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Rocha Pombo

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Rocha Pombo

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Rocha Pombo*

Marco Maciel

A história, observara com propriedade Jacques Maritain, não esgota o homem.O tempo histórico, afinal de contas, é apenas tempo. Mas o papel do historiadorpode ser considerado fundamental para a formação da consciência nacional deum povo.

OAcadêmico José Murilo de Carvalho, em artigo intitulado“Lembrança de outro Carnaval”, publicado na Folha de S.

Paulo, edição de 5 de janeiro de 2003, afirma que:

“Um historiador não observa os acontecimentos com microscó-pio. Ele os vê através das lentes de um binóculo, assestado aomesmo tempo para o presente e o passado. Talvez por vício deformação, desconfia de profecias sobre mudanças radicais, sobrerupturas drásticas. Continuidades existiram”.

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Culto da Imortal idade

Ocupante daCadeira 39na AcademiaBrasileira deLetras.

* Palavras proferidas na sessão do dia 2 de julho de 2009, na Academia Brasileira de Letras.

Rocha Pombo

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Diz Mestre José Murilo: “Existiram até nas grandes revoluções, como afrancesa e a russa”. Aliás, assim também entendeu Gilberto Freire, ao reconhe-cer ser o tempo tríbio, pois há, enfim, uma interposição entre presente, passa-do e futuro.

O primeiro brasileiro, como sabemos, a perquirir e escrever sobre a históriade nosso país foi Frei Vicente do Salvador no século XVII. A sua História doBrasil somente foi publicada muitos anos após nos Anais da Biblioteca Nacio-nal, em 1888, depois comentada por Capistrano de Abreu. Antes de Frei Vi-cente do Salvador foi a época de cronistas, entre eles Gabriel Soares, Pero deMagalhães Gândavo, os jesuítas e outros.

Faço tais considerações para registrar a passagem da efeméride alusiva aoprofessor José Francisco da Rocha Pombo, nascido na cidade de Morretes, noParaná, em 1857, e morto no Rio de Janeiro em 1933.

Humanista, Rocha Pombo foi um escritor cuja atividade pervadiu quasetodos os campos da literatura – poeta, contista, jornalista, romancista, profes-sor e dicionarista, uma vez que ele nos legou um Dicionário de Sinônimos da LínguaPortuguesa, além de coleção de obras em múltiplos campos do fazer literário;enfim, um polígrafo. Versou predominantemente sobre história, inclusive daAmérica, do Brasil, da sua província natal – o Paraná –, e dos Estados de SãoPaulo e Rio Grande do Norte.

Ao transferir-se de Curitiba para o Rio de Janeiro, em 1897, tratou de pro-duzir livros como Notas de Viagem ao Norte do Brasil e obras sobre a história de di-versos Estados. Nossa Pátria, literatura infantil, por outro lado, com mais de 60edições, consagrou-o perante as novas gerações.

Habilita-se a lecionar no Colégio Pedro II e na Escola Normal, ambos edu-candários estabelecidos no Rio de Janeiro.

Sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, deixou-nos, entre de-zenas de publicações, como No Hospício que, para alguns, aproximava-se da lite-ratura fantástica, e Nossa Pátria.

No primeiro ano do século XX, em 1900, publicou o livro O Paraná no Cin-quentenário, versando a respeito da autonomia de sua terra.

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No Paraná, buscou fundar uma universidade privada, contudo sem alcançarêxito, senão após a Proclamação da República.

Nas suas incursões na política, era um vigoroso adepto das propostas abolicio-nistas e republicanas. Criou com esse objetivo, no Estado natal, um jornal semanalem que propagava tais postulados, afinal vitoriosos no fim do século XIX.

Rocha Pombo escreveu a História do Brasil, sua obra de maior relevo. No Co-légio Nóbrega, dirigido pelos jesuítas, no Recife, no qual fiz os cursos secun-dário e o clássico, o livro era objeto de leitura e reflexões.

Seu primeiro estudo sobre a instrução pública, datado de 1879, mereceupublicação na revista fluminense A Escola e transcrito na Revista Del Plata de Bue-nos Aires. Seu interesse volta-se, igualmente, para tratar de questões culturaisdiversas, tais como, entre outras, as intituladas Supremacia do Ideal e Religião doBelo, de permeio com preocupações sociais expressas especialmente no roman-ce No Hospício.

Rocha Pombo continua a ilustrar a galeria dos historiadores brasileiros, in-clusive nesses férteis tempos em que a nossa historiografia se enriquece comexpressiva relação de autores como Oliveira Lima, José Honório Rodrigues,Pedro Calmon, José Murilo de Carvalho, Helio Jaguaribe, Evaldo Cabral deMelo, Candido Mendes e Affonso Arinos, ao lado de tantos outros que alcan-çaram destacada projeção na análise e interpretação do processo de formaçãoda nacionalidade brasileira e de seu travejamento institucional.

O interesse de Rocha Pombo pela historiografia não foi uma vocação tem-porã: ocorreu-lhe aos trinta e dois anos de idade, inicialmente com a sua Histó-ria da América, publicada coincidentemente no ano da Proclamação da Repúbli-ca, por ele tão almejada.

Rocha Pombo, como sabemos, faleceu antes de empossar-se na AcademiaBrasileira de Letras. Sucedeu-o Rodolfo Garcia, reputado historiador, antigoDiretor do Museu Histórico Nacional, substituindo Gustavo Barroso, quefora demitido do cargo por motivos políticos, e da Biblioteca Nacional.

Ao falar, Rodolfo Garcia, no momento de assumir sua cadeira na ABL, afir-mou que Rocha Pombo fizera o que estava a seu alcance:

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“Por impossibilidade de recorrer aos arquivos da Europa e por escassez detempo compensada para frequentar os Arquivos Nacionais, ficou reduzidona elaboração de sua História do Brasil à contingência de aproveitar o que osoutros preparavam, conforme honestamente declarou”.

Afonso Taunay, autor da monumental História Geral das Bandeiras Paulistas,em 11 volumes, refere-se a Rocha Pombo na recepção a Rodolfo Garcia aoafirmar: “Como historiador, realizou o que lhe era possível fazer, dentro dacontingência dos fatos”. Ressalte-se, também, frase atribuída a Dom Pedro II:“É história do Brasil modesta, porém honesta”.

Não se deve menosprezar o extraordinário esforço de Rocha Pombo ao de-dicar-se durante mais de uma década, de 1905 a 1917, para culminar sua His-tória do Brasil, em dez volumes. É livro bem documentado e concatenado.

Rocha Pombo não pode deixar de merecer nossos louvores por sua dedica-ção e honestidade de toda uma vida, tornando-se um dos que trouxeram suacontribuição à historiografia brasileira.

Rodolfo Garcia deixou-nos um breve e denso depoimento sobre o ilustreparanaense:

“... não há como desconhecer o extraordinário mérito da obra de RochaPombo, sua utilidade provada, os serviços prestados aos estudiosos, que aestimam entre todas congêneres. Se conferidas as estatísticas das Bibliote-cas, verifica-se que sua História do Brasil é, nessa classe, o livro mais consulta-do e mais lido de todos da sua obra, o que significa popularidade e vale pelamais legítima das consagrações”.

E acrescentou Rodolfo Garcia: “No gênero, a História do Brasil é a mais vasta,a mais considerável de nossa literatura, pela superfície imensa que cobre, dasorigens do Brasil aos dias presentes”.

Se, por um lado, se pretende acoimar de faltar rigor metodológico à Históriado Brasil do ilustre paranaense, não se deve deixar de exaltar o empenho com

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que se dedicou à tarefa de escrevê-la. Daí o prestígio de que o seu nome desfru-ta, mormente no Sul do País, especialmente no seu Estado – o Paraná.

Com respeito à Cadeira 39, ostenta – a partir de seu patrono FranciscoAdolfo de Varnhagen e de seu fundador Manuel de Oliveira Lima, meu con-terrâneo – uma característica: a de acolher historiadores como Alberto Faria,Rocha Pombo e Rodolfo Garcia, sem esquecer-se de mencionar igualmente ofato de que a integraram os jornalistas Elmano Cardim, Otto Lara Resende eRoberto Marinho, pois o exercício da atividade dos profissionais de imprensanão pode deixar de ser entendida como uma forma de, ao analisar os fatos, porvia de consequência, fazer história.

Rocha Pombo foi eleito em 1933 para a Cadeira 39 da Academia Brasileirade Letras, em decorrência do passamento de Alberto de Faria. Não chegou, to-davia, a empossar-se, uma vez que faleceu em 26 de julho daquele ano.

Evocar o transcurso dos setenta e seis anos da morte de José Francisco daRocha Pombo é ocasião para fazer memória da vida e sobretudo de sua obra,por se tratar de notável contributo para a compreensão do processo de afirma-ção cultural do país e a indispensável vertebração de suas instituições.

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Raymundo Faoro

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Raymundo Faoro:uma grande lição

Murilo Melo Filho

ACiência Jurídica brasileira ficou de luto com a morte deRaymundo Faoro, ocorrida cinco meses depois do faleci-

mento de seu grande amigo, Evandro Lins e Silva.Por um desses singulares desígnios do destino, eles dois estão

hoje sepultados, lado a lado, no Mausoléu Acadêmico do Cemité-rio de São João Baptista, bem juntos um do outro, e unidos parasempre no Reino da Glória, da Eternidade e do Universo oníricodas pessoas dignas, honradas, incorruptíveis e exemplares, comoeles dois, dos quais já estamos sentindo – e sentiremos sempre –saudades imensas.

Ao lado de sua cabeça, dentro do caixão – e para cumprir o seuúltimo desejo – foram enterrados também os restos mortais dePompeia, sua inesquecível mulher, a grande paixão e a razão de serde toda a sua vida.

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� Dois livros emblemáticos

Nem muito moço, nem velho ainda, Raymundo Faoro chegou à AcademiaBrasileira de Letras, após ter escrito dois livros simplesmente emblemáticos.

Num deles, Os Donos do Poder – que, na 1.a edição, tinha 271 páginas, masque depois se transformou em dois alentados volumes de 750 páginas – extra-vasou enorme riqueza de conceitos sociológicos, dentro de um vernáculo puroe de um linguajar erudito, desfilando nele os gurus clássicos da sabedoria polí-tica, desde O Príncipe, de Machiavelli; O Espírito das Leis, de Montesquieu e OCapital Social, de Rousseau; passando pelo Leviathan, de Hobbes; O Burguês, deWerner; O Capital, de Marx; o Tratado, de Pareto e a História Econômica, de We-ber; até O Manifesto do Partido Comunista, de Engels; Histórias da Revolução Russa, deTrotski; Ideologia e Utopia, de Manheim; Grande Lógica, de Hegel; Um Estudo deHistória, de Toynbee; Razão e Revolução, de Marcuse; e O Novo Estado Industrial, deGalbraith.

� Aprendendo alemão

Foi enorme aí a influência de Weber, um pioneiro na identificação do papelburocrático e estatal nas novas sociedades e uma inspiração tão forte em Faoro,que o levou a aprender o idioma alemão para lê-lo no original. Diagnosticou,então, a burocracia e o patronato como estamentos impeditivos da consolida-ção democrática e do progresso brasileiro. Fez mais ainda: alinhou-se a Eucli-des, de Os Sertões; a Gilberto, de Casa Grande & Senzala, a Sérgio Buarque, de Raí-zes do Brasil, a Paulo Prado, de Retrato do Brasil, a Victor Nunes Leal, de Coronelis-mo, Enxada e Voto; a Darcy Ribeiro, de Povo Brasileiro: a Formação e o Sentido do Brasil;e a Vianna Moog, de Bandeirantes e Pioneiros, na exegese do Homo brasiliensis.

Em Machado, a Pirâmide e o Trapézio – outra obra sua –, Faoro realizou a faça-nha de adaptar as concepções filosóficas do primeiro livro à ficção das tramase dos atores machadianos, em figurações geométricas.

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� Encontro com Geisel

Já tinha, então, marcado também a sua presença no cenário nacional, sobre-tudo durante dois anos, de 1977 a 1979, quando se agigantou, com heroísmoe coragem, na presidência da Ordem dos Advogados do Brasil, sucedendo aCaio Mário e sendo sucedido por Eduardo Seabra Fagundes.

Essa presença cresceu muito no seu histórico encontro com o GeneralGeisel, travando-se entre os dois um edificante diálogo, que o próprio Fao-ro, certa noite, quando ainda não era candidato à ABL, me reconstituiu, pa-lavra por palavra:

“– Afinal de contas, Dr. Faoro, o que o senhor quer do meu governo?– Quero muito pouco, senhor Presidente: apenas a restauração do habeas cor-pus, a extinção dos Atos Institucionais e o fim das torturas nos desvãos doDOI-CODI, quanto mais não seja para que V. Excia. não entre na Históriacomo um ditador sanguinário, mas sim como o Presidente da sua abertura,‘lenta, gradual e segura’”.

Com a importante ajuda de Dom Eugenio Sales, Faoro conseguiu colocarsob a proteção de suas vestes cardinalícias dezenas de perseguidos políticos.

� Outras intermediações

Faoro consagrou-se a seguir nas sucessivas intermediações com o SenadorPetrônio Portella, para a restauração do estado democrático.

Antes de adoecer e, naquela mesma ocasião, ele me revelou que, na manhãdo dia 12 de outubro de 1978, estava hospedado em um hotel no Recife,quando a telefonista lhe anunciou uma chamada de Brasília. Era o Senador Pe-trônio, que lhe dizia o seguinte: “– O tráfego aí no Recife não deve estar bom,mas aqui em Brasília pode melhorar durante o dia”.

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Só a muito custo, Faoro percebeu que aquele aviso era uma mensagem emcódigo, com a qual o Senador piauiense previa o que realmente iria acontecernaquela tarde: a demissão, pelo General-Presidente Ernesto Geisel, do Gene-ral-Ministro Sílvio Frota e da sua “linha dura” no Ministério do Exército, quese erigiam como obstáculos quase intransponíveis ao caminho da abertura.

Faoro foi assim um admirável lutador pela restauração democrática, que, jádoente, recebeu em casa a visita do presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva,com o objetivo de lhe agradecer pessoalmente o apoio recebido durante a cam-panha eleitoral.

Infelizmente, suas condições de saúde não mais lhe permitiram estar emBrasília, no dia da posse do seu candidato.

� Eleito na ABL

Instado por Evandro Lins e Silva, Josué Montello, Celso Furtado, AfonsoArinos e Alberto Venancio Filho, elegeu-se para a ABL, no dia 23 de novem-bro do ano 2000.

Três vezes e por quase dois anos, recomendações médicas adiaram a suaposse.

Terminou se empossando, solenemente, já com a saúde abalada, dia 17 desetembro de 2002, na Cadeira 6, tendo como patrono o poeta Casimiro deAbreu; como fundador, o escritor Teixeira de Melo, e, como antecessores, oAlmirante Artur Jaceguai, o poeta Goulart de Andrade e o jornalista BarbosaLima Sobrinho.

� Gaúcho, afável e modesto

Esse gaúcho da cidade de Vacaria, alto e míope, simples, afável e modesto,que se proclamava “um carioca, por decurso de prazo”, foi um jurista que deu

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prosseguimento na ABL à linhagem de ilustres jurisconsultos: os acadêmicosRui Barbosa, Lúcio de Mendonça, Rodrigo Octavio, João Luís Alves, Lafa-yette Rodrigues Pereira, Clóvis Beviláqua, Pedro Lessa, Aníbal Freire, Cândi-do Motta Filho, Levi Carneiro, Pontes de Miranda, Hermes Lima, Oscar Cor-rêa e Evandro Lins e Silva.

Nesta comovida evocação de Faoro e da lição de sua vida, devemos reco-nhecer que, após sete meses de muito sofrimento e de várias internações naUTI – escravizado ao fumo e a um respiradouro artificial –, Raymundo Faoromorreu em consequência de um enfisema pulmonar crônico, com o qual con-viveu estoicamente.

Ao longo dos últimos sete meses de vida, seu estado clínico agravou-se sem-pre, com intermitências de ligeiras melhoras, até chegar ao desenlace. Como sefosse um discípulo de Zenon, na doutrina do Pórtico, teve espírito firme epanteísta para enfrentar uma sofrida enfermidade. Seu panteísmo identificavao mundo como uma penosa realidade subordinada ao processo de Deus, se-gundo a ética latinista de Baruch Spinoza.

De Faoro e dos seus 78 anos de idade, vividos com bastante dignidade,compostura e decência, restou-nos para sempre a imagem de um homem debem, de um advogado correto, de um sociólogo competente, de um historió-grafo dedicado, um intérprete do Brasil, um cientista, um jornalista e um pen-sador, leal aos seus ideais do socialismo democrático.

� Um paladino da ética

Ele foi um paladino da Ética e uma das nossas poucas referências unânimes,em toda a História brasileira. Foi também um homem que marcou toda a suavida por uma enorme coragem e uma grande coerência, fiel aos seus princípiospolíticos e ideológicos, pelos quais pagou um altíssimo tributo.

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Raymundo Faoro: uma grande l ição

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Deixou um magnífico exemplo de honestidade – uma mercadoria que, infe-lizmente, anda cada vez mais escassa na paisagem brasileira, marcada por tan-tas CPIS e por tantas corrupções.

Possuía uma inesgotável disposição de trabalhar, uma inexcedível vontadede escrever e um juvenil amor pela vida, que lhe transcorreu bravamente – in-clusive no enfrentamento do regime militar – como se fosse um novo DomQuixote, um cavaleiro andante, cervantino e fidalgo, romântico, nobre e so-nhador, nas suas lutas contra os moinhos do Poder.

Dir-se-ia até um personagem ulissiano de Joyce, que tentava transformarem realidades concretas as suas utopias socialistas.

Com essas utopias, nasceu. Com elas, viveu. Por elas, lutou. E, com elas,morreu.

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