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7/27/2019 Revista brasileira de ciências sociais n 4 vol 2 (artigo de Jeffrey Alexander e análises)
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I I I ~ , T I s r l l ' A Illli'SII . ~ I l. J ) I ~ ( ~ I I ~ N ( ~ I l '
número 4 vol . 2
junho de 1987publ icação quadrimestral S ( ) ( ~ I l ' I
ASSOCIAÇAO NACIONAL DE POS-GRADUE PESQUISA EM C I ~ N C I A S SO
ISSN 010
SUMÁRIO
3 Apresentação
5
29
36
39
43
65
88
lOS
o novo movimento teóricoJeffrey C. Alexander
Paradigma e espaço das ciências sociais -comentários ao artigo "O novo movimento
teórico", de Jeffrey C. Alexander.Simon Schwartzman
Comentários ao artigo "O novo movimentoteórico", de Jeffrey C. AlexanderElisa Reis
Do ângulo do marxismo - comentários aoartigo "O novo movimento teórico", de JeC. AlexanderCarlos Nelson Coutinho
Perspectivas da consolidação democrática:
caso brasileiroBolivar Lamounier
A gênese de uma Intelligentsia - os intelece a política no Brasil, 1920 a 1940Luciano Martins
Aliados e rivais na família: o conflito entreconsangüíneos e afins em uma vilaportoalegrenseClaudia Fonseca
Resenhas
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simon schwartzman
PARADIGMAE ~ S P A Ç O DAS
CIENCIAS SOCIAIcomentários ao artigo "o novo movimento teórico" de j.c. alexan
Alexander e a superação do positivismo
As ciências sociais contemporâneas devem a Jeffrey Alexander uma contribuição importante, na
forma de uma tentativa ambiciosa e inteligente
de dar alguma ordem ao caos epistemológico econceituaI em que ela se debate. Sem pretender
reproduzir, aqui, uma análise que podemos ouvir do próprio autor, gostaria no entanto de sumariar alguns aspectos principais, para situar adiscussão que se seguirá.
Alexander inicia seus argumentos, muito
adequadamente, tratando de limpar o terreno da
discussão epistemológica. Em Theoretical Logic
(1982), ele procura mostrar como a visão positivista da ciência, que reduz todo o conhecimentoa busca de "fatos empíricos, não se sustenta nem
nas ciências sociais, nem nas ciências naturais.
Não faz sentido argumentar, como quiseram mui
tos, que as ciências sociais, por estarem envolvidas todo o tempo com valores e significados, seconstituiriam em um campo epistemológico à
parte - a resposta "humanista" ao positivismosociológico. Ao retraçar o caminho percorrido desde os trabalhos de Alexander Koyre (1939) e Michael Polanyi (1958) sobre os supostos culturais
(Koyre) e a fundamentação tácita das ciências
Simon Schwartzman - Instituto Universitário de Pes
quisas do Rio de Janeiro (lUPERJl
naturais (Polanyi) até a moderna sociologciência com seus estudos empíricos sobre atrução dos fatos científicos (e passando, invelmente, pela contribuição seminal de Th
Khun sobre os paradigmas do conhecim
Alexander mostra como os postulados positnão passam de uma ilusão dos tempos da c
normal. A única diferença real entre as cinaturais e as ciências sociais seria que, nesdiscussões de valores e princípios são mais
tantes e presentes, os supostos tácitos menceis de serem admitidos. A crítica aos supositivistas, e a recusa em cair no irracionimplícito no "humanismo" antiempírico, jcam o esforço de Alexander em recuperar oespecificamente teórico e conceituaI das cisociais.
Seu texto atnal (Alexander, 1986) do anterior pelo menos em dois pontos imp
. teso Primeiro, as diferenças entre as ciêncciais e as ciências naturais voltam a ganha
eminência. Segundo, o que era antes visto c"nível conceitual" das ciências sociais (na
dade, um contínuo que ia das pressuposiçõegerais, próximas ao "ambiente metafísico"empírico das ciências até os supostos metodcos da pesquisa) é agora apresentado comotituindo um nível "discursivo". São duas dças importantes, que vale a pena explor
pouco.RBCS 11.° 4 vai . 2 J
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. naturais são tão dependentes
ciências sociais de pressuposições tácimundo e modelos operacionais im
(exemplars, conforme Khun), como exserem elas muito menos suscetíveis as
controvérsias e debates que avassam as ciências sociais o tempo todo? "It is be
natural scientists so often agree about the
commitments which inform their
that more delimited empirical questíonsreceive their explicit attention", nos res
. 7-8).
Ele não examina em que condições esteonsenso se dá ou não, mas é fácil dar pelo menoslguns exemplos. O consenso que permite um a
discussão técnica sobre as funções de um a enzima, ou das propriedades de um novo material,
começa a ser menos claro quando o que se discute é, por exemplo, a segurança de uma usina nu
clear ou o grau aceitável de poluição do ar por
certos produtos químicos. Nos primeiros exemplos, o que constitui uma "função" ou como sedefinem as "propriedades" de determinado componente são conceitos que fazem parte da práti
ca quotidiana dos pesquisadores, e não são postos normalmente em discussão. Nos outros exemplos, a discussão não é necessariamente menos
técnica ou científica, mas já não existe consensotácito sobre o que venham a ser "níveis aceitáveis" de segurança ou tolerabilidade. O avançotecnológico que permite a detecção de partículas
infinitesimais de produtos químicos em alimentos, assim como o avanço de estudos epidemiológicos que permitem detectar mudanças nas pro
babilidades de ocorrência de determinadas enfer
midades, vão tornando controversas questões que
antes eram tratadas em marcos estritamentes
"tácitos" ou "científicos".
A diferença entre as ciências naturais esociais seria, pois, simplesmente de grau, e se ex
plicaria pelo fato de nestas, "in its social applica
tion science produces so much more disagree
ment". Application, aqui, não se refere sim
plesmente à tecnologia (onde as ciências sociais
são reconhecidamente inferiorizadas), mas, prin
cipalmente, ao que elas trazem como avaliação
ou interpretação do homem e do mundo em que
habita. "Classe social" ou "socialização", por
exemplo, não são conceitos lógica e empiricamen-
PARADIGMA E ESPAÇ
te determináveis; eles conduzem não só a deteminado tipo de análises, mas trazem também ibutidas certas visões mais amplas de como as sciedades se transformam e incorporam ou n
aos indivíduos que as compõem. As controvérsicomo vimos acima, não são alheias às ciências n
turais, e se tornam tanto mais intensas quantoimplicações de seus resultados passam a ir alé
de seus marcos "científicos" usuais. Em que mdida a separação entre os aspectos valorativos easpectos mais especificamente cognitivos do cnhecimento é válida, nas ciências naturais e n
ciências sociais? Existem tentativas, possivelmte extremadas, de abolir esta separação comptamente, como por exemplo na teoria da "finazação (Bõhme e outros, 1976, p. 306-330, e Bohm1977, p. 319-354) ou no chamado "programa fte" da sociologia do c o n h ~ c i m e n t o proposta p
escola de Edimburgo (Bloor, 1976). Ê uma dcussão acesa que ainda continuará por mu
tempo (veja a respeito Silva, 1985). Um resul
do importante , de qualquer forma, já foi obtinão são só as concepções positivistas e empírida ciência que estão abaladas, mas também
que pretendem atribuir-lhe uma fundamen
ção lógico-racional prévia a qualquer antecedte pressuposicional, ou um princípio de dem
cação absoluto entre o científico e o não cientco.
. Ciência versus aplicação e teoria versus
discurso nas ciências sociaisUma diferença importante entre as ciências ciais e as naturais é pois que, nas primeirasprópria elaboração de conceitos supostame
"neutros" já traz conotações valorativas e pr
cas imediatas. Ainda que isto ocorra também
ciências naturais (e exemplos não faltam, de lileu a Darwin), nas ciências sociais esta vinlação é muito mais constante, imediata e abr
gente. Esta é uma das razões pelas quais o proto de construção de uma sociologia "madur
pela acumulação progressiva e a codificaçãoconhecimentos parciais, jamais se concreti(Merton, 1967, p. 39-72; SChwartzman, 1971)
Em Theoretical Logic, Alexander parte
post-positivismo para recuperar a importân
da elaboração teórica em sociologia. A teoria,ele com razão, não pode ser avaliada simplesm
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·DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
te por suas implicações empíricas, como queriam
os positivistas. Existiriam, no entanto, dois crité
rios racionais para decidir quanto à validade da
argumentação científica no nível mais teórico. Oprimeiro seria o da "generalização", ou seja,"principIes so broad in scope that they cannot besubsumed by an y more empirically-oriented leveIof the scientific continuum [entre conceitos gerais e empiria] ". Em outras palavras, a teoria
deve ser capaz de criar "a framework within
which all other scientific commitments can beunderstood as specifications, even while the lat
ter maintain their analytical independence". Osegundo critério seria o da "decisão", ou decisividade: os conceitos gerais devem te r repercussõesem todos os níveis mais específicos da análise social, e não podem ser triviais (Alexander, 1982,p. 37).
Mas é claro que, se existe um nível discur
sivo (e não simplesmente teórico ou racional)nas ciências sociais, as divergências que nele semanifestam não poderiam ser resolvidas pela simples aplicação de critérios analíticos como os quepropõe Alexander, ou seja, a generalização e a"decisividade". Esta dificuldade é explicitada no
novo texto de Alexander, que explica a divisão das
ciências sociais em "escolas", assim como a perenidade dos clássicos em suas sucessivas releituras
e reinterpretações, pela existência de discursos irredutíveis.
Não podendo utilizar de critérios racio
nais, ou formais, para introduzir sua propostateórica, Alexander se confessa, ele mesmo, discursando, e procura se inserir em um movimento
pendular que detecta, e que oscila do coletivo aoindividual, do macro ao micro, do racional ao
afetivo - e vice-versa. Para ele, existe um ponto de convergência atual, que é o revigoramento
do conceito de cultura, e que permitiria a inte
gração dos diferentes pontos de vista hoje em
confronto nas ciências sociais. Sem negar o in
teresse de suas propostas teóricas, parece ser
evidente que estas propostas - ou outra qual
quer - não conseguirão se firmar quer pela simples força de argumentação lógica, quer pela per
suasividade do discurso. Existe um nível de sus
tentação mais profundo que deve ser alcançado,
que é o da vinculação entre o discurso e a realidade social a partir da qual este discurso é produzido e defendido. É na análise das relações entre esta prática, os discursos a ela relacionados eos níveis mais racionais e empíricos do conhecimento que se situa, a meu ver, a possibilidade de
um entendimento dos problemas e das poten
lidades das ciências sociais no mundo de hoj
Prática, discurso e conceitos nas ciência
sociais brasileiras: uma incursãoEm 1980 a revista Dados publica uma série dtigos sobre "ciências sociais, democracia e de
dência" que buscavam, basicamente, exam
em que medida as condições especiais em quciências sociais eram produzidas em nosso influenciavam seu conteúdo. Wanderley Gui
me dos Santos discute, em termos muito ama ciência política na América Latina, e a vê
mo afligida pelos males de um economicismhistoricismo empobrecidos, assim como por
marxismo de segunda classe. Para ele, este e
lado negativo do processo de compartimentação e especialização das ciências sociais la
americanas, que deveria ser compensado, p
mivelmente, pelo trabalho interdisciplinar.
crítica de Wanderley dos Santos era correta
explicação era duvidosa, já que os males
apontava pareciam, na realidade, afligir m
mais os países onde as ciências sociais não
viam se institucionalizado do que propriam
ao Brasil, onde esta institucionalização havi
mais longe. Não pareceria que o conceito de cialização e divisão social do trabalho intele
fosse suficiente para explicar a predominâncdiscurso historicista, economista e empobremente marxista de nossos cientistas sociais. (
tos, 1980, p. 15-28). Fábio Wanderley Reisum artigo totalmente distinto, comparte
Wanderley dos Santos a noção de que as cções "externas" do trabalho científico podem
tamente prejudicar sua qualidade, mas não
ga a avançar nenhuma hipótese sobre estas
dições e os conteúdos substantivos dos disc(Reis, 1980, p. 59-78).
O trabalho de Bolivar Lamounier (19829-58), é complexo e difícil de resumir a nã
em uma interpretação livre como a que tent
aqui. Ta l como Alexander faz para a sociolele busca examinar a evolução de alguns cotos centrais das ciências políticas contem
neas - o Estado, a ação coletiva - e observé este "o aspecto da análise política mais senà influência dos contextos sociais específicporta pela qual as diversas 'ontologias' do spenetram no discurso científico, e, ao faz
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mostram seus limites" (Lamounier, 1980, p. 44).Tal como em Alexander, está presente a idéia de"discurso"; indo mais além, no entanto, Lamounier trata de identificar, por um lado, sobre quaisconteúdos os discursos incidem mais diretamen-
te, e, por outro, os contextos sociais específicos
que os condicionam. Na segunda parte de seu tra-balho, ele apresenta uma periodização da ciênciapolítica brasileira e de seus temas respectivos: operíodo até 1945, caracterizado por ensaístas
preocupados com os problemas de formação doEstado Nacional; o período 1945-1964, orientado
para as questões da expansão da cidadania e da
capacidade de ação racional do Estado; e o período pós-1964, em que as ciências políticas se institucionalizam ou se .esfacelam, e refletem criticamente sobre as experiências anteriores (argumen-
tação semelhãnte para a antropologia é apresen
tada por Peirano, 1981) Se até 1945 os intelectuais brasileiros participavam, individualmente,de um projeto de construção do Estado tornado
ilegítimo com a democratização (Oliveira Vianaé o grande exemplo), e se nos anos seguintes pretendeu-se, pelo engajamento partidário ou açãogrupal, uma liderança em um projeto político deampliação da participação e do aumento da ra-
cionalidade do Estado (o exemplo aqui é o ISEB) ,no período pós-64 se instala uma grande divisãoque Lamounier percebe, mas não explora emmaior profundidade. Por um lado, uma visão for
temente militante, trabalhando com um estilode análise "demasiado globalizante e demasiadoinsensível ao carácter constitutivamente precáriode toda a integração política" (Lamounier, 1980,p. 56) e sujeita , podemos acrescentar, às cr íticasde Wanderley dos Santos no artigo citado ante-
riormente. Por outro, uma ciência política parti-
cularizada, perdida em uma miríade de estudosisolados de processos decisórios, de participaçãoeleitoral, mas incapaz, na visão de Lamounier, deenfrentar com a devida atenção as grandes questões da ciência política contemporânea, que gi
ram ao redor do tema do controle democrático sobre os sistemas políticos de larga escala. Em ambos os casos, produtos de uma ciência políticaafastada e de costas para o poder político constituído, o primeiro grupo possivelmente mais vitimado pela repressão ideológica, e sofrendo o impacto de um sistema universitário em decomposição; o segundo mais isolado e trabalhando em
instituições que, de alguma maneira, conseguiram se desenvolver de forma até mais estável doque nas décadas anteriores, mas que pouco po-
PARADIGMA E ESPACO
diam pretender além do trabalho acadêmico equanto tal. Se um discurso é globalizante e simplificador, o outro tende à complexidade, ao dtalhe e inconclusividade; se um é mais próximdo ethos da militância política ou do intelectu
lismo alienado, o outro se aproxima do estilo di
"cien ífico".O artigo de Valéria Pena (1980, p. 93-110
já agora sobre a sociologia, procura recuperar
sentido positivo da segmentação, do não enfretamento dos "problemas centrais" tão crucianas preocupações de Bolivar Lamounier. A virtde da "nova sociologia" (que ela faz acompanha
precavidamente, de um ponto de interrogaçãoseria a convivência com a diversidade, o trat
mento do concreto, e a descoberta de que "a s hirarquias são muitas e as opressões várias", e qupor isto vários deverão ser não só os conhecime
tos, mas a também às próprias práticas polític(Pena, p. 93). A mulher, o quotidiano dos trab
lhadores, os problemas dos negros, a sociedadcamponesa, os padrões quotidianos de convivêcia, cada uma destas coisas vêm encontrando seestudiosos, seus apaixonados e seus novos mitantes . Não existe discurso, mas discursos. Nfundo, uma sensação de que os "grandes tema
são inacessíveis, tanto quanto o poder polítitambém o era. Mas a vida continua, tem muit
facetas, e as ciências sociais poderiam, quem sbe, encontrar nova força no contato com a rea
dade concreta dos homens.Em certo sentido, o trabalho de Valéria P
na assinala o fim de um grande círculo iniciadmuitos anos antes, quando no Brasil, a sociolgia surgiu como contestação ao pensamento jrídico consolidado no poder e apropriado pelelites mais tradicionais. A sociologia se pretend
então militante, globalizante, histórica, incluía
econômico e, sobretudo, o político. Em parte pepróprio processo de institucionalização das dciplinas acadêmicas, em parte pelo ambiente plítico e institucional que passa a existir no Br
sil a partir dos anos 60, este quadro vai se altrando. A economia se transforma cada vez ma
em disciplina independente, fechada em seus dferentes paradigmas, apresentando-se muitas vzes como "técnica" e despolitizada, e de qualqu
forma sem reconhecer a legitimidade acadêmie intelectual das demais ciências sociais. A ciêcia política, que não existia na tradição brasilera a não ser como um ramo do Direito (a cham
da "Teoria Geral do Estado"), encontra sua idetidade a partir, principalmente, do mundo ac
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DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
dêmico norte-americano, e começa a absorvermuitos dos sociólogos formados na tradição mais
globalista anterior. Reduzido ao econômico, por
um lado, e ao político, por outro, o social perde
legitimidade como objeto, e a crise da sociologiacomo disciplina se instala. Esta crise explica, dealguma forma, a transformação que se opera na
antropologia brasileira, que gradualmente começa a voltar seus olhos das populações indígenas
para a realidade do mundo dito "civilizado", emais especialmente seus setores menos privilegiados, os camponeses, os pobres das cidades e os negros. É junto a esta antropologia do mundo moderno que a nova sociologia identificada por Valéria Pena vai buscar sua inspiração mais fecunda.
A convivência com o fragmentado e o plural, no entanto, requer
a estabilidaderelativa da
vida acadê:,nica. Todos os trabalhos examinados
por Valéria Pena foram elaborados nas principais
instituições de pesquisa do país - IUPERJ, Universidade de São Paulo, Museu Nacional do Riode Janeiro, CEDEC. Enquanto isto, os cursos degraduação continuavam a formar cientistas sociais que as instituições acadêmicas não mais absorveriam, ou só absorveriam precariamente. Ao
mesmo tempo, o regime militar começava a mostrar suas fissuras, e os movimentos reivindicativos da sociedade se tornavam cada vez mais for
tes e audaciosos. Era uma nova realidade que surgia, e nela uma boa parte das ciências sociais bra
sileiras mergulharia de cabeça.Era chegada a hora, como assinala Mark
Osiel, de "ir para o povo" (Osiel, 1984, p. 245-275).Os intelectuais, que nos tempos do ISEB preten
diam ser a cabeça pensante da nação, e com istoconquistar o seu apoio, agora confessam humil
demente sua ignorância, e a necessidade deaprender com a gente simples. O povo, no novodiscurso, sabe votar, é intrinsecamente democrático, tem . uma sabedoria recôndita muito supe
rior aos artificialismos da cultura importada. Ointelectual agora assumia a tarefa de dar dignidade e respeitabilidade às coisas do povo - sua
linguagem, sua religião, seus valores - e, a par
tir deste trabalho redentor, conquistar seu novoespaço. Esta nova produção intelectual não se canalizava para as sisudas revistas científicas, mas
para os jornais de grande circulação, para os par
tidos políticos e para as salas de aula repletas
de jovens que ingressavam em massa em uma
universidade em expansão e viam pouco sentido
na antiga racionalidade acadêmica que, muito
suspeitamente, havia florescido nos anos da
dura e parecia ter origens no exterior. O discurso valoriza o estilo, a paixão, a simpati
compromisso inalienável com os dogmas po
res (a sabedoria do povo, a valorização do cional e do intuitivo, a crítica ao raciocínio fdesumanizado, a oposição à tecnocracia e ader constituído em todas as suas formas).
por isto, no entanto, é um discurso inculto.isto estão, e são citados conforme os gostosnecessidades, Lacan, Bordieu, Foucault, Fe
bend, e até mesmo Derrida para os mais socados. Manejar autores tão complexos em comunicativo não é tarefa fácil, e por istonova hierarquia vai se estabelecendo no m
intelectual, baseada em um discurso radical
te oposto ao das ciências sociais academicam
constituídas, sem diálogo ou síntese possíve
Discursos e a natureza do
conhecimento socialA sociologia da ciência, ao colocar o conhecito científico (ou pelo menos seu "discurso"
contexto de seus condicionantes sociais, corisco de alimentar uma tese profundamente
cionalista, que é a de que, no fundo, todos onhecimentos são iguais, e a noção de "verd
não passa da expressão do poder político dgrupo sobre os outros. Esta conclusão, no e
to, não é necessária. Diversos tipos de conmento produzem diferentes resultados, e pser avaliados pelo que alcançam . Alguns tr
dividendos políticos; outros atraem grande
blicos, e formam opinião; outros produzem
cações coerentes e econômicas de fenômenociais complexos e diferenciados; outros perm
previsões acuradas de determinados fenôm
em determinadas condições; outros, finalmprivilegiam a eficiência administrativa e emsarial. Conforme o ambiente histórico, o clim
lítico, as solicitações e as condições de trab
dos cientistas sociais (e não só deles), buscacoisas diferentes, e os resultados, por isto,sempre são comparáveis e analisados sob ama lógica. O que ocorre, e cada vez mais,as ciências sociais (no Brasil e em outras pa
é que muros que porventura tenham existidtre o am biente acadêmico (onde prevalecevalores da explicação abrangente e econômic
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34 1
complexidade e do ceticismo organizado) e os de-mais são constantemente penetrados de lado alado, e o próprio cientista social freqüentemente
não sabe que papel desempenha a cadamomento.
As dificuldades trazidas por esta situação
se tornam evidentes quando contrastamos o tra-
balho de Alexander com, por exemplo, recente en-
saio de Eunice Durham sobre a antropologia no
Brasil (Durham, 1986). Alexander, em The01'eti-
cal Logic, chama a atenção para três pecados re-ducionistas que teriam prejudicado a produção
teórica na sociologia: a redução da lógica geral aoengajamento político, presente no debate sobreideologia; sua redução às questões das preferên-
cias metodológicas, no debate sobre o positiyismo;e sua redução a proposições empiricas, no debate
sobre o conflito. Superados estes reducionismos,acredita Alexande.c estar aplainado o caminho pa-
ra a restauração plena do discurso lógico nas ci-ências sociais, quando então se torna possível dis-cutir o status teórico de termos como cultura, in-
divíduo, ordem social, poder, etc.
Eunice Durham, em seu ensaio, também sepreocupa com deslocamentos no uso de conceitosteóricos, e ensaia algumas interpretações sobre ocontexto da atividade do antropólogo brasileiro esuas implicações epistemológicas. Nos antropoló-
gos, diz ela, "estamos passando da observaçãoparticipante para a participação observante e res-
valando para a militância" (p. 27). Paradoxal-mente, diz ela, "ao mesmo tempo em que os an-
tropólogos se politizam na prática do campo, apartir de seu engajamento crescente nas lutas
travadas pelas populações que estudam, despoli-tizam os conceitos com os quais operam". Esteparadoxo teria duas explicações, uma no nível so-cial, outra no nível epistemológico. No nível so-cial, despolitização dos conceitos seria uma for-ma de solucionar o conflito entre dois papéis con-traditórios, o acadêmico e o militante. Ela não
utiliza e s t a t e r m i n o l o g i a sociológica, mas diz que
"o que estamos fazendo é operar os conceitos [declasses sociais, ideologia, pessoa, individualismo eidentidade] de ta l modo que, evitando o trata-
mento direto da problemática social e política
que neles está contido, preservamos um a alusão
a esta problemática" (p. 32). A explicação episte-mológica é mais complexa, e teria que ver com aa impossibilidade de os antropólogos pensarem atotalidade das sociedade complexas, da mesma
forma que o fazem para as sociedades primitivas
de escala mais reduzida. Ao buscar fazer um a an-
tropologia "colada" às populações que estuda, e
PARADIGMA E ESPAC
que não representam, nas sociedades complesenão fragmentos de um todo mais amplo, otropólogo termina também por se fragmen
caindo nos "deslizes semânticos" que consriam, basicamente, na utilização de conceitosforma desligada do contexto histórico e ideolco em que surgiram.
A proposição de que a ambigüidade depéis dos antropólogos (e, por extensão, de ou
cientistas sociais) leva a um uso ideológicoconceitos, por uma parte, e a um tratamento
clusivamente conceituaI e ideológico da prá
política, por outra, que decorre sem muito esço do texto de Durham, parece bastante rica.outro lado, suas conclusões mais propriame
teóricas, opostas às de Alexander, conduzem,parece, a um beco sem saída. Enquanto Alex
der procura construir, no terreno movediço discursos e dos condicionantes sociais do con
cimento, um a fundação para uma lógica teó
de validade geral, Eunice Durham parece reqrer, não somente que os antropólogos se "delem" de seus objetos de estudo, mas inclusivese construa, "em algum lugar da reflexão an
pológica" brasileira, um quadro conceituaI ad
tado a nossa realidade, e que possa substit
presumivelmente, o uso de conceitos como oclasse social, grupo de status, identidade, idegia ou pessoa. Levada ao extremo, é uma tese
vai contra toda a tentativa de dotar as ciênsociais de generalidade e abrangência explicatDentro de seus limites, ela é útil para lembrar
nem o engajamento puro e simples, nem o abstrato e vazio de conceitos, e muito menos aquizofrenia de tentar fazer as duas coisas ao mmo tempo, produz uma ciência social realme
significativa. A boa ciência social, podería
acrescentar, supõe um interesse genuíno do quisador pela realidade que estuda, uma comensão adequada dos contextos sociais em que
gem e se desenvolvem as idéias, e um esforç
trabalhar com conceitos cada vez mais univere abrangentes.
A "Nova República" traz para as ciên
sociais brasileiras novas condições, e novas
cessidades de exame e interpretação . Se ante
muros acadêmicos já eram penetrados pelo "
pe" dos meios de comunicação de massa e da
bilização política, agora chegam também as
mandas de participação na administração da
sa pública. Já não basta interpretar, critic
analisar, é necessário agora poder agir, mas
deixar de criticar nem de manter a lingua
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DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
da comunicação bem-sucedida. Se alguns cientistas sociais se especializam em alguns destes pa
péis - renunciando, quem sabe, aos favores dosmedia em benefício do trabalho acadêmico, ou
renunciando à possibilidade de participar do governo em nome da militância política, ou vice
versa - a maioria prefere conviver com a multiplicidade de papéis e tratar, de alguma forma, deconciliá-los. A tarefa é cada dia mais complexa.
A conclusão é que, se os discursos nas ci
ências sociais se explicam por condicionantes sociais e institucionais passíveis de serem conhecidos, a discussão intelectual e conceituaI sobre sua
validade não pode ser desligada não só de um a
discussão, como tampouco de um envolvimentopessoal constante e permanente dos cientistas sociais a respeito do espaço social que deve caber
em determinado meio para as ciências sociais, edentro do qual elas possam florescer em um sentido ou outro.
O Brasil, em comparação com muitos outros países, já logrou muito nesta direção, e, por
isto, as ciências sociais brasileiras têm florescido.Mas é importante ter sempre presente e problematizado o contexto em que trabalhamos . As ciências sociais, em suas diversas modalidades, necessitam de espaços relativamente permanentes eestáveis, para que a discussão sobre as condiçõesdos discursos não dominem toda su a atenção eenergia, deixando pouco espaço para a produção
de conhecimentos enquanto tal.
Comentários apresentados no X Encontro Anual da
ANPOCS. Campos do Jordão, outubro de 1986.
Bibliografia
ALEXANDER, J. C. Theoretical Logic in Sociologq.me one . Positivism, Pressuppositions and C
Controversies. Bekeley and Lo s Angeles, U
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