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REVISITANDO IDEIAS EM HOMENAGEM PÓSTUMA: DWORKIN E O IMPÉRIO DO DIREITO ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. REVISITANDO IDEIAS EM HOMENAGEM PÓSTUMA: DWORKIN E O IMPÉRIO DO DIREITO. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 13, nº 1075, 03 de setembro de 2013. Disponível em: http://www.tex.pro.br/index.php/artigos/168-artigos-fev-2013/4759- revisitando-ideias-em-homenagem-postuma-dworkin-e-o-imperio-do-direito ACESSADO EM: 08/09/2015. 03 Setembro 2013 Luiz Gonzaga Silva Adolfo “A lei, diz o juiz enquanto olha por sobre seu nariz, falando claro e mais severamente, A lei é o que eu disse antes a você, A lei, como eu suponho que vocês saibam, A lei é, mas me deixem explicar isto uma vez mais, A lei e a lei.” AUDEN, W. H. (Collected poems. Londres: Faber & Faber, 1976, p. 208) apud KOZICKI, Katya. Existe uma resposta certa para o direito e a democracia?; representando as relações entre o direito e a democracia a partir da teoria de Ronald Dworkin. In: Revista da Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 25, n. 54, p. 39, nov. 2001. Tradução livre da autora exclusivamente para fins acadêmicos. Não sei exatamente onde fica, mas saberia como chegar até lá, pois aquele que conhece a meta, conhece também o caminho... ... Digamos que eu conte os dias de viagem diferentemente de ti, ou que chame de direita o que chamas de esquerda.

Revisitando Ideias Em Dworkin e o Império Do Direito

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ANALISE DO LIVRO

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REVISITANDO   IDEIAS EM HOMENAGEM PÓSTUMA: DWORKIN E O IMPÉRIO DO

DIREITO

ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. REVISITANDO IDEIAS EM HOMENAGEM PÓSTUMA:

DWORKIN E O IMPÉRIO DO DIREITO. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 13, nº

1075, 03 de setembro de 2013. Disponível em: http://www.tex.pro.br/index.php/artigos/168-

artigos-fev-2013/4759-revisitando-ideias-em-homenagem-postuma-dworkin-e-o-imperio-do-

direito ACESSADO EM: 08/09/2015.

03 Setembro 2013

 

Luiz Gonzaga Silva Adolfo

    

“A lei, diz o juiz enquanto olha por sobre seu nariz,

falando claro e mais severamente,

A lei é o que eu disse antes a você,

A lei, como eu suponho que vocês saibam,

A lei é, mas me deixem explicar isto uma vez mais,

A lei e a lei.” 

AUDEN, W. H. (Collected poems. Londres: Faber & Faber, 1976, p. 208) apud KOZICKI,

Katya. Existe uma resposta certa para o direito e a democracia?; representando as relações

entre o direito e a democracia a partir da teoria de Ronald Dworkin. In: Revista da Procuradoria

Geral do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 25, n. 54, p. 39, nov. 2001. Tradução

livre da autora exclusivamente para fins acadêmicos.

 

 

Não sei exatamente onde fica, mas saberia como chegar até lá, pois aquele que conhece a

meta, conhece também o caminho...

... Digamos que eu conte os dias de viagem diferentemente de ti, ou que chame de direita o

que chamas de esquerda.

 ECO, Umberto. Baudulino. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 189 e 192.

 

INTRODUÇÃO

 

            A Revista Consultor Jurídico, em sua edição de 14 de fevereiro, noticia o falecimento,

naquela data, de Ronald Dworkin, em Londres (http://www.conjur.com.br/2013-fev-14/andre-

rufino-dworkin-entre-grandes-figuras-seculos-xx-xxi). Pela importância de sua obra e de

suas ideias, ousa o autor destas linhas revisitar pesquisa anteriormente feita a respeito de

sua(a) obra(s), que divide neste instante com os leitores desta conceituada publicação.

 

Não há dúvida de que a interpretação é o centro de toda a atividade do jurista, em qualquer

área em que atue. Felizmente, nos últimos anos, vários juristas de renome têm sustentado, em

nível internacional e local, inovadoras idéias e correntes em torno da hermenêutica jurídica,

desacorrentando a classe das amarras paralisantes de bem pouco tempo que limitava esta

digna tarefa à mera interpretação literal de normas, em visões positivistas/dogmáticas, pois, “ao

contrário do que ocorreu no âmbito das demais ciências humanas e sociais, a ciência do direito

deixou-se ficar prisioneira, até recentemente, das limitações impostas por um modelo de

interpretação dogmático e positivista” [2].

 

A grande inovação que poderiam trazer novas escolas hermenêuticas era partir de uma análise

crítica e mais aprofundada do Direito, mormente através de interpretação “que pudesse

incorporar dimensões políticas, econômicas, sociais e culturais, até então ignoradas pelo

intérprete do direito” [3]. Essa pretensão emerge da constatação de que, apesar de todo o

progresso obtido nos últimos tempos, a práxis jurídica escancara que ainda se multiplicam

“tipos de entendimento do direito e sua aplicação que constituem sérios obstáculos para a

construção de uma sociedade mais livre e mais justa, como pretende a Constituição de 1988

ao estabelecer um estado democrático de direito” [4].

 

A superação de um padrão interpretativo ultrapassado e conservador, atrelado à mera

significação dos textos, era (e é!) uma necessidade, pois esta realidade é um grande “câncer”

que o corrói freqüentemente, mesmo que muitas vezes invisível [5]. Não se trata apenas de

interpretar a lei como fonte máxima do Direito com novos critérios ou métodos; é preciso ir

muito além, utilizando a principiologia, pois muitas vezes, dada a complexidade dos problemas

ou a inexistência de regulação específica, “a justificação e a fundamentação dos direitos é

etapa indispensável de sua proteção” [6].

 

Este trabalho procura fazer uma rápida análise do pensamento de Ronald Dworkin,

especialmente a partir da obra O Império do Direito, na qual propõe nova hermenêutica jurídica,

com base na integridade. Poucos filósofos do Direito analisam o fenômeno jurídico com a

profundidade de Dworkin. Suas idéias, embora partam do sistema da common law, podem ser

aplicadas plenamente na realidade brasileira, e superam a realidade antes criticada ao situar a

interpretação “num patamar teórico que fornece os elementos necessários para que se procure

um modelo hermenêutico para além do entendimento clássico da interpretação jurídica, como

restrita à interpretação legalista” [7].

 

Na metodologia organizacional dos capítulos procurou-se seguir, ao menos nos três primeiros,

a mesma estrutura do livro adotado. No capítulo 1 faz-se rápida introdução da temática,

destacando os quatro casos que são analisados por Dworkin e em torno dos quais gira boa

parte de sua argumentação no restante de sua obra. No capítulo 2, mais uma vez com base na

esplêndida visão do autor adotado, é utilizada a mesma lógica para a análise dos conceitos de

interpretação. No capítulo 3, A jurisprudência revisitada, adotando ainda basicamente a obra

indicada, analisa-se brevemente a importância dos precedentes na formação do Direito. Nos

capítulos 4 e 5, respectivamente, aborda-se o Direito como convencionalismo e o Direito como

pragmatismo, principalmente com esteio em resenha elaborada por Lorentz, indicada nas

Referências ao final. Finalmente, no capítulo 6, analisa-se o Direito como integridade, ponto

medular da teoria dworkiniana, e onde conseguiu o autor desta investigação utilizar o maior

número de obras que analisou, ainda apresentando – meramente a título ilustrativo – críticas de

alguns autores às idéias de Dworkin, para finalizar apresentando uma jurisprudência do Rio

Grande do Sul que pode ser considerada paradigmática por interpretar o Direito das Sucessões

norteado por princípios jurídicos, sendo um exemplo de integridade, muito próximo do Caso

Elmer. Este trabalho é encerrado com breves considerações finais, opiniões pessoais de seu

criador, antes da indicação de sua base teórica, nas referências.

 

Esta pesquisa é, também, uma humilde homenagem ao pensador falecido.

 

A metodologia utilizada foi a de pesquisa nas obras indicadas, mormente aquelas de Dworkin

indicadas ao final. Neste sentido, a obra central das linhas que seguem é Império do Direito, e

ainda na pesquisa em obras e artigos de juristas, como Rocha, Barretto e Chueiri, entre tantos

apontados nas referências, ao final, onde se verificam mais de duas dezenas de artigos que

interpretam as idéias de Dworkin. Todas foram buscadas e analisadas pelo autor desta

pesquisa.

 

A certeza que fica é a construção de uma nova realidade a partir desses estudos pois, como

propriamente ressalta Rocha [8], “o paradoxo caracterizado pelas distintas observações –

sobre observações – deve ser estimulado com o intuito de assimetrizar as tautologias da

dogmática jurídica produzindo-se um novo direito”.

1 O QUE É O DIREITO

 

 

 

1.1 POR QUE É IMPORTANTE

 

 

Dworkin é situado por Rocha [9] como membro daquela que denomina matriz pragmático-

hermenêutica. Para ele, a teoria do intelectual norte-americano “constitui a tentativa mais atual

de construção de uma hermenêutica jurídica”.

 

Este trabalho analisará Dworkin, especialmente a partir da obra Império do Direito. Inicialmente,

far-se-á uma breve introdução ao primeiro capítulo da obra O Império do Direito, embasadora

deste trabalho, por ser primordial na contextualização da temática aqui tratada. Dworkin

começa sua obra intitulando este capítulo O que é o Direito? – ou seja, a partir de uma

indagação – para daí partir para suas alegações. Logo no início enfatiza por que é relevante o

modo como os juízes decidem os casos, afirmando que “é muito importante para as pessoas

sem sorte, litigiosas, más ou santas o bastante para se verem diante do tribunal”, destacando a

célebre frase de um festejado magistrado norte-americano, que afirmava ter mais medo de um

processo judicial que da morte ou dos impostos [10].

 

No campo do Direito, os processos criminais são aqueles mais temidos por todos e também os

que mais fascinam o público. Não se pode também deixar de valorizar os processos civis, nos

quais o postulante requer indenização (responsabilidade civil), que resultam em conseqüências

muito mais amplas que a maioria dos processos criminais, em sua opinião. Para ele, “a

diferença entre dignidade e ruína pode depender de um simples argumento que talvez não

fosse tão poderoso aos olhos de outro juiz, ou o mesmo juiz no dia seguinte” [11].

 

Os processos judiciais, muitas vezes, são mais importantes que o próprio procedimento

legislativo. Nesta linha de mira se está sempre diante do risco de uma forma inequívoca de

injustiça pública, pois

 

.... um juiz vai decidir não simplesmente quem vai ter o quê, mas quem agiu bem, quem

cumpriu com suas responsabilidades de cidadão, e quem, de propósito, por cobiça ou

insensibilidade, ignorou suas próprias responsabilidades para com os outros, ou exagerou as

responsabilidades dos outros para consigo mesmo [12].

 

As decisões judiciais têm reflexos sobre a vida de muitas outras pessoas, pois não raramente a

lei (o Direito) se torna aquilo que o juiz afirma. E cita um exemplo decorrente de decisão da

Suprema Corte, que em 1954 decidiu que nenhum Estado tinha direito de praticar a

segregação de raça nas escolas públicas, surgindo nos Estados Unidos “a mais profunda

revolução social já deflagrada por qualquer outra instituição política” [13]. 

Não só da Suprema Corte adviriam os exemplos ilustrativos desta importância das decisões

judiciais que fundamenta, mas igualmente dos Tribunais inferiores. Cita dois exemplos.

Primeiramente uma decisão de juízes ingleses no século XIX, declarando que operários de

fábrica não poderiam postular indenização por danos decorrentes de acidente de trabalho

quando oriundos de negligência de outro operário (colega), pois o trabalhador “assume o risco”

da imprudência de seus “companheiros de trabalho”. Para o autor analisado, “essa norma (que

parecia menos tola quando as imagens darwinianas do capitalismo eram mais populares) teve

profundo efeito sobre a lei de indenizações por acidentes de trabalho, até que foi

definitivamente abandonada” [14]. Por segundo, decisão da Câmara dos Lordes britânica, de

1975, estipulando quanto tempo um oficial de gabinete deveria esperar depois de aposentar-se

para publicar informações confidenciais de sua atividade, “que determinou a quais arquivos

oficiais têm acesso jornalistas e historiadores contemporâneos que criticam um governo, e

desse modo afetou o comportamento do governo” [15].

 

 

1.2 DIVERGÊNCIAS QUANTO AO DIREITO

 

 

É importante saber como os juízes decidem as causas, mas, de igual forma, é necessário

saber o que eles pensam que é o Direito, e ainda, em caso de divergência, importa também

saber o tipo dela. Destaca os três tipos de questões que os processos judiciais em princípio

suscitam: questões de fato, questões de direito e aquelas interligadas de moralidade política e

fidelidade [16]. Para melhor percepção, faz indagações ilustrativas em torno do caso de

indenização acidentária causada por colega de trabalho:  

Em primeiro lugar, o que aconteceu? O homem que trabalhava no torno mecânico realmente

deixou cair uma chave inglesa no pé de seu companheiro de trabalho? Em segundo lugar, qual

é a lei pertinente? A lei permite que um operário assim ferido obtenha indenização de seu

patrão? Por último, se a lei negar o ressarcimento, será injusto? Se for injusto, devem os juízes

ignorar a lei e assegurar a indenização de qualquer modo? [17]

 

Para Dworkin, a primeira questão parece bastante direta, por se tratar de fato. A terceira

questão, de moralidade e fidelidade, apesar de igualmente conhecida, é diferente, pois “as

pessoas muitas vezes divergem quanto ao que é certo e errado em termos morais, e esse tipo

de divergência não suscita nenhum problema especial quando se manifesta no tribunal” [18]. O

mesmo não pode ser dito, no entanto, com relação à segunda questão, a do Direito.

Advogados e juízes muitas vezes divergem sobre o direito aplicável a um caso, “parecem

divergir, inclusive, quanto às formas de verificação a serem usadas” [19].

 

Ele denomina “proposições jurídicas” as afirmativas e alegações que as pessoas fazem “sobre

aquilo que a lei lhes permite, proíbe ou autoriza. Estas podem ser gerais, muito menos gerais

ou muito concretas” [20]. Os atores jurídicos e as partes pressupõem que, pelo menos algumas

das proposições jurídicas, podem ser verdadeiras ou falsas. Entretanto, “ninguém pensa que

elas possam refletir as declarações de algum fantasma: não se referem àquilo que o direito

sussurrou aos planetas”. E conclui: “Os advogados, na verdade, falam sobre aquilo que a lei

‘diz’, ou se a lei ‘é muda’ sobre esta ou aquela questão. Isto, porém, são apenas figuras de

retórica” [21].

As proposições mais conhecidas oferecem aquilo que denomina “fundamentos do Direito” [22].

Há, desta forma, duas maneiras através das quais advogados e magistrados podem divergir a

respeito da verdade de uma proposição jurídica: poderiam estar de acordo sobre os

fundamentos do Direito ou poderiam divergir por não saber, de fato, se aqueles fundamentos

foram observados em um determinado caso. Dá a esta o nome de divergência empírica sobre o

Direito. Porém, se a divergência for de outro porte, quanto aos fundamentos do Direito, sobre

as proposições jurídicas, em última análise sobre aquilo que o Direito “realmente é”, se estará

diante uma divergência “teórica” sobre o Direito. Esta, que também poderia ser denominada

técnica, é bem mais problemática que aquela e é a verdadeira divergência que ocorre entre

juízes e advogados. O público fica alheio a ela, pois está interessado na questão da

fidelidade [23].

 

Finalizando argumentação em torno das denominadas divergências quanto ao Direito, sustenta

Dworkin que é inquestionável que os juízes “criam o Direito”. Para ele, “o debate público sobre

a questão de se os juízes ‘descobrem’ ou ‘inventam’ o direito constitui, na verdade, um debate

sobre se e quando essa ambiciosa pretensão é verdadeira” [24]. Entretanto, como advogados

e juízes divergem no campo teórico, “o debate sobre a questão de se os juízes criam ou

encontram o direito faz parte dessa divergência, ainda que em nada contribua para resolvê-la,

uma vez que a verdadeira questão nunca vem à tona” [25].

 

 

1.3 O DIREITO COMO SIMPLES QUESTÃO DE FATO

 

 

Logo no ponto seguinte, que denomina “O Direito como simples questão de fato”, Dworkin parte

do pressuposto de que o ponto de vista do Direito como simples fato, predominante nos meios

acadêmicos, é mais uma evasiva que uma teoria. E afirma: “Nossa doutrina não tem nenhuma

teoria plausível acerca da divergência teórica no Direito” [26]. À idéia predominante que

advogados e juízes têm de que estão concordes quanto aos fundamentos da lei e que a

divergência teórica é uma ilusão, chama de “ponto de vista da simples questão de fato dos

fundamentos do Direito”. Na verdade, enquanto parece que estão divergindo teoricamente

sobre o que é o Direito, estão discordando sobre aquilo que ele deveria ser “ou divergem, de

fato, quanto a questões de moralidade e fidelidade, não de direito” [27].

 

 

1.4 UMA OBJEÇÃO PRELIMINAR

 

 

Logo a seguir, em ponto intitulado Uma objeção preliminar, o autor estudado, com ênfase no

enfoque na divergência teórica do Direito, começa também alertando que a obra se ampara

mais na práxis judiciária, sendo o Direito um fenômeno social e onde, ao contrário de muitos

outros fenômenos desta ordem, aqui a prática é argumentativa.

 

Parte-se da experiência acumulada para a construção do Direito. Daí a utilização daquilo que

denomina “o ponto de vista interno, aquele do participante”. Ou seja, o destacado filósofo norte-

americano inicia do ponto de vista do juiz na análise do argumento jurídico formal, como bem

alerta, pois “o argumento jurídico nos processos judiciais é um bom paradigma para a

exploração do aspecto central, proposicional, da prática jurídica”. A razão para ter adotado esta

perspectiva e não de outros operadores jurídicos ampara-se na estrutura mais explícita do

argumento judicial, e ainda porque “o raciocínio judicial exerce uma influência sobre outras

formas de discurso legal que não é totalmente recíproca” [28].

 

 

1.5 O MUNDO REAL: ANÁLISE DE QUATRO CASOS CONCRETOS

 

 

A argumentação segue no ponto intitulado O mundo real, onde Dworkin pretende demonstrar

como a tese do simples fato distorce a prática jurídica. Propõe-se a iniciar este raciocínio pelo

relato de alguns casos reais que foram decididos por juízes ingleses e norte-americanos. Trata-

se de casos famosos que foram (e são) amplamente discutidos na Academia e oferecem, de

modo geral, “algum entendimento da textura e do tom verdadeiros dos argumentos

jurídicos” [29]. Serão analisados rapidamente neste item pelo autor da pesquisa.

 

 

1.5.1 O Caso Elmer

 

 

O primeiro processo judicial que Dworkin utiliza em sua ilustração é da área do Direito das

Sucessões. Elmer havia sido beneficiado em testamento pelo avô. Sabia que este lhe deixara a

maior parte de seus bens, porém desconfiava que o testador, que casara novamente, pudesse

prejudicá-lo, alterando a disposição de última vontade. Elmer não teve dúvidas: assassinou o

avô. Seu ato foi descoberto e Elmer foi declarado culpado. Na esfera cível, a dúvida era se o

assassino do avô teria legitimidade para receber os bens, mesmo após o que cometeu. Isso foi

sustentado em juízo pelas duas filhas do de cujus, tias de Elmer, e que seriam as legatárias

residuais do patrimônio em discussão. O argumento utilizado foi o de que, “como Elmer havia

matado o testador, seu pai, a lei não lhe dava direito a nada” [30].

 

Havia lacuna legal, pois a Lei de Sucessões de Nova York da época nada previa a respeito do

caso específico em comento. O advogado de Elmer sustentou em juízo a validade do

testamento, por não violar nenhuma previsão legal; que, “por ter sido nominalmente citado num

testamento válido, tinha direito à herança” [31], e ainda que se julgasse procedente o argüido

pelas tias, o Judiciário estaria alterando o testamento e substituindo o direito por suas próprias

convicções morais. Todos os juízes da mais alta Corte de Nova York concordaram que sua

decisão somente poderia se embasar no Direito. A divergência girava em torno da solução

correta do caso, porém, na versão do autor aqui adotado, “dizia respeito à verdadeira natureza

do direito, àquilo que determina a legislação quando devidamente interpretada” [32].

 

O voto divergente foi de autoria do juiz Gray, que sustentava uma teoria de argumentação

melhor aceita na época que hoje, utilizando a denominada “teoria da interpretação literal”,

analisando a lei a partir de significado acontextual, ou seja, o significado que lhe seria atribuído

se o intérprete não tivesse informação especial alguma sobre o contexto de seu uso ou as

intenções do autor. Este método exige ainda que nenhuma ressalva tácita e dependente do

contexto seja feita à linguagem geral. O autor deste voto minoritário, então, “insistia que a

verdadeira lei, interpretada de maneira adequada, não continha exceções para os

assassinos” [33].

O juiz Earl foi o prolator do entendimento vencedor. Utilizou hermenêutica diversa, que dá às

intenções do legislador uma importante influência sobre a verdadeira lei [34]. Nesta linha de

interpretação, seria inadmissível que os legisladores que aprovaram a lei sucessória que regia

a matéria pretendessem que assassinos pudessem herdar de suas vítimas, e justamente por

isso a lei que promulgaram não continha tal previsão. Dito de outra forma, os legisladores não

tinham em mente, em hipótese alguma, o caso de herdeiro que assassinasse o testador.

 

Além deste primeiro princípio sobre a intenção do legislador, a leitura de Earl laborava em outra

seara. Novamente no relato de Dworkin, “ele afirmava que na interpretação das leis a partir dos

textos não se deveria ignorar o contexto histórico, mas levar em conta os antecedentes daquilo

que denominamos de princípios gerais do direito”, vale dizer, “que os juízes deveriam

interpretar uma lei de modo a poderem ajustá-la o máximo possível aos princípios de justiça

pressupostos em outras partes do direito” [35]. Nesta linha, apresentou dois argumentos, o

primeiro no sentido de que é razoável pensar que os legisladores têm genericamente uma

intenção de respeitar os princípios tradicionais da Justiça, a não ser que indiquem claramente o

contrário; por segundo, a interpretação legislativa deve ser efetiva em coerência [36] com o

sistema jurídico como um todo. Neste particular, asseverou que “em outros contextos o direito

respeita o princípio de que ninguém deve beneficiar-se de seu próprio erro” [37].

 

Os argumentos de Earl foram os adotados pela maioria, em um resultado de 5 a 2. Elmer não

recebeu a herança. Dworkin conclui dizendo que “foi uma controvérsia sobre a natureza da lei,

sobre aquilo que realmente dizia a própria lei sancionada pelos legisladores” [38].

 

Schiavello [39] considera este processo “um esempio paradigmático del rulo dei priincipi nel

diritto”. De se notar o seguinte trecho:

 

I giudice infatti, dopo aver verificato l’assenza di uma regola chiara che disciplinasse quella

specifica situazione, si sono trovati nella necessità, per poter giungere ad uma decisione, di

ricorrere a standards diversi dalle regole. Dunque, i giudice, a questo punto, hanno dovuto

individuare i diversi principi, valuntarne il ruolo, e decidire sulla base del (o dei) principi che

hanno ritenuto più pesanti in quella situazione specifica. In concreto, i giudice si sono trovati a

confrontare, da un lato il principio secondo il quale nessuno può essere condannato se non in

base ad uma legge entrata in vigore prima della commissione del fatto, dall’altro quello, già

espresso in precedenza, dell’impossibilità di avvantaggiarsi di un próprio comportamento

illecito. I giudice del caso Palmer, come abbiamo visto, sono giunti allá conclusione che

dovesse prevalere quest’ultimo e, quindi, hanno impedito all’omicida di ricevere l’eredità.

 

 

1.5.2 O Caso do Snail Darter

 

 

Snail Darter é um pequeno peixe, com aproximadamente 7,5 cm, sem qualquer beleza,

interesse biológico ou importância ecológica relevante. Em 1973, o Congresso dos Estados

Unidos havia aprovado a denominada Lei das Espécies Ameaçadas, que autorizava o Ministro

do Interior a decidir quais as espécies estariam correndo risco de extinção diante de destruição

de seu habitat que fossem considerados essenciais à sua manutenção. A Lei ainda

determinava que as autoridades públicas tomassem todas as medidas assecuratórias de que

as ações autorizadas, financiadas ou executadas por cada órgão de gestão, não pusessem em

risco a perpetuação dos ditos gêneros ameaçados.

 

A organização denominada Administração do Vale do Tennessee vinha construindo uma

barragem. Um grupo de preservacionistas sustentou que a obra, quase concluída, era ameaça

de destruição do sistema de vida do snail darter. Conseguiram convencer o Ministro a indicar

esta espécie de peixe como ameaçada de extinção e tomar as medidas legais que impedissem

a conclusão e utilização da obra. Em contestação, a empresa prejudicada argumentou que a lei

não podia ser interpretada de modo a impedir a conclusão da obra já em adiantado estado.

Para os empreendedores, as palavras “ações autorizadas, financiadas ou executadas”

deveriam ser interpretadas como referência ao início de um projeto, nunca como à conclusão

de uma obra iniciada [40]. Argumentaram, ainda, com várias outras leis aprovadas pelo

Legislativo posteriormente à decisão ministerial, todas sugerindo que o Congresso pretendia a

conclusão da obra. Tratava-se de leis liberatórias de verbas para a continuidade do

empreendimento.

 

Com visão distinta, o Poder Judiciário determinou a suspensão dos trabalhos de construção,

mesmo com todos os gastos de recursos públicos até então feitos. O Presidente da Suprema

Corte, Warrem Burger, que foi acompanhado pela maioria de seus colegas, referiu que,

“quando o texto é claro, a Corte não tem o direito de recusar-se a aplicá-lo apenas por acreditar

que os resultados serão tolos” [41].

 

Dworkin destaca que, com a evolução do tempo, sob um aspecto o argumento utilizado por

Burger era muito semelhante ao do juiz Gray no Caso Elmer, antes enfocado, pois reconhecia

a importância das intenções do Congresso sobre a decisão de qual interpretação adotar.

Mesmo assim, não seguia a visão do juiz Earl sobre a relevância das intenções

legislativas [42].

 

Neste caso, sempre com Dworkin, se adotou a “versão excessivamente frágil da idéia de que

os juízes, ao interpretarem uma lei, devem respeitar as intenções do legislador” [43]. Em tal

linha de interpretação era claro que o Legislativo local pretendia dar um alto grau de proteção

às espécies ameaçadas, mesmo em detrimento de outros objetivos sociais e assim, no caso

concreto, desejaria o snail darter salvo [44].

 

O voto dissonante, do juiz Lewis Powell, entendeu que a decisão majoritária caminhava numa

interpretação absurda ao texto legal, propugnando por “uma interpretação eficaz, que seja

compatível com um pouco de bom senso e com o bem-estar público” [45].

 

Para o autor analisado, isso demonstra ainda outra teoria, divergente daquela adotada por

Burger, que pretendia a observância do significado acontextual do texto, com todas as suas

conseqüências, a menos que o Judiciário entendesse que o Congresso realmente pretendia o

contrário. E conclui que no caso não ocorreu efetivamente uma divergência sobre questão de

fato histórico.

 

Neste sentido:

 

Ambos admitiram que a Corte deveria seguir a lei. Discordaram sobre o sentido da lei;

discordaram sobre o modo como os juízes deveriam decidir sobre qual norma jurídica resultava

de um texto específico promulgado pelo Congresso, quando os congressistas tinham as

crenças e intenções que os dois juízes concordavam que eles tinham nesse caso [46].

 

 

 

 

1.5.3 O Caso McLoughlin

 

 

Dworkin inicia o relato deste caso acentuando que, naqueles anteriormente narrados, a

interpretação decorria da interpretação da lei. Há outros em que esta tarefa hermenêutica tem

como suporte básico decisões anteriores, ou seja, os precedentes. No caso concreto ocorreu

um acidente automobilístico no qual ficaram feridos o esposo e quatro filhos da senhora

McLoughlin. Avisada do acidente duas horas após, dirigiu-se imediatamente ao hospital, onde

foi informada de que sua filha havia falecido e os demais familiares estavam internados em

estado grave. Sentindo-se atingida, postulou do causador do infortúnio indenização por dano

moral. Para tanto, invocou vários precedentes de Tribunais ingleses que concediam

indenização a pessoas que tinham presenciado familiares próximos gravemente feridos. Em

todos estes casos, no entanto, o requerente havia estado no local do acidente e ali chegado

logo após o ocorrido.

 

A seguir, ainda adotando a narrativa do autor estudado, destaca-se o costume de utilização da

doutrina do precedente pelos Tribunais do sistema da common law. São utilizadas decisões

anteriores a casos semelhantes. Dworkin noticia que há duas interpretações deles: a doutrina

estrita e a doutrina atenuada do precedente [47]. A doutrina estrita obriga os julgadores a

seguir decisões anteriores de Tribunais superiores, algumas vezes até de Cortes judiciárias da

mesma hierarquia daquele que está analisando o caso. Mesmo assim, refere que “a maioria

dos juristas norte-americanos pensa que os Tribunais federais inferiores são absolutamente

obrigados a seguir as decisões já tomadas pela Suprema Corte, mas esse ponto de vista é

contestado por alguns” [48].

 

De outra banda, a doutrina atenuada do precedente impõe apenas que o magistrado atribua

algum peso a decisões precedentes sobre o mesmo caso, devendo segui-las, a não ser que as

interprete equivocadas suficientemente para suplantar a presunção inicial em seu favor. Nesta

linha de interpretação podem ser adotados precedentes jurisprudenciais não só de Tribunais

superiores e do mesmo nível daquele que está decidindo, mas também de Tribunais de outros

Estados e Países, sempre a partir da veracidade da presunção inicial.

 

Na década de 70, a Câmara dos Lordes inglesa decidiu que esta doutrina não exige que se

adotem as decisões pretéritas dela própria. Mesmo assim, não há como não reconhecer a

tendência de se adotar posições de Tribunais superiores. Para Dworkin, “as diferenças de

opinião sobre a natureza da doutrina estrita e a força da doutrina atenuada explicam por que

certos processos são polêmicos” [49].

 

No entanto, no processo de McLoughlin a polêmica girou em torno da extensão da

interpretação, pois os precedentes só se aplicariam a casos que guardassem suficiente

semelhança com idênticos anteriores, ou seja, que fossem “pertinentes”. Na sistemática

narrada, quando uma jurisprudência não era pertinente com a decisão que embasaria nova

sentença, era denominada “discriminável”, com isso acentuando-se que são divergentes

daqueles anteriormente analisados e decididos. O juiz de primeiro grau entendeu que os

precedentes alegados pela interessada, no caso, eram discrimináveis, pois naqueles casos o

choque nervoso da parente ocorreu no local do acidente, ao contrário da realidade da senhora

McLoughlin. Adotou, para julgar improcedente o pedido, a argumentação de que os prejuízos

que lhe foram causados eram “imprevisíveis”, já que a doutrina britânica e norte-americana

segue a regra de direito consuetudinário pela qual aqueles que agem com negligência somente

são responsáveis por danos razoavelmente previsíveis, vale dizer, que poderiam ser evitados

por qualquer pessoa sensata que refletisse sobre a situação [50].

 

A autora da ação recorreu da decisão. O Tribunal de Apelação manteve a decisão originária,

porém com base em outra argumentação jurídica. Reconheceu que era previsível que uma

mãe se deslocasse até o nosocômio para verificar a situação de pessoas queridas vítimas de

infortúnios. Entretanto, a interpretação vencedora salientou que os precedentes partiam de

dano moral em circunstâncias restritas, e que deferi-lo em esferas mais amplas, como era o

caso de pessoas que não viram entes queridos no local de acidente grave, poderia redundar

em aumento significativo de postulações de indenizações no Judiciário, agravando a realidade

de excesso de processos existentes [51].

 

Novamente apelou a Sra. McLoughlin, desta feita para a Câmara dos Lordes da Inglaterra.

Esta, segundo Dworkin, revogou a decisão anterior, e determinou “novo processo” [52]. Nova

decisão foi unânime, embora os Lordes divergissem sobre o que chamava de “verdadeiro

direito”. Alguns julgadores entenderam que efetivamente poderiam provocar novas ações, mas

não reconheceram que estas razões de política judiciária fossem plausíveis no caso em

discussão. No relato de Dworkin [53]:

 

Não acreditaram que o risco de um ‘dilúvio’ de litígios fosse suficientemente grave, e afirmaram

que os tribunais deveriam ser capazes de estabelecer uma distinção entre as reivindicações

autênticas e as fraudulentas, mesmo no caso dos que sofressem o alegado dano várias horas

após o acidente.

 

No caso, alguns Lordes sustentaram que os precedentes somente poderiam ser tolerados

como discrimináveis se os princípios morais admitidos nos casos anteriores não se aplicassem

do mesmo modo ao postulante. E, mesmo encontrando os familiares horas após o acidente,

era plausível o deferimento da indenização. O assoberbamento dos Tribunais e o possível

reajuste do custo do seguro de automóveis não poderia ser utilizado como argumento crível “a

recusa em fazer satisfazer direitos e deveres individuais que anteriormente se reconheceram e

fizeram cumprir”.

 

Conclui Dworkin noticiando que “a argumentação dos lordes revelou uma importante diferença

de opinião sobre o papel que cabe às considerações de política judiciária ao se decidir a quais

resultados têm direitos as partes de uma ação judicial” [54].

 

 

1.5.4 O Caso Brown

 

 

Finalizando a ilustração que faz através desses casos concretos, Dworkin apresenta o Caso

Brown, que aqui será também analisado sinteticamente, como os anteriores.

 

No relato, recorda que, após a Guerra Civil norte-americana, o Norte vitorioso impôs um

emenda constitucional, a Décima Quarta, que previa que nenhum Estado poderia negar a

ninguém “igualdade perante a lei”. Após a reconstrução, o Sul reorganizou sua organização, e

alguns Estados sulistas praticaram segregação do tipo racial em serviços públicos. Os negros,

além de obrigados a viajar na parte de trás dos coletivos, eram segregados na educação, com

escolas especialmente estabelecidas somente para eles.

Em julgamento no final do século XIX a Corte rejeitou alegação de que esta política violava o

preceito antes referido, ao argumento de que “as exigências dessa cláusula estariam sendo

atendidas se os Estados oferecessem serviços separados, porém iguais, e que, por si só, o fato

da segregação não tornava esses serviços automaticamente desiguais” [55].

 

Em 1954 ocorreu outro julgamento em torno da temática, modificando a decisão anterior. Trata-

se do processo de Brown versus Board of Education. A segregação era mantida, muitos negros

haviam morrido em conflitos e o momento parecia possibilitar uma decisão em nova linha. Os

advogados dos demandados alegaram o precedente de 1896 (Caso Plessy vs. Ferguson).

Entretanto, neste julgamento a Corte decidiu de forma diversa, em julgado unânime. Não foi

rejeitada a antiga fórmula “separado porém igual”; ao contrário, “baseou-se em controvertidas

evidências sociológicas para mostrar que as escolas nas quais se praticava segregação racial

não podiam ser iguais por esta única razão” [56].

 

O voto não afirmou expressamente que o precedente anterior estava revogado, a menos que

esta última decisão estivesse em contradição com aquela. Aqueles que entendiam

contrariamente sustentaram que a segregação não era inconstitucional, que a expressão ‘igual

proteção’ não determina se ela é vedada ou não, e ainda que os legisladores que aprovaram a

Décima Quarta Emenda tinham plena consciência da realidade nas escolas. Ainda, nesta visão

o precedente era tão antigo e importante que não deveria ser levianamente derrubado.

 

Na visão de Dworkin, eram argumentos sobre os fundamentos reais do Direito Constitucional e

não de alegação de moralidade ou reparação. Concluindo, afirma o autor estudado que, “em

torno deste caso, como de outros que aqui apresentamos como exemplos, travou-se uma

batalha sobre a questão do direito” [57].

 

 

1.6 TEORIAS SEMÂNTICAS DO DIREITO

 

 

Neste ponto, o autor estudado continua sua argumentação, iniciando-a a partir do subitem que

convencionou denominar Proposições e fundamentos do direito [58]. Destaca importante

função presente na hermenêutica, pois seguimos regras comuns, estabelecedoras de critérios

atributivos de significado à palavra [59]. Todos usamos regras ditadas pela língua utilizada, no

entanto a grande maioria não tem noção exata dos critérios empregados para efetivar os

julgamentos, ou ainda o sentido como são usados estes critérios. A explicação deles é uma

tarefa da filosofia. Na visão de Dworkin, “todos usamos os mesmos critérios factuais para

formular, aceitar e rejeitar afirmações sobre a natureza do direito, mas ignoramos o que são

esses critérios” [60].

 

Os filósofos do Direito que sustentam que os advogados utilizam determinados critérios

lingüísticos para a análise das proposições jurídicas, talvez até inadvertidamente, criaram

teorias identificadoras destes critérios, as quais Dworkin, em sua argumentação, passa a

chamar “teorias semânticas do direito”. Nesse ponto, o pensador norte-americano é muito

incisivo com algumas tentativas anteriores de definições do Direito, como se clarifica no trecho

a seguir reproduzido.

 

Durante muito tempo, os filósofos do direito embalaram seus produtos e os apresentaram como

definições do direito. John Austin, por exemplo, de cuja teoria apresentarei uma breve

descrição, dizia estar explicando o ‘significado’ do direito. Quando os filósofos da linguagem

desenvolveram teorias mais sofisticadas do significado, os filósofos do direito tornaram-se mais

cuidadosos em suas definições, e passaram então a afirmar que estavam descrevendo o ‘uso’

dos conceitos jurídicos, com o que queriam dizer, em nosso vocabulário, as circunstâncias nas

quais as proposições jurídicas são consideradas como verdadeiras ou falsas por todos os

juristas competentes. Em minha opinião, porém, isso não foi muito além de uma troca de

embalagem; de qualquer modo, pretendo incluir as teorias sobre o ‘uso’ no grupo das teorias

semânticas do direito, bem como as teorias anteriores, que tinham um caráter de definição

mais claro [61].

 

Prossegue o inspirador desta pesquisa, agora na análise do positivismo jurídico, em ponto que

recebeu o mesmo título. Cita que as teorias semânticas mais destacáveis sustentam que os

critérios comuns levam a verdade das proposições jurídicas a depender de determinados

eventos históricos específicos. Estas, a que denomina teorias positivistas, como antes já

referido, alegam que a verdadeira discordância sobre a natureza do direito deve ser empírica

sobre a história das instituições jurídicas. Há dissensão, porém, sobre quais são os fatos

históricos principais, e aí analisa as duas versões que, em sua visão, são as mais importantes.

Por primeiro, a de John Austin, para quem “uma proposição jurídica é verdadeira no interior de

uma determinada sociedade política desde que transmita, corretamente, o comando

precedente de alguma pessoa ou grupo que ocupe posição soberana em tal sociedade” [62].

Este filósofo inglês dizia que o soberano era a pessoa ou grupo cujas ordens eram

costumeiramente obedecidas e que não tinham o costume de obedecer ninguém. Embora toda

a polêmica criada a partir da tese de Austin, “sua idéia central de que o direito é uma questão

de decisões históricas tomadas por aqueles que detêm o poder político nunca perdeu

totalmente sua força sobre a doutrina” [63]. Logo a seguir, passa a enfatizar, mesmo que em

vôo de pássaro, o cerne da tese afirmada por Hart. Este, contestando a argumentação

austiniana de que a autoridade jurídica era um fato puramente físico de comando e obediência

habituais, afirmava que os verdadeiros fundamentos do direito estavam na aceitação, por parte

da comunidade, de uma regra fundamental, que convencionou chamar “regra de

reconhecimento”, que atribui a pessoas ou grupos de pessoas a autoridade de criar leis válidas.

 

Dworkin [64] cita dois exemplos bem elucidativos do ponto nevrálgico de divergência entre

Austin e Hart.

 

Para Austin, a proposição de que o limite máximo de velocidade é 90 km é verdadeiro apenas

porque os legisladores que promulgaram tal lei estavam então no poder; para Hart é verdadeira

porque o povo da Califórnia aceitou, e continua aceitando, o sistema de autoridade usado nas

Constituições estaduais e nacionais. Para Austin, a proposição de que os motoristas

negligentes devem indenizar as mães que sofrem danos morais na cena de um acidente é

verdadeira na Grã-Bretanha porque as pessoas que têm poder político fizeram dos juízes seus

representantes e, tacitamente, adotam os comandos deles como se fossem seus. Para Hart,

essa proposição é verdadeira porque a regra de reconhecimento aceita pelo povo inglês

transforma as declarações dos juízes em direito sujeito ao poder de outras pessoas – os

legisladores – de revogá-lo quando quiserem.

 

Dworkin critica a teoria de Hart, mesmo reconhecendo que sua idéia medular de que a verdade

das proposições jurídicas depende basicamente de padrões convencionais de reconhecimento

do direito conquistou adeptos.

 

Em continuação, Dworkin analisa outras teorias semânticas, com idêntico título. Destaca

mormente dois grupos delas que têm como rivais das teorias positivistas.

 

A primeira é aquela que denomina Escola do Direito Natural, sustentando, em uma de suas

variáveis, que os juristas seguem critérios que não são inteiramente factuais, mas, ao menos

até determinado ponto, morais, para decidir quais proposições jurídicas são verdadeiras. A

mais radical afirma que o direito e a justiça são idênticos, e desta forma nenhuma proposição

jurídica injusta pode ser verdadeira [65]. Outras destas vertentes da Escola são menos

inflexíveis, vinculando-se apenas na moral como importante para a verdade das proposições

jurídicas. Em casos de diferentes interpretações, como no processo que envolveu Elmer ou

naqueles de precedentes inconclusivos, como no que teve a senhora McLoughlin como parte, a

interpretação moralmente superior será “a afirmação mais exata do direito” [66].

 

A segunda teoria adversária dos positivistas, sempre na visão dworkiana, é a Escola do

Realismo Jurídico. Foi desenvolvida no início do século XX, especialmente nas escolas norte-

americanas, embora tenha se alastrado por outros países. Atesta que as regras lingüísticas

utilizadas pelos advogados tornam as proposições jurídicas adjuvantes e prenunciativas. A

melhor versão sugere que o exato significado de uma proposição jurídica – as condições nas

quais os advogados irão considerar verdadeira a proposição – depende do contexto. Esta visão

dá demasiada importância às decisões judiciais, chegando a ponto de se afirmar que “o direito

não existe, ou que resulta apenas daquilo que o juiz tomou em seu café da manhã” [67].

 

Dworkin [68] interpreta esta afirmação como uma tentativa de sustentar que nada pode ser

chamado de direito, a não ser esses diferentes tipos de previsão. Mesmo desta forma

compreendido, “o realismo permanece extremamente implausível enquanto teoria semântica”,

já que:

 

Raramente é contraditório – na verdade, é até comum – que os advogados prevejam que os

juízes cometerão um erro a propósito do direito, ou que os juízes manifestem seu ponto de

vista sobre o direito para acrescentar, em seguida, que esperam que ele venha a ser

modificado.

 

Outro ponto, imediatamente consecutivo, é intitulado A defesa do positivismo. Nele, o pensador

norte-americano volta novamente a mencionar que as questões importantes que giram em

torno do Direito são discussões sobre o próprio Direito, e não sobre ele como questão de fato.

Os julgadores do caso de danos morais de quem avista familiar gravemente ferido na realidade

divergiram sobre a força e a natureza do precedente enquanto fonte do Direito, e, mesmo que

esta dissonância tenha sido sutil, “tratou-se na verdade de uma divergência sobre o conteúdo

do direito, não sobre o que se deveria fazer na ausência do direito” [69].

 

Reconhece Dworkin uma estratégia mais sofisticada de defesa do positivismo que admite, nos

casos antes citados, que advogados e juízes realmente estavam divergindo sobre direito;

entretanto, esta autodescrição não pode ser tomada ao pé da letra. Prossegue: “Esse novo

argumento enfatiza a importância de se estabelecer uma distinção entre os usos padrão ou os

usos intrínsecos da palavra ‘direito’ e os usos limítrofes e nebulosos desta mesma

palavra” [70].

 

Todavia, como não é exatamente assim, é fundamental, sob a óptica da teoria, estabelecer

diferenciação entre os usos padrão ou os usos intrínsecos da palavra “direito” e os usos que

denomina “limítrofes e nebulosos” da mesma palavra. Isso justificaria as divergências nos

casos difíceis, como aqueles antes noticiados. Neles, cada intérprete utiliza uma versão

diferente da regra principal, e as diferenças tornam-se claras nos casos específicos. Desta

forma, a expressão “direito” pode ter uso tão problemático como outras palavras. Exemplifica

com a palavra casa, que inquestionavelmente deve ser utilizada para moradias em bairros

residenciais, mas que, para alguns, pode ser usada para o Palácio de Buckingham, enquanto

para outros não.

 

Nesse ponto de vista da denominada “defesa mais sofisticada do positivismo”, aqueles que

divergiram na interpretação dos casos ilustradores não estavam tentando enganar o público.

Na verdade, “estavam divergindo sobre o conteúdo o direito, mas sua ‘divergência’ era

‘puramente verbal’, como a divergência quanto ao Palácio de Buckingham ser ou não uma

casa” [71].

 

Mesmo reconhecendo que esta defesa diferente do positivismo tem caráter tanto reformador

como descritivo, Dworkin conclui que ela favoreceu a tese do direito como simples questão de

fato. Na verdade, não se trata somente de discussões em torno do significado de palavras, mas

estão os juristas discutindo uma “questão política”, vale dizer, em dois dos casos vistos, “se o

ministro deve ter esse poder, ou se os Estados devem ser proibidos de praticar a segregação

nas escolas” [72]. Elucida ainda com o exemplo da fotografia que, para alguns, pode ser

considerada obra de arte e para outros não. No caso, a verdadeira contenda não estaria na

possibilidade de fixar uma linha divisória que diga quando é e quando não é obra artística, mas

“a discussão diria respeito ao que a arte, devidamente compreendida, de fato é, revelaria que

os dois grupos têm idéias muito diferentes sobre as razões pelas quais mesmo as formas

artísticas padrão que ambos reconhecem – a pintura e a escultura – podem reivindicar tal

título” [73].

 

Voltando ao Direito e aos casos descritos, fazendo um vínculo com a idéia de fotografia, a

discussão era fundamental, e “não casos dúbios que pediam apenas a demarcação mais ou

menos arbitrária de uma linha divisória” [74].

 

 

1.7 O VERDADEIRO ARGUMENTO EM FAVOR DAS TEORIAS SEMÂNTICAS

 

 

Na parte final do primeiro capítulo do Império do Direito, a que intitulou “O Verdadeiro

argumento em favor das teorias semânticas”, Dworkin sinaliza que a idéia sustentada pelo

positivismo de que a discussão não é sobre o conteúdo do Direito, pois “a menos que

advogados e juízes compartilhem critérios factuais sobre os fundamentos do direito, não

poderá haver nenhuma idéia ou debate significativos sobre o que é o direito”, deve ser

refutada, e para esta missão devem ser utilizados argumentos filosóficos, antevendo o segundo

capítulo, onde analisa os “conceitos de interpretação” [75], o que também fará, embora

brevemente, o autor destas linhas.

 

2 OS CONCEITOS DE INTERPRETAÇÃO DE DWORKIN

 

 

 

2.1 O AGUILHÃO SEMÂNTICO

 

 

Dworkin inicia o capítulo 2 de sua belíssima obra com o subitem denominado O aguilhão

semântico. Refere que suas vítimas são as pessoas que têm uma determinada imagem do que

é a divergência e quando ela é possível. Pensam que se pode discutir sensatamente apenas

quando todos aceitarem e seguirem os mesmos critérios para decidir quando as posições são

bem fundadas, mesmo que não se possa fixar com exatidão, como era de se esperar, quais

são estes critérios. Para melhor compreensão, ilustra com um exemplo prático. Duas pessoas

podem discutir sobre quantos livros uma delas tem na biblioteca, desde que ambas

previamente tenham a mesma noção ou estejam de acordo sobre o que é um livro. Podem até

divergir nos casos limítrofes, por exemplo, uma chamando de livrinho àquilo que a outra

denomina panfleto. Agora, não podem divergir sobre os denominados casos centrais.

Exemplifica: “Se para você meu exemplar de Moby Dick não é um livro, pois em sua opinião

romances não são livros, qualquer divergência será necessariamente absurda” [76].

 

Na continuação de seu raciocínio, Dworkin [77] transpõe isso para o Direito. E o faz com uma

afirmativa forte:

 

Ou os advogados, apesar das aparências, aceitam, em linhas gerais, os mesmos critérios para

decidir quando uma afirmação sobre o direito é verdadeira, ou não pode existir absolutamente

nenhum verdadeiro acordo ou desacordo sobre o que é o direito, mas apenas a estupidez de

pessoas pensando que divergem porque atribuem significados diferentes ao mesmo som.

 

Logo a seguir, volta à discussão em torno daquela que denomina a segunda divergência. As

discussões no Direito geralmente são sobre questões teóricas e não empíricas. E conclui: “Aí

está o aguilhão: estamos marcados como seu alvo por uma imagem demasiado tosca do que

deve ser a divergência” [78].

 

 

2.2 UM EXEMPLO IMAGINÁRIO

 

 

Neste ponto, Dworkin tenta demonstrar um modelo que denomina “atitude interpretativa”, que

possibilita a divergência no Direito. Parte de uma metáfora que criou, “as regras da cortesia”.

Em uma comunidade fictícia, seus componentes seguem um conjunto de regras chamadas

“regras de cortesia”, utilizadas em determinadas circunstâncias. Há uma regra que obriga os

camponeses a tirar o chapéu da cabeça diante dos nobres, bem como outras regras deste tipo.

Por algum período ela é aceita naturalmente, até como um tabu, pois ninguém pensa em

modificá-la. Tudo muda a partir do momento em que todos passam a ter uma complexa “atitude

interpretativa” com relação a esta regra de cortesia, amparada em dois componentes básicos: o

primeiro é a idéia de que esta prática não existe simplesmente, mas tem um valor, vale dizer,

está vinculada a algum interesse, propósito ou princípio, ou seja, tem alguma finalidade; o

segundo é o requisito adicional que as exigências da cortesia – o comportamento evocado ou

juízos que autoriza – não são necessariamente aquilo que sempre se interpretou que fossem,

mas, ao contrário, suscetíveis a sua finalidade, de tal forma que as regras estritas “devem ser

compreendidas, aplicadas, ampliadas, modificadas, atenuadas ou limitadas segundo essa

finalidade” [79]. A partir dessa atitude interpretativa, a instituição da cortesia deixa de ser

mecânica, e os membros daquela comunidade passam então a impor-lhe um significado para,

logo em seguida, reestruturá-la à luz desse significado.

 

Os dois componentes da cortesia podem ser utilizados separadamente; porém, no exemplo

que criou, Dworkin entende como fundamental que as pessoas adotem ambos pois, “para eles,

a interpretação decide não apenas por que a cortesia existe, mas também o que, devidamente

compreendida, ela agora requer”. No caso, “valor e conteúdo se confundem” [80].

 

Num subitem denominado Como a cortesia se modifica, Dworkin evolui na fábula que criou.

Propõe que se parta da hipótese que antes da atitude interpretativa todos concordassem que a

finalidade da cortesia estava na possibilidade concedida de demonstrar respeito aos membros

da classe social superior. Não se perquire se as formas tradicionais de respeito são realmente

aquelas que a prática exige. As formas de comportamento possíveis, neste caso, são a

conformidade ou a revolta. Contudo, no instante em que a atitude interpretativa se desenvolve

plenamente, as pessoas passam a exigir, a título de cortesia, outras formas de deferência

antes desconhecidas, ou a rejeitar formas anteriormente fixadas, sem nenhum sentido de

revolta, mas “afirmando que o verdadeiro respeito é mais bem observado por aquilo que elas

fazem que por aquilo que outros fizeram” [81].

Continua Dworkin: “A interpretação repercute na prática, alterando sua forma, e a nova forma

incentiva uma nova reinterpretação”. Como conseqüência, a prática passa por substancial

transformação, mesmo que cada etapa do processo seja uma interpretação daquilo que foi

conquistado pela etapa imediatamente anterior. As mudanças podem ser tantas [82] que a

atitude interpretativa perca sua força, “e a prática retornará ao estado mecânico e estático que

tinha no início” [83].

 

 

2.3 UM PRIMEIRO EXAME DA INTERPRETAÇÃO

 

 

No item denominado Um primeiro exame da interpretação, Dworkin [84] propõe-se a fazer uma

análise de como a atitude que chama de interpretativa funciona a partir do interior, do ponto de

vista dos intérpretes. Interessante que mesmo um relato preliminar será controvertido “pois, se

uma comunidade faz uso dos conceitos interpretativos, o próprio conceito de interpretação da

prática dominante será um deles”, ou seja, uma teoria da interpretação é uma interpretação da

prática dominante de usar conceitos interpretativos. E destaca a importância desta análise para

o todo de sua obra:

 

Mas, se o direito é um conceito interpretativo, qualquer doutrina digna desse nome deve

assentar sobre alguma concepção do que é interpretação, e a análise da interpretação que

elaboro e defendo neste capítulo constitui a base restante do livro.

 

Interpretar determinada prática social é apenas uma forma ou ocasião de interpretação, pois

esta é realizada em muitos contextos diferentes. A mais conhecida delas é a conversação. A

interpretação científica parte da coleta de dados, pelo pesquisador, para depois serem

interpretados. Há ainda a interpretação artística, onde os analistas verificam poemas, pinturas e

peças para a justificação de algum ponto de vista sobre seu significado, tema ou propósito.

 

A interpretação da prática social é semelhante à interpretação artística porque ambas realizam

seu intento a partir de uma entidade distinta delas, vale dizer, a partir do agente externo. Desta

forma, Dworkin denomina ambas de “interpretação criativa”, como terceira forma, a fim de

distingui-las da interpretação da conversação e da interpretação científica.    

 

Dworkin questiona se a interpretação da conversação e a interpretação científica são casos

metafóricos de interpretação, para depois reconhecer que “precisamos, portanto, substituir a

metáfora das práticas e das imagens falando com suas próprias vozes, de modo a reconhecer

o lugar fundamental da intenção na interpretação criativa”, ou seja, “ouvimos não as obras de

arte em si, como sugere a metáfora, mas sim os seres humanos que são seus autores” [85].

 

O autor analisado passa a defender, então, a tese de que a interpretação criativa não é

conversacional, mas construtiva, e refere que a interpretação das obras de arte se preocupa

especialmente com o propósito, e não com a causa, sendo que aqueles em jogo são os do

intérprete, e não o do autor. Nesta linha de raciocínio, “a interpretação construtiva é uma

questão de impor um propósito a um objeto ou prática, a fim de torná-lo o melhor exemplo

possível da forma ou do gênero aos quais se imagina que pertençam” [86].

 

O papel do intérprete e sua intenção são então essenciais pois, “do ponto de vista construtivo,

a interpretação criativa é um caso de interação entre propósito e objeto”, já que “um

participante que interpreta uma prática social propõe um valor a essa prática ao descrever

algum mecanismo de interesses, objetivos ou princípios ao qual, se supõe que ela atende,

expressa ou exemplifica” [87].

 

Em rápida síntese que permite o espaço desta pesquisa, toda forma de interpretação tenta

tornar um objeto o melhor possível, como o exemplo de algum empreendimento, e a

interpretação só assume formas diferentes em distintos contextos porque empreendimentos

diferentes envolvem também diversos critérios de valor ou de sucesso. Assim, “a interpretação

artística só difere da interpretação científica porque julgamos o sucesso das obras de arte

segundo critérios diferentes daqueles que utilizamos para julgar as explicações dos fenômenos

físicos” [88].

 

 

2.4 INTERPRETAÇÃO E INTENÇÃO DO AUTOR

 

 

Continuando seu arrazoado, Dworkin passa a objetar discordâncias de alguns críticos com

relação à idéia da tese construtiva da interpretação. Estes, na versão do autor adotado,

preferem a versão corrente de que “a interpretação criativa é apenas interpretação de

conversação dirigida a um autor” [89]. E apresenta dois argumentos que são utilizados para

esta crítica. No primeiro, que interpretar significa tentar compreender algo de modo particular e

especial, buscando descobrir os motivos ou as intenções do autor. Deste modo, “interpretar

uma prática social, como a prática da cortesia, significa apenas discernir as intenções de seus

adeptos, uma por uma” [90]. Por segundo, afirmam os críticos que a interpretação pretende

mostrar o objeto da interpretação de forma exata, precisamente como ele é e não de acordo

com os gostos e desejos do intérprete. Como conseqüência, “isso significa recuperar as

verdadeiras intenções históricas de seus autores, e não impingir os valores do intérprete àquilo

que foi criado pelos autores” [91].

 

Dworkin propõe-se a responder a esses questionamentos por etapas. Inicialmente, defende

que, mesmo levando em conta a intenção do autor na interpretação artística, não se pode fugir

da utilização das estratégias de interpretação construtiva. Afirma que “não podemos evitar a

tentação de fazer do objeto artístico o melhor que, em nossa opinião, ele possa ser” [92]. Por

segundo, ainda contestando as objeções antes referidas, Dworkin alega que, se efetivamente

considerarmos que a meta da interpretação artística é a descoberta da intenção do autor, “isso

deve ser uma conseqüência da aplicação, à arte, dos métodos da interpretação construtiva, e

não da recusa em recorrer a tais métodos” [93]. O terceiro e último argumento pode ser bem

visualizado na seguinte afirmação do autor estudado:

 

As técnicas da interpretação conversacional comum, nas quais o intérprete procura descobrir

as intenções ou significados de outra pessoa, seriam de qualquer modo inadequadas à

interpretação de uma prática social como a cortesia, pois é essencial à estrutura de tal prática

que sua interpretação seja tratada como algo diferente da compreensão daquilo que outros

participantes querem dizer com as afirmações que fazem ao colocá-la em operação [94].

 

Nesta perspectiva, um cientista social deve participar de determina prática se tem a intenção de

compreendê-la, o que é diferente de compreender seus adeptos.

2.5 ETAPAS DA INTERPRETAÇÃO

 

 

Neste momento de sua explanação, o filósofo do Direito norte-americano sugere um

“refinamento” da interpretação construtiva, de modo a transformá-la em instrumento adequado

da análise do Direito como prática social. Para este desígnio, cria três etapas de interpretação,

enfatizando a necessidade, em cada comunidade, de diferentes graus de consenso para cada

uma delas quando se verifica o crescimento da atitude interpretativa.

 

A primeira etapa nomeia de “pré-interpretativa”. O próprio autor chama atenção ao fato de

escrevê-la entre aspas uma vez que, mesmo neste primeiro instante, já ocorre algum tipo de

interpretação. Nesta, “são identificadas as regras e os padrões que se consideram fornecer o

conteúdo experimental da prática” [95].

 

A segunda etapa é a interpretativa. Nela, o intérprete deve se concentrar numa justificativa

geral para os principais elementos da prática que identificou na etapa anterior. Consistirá na

“argumentação sobre a conveniência ou não de buscar uma prática com essa forma geral”. A

justificativa não necessariamente precisa estar ajustada a todos os aspectos e características

da prática estabelecida, “mas deve ajustar-se o suficiente para que o intérprete possa ver-se

como alguém que interpreta essa prática, não como alguém que inventa uma nova

prática” [96].

 

A terceira etapa de interpretação é batizada de pós-interpretativa ou reformuladora. O

intérprete deve ajustar sua idéia do que a prática “realmente” requer para melhor servir à

justificativa que ele aceita na etapa interpretativa. Para exemplificar, um intérprete daquela

comunidade criada onde há a regra de cortesia “pode vir a pensar que uma aplicação coerente

da melhor justificativa dessa prática exigiria que as pessoas tirassem os chapéus tanto para

soldados que voltam de uma guerra quanto para os nobres” [97].

 

Barretto [98] afirma que este terceiro estágio é o mais destacado:

 

Entre os três estágios da interpretação, o terceiro representa para Dworkin o estágio mais

aprimorado, pois estabelece quais as características determinantes e diferenciadoras da prática

social a serem descobertas pelo intérprete, características essas que evidenciam o sentido e a

função da prática no contexto social. O terceiro estágio do processo hermenêutico, proposto

por Dworkin, admite como pressuposto de caráter geral que em todas as práticas sociais se

deve procurar o denominador comum, unificador de suas diferentes manifestações.  

 

 

2.6 FILÓSOFOS DA CORTESIA

 

 

Prolongando sua exposição, Dworkin intitula o subitem seguinte como Filósofos da cortesia. No

primeiro momento, ao título de Identidade institucional, discorre sobre que tipos de teorias

filosóficas são úteis àqueles que se filiam à atitude interpretativa. A interpretação (da regra de

cortesia, no caso) pode variar de lugar para lugar e de tempo em tempo, sendo, assim, um fato

histórico, pois “em uma etapa a cortesia é vista como uma questão de respeito; em outra, como

algo muito diferente” [99].

O conceito e a concepção da cortesia passam a ser importantes, neste ponto, pois,

 

… em termos gerais, as pessoas concordam com as proposições mais genéricas e abstratas

sobre a cortesia, que formam o tronco da árvore, mas divergem quanto aos refinamentos mais

concretos ou as subinterpretações dessas proposições abstratas, os galhos da árvore [100].

 

Neste particular, é importante o embate entre conceito e concepção, sendo um contraste entre

níveis de abstração nos quais se pode analisar a interpretação da prática.

 

Prossegue Dworkin, agora enfocando os paradigmas. Refere que em cada etapa histórica

determinadas exigências concretas da cortesia se mostrarão como paradigmas, ou seja, como

requisitos da cortesia. A obrigação de o homem se levantar quando uma mulher ingressa na

sala pode ser um exemplo desses paradigmas em determinada época. Serão interpretados

como modelo ideal, onde qualquer interpretação pode ajustar-se, “e os argumentos contra uma

interpretação consistirão, sempre que possível, em demonstrar que ela é incapaz de incluir ou

explicar um caso paradigmático” [101].

 

Como conseqüência desse papel especial, “a relação entre a instituição e os paradigmas da

época será estreita a ponto de estabelecer um novo tipo de atributo conceitual. Quem rejeitar

um paradigma dará a impressão de estar cometendo um erro extraordinário” [102]. No entanto,

nenhum paradigma está isento de sofrer nova interpretação, por se considerar a anterior

equivocada. Exemplifica, com relação à discussão em torno de gênero: “Um dia, então, as

mulheres passariam a não mais admitir que os homens se levantassem na sua presença;

poderiam ver em tal atitude a mais profunda falta de cortesia” [103].

Em outras palavras, na argumentação de Barreto [104]: “A cortesia, como prática social, só

pode ser devidamente explicada e compreendida na medida em que o analista procure

descobrir qual o sentido e a função da cortesia e, assim, identificar em que consiste esta

prática social”.

 

 

2.7 UMA DIGRESSÃO: A JUSTIÇA

 

 

Neste ponto Dworkin permite-se fazer uma digressão, com o fim de verificar até que ponto a

fundamentação dos conceitos interpretativos sustenta outras importantes idéias políticas e

morais, mormente a idéia de justiça. Dworkin reconhece que “a justiça e outros conceitos

morais de natureza superior são conceitos interpretativos, mas são muito mais complexos e

interessantes do que a cortesia” [105]. A principal diferença entre ambas, no caso, estaria no

alcance global latente da primeira.

 

Especula Dworkin que talvez a instituição da justiça tenha iniciado como começou a cortesia,

“através de regras simples e diretas sobre o crime, o castigo e a dívida”. Mas, em decorrência

da influência da filosofia política, cresceu a atitude interpretativa, e “as sucessivas

reinterpretações e transformações têm sido muito mais complexas do que aquelas que descrevi

a propósito da cortesia, mas cada qual se erigiu sobre a reorganização da prática e da atitude

consumada pelo precedente” [106].

 

Nesta análise de temporalidade leciona Dworkin [107] que, “em sua maior parte, porém, os

filósofos da justiça respeitam e usam os paradigmas de sua época”. Sua principal missão, no

entanto, “consiste não em tentar formular o conceito de justiça, nem em redefinir os

paradigmas, mas em desenvolver e defender teorias polêmicas que vão bem além dos

paradigmas e chegam à esfera da política”. 

 

 

2.8 CETICISMO SOBRE A INTERPRETAÇÃO

 

 

Na interpretação sobre determinada temática que envolve duas posições,

Dworkin [108] questiona se é razoável admitir que uma delas esteja certa e outra errada.

Mesmo a maioria das pessoas pensando que sim, “alguns críticos literários acreditam que isso

não passa de uma profunda confusão: dizem que é um erro pensar que uma interpretação

pode ser realmente melhor que outra”. E remete para o capítulo VII, onde se verá que alguns

juristas entendem de modo semelhante quanto aos casos difíceis, pois, na opinião deles, não

haveria resposta certa, mas tão-somente respostas divergentes. Para muitos, a idéia de

existência de uma resposta “certa” a problemas de valor estético, moral ou social é mais

estranha que a “a possível existência de uma resposta certa a questões relativas ao significado

de textos e práticas” [109].

 

A descrição abstrata do objetivo mais geral da interpretação proposta por Dworkin pretende

reafirmar “a tese cética de que é um erro filosófico supor que as interpretações podem ser

certas ou erradas, verdadeiras ou falsas” [110].

 

Prosseguindo, Dworkin [111] passa a analisar o ceticismo interior e o ceticismo exterior. O

cético interior importa-se com a substância das afirmações que contesta, apoiando-se “na

solidez de uma atitude interpretativa geral para pôr em dúvida todas as possíveis

interpretações de um objeto de interpretação específico”. Já o ceticismo exterior, por sua vez, é

uma teoria metafísica, e não uma posição interpretativa ou moral. O cético exterior não refuta

afirmação moral ou interpretativa específica. Ele é exterior porque não é engajado: “afirma

deixar o verdadeiro procedimento da interpretação à margem de suas conclusões”.

 

3 A JURISPRUDÊNCIA REVISITADA

 

 

3.1 UMA NOVA IMAGEM

 

 

Na primeira parte do capítulo 3 Dworkin [112] salienta a importância da jurisprudência na

interpretação jurídica, vale dizer, na formação do próprio Direito. Afirma que “o destino de

Elmer vai depender das convicções interpretativas do corpo de juízes que julgará o caso”. Não

se pode negar, então, a força da jurisprudência na tarefa dos juristas. Ainda, “o inevitável

conservadorismo do ensino jurídico formal e do processo de selecionar juristas para as tarefas

judiciárias e administrativas aumenta a pressão centrípeta”.

 

Ao mesmo tempo, porém, que esta força se mostra de “fora para o centro”, em alguns

momentos ela também ocorre do “centro para fora”, ou seja, centrífuga, em especial naqueles

locais onde a comunidade e os juristas divergem com relação à Justiça. Nesta linha de mira,

“juízes diferentes pertencem a tradições políticas diferentes e antagônicas, e a lâmina das

interpretações de diferentes juízes será afiada por diferentes ideologias”. Este fenômeno não é

ruim, ao contrário, pois “o direito ganha em poder quando se mostra sensível às fricções e

tensões de suas fontes intelectuais” [113].

Mesmo que determinadas interpretações sejam muito “populares” e aceitas em certa época, é

comum esta evolução jurisprudencial. Ilustrativo o seguinte trecho:

 

De repente, o que parecia incontestável é contestado; uma nova interpretação – ou mesmo

uma interpretação radical – de parte importante da aplicação do direito é desenvolvida por

alguém em seu gabinete de trabalho, vendo-se logo aceita por uma minoria ‘progressista’. Os

paradigmas são rompidos, e surgem novos paradigmas [114].

 

Nesta linha argumentativa, se a antiga visão do Direito como simples matéria de fato

apresentada no início por Dworkin negava importância às decisões judiciais nos casos difíceis,

“essa nova imagem tem o mérito notável de nos permitir, mais uma vez, acreditar no que dizem

nossos juízes” [115].

 

 

3.2 CONCEITOS E CONCEPÇÕES DO DIREITO

 

 

As interpretações construtivas do Direito tentam mostrá-lo em sua “melhor luz”. Deste modo,

não há uma linha claramente visível que separa a doutrina das decisões judiciais, ou de

qualquer outro aspecto da aplicação do Direito. Os filósofos do Direito discutem sobre os

fundamentos interpretativos necessários a qualquer argumento jurídico. Dworkin propõe-se a

reverter esta realidade, pois qualquer argumento jurídico prático se embasa em fundamentos

abstratos fornecidos pela doutrina e, no caso de divergência, um argumento jurídico assume

um deles e rejeita outros. Assim, para Dworkin [116]:

 

Desse modo, o voto de qualquer juiz é, em si, uma peça de filosofia do direito, mesmo quando

a filosofia está oculta e o argumento visível é dominado por citações e listas de fatos. A

doutrina é a parte geral da jurisdição, o prólogo silencioso de qualquer veredito.

Neste momento, Dworkin anuncia importantíssimo ponto de sua teoria, que é analisado nos

capítulos seguintes. As concepções jurídicas que oferecem respostas distintas a três

questionamentos que coloca [117], sendo que a resposta concreta que é dada à terceira

pergunta fixa os direitos e responsabilidades que são por ela reconhecidos. Cada uma delas,

sempre no sustentado pelo autor enfocado, capta temas e idéias importantes nessa literatura,

sob a forma de afirmações interpretativas, não-semânticas. São denominadas

“convencionalismo”, “pragmatismo jurídico” e “direito como integridade”.

 

Dworkin [118] prossegue, fazendo uma análise de direito e moral, e direito e justiça. Sustenta,

com vigor, o ponto-chave deste capítulo, ou seja, a nova visão da jurisprudência, pois “o

precedente também ocupa um lugar importante em nossas práticas: as decisões passadas de

tribunais contam como fontes de direito”.

 

Qualquer concepção de Direito relaciona-se externamente com outras áreas e ciências,

mormente com a moral política, e através destes, com convicções ideológicas e até

metafísicas, mais gerais. Mesmo que o jurista não tenha desenvolvido explícita e

articuladamente seu ponto de vista sobre o Direito, “sua concepção de direito, até o ponto de

vista em que a tenha desenvolvido, irá revelar uma atitude a respeito desses vastos temas, dê-

se ele conta disso ou não” [119]. Na verdade, Dworkin está se referindo à decisão jurídica

como fundamentação política, pois a “a opinião de que nossos juízes às vezes devem ignorar o

direito e tentar substituí-lo por um direito melhor está longe de ser desconhecida nos cursos de

direito e mesmo nos debates políticos”.

4 O DIREITO À LUZ DO CONVENCIONALISMO

 

 

 

Dworkin sustenta que a corrente que denomina convencionalista (ou originalista) do Direito tem

sua espinha dorsal na interpretação baseada nas convenções jurídicas, partindo de três

diferentes enfoques, que serão brevemente analisados a seguir. Para este objetivo, utilizar-se-á

especialmente belíssima resenha da obra O Império do Direito elaborada por Lorentz [120].

 

 

4.1 CONVENCIONALISMO GRAMATICAL OU RESTRITO

 

 

O convencionalismo gramatical, ou restrito, como a própria nomenclatura já indica, ampara-se

em uma interpretação literal dos textos jurídicos. Para os defensores da corrente, esta seria a

vontade legislativa “que poderia ser buscada através de consulta aos anais dos legisladores, à

exposição de motivos da lei, etc.” [121]

 

Registre-se, mesmo que rapidamente, que a interpretação dita “literal” está muito ultrapassada.

Neste sentido, é de se sugerir o belo apanhado histórico da hermenêutica feita por

Barreto [122] ao enfatizar que a interpretação na Antigüidade estava vinculada à necessidade

de explicar os textos cujo sentido não estivesse claro. Nesta perspectiva, “a atividade

interpretativa tornava-se necessária, portanto, quando a estrutura gramatical do texto não fosse

suficiente para o entendimento do seu sentido” [123].

 

 

4.2 CONVENCIONALISMO DE JOHN HART ELY

 

 

A segunda corrente é mais sofisticada, tendo entre seus próceres John Hart Ely. Esta defende

que cabe ao Poder Judiciário interpretar o Direito com o fim de proteger as minorias, pois “as

maiorias já estariam devidamente protegidas pelas leis do legislativo, que refletem a vontade

delas”[124].

 

 

4.3 TERCEIRA CORRENTE

 

 

Finalmente, a terceira corrente do convencionalismo, certamente bem mais sofisticada que as

duas anteriores. Para esta linha, ao fazer a interpretação é imprescindível atualizar a vontade

os legisladores [125] para a época do caso a ser decidido.

 

Exemplificando: na 14ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos foi regulada a igualdade

entre homens e mulheres perante a lei. Ela seria suficiente para assegurar esta igualdade?

Lorentz [126] responde:

 

Para a terceira corrente do convencionalismo, na atualidade, tal pergunta poderia ser

respondida da seguinte forma: se a vontade dos legisladores fosse atualizada, poderia concluir-

se também que é assegurada a igualdade entre homens e mulheres, porque, na época da

Emenda, as mulheres só não foram incluídas no conceito de igualdade porque o conceito de

‘mulher’ não era distinto nem do conceito de homem, e nem do de família.

 

 

4.4 CRÍTICAS DE DWORKIN AO CONVENCIONALISMO

 

 

Dworkin critica a vinculação das decisões judiciais às decisões anteriores, pois os precedentes

nem sempre são as melhores decisões, e este agir impede o magistrado de prolatar a melhor

decisão possível. Outra crítica que faz é àquela corrente que defende a discricionariedade do

juiz, na inexistência de convenções jurídicas (normas ou precedentes). Na visão dworkiana,

mesmo que estas convenções não existam de modo explícito, elas aparecem na dimensão

implícita, o que já afastaria a discricionariedade [127]. De igual forma, afirma que não há

garantia de que as convenções jurídicas sejam justas. Exemplifica com as leis da Alemanha

nazista, que existiam mas não eram reconhecidas pela aceitação geral da comunidade, senão

pela força.

 

Também refuta a busca pela “vontade dos legisladores”. Nesta sustentação, a lei nunca é feita

somente por eles. Assim, seria necessário também perquirir a vontade dos assessores

legislativos que elaboraram o projeto, do Chefe do Executivo, que a sancionou, e até dos

grupos de pressão que influenciaram os membros do Congresso. Ainda, tanto os

convencionalistas como os historicistas teriam que buscar a vontade de todos os legisladores

posteriores, que optem por não alterar e nem revogar aquela lei [128].

 

Na visão de Lorentz [129]:

 

Dworkin mostra a inutilidade do método do historicismo e defende coisa diversa, ou seja, não

verificar a vontade do legislador, no momento em que a lei foi feita, sob o signo tanto de outro

paradigma quanto de outras vontades da comunidade, mas sim a verificação do histórico

legislativo, isto é, a história da comunidade legislativa, desde que foi feita a lei até o momento

da decisão, este, sim, o momento atual.

 

Por fim, ao verificar apenas a convenção jurídica aplicável ao caso concreto (lei ou

precedente), o convencionalismo desconsidera o restante do Direito, mormente os princípios

jurídicos, tendo como conseqüência uma decisão incoerente, à luz do todo. Um exemplo

ilustrativo disso é o Caso Elmer, que superou a análise tão-somente nos textos legais,

propugnando por uma decisão de acordo com o ordenamento jurídico, este considerado de

forma coerente, integral.

5 O DIREITO À LUZ DO PRAGMATISMO

 

 

 

No capítulo V do Império do Direito, Dworkin faz uma análise de outra corrente de interpretação

jurídica. Como o próprio nome também demonstra, o pragmatismo (ou utilitarismo) tem seu

enfoque maior no lado prático da aplicação do Direito.

 

Ao contrário dos convencionalistas, para os pragmáticos, tanto as decisões anteriores como as

convenções jurídicas não são importantes na interpretação. Desta forma, o juiz goza de

enorme liberdade de decisão (realismo). Nesta corrente, o julgador age sempre “como se” o

postulante tivesse o direito previsto nas convenções jurídicas. Seu eixo central, enquanto

escola de interpretação, parte de pressuposto de que as decisões devem ser tomadas de

acordo com o que é melhor para a sociedade, renegando, desta forma, “qualquer consistência

com decisões passadas”[130].

 

Diferentemente do convencionalimo, que dirige o olhar para o passado, o pragmatismo tem os

olhos voltados para o futuro na tarefa hermenêutica. Nega, em síntese, “qualquer possibilidade

de continuidade necessária na aplicação do direito”, pois “cada caso é um caso e em função de

suas características peculiares o juiz deve decidir, criando a lei aplicável” [131].

O pragmatismo pode ser divido em três correntes, novamente aqui se adotando a linha de

argumentação de Lorentz [132].

 

 

5.1 TEORIA ECONÔMICA DO DIREITO POR DANOS INVOLUNTÁRIOS

 

 

Trata-se de um pragmatismo que se ampara em uma teoria econômica do Direito como técnica

interpretativa. Com este objetivo, deve chegar até a decisão que será futuramente menos

dispendiosa em termos financeiros para a comunidade.

 

 

5.2 ESTUDOS CRÍTICOS DO DIREITO

 

 

Esta corrente é uma versão mais incisiva do pragmatismo, sobressaindo-se Richard Posner,

considerado um grande crítico de Dworkin. Sustenta a impossibilidade de coerência de

princípios e de interpretação, em um sistema liberalista, como é o dos Estados Unidos. Desta

forma, em razão de impossibilidade de qualquer integridade jurídica, a solução é dar amplo

poder decisório ao juiz. Por isso pode ser considerada como “realismo radicalizado” [133].

 

 

5.3 DECISÕES MINIMALISTAS

 

 

A terceira corrente do pragmatismo é a mais sofisticada delas, tendo entre seus próceres Cass

Sunstein. Este, ao contrário de Posner, até reconhece a possibilidade da integridade do Direito.

No entanto, é melhor para a comunidade não estender as decisões judiciais para outros casos

análogos, pois “isso tanto impediria a perpetuação de uma decisão errada como preservaria

mais o sistema federalista e democrático (ou seja, respeitaria a autonomia dos Estados de

fazerem suas leis)” [134].

 

Esta corrente, ao defender decisões minimalistas, opõe-se radicalmente a Dworkin, que

sabidamente prefere decisões maximalistas. Até admitem a insuficiência de fundamentação

nos casos difíceis, pois o problema para eles seria, na verdade, mais político do que jurídico. O

caminho lógico é esperar uma decisão do Poder Legislativo.

 

 

5.4 CRÍTICAS DE DWORKIN AO PRAGMATISMO

 

 

Dworkin faz críticas em sua obra às três principais correntes do pragmatismo. Com relação à

Teoria Econômica do Direito por Danos Involuntários, afirma a impossibilidade de o juiz

identificar plenamente qual a interpretação que trará menos prejuízos econômicos à

comunidade, ou que lhe será menos dispendiosa, como um todo.

 

Para sustentar sua argumentação, utiliza um exemplo bastante elucidativo. Uma extensa linha

de trem passa por uma fazenda em tal velocidade que a fricção do veículo com os trilhos acaba

gerando faíscas, que geram um incêndio que destrói a produção desta propriedade. O juiz

pragmatista filiado a esta corrente indagaria o que traria menor prejuízo à comunidade: diminuir

a velocidade do trem ou permitir que as colheitas queimem? Se chegasse à conclusão de que

as colheitas valiam dez mil dólares, mas a opção contrária despendesse quarenta mil dólares,

manteria a velocidade da ferrovia no patamar gerador dos prejuízos. Dworkin alega que esta

solução não seria a mais adequada, mesmo em termos econômicos, pois pode o plantador ter

guardado próximo da linha uma coleção de quadros renascentistas de enorme valor, ou pode

acontecer que ocorram fenômenos climáticos em outras partes que supervalorizem o produto

plantado. Desta forma, a solução inicialmente apontada como menos gravosa se tornaria a

mais dispendiosa. Além deste argumento, Dworkin ainda se opõe à idéia dos adeptos da

primeira corrente de pragmatismo de que o melhor para a comunidade está vinculado a um

conceito de riquezas, pois não necessariamente a felicidade de uma comunidade é igual a sua

riqueza [135].

 

A crítica de Dworkin [136] à segunda corrente do pragmatismo centra-se nos poderes

conferidos ao juiz, que são, em última análise, poderes do Legislativo, o que não pode ser

admitido por ferir o princípio democrático de divisão de poderes. Além do mais, “implica grave

erro e grandesperigos, porque sujeita a decisão às parcialidades e preferências pessoais de

cada juiz”.

 

Por fim, a terceira corrente é combatida “porque não considera o direito como um todo, como

um sistema coerente, que tem de levar em conta não só as decisões tomadas no passado, mas

também as convenções jurídicas” [137]. A coerência, nascida de valores da própria

comunidade, é independente dos valores individuais de seus membros e desprezada pelo

pragmatismo. Não fosse suficiente, as decisões minimalistas são, em muitos casos, impeditivas

desta coerência e pouco fundamentadas, “criando não só um permanente ceticismo interno

com relação ao direito, mas também uma grande insegurança jurídica, com relação às

decisões do judiciário” [138].

6 O DIREITO COMO INTEGRIDADE

 

 

 

6.1 ALGUMAS NOÇÕES DO DIREITO COMO INTEGRIDADE

 

 

Após criticar de forma incisiva, científica e sólida as correntes de interpretação existentes nos

Estados Unidos, Ronald Dworkin apresenta sua corrente hermenêutica, o ponto central de seu

ideal, em torno do qual gira toda a obra: o Direito como integridade. Sua tese, evidentemente,

supera as idéia do convencionalismo e do pragmatismo. Neste sentido, importante ressaltar

com Lorentz [139] que “sua resposta é da concepção do direito como integridade, como uma

prática que visa a tornar coerente o sistema de convenções jurídicas, precedentes e valores da

comunidade, dentro de um caso concreto”.

 

Para esta realização do Direito como integridade, os princípios assumem posição medular,

especialmente aqueles de moralidade individual e política, garantidores de uma comunidade

solidária. Na verdade, “Dworkin foge da armadilha do formalismo legalista, buscando nos

princípios os recursos racionais para que se possa evitar o governo da comunidade por regras,

que possam ser incoerentes em princípio” [140].

 

O autor analisado apresenta um exemplo bastante esclarecedor de sua proposta de

integridade, extraindo-se de um sistema jurídico um princípio que manifeste coerência. Há nos

Estados Unidos leis que vedam a discriminação entre brancos e negros nos ônibus e em bares;

contudo, não há legislação nem precedentes relacionados à discriminação em cinemas.

 

Na possibilidade de analisar, então, a discriminação de negros ocorrida em cinema, como o juiz

deveria interpretar e quais fundamentos e critérios utilizaria para tanto?

 

Com muita propriedade e precisão, Dworkin, “numa visão muito ampla e clara, afirma que o

princípio que é possível extrair-se desse contexto, aquele que é aceito, como um todo, pela

comunidade, e que reflete ideais de justiça, de moralidade e de devido processo legal, é a

opção pela não discriminação” [141]. Se o princípio existente em todo o Direito é o da não-

discriminação, inexistiria coerência sistêmica admitir-se discriminar negros nos cinemas sendo

proibida tal prática em transporte coletivo e bares. Logicamente uma decisão coerente, do

direito como integridade, no caso, não admitiria este tipo de discriminação.

 

Dworkin rejeita as denominadas “soluções conciliatórias”, que são admitidas pela terceira

corrente do pragmatismo, onde se admitem soluções distintas para casos semelhantes, já que

esta conduta implicaria incoerência sistêmica de princípios. Nos Estados Unidos, em

decorrência do Federalismo, algumas vezes a comunidade concebe direitos diferentes,

incoerentes entre si, e para a correção disso o magistrado deve laborar na busca da coerência

de conjunto. No entanto, “se em cada estado os direitos não forem sequer coerentes,

considerados em conjunto, então o juiz deve buscar o princípio coerente nas decisões de

ordem superior, na Suprema Corte e na Constituição Federal” [142].

Na visão de Dworkin, então, sempre haverá uma única resposta certa para cada caso concreto,

amparada nos fundamentos de justiça, eqüidade e do devido processo legal, admitidos pelo

agente moral da comunidade, distinta de seus membros, individualmente considerados, como

também pelo conjunto das convenções jurídicas existentes sobre o caso e ainda os valores

moralmente aceitos pela comunidade, sobre o que se discute, em termos desses três

fundamentos.

 

Nesta proposta, “cada juiz agiria como se fosse um escritor, continuando o romance que o juiz,

que prolatou a decisão anterior sobre o caso semelhante, já tinha começado a escrever” [143].

No entanto, se a cada caso o julgador tiver este trabalho para elaborar a correta interpretação,

será indubitavelmente um superjuiz, um super-homem, daí o motivo de Dworkin chamar seu

juiz de “Hércules”. Aduz que o direito como integridade e Hércules são importantes porque não

somente mantêm a integridade e a coerência do sistema como um todo como, de igual forma,

protegem o Direito das manobras legislativas, da fraude, da corrupção oficial e das

parcialidades de cada julgador, como acontece no realismo. Nesta linha argumentativa, são

pontuais as palavras de Lorentz [144]:

 

Em conclusão, o direito integridade não tem sua visão nem voltada para o passado, preso a

este, como concebem o convencionalismo, ou originalismo, nem tem sua visão voltada para o

futuro, como concebem os pragmatistas, ou utilitaristas, ou seja, para os impactos econômicos

futuros da decisão. Não se trata de ‘descobrir’, nem de ‘inventar’ o direito.

 

Na verdade, trata-se de construir uma decisão correta, amparada na integridade do sistema

jurídico como um todo (convenções jurídicas e precedentes), extraindo princípios amplos deste

e dos valores que a comunidade personificada faz vigorar no presente, com esteio nos

princípios de justiça, eqüidade e do devido processo legal.

Em apertada síntese, a decisão leva em conta tanto o passado (precedentes) como o futuro,

sem, porém, ficar atrelada a esses critérios, pois visa a aprimorar a decisão, a cada caso

decidido, baseada nos valores atuais adotados pela comunidade como um todo.

 

A integridade sustenta-se em noções morais, em última instância políticas, como bem assevera

Pastore [145] ao dizer que:

 

Integrità è nozione morale. Indica l’adesione sincera ad um códice morale e la presenza di um

nesso, coerente tra azioni, protegetti, atteggamenti, da prendere sul serio in quanto la stessa

esistenza ed identità nel tempo di um soggetto sono construite su essi.

 

 

6.2 SÍNTESE DO DIREITO COMO INTEGRIDADE

 

 

O Direito como integridade seria, sempre, uma decisão construída a partir da auto-reflexão dos

operadores jurídicos.

 

Nesta missão, o juiz Hércules deve laborar em quatro etapas. Por primeiro, sendo as leis ou

precedentes reguladores do caso obscuros, ou não pertinentes (discrimináveis), deve-se

averiguar o que refere o resto do ordenamento, com destaque para a Constituição e outros

precedentes. depois verificar os princípios aplicáveis ao caso e a política adotada, no caso de

leis obscuras. Isso seria, na verdade, a busca do Direito integridade. Por segundo, deve

verificar a eqüidade, vale dizer, não o que o juiz entende que é o melhor e mais justo para a

comunidade, mas sim o que a opinião pública pensa sobre o problema. Por terceiro, deve

Hércules ater-se ao histórico legislativo, que nada tem a ver com o historicismo. Neste rumo,

deve analisar o histórico legislativo da comunidade, desde a elaboração da lei até o instante da

decisão, este estando sob o atual signo tanto do paradigma que o rege como de outras

vontades atuais da comunidade. Por fim, deve Hércules verificar o devido processo legal

cabível no caso, vale dizer, os procedimentos adequados para a aplicação das normas e regras

produzidas pelo sistema. É lógico que, após enfrentar todas essas etapas,

 

Hércules pode achar contradições até entre esses métodos, mas isso pode ser resolvido em

termo de princípios dominantes (porque eles são a vontade personificada da comunidade) e

pela busca de um acordo do nível aceitável de integridade a ser atingido [146].

 

 

6.3 CRÍTICAS A DWORKIN

 

 

As idéias de Dworkin, mesmo com o inquestionável destaque alcançado por sua inovação,

mesmo assim sofreram críticas, como, a propósito, o próprio intelectual sugere no Império do

Direito [147] que se faça.

 

Lorentz [148] noticia quatro delas, e arrisca-se a formular uma quinta. Elas serão a seguir

discorridas, mesmo que em vôo de pássaro. 

 

A primeira parte pelos pragmatistas, entre eles destacando-se Posner, como já referido.

Afirmam, com base em um ceticismo interno, a impossibilidade dentro de um sistema liberal, de

existência de coerência de princípios, o que leva, conseqüentemente, à impossibilidade de

interpretação coerente do Direito como integridade.

A segunda, de outro grupo de pragmatistas, como Sunstein, na linha que o sistema de

integridade dworkiniano enfraqueceria o sistema federalista, já que as decisões não coerentes

dos Estados seriam anuladas pela Suprema Corte com o intuito de guardar coerência com a

Constituição Federal. Não obstante, o próprio adversário reconhece que “o sistema

Federalista é rico, justamente, porque permite aos Estados adotarem políticas e decisões

peculiares e próprias, e que o sistema de Dworkin desfavorece tal diversidade” [149].

 

Por terceiro, outros pragmatistas contrapõem a impossibilidade de existência do juiz Hércules,

o que significaria enorme e inalcançável esforço do magistrado comum, e não poderia ser

aceito.

 

Por fim, a crítica dos convencionalistas, para os quais Dworkin “estaria ‘criando’ divergências

que não existem e estaria, também, ‘inventando’ normas ao invés de seguir as que foram,

legitimamente, criadas pelo legislativo” [150].

 

A crítica de Lorentz [151] centra-se naquilo que denomina de ponto central do enfoque

adotado, a óptica de conduta da figura do juiz. Explica:

 

É que na esteira dos modernos processualistas, que concebem o processo nas teorias

estruturalistas e constitucionalistas, este é visto como jurisdição compartilhada, logo as partes

constroem o processo, tendo tanta importância quanto o juiz.

 

Conclui defendendo que talvez possa ser interessante verificar as teorias de interpretação não

somente sob a perspectiva do juiz, mas igualmente das partes envolvidas no processo.

Utilizando-se de vários doutrinadores, especialmente da área do Direito Constitucional e do

Direito Processual, diz que esta visão está em sintonia com a atualidade, ou “dimensão do

Direito Constitucional que superou tanto sua fase Liberal quanto Social e encontra-se na sua

fase de Universalidade, Direito à Democracia, à informação e fraternidade” [152].

 

Outra indagação ainda é apresentada por Chueiri [153], atribuindo-a à Professora Sonia Felipe,

para quem:

 

Há de se questionar: a) a possibilidade de que se venha a adotar, como comunitários, padrões

que apenas se conformam aos interesses dominantes e b) a possibilidade de que os padrões

comunitários, por serem comuns à maioria dos cidadãos, signifiquem a ditadura da maioria.

 

Kozicki [154] também alerta que “a busca incessante pela integridade – tendo a consistência e

a coerência como corolários desta – leva a uma visão unificadora e restritiva demais no que

toca ao reconhecimento da diversidade e do pluralismo característicos do pensamento liberal”.

Para ela, “não existem elementos, nas modernas democracias, capazes de levar á conclusão

de que os obstáculos à formação deste consenso possam ser superados sem atos de força ou

sem exclusão”. Nesta sua visão crítica, não haveria uma resposta certa, tanto na aplicação do

Direito como na democracia, pois a escolha de uma resposta certa é sempre uma decisão, um

escolher entre tantas possibilidades, que exclui as demais possibilidades não constantes

naquele ato decisório.

Ambas ainda questionam conjuntamente se as idéias de Dworkin seriam concretizadas na

América Latina, onde não haveria ainda um modelo definido. Para elas, “a filosofia de Dworkin

limita-se à sociedade americana e ao projeto político de um novo liberalismo, de uma maneira

geral”. Assim, “torna-se impossível discutir o direito como dimensão simbólica da justiça, em

termos de revitalização dos direitos individuais, a partir da idéia do ‘improvement’ do próprio

liberalismo, em sociedades que mal experimentaram o gosto pela democracia”. Em síntese,

para as autoras citadas, Dworkin propõe um projeto interdisciplinar onde já há definição das

regras do jogo, enquanto nas sociedades sul-americanas somente agora o político começa a

ser admitido como indissociável do jurídico [155].

 

Nogueira [156], a seu turno, afirma que “o único ponto de discórdia em relação à utilização

destes princípios é o fato de termos uma sociedade com elevado grau de mutabilidade, com a

inserção de novos direitos”, como o Direito Ambiental e a Engenharia Genética. Para ele, como

são realidades novas, possivelmente não se encontrem soluções firmadas por princípios,

ocorrendo lacunas tanto na previsão legislativa quanto nos princípios.

 

Outro que não se furta em fazer observações críticas é Silva Filho [157]. São basicamente de

dois tipos. No primeiro deles, em rápida síntese, defende que não haveria na atualidade

apenas um jogo de linguagem, como propõe a concepção analítica da ciência, mas sim vários

deles. Isso decorre da fragmentação das sociedades pós-modernas, “onde existe uma

infinitude de microuniversos espalhados no tecido social”; o outro parte da constatação do

privilegiamento, no ideal dworkiniano, do princípio da igualdade formal entre as partes. Defende

uma igualdade efetiva, duvidando que a existência do princípio redunde em real equanimidade.

Nota que “em sociedades como a brasileira, de capitalismo periférico, tal princípio, muitas

vezes, esconde a brutal diferença existente sob a máscara da igualdade formal”.

 

São amostras de algumas críticas que sofre Dworkin. Evidentemente não têm o condão de

desmerecer suas idéias, mas apenas pontuar, em rápida exemplificação, que, como todos os

que constroem algo, o filósofo norte-americano encontra críticos, o que não ofusca, em

absoluto, o caráter inovador e vanguardista de sua tese, como se ressaltará nas considerações

finais.

 

 

6.4 A INTEGRIDADE À LUZ DE UM JULGADO PARADIGMÁTICO

 

 

Há um julgado no Estado do Rio Grande do Sul que pode ser considerado paradigmático, na

linha da integridade proposta por Dworkin. Inclusive por que se aproxima muito do Caso

Elmer [158]. O fato ocorreu em Rosário do Sul. Naquela cidade gaúcha, o genro, casado com a

única filha pelo regime da comunhão universal, matou o próprio sogro quando este estava

dentro do cartório de Registro de Imóveis da Comarca. Suspeitava o genro que seu sogro

estivesse se desfazendo dos bens. Como era casado pelo regime de comunhão universal com

a única filha do de cujus, seria futuramente beneficiado com metade dos bens de seu sogro.

 

O autor do homicídio foi levado a júri popular e condenado por homicídio qualificado (motivo

torpe). Em razão da morte do pai pelo seu marido, além da ação de inventário, a filha propôs o

divórcio do casal e ainda intentou uma ação de indignidade de seu marido, com o fim de excluí-

lo da partilha dos bens deixados pelo pai.

O juiz de primeiro grau extinguiu o feito por impossibilidade jurídica do pedido, pois genro não é

herdeiro. Além do mais, deve aqui ser enfatizado que assassinato de genro não está entre os

fatos possibilitadores de declaração de indignidade no Código Civil de 1916, que regia a

matéria na época dos fatos, e nem no vigente Código de 2002 [159].

 

Irresignada, a autora da ação recorreu ao Tribunal de Justiça gaúcho. O feito foi sorteado à

Sétima Câmara Cível, tendo como relator o Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, e foi

julgado em 9 de abril de 2003.

 

Em seu voto, aqui em apertada síntese, sustentou que não sendo herdeiro, mas cônjuge-

meeiro, não cabia à autora embasar-se na analogia ao inciso I do artigo 1.595 do Código Civil

de 1916 para postular declaração de indignidade de seu marido. Ademais, utilizou idênticos

argumentos do julgador singular, para quem não se admite analogia para restringir direitos ou

quando a enumeração legal é taxativa. Por fim, adotou argumentação do representante do

Ministério Público, que entendeu que a regra da indignidade somente deveria recair naqueles

que tinham laços de sangue e/ou de “extrema afeição” com o autor da herança, a ponto de

serem penalizados por atos atentatórios contra a sua vida, honra ou liberdade. Negou

provimento ao apelo, então, o relator.

 

A mudança de entendimento no caso concreto se deu a partir do voto da revisora e Presidenta

da Câmara, Desembargadora Maria Berenice Dias, conhecida na Corte gaúcha e

nacionalmente por suas posições de vanguarda. Reconhecendo a omissão legislativa,

amparou-se principalmente no artigo 4.º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) e no artigo

126 do Código de Processo Civil (CPC) para julgar seguindo a analogia, os costumes e os

princípios gerais de direito. O fato de o apelado não ser herdeiro do inventariado, mas seu

genro, não poderia afastar a diretriz de impedir que não seja premiado com a herança quem

age contra a vida de alguém.

 

Frisou a magistrada que esta omissão não ocorre no atual Código Civil, que em seu artigo

1.814 amplia as hipóteses de exclusão ao prever que são excluídos da sucessão os herdeiros

ou legatários que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou

tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro,

ascendente ou descendente. Mesmo impedidos de aplicar o novo Código, pois o fato ocorreu

sob a égide do anterior, cabível atentar, no entender da revisora, que a ampliação do

dispositivo revela a aceitação da diretriz sinalizada pela doutrina.

 

Confessou ter dificuldades de averiguar quando determinada previsão legal é exaustiva,

enumerativa ou exemplificativa. Entendeu que, quando a lei prevê hipóteses de exclusão,

“nunca se pode ter o mesmo como exaustivo, porque, às vezes a imaginação – ou a crueldade

do ser humano, como no caso – vai além da previsão do legislador” [160].

 

Bastante ilustrativo o seguinte trecho do voto da Desembargadora Maria Berenice [161], que

bem demonstra a intenção de não abdicar de uma hermenêutica engendrada em uma visão

inovadora do Direito:

 

No entanto, se há omissões na identificação das pessoas integrantes do suporte fático, de tal

omissão não se ressentem os princípios, que devem sempre ser identificados para ser

invocados quando se verifica uma lacuna na lei. Assim, se há omissão de norma legal, deve

sempre prevalecer o princípio consagrado pelo legislador, que, indiscutivelmente, é o de não

permitir a quem atenta contra a vida de outrem possa dele receber alguma coisa, seja como

sucessor, seja como cônjuge ou companheiro do sucessor. Essa é a intenção do legislador e a

função da Justiça é exatamente fazer incidir a orientação ditada pela lei. Aliás, para isso é que

somos juízes, para fazer justiça segundo os princípios que regem o sistema jurídico. Não

somos, como dizia Montesquieu, la bouche de la loi, juízes que simplesmente se limitam a

repetir e aplicar a norma contida no elenco legal, permitindo que se conviva com a injustiça.

Somos Juízes de Direito, integramos um Tribunal de Justiça.

 

Com base nestes argumentos, enfatizando que quando tomou posse como juíza prometeu

“fazer justiça e não aplicar a lei de forma mecânica”[162], deu provimento ao recurso,

afastando a possibilidade de o apelado se beneficiar da meação que é integrada pela herança

da pessoa que havia assassinado.

 

Em seu voto, que decidiu a contenda, o Desembargador Carlos Teixeira Giorgis partiu da idéia

que o decisor, em sua tomada de posição, deve considerar nos casos omissos os aspectos

éticos, relevantes e morais, juntamente com os fundamentos legais. Referiu que boa parte do

novo Código Civil caminha nesta linha, a da eticidade, exemplificando com o princípio da boa-fé

nos contratos. Amparou-se ainda em literatura que sustentava a injustiça decorrente de

entendimento diverso, e ainda a tese alegada na sustentação oral da tribuna pelo advogado da

recorrente de que o meeiro é um legatário ex legis. Acompanhou a revisora, dando provimento

à apelação.

 

O acórdão foi publicado em 29 de abril de 2003, e, com o trânsito em julgado retornou à

primeira instância em 3 de junho de 2003. É considerado o primeiro julgamento neste caso no

Brasil, embora a existência de outros julgados na mesma linha, porém não como o mesmo

objeto [163].

 

Ainda que não tenha citado Dworkin e tendo utilizado muitas vezes a idéia de “intenção do

legislador”, que os aproxima muito da terceira corrente do convencionalismo (item 4.3, retro, p.

52), a decisão pode ser considerada paradigmática na linha dworkiniana, pois teve no ponto

central de sua fundamentação, amparo nos princípios [164], mormente na questão da

moralidade e da ética. Antes de uma preocupação meramente patrimonial, sucessória, pode

ser vista em nível da integridade como uma decisão que leva em conta o “valor da vida” [165].

Deve ser saudada por sua inovação, coragem hermenêutica e superação do

positivismo [166] na interpretação do Direito Civil [167]. Tratava-se, sem dúvida, de um caso

difícil [168].

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

 

Como anotado na introdução, a modernidade reclama novas formas de interpretação jurídica,

seja pela esclerose do sistema conservador, fundado no mero positivismo na tarefa

hermenêutica, que em última análise está relacionada ao dogmatismo, ou pela ampliação e

“sofisticação” dos casos do mundo dos fatos que passam pelo “filtro” desta interpretação. Não

há dúvidas de que nosso momento histórico atual é fértil em conflitos pessoais e coletivos que

demandam do analista algo além da simples e fácil interpretação automatizada, matemática,

dos fenômenos jurídicos.

 

Neste viés, as idéias de Ronald Dworkin devem ser saudadas como louvável e eficaz (possível)

via hermenêutica. O grande mérito de Dworkin é superar crítica e efetivamente a concepção

positivista básica de que as proposições de ordem moral são irrelevantes para o Direito.

Dworkin, então, mesmo em um primeiro momento aceitando a premissa básica do positivismo

jurídico, depois dela se afasta ao destacar a ampliar a idéia liberal do direito à igualdade,

gizando como o reconhecimento das igualdades é importante na leitura que se faz. A leitura

moral é, então, uma leitura da igualdade.

 

Outra conotação no ideal dworkiniano que merece reflexão é a superação, através de uma

virada ontológica, das amarras que eram infligidas ao Direito, tornando-o estático, nas

correntes tradicionais. Neste sentir, não existe para o filósofo norte-americano um conceito de

Direito, pois ele próprio é um processo interpretativo.

 

As principais correntes tradicionais que Dworkin supera são as desgastadas teorias

originalistas/convencionalistas e as pragmatistas/utilitaristas. Para este plano, labora na busca

de harmonia com os valores existentes atualmente na comunidade como um todo, no instante

da decisão, destacando-se que isso ocorre sem se perder de vista as decisões pretéritas, como

faz o convencionalismo, e nem as ilações vindouras, como fazem os pragmatistas.

 

Com efeito, o Direito como Integridade é um significativo passo à frente no mundo jurídico

atual, sendo certamente a mais moderna tese interpretativa. A igualdade, como antes referido,

é seu principal fundamento. Neste sentir, a eqüidade nela se arraiga, tornando-se concreta a

partir de procedimentos, moralmente justificados, de distribuição de poder, como o

reconhecimento das minorias não como agentes distintos da comunidade, mas como

comunidade ela mesma.

 

A descrição de uma comunidade como solidária significa a introdução de um valor moral do

poder político em sua construção. Na consecução deste são fundamentais outras expressões

axiológicas, como liberdade, igualdade e solidariedade (humanidade).

 

Enfim, em rápida síntese que o espaço permite, em conclusões que, sem sombra de dúvida,

não são definitivas, mas serão ampliadas na construção de novas, futuras e mais amplas

análises, o ideário de Dworkin é uma visão humana e humanizadora, ao fixar racionalmente

como seu norte o ideal político e jurídico a moralidade (igualdade) na complexa análise dos

fenômenos da atualidade. Demonstra, de forma inequívoca, que não podemos jamais abdicar

da grandeza de nossa missão.

 

Embora todas as críticas que lhe são feitas, como aquelas que aqui foram estampadas,

possam ter sentido, não haverá jamais como negar os méritos de Dworkin, que aprofundou

significativamente a guinada começada por Hart rumo à hermenêutica crítica, desmistificando e

superando a função totalizadora da linguagem jurídica, no sentido dogmático, como referido.

 

Mesmo a observação de que os princípios dworkinianos são mais amoldados ao modelo

da common law, onde a função jurisdicional é central, em decorrência dos procedentes, não há

como negar a possibilidade de aplicação no sistema romano-germânico, como o nosso, onde a

fonte por excelência do Direito é a lei (inciso II do artigo 5.º da Constituição Federal). A um por

uma motivação jurídica stricto sensu, que é a aplicação de princípios para a resolução dos

conflitos sociais; por segundo, em decorrência de um argumento fático. Não se pode negar a

importância da jurisprudência mesmo no nosso sistema, atingindo ênfase as decisões judiciais,

especialmente aquelas inovadoras nos casos difíceis, como aqui se tentou realçar. O principal,

porém, é a tarefa primordial e insubstituível de outros atores jurídicos, sobressaindo-se os

doutrinadores e os advogados. Afinal, muito antes de chegar a se tornar jurisprudência com

base nos princípios, as temáticas já passaram pela análise meticulosa e o enfoque corajoso e

preparado destes, na verdade os grandes artífices de nossa área de atuação. O processo de

Rosário do Sul é um exemplo bem elucidativo disso.

 

Esta visão mais ampla é, ao mesmo tempo, uma linha que muito satisfaz aqueles que labutam

diuturnamente pela construção de um mundo melhor, pois bem demonstra que vale a pena

acreditar nos seres humanos.

 

A partir das (re)leituras que foram feitas para a elaboração destas linhas, fica a utilização do

Direito como Integridade como uma “meta” a seguir, e os casos concretos citados pelo autor

destas linhas na última parte bem elucidam que isso é possível. Ao menos já se tem a certeza

de que, a partir desta visão, serão longos, desafiadores e profícuos os dias de viagem,

caminhando pela direita ou pela esquerda, na convicção de que o objetivo será atingido, pois,

como disse um dos maiores semióticos da atualidade, citado na parte inicial desta pesquisa (p.

4) – o autor adotado e os professores ministrantes são exemplos claros disso –, “quem

conhece a meta conhece, também, o caminho” [169].  

 

Ronald Dworkin conhecia a meta e construiu o caminho. Nestes meados de fevereiro sai da

vida terrena e entra definitivamente para a história do Direito contemporâneo, de maniera muito

singular.

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Luiz Gonzaga Silva Adolfo[1]- Advogado. Doutor em Direito pela UNISINOS. Professor do PPG

em Direito da UNISC. Professor do Curso de Direito da Ulbra (Gravataí/RS). Presidente da

Comissão Especial de Propriedade Intelectual da OAB/RS na gestão 2010/2012. Membro da

Associação Portuguesa de Direito Intelectual – APDI. Participante do grupo de Estudos de

Direito de Autor, coordenado pelo Prof. Jorge Renato dos Reis. Endereço eletrônico:

<[email protected]>.

[2] BARRETTO, Vicente de Paulo. Da interpretação à hermenêutica

constitucional. In: CAMARGO, Maria Lacombe (org.). 1988-1998: Uma década de Constituição.

Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 377.

[3] Ibidem.

[4] BARRETO, Vicente de Paulo. Por uma nova leitura do direito. In: CAMARGO, Margarida

Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação; Uma contribuição ao estudo do Direito. Rio de

Janeiro: Renovar, 1999, Prefácio, p. 5.

[5] Esta realidade é mais freqüente do que se imagina, ainda na atualidade, infelizmente. Aluna

de graduação de outra instituição que realizava belíssimo trabalho de conclusão de curso tendo

como base os princípios jurídicos relacionados ao Direito das Sucessões foi desestimulada por

professora da área, ao argumento de que aquilo seria “uma tese”, e que “não havia base legal”

para tanto. Ver, a este propósito, a nota de rodapé n. 163, p. 73, deste.

[6] BARRETTO, Vicente de Paulo. Reflexões sobre os direitos sociais. In: Boletim de Ciências

Econômicas, Coimbra, n. XVL, 2003, p. 5.

[7] Idem. Op. cit. (1999a), p. 383.

[8] ROCHA, Leonel Severo (org.). Paradoxos da auto-observação; Percursos da teoria jurídica

contemporânea. Curitiba: JM, 1997, Introdução, p. 17.

[9] ROCHA, Leonel Severo (org.). Op. cit. (1997), p. 27.

[10] DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 3.

[11] Ibidem.

[12] Ibidem, p. 4.

[13] Ibidem.

[14] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 5.

[15] Ibidem.

[16] Ibidem, p. 5-6.

[17] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 6.

[18] Ibidem.

[19] Ibidem. Para tanto, exemplifica: “Um juiz, propondo um conjunto de provas, afirma que a

lei favorece o setor escolar ou o empregador, e outro, propondo um conjunto diferente, acredita

que a lei favorece os alunos da escola ou o empregado. Se este é realmente um terceiro tipo

de discussão, distinta das demais e diferentes tanto das discussões morais, de que tipo de

discussão se trata? Sobre o que é a divergência?”.

[20] Ibidem, p. 6-7. Apresenta exemplos das três. Para a primeira, “a lei proíbe que os Estados

neguem a qualquer pessoa igual proteção no contexto da acepção da Décima Quarta

Emenda”; para a segunda, “a lei não prevê indenização para danos provocados por

companheiros de trabalho” e, para a última, “a lei exige que a Acme Corporation indenize John

Smith pelo acidente de trabalho que sofreu em fevereiro último”.

[21] Ibidem, p. 7.

[22] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 7. Exemplifica: a proposição de que ninguém pode dirigir a

mais de 90 km/h na Califórnia é verdadeira, porque os legisladores daquele Estado disseram

“sim” no momento de apreciação da lei, ou realizaram outro sinal aprovativo. Poderia ser falsa

se nada disso tivesse acontecido, “não poderia ser verdadeira apenas pelo que tivesse dito um

fantasma, ou pelo que se tivesse encontrado no céu, em tabuinhas transcendentais”.

[23] Ibidem, p. 8.

[24] Ibidem, p. 9.

[25] Ibidem, p. 9-10.

[26] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 10.

[27] Ibidem, p. 10-11.

[28] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 19.

[29] Ibidem, p. 19-20.

[30] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 20.

[31] Ibidem, p. 21.

[32] Ibidem.

[33] Ibidem, p. 22.

[34] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 23. Para ilustrar neste sentido, o autor cita o seguinte

trecho do voto vencedor: “É um conhecido cânone da interpretação que algo que esteja na

intenção dos legisladores seja parte dessa lei, tal como se estivesse contido na própria letra; e

que uma coisa que esteja contida na letra da lei somente faça parte da lei, se estiver presente

na intenção de seus criadores”.

[35] Ibidem, p. 24-25.

[36] CHUEIRI, Vera Karam de. Considerações em torno da teoria da coerência narrativa de

Ronald Dworkin. In: Seqüência; Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis, n. 23, p. 75, dez.

1991. A coerência é essencial na tese de Dworkin: “É a condição para que a decisão judicial

seja válida, verdadeira, justa e, finalmente, racional. Coerência significa, precisamente, aqui, a

articulação entre a moralidade pessoal do juiz implícita no seu argumento de princípio e a

moralidade institucional contida no precedente”.

[37] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 25.

[38] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 25.

[39] SCHIAVELLO, Aldo. Riflissioni sulla distinzione rules principles nell´opera di Ronald

Dworkin. In: Rivista Internazionale di filosofia del diritto, s.l., v. 72, n. 1, p. 163-164, gen./mar.

1995.

[40] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 26.

[41] Ibidem, p. 27.

[42] Ibidem. Afirmou: “Não cabe a nós especular, e muito menos agir, com base na questão de

se o Congresso teria alterado sua posição se os eventos específicos deste caso tivessem sido

previstos”.

[43] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 27.

[44] Ibidem, p. 28

[45] Ibidem.

[46] Ibidem, p. 29.

[47] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 31.

[48] Ibidem.

[49] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 32.

[50] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 33.

[51] Ibidem, p. 34.

[52] Ibidem.

[53] Ibidem, p. 35.

[54] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 35.

[55] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 36.

[56] Ibidem, p. 37.

[57] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 38. A discussão em torno do problema da igualdade dos

negros na sociedade norte-americana é temática recorrente nas obras de Dworkin, como se vê

também na quinta parte de Uma Questão de Princípio (São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.

437-494), em seu capítulo 14 – O Caso de Bakke: as quotas são injustas?, nos capítulos 15 –

O que Bakke realmente decidiu? e 16 – Como ler a lei dos direitos civis?; ainda, em Levando

os Direitos a Sério (São Paulo: Martins Fontes. 2003, p. 343-369) em seu capítulo 9 – A

discriminação compensatória. Em nosso país, o assunto também é polêmico na atualidade,

diante de proposta do Ministro da Educação, Tarso Genro, de cotas preferenciais para

excluídos, como negros, índios, desempregados e ex-apenados, nos vestibulares de

universidades públicas e privadas. Estranhamente, alguns chegam até a questionar sua

constitucionalidade, ou se, com esta medida, não seriam discriminados os demais, como os

brancos. A interpretação equivocada parte do pressuposto de que a igualdade é formal, ou

seja, a lei diz que somos iguais e assim nos tornamos iguais. Não reconhecem que

precisamos, mesmo com medidas legais, administrativas e judiciais, partir para uma igualdade

substancial, real, efetiva. Ou seja, a lei diz, em apertada síntese, que todos são iguais, “salvo

os diferentes”. Outros critérios, mormente em torno da História, da sociologia, da economia, da

antropologia e tantas outras ciências, definirão esta realidade. Há outras leis em nosso país

que trabalham nesta perspectiva: a Lei n,º 8.112, de 1990, reserva vagas prioritárias em

concursos públicos para deficientes físicos; a Lei n.º 9.509, de 1997, reserva percentual de

vagas nos partidos nos pleitos oficiais para candidatas mulheres; e ainda a Lei Estadual n.º

3.708, de 2001, do Estado do Rio de Janeiro, reservou cotas para negros em vagas

universitárias.

[58] Ibidem, p. 38-40.

[59] Ibidem, p. 39.

[60] Ibidem.

[61] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 40.

[62] Ibidem, p. 41.

[63] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 42.

[64] Ibidem, p. 42-43.

[65] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 44.

[66] Ibidem, p. 45.

[67] Ibidem.

[68] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 45.

[69] Ibidem, p. 47.

[70] Ibidem, p. 48.

[71] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 49.

[72] Ibidem, p. 50.

[73] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 51-52.

[74] Ibidem, p. 52.

[75] Ibidem, p. 54.

[76] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 55.

[77] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 55-56.

[78] Ibidem, p. 56.

[79] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 57-58.

[80] Ibidem, p. 58.

[81] Ibidem, p. 59.

[82] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 59. O autor apresenta algumas possibilidades, como, por

exemplo: as idéias sobre respeito podem mudar de acordo com a posição social, idade, sexo

ou outro atributo da pessoa. Poderiam ser então os membros superiores da escala social em

um momento, os mais idosos por segundo e as mulheres em outro. Ou podem ocorrer

mudanças com relação à natureza e qualidade do respeito, passando ao ponto de vista de que

a demonstração externa significa respeito ao ponto de vista oposto. Pode ser modificada a

forma de interpretação a tal ponto que as pessoas possam enxergar a finalidade da cortesia

como o inverso daquilo que inicialmente significava, “no valor de formas impessoais de

relações sociais que, devido a sua impessoalidade, não exigem nem negam nenhum

significado mais vasto”.  

[83] Ibidem.

[84] Ibidem, p. 60.

[85] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 62.

[86] Ibidem, p. 63-64.

[87] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 64.

[88] Ibidem, p. 65.

[89] Ibidem, p. 65-66.

[90] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 66.

[91] Ibidem.

[92] Ibidem, p. 67. No ponto imediatamente posterior, a que denomina A arte e a natureza da

intenção, ele aprofunda a discussão para chegar às conclusões explicitadas. Inicia propondo a

reformulação das duas provocações, que deveriam ficar assim: “Se, na arte, uma pessoa quer

ver na interpretação a recuperação da intenção do autor, o que ela deve entender por

‘intenção’?”, e “Existe de fato uma distinção tão nítida, como supõe a objeção entre descobrir a

intenção de um artista e encontrar valor naquilo que ele fez?”.

[93] Ibidem, p. 66.

[94] Ibidem, p. 67.

[95] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 81. O autor ainda exemplifica, novamente com as obras

literárias. Na análise delas, esta etapa seria aquela onde textualmente se identificam romances,

peças etc., vale dizer, a natureza da obra, como, por exemplo, “a etapa na qual o texto de

Moby Dick é identificado e distinguido do texto de outros romances”.

[96] Ibidem.

[97] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 81-82. Em nota de rodapé (n.º 17 do capítulo), à p. 82,

Dworkin diz que estas três etapas podem ser resumidas “na observação de que a interpretação

procura estabelecer um equilíbrio entre a descrição pré-interpretativa de uma prática social e

uma justificativa apropriada de tal prática”. Concluindo referida anotação, diz que “a

interpretação de uma prática social procura equilíbrio entre a justificativa da prática e suas

exigências pós-interpretativas”.

[98] BARRETTO, Vicente de Paulo. Op. cit. (1999a), p. 385.

[99] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 85.

[100] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 86.

[101] Ibidem, p. 88.

[102] Ibidem, p. 89.

[103] Ibidem.

[104] BARRETTO, Vicente de Paulo. Op. cit. (1999a), p. 385.

[105] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 90, nota de rodapé 20.

[106] Ibidem, p. 91.

[107] Ibidem, p. 93.

[108] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 95.

[109] Ibidem, p. 96.

[110] Ibidem.

[111] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 97-98.

[112] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 109-110.

[113] Ibidem, p. 110-111.

[114] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 112.

[115] Ibidem.

[116] Ibidem, p. 113.

[117] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 118. São elas: “Primeiro, justifica-se o suposto elo entre o

direito e a coerção? Faz algum sentido exigir que a força seja usada somente em conformidade

com direitos e responsabilidades que ‘decorrem’ de decisões políticas anteriores? Segundo, se

tal sentido existe, qual é ele? Terceiro, que leitura de ‘decorrer’ – que noção de coerência com

decisões precedentes – é a mais apropriada?”.

[118] Ibidem, p. 123.

[119] Ibidem, p. 126.

[120] LORENTZ, Lutiana Nacur. O Império do Direito de Ronald Dworkin. In: Revista do

Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 33, n. 63, p. 101-113, jan./jun.

2001.

[121] Ibidem, p. 103.

[122] BARRETTO, Vicente de Paulo. Da interpretação à hermenêutica

constitucional. In: CAMARGO, Maria Lacombe (org.). 1988-1998: Uma década de Constituição.

Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 369-394.

[123] Ibidem, p. 371. Ainda, “a hermenêutica entendida como uma atividade de análise que se

projeta para além das categorias tradicionais da interpretação – a interpretação gramatical, a

lógico-sistemática, a histórica e a teleológica – representa o termo de um longo processo, que

se inicia no movimento da reforma protestante do século XVI” (p. 372) A complexidade exigida

da interpretação e a nova visão em torno do tema fizeram com que a hermenêutica deixasse de

ser restrita ao domínio de uma aplicação especializada e ocasional, entrando no “vasto campo

das problemáticas filosóficas” (p. 373).

[124] Ibidem.

[125] CHUEIRI, Vera Karam de. A dimensão jurídico-ética da razão: o liberalismo jurídico de

Dworkin. In: ROCHA, Leonel Severo (org.). Paradoxos da auto-observação: Percursos da

teoria jurídica contemporânea. Curitiba: JM, 1997, p. 180. Enfatiza a autora que “a cultura

jurídica mostra como em tempos remotos era normal a interpretação da intenção dos

legisladores, expressa por uma determinada lei, como a melhor solução para a resolução de

um caso”.

[126] LORENTZ, Lutiana Nacur. Op. cit., p. 104.

[127] Ibidem.

[128] LORENTZ, Lutiana Nacur. Op. cit., p. 104.

[129] Ibidem.

[130] BARRETTO, Vicente de Paulo. Op. cit., p. 389.

[131] Ibidem.

[132] LORENTZ, Lutiana Nacur. Op. cit.

[133] Ibidem, p. 105.

[134] LORENTZ, Lutiana Nacur. Op. cit.

[135] LORENTZ, Lutiana Nacur. Op. cit., p. 106.

[136] Ibidem.

[137] Ibidem, p. 107.

[138] Ibidem.

[139] LORENTZ, Lutiana Nacur. Op. cit., p. 107.

[140] BARRETTO, Vicente de Paulo. Op. cit. (1999a), p. 390.

[141] LORENTZ, Lutiana Nacur. Op. cit., p. 107.

[142] Ibidem, p. 108.

[143] LORENTZ, Lutiana Nacur. Op. cit., p. 108.

[144] Ibidem.

[145] PASTORE, Baldassare. Integrità, tradizione, interpretazione. In: Rivista Internazionale di

Filosofia del Diritto, s.l., v. 70, n. 1, p. 58, gen./mar. 1993.

[146] LORENTZ, Lutiana Nacur. Op. cit., p. 109.

[147] DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 108. Como, por exemplo, no final do capítulo II –

Conceitos de interpretação: “Se tiver outra opinião, caberá a você explicar por quê,

confrontando meus argumentos ou minhas convicções com as suas”.

[148] LORENTZ, Lutiana Nacur. Op. cit.

[149] LORENTZ, Lutiana Nacur. Op. cit., p. 110.

[150] Ibidem.

[151] Ibidem.

[152] LORENTZ, Lutiana Nacur. Op. cit., p. 111. Sobre esta anotação, conveniente trazer

afirmativa de Chueiri (Op. cit., p. 178), para quem: “Privilegia-se o ponto de vista do juiz não por

ser mais importante que o do cidadão comum, do professor de direito ou do advogado, mas por

servir de paradigma, em face da maior clareza da estrutura da argumentação judicial que influi

de forma substancial no discurso jurídico como um todo”. Outra que analisa isso é Thamy

Pogrebisnchi (Ativismo judicial e direito: considerações sobre o debate contemporâneo.

In: Direito, Estado e sociedade, s.l., v. 9, n. 17, p. 130, ago.-dez. 2000) no seguinte trecho: “Os

juízes estão, portanto, no centro da teoria dworkiniana. São eles, afinal, que vão lidar com o

direito em sua essência, a interpretação. São eles que vão ser responsáveis por dar a palavra

final nos casos difíceis e controversos, os hard cases, constantemente no centro dos debates

da esfera pública norte-americana. São eles, portanto, que poderão rever as decisões dos

outros poderes do estado e optar por uma atitude ativista”.

[153] CHUEIRI, Vera Karam de. Op. cit., p. 185, nota de rodapé 219.

[154] KOZICKI, Katya. Existe uma resposta certa para o direito e a

democracia? Representando as relações entre o direito e a democracia a partir da teoria de

Ronald Dworkin. In: Revista da Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul, Porto

Alegre, v. 25, n. 54, p. 51 e 55, nov. 2001.

[155] KOZICKI, Kátya, CHUEIRI, Vera Karam de. Entre sonhos e pesadelos dormimos o sono

da modernidade. In: Revista Estudos Jurídicos, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 64-65, ago. 1993.

[156] NOGUEIRA, Elizabete Wayne. A interpretação normativa e o Estado Democrático de

Direito. In: Novos Estudos Jurídicos, Itajaí, SC, v. 7, n. 14, p. 200, abr. 2002.

[157] SILVA FILHO, José Carlos Moreira. Dworkin e os princípios: os avanços da hermenêutica

crítica. In: Estudos Jurídicos, São Leopoldo, v. 31, n. 81, p. 93, jan./abr. 1998.

[158] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Sétima Câmara Cível. Apelação Cível

n. 70005798004. Relator: Des. Luiz Felipe Brasil Santos. Julgado em: 9 abr. 2003. Disponível

no setor de Jurisprudência do TJRS e no sítio do Tribunal (www.tj.rs.gov.br).

[159] O texto do Código Civil de 1916 era o seguinte: “Art. 1.595. São excluídos da sucessão

(arts. 1708, IV, e 1.741 a 1.745) os herdeiros, ou legatários: I – que houverem sido autores ou

cúmplices em crime de homicídio voluntário, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja

sucessão se tratar; II – que a acusaram caluniosamente em juízo, ou incorreram em crime

contra sua honra; III – que, por violência ou fraude, a inibiram livremente dispor dos seus bens

em testamento ou codicilo, ou lhe obstaram a execução dos atos de última vontade”. Já o

dispositivo do Código Civil de 2002 tem a seguinte redação: “Art. 1.814. São excluídos da

sucessão os herdeiros ou legatários: I – que houverem sido autores, co-autores ou partícipes

de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa contra a pessoa de cuja sucessão se

tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; II – que houverem acusado

caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de

seu cônjuge ou companheiro; III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou

obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade”.

[160] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Sétima Câmara Cível. Apelação Cível

n. 70005798004. Op. cit., p. 8.

[161] Idem.

[162] PÉRES-LUÑO, Antonio-Enrique. Los principios generales de derecho: ¿Um mito

jurídico? In: Revista de Estúdios Políticos, s.l., n. 98, p. 14, oct./dic. 1997. Efetivamente, na

aplicação de uma hermenêutica mais sofisticada, como a integridade proposta por Dworkin, há

que trabalhar com processo argumentativo, superando esta apreciação “automatizada” do

Direito, como realça Pérez Luño: “a diferencia de las reglas, que pueden reconocerse a través

de criterios formales o inferencias lógicas, la identificación de los principios requiere un proceso

argumentativo, es decir, no obedecen a una apreciación mecánica, pero tampoco pueden ser

fruto de una decisión arbitraria”.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. TJ nega pensão à mulher que matou noiva do

ex-marido. Disponível em: <http://www.tj.gov.br/cecom/noticias30072003.htm>. Acesso em:

28 set. 2003,

, de Ronald Dowrkin. Barcelona: Ariel, 1984. Tradução de SAMPAIO, Patrícia. Disponível em:

<http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito/pet_jur/patdwork.html>. Acesso em: 13 nov.

2003, p. 6. Importante referir, com amparo em Calsamiglia, que a aplicação de princípios não

segue uma ordem pronta, pré-estabelecida e que estes podem sustentar decisões diversas.

Para ele, “

[165] SAGNOTTI, Simona C. L´identita della persona e il valore della vita quali pressupposti di

una teoria della giustizia nel pensiero di Ronald Dworkin. In: Rivista Internazionale di Filosofia

del Diritto, s.l., v. 69, n.4, 1992, p. 555. Como bem anota Sagnotti, “il valore della vita e l’identità

della persona si presentano, in conclusione, come i soli e veri valori primi sui quali si fonda tutto

il sistema egualitario elaborato da Dworkin”.

[166] FERNANDEZ, Atahualpa. A “desigualdade” como “critério de distribuição” do ônus da

prova. In: Revista do Ministério Público do Trabalho, Brasília, v. 12, n. 23, p. 128, mar. 2002.

Nesta linha, de se destacar conclusão de Fernandez, para quem “o juiz que realiza o direito

positivo, conforme ao direito, corre o risco de mover-se exclusivamente no campo desenhado

pelas normas legisladas, sendo que, nesse sentido, sua decisão jamais será arbitrária ou

discricional. Contudo, ainda a mais estrita das aplicações do direito conserva uma irredutível

frincha de subjetividade, pois as decisões dos juízes são, sem mais, decisões que tomam os

seres humanos, para modificar as expectativas de outros homens”.

[167] SCHIAVELLO, Aldo. Op. cit., p. 175. A rigor, o novo ordenamento civil é rico em

possibilidades de aplicação da hermenêutica dworkiniana, através da integridade. Neste

sentido, outro enfoque de Dworkin pode ser utilizado também no Direito das Sucessões.

Schiavello apresenta-o da seguinte forma: “Un esempio plausibile è quello proposto da Dworkin

Che disciplina la validità di um testamento vincolandola alla presenza di almeno ter testimonti.

In questo caso, deve solo accertarsi la situazioni di fatto della presenza o meno dei testimoni

necessari ed applicare la regola generale al caso concreto”. O artigo 1.879 do vigente Código

Civil é um exemplo disso, ao introduzir um novo tipo de testamento, totalmente informal, sem

testemunhas. Eis seu texto: “Art. 1.879. Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula,

o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá

ser confirmado, a critério do juiz”. Neste sentido, a crítica de SANTOS, Marcos Antônio Teixeira

dos. A (in)validade do artigo 1.879 do Código Civil diante dos princípios que regem o Direito

Sucessório. Gravataí, ULBRA, 2003. Trabalho de Conclusão de Curso (Direito), Centro de

Ciências Jurídicas, Universidade Luterana do Brasil, 2003, 103 p.

[168] SILVA, Christine Oliveira Peter da. A interpretação constitucional e a doutrina de Ronald

Dworkin. In: Revista da Escola da Magistratura do Distrito Federal, Brasília, n. 6, 2001, p. 172.

Os casos difíceis, sem dúvida, são mais afeitos para utilização dos princípios jurídicos na

interpretação. Neste sentir, destaque-se trecho de Silva: “Apresenta-se como verdade

incontestável o fato de que os princípios existem e influenciam o Direito. Os professores de

Direito os ensinam, os textos jurídicos os citam, os historiadores do Direito os celebram.

Entretanto, onde os princípios parecem funcionar com sua força total, ganhando sua máxima

relevância jurídica, é nos casos difíceis”.

NASSIF, Elaine Noronha. “Princípios Jurídicos” no pensamento de Alexy e Dworkin.

In: Gênesis: Revista de Direito do Trabalho, Curitiba, v. 21, n. 123, p. 340. mar. 2003. A

utilização de princípios também mostra extensão mais ampla que aquela simples leitura de

acordo com normas positivadas, pré-estabelecidas, pois “a aplicação dos princípios exige que

se considerem todos os determinantes e todas as circunstâncias do caso, ao contrário das

regras que pré-selecionam que tipo de circunstância deve ou não ser considerada”.

[169] ECO, Umberto. Baudulino. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 189.