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Agricultura familiar orgânica e qualidade de vida. Um estudo de caso em Santa Rosa de Lima, SC, Brasil * Family organic farming and quality of life. A study case in Santa Rosa de Lima, SC, Brazil AZEVEDO, Elaine de 1 ; SCHMIDT, Wilson 2 ; KARAM, Karen Follador 3 1 Faculdade de Ciências da Saúde / Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados/MS, Brasil, Pós-Doutoranda no Departamento de Prática de Saúde/ Faculdade de Saúde Pública/ Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil, [email protected]; 2 Centro de Ciências da Educação/Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/SC, Brasil, [email protected]; 3 Socióloga/Doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente/Consultora, [email protected] RESUMO: A Agricultura Familiar Orgânica, ao se apresentar como um sistema produtivo que objetiva a auto-sustentação da propriedade agrícola, a oferta de alimentos saudáveis e a preservação da saúde ambiental e social, questiona as repercussões negativas do sistema moderno de produção de alimentos e se aproxima da noção de qualidade de vida. Para ilustrar melhor a articulação entre qualidade de vida e Agricultura Familiar Orgânica, buscou-se conhecer as repercussões da adoção de um sistema de produção orgânico sobre a qualidade de vida de agricultores familiares da Associação de Agricultores da Encostas de Serra Geral (AGRECO), em Santa Rosa de Lima, SC. O estudo de campo apresentado nesse artigo ajudou a elucidar a complexidade do conceito de qualidade de vida no meio rural. Ao mesmo tempo, evidenciou a prática da Agricultura Familiar Orgânica como uma estratégia eficaz na promoção de qualidade de vida e de valores sociais nesse meio e permitiu delimitar, com maior segurança, a relação entre as categorias propostas – qualidade e vida e Agricultura Familiar Orgânica. PALAVRAS-CHAVE: qualidade de vida; Agricultura Familiar; Agricultura Orgânica; desenvolvimento rural sustentável. ABSTRACT: This research aims to evaluate and draw conclusions concerning the relationships between Family Organic Farming and the resulting quality of life experienced by the farmers. A basic premise is that many of the same objective and subjective factors occur in studies and discussions of both these concepts. Analysis of the rural world from the perspective of agriculture reveals that current methods and patterns of farming determine significant changes in the social and environmental health of the rural population. This research compares the quality of rural life which results from modern forms of Technical Agriculture with that produced by Family Organic Farming where the aim is self-sustainability, the production of healthy food and the preservation of the environment. In addition, research showed that the organic farmer receives a range of social benefits not least being the reinforcement of his/her cultural integrity. These positive results call into question the negative repercussions of modern patterns of "Technical Agricultural" production. This article shows an initial exploratory study and an investigation into the quality of life being experienced by an existing group of organic family farmers belonging to AGRECO in Santa Rosa de Lima, south of Brazil. The study brought up the multiple relations for researches on quality of life in the rural world and also situates the Family Organic Farming as a strategy of promoting quality of life and social values in the rural word. KEY WORDS: quality of life, Family Organic Farming; Organic Farming; sustainable rural development. Revista Brasileira de Agroecologia Rev. Bras. de Agroecologia. 6(3): 81-106 (2011) ISSN: 1980-9735 Correspondências para: [email protected] Aceito para publicação em 04/05/2011

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Agricultura familiar orgânica e qualidade de vida. Um estudo de casoem Santa Rosa de Lima, SC, Brasil*Family organic farming and quality of life. A study case in Santa Rosa de Lima, SC,Brazil

AZEVEDO, Elaine de1; SCHMIDT, Wilson 2; KARAM, Karen Follador 3

1 Faculdade de Ciências da Saúde / Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados/MS, Brasil,Pós-Doutoranda no Departamento de Prática de Saúde/ Faculdade de Saúde Pública/ Universidade deSão Paulo, São Paulo/SP, Brasil, [email protected]; 2 Centro de Ciências daEducação/Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/SC, Brasil, [email protected]; 3Socióloga/Doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente/Consultora, [email protected]

RESUMO: A Agricultura Familiar Orgânica, ao se apresentar como um sistema produtivo que objetiva aauto-sustentação da propriedade agrícola, a oferta de alimentos saudáveis e a preservação da saúdeambiental e social, questiona as repercussões negativas do sistema moderno de produção de alimentos ese aproxima da noção de qualidade de vida. Para ilustrar melhor a articulação entre qualidade de vida eAgricultura Familiar Orgânica, buscou-se conhecer as repercussões da adoção de um sistema de produçãoorgânico sobre a qualidade de vida de agricultores familiares da Associação de Agricultores da Encostas deSerra Geral (AGRECO), em Santa Rosa de Lima, SC. O estudo de campo apresentado nesse artigo ajudoua elucidar a complexidade do conceito de qualidade de vida no meio rural. Ao mesmo tempo, evidenciou aprática da Agricultura Familiar Orgânica como uma estratégia eficaz na promoção de qualidade de vida e devalores sociais nesse meio e permitiu delimitar, com maior segurança, a relação entre as categoriaspropostas – qualidade e vida e Agricultura Familiar Orgânica.PALAVRAS-CHAVE: qualidade de vida; Agricultura Familiar; Agricultura Orgânica; desenvolvimento ruralsustentável.

ABSTRACT: This research aims to evaluate and draw conclusions concerning the relationships betweenFamily Organic Farming and the resulting quality of life experienced by the farmers. A basic premise is thatmany of the same objective and subjective factors occur in studies and discussions of both these concepts.Analysis of the rural world from the perspective of agriculture reveals that current methods and patterns offarming determine significant changes in the social and environmental health of the rural population. Thisresearch compares the quality of rural life which results from modern forms of Technical Agriculture with thatproduced by Family Organic Farming where the aim is self-sustainability, the production of healthy food andthe preservation of the environment. In addition, research showed that the organic farmer receives a rangeof social benefits not least being the reinforcement of his/her cultural integrity. These positive results call intoquestion the negative repercussions of modern patterns of "Technical Agricultural" production. This articleshows an initial exploratory study and an investigation into the quality of life being experienced by an existinggroup of organic family farmers belonging to AGRECO in Santa Rosa de Lima, south of Brazil. The studybrought up the multiple relations for researches on quality of life in the rural world and also situates theFamily Organic Farming as a strategy of promoting quality of life and social values in the rural word.KEY WORDS: quality of life, Family Organic Farming; Organic Farming; sustainable rural development.

Revista Brasileira de AgroecologiaRev. Bras. de Agroecologia. 6(3): 81-106 (2011)ISSN: 1980-9735

Correspondências para: [email protected] para publicação em 04/05/2011

IntroduçãoOs temas saúde e qualidade de vida aparecem

recorrentemente explorados. O desafio aqui foirelacionar esses conceitos à Agricultura Orgânicae, mais especificamente, à Agricultura FamiliarOrgânica (AFO). Ressalta-se que no Brasil essesdois modelos são muito próximos, uma vez quecerca de 90% da produção orgânica no país éproveniente da Agricultura Familiar (AF) (MAPA,2008).

Assume-se nesse artigo, a noção de qualidadede vida de Minayo et al (2000) que transita em umcampo semântico polissêmico por estar, de umlado, relacionada ao modo, condições e estilos devida e, de outro, à idéias de desenvolvimentosustentável, de ecologia humana, dedesenvolvimento, de direitos humanos e sociais.Essa noção tem sido aproximada “ao grau desatisfação encontrado na vida familiar, amorosa,social e ambiental e à própria estética existencial.Pressupõe a capacidade de efetuar uma síntesecultural dos elementos que determinada sociedadeconsidera seu padrão de conforto e bem-estar”(p.8). A natureza subjetiva da qualidade de vida serelaciona a “como as pessoas sentem ou o quepensam das suas vidas, ou como percebem ovalor dos componentes materiais reconhecidoscomo base social da qualidade de vida” (p.11).

A Organização Mundial de Saúde definequalidade de vida como “a percepção do indivíduode sua posição na vida no contexto da cultura esistema de valores nos quais ele vive e em relaçãoaos seus objetivos, expectativas, padrões epreocupações” A organização desenvolveuinstrumentos para medir qualidade de vida dentrode uma perspectiva internacional de domíniosvariados, partindo da premissa de que qualidadede vida é uma construção culturalmultidimensional. Os domínios levantados pelaOMS e que serviram de diretrizes para esseestudo são: domínio físico (sono, boa alimentação,integridade corporal); domínio psicológico (controledas emoções, do estresse, promoção da auto-

estima; nível de independência (saber viver só);domínio relações sociais (saber viver em grupo);domínio ambiental (relações com o meio ambientepreservado); domínio espiritual (respeito as suascrenças e religiões) (WHOQOL GROUP, 1994).

O conceito de agricultura familiar utilizadoneste trabalho remete a uma categoria genéricaque a define como “aquela em que a família, aomesmo tempo em que é proprietária dos meios deprodução, assume o trabalho no estabelecimentoprodutivo” (Wanderley, 1999, p.25).

Optou-se por estudar a agricultura de basefamiliar porque ela responde, em grande parte, auma importante questão: quem produz osalimentos no Brasil? Dados do CensoAgropecuário (IBGE, 2006) demonstram que aAgricultura Familiar, com apenas 24,3% da áreaagrícola, é responsável pela produção de quase80% dos alimentos consumidos no paísl. Mesmoproduzindo quase toda a alimentação dapopulação brasileira, a AF conta com menosrecurso público como suporte de suas atividades:recebeu mediante as políticas públicas cerca de13 bilhões de reais em 2008, em relação aos maisde 100 bilhões obtidos pelo agronegócio (Mazzezi,2009).

Além disso, a AF tem se mostrado expressivapara embasar um conjunto de estratégias voltadasa promover a qualidade de vida no campo. Pensarsobre qualidade de vida e Agricultura FamiliarOrgânica implica no estreitamento das relações nomundo rural e na percepção da importância de seconstruir, nesse meio, uma realidade que não serestrinja às atividades produtivas. Trata-se de umuniverso peculiar, designado, por alguns autores,como ruralidade, percebida como uma forma decultura vinculada ao meio geográfico particulardenominado como rural (Duran, 1988 apudKaram, 2001).

Este artigo parte do estudo de Azevedo (2004)que ressaltou que os aspectos subjetivos e

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e objetivos que aparecem nas discussões sobrequalidade de vida também estão presentes nosestudos sobre a Agricultura Familiar Orgânica. Oestudo também mostrou que a AgriculturaOrgânica, ao se apresentar como um sistemaprodutivo que objetiva “a auto-sustentação dapropriedade agrícola no tempo e no espaço, amaximização dos benefícios sociais para oagricultor, a minimização da dependência deenergias não renováveis na produção, a oferta deprodutos saudáveis e de elevado valor nutricional,isentos de qualquer tipo de contaminantes queponham em risco a saúde do consumidor, doagricultor e do meio ambiente, o respeito àintegridade cultural dos agricultores e apreservação da saúde ambiental e humana”(BRASIL, 2007) questiona as repercussõesnegativas do sistema agroalimentar moderno epromove a saúde e a qualidade de vida.Assumindo essa definição, a AFO torna-se umaferramenta de promoção de valores sociais e dequalidade de vida no meio rural, com repercussõesigualmente importantes sobre a qualidade de vidano meio urbano.

Mesmo com o fortalecimento dos movimentosda Reforma Sanitária Brasileira e de Promoção deSaúde no Canadá, na década de 1980, queresgataram a essencialidade dos diferentesdeterminantes e condicionantes do processosaúde e doença, as repercussões socioambientaisdo padrão produtivo dominante não ganharam adevida importância na área da saúde. Isso se tornamais instigante se pensamos que o Brasil ainda éum país com perfil fortemente agrícola e quegrande parte da população urbana tem vínculoscom o meio rural (especialmente aquela maisvulnerável socialmente e foco de diferentesprogramas na área de Saúde Pública). Para alémdas pesquisas sobre impacto dos agrotóxicos, asintervenções da Saúde Coletiva parecem ter sido,essencialmente, encontrar soluções para muitas

mazelas urbanas que se originaram no meio rural.Rigon (2005) e Navolar (2006) fizeram estudos decaso sobre associações de agricultoresregistraram que com a prática da Agroecologiahouve a retomada de uma produção maior e maisdiversificada de alimentos para o autoconsumofamiliar e para o fornecimento ao consumidor;aumento da autonomia dos agricultores; obtençãode um incremento na renda monetária familiar;manutenção do modo de vida rural; resgate ouincorporação de práticas alimentares maissaudáveis e registro de uma percepção positivasobre o estado geral de saúde da família após umdeterminado tempo de conversão da propriedaderural à Agroecologia.

Nessa mesma direção, a partir de um trabalhode investigação a campo, buscou-se conhecer asrepercussões da adoção de um sistema deprodução orgânico sobre a qualidade de vida deagricultores familiares. A investigação, baseadaem um estudo de caso, apoiou a articulaçãoconstruída teoricamente por Azevedo (2004) emostrou sua pertinência.

MetodologiaA pesquisa de campo, do tipo qualitativo de

natureza etnográfica buscou justamente oselementos da subjetividade da vida social,entendidos como fenômenos e processossignificativos. Para tal utilizou-se de técnicasqualitativas como entrevistas semi-estruturadas eobservação participante nas unidades deprodução de agricultores que pertencem àcategoria social da agricultura familiar e sãopraticantes do sistema de produção da AgriculturaOrgânica. Todos os informantes eram associadoshá pelo menos dois anos na Associação dosAgricultores Ecológicos das Encostas da SerraGeral (AGRECO), em Santa Rosa de Lima, SC eparticipavam ativamente da Associação.

A partir da escolha desse critério, definiu-se

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que a primeira identificação dos futurosentrevistados resultaria da indicação de uminformante qualificado - representante e/ou diretorda AGRECO.

O trabalho de campo desenvolveu-se em umperíodo de uma semana. Nesse período foramentrevistados de forma aprofundada seisagricultores, número que permitiu umaprofundamento e uma abrangência dacompreensão desse grupo social. Acredita-se queeste procedimento permitiu uma melhorcompreensão do tema estudado, ao mesmo tempoem que levantou pistas de reflexão para a análisede situações e problemas relacionados. Por outrolado, pelo caráter da pesquisa, os resultados nãoexpressam situações generalizáveis.

A escolha da AGRECO não foi aleatória, umavez que tal associação expressa em seu estatuto odesejo de contribuir para a melhoria da qualidadede vida de seus associados, agricultores familiares,e de incorporar ao sistema de produção orgânico oresgate de um “modo de vida orgânico”. A primeiravisita ao local aconteceu por ocasião de umalmoço comunitário preparado pelos agricultoresda AGRECO em Santa Rosa de Lima. Seis mesesdepois foi enviada uma carta formal aosagricultores entregue pelo coordenador daAGRECO. Buscou-se nesta carta, explicitar asrazões do estudo e as condições da pesquisa.Depois dessa carta, no momento da entrevista, osagricultores assinaram um documento consentindoem participar da pesquisa, com base na Resolução196/96 (Termo de Consentimento Livre eEsclarecido do Conselho Nacional de Saúde).

Coleta dos dadosAs entrevistas foram realizadas nas unidades

de produção, com exceção de um agricultor,entrevistado após uma reunião do conselhodeliberativo da AGRECO. Sua propriedade,entretanto já havia sido visitada pela pesquisadorapor ocasião da visita supracitada.

Para realizar a coleta de dados através dasentrevistas, optou-se por um formulário organizadoem duas partes como instrumento de pesquisa. Aprimeira, composta por um conjunto de questõesque possibilitassem fazer a caracterização do perfilsociodemográfico dos entrevistados e da unidadefamiliar. A segunda, por um roteiro de perguntaschaves, norteadoras do processo investigativo,respondidas livremente pelos informantes, visandoapreender sua representação sobre saúde equalidade de vida, a partir dos domínios dequalidade de vida acima mencionados pelaOrganização Mundial da Saúde.

Partindo do princípio de que cada ser humanotem sua representação sobre saúde e qualidadede vida, essas questões buscavam captar arepresentação do entrevistado sobre o tema,evitando-se, ao máximo, influências por parte dopesquisador. As entrevistas duraram em médiauma hora e foram gravadas e transcritasintegralmente.

A entrevista foi individual e confidencial. Julga-se que esta condição propiciou a manifestação derelatos íntimos que por vezes chegaram a soarcomo confidência. O registro dos dados foi feitopor escrito no roteiro da entrevista e as respostasdas perguntas livres foram gravadas e transcritasposteriormente. Utilizou-se, da mesma forma, umdiário de campo para as anotações após cadaentrevista e durante todo o trabalho de campo.

A técnica de observação participante permitiuestar com as famílias e vizinhos dos entrevistadoscerca de seis a doze horas por dia durante umasemana e pernoitar na casa de alguns dosinformantes, participando das diversas refeiçõescom a família, convivendo com todos os membrospresentes e dispostos para tal, além de se buscarinteragir com a vizinhança.

Ainda como parte dos procedimentos depesquisa, foram contatados outros associados daAGRECO e a autora participou de uma reunião doConselho Deliberativo da associação realizada

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durante a fase de campo. Também foram feitasentrevistas com o presidente e com outraslideranças da AGRECO. Através dessasentrevistas, buscou-se obter dados relacionados aonúmero e perfil dos associados, conhecer asdiretrizes dos projetos da associação, perceber adinâmica da organização e conhecer a expectativadas suas lideranças para cotejá-las com a dosagricultores entrevistados. O médico do posto desaúde local foi contatado, buscando-se levantarinformações relativas às condições de saúde geralda população. Essas condições foram compiladasde dados utilizados no Sistema de InformaçãoHospitalar (SIH, 2002).

Cabe destacar ainda que a busca de literaturasobre a colonização alemã no Estado de SantaCatarina e no sul do Brasil propiciou oconhecimento da cultura dos antepassados dosagricultores entrevistados e a sua influência noatual modo de viver das suas famílias.

Análise dos dadosA análise teve como objetivo evidenciar os

códigos pelo qual se elaboram significaçõesligadas as práticas cotidianas individuais ecoletivas dos agricultores e sua proximidade ouafastamento do conceito de qualidade de vida., apartir dos domínios estabelecidos pela OMS.

As entrevistas e anotações do diário de campoforam avaliados primeiramente de forma vertical eflutuante, buscando o que Minayo (2007) ressaltacomo essenciais: temas que se destacavam,padrões recorrentes e discordantes, estruturas derelevância para os informantes e expressorsidiomatocas e metáforas. Posteriormente, cadaentrevista foi analisada de modo horizontal ebuscaram-se temas emergentes e recorrentes.

A partir desse processo foram construídas duascategorias empíricas “qualidade de vida e aspectosde saúde humana” e “qualidade de vida e aspectosambientais, sociais e culturais”. Tais categorias euma categoria êmica emergente, “modo de vida

orgânico”, foram confrontadas com a categoria dequalidade de vida e Agricultura Familiar Orgânica.

O território e um pouco de história...Considerar o território onde as pessoas vivem

permite identificar os diversos tipos de açõesnesse local, como eles são percebidos por taispessoas e até que ponto as regras de utilizaçãodos recursos do território e da populaçãopromovem determinados hábitos, comportamentose problemas de saúde cujas características sãopassiveis de identificação (MONKEN;BARCELLOS, 2005).

A Associação de Agricultores Ecológicos daEncosta da Serra Geral tem sua sede no municípiode Santa Rosa de Lima, no sudeste do Estado deSanta Catarina, junto às encostas da Serra Geral eao Vale do Rio Braço do Norte. A região dasencostas da Serra Geral é um corredor ecológicoentre o Parque Nacional de São Joaquim e oParque Estadual da Serra do Tabuleiro e nelaestão as nascentes de rios que abastecem deágua potável importantes aglomerados urbanos dolitoral catarinense (SCHMIDT, 2004).

Santa Rosa de Lima apresenta baixadensidade demográfica (10,24 habitantes por km²)frente a média dos municípios do Estado de SantaCatarina que é de 51 habitantes por km². Deacordo com Schmidt (2000), a população de SantaRosa de Lima se configura basicamente pordescendentes de colonos alemães. Hoje, dentreseus dois mil habitantes, a maioria (79%) vive naárea rural. A agricultura, juntamente com apecuária leiteira, são as atividades econômicasmais rentáveis da região.

A maioria dos estabelecimentos rurais daregião de Santa Rosa de Lima é conduzida porseus proprietários e suas famílias, caracterizandouma agricultura do tipo familiar, com a prevalênciade propriedades de até 50 hectares (MOREIRA,2000 apud MULLER, 2001).

O município está fora de eixos viários

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importantes, suas estradas são precárias e temuma estrutura de comunicação deficitária. Aqualidade da energia elétrica é baixa, bem comoos serviços de telefonia e lazer (SCHMIDT et al,2003). Apesar da dificuldade de infra-estrutura domunicípio, pesquisa de Jacques (2003) sinalizouos bons resultados das gestões que a AGRECOfez junto ao poder público: aumento do número detelefones celulares fixos instalados e do número deestradas de acesso às agroindústrias e ocorreuuma evolução positiva da frota municipal demanutenção das estradas no ano de 2001 para2002.

A qualidade do ensino público do município,considerada precária devido à falta de capacitaçãoe atualização e baixos salários dos professores, foiafetada pela implantação dos projetos de"nucleação" das escolas e de transporte escolar.Desde 1999 ocorreu uma queda de matrícula nasescolas isoladas da região e observou-se umatendência crescente de transferências dematrículas das escolas da rede pública estadualpara a municipal. Isso aconteceu sem oconcomitante repasse de verbas que viabilize umensino de qualidade nas escolas do município deSanta Rosa de Lima (Schmidt et al, 2003).Ressalta-se aqui a necessidade de se avaliar oimpacto sobre as mudanças culturais que seestabelecem ao retirarem-se as crianças do meiorural para o meio urbano, desvalorizando aindamais a condição do rural no município.

A partir da descentralização dos recursosdestinados à saúde e implantação do SistemaUnificado de Saúde (SUS) em 1990, transferiu-separa o município a responsabilidade doplanejamento, execução e controle das ações eserviços básicos de saúde. De acordo com omédico local, que compilou dados do Centro deSaúde de Santa Rosa de Lima, todos ostrabalhadores dos estabelecimentos produtores ecomerciais de alimentos (produtores de

agroindústrias e laticínios, bares, restaurantes emercados) realizam o controle anual dascondições de saúde através da carteira de saúde.

A especialidade médica mais procurada é aMedicina do Trabalho, por obrigatoriedade nasatividades das agroindústrias. Quem trabalha nasagroindústrias da região submete-se a examesobrigatórios anuais. O tratamento médico clínico edentário do município é bem conceituado entre osagricultores, mas eles próprios não frequentam omédico com assiduidade, fato levantado porJacques (2003), a partir de dados da SecretariaMunicipal de Saúde de Santa Rosa de Lima.

Essa mesma autora avaliou essa baixa noíndice como uma possível modificação naqualidade e quantidade do atendimento médicoem Santa Rosa de Lima, o que não significa que apopulação está mais ou menos saudável. Soboutro ponto de vista, ao contrário do que aavaliação desse índice sugere, a diminuição dasconsultas e um baixo índice de consultas porindivíduo/ano podem indicar uma melhoria noestado geral de saúde da população. Outraspossibilidades para explicar a queda no número deatendimentos podem ser propostas, como amelhoria das condições financeiras para buscaratendimento médico fora da área municipal ou abusca de alternativas de tratamento. Além disso,os agentes de saúde locais e enfermeiros fazemvisitas domiciliares dentro do Programa Saúde daFamília e esse atendimento, bastante valorizadopela comunidade, pode estar contribuindo parabaixar o índice de consultas no posto de saúde.

O processo de colonização de Santa Rosa deLima foi iniciado em 1905 com a chegada dosprimeiros colonos alemães. Sem o apoio usual dogoverno ou de empresas colonizadoras, oscolonos enfrentaram grandes dificultadas deassentamento como a topografia acidentada, apresença de florestas densas, o isolamentogeográfico e a presença indígena contribuíram

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para dificultar a ocupação das terras (SCHMIDT,2000).

A terra era percebida como garantia de sustentoda família e do patrimônio sócio-cultural, além deum fator de produção e as práticas culturais eramtodas feitas manualmente. A policultura, associadaà criação de animais (especialmente o porcoMacau), garantia a reprodução do grupo familiar eminimizava a carência de produtos provenientesdos mercados distantes. Os colonos produziamtambém um excedente de produção destinado àcomercialização que garantia a aquisição degêneros alimentícios e de outros utilitários nãoproduzidos no interior das propriedades, tais comosal, roupas, querosene e instrumentos agrícolas. Alógica da organização baseada em um alto grau deauto-suficiência e na manutenção de umpatrimônio sociocultural, calcada nos princípios dacampesinidade, garantia a subsistência e areprodução social das famílias Devido aprecariedade das vias de acesso, as opções paraos agricultores venderem ou comercializarem seusprodutos sempre foram escassas. (MULLER, 2001;SCHMIDT 2000 ).

A partir dos anos 60, essa estabilidadecomeçou a mudar. A entrada do óleo vegetal e damargarina no mercado, leva à diminuição do preçoe do valor da manteiga, da banha e do porco. Oaumento da população, e a conseqüentefragmentação das terras a partir dos processos deherança, levaram a uma utilização mais intensivado solo e ao abandono do tempo de pousio. Oagricultor passou a conviver com a lentarecuperação dos solos e da fertilidade e com aconseqüente baixa produtividade das culturas. Epassou então a buscar alternativas. No início, asalternativas à crise localizavam-se dentro dasunidades familiares de produção. Culturas eprodutos tradicionalmente presentes nos sistemasde produção destinados primordialmente aoconsumo familiar passaram a ser priorizados comoprodutos com valor de troca, aumentando o

excedente de produção para a venda. Odesmatamento na região começou a serintensificado e a exploração comercial da madeirapassou a constituir uma atividade comercial comboa fonte de renda (MULLER, 2001).

A fumicultura se tornou uma possibilidadefrente à crise que se instalava, junto a posteruorentrada do milho hibrido e da assistência técnica.O agricultor passou a conviver com os adubosquímicos e agrotóxicos, elementos para além dodomínio prático do conhecimento acumulado dosagricultores. Esses fatores aumentaram adependência do agricultor de fatores externos.Mudanças ambientais ocorreram, além daquelasque diziam respeito à própria organização edinâmica da unidade de produção familiar.Intensificou-se a auto-exploração familiar e anecessidade de mão-de-obra externa,sobrecarregando a dinâmica familiar produtiva.Alguns agricultores resistiram ao plantio do fumo,permanecendo nos métodos tradicionais decultivo. Porem, essa permanência não foi guiadapor questões de ordem econômica, mas porvalores como o resguardo da saúde e cuidado denão expor a família ao trabalho exaustivo exigidopela atividade. (MULLER, 2001, p.82).

Essa transição modernizadora trouxe consigoum processo de dependência econômica etecnológica e a perda de conhecimentostradicionais, da lógica de decisão e gestão, deestratégias e práticas tradicionais e culturais e deum modo de cultivar e de viver. Aliados aosimpactos culturais, à saúde humana e ao meioambiente, intensificaram-se outros problemas deordem ecológica. A necessidade de grandequantidade de lenha para o aquecimento dasestufas de fumo fez com que o desmatamentoaumentasse, levando à perdas da biodiversidadede caráter irreversível (MULLER, 2001).

Segundo a análise de Muller (2001), osagricultores que optaram pela cultura do fumofizeram-no devido às vantagens oferecidas por

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intermédio da integração agroindustrial. Com opassar do tempo, essa realidade, principalmenteem se tratando do crédito agrícola e do maiorrendimento obtido com a cultura, deixou de servantajosa. Por outro lado, as desvantagens, comoo uso dos agrotóxicos e o trabalho exaustivo,inicialmente minimizadas e bem aceitas pelosfumicultores por causa das vantagens obtidas coma cultura, passaram também a contar comoelementos para questionar a atividade.

Em toda a região das Encostas da Serra Geral,na metade da década de 1990, as repercussõesambientais, sociais e sobre a qualidade de vidados agricultores locais eram sentidas e foramreforçadas pela crise da fumicultura e peloconsequente processo de desertificação social emSanta Rosa de Lima (SCHMIDT, 2004).

Em 1996, no entanto, nasce a idéia de umdesenvolvimento sustentável para a região. Umsupermercadista natural do município lançou aosagricultores uma proposta de produção orgânicade hortifrutigranjeiros, oferecendo-lhes a condiçãode fornecedores únicos de sua loja deFlorianópolis. Um grupo de agricultores aceitou odesafio e, já com uma primeira produção emandamento, fundou, em dezembro de 1996, aAGRECO. (AGRECO, 1996).

Finalizando essa breve abordagem histórica naprodução agrícola de Santa Rosa de Lima,ressalta-se que a transição não eliminou todos ostraços tradicionais característicos dacampesinidade dos agricultores locais. Muller(2001), ao analisar indicadores como a presençado milho rústico, a manutenção da diversificaçãodos cultivos, as práticas de rotação de culturas, oconsórcio de espécies, etc, sugere que houve umamodernização parcial, seja em relação à basetécnica do processo produtivo, seja em torno daorganização do trabalho. Manteve-se a lógicafamiliar e preservou-se um sistema de valores,ordenador de um modo de vida peculiar destesagricultores e de sua ética camponesa.

Segundo Muller (2001, p.113) esses foramalguns dos “elementos facilitadores do processode transição rumo a ecologização da agricultura”na região e base para a implantação da AGRECOque tem desafiantes objetivos como expressa seuPresidente em entrevista à autora:

"O que se busca na AGRECO não ésomente a simples conversão a um modelotecnológico. É a conversão de pessoas a umnovo processo de vida. É um aprendizado que,aos poucos, se torna cultura. Cada um faz seupapel, sem voluntarismo ou euforia (...) O queexiste nas Encostas da Serra Geral é umprojeto de vida que não se tira dos habitantesdaquele território" (Presidente da AGRECO,2003).

Resultados

Perfil dos informantesOs agricultores e membros da família são

oriundos da região de Santa Rosa de Lima, RioFortuna e Anitápolis. A origem étnicapredominante dos agricultores entrevistados foi aalemã; somente um dos entrevistados tinha a mãedescendente de índios brasileiros. A média detempo de envolvimento dos entrevistados naprodução orgânica girava em torno de três a cincoanos (quatro produtores) sendo que um delesestava na AGRECO há apenas dois anos e outro,desde o início da fundação da Associação, em1996. O grupo de pesquisados tinha idade médiade 35 anos (o mais novo com 28 anos e o maisvelho com 44), sendo quatro casados e apenasdois solteiros. Foram entrevistados quatroagricultores e duas agricultoras. Entre os casados,dois homens e duas mulheres foram ouvidos. Osdois solteiros eram do sexo masculino.Quanto àescolaridade do grupo, quatro produtorescursaram o ensino fundamental incompleto; umcompletou o ensino fundamental e o outro estava

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finalizando o ensino médio na época. As famíliasdos agricultores entrevistados eram pequenas,com dois a três filhos de idade variada (3 a 21anos) sendo que dois dos entrevistados eramsolteiros e viviam com os pais. Três agricultoresconviviam com os pais na mesma casa e um delesmorava na casa ao lado da sogra. Os pais tinhamidade variando entre 68 e 72 anos. Ocorreu umavariação de renda entre os agricultorespesquisados. Três dos entrevistados que sededicavam exclusivamente à produção orgânicaestavam entre os de menor renda líquida: variandode um a três salários mínimos. Para os outros trêsque, além da produção orgânica, se dedicavam aatividades diversas como o trabalho administrativona AGRECO, a produção artesanal de licores, aprodução convencional de leite e a granja de ovoscaipira, a renda girava em torno 7,5 saláriosmínimos.

No que se refere às condições de moradia,pode-se considerar que todos viviam em boascondições: casas simples de madeira, grandes,mobiliadas e com jardins bem cuidados. A águaprovinha de fonte na propriedade e todos osprodutores entrevistados tinham fossa séptica efonte de energia elétrica. As famílias usavam ofogão a gás juntamente com o fogão a lenha,mantendo a tradição dos colonos. Todas asfamílias visitadas tinham equipamentos e utensílioscomo geladeira, freezer, batedeira, liquidificador,televisão e rádio e duas delas possuíam telefoneem casa. A televisão, que permanecia ligadadurante grande parte do dia na maioria das casas,era a fonte principal de lazer, informação e notíciasexternas entre os produtores.

Todos os entrevistados eram responsáveis ouco-responsáveis pelas unidades de produção. Operfil e a diversidade produtiva das unidades dosagricultores pesquisados variaram bastante.

Os entrevistados, pela própria escolha do perfil,participavam das atividades AGRECO combastante constância - o que não é uma regra geral

entre todos os associados. Vínculos com outrasassociações também são relatados entre três dosseis entrevistados. O trabalho nas propriedadesobservadas era exercido apenas pelos membrosda família seguindo a tradição alemã que tinha nafamília a base nuclear da propriedade

Relações familiares sólidas e estáveis foramobservadas entre as famílias entrevistadas,configurando-se como um indicador de qualidadede vida no que se refere à segurança emocionaldos agricultores. Dentre os seis entrevistados,cinco vivem com os pais (média em torno de 65anos) ou na casa ao lado. É comum o filho maisnovo cuidar da propriedade paterna e dos paisidosos:

"Eu moro com o mais novo na minha terra,mas ficamos sempre próximos de todos. Omais velho mora aqui pertinho, numa terra queeu dei pra ele e agora tô vendendo a terra maisdistante pra deixar pras filhas, que moram maislonge" (sogro de agricultor, 72 anos).

"Eu vivo aqui do lado do filho mais novo,mas meu filho solteiro ainda quer morarcomigo" (sogra de agricultora, 70 anos).Em Santa Rosa de Lima, as estradas não são

pavimentadas e o transporte é bastante precário oque faz com que todos os entrevistados busquemmeio de transporte próprio (moto ou carro).Questionados se essa condição de isolamentoafeta suas vidas, somente um agricultor (solteiro)queixou-se dessa condição.

Os agricultores familiares levam uma vidaárdua. Trabalham uma média de 8 a 12 horas pordia. Essas horas são intercaladas com momentosde descanso, refeições - sempre junto à família - eatividades domésticas variadas. Somente oentrevistado que trabalha na área animal temdedicação de 17 horas por dia, exclusivamente naatividade produtiva. Sente-se sobrecarregado nomomento e considera que “assim não podecontinuar” (agricultor, 38 anos).

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O projeto de desenvolvimento "Vida RuralSustentável" (AGRECO-SEBRAE, 2000) apoiou aformação de agroindústrias, prática presente naépoca da colonização, quando os colonosproduziam em grande parte para a subsistência.Hoje, na produção agroecológica, aagroindustrialização representa uma possibilidadede agregação de valor ao produto agropecuário deorigem orgânica e incentiva a independência doagricultor.

A capacidade de diversificação, que garantiu acontinuidade da reprodução social do grupofamiliar, passou a ser percebida também como umbom negócio dentro da produção orgânica:

"A gente tem uma visão mais clara que podeaumentar muito mais a produção diversificada.Se diversificar a renda vai ser melhor. Antesmeio quase que a gente não enxergava isso"(agricultor, 38 anos).

Todos os agricultores entrevistados têmprodução de policultura para autoconsumo, combase em hábitos alimentares herdados de seusantepassados alemães, ajustados à realidadelocal: leite e derivados (nata, ricota), arroz, feijão,verduras (repolho, batata inglesa couve) e frutas(laranja e banana), ovos e pequenos animais,embutidos, banha de porco, pão de milho, rosca depolvilho e a erva-mate na forma de chimarrão. Oaçúcar, os doces de fruta e a farinha de trigo -introduzida posteriormente na dieta são a base dosbolos, cucas e doces, ingeridos com bastantefreqüência.

Os alimentos adquiridos fora da área deprodução local são o açúcar, a farinha de trigo, ocafé, o óleo de soja, o arroz branco, a farinha demilho e o sal. O restante é produzido napropriedade ou comprado de agricultores vizinhos.

Os entrevistados relataram a reintrodução nadieta de alguns alimentos cuja produção foi

incentivada dentro da ótica da produção orgânica:o açúcar mascavo, o melado e o morango. Oincentivo da produção de carne de porco dentro dosistema orgânico, o porco criado livre, também érecente e foi mencionada pelos entrevistados.

A produção de banha e carne de porco perdeuespaço a partir das mudanças no hábito alimentardo consumidor urbano. Porém, essa prática nãomodificou o hábito do agricultor local de ingerir acarne suína e a banha como fontes de proteína egordura animal. O hábito de consumo demargarina foi relatado somente na família deagricultores que já viveu na cidade e o óleo desoja é utilizado “eventualmente” entre as famíliasentrevistadas, sendo o mesmo percebido comoalimento de má qualidade na visão dos moradoreslocais:

"Eu não tenho nem dúvida que banha émelhor que óleo de soja cheio de agrotóxico, ládo Paraná. E agora o povo gosta e vê que óleoé que não é bom" (pai de agricultor, 75 anos).

A dieta se configura hoje como um dosaspectos centrais de prevenção de doenças elongevidade. Avaliar a dieta de uma comunidadecomo um dos aspectos de seu modo de viver,pode fornecer dados acerca das condições desaúde e qualidade de vida dessa população.Ressalta-se que a manutenção ou resgate deelementos culturais como determinantes depráticas alimentares saudáveis reverbera dentrodos estudos de povos saudáveis como o de Price(2000) e MorioguchI et al (2000) e apresenta-secomo uma estratégia de promoção da saúde.

Qualidade de vida e agricultores familiaresorgânicos: aspectos de saúde humana

Uma das perguntas feita aos entrevistados“você se acha saudável” mostrou-se muito geral etodos responderam que se acham saudáveis.

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Percebeu-se, numa primeira impressão, um grupode agricultores que não se queixa e não se sentedoente. Relaciona-se essa condição a umasituação de satisfação desses agricultores.

As queixas frequentes sobre o estado de saúdepodem estar relacionadas a uma desadaptaçãosocial ao ambiente onde se vive. Barbosa (1996)tenta decifrar os significados que estão por trásdas queixas frequentes e aparentemente difusas. Arealização dos propósitos de vida se torna umacondição essencial para se sentir saudável,independentemente de aspectos pontuais como,por exemplo, a segurança financeira ou a falta dedoença. Essa autora aponta a freqüência com queisso ocorre nos processos migratórios do campopara a cidade, quando o agricultor vai em busca detrabalho: “as idas constantes ao serviço de saúderepresentam uma esperança de, ao depositar nasmãos dos profissionais de saúde que os acolhemsuas dificuldades cotidianas, poderem minimizá-lasou resolvê-las” (BARBOSA, 1996, p.252).

Houve relatos subsequentes de determinadascondições clínicas, ou situações de dores agudasou de incapacidade física que não implicamnecessariamente em pouca saúde para osagricultores. Uma condição satisfatória de saúdedepende largamente da aceitação do paciente dasua condição física e da sua relação entreexpectativa e experiência da doença (CARR;BARRY; ROBINSON, 2001). No último ano todosrelataram “estar bem”, apesar de queixasreincidentes como dores de dente e nas costas.Entretanto, os entrevistados disseram ter tido maisdores de cabeça e mal-estar constantes na épocaem que trabalhavam com a produção de fumo,“hoje não, não se sente mais isso. Tinha umcheiro. Tudo era diferente” (agricultora, 38 anos).

Casos de doenças "dos nervos” foram relatadospelos entrevistados, mas na época da pesquisanenhum deles apresentava sintomas ou tomammedicamentos para depressão. Segundo os

agricultores e moradores locais, o uso decalmantes e antidepressivos é comum na região.Três dos agricultores entrevistados utilizavamantidepressivos constantemente, na época dacultura do fumo. Três agricultores relatam que hácerca de um ano deixaram de tomar essesmedicamentos:

"Eu tomei antidepressivo a vida toda. Jáouvi falar que podia ser por causa do fumo.Parei faz um ano" (agricultora, 32 anos).

"(...)agora parei com o Lorax. Mas tomeimuitos anos" (agricultora, 38 anos).

"Ah, eu achava que era do fumo. Aquelecheiro forte, aquela fumaça branca, só podiadar dor de cabeça e aí eu tomava calmante"(agricultor, 44 anos).

Tais relações foram objeto de estudos dealgumas pesquisas. Estudos da Universidade dePelotas, da Universidade de Santa Cruz do Sul, daUniversidade de Campinas (UNICAMP) e daUniversidade Federal do Rio de Janeirodemonstram que os agrotóxicos utilizadosindiscriminadamente na cultura do tabaco causamintoxicações e distúrbios neurocomportamentais,entre eles, a depressão, que podem levar até osuicídio nos membros das unidades familiares deprodução (Etges et al, 2000 ; Falk et al., 1996;Faria et al, 1999).

Os entrevistados, de forma geral, relatam sesentir otimistas e os pensamentos maispessimistas e sentimentos de insegurança têmcausas no trabalho, na preocupação com asegurança financeira e com o futuro dacomercialização de seus produtos junto àAGRECO.

"Me acho alegre e só fico triste quando agente quer fazer algo e não dá certo, notrabalho, por exemplo" (agricultor, 38 anos ).

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"Pra ser melhor tinha que estar vendendo osprodutos" (agricultor, 44 anos).

"Se o trabalho dá certo é a melhor coisa quetem. Se der rendimento pode pagar alguém prame ajudar. Aí posso ter uma vida maissaudável" (agricultor, 38 anos).

A insegurança nas grandes cidades seconfigura hoje como uma das principais queixassobre qualidade de vida no meio urbano. O medode assaltos, da violência do trânsito e da agressãofísica influencia no estado de saúde mental, nosquadros de depressão e estresse, e por isso oconceito de segurança física e proteção épercebido como parâmetro de qualidade de vida,segundo a Organização Mundial da Saúde(WHOQOL, 1994; WHO, 2000). Perguntados sobreisso, os agricultores entrevistados expressaram sesentir seguros na região; não houve relatos deroubos, assaltos ou violência.

Os dois produtores que buscaram tratamentonatural, fitoterapia receitada por uma “curandeira”da região e dieta macrobiótica indicada por ummédico de Porto Alegre, receberam orientaçãoexterna: “alguém indicou e deu certo” (agricultora,38 anos).

O vínculo com as terapias naturistas, como aHomeopatia e Fitoterapia, condizentes com osmétodos naturais de cura e prevenção de doenças,utilizados nos sistemas sustentáveis de produção,não se estreitou a partir do sistema adotado.Também não existem médicos homeopatas, nemprogramas de fitoterapia nos postos de saúde daregião, o que poderia ser um impulso importantepara a mudança de comportamento entre osagricultores. A adoção dessas práticas terapêuticaspor parte dos agricultores pode estimular aidentificação com uma forma de curar com menosefeitos iatrogênicos e em sintonia com aabordagem preventiva e curativa da AgriculturaOrgânica e deve ser estimulada nas Associaçõesde agricultura sustentável. Atualmente com a

normatização da Política Nacional de PraticasIntegrativas e Complementares, as mesmaspassaram a ser oferecidas em muitos centros desaúde do SUS e faz parte do movimento popularexigir sua inserção nos sistemas locais.

A maioria não busca essas práticas, masacredita nos resultados e ainda corrobora oconceito de prevenir doenças através de umaalimentação saudável:

"Ah funciona pro animal e pra nós também.Mas o que manda (na saúde) é a alimentação.Se for bem alimentado, fica difícil pegardoença" (agricultor, 38 anos, parênteses daautora).

"O tratamento natural é perfeito, mas hoje aprópria alimentação tá fazendo isso" (agricultor,28 anos).

"Saudável a gente é. Não tem poluição,comendo sem agrotóxicos isso é saudável"(agricultor, 38 anos)De forma geral, a dieta dos agricultores

entrevistados pode ser considerada boa comrespeito à origem dos alimentos. Ao avaliarquantitativamente a dieta das famílias dosagricultores entrevistados, constata-se que omaior desequilíbrio quantitativo alimentar aparecena intensa utilização de alimentos a base deaçúcar e farinha de trigo refinados: “Bolo e doce?Todo dia, no café da manhã, no lanche e no jantar”(esposa de agricultor, 37 anos)

O seu consumo excessivo, aliado a incorretahigiene bucal, pode ser uma das causas do altoíndice de cáries e problemas dentários verificadosno grupo observado.

Isso pode ser confirmado na afirmação doscinco entrevistados que relataram visitasfreqüentes ao dentista no último ano, por causa dedor de dentes aguda: “dor de dente tem muito. Agente, as crianças. Mas o dentista é bom(agricultor, 38 anos).

Jacques (2003), em pesquisa anterior, relatou

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que a procura por consultas odontológicas temsido crescente com aumento de 40% de 2001 para2002. Muitos dos agricultores observados, na faixaetária de 30 anos, já têm dentes de ouro e, entreas crianças pequenas, foram observadas cáries edentes de leite já lesados.

Ainda no aspecto quantitativo, o conteúdo defibras provenientes de cereais integrais érelativamente baixo na dieta. Porém, outras fontesde fibra apareceram na dieta das famílias na formade feijão, farinha de milho, alguns vegetais, como orepolho e couve e frutas da época, que eles alega,consumir “bastante”.

A princípio, o consumo de proteína animalpareceu ser equilibrado, com fontes diárias evariadas de ovos, leite e carnes de porco e frango.A ingestão de gordura à base de banha de porcoparece ser adequada à região, sendo a mesmauma gordura natural e de boa origem, consumidanessa região montanhosa de clima semi-temperado e ajustada às referências culturais dosagricultores. Dentro de uma dieta equilibrada emfibras, associada ao baixo sedentarismo, poucouso do fumo e baixo nível de estresse, a banhanão deve ser considerada como a principalagravante das doenças cardiovasculares. Entre osentrevistados não houve casos de doençascardiovasculares ou disfunções afins comoobesidade, hipertensão e diabetes. Entretanto, talresultado difere muito da média dos habitanteslocais que seguem as tendências nacionais; noano de 2002, os dados do SIH apontam asdoenças cardiovasculares como a segundaprincipal causa de hospitalização no municípiosegundo entrevista com o médico de Santa Rosade Lima.

Os produtores entrevistados relatam boamobilidade, capacidade de trabalho eindependência. São ainda jovens, com média deidade de 35 anos, mas foram comuns relatos dedores nas costas e artrose entre a populaçãoobservada e entre alguns dos entrevistados. Isso é

atribuído ao carregamento de peso e à posiçãovertical por horas seguidas, próprias do tipo deatividade agrícola. Algumas doenças reumáticaspodem ter causa genética e alimentar, associada auma dieta rica em alimentos refinados e açúcar epobre em vitaminas e minerais (PAGE, 1999).

A metade dos entrevistados relatou ter boaatividade cerebral e facilidade para aprender ereter novos conhecimentos. Três dos entrevistadosdizem ter uma “memória fraca, tem que anotar ascoisas” (agricultor, 44 anos).

Entre a população idosa também se percebeuboa mobilidade e disposição para o trabalho,aliando longevidade com saúde. Com a média deidade de 70 anos, muitos deles continuamrealizando serviços na propriedade, ajudando osfilhos e netos:

"Vou mancando, mas vou fazendo tudo quepreciso fazer. Ficar parado é que mata" (pai deagricultor, 72 anos).

"Tenho dor nas costas, mas faço um poucode tudo por aqui. Ajudo, devagar agora" (mãede agricultor, 64 anos).

"Minha mãe (68 anos) é que faz tudo nacasa. Se bobear ela faz mais que a gente"(agricultor, 38 anos, parênteses da autora).

Percebeu-se entre os entrevistados eobservados um baixo nível de sedentarismo pelaintensa atividade laboral dentro de casa ou nocampo, pouco uso de tabaco e alguns relataramter um “ritmo de vida mais tranqüilo”.

Acredita-se que as atividades profissionaismenos sedentárias propiciam maior mobilidade aolongo do tempo. A falta de exercícios físicos, autilização prioritária de carros e outros meios detransporte motorizados e as atividadessedentárias, comuns nos centros urbanos estãorelacionados à problemas de mobilidadediagnosticados em faixas etárias cada vez maisjovens (USDHHS, 2000).

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Entre os entrevistados, o uso do fumo (tabaco)é raro entre eles. Da mesma forma, não houvenenhum relato de consumo regular de álcool entreos agricultores casados; apenas dois deles,solteiros, relatam uma ingestão regular nos fins desemana: “uns bebem por aí, né. Mas não é bemvisto a cachaçada aqui não” (pai de agricultor, 72anos).

Entretanto, seguindo tendências nacionais esegundo entrevista com o médico do município ataxa de alcoolismo é alta entre a população. Elemenciona um estudo ainda não publicadorealizado na escola da região de Santa Rosa deLima, que verificou que as crianças começam aingerir as primeiras doses de álcool ao redor denove ou dez anos de idade.

De acordo com o presidente da AGRECO, oconsumo de álcool sempre fez parte das festas esituações sociais dos colonos alemães, como um“ingrediente indispensável”. Ele ressalta ainda que,como em outras populações rurais onde oconsumo do álcool é desequilibrado, a falta deperspectiva social e a descaracterização daidentidade do agricultor colaboraram para oaumento do consumo, que saiu do âmbito da“bebedeira social” para o alcoolismo. A aceleraçãoda infância e a exposição precoce de crianças aomundo adulto podem contribuir para o consumo deálcool na infância, porém a maior incidência éverificada entre os jovens como busca deafirmação e segurança.

Os entrevistados relataram sono regular eininterrupto, com uma média de sete horas pornoite. Os agricultores acordam entre 5h30 e 6h30 edormem pouco depois das 21h30. A intensaatividade física do dia contribui para um sonoprofundo à noite. Alguns relatos confirmam:“Insônia? Quem trabalha pesado não tem isso não(agricultor, 38 anos). Ou ainda: “Caio na cama, ànoite, que nem vejo mais nada. Cansaço mesmo”(agricultor, 38 anos).

Um ritmo regular entre sono e vigília éassociado a uma vida saudável e é uma condiçãoessencial de saúde. A imensa atividade catabólicadurante a vigília acarreta o retorno incisivo àinconsciência do sono que, muito além de umasimples situação de repouso, é uma ativa fasecurativa do organismo. Paracelso (1493-1541), noséculo XVI, falava do sono como o nosso “médicointerior” (BÜHLER, 1987, p.6).

A seguir serão explorados os aspectossócioambientais e culturais de saúde,considerando o entrelaçamento e a amplitude deseus domínios no conceito e qualidade de vida.

Qualidade de vida e agricultores familiaresorgânicos: aspectos sociais, ambientais e culturais

Com o objetivo de avaliar o sentimento de“inferioridade secular do camponês”, o primeiroconceito subjetivo observado foi o de auto-estima(KAYSER, 1987 apud WANDERLEY, 2000, p.114).Perguntou-se aos agricultores: “se vocêspudessem mudar algo no seu corpo ou no seujeito de ser, o que desejariam?”. Com relação àsua percepção corporal, física, demonstraram umarelação de aceitação de seu corpo e poucavontade de mudar algo em si mesmo: “ah, tá bomassim, né?” menciona um agricultor de 38 anos e“nunca pensei nisso não” e “a gente nasceu assim,a gente deveria ficar assim. Não tem quemudar(...)”, reiteraram outros, de 44 anos e 38anos respectivamente.

Entre os entrevistados somente as mulheresrelataram querer mudar algo no corpo. Umaagricultora mencionou o desejo de “ser loira” e aoutra, a única agricultora que já viveu na cidade,fora do ambiente rural, deseja “um corpo melhor,sem barriga”.

Com relação às mudanças no modo de ser,quatro relatam que gostariam de se expressarmelhor e superar a timidez. Essas respostastiveram um tom confidencial e foi um momento

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tocante da entrevista:

"(...) falar melhor as coisas; (agente) sabecomo é, mas não consegue explicar certinho;isso teria que mudar. Queria mesmo era falarcomo (Fulano) que se expressa tão bem"(agricultor, 38 anos, parênteses da autora).

"Eu queria saber conversar mais, ser maisalegre" (agricultora, 38 anos).

"Eu queria ser mais falante" (agricultora, 32anos).

"Eu queria ter mais coragem pra falar"(agricultor, 44 anos).

No âmbito das relações sociais ocorre umprocesso recente na região atribuídoprincipalmente ao desenvolvimento da AgriculturaOrgânica e do agroturismo. Os agricultores têmsido alvo de inúmeras pesquisas acadêmicas, deentrevistas com jornalistas, de técnicos da área deagricultura e turismo, todos atraídos pelaimplantação dos novos sistemas produtivos naregião. Além disso, há o contato direto comturistas, que passaram a visitar a região.

Tais contatos parecem incitar em alguns aexposição, o desejo de melhorar suas formas deexpressão e de manifestação de suasnecessidades:

"Quando eu vi eu tava lá na frente e tive quefalar pra um monte de gente. E falei! Foi bom"(marido de agricultora, 38 anos).

"O que mudou na qualidade de vida dessesagricultores foi o fato de eles terem se tornadopessoas dispostas a fazer intervenção, comoqualquer cidadão integrado ao processo social.O agricultor participando do processo. Quandoele questiona o que está havendo, critica osprocessos, ele está se comprometendo com umnovo processo; fazendo a parte dele no seucompromisso de querer melhorar de vida"(Presidente da AGRECO).

Para Paulo Freire (1987, p. 24), o diálogo e apossibilidade da expressão são exigênciasexistenciais e “existir humanamente é pronunciar omundo”. A possibilidade de expressar seusdesejos de “falar melhor as coisas, saberconversar, ser mais falante e ter mais coragem”(agricultor, 38 anos) indica uma mudança deconsciência do papel do agricultor familiar nasociedade e na sua auto-estima. Percebe-se que oagricultor, ao se sentir valorizado, cultiva em simais confiança e é estimulado a interagir no seumeio. Esse relato mais explícito foi encontrado notrabalho de Heuser (2002) que pesquisouqualidade de vida e agroturismo entre agricultoresda AGRECO:

"Eu vejo que as pessoas estão valorizandoisso que eu estou fazendo, que eu estou certo,elas passam confiança pra gente, aumentam anossa auto-estima. Às vezes um professor dauniversidade, um doutor, até mesmo outrosagricultores que chegam e dizem que isso ébom, que a comida é gostosa, é saudável, queisso aqui é que é qualidade de vida, faz comque a gente se sinta até orgulhoso. Resumindoem poucas palavras, isso dá confiança, auto-estima, tu tens a certeza de que isso que tuestás fazendo está certo. Pra mim o que marcamais é isso" (agricultor apud HEUSER, 2002,p.101).

Desenvolver a auto-estima e a aceitação de sipróprio são formas de expressar a satisfação como meio em que se vive. Condições dedesemprego, insegurança afetiva ou financeira,medo de violência, temores em relação à saúde eincredibilidade na esfera política podem gerar emuma pessoa uma espécie de crescenteinstabilidade emocional que vai do sentimento depessimismo até a apatia e abulia, onde se alcançao mais baixo nível de auto-estima (BARBOSA,

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1996).O conceito de empowerment, definido por Sen

(2001) como a ampliação das possibilidades decontrole, por um sujeito ou uma população, dosaspectos significativos relacionados à sua própriaexistência, pode contribuir para apoiar essadiscussão e é central para averiguar condições desaúde e de qualidade de vida de um grupo oupopulação.

O meio social da comunidade estudada ébastante acolhedor. Eles se sentem apoiados pelafamília e também pelos amigos e vizinhospróximos. O espírito familiar e social, a noção defamília, o sentimento dos deveres de cadaindivíduo, o respeito aos mais velhos e asegurança afetiva que mantinham as comunidadesteuto-brasileiras observadas por Roche (1969),também constituem a base da racionalidadecamponesa no que diz respeito à lógica familiar. Afusão nas comunidades locais, como a família egrupos de família da mesma vila são umatendência das colônias alemãs, como observa omesmo autor. Essa tendência, bem como a relaçãopróxima e afetuosa com a família, filhos e irmãos, etambém com os pais idosos, aparece comfreqüência entre os entrevistados e a populaçãoobservada. Foi muito comovente perceber arelação de respeito com os mais velhos e aproximidade entre os membros da mesma família:

"Sozinho a gente não se sente aqui, não.Tem muita família pra ajudar e pra contar"(agricultor, 28 anos)

"Tem muito parente por aqui. Morar com amãe é bom... a gente não precisa de cuidardela, ela é lúcida. Ela é que cuida da gente.Mas, quando precisar, eu cuido dela, ué!"(agricultor, 38 anos).

"Eu nem sei sabia que existe isso (asilo paraidosos) e nem o que era é isso. Só na cidademesmo... "(esposa de agricultor, 37 anos, nosso

parênteses).

O apoio de amigos e de familiares determinauma dimensão importante de qualidade de vidaque diz respeito à segurança afetiva. O serhumano é um ser social e vivenciar essa condiçãodetermina sua motivação para realizar coisas,trabalhar, dividir seu espaço e crescer, a partir dasreferências de trocas afetivas.

Os pesquisados relataram que gostam de viveronde estão e que não mudariam para outro lugar."Nunca pensei nisso”, afirmou um agricultor de 44anos. “Gosto de ficar aqui, não sou escravo”, disseoutro de 38 anos. Optar por onde se quer viver eviver com quem se gosta são fatores quedeterminam uma condição de satisfação, base deum viver saudável.

Entre os filhos adolescentes dos agricultorespesquisados, também é visível a boa relação como lugar e com a família. Quatro deles, interrogadossobre o desejo de viver em outro lugar,responderam gostar muito da região. Elesrelataram que têm a intenção de sair para estudarna capital, para fazer faculdade, cursos decomputação ou aperfeiçoamento e de voltar paratrabalhar nas agroindústrias e nas propriedadesdos pais. O estudo de Jacques (2003) menciona avalorização do espaço rural de Santa Rosa deLima por parte dos jovens locais como tendênciaoposta ao êxodo rural de jovens, observado emvárias regiões do país. Neste sentido, indica queos projetos desenvolvidos pela AGRECO“favorecem a reprodução social camponesa” eapontam uma futura revitalização do rural porparte desses jovens (JaCQUES, 2003, p.49).Projetos desenvolvidos nessa perspectiva apostamno surgimento de um novo contexto de qualidadede vida no meio rural.

O presidente da AGRECO, nascido na região,também observou essa tendência entre os jovens:

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"Enquanto filho de agricultor, eu percebo umsentido de retomada. Como filho de agricultor,eu tenho recordações muito positivas dainfância em Santa Rosa de Lima, de meus paisagricultores que, mesmo com dificuldadesfinanceiras, garantiam para seus filhos umacondição de vida segura. Segurança na vida...Relação e uma vivência rica com a natureza.Então, ver esses agricultores oferecer isso aseus filhos, eu vejo como uma retomadasignificativa na qualidade de vida. Porque essesfilhos querem voltar ou ficar por perto, namedida em que a perspectiva de vida melhorou.Essa ambição boa de querer mais é regra hoje;os filhos querem estudar. Filhas de agricultoresdas Encostas da Serra que trabalham comodoméstica na capital, mas que fazem junto ocursinho pré-vestibular e conseguem passar naUniversidade Federal. Acredita que é possível.Os agricultores acreditam que são diferentes,mas que não precisam ser tão desiguais"(Presidente da AGRECO, 2003).

Foi observado o fato de os agricultores deambos os sexos dividirem responsabilidadescomuns no trabalho na propriedade. Um dosobjetivos do projeto de agroturismo para osagricultores familiares da AGRECO, além deestimular a Agricultura Orgânica, era o de gerartrabalho e renda para as mulheres naspropriedades. Segundo Heuser (2003), asmulheres encarregam-se hoje da maior parte dasatividades de agroturismo. Isso gera, além demaior renda e participação feminina naassociação, uma sobrecarga de afazeres, uma vezque as mulheres também são responsáveis pelosserviços domésticos e pelo bem-estar da família.Jacques (2003) observou esse fato na suapesquisa com agricultoras orgânicas e apontou aoportunidade de formas igualitárias de trabalho eopções de atuação fora do ambiente domésticocomo tendências urbanas que se estabelecem no

meio rural.Somente uma das agricultoras continua

estudando e se preocupa em obter novosconhecimentos dentro do sistema de ensinomunicipal. A preocupação dos agricultores comsua formação é percebida pela grandeparticipação no Centro de Formação. Trintaassociados estão envolvidos nas atividades dessecentro e quatro dos agricultores entrevistadosparticipam delas.

Quando questionados sobre oportunidades deadquirir novas informações, dois agricultorespercebem o contato com a AGRECO e com oagroturismo como uma oportunidade paraaprender coisas novas e conhecer pessoas:

"A gente sempre plantava pra comer. Entãoa agricultura orgânica só tirou o agrotóxico.Mas o que mudou muito foi com o resto... Issodeu uma mudança de vida grande. Só com aagricultura orgânica e o agroturismo vinhanovos conhecimentos, outras pessoas. Antes agente passava o mês inteiro e não via umapessoa diferente se não saía da sua casa. Hojenão, (a gente) vê, recebe as pessoas econhece outras regiões, como elas vivemfalando. Fala como é aqui e elas falam como éque é lá. É tipo uma escola" (agricultora, 38anos).

"Mudou que a gente tem uma perspectivade vida. Antes a gente não tinha. A genteplantava fumo, por plantar. Empurrava com abarriga. (...) a gente tá como que na faculdade.Tem horas que dá medo, (tem horas) que agente acredita mais, tem horas que acreditamenos" (agricultor, 28 anos, parênteses daautora).

Para todos os agricultores, o fator renda não seconfigurou como aspecto positivo de permanênciano sistema orgânico de produção. Todosdemonstram insatisfação e muita preocupação

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com a forma de comercialização de seus produtos:

"No sistema de venda que tá agora... Agente não tá recebendo. O problema tá nacomercialização..." (agricultor, 38 anos)

"A venda dos produtos podia ser mais"(agricultora, 38 anos)

"Se a gente conseguir vender mais, o restotá tudo bem" (agricultora, 32 anos)

"Pode melhorar na questão financeira,vendas, uma condição boa, alguma outra coisaque tá faltando, um computador. Ter um planode saúde formado pela própria associação. Agente sempre quer mais" (agricultor, 28 anos).

"Olha trabalho tem... No momento devia teruma renda mais garantida, mais fixa. Que agente soubesse que vai dar... Do trabalho eunão me queixo, eu não me importo detrabalhar" (agricultor, 44 anos)

"Pra melhorar?...Primeiro lugar administrar acoisa um pouco melhor, aproveitando osrecursos naturais que dá prá aproveitar edepois disso vem quase por si o resto"(agricultor, 28 anos).

Chamou atenção a distância que eles mantêmda associação quando referem-se às questões decomercialização. Todos se referem a AGRECOcomo um terceiro e nunca falam “nós” ou “nós daAGRECO”: Apesar do objetivo desse trabalho nãoser o de avaliar a relação dos agricultores com aAGRECO, pode-se dizer que essa relação nãoparece estável e a dinâmica da mudança de vidapor que passaram os agricultores, desde o iníciodo processo associativo, ainda não é totalmentecompreendida por todos. Em muitos momentos dasentrevistas, a AGRECO foi mencionada comoentidade externa, não incorporada à vida dosagricultores. Os agricultores usufruem certasmudanças ocorridas em suas vidas a partir daassociação com a AGRECO, mas se colocam

como externos ao processo, prontos a “largar obarco se ele afundar” (agricultor, 38 anos).

"(...) O grande problema da Agreco é acomercialização. As barreiras que estão nomeio. Nós deixamos pela Agreco. Se eles nãovenderem, não colocarem na merenda, a gentevai colocar noutro lugar. Eu não queria sair forada Agreco (...)" (agricultor, 38 anos).

Com certeza uma renda adequada contribuipara a segurança financeira, para a auto-estima epara a melhoria da qualidade de vida do agricultorfamiliar. Para avaliar as dificuldades econômicaspor que passam os agricultores familiaresorgânicos pesquisados é importante remeter àdinâmica da associação apresentadaanteriormente.

As noções de que a Agricultura Orgânica não épercebida somente como sistema produtivo e queo aspecto financeiro não é o maior motivo depermanência na atividade já foram verificadas empesquisa sobre o perfil dos agricultores orgânicosem Santa Catarina (Oltramari; Zoldan; Altmann,2002). Essa constatação pode levar aoreconhecimento da Agricultura Orgânica comopromotora de desenvolvimento rural, a partir daspremissas que remetem ao resgate cultural e dosvalores locais. Nesse prisma, a AO torna-se uminstrumento de promoção de qualidade de vida.

Considere-se que, de forma geral, o meio ruralé, hoje, associado a uma melhor qualidade devida, especialmente pelos habitantes das cidades.Esse fato contribuiu para valorizar as tradições e acultura do homem do campo. Essa valorização é,também, uma oportunidade para o agricultorfamiliar reforçar sua identidade e redescobrir suaprópria cultura de origem, que foi parcialmentedescaracterizada durante o processo de transiçãoagrícola que se estabeleceu na região:

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"(...) Eu... a família aprendeu muito depoisque começou (com AO e o agroturismo).Sentiu-se até melhor... recebe as pessoas, elasgostam do que a gente faz. Antes eu fazialasanha, quando vinha turista. Agora, façogemüse (prato a base de repolho ou couve ebatatas cozidas) com carne de porco e o povoadora. E eu pensei: nossa, eles gostam do queé nosso jeito" (agricultora, 38 anos, parêntesesda autora).

A prática da Agricultura Orgânica e o contatocom a associação parecem ter trazido àconsciência a importância do papel do agricultor,que repercute na sua auto-estima e na descobertado seu lugar na sociedade:

"Se um agricultor deixa a roça é umproblema: mais um desempregado na cidade.Mas se um agricultor orgânico deixa a roça, temdois problemas: mais um desempregado eoutro problema para todos, porque se deixou decuidar da natureza, do ambiente, das águas"(agricultor, 38 anos).

Além do enfoque de valorização da identidadedo agricultor familiar, a Agricultura Orgânica seestabelece como proposta de desenvolvimentosustentável, não somente com bases produtivistasou de retorno financeiro, mas considerando seupotencial em promover mudanças na qualidade devida do agricultor familiar:

"O serviço não é mais tão pesado... Nãomudou muita coisa... A mentalidade mudou. Agente tem mais consciência que se usaagrotóxico tá prejudicando a si e aos outros eque tem que preservar a natureza.(...)"(agricultor, 38 anos,).

"Eu me sinto seguro. Não é que se podedizer tal dia eu tenho tanto dinheiro pra talcoisa... Isso não! Mas eu acho que dá pra viver

melhor agora" (agricultor, 38 anos)."Não melhorou muito em questão de

dinheiro, mas a qualidade de vida, o trabalho eo conhecimento, isso mudou bastante. (...). Issoé uma forma... não de dinheiro. Podia sermelhor de dinheiro. Mas a gente tem que olharesse lado, não só financeiro" (agricultora, 38anos).

"Mudou que a gente tem uma perspectivade vida. Antes, a gente não tinha. A genteplantava fumo... Por plantar. Empurrava com abarriga..."(agricultor, 28 anos).

Muller (2001) corrobora essa visão quandodisserta sobre a adoção da Agricultura Orgânicacomo propulsora da qualidade de vida que superaa racionalidade meramente produtivista daagricultura:

"Neste sentido, é de fundamentalimportância para o agricultor familiar apossibilidade de poder construir um "ambientesaudável", em relação ao lugar que optou paratrabalhar, mas também para viver. Assim, pode-se dizer que a prática agroecológica, de certaforma pode fazer juntar "o útil ao agradável",contribuindo para a realização do agricultorfamiliar não somente na esfera produtiva eeconômica, mas também enquanto sujeito"social e cultural", mediante a possibilidade deresgatar ou mesmo de reproduzir os atributosde sua "campesinidade", enfim, de seu "modode vida".(...).Essas representações tambémultrapassam a realização econômica como aprincipal dimensão da produção agroecológica"(MULLER, 2001, p.188-189).

Como visto, todos os agricultores pesquisadostrabalharam no passado com a fumicultura. Amaioria buscou outra atividade antes da produçãoorgânica. Ou seja, a opção pela AO não substituiuimediatamente a fumicultura, com exceção de umdos entrevistados que saiu diretamente do cultivo

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de fumo para a produção orgânica. Ficou claro queesse cultivo não dava nenhum prazer aosagricultores e não fazia parte de sua culturaagrícola:

"(...) Antes eu trabalhava comfumo...Trabalhar comum é terrível, né? A gentepassava mal, assim e enjoava do fumo, davamuita dor de cabeça. Hoje a gente não sentemais nada disso. A gente conhece coisasdiferentes, mais pessoas. Quando eu trabalhavacom fumo, eu detestava trabalhar na roça. Hojenão. Hoje eu gosto" (agricultora, 32 anos).

"(...) ver a porca solta, que cria os filhos semdor... Sozinha... Produção orgânica é maisbarata e eu fico mais satisfeito, com menostrabalho (...) Nunca gostei de usar agrotóxico...Gostei desse lado orgânico. Nunca gostei doporco preso dentro da granja. O porco éestressado, sem poder caminhar. É até maisprático o orgânico. É um jeito fácil de fazerdinheiro, o orgânico. Porque produzir napropriedade não precisa fazer grandequantidade" (agricultor, 38 anos).

"O trabalho hoje é mais tranqüilo. Não mexercom veneno e ser um trabalho bom, umtrabalho limpo, assim... Que o fumo é bastantesujo! Primeiro usava veneno em pó; depois veioo líquido que não contamina tanto e prejudicamenos. E a gente gosta assim" (agricultor, 44anos).

Muller (2001, p.111) questiona o que levougrande parte dos agricultores de Santa Rosa deLima a desistir do cultivo do fumo e concluiu que“não era uma atividade que se fazia com gosto...”.Sua pesquisa apontou a opção pelo sistemaorgânico de produção como uma alternativa quemobilizou os agricultores familiares. Essa opção foitomada não somente a partir de valores de ordemeconômica, mas primordialmente por valores

fundamentais como o resguardo da saúde e abusca de uma atividade mais gratificante eprazerosa.

Ter um trabalho dignifica a vida de um cidadãoe fazer o que se gosta e ter a liberdade para tal éum dos grandes desafios a serem alcançados napromoção da qualidade de vida. Para Waitzin(1980), a insatisfação no trabalho e a infelicidadegeral são fatores considerados na etiologia dedoenças.

Os agricultores entrevistados expressaram suasatisfação em trabalhar e viver desse trabalho,relacionando essa condição a uma situação desaúde e qualidade de vida, já apresentadaanteriormente. Muller (2001) relata a satisfaçãodos agricultores ao deixar a fumicultura e passar àprodução agroecológica. Essa transição permitiu oresgate de uma forma de trabalhar com maisprazer e satisfação, com conseqüências na auto-estima e bem-estar do agricultor.

Para alguns agricultores, ser saudável dependedo tempo dedicado ao lazer e isso se configuroucomo uma necessidade, especialmente entre osdois agricultores solteiros.

"Tem que ter lazer, ter o horário de serviço etambém o de descanso. Hoje isso não épossível, então não é saudável (...) A gente tátrabalhando mais... 16, 18 horas por dia...Agora, com o frigorífico, sem poder pagarempregado, tem que cuidar da propriedadetambém... As duas atividades... A gente tentapra ver se melhora, mas tá mais difícil. Pelomenos, no outro serviço chegava sábado edomingo não tava trabalhando direto"(agricultor, 38 anos)

"Ah só dá pra ter qualidade de vida se tiverconforto, um bom carro pra sair e passear (...)"(agricultor, 28 anos).

Percebe-se que as necessidades e a noção de

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qualidade de vida ligada ao lazer dependem dafaixa etária e do estado civil.

Nos fins de semana, quatro entre osentrevistados relatam apenas o dia de domingocomo livre e a principal atividade de lazer são asvisitas familiares. Dois entrevistados solteirosrelatam que a partir de sábado à tarde, durante odomingo e pelo menos uma noite na semanafreqüentam festas e jogos de futebol no “Clube daQuinta”. Nenhum agricultor entrevistado tira fériasanuais:

"Tem dias que dá [pra descansar], mas agente sai pouco... Visita parente. Mas férias,nunca tirei férias. Sai de manhã, volta ànoite."(agricultor, 38 anos, parênteses daautora)

"Lazer é com família, na casa de irmãos,cunhados... "(esposa de agricultor, 44 anos).

A religião dominante dos entrevistados é oCatolicismo. A participação em missas dominicaisé ocasional, uma a três vezes no mês. Somenteum dos entrevistados relatou participação fora dasmissas, em encontros de casais promovidos pelaigreja. Eles parecem manter o vinculo com a igrejaporque nela se casaram e/ou foram batizados ouporque seus pais assim o faziam. A grandemaioria não reza todo dia, mas acha importante ovínculo com a instituição católica como uma formade preservar relações sociais e de manter atradição familiar:

"(...) não vou todo domingo, sou meiorelaxado... 40% a gente vai...Também pareceque influencia um pouco, a religião é difícil deexplicar, mas ajuda um pouco. Rezar todo dia,isso não. No certo, deveria... Mas se nãofazendo coisa mal – mal pro outro – já é algumacoisa" (agricultor, 38 anos).

"São eles (os pais) que levam a gente pra

igreja. Religiões todos devem ter e devem ficarnaquela que foram batizados. Com devoção, ébom rezar. Se for pra pensar besteira, entãovou pra outro lugar, saio da igreja" (agricultor,38 anos).

"Já vem da família. Os avós já eram. Ospais já eram. Pra mim, religião é tudo igual"(agricultor, 28 anos).

Jacques (2003) verificou em seu estudo umainfluência maior das atividades pastorais católicasnas festas, reuniões e atividades de grupos deagricultores do município. A autora questiona seesta relação pode ser estendida à organização dosagricultores em geral e se ela não se constituiu “abase a partir da qual as atividades da AGRECOforam iniciadas” (JACQUES, 2003, p.51). A igreja,nesse contexto, estimula as relações sociais.

O domínio de “espiritualidade e crençaspessoal” considerado pela OMS no contexto daqualidade de vida não foi amplamente exploradonesse trabalho. É possível relacionar esse domíniocom a AO a partir da faceta de “filosofia de vida”.Pesquisas de Oltramari; Zoldan; Altmann (2002) eKaram; Zoldan (2003) apontam essa faceta comofator de comprometimento com a AgriculturaOrgânica. O termo em si, filosofia de vida, é amploe não foi explorado nas pesquisas mencionadas,mas pode ser relevante à medida que se sabe quealgumas correntes da AO, como a Natural deMokiti Okada e a Biodinâmica de Rudolf Steiner,têm como base de suas relações produtivaspropostas espirituais e religiosas baseadas naaproximação do ser humano com a natureza,promovendo, dessa forma, a autoconsciência ecrescimento espiritual do agricultor orgânico.

A agricultura natural, segundo Okada, não éuma ciência como a agronomia, mas é umaciência espiritual que tem como ponto centraltodos os seres vivos e como finalidade primeira,purificar e revitalizar o meio ambiente deste

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planeta. O alimento produzido pela agriculturanatural é portador de “energia espiritual” e por istodeve ser privilegiado pelos consumidores(Fundação Mokiti Okada, 1998).

A filosofia antroposófica de Steiner sugere quea prática da agricultura biodinâmica é uma formade desenvolvimento de cognição espiritual atravésda revitalização da terra, da produção de alimentosde qualidade que nutram corpo e espírito e dodesenvolvimento de uma nova forma derelacionamento com o próximo e com o ambiente.Para Steiner (2000), manter o ambiente saudável,através da ação humana, é contribuir para mantero ser humano saudável, permitindo que semantenha a terra como local de evolução espiritualaté que o homem alcance estados superiores deconsciência. Sob essa ótica, a prática daagricultura orgânica torna-se instrumento darevitalização do conceito de consciência espirituale da religiosidade do ser humano ao preconizarpráticas de cuidados e respeito à natureza e aoplaneta, além de uma relação mais saudável edignificante com todas as formas de vida.

Na articulação entre qualidade de vida equestões ambientais, percebe-se que aspreocupações com o ambiente estão presentesentre os agricultores. A consciência da importânciade preservar a natureza é expressa de muitasformas:

"Eu tenho uma picada de mata virgem que émeu xodó. Vale que nem ouro pra mim. Aqui agente quer preservar a natureza. Precisa vermeu irmão, no Paraná. Só campo de soja, semárvores, sem rio limpo. Não dá pra ficar comolá. Uma judiação" (pai de agricultor, 72 anos).

"Agora os rios são pequenos, estãodiminuindo. Já foram mais bonitos, mas com aagricultura sem veneno pode melhorar. Vocêacha que a falta de chuva é por causa dosvenenos?" (sogra de agricultora, 70 anos).

"[O veneno] não fica só na lavoura. Nachuva que vem a tarde, vai tudo pro rio. Ovizinho dizia que sentia, à noite, o cheiro doveneno na cachoeira. E era um rio grande...Agora melhorou. E a gente não quer mais isso"(agricultor, 44 anos, parênteses da autora).

A natureza no mundo rural está para o campoassim como o ambiente arquitetônico está para omeio urbano. A natureza preservada eleva aqualidade estética deste meio ambiente tornando-o uma paisagem, e assim, uma parte integrante dacultura (KAYSER, 1994). A partir dessaconstatação, avaliar o ambiente externo permitetecer considerações sobre a cultura e a forma deviver de quem o habita. Barbosa (1996) aponta acomplexidade da relação entre qualidade de vidae ambiente alterado, e levanta aspectos objetivosque comprometem diretamente as condições desaúde dos seres humanos nos meios urbano erural: poluição do ar, qualidade da água, uso deagrotóxicos, derrubada das florestas, entre outros.A preocupação com esses aspectos demonstra osenso de responsabilidade desses agricultorescom a saúde individual e coletiva.

Ainda dentro da noção de cuidado ambientalpercebe-se que os agricultores cuidam de seusjardins, dos arredores e da higienização da casa,dos utensílios e da comida. Vestem-se comsimplicidade e se preocupam com sua aparência ecom a higiene pessoal e de seus filhos:

"Hoje são importantes as questões dehigiene e de embelezamento do local ondevivem. Os agricultores se vestem melhor. (...)São vários aspectos que demonstram que osagricultores se apropriaram do processo"(Presidente da AGRECO).

"Com o agroturismo, a gente tem que estarcom a casa, e a gente mesmo, em ordem. Pranão passar vergonha quando chega o

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hóspede" (esposa de agricultor, 38 anos).

Esse cuidado expressa preocupação com “osde fora” e os insere como atores importantes noprocesso de apreensão do território. Pensar oresgate da identidade e do território rural implicarepensar as relações urbano-rurais, quenecessitam ser renovadas. Os atores urbanostornam-se “fios condutores” desse processo, atuamcomo agentes cooperadores da revitalização domeio rural, valorizam os agricultores e osestimulam a travar novos contatos e encontraroutras realidades:

"Quando as pessoas elogiam nossotrabalho, nossa casa, nossa comida, nossentimos muito valorizados. Eu acho que essaspessoas que vêm são muito importantes porquevai valorizando o lugar, o lugar vai indo para afrente. Eles vêm vindo e incentivando também,pois eles também incentivam a gente. A genterecebe mesmo de coração, fazemos o quepodemos para agradá-los" (agricultor apudHEUSER, 2002, p.103).

"Ah, aqui vem gente do Canadá, da França...e a gente fica pensando, quando que esse povovinha aqui antes? Aí abrem oportunidades pragente ir, pros nossos filhos conhecerem outroslugares. Isso mudou muito de uns tempos pracá. Antes não vinha ninguém de fora. A genteconhecia todo mundo. Agora passa gente poraqui e nem sei quem é. Vou pra Florianópolis econheço um monte de gente lá. Minha filha játem onde ficar pra estudar no cursinho. Isso ébem bom" (agricultora, 38 anos).

"Meu irmão me falou que era loucura abrirpousada na casa e receber gente estranha, defora. Eu disse pra ele: quem vem é às vezesmelhor do que quem mora aqui. E a genteconhece tanta coisa nova, de outros lugares...Eu gosto de conversar com os turistas. Até

agora só veio gente boa" (pai de agricultor, 72anos).

Considerações FinaisPode-se afirmar que o estudo de campo ajudou

a estreitar a relação entre qualidade de vida eAgricultura Familiar Orgânica. Se observados emconjunto, os dados pesquisados relacionados asaúde humana (relato de dores, uso demedicamentos, frequência de tratamento,qualidade da dieta, mobilidade, atividade cerebral,sedentarismo, uso de fumo e álcool e ritmo desono e vigília) podem ajudar a caracterizar oestado de saúde dos agricultores como bom, masessa afirmação depende de outras variáveis nãopassiveis de identificação no estudo e campo. Ede qualquer forma, somente esses indicadoresnão podem determinar a qualidade de vida dosagricultores. No estudo, a sua qualidade de vidafoi percebida para além dos limites das condiçõesde saúde e integridade física, partindo dapremissa que tal noção de está intimamenterelacionada às expectativas individuais e temsuporte em dimensões subjetivas.

As facetas mais subjetivas não foramrelacionadas pelos agricultores como aspectos dequalidade de vida. Entretanto, elas foram nesseestudo, percebidas como tais e valorizadas comoaspectos determinantes de uma vida comqualidade. Entre elas está a convivência dosagricultores dentro de um contexto de segurançaafetiva, com base em relações sociais e familiaressólidas e estáveis. Também o fato de estarematualmente vinculados a um trabalho maisprazeroso e reconhecido socialmente, podeapontar um aspecto importante da relaçãoqualidade de vida e AFO. Por fim, a capacidade deexpressar seus desejos que quebra a cultura dosilêncio secular imposta aos excluídos socialmentee sinaliza uma mudança na auto-estima e no papeldesse agricultor familiar na sociedade.

As práticas alimentares, de rotação de culturas,

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de reciclagem do lixo, de policultura à criaçãoanimal, de associativismo, entre outras, herdadasda racionalidade dos antepassados alemães foramvalorizadas dentro da ótica do sistema orgânico deprodução, oportunizando a valorização demanifestações culturais tradicionais e o cultivo daconsciência ambiental e social dos agricultoresfamiliares.

A promoção da qualidade de vida no que dizrespeito à obtenção de renda satisfatória eequilíbrio econômico apresenta-se ainda comouma faceta de qualidade de vida a serconquistada. Também a compreensão mais plenado processo associativo e do papel do agricultornesse contexto apresentam-se como um desafiodentro da proposta.

O estudo apontou a importância de considerar ainter-relação dos aspectos objetivos e subjetivosnos estudos de qualidade de vida de umapopulação. Essas inter-relações são dificilmentepercebidas quando se avalia qualidade de vida pormeio de índices e indicadores. A pesquisaqualitativa interdisciplinar aparece como uminstrumento efetivo para explorar a complexidadedas relações encontradas no contexto de pesquisaem qualidade de vida no mundo rural.

Por fim, ressalta-se que pesquisa evidenciou aprática da AFO como uma estratégia na promoçãoda qualidade de vida no meio rural e sinalizou acomplexidade da relação entre qualidade de vida eAgricultura Familiar Orgânica.

AgradecimentosAos agricultores, agricultoras e associados da

AGRECO que ofereceram seu tempo ecompartilharam suas aspirações e expectativas devida.

Notas* Artigo baseado em dissertação de Mestrado:

“As relações entre qualidade de vida e Agricultura

Familiar Orgânica: da articulação de conceitos aum estudo exploratório”, defendida pela autora em2004, na Pós-Graduação em Agroecossistemas doCentro de Ciências Agrárias da UniversidadeFederal de Santa Catarina (CCA/UFSC).Orientadores: Dr. Wilson Schmidt e Dra. KarenFollador Karam.

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