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Umberto Saba F ilho de um cidadão italiano e de uma judia, Umberto Saba (pseudônimo de Umberto Poli) nasceu em Trieste (então pertencente ao Império Austro-Húngaro) em 1883 e morreu em 1957. Ao lado de Giuseppe Ungaretti, Eugenio Montale e Salvatore Quasimodo, é um dos maiores poetas produzidos pela Itália no sé- culo XX. Estudou arqueologia, alemão e latim na Universidade de Pisa, de 1903 a 1904. Nesse período, uma desordem nervosa, que haveria de persegui-lo a vida inteira, começou a molestá-lo. Ca- sou-se em 1909, após ter servido na marinha mercante e no exército. Um ano depois, adotou seu nom de plume. Foi em Florença, em 1911, que publicou o seu primeiro livro de poesia, recebido friamente pela crítica. Após a I Guerra Mundial, à qual serviu, voltou a Trieste, sua cidade natal, e se estabeleceu como livreiro-antiquário. Dois anos depois, em 1921, publicou a primeira edição do Canzionere (Cancioneiro), que haveria de ser reeditado em numerosas edições sempre aumentadas, chegando a perfazer 400 poemas num período de 50 anos. Perseguido durante o regime fas- 217 Poemas selecionados Umberto Saba

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Umberto Saba

Filho de um cidadão italiano e de uma judia, Umberto Saba(pseudônimo de Umberto Poli) nasceu em Trieste (então

pertencente ao Império Austro-Húngaro) em 1883 e morreu em1957.

Ao lado de Giuseppe Ungaretti, Eugenio Montale e SalvatoreQuasimodo, é um dos maiores poetas produzidos pela Itália no sé-culo XX. Estudou arqueologia, alemão e latim na Universidade dePisa, de 1903 a 1904. Nesse período, uma desordem nervosa, quehaveria de persegui-lo a vida inteira, começou a molestá-lo. Ca-sou-se em 1909, após ter servido na marinha mercante e no exército.Um ano depois, adotou seu nom de plume.

Foi em Florença, em 1911, que publicou o seu primeiro livro depoesia, recebido friamente pela crítica. Após a I Guerra Mundial, àqual serviu, voltou a Trieste, sua cidade natal, e se estabeleceu comolivreiro-antiquário. Dois anos depois, em 1921, publicou a primeiraedição do Canzionere (Cancioneiro), que haveria de ser reeditado emnumerosas edições sempre aumentadas, chegando a perfazer 400poemas num período de 50 anos. Perseguido durante o regime fas-

217Poemas selecionadosUmberto Saba

cista, foi obrigado a vender a sua livraria e esconder-se para evitar a deporta-ção. Esteve inclusive em Paris. Em 1939, seu amigo Ungaretti o ocultou emsua própria casa.

Foi em 1946, com a concessão do famoso Prêmio Viareggio, que UmbertoSaba recebeu a aclamação entusiasmada da crítica, que passou a incluí-lo entreas grandes vozes poéticas da Itália.

Com o estado mental agravado, e longos períodos passados em clínicas,morreu em 1957, um ano depois do falecimento de sua mulher, CarolineWölfler. Desde então, a sua glória se ampliou por todo o Ocidente.

As traduções do Canzoniere de Umberto Saba que ora apresentamos foramrealizadas pelo poeta Geraldo Holanda Cavalcanti, a quem a Academia Brasi-leira de Letras atribuiu em 2006 o seu Prêmio de Tradução. Tradutor deUngaretti, Quasimodo e Montale, e ainda do Cântico dos Cânticos, ele publicarábrevemente, pela editora Record, uma antologia de Umberto Saba.

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Triste. Piazza della Borsa, próximo da livraria de Saba.

Afirma Geraldo Holanda Cavalcanti: “Saba destaca-se na poesia italianapela sua excentricidade geográfica e estilística. Triestino, ficou à margem dosgrandes movimentos literários. Mas foi sua linguagem personalíssima, sua dis-tância e independência dos modelos e convenções, que mais o caracterizou.”

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Umberto Saba em 1908, quando fazia o serviço militar.

� De Casa e campagna (1909-1910)

A mia moglie

Tu sei come una giovane,una bianca pollastra.Le si arruffano al ventole piume, il collo chinaper bere, e in terra raspa;ma, nell’andare, ha il lentotuo passo di regina,ed incede sull’erbapettoruta e superba.È miglore del maschio.È come sono tuttele femmine di tuttii sereni animaliche avvicinano a Dio.Così se l’occhio, se il giudizio mionon m’inganna, fra queste hai le tue uguali,e in nessun’altra donna.Quando la sera assonnale gallinelle,mettono voci che ricordan quelle,dolcissime, onde a volte dei tuoi maliti quereli, e non saiche la tua voce ha la soave e tristemusica dei pollai.

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� De Casa e Campo (1909-1910)

À minha mulher

És como uma jovem,Uma galinha branca.O vento lhe assanhaas plumas, o pescoço inclinapara beber, e a terra cisca;mas, andando, tem o teu passolento de rainhae pelo gramado desfilaempertigada e altiva.É melhor que o macho.É como são todasas fêmeas de todosos animais serenosque vivem perto de Deus.Assim se o olho, se o juízonão me engana, a elas te assemelhase a nenhuma outra mulher.Quando a noite adormentaas galinholas,elas se fazem ouvir com vozes que recordam aquelasdulcíssimas, em que, por vezes, teus queixumesexprimes, e não sabesque a tua voz tem a suave e tristemúsica dos poleiros.

Tu sei come una gravidagiovenca;libera ancora e senzagravezza, anzi festosa;che, se la lisci, il collovolge, ove tinge un rosatenero la sua carne.Se l’incontri e muggirel’odi, tanto è quel suonolamentoso, che l’erbastrappi, per farle un dono.È così che il mio donot’offro quando sei triste.

Tu sei come una lungacagna, che sempre tantadolcezza ha negli occhi,e ferocia nel cuore.Ai tuoi piedi una santasembra, che d’un fervoreindomabile arda,e così te riguardacome il suo Dio e Signore.Quando in casa o per viasegue, a chi solo tentiavvicinarsi, i denticandidissimi scopre.Ed il suo amore soffredi gelosia.

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És como uma grávidabezerra;ainda livre e sem graveza,de fato alegre;que, se a alisas, para ti voltao pescoço onde é de um rosasuave a sua carne.Se ao encontrá-la a escutasmugir, é tão lamentoso o seu somque um punhado de gramaarrancas para dar-lhe.É assim que meu dom te ofereçoquando estás triste.

És como uma esguiacadela, que sempre tantadoçura tem nos olhos,e ferocidade no peito.A teus pés dir-se-ia uma santaque arda de um fervorindomávele te contemplecomo a seu Deus e Senhor.Mas se em casa ou na rua te seguea quem apenas tenteaproximar-se os dentesalvíssimos descobre.E o seu amor sofrede ciúme.

Tu sei come la pavidaconiglia. Entro l’angustagabbia ritta al vedertis’alzae verso te gli orecchialti protende e fermi;che la crusca e i radicchitu le porti, di cuipriva in sé si rannicchia,cerca gli angoli bui.Chi potrebbe quel ciboritoglierle? chi il peloche si strappa di dosso,per aggiungerlo al nidodove poi partorire?Chi mai farti soffrire?

Tu sei come la rondineche torna in primavera.Ma in autunno riparte;e tu non hai quest’arte.Tu questo hai della rondine:le movenze leggere;questo che a me, che mi sentiva ed eravecchio, annunciavi un’altra primavera.

Tu sei come la provvidaformica. Di lei, quandoescono alla campagna,parla al bimbo la nonnache l’accompagna.

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És como a ariscalebre. Na estreita coelheiraereta ao ver-tese alçae para ti as orelhas alongaaltas e imóveisquando o farelo e a chicórialhe trazes, e à cuja faltase encolhee busca esconder-se no escuro.Quem poderia o alimentoretomar-lhe? Quem o pêloque arranca do dorso,para juntá-lo ao ninhoonde dará cria?Quem jamais te poderia fazer sofrer?

És como a andorinhaque regressa na primavera.Mas no outono reparte;esta arte não tens.Isto, sim, tens da andorinha:o rápido mover-se,aquilo que a mim, que me sentia e eravelho, anunciava uma outra primavera.

És como a precavidaformiga. É delaquando saem para o campo,que fala ao menino a avóque o acompanha,

E così nella pecchiati ritrovo, ed in tuttele femmine di tuttii sereni animaliche avvicinano a Dio;e in nessun’altra donna.

La Capra

Ho parlato a una capra.Era sola sul prato, era legata.Sazia d’erba, bagnatadalla pioggia, belava.

Quell’uguale belato era fraternoal mio dolore. Ed io risposi, primaper celia, poi perché il dolore è eterno.ha una voce e non varia.Questa voce sentivagemere in una capra solitaria.

In una capra dal viso semitasentiva querelarsi ogni altro male,ogni altra vita.

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E também na abelhate descubro, e em todasas fêmeas de todosos animais serenosque vivem perto de Deus;e em nenhuma outra mulher.

A Cabra

Conversei com uma cabra.Estava só, no campo, amarrada.Saciada de erva, molhadade chuva, berrava.

Seu berro monótono era fraternoa minhas dores. E eu respondi-lhe, primeirobrincando, depois porque também eterno,invariável e monótono é o sofrimento.Essa era a voz que eu ouvia gemer numa cabrasolitária.

Numa cabra de rosto semitaouvia o lamento de todas as dores,de todas as vidas.

� De Trieste e una donna (1910-1912)

Trieste

Ho attraversata tutta la città.Poi ho salita un’ertapopolosa in principio, in là deserta,chiusa da un muricciolo:un cantuccio in cui solosiedo; e mi pare che dove esso terminatermini la città.

Trieste ha una scontrosagrazia. Se piace,è come un ragazzaccio aspro e vorace,con gli occhi azzurri e mani troppo grandiper regalare un fiore;come un amorecon gelosia.Da quest’erta ogni chiesa, ogni sua viascopro, se mena all’ingombrata spiaggia,o alla collina cui, sulla sassosacima, una casa, l’ultima, s’aggrappa.Intornocircola ad ogni cosaun’aria strana, un’aria tormentosa,l’aria natia.

La mia città che in ogni parte è viva,ha il cantuccio a me fatto, alla mia vitapensosa e schiva.

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� De Trieste e uma Mulher (1910-1912)

Trieste

Atravessei toda a cidade.Depois subi uma ladeira,cheia de gente ao princípio, no fim deserta,fechada por uma mureta:um recanto onde sozinhome sento; e a mim parece que onde ela termina,termine a cidade.

Trieste tem uma graçacapciosa. Quando agrada,é como um garotão áspero e voraz,de olhos azuis e as mãos grandes demaispara oferecer uma flor;como um amorciumento.Daqui do alto descubro cada igreja, cada rualeve ela à praia atulhadaou à colina em cujo cimo rochosouma casa, a última, se aferra.Em voltade cada coisa circulaum ar estranho, um ar tormentoso,o ar nativo.

A minha cidade que por toda parte é vivatem o recanto feito para mim, à medida de minha vida,meditativa e reclusa.

L’appassionata

Tu hai come il dono della santità.Nacque con te, ti segue ove ti portala passione,fa dei peccati tuoi opere buone,d’ogni giudizio ti rimanda assolta.

Questa grazia che a te fors’anco è ignotaè il nostro amore, è la tua verità.Quanto riguardi tosto a te si vota,Offre a te la sua vita.Dell’inferta feritapoi sanguini così dentro il tuo cuore,che si chiede perdono a te, o devota,o appassionata, o purasempre quanto la più giusta creatura;che perderti volessi non lo puoi,di cui s’amano i falli perché tuoi.

La tua voce che a me giunge più amarae più impregnata dell’intima ambascia,si ascolta come una musica bassa,come una lenta musica di chiesa.Nell’anima che tu, innocente, hai lesastrana dolcezza lascia,pure al ricordo, la tua voce amara.

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A apaixonada

Tens como se fosse o dom da santidade.Nasceu contigo, te segue aonde te levaa paixão,em boas obras transforma os teus pecados,de todo julgamento te absolve.

Esta graça que ainda te é, talvez, ignotaé o nosso amor, é a tua verdade.O que contemplas, rápido a ti se entrega,a ti oferece a vida.Da ferida infligidatanto te sangra o coração em seguidaque a ti pede perdão quem a sofre, ó devotada,ó apaixonada, ó pura,sempre tanto quanto a mais justa criatura;que se quisesses perder-te não o puderas,pois que de ti amam-se as faltas porque tuas.

A tua voz que a mim chega mais sofridae mais impregnada de afliçãose escuta como uma música profunda,como a um lento coro em cantochão.Na alma que sem querer feristeuma estranha doçura apenas deixaa lembrança da tua voz dorida.

La Bugiarda

Perché arrossire? Io credopure alle tue bugie.Hanno più religione delle mieverità; che se a volte in esse io vedoghiacce bevande di ardente coloreche consolano e crescono la sete;i poeti, mio amore,

i gloriosi poeti e i vecchi saggi,e gli eroi che tornavano da mètelontane, dopo immortali viaggi,e, forse, in sue secreteleggi, nella giustizia sua l’Eterno,sentono come me che non discernofra il pensato ed il vero.E chi sa che a sua immagine il pensieronon muti fino le cose passate,quando con cuore e con labbra agitatedici la tua menzogna, e con l’ardoredi chi chiede ai suoi santi suoi perdoni,che grazia impetra con sante orazioni.

Or tu dunque rallegrati. Io credosolo alle tue bugie.La tua voce ha le viedel mio cuore; né in te ricerco tracciadi colpa; anzi più purati vedono nel male gli occhi miei.Altro dirti poss’io se da naturafatta così femminilmente sei?

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A Mentirosa

Por que corar? Eu creioaté mesmo em tuas mentiras.Contêm mais religião do que as minhasverdades; porque às vezes nelas vejobebidas geladas de ardentes coresque a sede amainam e aumentam;os poetas, meu amor,

os poetas gloriosos e os velhos sábiose os heróis que regressavam de metasremotas, depois de imortais viagens,e, talvez, em suas secretasleis, em sua justiça, o Eterno,sentem como eu que não distingoentre o pensado e o vivido.E quem sabe se à sua imagem o pensamentonão mude mesmo as coisas passadas,quando com o coração e os lábios agitadosdizes tua mentira, e com a ânsiade quem pede aos santos seu perdãoa graça impetra com santas orações.

Alegra-te, pois. Eu creioapenas em tuas mentiras.Tua voz sabe o caminhode meu coração; nem busco em ti traçode culpa; antes, no mal, te vêemmais pura os olhos meus.Que outra coisa posso dizer-te se, de naturezafeita, assim tão feminil tu sejas?

Nuove versi alla Lina

Una donna! E a scordarla ancor m’aggiroio per il porto, come un levantino.Guardo il mare: ha perduto il suo turchino,e a vuoto il mondo ammiro.

Una donna, una ben piccola cosa,una cosa – Dio mio! – tanto meschina;poi una come lei, sempre più ascosain se stessa, che pare ogni mattinaoccupi meno spazio a questo mondo,dare ad un’esistenza il suo profondodolore; solo io qui sentirmi e sperso,se più di lei la mia città non riempio,spoglio per essa, e senz’altre, il tempiodell’universo.

Una donna, un nonnulla. E i giorni mieisono tristi, una donna ne fa strazio,piccola, che una casa nello spazio,un piroscafo è tanto più di lei.

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Novos versos para Lina

Uma mulher! E para esquecê-la aindaqual levantino flano pelo porto.Contemplo o mar: perdeu seu azul turquesa,e vazio olho para o mundo.

Uma mulher, uma bem pequena coisa,uma coisa – meu Deus! – tão sem importância;e ela, cada vez mais escondidaem si mesma, que cada dia pareceocupar menos espaço no mundo,trazer a uma existência a mais profundador; fazer sentir-me só e disperso,se dela minha cidade já não encho,dela despida, sem altar nem templono universo.

Uma mulher, quase nada, e os meus diassão tristes, uma mulher os faz tortura,tão pequena que perto dela uma casaum navio, ocupam mais espaço.

� De Cose leggere e vaganti (1920)

Commiato

Voi lo sapete, amici, ed io lo so.Anche i versi somigliano alle bolledi sapone; una sale e un’altra no.

SOVRUMANA DOLCEZZA ....

Sovrumana dolcezzaio so, che ti farà i begli occhi chiuderecome la morte.

Se tutti i succhi della primaverafossero entrate nel mio vecchio tronco,per farlo rifiorire anche una volta,non tutto il bene sentirei que sentosolo a guardarti, ad aver te vicina,a seguire ogni tuo gesto, ogni modotuo di essere, ogni tuo piccolo atto.E se vicina non t’ho, se a te in altasolitudine penso, più infuocatoserpeggia nelle mie vene il pensierodella carne, il presagio

dell’amara dolcezza,che so che ti farà i begli occhi chiuderecome la morte.

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� De Cose leggere e vaganti (1920)

Despedida

Vós o sabeis, amigos, e eu o sei.Também os versos se parecem a bolasde sabão; há uma que sobe e outra não.

DOÇURA SOBRE-HUMANA ...

Eu sei de uma doçura sobre-humanaque te fará fechar os belos olhoscomo a morte.

Se a primavera com todas suas seivastivesse entrado no meu velho troncopara fazê-lo reflorir aindamaior prazer não sentiria agoracom apenas ver-te e te sentir comigo,seguir teus gestos, cada tua maneirade ser, cada um de teus menores atos.E se perto não estás, se penso em tina solidão profunda, mais em chamaserpeia em minhas veias o desejoda carne, o presságio

da amarga doçura, eu sei,que te fará fechar os belos olhoscomo a morte.

� De Autobiografia (1924)

Autobiografia

Per immagini tristi e dolorosepassò la giovanezza mia infelice,che l’arte ad altri ha fatte dilettose,come una verde tranquilla pendice.

Tutto il dolor che ho sofferto non licedirlo, né voglion mie rime festose.Amano esse chi in suo cuore dice:Per rinascer torrei le stesse cose.

A viver senza il molto ambito allorofui forse il solo poeta italiano;né questo ancor mi fa un’anima amara.

Quando un debole sono non m’accoro.L’orgoglio è il mio più buon peccato umano.La mia giornata a sera si rischiara.

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� De Autobiografia (1924)

Autobiografia

Entre imagens tristes e dolorosaspassou-se minha infeliz juventude,que a arte para outros fez ditosacomo uma verde e tranqüila vertente.

Tudo quanto sofri dizer não valenem o querem expressar as minhas rimas.Elas amam falar de quem assim diz:tudo faria igual se renascesse.

Sem a coroa de louros desejadafui, da Itália, talvez, o único poeta;mas isso não tornou minh’alma amarga.

Quando fraco me sinto não entristeço.O orgulho é o meu bom pecado humano.Minha jornada se aclara com o crepúsculo.

� De Fanciulle (1925)

Nuda in piede, le mani dietro il dorso...

Nuda in piede, le mani dietro il dorso,come se in lacci strettetu gliele avessi. Erettele mamelle, che ben possono al morso

ceme ai baci allettar. Salda fanciullacui fascia l’amorosazona selvetta ombrosa,vago pudore di natura. Nulla

altro ha nulla. Due ancora tondeggiantipoma con grazie unitepare chiamino il mitecastigo della fanciullezza. Oh, quanti

vorrebbero per sé ai miei occhi il lampodel piacere promesso,che paradiso è spesso,e più spesso è l’inferno senza scampo!

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� De Fanciulle (1925)

Nua, de pé, as mãos postas atrás...

Nua, de pé, as mãos postas atráscomo se amarradasas tivesses, tetas eretasque bem podem à mordida convidar

como aos beijos aleitar. Brava moçaa quem um bosqueto sombrio cintaa zona amorosa, vago pudorda natureza. Nada, nada mais

a cobre. Duas maçãs arredondadasunidas pela graçaparecem convidaraos doces castigos da infância. Ó

quanto aos meus olhos vibraria o prazerpor elas prometidoque tanto é paraísoquanto às vezes é o inferno sem saída.

� De Cuor morituro (1925-1930)

Favoletta

Il cane,bianco sul bianco greto,segue inquietoun’ombra,

la neraombra d’una farfalla,che su lui giallavolteggia.

Ignaraella del rischio, a scornogli voli intornoparrebbe.

Ignaragli vienne, o astuta, addosso.Egli di dossola scuote,

e volgesivorace all’ombra vana,che si allontanadal greto,

e sopraun fiore, a suo costume,

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� De Cuor morituro (1925-1930)

Pequena fábula

O cão,branco sobre o branco álveo,segue inquietouma sombra,

a negrasombra d’uma borboletaque sobre ele, amarela,volteja.

Inconscientedo risco, dir-se-iavoa-lhe em tornopor zombaria.

Inconscienteou ardilosa, pousa-lhe em cima.Ele de cimaa sacode,

e se viraferoz para a sombra enganosaque do álveose afasta

e, sobreuma flor, como é costume,

rinchiude il lumedell’ali.

Sappiate,dilettissimi amici,che nel felicimiei giorni,

ai giorniche il mio, oggi arido, cuoreera all’amorerinato,

anch’iocon preda più stupenda,ebbi vicendauguale.

Ed erabella! L’ultima cosache in me di rosase tinse.

Ed io,io le lasciai sua vita;io de ho ghermitaun’ombra.

Sapevo– sconsolata dolcezza –ch’era saggezzaumana.

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recolhe o lumede suas asas.

Sabei,caros amigos,que nos meus diasfelizes,

nos diasem que meu coração, hoje árido,ao amorrenascia,

também eu,com presa ainda mais rara,vivi igualhistória.

Como erabela! A última coisaque em mim se coloriude rosa.

E eu,eu a larguei à sua vida;dela agarreisó a sombra.

Sabia– doce desconsolo –ser isso a humanasabedoria.

� De Parole (1933-1934)

Donna

Quand’erigiovinetta pungevicome una mora di macchia. Anche il piedet’era un’arma, o selvaggia.

Eri difficile a prendere.Ancora

giovane, ancorasei bella. I segnidegli anni, quelli del dolore, leganol’anime nostre, una ne fanno. E dietroi capelli nerissimi che avvolgoalle mie dita, più non temo il piccolobianco puntuto orecchio demoniaco.

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� De Parole (1933-1934)

Mulher

Quando erasjovem picavascomo a amora do mato. Mesmo o teu péte servia de arma, ó selvagem.

Era difícil te pegar.Ainda

és jovem, aindaés bela. As marcasdos anos, das dores, nos ligamas almas, fazem-nas uma só. E sobteus cabelos negríssimos, que em meus dedosenvolvo, já não temo a pequenabranca e pontuda orelha demoníaca.

� De Ultime cose (1935-1943)

Alberi

La colomba che preda la festucae la porta nel nido invidio, e voialberi silenziosi, a cui le foglie,ben disegnate, indora il sole; bellicome bei giovanetti o vecchi ai qualila vecchiezza è un aumento. Chi vi guarda– verdi sotto una nera ascella frondispuntano; alcuni rami sono morti –le vostre dure sotterranee lottenon ignora; la vostra pace ammira,anche più vasta.

E a voi ritorna, amico;laghi d’ombra nel cuore dell’estate.

Ultimi versi a Lina

La banda militare che affollavavie più il Corso la sera, i fanalettioscillanti alla marcia – il battistradatronfio alzava e abbassava il suo bastone –le tue compagne: la buona, la scaltra,l’infedele in amore; il verde fuorie dentro la città; le lacerantisirene dei vapori che partivano;le osterie di campagna;

queste cose

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� De Ultime cose (1935-1943)

Árvores

Invejo a pomba que apresa a palhae a leva ao ninho, e invejo a vós, também,silentes árvores, a cujas folhasbem desenhadas redoura o sol; belasquais jovens belos, ou velhos aos quaisa velhice enriquece. Quem vos olha– verdes na axila negra onde a folhagemdesponta; alguns ramos estão mortos –a vossa dura luta subterrâneanão ignora; a vossa paz admira,ainda mais vasta.

E a vós retorna, amigo;lagos de sombra em pleno verão.

Últimos versos para Lina

A banda militar que pela tardeo Corso enchia ainda mais, as lanternasoscilando com a marcha – o balizagarboso alçava e baixava o bastão –tuas companheiras: a boazinha, a esperta,a infiel no amor; o verde forae dentro da cidade; as lancinantessirenes dos navios que partiam;os albergues de campo;

estas coisas

furono un giorno – ricordi – cui venne,una a una, una fine.

La memoria,amica come l’edere alle tombe.cari frammenti ne riporta in dono.

� De Uccelli (1948)

Nietzsche

Intorno a una grandezza solitarianon volano gli ucelli, né quei vaghigli fanno, accanto, il nido. Altro non odiche il silenzio, non vedi altro che l’aria.

� De Epigrafe (1947-1948)

Epigrafe

Parlavo vivo a un popolo di morti.Morto alloro rifiuto e chiedo oblio.

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que foram um dia – recordas – e umaa uma chegaram ao fim.

A memória,amiga como a hera o é dos túmulos,delas nos traz a dádiva dos restos.

� De Uccelli (1948)

Nietzsche

Em volta de uma grandeza solitárianão voam as aves, nem fazem seus ninhosNada se ouve mais do que o silêncio.Nada se vê mais do que o vago espaço.

� De Epígrafe (1947-1948)

Epígrafe

Falava, vivo, a um povo de mortos.Morto, agora, recuso e peço olvido.