áreas livres.
Palavras-chave: Retrofit; 14 Casas; Patrimônio de Santa Maria.
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
Introdução
Este trabalho é resultado dos estudos acadêmicos da disciplina de Ateliê de Projeto de
Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo IX, do Curso de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), realizado durante o primeiro semestre de 2013.
A disciplina tem como temática o Patrimônio Cultural, especificamente intervenções em
edificações, conjuntos e espaços públicos de valor cultural. O objeto escolhido para estudo na
disciplina foi o conjunto remanescente de casas em fita da Rua Dr. Astrogildo Cezar de
Azevedo (FIGURA 1), conhecido por 14 casas, localizadas na Zona 2, Centro Histórico,
definido pelo Plano Diretor de Santa Maria (RS).
FIGURA 1 – O conjunto remanescente de casas em fita da Rua Dr. Astrogildo Cezar de Azevedo, no Centro Histórico de Santa Maria (RS).
Fonte: ATAU 2014.
Além de constituírem parte do patrimônio edificado do Centro Histórico do município, esses
sobrados possuem importante valor cultural para a cidade, devido à personagem de seu
empreendedor, o Dr. Astrogildo Cezar de Azevedo – que dá nome à rua. Mas antes de
abordar os aspectos materiais que justificarão a conservação dos exemplares remanescentes
deste conjunto, cabe resgatar, brevemente, alguns de seus aspectos intangíveis.
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Nascido em 30 de janeiro de 1867, na cidade de Porto Alegre, Azevedo foi uma figura
importante na história de Santa Maria, tendo atuado como médico e político. No ano de 1889,
formou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Aos 23 anos de idade, voltou ao Rio
Grande do Sul, abrindo uma clínica particular em Santa Maria.
Em julho de 1898, junto com alguns amigos, fundou e foi o primeiro presidente da Sociedade
de Caridade Santa-Mariense, responsável por lançar a pedra fundamental do primeiro e
principal hospital da cidade, inaugurado em 07 de dezembro de 1903. Azevedo trabalhou
ainda como superintendente do Serviço de Profilaxia da Peste, em 1912 e, em 1916, foi eleito
Intendente Municipal, onde se dedicou principalmente ao saneamento urbano. Mesmo em
idade avançada, nunca abandonou completamente sua clínica e visitava com frequência o
hospital, também chamado Hospital de Caridade Dr. Astrogildo Cezar de Azevedo. Azevedo
faleceu em 22 de maio de 1946, aos 79 anos (ACADEMIA, 2010).
Da atividade médica e atuação política de Azevedo todos conhecem, mas poucos sabem
sobre seu espírito empreendedor. A década de 1940 deu início a uma crescente demanda
imobiliária na cidade, impulsionada pelo crescente número de militares que chegavam à
Santa Maria junto com suas famílias e procuravam imóveis para locação. Sensível a esta
realidade, Azevedo resolve construir o conjunto caracterizado por catorze sobrados em fita
um mês após a abertura da via Marquês de Maricá, atual Rua Dr. Astrogildo Cezar de
Azevedo. Os trabalhos de projeto e de execução foram designados ao engenheiro Luiz
Bollick, responsável técnico de várias outras edificações relevantes para a cidade, como o
Edifício Mauá.
Originalmente, o conjunto residencial era constituído por catorze sobrados em fita, construído
no alinhamento, sem recuos frontais, mas com grandes pátios de fundo. O programa era
distribuído em dois pavimentos, com pequenos cômodos, totalizando cerca de noventa
metros quadrados, cada unidade autônoma. As casas possuíam telhado cerâmico aparente
em duas águas, fachada com inspiração art déco - com frisos arrematando as aberturas,
detalhes geométricos na platibanda central, paredes em tijolos maciços cozidos rebocadas
externa e internamente, janelas com escuro em venezianas de madeira e claro em caixilharia
de vidro, porta de acesso recuada em relação à fachada - arrematada por portal geométrico,
além de janela vertical em vitral colorido para iluminação da escada. No interior, piso quente
em parquet ou assoalho de madeira e frio em ladrilhos hidráulicos além de forro em madeira
com encaixe.
O conjunto das casas conferiu valor simbólico na paisagem urbana local, pelo menos até o
final do século XX, quando parte deste conjunto foi destruído. A crescente expansão
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imobiliária deu lugar a edificações de diferentes tipologias, volumetrias e proporcionalidades,
subtraindo a ideia de conjunto e destituindo-o da paisagem urbana. Hoje as sete edificações
remanescentes do conjunto possuem uso comercial ou de serviço, em conformidade com a
predominância do setor terciário no Centro Histórico da cidade.
Assim, o objetivo primeiro do trabalho acadêmico da disciplina foi justamente a liberação
destas edificações descaracterizantes situadas onde antigamente se encontrava o restante
das 14 edificações e a reconfiguração do conjunto de 14 casas, devolvendo a ideia do skyline
original. O objetivo segundo do trabalho diz respeito à apropriação do espaço livre e verde de
meio do quarteirão como suporte à revitalização do espaço, visando à melhoria ambiental da
região e proporcionando novos usos além de uma nova identidade ao conjunto.
Metodologia
O trabalho compreendeu duas etapas distintas: o registro material do bem cultural imóvel e
posterior elaboração das propostas de intervenções arquitetônicas. O registro foi feito através
de pesquisa documental e levantamento cadastral.
A primeira foi realizada em acervos públicos e privados, buscando compilar documentos
relevantes relacionados ao conjunto arquitetônico. O seu projeto original não foi obtido, sendo
inexistente nos arquivos da Prefeitura Municipal de Santa Maria. Entretanto, nele foram
obtidas plantas baixas executivas de duas reformas realizadas em uma das casas nos anos
de 1971 e 1975, servindo de base para a elaboração de uma “planta baixa histórica”,
mostrando as mudanças na articulação original dos ambientes da residência.
O acervo particular da Casa de Memória Edmundo Cardoso forneceu três fotografias em preto
e branco retratando o conjunto em etapa avançada de construção, na década de 1940,
servindo como base para a identificação dos elementos arquitetônicos originais do conjunto.
MARCHIORI (2008) ilustrou através de fotografias aéreas diferentes perspectivas do entorno
imediato ao conjunto, permitindo uma caracterização da sua ambiência urbana ao longo dos
últimos setenta anos.
Foram consultadas publicações sobre o município, a fim de se obter um embasamento
histórico do desenvolvimento do bairro Centro, do logradouro do conjunto das quatorzes
casas e as contribuições do Dr. Astrogildo Cezar de Azevedo, enquanto médico e intendente
municipal, para com Santa Maria. Complementando a pesquisa documental, a neta do Dr.
Astrogildo Cezar de Azevedo, Marina de Azevedo Klumb Dallasta forneceu um relato
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memorial com informações relevantes da época de construção e do processo de ocupação
das casas.
O levantamento cadastral consistiu na tomada das medidas planimétricas e altimétricas in
loco. O grande grupo de vinte e nove acadêmicos da disciplina foi dividido em equipes
responsáveis pelas medições para posterior elaboração de uma base de desenhos técnicos
para a realização da etapa de projeto.
Por este ser um trabalho acadêmico e o levantamento um processo demorado e com acesso
nem sempre facilitado pelos proprietários, a metodologia adotada foi realizar as medições in
loco de uma casa (módulo) e reproduzir o conjunto através da replicação de quatorze
módulos. O grupo obteve acesso a duas destas edificações. A primeira com uso comercial, e
a segunda, residencial. A edificação comercial já não apresentava mais seu pavimento térreo
com a compartimentação original, porém, o segundo pavimento ainda conservava a
distribuição dos ambientes originais. Sua fachada, embora descaracterizada, mantinha alguns
elementos originais, como ornamentos e esquadrias. Já a edificação residencial conservou-se
com poucas alterações em relação à compartimentação original, sendo verificada a
semelhança com a “planta baixa histórica”. Utilizando-se as medidas obtidas in loco e a
observação da compartimentação dos ambientes nas “plantas baixas históricas”, gerou-se
uma planta baixa genérica de uma unidade residencial, mais próxima da original, a partir da
qual foi recriado o conjunto das 14 casas. Processo semelhante foi realizado para construção
das fachadas, através da observação dos elementos arquitetônicos remanescentes e sua
comparação com fotografias de época. A etapa do levantamento cadastral gerou uma base
digital com as plantas baixas, cortes, fachadas, plantas de piso, plantas de forro e
detalhamentos de esquadrias (FIGURA 2), para o projeto de intervenção.
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FIGURA 2 – Exemplos dos desenhos gerados no levantamento para o projeto de intervenção: planta baixa do segundo pavimento de unidade autônoma (1); planta baixa do térreo de unidade autônoma
(2); corte longitudinal do conjunto (3); corte transversal de unidade autônoma (4) e fachada principal de unidade autônoma (5).
Fonte: ATAU 2014.
Resultados
O presente artigo se construiu sobre uma das vinte e nove propostas de intervenção no
conjunto arquitetônico e na forma de apropriação do espaço livre e verde de meio de quadra,
exercícios que integraram a disciplina de Ateliê de Projeto de Arquitetura, Urbanismo e
Paisagismo IX. Os resultados serão apresentados na sequência.
Caracterização do lugar
Como já mencionado, a área de intervenção localiza-se na Zona 2 do Plano Diretor de Santa
Maria, inserida no centro histórico da cidade, possuindo muitas edificações de interesse
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cultural e patrimonial, inclusive com imóveis já tombados. O início da povoação do município
se deu na região do atual bairro Centro, que se desenvolveu a partir do núcleo urbano que se
formou em torno do eixo que liga a Rua do Acampamento, uma das ruas mais antigas da
cidade, com a Avenida Rio Branco. Essa região tornou-se rapidamente muito valorizada,
especialmente pela implantação da estação ferroviária em uma das extremidades deste eixo,
ao final do século XIX, servindo de atrativo para a implementação de muitos outros
empreendimentos comerciais e de serviços, caráter mantido até os dias atuais.
Dessa forma, o objetivo geral da proposta de intervenção envolve manter o caráter terciário
estabelecido no entorno imediato, ao direcionar o objeto - conjunto das 14 casas - para um
empreendimento comercial-cultural voltado às artes plásticas e afins, incentivando
empreendimentos voltados a este setor, tanto nas edificações preexistentes quanto na nova
inserção. O conceito cria uma nova identidade para a Rua Dr. Astrogildo Cezar de Azevedo,
caracterizando-a como Rua das Artes.
Santa Maria conviveu durante muito tempo com a expressão de cidade cultura. Desde os
primórdios de seu povoamento, em 1797, o acampamento da Comissão de Demarcação de
Limites na América Meridional, tinha entre seus engenheiros portugueses, liderados por José
Saldanha, “um pequeno e seleto número de técnicos e intelectuais, a serviço de sua grei e de
sua cultura” (BELTRÃO, 2012, p.21), que redigia e ordenava notas, elaborava relatórios e
outros documentos relacionados com a missão que cumpriam. Este passado histórico se
identifica com o macroprocesso cultural (SANTA MARIA CIDADE CULTURA, 2003, p. 72).
A identificação da cidade com a cultura ainda encontrou luz nas primeiras décadas do século
XX. A oferta de cultura erudita, em 1932, era considerada além da satisfatória, em se tratando
de uma cidade de interior, com 32.742 habitantes (BELÉM, 2000). No caso do teatro, por
exemplo, além do teatro amador, Santa Maria foi palco de exibições teatrais que tinham como
destino o Uruguai e a Argentina, e igualmente das que vinham de lá para Porto Alegre, São
Paulo e Rio de Janeiro. Esta “efervescência cultural” também se manifestou através do
cinema, tendo sido inaugurados, entre 1911 e 1937, quatro cinemas na cidade, “com um
mínimo de oito sessões diárias, com películas de primeira classe, quase todas exibidas em
primeira mão, no Estado” (SANTOS; SANTOS, 2008, p. 106).
Entretanto, a associação feita entre a Cidade e a cultura só foi construída quando do
entrelaçamento entre os conceitos cultura e universidade, verificados aqui a partir da criação
da primeira universidade pública no interior do país, em 1960. Há quem diga que, quem
instituiu a expressão “cidade cultura” foi o próprio José Mariano da Rocha Filho, criador da
Universidade Federal de Santa Maria. Segundo Prof. Mariano, a relação entre universidade e
cultura era entendida “através de sua proposta de uma plena integração entre a Terra, o
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Homem e a Educação” (SANTA MARIA CIDADE CULTURA, 2003, p. 84). Há quem diga que
a diversidade de pessoas é o que torna Santa Maria uma Cidade Cultura (BENADUCE, 2012).
“Santa Maria traz no seu entorno, para viver e conviver na sua cidade, pessoas dos mais
diferentes lugares, das mais diferentes matizes, que vivem e convivem das mais diferentes
formas. Isso torna, por si só, Santa Maria uma cidade multicultural, abrangente no seu entorno
cultural e nas suas ações culturais” (BENADUCE, 2012).
Além disso, Santa Maria é um pólo irradiador de arte, teatro, dança e música, além de servir
de cenário para grandes eventos, como o Festival Internacional de Balonismo, o Santa Maria
em Dança e o Festival de Inverno da Universidade Federal de Santa Maria. Dentro desse
contexto, a ideia de um espaço na cidade voltado à temática das artes visa ratificar e
incentivar esse título de Cidade Cultura. Propõe-se também que os espaços sejam utilizados
em parceria com os cursos de Artes Visuais, Artes Cênicas, Dança e Música, tanto da
Universidade Federal de Santa Maria como de outras instituições de ensino superior da
cidade, valorizando e incentivando a disseminação da produção acadêmica.
Caracterização da função
As sete casas em fita preexistentes foram transformadas em estabelecimentos comerciais e
de serviço voltados à arte: pintura, design, escultura, moda ou outros usos afins, com lojas no
térreo e ateliês no segundo pavimento. Para a nova edificação, ao lado das sete casas
preexistentes, propõe-se uma galeria de arte destinada à exposição dos produtos produzidos
nos ateliês locais ou oriundos de outros. A última das sete casas precedentes, que fica ao lado
da nova inserção, tem configuração em planta diferenciada das demais, pois serve como
apoio à galeria, contendo os sanitários e depósito.
Seguindo uma das diretrizes da disciplina de aproveitar o miolo de quadra verde, a intenção
no projeto em questão foi a de dar um complemento de área livre ao equipamento de caráter
comercial – cultural. A ideia foi criar uma área verde semi-pública, onde possam ser realizadas
oficinas de pintura ao ar livre, apresentações de dança, teatro e outros eventos. A área terá
um caráter de pocket park e não de praça, com grandes extensões de área gramada,
incentivando o convívio e a interação entre as pessoas, bem como a contemplação da
paisagem. Além disso, propõe-se uma arena central pavimentada com espaço voltado para
exposições e oficinas, além de recantos com bancos para descanso e convivencia. Por fim,
essa área contará também com um pequeno anfiteatro, onde acontecerão as apresentações
cênicas (FIGURA 3).
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A fim de evitar que essa área se torne insegura e deserta, mas incentivar o trânsito de
pessoas na região, é proposta a abertura de outras vias de caráter local e a inserção novos
lotes internos voltados ao comércio. Uma das novas ruas (Rua A) configura-se como uma
continuação da Rua Roque Calage, ligando a Rua Astrogildo de Azevedo com a Rua Tuiuti. A
outra via (Rua B) é perpendicular à Rua Riachuelo, porém não se estende até a Rua do
Acampamento pois, segundo definições do grupo nos exercícios anteriores, esta última
passará a ser um largo, perdendo o caráter de leito de veículos. Assim, a Rua B se estende
somente até a Rua A.
Além disso, propõe-se uma outra edificação em formato de U, mais interna, abraçando a área
verde do miolo da quadra, perfazendo cinco salas comerciais de tamanhos variados.
Seguindo a mesma caracterização do resto do projeto, essas salas comerciais terão uso
voltados a outros tipos de arte como fotografia, dança, arquitetura, teatro, música, etc.
FIGURA 3 – Implantação do conjunto: nova edificação (01); sete casas existentes (02); edificação em formato de U (03); área verde para estar e convivência (04); praça seca (05); anfiteatro (06); Rua
Astrogildo de Azevedo (07); Rua Riachuelo (08); Rua A (09); Rua B (10); atual Rua do Acampamento (11) e Rua Roque Calage (12).
A proposta de revitalizar uma área muitas vezes subutilizada, que é o miolo dos quarteirões,
contribui com o aumento de áreas livres verdes compartilhadas e, consequentemente, com o
aumento da qualidade de vida da população. Assim como tantas outras cidades, Santa Maria
carece de espaços públicos arborizados de qualidade e com infra-estrutura adequada,
principalmente no centro da cidade. Atualmente, grande parte dos shows, apresentações e
eventos públicos ocorrem na Praça Saldanha Marinho, uma das principais praças localizadas
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no centro da cidade, bem próxima ao empreendimento em questão. Porém, esse espaço nem
sempre possui a infra-estrutura necessária para os eventos que ali se instalam, prejudicando
a sua realização. Assim, o presente trabalho apresenta a proposta de um outro espaço
voltado diretamente a essa finalidade, além de ser integrado com vários estabelecimentos que
seguem a mesma temática, criando uma identidade para o conjunto.
Caracterização da forma
Outra diretriz da disciplina foi reproduzir, em nova inserção, o antigo skyline das 14 casas,
com a suplementação de outros sete volumes, voltando a ideia de conjunto às outras sete
casas em fita que ali existiam e que completavam o conjunto dos quatorze sobrados
residenciais. Dessa forma, primeiramente, foram realizados diversos estudos de volumetria, a
fim de encontrar a melhor solução que se enquadrasse nessa reprodução.
Em uma primeira proposta, foi pensado uma marcação dos volumes através de elementos
construtivos que ficassem aparentes na fachada. Porém, essa solução não enfatizava o
suficiente a ideia de conjunto necessária. Em seguida, foi analisado como ficaria uma
marcação através de um escalonamento de cobertura, mas novamente não se obteve o
resultado esperado. Por último, chegou-se a uma fachada marcada por um jogo de volumes
que ora avançam, ora retrocedem (FIGURA 4). Esse jogo de volumes, recuado em relação ao
limite do passeio, remeteu à impressão de escalonamento das sete casas originais, obtida em
razão da inclinação da rua, dando a ideia de que elas têm diferentes alturas. Esse jogo de
volumes que marcou a fachada contribuiu também para a distribuição espacial da galeria,
visto que forneceu mais espaços para a exposição de obras.
A fim de obter unidade volumétrica, propôs-se um outro elemento que envolveu o edifício,
neste caso também acompanhando a inclinação da rua. A cobertura avança até o limite do
passeio da Rua Astrogildo de Azevedo, bem como sobre parte do passeio da Rua A, onde
localiza-se o acesso da edificação, funcionando como um beiral, marcando um dos acessos
para o interior do quarteirão.
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FIGURA 4 – Reconfiguração do skyline com os quatorze volumes (01); planta baixa do conjunto das sete casas existentes mais a galeria (02); perspectiva a partir da Rua Astrogildo de Azevedo (03);
perspectiva vôo de pássaro da proposta (04).
A partir do desnível total de três metros existente entre um extremo e outro da galeria de arte,
foram criados três níveis internos a fim de manter a ligação tanto da galeria quanto com a
última casa que serve de apoio, como também com o acesso que se dá através da Rua A,
perpendicular ao conjunto. Devido a esse desnível total e a metragem de rampa que isso
implica, foi proposto um volume na fachada posterior sul da edificação destacando a rampa de
acessibilidade. Além de liberar espaço dentro da galeria, o volume envidraçado auxilia na
integração entre interior com exterior e deixa passar iluminação natural, que, por ser voltada a
sul, será uma iluminação indireta, sem a incidência direta dos raios solares dentro da
edificação, o que não é desejável nesse tipo de empreendimento.
Em relação à edificação do miolo de quadra, que comporta as salas comerciais,
optou-se por uma volumetria em U pois acredita-se que nesse caso é a melhor forma para
conseguir a integração desejada entre o bloco e a área verde interior. Devido ao desnível do
terreno, propõe-se que a edificação seja composta de 3 blocos escalonados possibilitando a
exitência de salas comerciais em vários níveis e remetendo, mais uma vez, a ideia de
escalonamento que existe entre as sete casas existentes. Para manter a unidade em relação
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ao conjunto, dispensa-se o telhado aparente, utilizando platibanda com telhado de
fibrocimento.
A configuração das sete casas preexistentes também sofre alterações para se adequar ao
novo uso comercial. Serão retiradas todas as paredes internas da casa, com exceção das que
envolvem a lavanderia no pavimento térreo, que será transformada em um sanitário, e do
sanitário no segundo pavimento que, de acordo com a proposta, tornar-se-á um almoxarifado
ou depósito. Além disso, será fechado o vão da porta que dá acesso ao pátio e aberto um vão
na ligação da última casa com a galeria. Assim, o pavimento térreo será ocupado pelo setor
comercial dos empreendimentos, enquanto que o segundo pavimento contará com o setor
administrativo e com o espaço destinado aos ateliês.
A escada existente deverá ser substituída por uma outra, metálica e melhor dimensionada. A
laje do segundo pavimento deverá receber reforços estruturais. No primeiro pavimento haverá
também a substituição das esquadrias originais por esquadrias metálica com vidro fixo
configurando vitrines, permitindo visuais para o interior da edificação. As esquadrias do
segundo pavimento, porém, permanecerão as mesmas, recebendo apenas alguns reparos e
outra demão de pintura. Para resgatar a unidade entre as edificações existentes, propõe-se a
pintura de todas as fachadas na cor branca. Além de contrastar com o novo volume proposto
da galeria, essa cor não compete com os produtos expostos nas vitrines das lojas, que
geralmente envolvem muito o uso da cor.
Caracterização da matéria
As novas edificações (tanto a galeria como o bloco de salas comerciais) serão construídos
com materiais industrializados: estrutura metálica e fechamentos de placa cimentícia e placas
de ACM. Optou-se por utilizar esses sistemas construtivos pelas inúmeras vantagens que
apresentam, como facilidade de manutenção e agilidade de execução, facilidade de acesso
às instalações elétricas e hidráulicas e principalmente por serem sistemas de construção
secos, que quase não desperdiçam material, gerando menos entulho e otimizando o tempo de
construção, trasformando o canteiro de obras em uma linha de montagem.
O fechamento entre os pilares metálicos será com Placas Cimentícias Ecoplac, da
Decorlit. São fixadas em perfis de aço espaçados a cada 40cm. Podem ser usadas tanto em
paredes externas quanto em internas e aceitam diversos tipos de revestimentos. Nas faces
externas do bloco da galeria e do volume dos sanitários e depósito do bloco das salas
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comerciais, as placas receberão tratamento nas juntas e duas demãos de selante
impermeabilizante, ficando aparentes. Nas faces internas de ambos os blocos e nas externas
do restante do bloco das salas comerciais, as placas receberão selante impermeabilizante e
pintura elastomérica 400%.
O ACM (Aluminium Composite Material) é um material composto de alumínio, formado por
duas chapas de alumínio conectadas através de um núcleo de polietileno de baixa densidade.
Possui espessura total de cerca de 4mm e pode ser produzido em diversas cores. É muito
utilizado como revestimento de fachada devido à sua ótima planicidade e leveza, facilidade de
montagem e manutenção e a possibilidade de se projetar em grandes modulações. O ACM se
adapta facilmente a superfícies curvas e formas geométricas. Outra vantagem desse tipo de
revestimento é que dispensa qualquer tipo de reboco sobre a superfície onde será aplicado,
sendo instalado diretamente o ACM na parede de tijolo. Isso reduz o tempo de execução e
gastos desnecessários com revestimentos que não ficarão aparentes.
Conclusão
Cada vez mais as cidades estão preenchidas de novas construções e alguma arquitetura. A
renovação destas é eminente e necessária no passar do tempo. Enquanto as obras estão
estagnadas no tempo e no espaço em que foram concebidas, a cidade evolui. Surgem novos
habitantes, novas demandas, novos costumes e a atualização torna-se primordial e deve ser
feita com cautela, principalmente em casos semelhantes ao objeto de estudo desse trabalho.
Especialmente em se tratando de revitalização de edificação de valor cultural, tornando o
processo ainda mais complexo, pois o trabalho a ser feito vai muito além de questões
tecno-mercadológicas, mas envolve a função simbólica, influenciada desde a inserção no
lugar, aos aspectos compositivos da forma, materialidade, e usos pelas quais passaram.
O trabalho apresentado reflete esta preocupação com a atualização da arquitetura
preexistente na cidade, em que o condicionante principal a ser considerado em projeto é todo
e qualquer precedente consolidado e marcante na paisagem urbana. A proposta apresenta
um resultado harmonioso na articulação entre novo e antigo, traduzido através da valorização
do conjunto e na ausência de competição entre as partes. Alcança-se assim o objetivo
primeiro do trabalho, que foi reconfigurar o skyline original do conjunto das 14 casas.
Além disso, o trabalho desenvolvido na disciplina trouxe à tona a questão dos miolos de
quarteirões verdes subutilizados versus aproveitamento do solo urbanizado e da
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infraestrutura existente em áreas de alto valor imobiliário. Alcança-se o objetivo, segundo a
avaliação final do trabalho a partir de propostas de remembramentos e desmembramentos
que compatibilizam a preservação de bens de valor cultural com o mercado imobiliário
controlado. Esta possibilidade pode ir muito além da esfera patrimonial, uma vez que os
vazios em meio de quarteirão não é um fato isolado ao exemplo do quarteirão do conjunto das
14 casas.
Referências
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BELÉM, J. História do município de Santa Maria 1797-1933. Santa Maria: Ed. Da UFSM,
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