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Controle fitossanitário em assentamento de base agroecológica: um resgate do conhecimento tradicional Control of pests and diseases in a settlement of agroecological base: a rescue of traditional knowledge MORAIS, Lilia Aparecida Salgado de 1 1 Embrapa Meio Ambiente, Laboratório de Produtos Naturais, Jaguariúna/SP - Brasil, [email protected] RESUMO O objetivo deste trabalho foi resgatar o conhecimento tradicional de pequenos produtores sobre técnicas alternativas utilizadas no controle fitossanitário, bem como avaliar a percepção dos mesmos sobre o horário de coleta, secagem e armazenamento das plantas utilizadas. O trabalho de campo foi realizado no Assentamento de Base Agroecológica Sepé-Tiaraju (Serra Azul-SP). Utilizou-se o método Bola de Neve resultando em dez entrevistados. Realizaram-se entrevistas estruturadas e semi-estruturadas. Foram citadas as plantas: pimenta do reino (Piper nigrum), pimenta malagueta (Capsicum frutescens), alho (Allium sativum), fumo de rolo (Nicotiana tabacum), cebola (A. cepa), pau d'alho (Gallesia integrifolia), eucalipto (Eucalyptus spp), cravo de defunto (Tagetes spp.), feijão de porco (Canavalia ensiformis) e louro (Laurus nobilis). Nem todas as receitas apresentam resultados satisfatórios, porém, as que são eficazes são repassadas para os demais observando-se a transmissão horizontal do conhecimento empírico. Concluiu-se que há um constante resgate pelos assentados de práticas existentes antes do advento dos agrotóxicos. PALAVRAS-CHAVE: Defensivos naturais, Agroecologia, Agricultura familiar, Controle alternativo. ABSTRACT The aim of this work was to rescue the traditional knowledge of small farmers about alternatives techniques used by the same on control of plagues and diseases of plants, and evaluate the perception of informers about harvest time, dry and storage conditions of used plants. The collect of data was accomplished on Settlement of agroecological base Sepé-Tiaraju, on municipal district of Serra Azul-SP. The Snowball Method was used to choose the informers (10 people). Structured and semi-structured interviews had been carried out. The plants cited were: black pepper (Piper nigrum), chili pepper (Capsicum frutescens), garlic (Allium sativum), tobacco (Nicotiana tabacum), onion (Allium cepa), ajo tree (Gallesia integrifolia), eucalyptus (Eucalyptus spp.), marigold (Tagetes spp.), Jack-bean (Canavalia ensiformis) and bay laurel (Laurus nobilis). All the techniques that present positive results are passed on to the others, observing an horizontal transmission of empirical knowledge. There is a constant rescue of traditional techniques that were used before the use of pesticides. KEY WORDS: Natural crop protection, Agroecology, Familiar agriculture; Alternative control. Revista Brasileira de Agroecologia Rev. Bras. de Agroecologia. 6(1): 57- 66 (2011) ISSN: 1980-9735 Correspondências para: [email protected] Aceito para publicação em 30/03/2011

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Controle fitossanitário em assentamento de base agroecológica: um resgate doconhecimento tradicionalControl of pests and diseases in a settlement of agroecological base: a rescue of traditionalknowledge

MORAIS, Lilia Aparecida Salgado de1

1 Embrapa Meio Ambiente, Laboratório de Produtos Naturais, Jaguariúna/SP - Brasil,[email protected]

RESUMOO objetivo deste trabalho foi resgatar o conhecimento tradicional de pequenos produtores sobre técnicasalternativas utilizadas no controle fitossanitário, bem como avaliar a percepção dos mesmos sobre ohorário de coleta, secagem e armazenamento das plantas utilizadas. O trabalho de campo foi realizadono Assentamento de Base Agroecológica Sepé-Tiaraju (Serra Azul-SP). Utilizou-se o método Bola deNeve resultando em dez entrevistados. Realizaram-se entrevistas estruturadas e semi-estruturadas.Foram citadas as plantas: pimenta do reino (Piper nigrum), pimenta malagueta (Capsicum frutescens),alho (Allium sativum), fumo de rolo (Nicotiana tabacum), cebola (A. cepa), pau d'alho (Gallesiaintegrifolia), eucalipto (Eucalyptus spp), cravo de defunto (Tagetes spp.), feijão de porco (Canavaliaensiformis) e louro (Laurus nobilis). Nem todas as receitas apresentam resultados satisfatórios, porém, asque são eficazes são repassadas para os demais observando-se a transmissão horizontal doconhecimento empírico. Concluiu-se que há um constante resgate pelos assentados de práticasexistentes antes do advento dos agrotóxicos.

PALAVRAS-CHAVE: Defensivos naturais, Agroecologia, Agricultura familiar, Controle alternativo.

ABSTRACTThe aim of this work was to rescue the traditional knowledge of small farmers about alternativestechniques used by the same on control of plagues and diseases of plants, and evaluate the perception ofinformers about harvest time, dry and storage conditions of used plants. The collect of data wasaccomplished on Settlement of agroecological base Sepé-Tiaraju, on municipal district of Serra Azul-SP.The Snowball Method was used to choose the informers (10 people). Structured and semi-structuredinterviews had been carried out. The plants cited were: black pepper (Piper nigrum), chili pepper(Capsicum frutescens), garlic (Allium sativum), tobacco (Nicotiana tabacum), onion (Allium cepa), ajo tree(Gallesia integrifolia), eucalyptus (Eucalyptus spp.), marigold (Tagetes spp.), Jack-bean (Canavaliaensiformis) and bay laurel (Laurus nobilis). All the techniques that present positive results are passed onto the others, observing an horizontal transmission of empirical knowledge. There is a constant rescue oftraditional techniques that were used before the use of pesticides.

KEY WORDS: Natural crop protection, Agroecology, Familiar agriculture; Alternative control.

Revista Brasileira de AgroecologiaRev. Bras. de Agroecologia. 6(1): 57- 66 (2011)ISSN: 1980-9735

Correspondências para: [email protected] para publicação em 30/03/2011

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IntroduçãoO uso indiscriminado e abusivo dos

agrotóxicos, com consequências desastrosas aoambiente e à saúde humana, despertou nosúltimos anos uma grande pressão por parte dasociedade, visando à substituição do métodoquímico de controle de doenças de plantas poroutros mais seguros, eficazes e ecologicamentecorretos (SILVA, 2006). Antes das facilidades paraaquisição de agroquímicos para o controlefitossanitário, os agricultores utilizavam produtosobtidos nas proximidades de suas propriedades oumesmo dentro delas. Com a popularização do usodos agrotóxicos, essas técnicas foram quase quetotalmente abandonadas e, hoje, muitas delas sãochamadas “alternativas”. Devido à conscientizaçãodos problemas causados pelos agroquímicos noambiente, há uma tendência mundial em explorarnovas alternativas de controle, dando-se prioridadeà utilização de substâncias naturais,biologicamente ativas, contra os diferentespatógenos.

A Etnobotânica inclui todos os estudosconcernentes à relação mútua entre populaçõestradicionais e as plantas (COTTON, 1996).Apresenta como característica básica de estudo ocontato direto com as populações tradicionais,procurando uma aproximação e vivência quepermitam conquistar a confiança das mesmas,resgatando, assim, todo conhecimento possívelsobre a relação de afinidade entre o homem e asplantas de uma comunidade. Portanto, o estudoetnobotânico é o primeiro passo para um trabalhomultidisciplinar envolvendo botânicos, engenheirosflorestais, engenheiros agrônomos, antropólogos,médicos, químicos, entre outros, para seestabelecer quais são as espécies vegetaispromissoras para pesquisas agropecuárias eflorestais, justificando assim seu uso e suaconservação (RODRIGUES E CARVALHO, 2001).Com base no exposto, este trabalho teve porobjetivo resgatar o conhecimento tradicional depequenos produtores do Assentamento Sepé-

Tiaraju, através de levantamento das espéciesvegetais e outras técnicas “alternativas” utilizadaspelos assentados no controle fitossanitário, bemcomo avaliar a percepção dos assentados sobre ohorário de coleta, secagem e armazenamento dasplantas medicinais utilizadas.

Material e Métodos

O trabalho de campo foi realizado de julho ànovembro de 2008, no Assentamento de BaseAgroecológica Sepé-Tiaraju, localizado em umaantiga área canavieira adquirida pelo INCRA. Omesmo possui 80 famílias, subdivididas em quatrolotes, em área total de 800 ha, situada nomunicípio de Serra Azul (SP), região de transiçãoentre as formações de Mata Atlântica (Florestaestacional semidecídua) e de Cerrado (Cerradão).Constitui o primeiro assentamento na modalidadePDS (Projeto de Desenvolvimento Sustentável) noEstado de São Paulo, que consiste na construçãode um novo modelo de assentamento, tendo aagroecologia como centro da matriz tecnológica ea cooperação como eixo da organização produtiva.Foram realizadas seis visitas ao local. Os lotesvisitados pertencem aos Núcleos Dandara, ChicoMendes e Zumbi. Primeiramente, foramestabelecidos os contatos necessários para arealização do trabalho. Para selecionar quais osassentados que seriam entrevistados, utilizou-se ométodo “Bola de Neve” (BERNARD, 1988) queconsistiu em conversar com algumas pessoas dacomunidade, e perguntar se havia alguém quefazia preparados caseiros para controlefitossanitário no assentamento, bem como quemera a pessoa que mais tinha conhecimento deplantas medicinais e/ou receitas caseiras para ocontrole fitossanitário.

Para a coleta dos dados, além da observaçãoparticipante, foram realizadas entrevistasestruturadas e semi-estruturadas, e anotações emcaderneta de campo, com os assentados

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selecionados, com a prévia autorização dosmesmos (DORINGONI et al. 2001).

As informações foram anotadas e as plantascitadas, quando disponíveis no assentamento,foram coletadas para fins de propagação eherborização. A identificação botânica das plantasfoi feita pela Dra. Marta Camargo de Assis, daEmbrapa Meio Ambiente (CNPMA) e as exsicatasforam depositadas em herbário oficial. Os dadosqualitativos ou quantitativos gerados pelasobservações de campo e gravações de voz foramtrabalhados manualmente. A partir dessasinformações, foi montada uma tabela para melhorcompreensão dos resultados.

Resultados e DiscussãoO problema fitossanitário mais citado pelos

entrevistados refere-se às pragas associadas aoarmazenamento de sementes de feijão. Este é feitoem garrafas plásticas (PET), de uma safra à outra.As sementes são atacadas por carunchos e muitasvezes por “um pó branco que dá no feijão” (A.C.), oque faz com que o percentual de germinação sereduza.

Uma quantidade considerável de grãos esementes de feijão é perdida durante oarmazenamento, principalmente nas propriedadesrurais, devido, entre outras causas, à rudimentarestrutura de armazenamento aliada às condiçõesclimáticas favoráveis a incidência de insetos(GERMANO, 1997).

Callosobruchus maculatus é considerada aprincipal praga do feijão Vigna armazenado,reduzindo o peso e a qualidade dos grãos, bemcomo o poder germinativo das sementes(DONGRE et al., 1996). Este caruncho podeocasionar perda de peso da ordem de 60% emsementes armazenadas (TANZUBIL, 1991),chegando a atingir, em seis meses dearmazenamento, 90% de perdas em termos desementes perfuradas (SECK et al., 1991). Osdanos causados são decorrentes da colonizaçãodo interior dos grãos pelas larvas do inseto,resultando em perda de peso, desvalorização

comercial, redução do valor nutritivo, do grau dehigiene do produto pela presença de excrementos,ovos e insetos e do poder germinativo dassementes (ALMEIDA et al., 2005; PEREIRA et al.,2008).

O ataque de insetos em sementesarmazenadas constitui um problema que se agravacada vez mais, mostrando à necessidade de seestabelecer medidas de controle de pragas aonível de fazenda, por meio de métodosalternativos, sem desencadear problemascausados pelos inseticidas químicos sintéticos(FARONI et al., 1995).

As pragas de maior ocorrência foram asformigas cortadeiras, pulgões e o moleque dabananeira. Foram citadas 60 ocorrências no total,repetindo-se algumas em vários lotes dos dezentrevistados. Outro problema também muitocitado foi a virose do mamoeiro, que acarretamuitos prejuízos para os assentados. Como muitosrelatos foram feitos sem a observação dasdoenças ou das pragas, por não ser a época deocorrência, respeitou-se a maneira descrita pelosinformantes. A lista destes problemasfitossanitários encontra-se descrita na tabela aseguir na Tabela 1.

Foram descritas nove receitas criadas e/outécnicas utilizadas pelos assentados. Estasencontram-se descritas na Tabela 2. Respeitou-sea linguagem utilizada pelos mesmos ao relataremos fatos para uma maior veracidade dos dados.Foram citadas as seguintes plantas com osrespectivos números de citações: pimenta do reino(Piper nigrum L., Piperaceae) (2), pimentamalagueta (Capsicum frutescens L., Solanaceae)(1), alho (Allium sativum L., Liliaceae) (2), fumo derolo (Nicotiana tabacum L., Solanaceae) (3);cebola (Allium cepa L., Liliaceae) (1), pau d'alho(Gallesia integrifolia (Spreng.) Harms,Phytolaccaceae) (2), eucalipto (Eucalyptus spp.,Mirtaceae) (2), cravo de defunto (Tagetes spp.,Asteraceae) (1), feijão de porco (Canavaliaensiformi (L) D.C., Fabaceae) (1) e louro (Laurusnobilis L., Lauraceae) (1).

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Tabela 1: Listagem dos problemas fitossanitários que acometem as lavouras nos lotes do AssentamentoSepé-Tiaraju. Serra Azul, Ribeirão Preto-SP, 2008.

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Tabela 2: Plantas utilizadas no controle fitossanitário de pragas e doenças que acometem as culturaspelos moradores do Assentamento Sepé-Tiaraju. Serra Azul, Ribeirão Preto-SP, 2008

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Também foram citadas receitas caseiras quenão utilizam plantas para o controle fitossanitário.Os produtos mais citados foram: urina de vaca,cinza, o esterco e água do sabão em barra. Asreceitas fornecidas pelos assentados encontram-sena Tabela 3.

Pode-se perceber que a maioria dosassentados usa cinzas na lavoura, assim como ofumo de rolo. Esta técnica não é mais aceita pelosórgãos certificadores (Agricultura Orgânica) devidoao acúmulo de nicotina e alcatrão no solo.Observou-se também que, a informante HMdemonstrou conhecimento sobre a relação nutriçãox doença, informando que se a planta estiver bemnutrida, esta vai estar fortalecida contra pragas edoenças, fazendo-se uma referência à teoria datrofobiose (CHABOUSSOU, 1987).

“A planta com força, bem nutrida, não dá bicho”(HM).

“Pra planta tá bonita, tem que tá bem molhada,bem estercada” (HM).

Oito entrevistados afirmaram que preferemutilizar as plantas frescas. Dos dois que disseramutilizar as plantas secas, um relatou que as secano sol, mas não no sereno. Não há umconhecimento sobre a maneira correta dearmazenamento das plantas nem dos preparados(tempo e local e embalagens adequadas). Emestudos realizados por Griggs et al. (2001), foramobservadas que em dezenove plantas medicinaisarmazenadas por seis anos, três perderam

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TABELA 3: Receitas caseiras utilizadas no controle sanitário de pragas e doenças que acometem asculturas pelos moradores do Assentamento Sepé-Tiaraju. Serra Azul, Ribeirão Preto-SP, 2008

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completamente as atividades, dez perderamparcialmente e seis recuperaram as atividadesbiológicas.

Costa et al. (2009) observaram o efeito de cincotempos de armazenamento (0, 3, 6, 9 e 12 meses)sobre o rendimento e a composição química doóleo essencial na biomassa seca de folhas inteirase moídas de Ocimum selloi. Os ensaios apontaramredução acentuada no rendimento de óleoessencial da biomassa seca armazenada de folhasinteiras e moídas ao longo de um ano dearmazenamento, porém o rendimento obtido apartir de folhas inteiras foi significativamentesuperior ao das folhas moídas. De uma formageral, durante todo o período avaliado, ometilchavicol, composto majoritário, manteve-sepresente até os três meses de armazenamento, emambos tratamentos, acima de 80%, com umamaior concentração relativa nas folhas inteirasquando comparado às folhas moídas,apresentando um comportamento de decréscimoao longo do tempo de armazenamento. O tipo defragmentação e o tempo de armazenamentointerferem decisivamente no rendimento e nacomposição do óleo essencial de O. selloi.

Isto ressalta que um conhecimento da vida deprateleira das plantas se faz importante, para quese possam desenvolver métodos mais eficientesde colheita sustentável, visando a preservação dabiodiversidade local.

Todos os assentados armazenam as sementesem garrafas plásticas (tipo PET), e muitosadicionam folhas de eucalipto, fumo de rolo, folhasde louro e/ou cinzas para evitar o surgimento depragas e fungos de armazenamento.

O ambiente de coleta das plantas utilizadaspelos assentados normalmente é o quintal dapropriedade, sendo as espécies na maioria dasvezes cultivadas e coletadas pelos próprios.Segundo Amorozo (1996), tanto ambientesnaturais, como ambientes modificados pelohomem, podem ser explorados para obtenção de

plantas medicinais. Na maioria das sociedadesrurais brasileiras, quintais e pomares próximos àmoradia desempenham uma importante função namanutenção de muitas espécies medicinais.

As plantas e receitas são trocadas livrementeentre vizinhos e parentes quando há necessidade,reforçando desta forma, laços sociais econtribuindo para o consenso cultural. Atransmissão oral é o principal modo pelo qual oconhecimento é perpetuado. Para a maioria dosentrevistados, seu aprendizado sobre o temaocorreu de pais ou avós para filhos e ou netos, ouseja, transmissão vertical (entre diferentesgerações). O conhecimento é transmitido emsituações que fazem com que a transmissão entregerações requeira contato intenso e prolongadodos membros mais velhos com os mais novos.Isso normalmente acontece em sociedades ruraisou indígenas, nas quais o aprendizado é feito pelasocialização no interior do próprio grupo domésticoe de parentesco, sem necessidade de instituiçõesmediadoras: crianças e jovens acompanham seuparente na execução de tarefas cotidianas emambientes físicos diversificados, principalmentenos trabalhos na lavoura, onde podem existirplantas com diversas atividades biológicas(AMOROZO, 1996). Este tipo de transmissão deconhecimento é diretamente dependente daintegridade familiar. Quando isto não ocorre, aconsequência pode ser a perda de conhecimentoatravés do falecimento dos indivíduos mais velhos(NEGRELLE E FORNAZZARI, 2007).

Além da transmissão vertical, também foiobservada a transmissão horizontal, que se dáprincipalmente entre vizinhos que trocam mudasde plantas e receitas caseiras. Essa troca leva àincorporação de novas plantas por parte dossujeitos envolvidos nela. Além disso, reforça laçossociais e contribui para a manutenção desseconhecimento na comunidade (BALDAUF et al.,2009).

Com relação à época de coleta das espécies

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vegetais, esta vai depender muito dadisponibilidade das plantas, em função da parteutilizada (flor, fruto, semente, etc.), já que poucasapresentam crescimento espontâneo. Atransformação de ecossistemas locais devido àexpansão de áreas sujeitas às atividadeseconômicas humanas tem ocasionado limitaçõessignificativas ao acesso e disponibilidade de tiposespecíficos de plantas utilizadas em receitascaseiras, seja para fins medicinais (ALVES EROSA, 2007) ou para fins de controle fitossanitário.A redução da ocorrência de algumas espéciesvegetais também gera perdas no conhecimentoassociado a tais recursos genéticos, o qual foiacumulado historicamente e transmitido através degerações anteriores (BALDAUF et al., 2009).Fazendo uma relação aos locais de origem decada entrevistado, alguns comentaram sobrealgumas plantas de crescimento espontâneo quecostumavam coletar, relacionando-as com a épocade “seca ou das águas”:

“Por essa época agora (mês de julho), muitosremédios começam a morrer, outros a nascer ...”(A.C.).

“Tem um mato que aparece na seca, que eunão lembro o nome, que é anestésico pra dente...”(A.V.).

Já em relação ao horário de coleta, cincoassentados disseram que preferem coletar pelamanhã ou no fim da tarde, quatro afirmaram coletara qualquer hora e apenas um não soube responderse há alguma interferência do horário de coleta dasplantas.

“A gente colhe de manhã ou no final da tarde,depois que o sol entra, porque o sol rouba energiada planta, aí não fica bom...” (A.V.)

“A folhagem quando colhe no sol, parece que tá

meio morta” (A.G.).

“A hora que precisa a gente vai buscar” (C.R.).

Outro ponto observado foi o fato de 80% dosinformantes dizem ferver as folhas para o preparodos chás, fazendo um decocto, quando naverdade, deveriam fazer uma infusão, já que sãopartes vegetais mais delicadas.

Palavras como “mastigado”, “punhadinho”,“maceta”, “fritar as ervas” são muito comuns, paradefinir o modo de preparo, não havendo umaquantidade exata ou um modo único de preparo.

“A mão é a medida do punhadinho” (H M)

Estes resultados vêm demonstrar que algunsconhecimentos técnicos sobre o manejo adequadodas plantas medicinais ainda não são suficientes,o que indica a necessidade de realização decursos de capacitação com os assentados. Pode-se compreender que a utilização destas plantasem receitas caseiras é de extrema importância noresgate e valorização do conhecimento tradicionale, uma reorientação do trabalho realizado noassentamento garantiria a manipulação corretadas plantas medicinais e dos preparados como umtodo. Esta reorientação deve se dar a partir daintegração dos conhecimentos populares e aosresultados de pesquisas acadêmicas, bem comode orientação de profissionais com formaçãocompetente. Para tanto, faz-se necessária acriação de espaços nos quais portadores dediferentes saberes possam dialogar e trocar suasexperiências (BALDAUF et al., 2009).

ConclusãoCom base nas entrevistas realizadas, pode-se

constatar que, pelo fato de os assentados nãopoderem se utilizar de produtos químicos para ocontrole de pragas e doenças nos seus lotes há

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um constante resgate da utilização de técnicasexistentes anteriormente ao advento dosagrotóxicos sintéticos. Outro fato observado é atentativa de se criar receitas novas com assubstâncias presentes nos arredores dapropriedade, com custo zero ou bem baixo, paratratamento da lavoura e dos animais. Nem todasapresentam resultados satisfatórios, o que é muitocomum, sendo estes resultados parte do processode experimentação, porém, as técnicas que sãoeficazes no controle, mesmo que temporariamente,são repassadas para os demais, observando-se atransmissão horizontal do conhecimento empírico.

A criação de espaços onde o conhecimentopossa ser partilhado, valorizado e resgatado seriade grande importância, pois evitaria a perda deinformações relevantes e que são perdidas com opassar do tempo.

AgradecimentosA autora agradece aos moradores do

Assentamento Sepé-Tiaraju pela acolhida, porproporcionarem momentos agradáveis e peloaprendizado durante a realização do trabalho decampo. Ao INCRA, através da Agrônoma ClarissaChufalo Pereira Lima, pela apresentação dosassentados e ao funcionário da Embrapa HenriqueBarros, pelo acompanhamento nas viagens decampo.

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