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I I I ~ , T I s r l l A Illli'SII ~ I l l i . J I ~ ( ~ I I ~ N ( ~ I l S número 4 vol . 2 junho de 1987 publ ic ação quadrimestral S ( ) ( ~ I l I S ASSOCIAÇAO NACIONAL DE POS GRADUAÇAO E PESQUISA EM C I ~ N C I S SOCIAIS ISSN 0102  69 9 SUMÁRIO 3 Apresentação 5 9 36 39 4 65 88 lOS 2 o novo movimento teórico Jeffrey C lexander Paradigma e espaço das ciências sociais - comentários ao artigo O novo movimento teórico , de Jeffrey C Alexander. Simon Schwartzman Comentários ao artigo O novo movimento teórico , de Jeffrey C Alexander Elisa Reis Do ângulo do marxismo - comentários ao artigo O novo movimento teórico , de Jeffrey C . Alexander arlos Nelson Coutinho Perspectivas da consolidação democrática: o caso brasileiro Bolivar Lamounier A gênese de uma Intelligentsia os intelectuais e a política no Brasil, 1920 a 1940 Luciano Martins Aliados e rivais na família: o conflito entre consangüíneos e afins em uma vila portoalegrense Claudia Fonseca Resenhas Resumos / Abstracts / Résumés

Revista brasileira de ciências sociais n 4 vol 2 (artigo de Jeffrey Alexander e análises)

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I I I ~ , T I s r l l ' A Illli'SII . ~ I l. J ) I ~ ( ~ I I ~ N ( ~ I l '

número 4 vol . 2

junho de 1987publ icação quadrimestral S ( ) ( ~ I l ' I

ASSOCIAÇAO NACIONAL DE POS-GRADUE PESQUISA EM C I ~ N C I A S SO

ISSN 010

SUMÁRIO

3 Apresentação

5

29

36

39

43

65

88

lOS

o novo movimento teóricoJeffrey C. Alexander

Paradigma e espaço das ciências sociais -comentários ao artigo "O novo movimento

teórico", de Jeffrey C. Alexander.Simon Schwartzman

Comentários ao artigo "O novo movimentoteórico", de Jeffrey C. AlexanderElisa Reis

Do ângulo do marxismo - comentários aoartigo "O novo movimento teórico", de JeC. AlexanderCarlos Nelson Coutinho

Perspectivas da consolidação democrática:

caso brasileiroBolivar Lamounier

A gênese de uma Intelligentsia - os intelece a política no Brasil, 1920 a 1940Luciano Martins

Aliados e rivais na família: o conflito entreconsangüíneos e afins em uma vilaportoalegrenseClaudia Fonseca

Resenhas

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simon schwartzman

PARADIGMAE ~ S P A Ç O DAS

CIENCIAS SOCIAIcomentários ao artigo "o novo movimento teórico" de j.c. alexan

Alexander e a superação do positivismo

As ciências sociais contemporâneas devem a Jeffrey Alexander uma contribuição importante, na

forma de uma tentativa ambiciosa e inteligente

de dar alguma ordem ao caos epistemológico econceituaI em que ela se debate. Sem pretender

reproduzir, aqui, uma análise que podemos ouvir do próprio autor, gostaria no entanto de sumariar alguns aspectos principais, para situar adiscussão que se seguirá.

Alexander inicia seus argumentos, muito

adequadamente, tratando de limpar o terreno da

discussão epistemológica. Em Theoretical Logic

(1982), ele procura mostrar como a visão positivista da ciência, que reduz todo o conhecimentoa busca de "fatos empíricos, não se sustenta nem

nas ciências sociais, nem nas ciências naturais.

Não faz sentido argumentar, como quiseram mui

tos, que as ciências sociais, por estarem envolvidas todo o tempo com valores e significados, seconstituiriam em um campo epistemológico à

parte - a resposta "humanista" ao positivismosociológico. Ao retraçar o caminho percorrido desde os trabalhos de Alexander Koyre (1939) e Michael Polanyi (1958) sobre os supostos culturais

(Koyre) e a fundamentação tácita das ciências

Simon Schwartzman - Instituto Universitário de Pes

quisas do Rio de Janeiro (lUPERJl

naturais (Polanyi) até a moderna sociologciência com seus estudos empíricos sobre atrução dos fatos científicos (e passando, invelmente, pela contribuição seminal de Th

Khun sobre os paradigmas do conhecim

Alexander mostra como os postulados positnão passam de uma ilusão dos tempos da c

normal. A única diferença real entre as cinaturais e as ciências sociais seria que, nesdiscussões de valores e princípios são mais

tantes e presentes, os supostos tácitos menceis de serem admitidos. A crítica aos supositivistas, e a recusa em cair no irracionimplícito no "humanismo" antiempírico, jcam o esforço de Alexander em recuperar oespecificamente teórico e conceituaI das cisociais.

Seu texto atnal (Alexander, 1986) do anterior pelo menos em dois pontos imp

. teso Primeiro, as diferenças entre as ciêncciais e as ciências naturais voltam a ganha

eminência. Segundo, o que era antes visto c"nível conceitual" das ciências sociais (na

dade, um contínuo que ia das pressuposiçõegerais, próximas ao "ambiente metafísico"empírico das ciências até os supostos metodcos da pesquisa) é agora apresentado comotituindo um nível "discursivo". São duas dças importantes, que vale a pena explor

pouco.RBCS 11.° 4 vai . 2 J

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. naturais são tão dependentes

ciências sociais de pressuposições tácimundo e modelos operacionais im

(exemplars, conforme Khun), como exserem elas muito menos suscetíveis as

controvérsias e debates que avassam as ciências sociais o tempo todo? "It is be

natural scientists so often agree about the

commitments which inform their

that more delimited empirical questíonsreceive their explicit attention", nos res

. 7-8).

Ele não examina em que condições esteonsenso se dá ou não, mas é fácil dar pelo menoslguns exemplos. O consenso que permite um a

discussão técnica sobre as funções de um a enzima, ou das propriedades de um novo material,

começa a ser menos claro quando o que se discute é, por exemplo, a segurança de uma usina nu

clear ou o grau aceitável de poluição do ar por

certos produtos químicos. Nos primeiros exemplos, o que constitui uma "função" ou como sedefinem as "propriedades" de determinado componente são conceitos que fazem parte da práti

ca quotidiana dos pesquisadores, e não são postos normalmente em discussão. Nos outros exemplos, a discussão não é necessariamente menos

técnica ou científica, mas já não existe consensotácito sobre o que venham a ser "níveis aceitáveis" de segurança ou tolerabilidade. O avançotecnológico que permite a detecção de partículas

infinitesimais de produtos químicos em alimentos, assim como o avanço de estudos epidemiológicos que permitem detectar mudanças nas pro

babilidades de ocorrência de determinadas enfer

midades, vão tornando controversas questões que

antes eram tratadas em marcos estritamentes

"tácitos" ou "científicos".

A diferença entre as ciências naturais esociais seria, pois, simplesmente de grau, e se ex

plicaria pelo fato de nestas, "in its social applica

tion science produces so much more disagree

ment". Application, aqui, não se refere sim

plesmente à tecnologia (onde as ciências sociais

são reconhecidamente inferiorizadas), mas, prin

cipalmente, ao que elas trazem como avaliação

ou interpretação do homem e do mundo em que

habita. "Classe social" ou "socialização", por

exemplo, não são conceitos lógica e empiricamen-

PARADIGMA E ESPAÇ

te determináveis; eles conduzem não só a deteminado tipo de análises, mas trazem também ibutidas certas visões mais amplas de como as sciedades se transformam e incorporam ou n

aos indivíduos que as compõem. As controvérsicomo vimos acima, não são alheias às ciências n

turais, e se tornam tanto mais intensas quantoimplicações de seus resultados passam a ir alé

de seus marcos "científicos" usuais. Em que mdida a separação entre os aspectos valorativos easpectos mais especificamente cognitivos do cnhecimento é válida, nas ciências naturais e n

ciências sociais? Existem tentativas, possivelmte extremadas, de abolir esta separação comptamente, como por exemplo na teoria da "finazação (Bõhme e outros, 1976, p. 306-330, e Bohm1977, p. 319-354) ou no chamado "programa fte" da sociologia do c o n h ~ c i m e n t o proposta p

escola de Edimburgo (Bloor, 1976). Ê uma dcussão acesa que ainda continuará por mu

tempo (veja a respeito Silva, 1985). Um resul

do importante , de qualquer forma, já foi obtinão são só as concepções positivistas e empírida ciência que estão abaladas, mas também

que pretendem atribuir-lhe uma fundamen

ção lógico-racional prévia a qualquer antecedte pressuposicional, ou um princípio de dem

cação absoluto entre o científico e o não cientco.

. Ciência versus aplicação e teoria versus

discurso nas ciências sociaisUma diferença importante entre as ciências ciais e as naturais é pois que, nas primeirasprópria elaboração de conceitos supostame

"neutros" já traz conotações valorativas e pr

cas imediatas. Ainda que isto ocorra também

ciências naturais (e exemplos não faltam, de lileu a Darwin), nas ciências sociais esta vinlação é muito mais constante, imediata e abr

gente. Esta é uma das razões pelas quais o proto de construção de uma sociologia "madur

pela acumulação progressiva e a codificaçãoconhecimentos parciais, jamais se concreti(Merton, 1967, p. 39-72; SChwartzman, 1971)

Em Theoretical Logic, Alexander parte

post-positivismo para recuperar a importân

da elaboração teórica em sociologia. A teoria,ele com razão, não pode ser avaliada simplesm

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·DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

te por suas implicações empíricas, como queriam

os positivistas. Existiriam, no entanto, dois crité

rios racionais para decidir quanto à validade da

argumentação científica no nível mais teórico. Oprimeiro seria o da "generalização", ou seja,"principIes so broad in scope that they cannot besubsumed by an y more empirically-oriented leveIof the scientific continuum [entre conceitos gerais e empiria] ". Em outras palavras, a teoria

deve ser capaz de criar "a framework within

which all other scientific commitments can beunderstood as specifications, even while the lat

ter maintain their analytical independence". Osegundo critério seria o da "decisão", ou decisividade: os conceitos gerais devem te r repercussõesem todos os níveis mais específicos da análise social, e não podem ser triviais (Alexander, 1982,p. 37).

Mas é claro que, se existe um nível discur

sivo (e não simplesmente teórico ou racional)nas ciências sociais, as divergências que nele semanifestam não poderiam ser resolvidas pela simples aplicação de critérios analíticos como os quepropõe Alexander, ou seja, a generalização e a"decisividade". Esta dificuldade é explicitada no

novo texto de Alexander, que explica a divisão das

ciências sociais em "escolas", assim como a perenidade dos clássicos em suas sucessivas releituras

e reinterpretações, pela existência de discursos irredutíveis.

Não podendo utilizar de critérios racio

nais, ou formais, para introduzir sua propostateórica, Alexander se confessa, ele mesmo, discursando, e procura se inserir em um movimento

pendular que detecta, e que oscila do coletivo aoindividual, do macro ao micro, do racional ao

afetivo - e vice-versa. Para ele, existe um ponto de convergência atual, que é o revigoramento

do conceito de cultura, e que permitiria a inte

gração dos diferentes pontos de vista hoje em

confronto nas ciências sociais. Sem negar o in

teresse de suas propostas teóricas, parece ser

evidente que estas propostas - ou outra qual

quer - não conseguirão se firmar quer pela simples força de argumentação lógica, quer pela per

suasividade do discurso. Existe um nível de sus

tentação mais profundo que deve ser alcançado,

que é o da vinculação entre o discurso e a realidade social a partir da qual este discurso é produzido e defendido. É na análise das relações entre esta prática, os discursos a ela relacionados eos níveis mais racionais e empíricos do conhecimento que se situa, a meu ver, a possibilidade de

um entendimento dos problemas e das poten

lidades das ciências sociais no mundo de hoj

Prática, discurso e conceitos nas ciência

sociais brasileiras: uma incursãoEm 1980 a revista Dados publica uma série dtigos sobre "ciências sociais, democracia e de

dência" que buscavam, basicamente, exam

em que medida as condições especiais em quciências sociais eram produzidas em nosso influenciavam seu conteúdo. Wanderley Gui

me dos Santos discute, em termos muito ama ciência política na América Latina, e a vê

mo afligida pelos males de um economicismhistoricismo empobrecidos, assim como por

marxismo de segunda classe. Para ele, este e

lado negativo do processo de compartimentação e especialização das ciências sociais la

americanas, que deveria ser compensado, p

mivelmente, pelo trabalho interdisciplinar.

crítica de Wanderley dos Santos era correta

explicação era duvidosa, já que os males

apontava pareciam, na realidade, afligir m

mais os países onde as ciências sociais não

viam se institucionalizado do que propriam

ao Brasil, onde esta institucionalização havi

mais longe. Não pareceria que o conceito de cialização e divisão social do trabalho intele

fosse suficiente para explicar a predominâncdiscurso historicista, economista e empobremente marxista de nossos cientistas sociais. (

tos, 1980, p. 15-28). Fábio Wanderley Reisum artigo totalmente distinto, comparte

Wanderley dos Santos a noção de que as cções "externas" do trabalho científico podem

tamente prejudicar sua qualidade, mas não

ga a avançar nenhuma hipótese sobre estas

dições e os conteúdos substantivos dos disc(Reis, 1980, p. 59-78).

O trabalho de Bolivar Lamounier (19829-58), é complexo e difícil de resumir a nã

em uma interpretação livre como a que tent

aqui. Ta l como Alexander faz para a sociolele busca examinar a evolução de alguns cotos centrais das ciências políticas contem

neas - o Estado, a ação coletiva - e observé este "o aspecto da análise política mais senà influência dos contextos sociais específicporta pela qual as diversas 'ontologias' do spenetram no discurso científico, e, ao faz

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mostram seus limites" (Lamounier, 1980, p. 44).Tal como em Alexander, está presente a idéia de"discurso"; indo mais além, no entanto, Lamounier trata de identificar, por um lado, sobre quaisconteúdos os discursos incidem mais diretamen-

te, e, por outro, os contextos sociais específicos

que os condicionam. Na segunda parte de seu tra-balho, ele apresenta uma periodização da ciênciapolítica brasileira e de seus temas respectivos: operíodo até 1945, caracterizado por ensaístas

preocupados com os problemas de formação doEstado Nacional; o período 1945-1964, orientado

para as questões da expansão da cidadania e da

capacidade de ação racional do Estado; e o período pós-1964, em que as ciências políticas se institucionalizam ou se .esfacelam, e refletem criticamente sobre as experiências anteriores (argumen-

tação semelhãnte para a antropologia é apresen

tada por Peirano, 1981) Se até 1945 os intelectuais brasileiros participavam, individualmente,de um projeto de construção do Estado tornado

ilegítimo com a democratização (Oliveira Vianaé o grande exemplo), e se nos anos seguintes pretendeu-se, pelo engajamento partidário ou açãogrupal, uma liderança em um projeto político deampliação da participação e do aumento da ra-

cionalidade do Estado (o exemplo aqui é o ISEB) ,no período pós-64 se instala uma grande divisãoque Lamounier percebe, mas não explora emmaior profundidade. Por um lado, uma visão for

temente militante, trabalhando com um estilode análise "demasiado globalizante e demasiadoinsensível ao carácter constitutivamente precáriode toda a integração política" (Lamounier, 1980,p. 56) e sujeita , podemos acrescentar, às cr íticasde Wanderley dos Santos no artigo citado ante-

riormente. Por outro, uma ciência política parti-

cularizada, perdida em uma miríade de estudosisolados de processos decisórios, de participaçãoeleitoral, mas incapaz, na visão de Lamounier, deenfrentar com a devida atenção as grandes questões da ciência política contemporânea, que gi

ram ao redor do tema do controle democrático sobre os sistemas políticos de larga escala. Em ambos os casos, produtos de uma ciência políticaafastada e de costas para o poder político constituído, o primeiro grupo possivelmente mais vitimado pela repressão ideológica, e sofrendo o impacto de um sistema universitário em decomposição; o segundo mais isolado e trabalhando em

instituições que, de alguma maneira, conseguiram se desenvolver de forma até mais estável doque nas décadas anteriores, mas que pouco po-

PARADIGMA E ESPACO

diam pretender além do trabalho acadêmico equanto tal. Se um discurso é globalizante e simplificador, o outro tende à complexidade, ao dtalhe e inconclusividade; se um é mais próximdo ethos da militância política ou do intelectu

lismo alienado, o outro se aproxima do estilo di

"cien ífico".O artigo de Valéria Pena (1980, p. 93-110

já agora sobre a sociologia, procura recuperar

sentido positivo da segmentação, do não enfretamento dos "problemas centrais" tão crucianas preocupações de Bolivar Lamounier. A virtde da "nova sociologia" (que ela faz acompanha

precavidamente, de um ponto de interrogaçãoseria a convivência com a diversidade, o trat

mento do concreto, e a descoberta de que "a s hirarquias são muitas e as opressões várias", e qupor isto vários deverão ser não só os conhecime

tos, mas a também às próprias práticas polític(Pena, p. 93). A mulher, o quotidiano dos trab

lhadores, os problemas dos negros, a sociedadcamponesa, os padrões quotidianos de convivêcia, cada uma destas coisas vêm encontrando seestudiosos, seus apaixonados e seus novos mitantes . Não existe discurso, mas discursos. Nfundo, uma sensação de que os "grandes tema

são inacessíveis, tanto quanto o poder polítitambém o era. Mas a vida continua, tem muit

facetas, e as ciências sociais poderiam, quem sbe, encontrar nova força no contato com a rea

dade concreta dos homens.Em certo sentido, o trabalho de Valéria P

na assinala o fim de um grande círculo iniciadmuitos anos antes, quando no Brasil, a sociolgia surgiu como contestação ao pensamento jrídico consolidado no poder e apropriado pelelites mais tradicionais. A sociologia se pretend

então militante, globalizante, histórica, incluía

econômico e, sobretudo, o político. Em parte pepróprio processo de institucionalização das dciplinas acadêmicas, em parte pelo ambiente plítico e institucional que passa a existir no Br

sil a partir dos anos 60, este quadro vai se altrando. A economia se transforma cada vez ma

em disciplina independente, fechada em seus dferentes paradigmas, apresentando-se muitas vzes como "técnica" e despolitizada, e de qualqu

forma sem reconhecer a legitimidade acadêmie intelectual das demais ciências sociais. A ciêcia política, que não existia na tradição brasilera a não ser como um ramo do Direito (a cham

da "Teoria Geral do Estado"), encontra sua idetidade a partir, principalmente, do mundo ac

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DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

dêmico norte-americano, e começa a absorvermuitos dos sociólogos formados na tradição mais

globalista anterior. Reduzido ao econômico, por

um lado, e ao político, por outro, o social perde

legitimidade como objeto, e a crise da sociologiacomo disciplina se instala. Esta crise explica, dealguma forma, a transformação que se opera na

antropologia brasileira, que gradualmente começa a voltar seus olhos das populações indígenas

para a realidade do mundo dito "civilizado", emais especialmente seus setores menos privilegiados, os camponeses, os pobres das cidades e os negros. É junto a esta antropologia do mundo moderno que a nova sociologia identificada por Valéria Pena vai buscar sua inspiração mais fecunda.

A convivência com o fragmentado e o plural, no entanto, requer

a estabilidaderelativa da

vida acadê:,nica. Todos os trabalhos examinados

por Valéria Pena foram elaborados nas principais

instituições de pesquisa do país - IUPERJ, Universidade de São Paulo, Museu Nacional do Riode Janeiro, CEDEC. Enquanto isto, os cursos degraduação continuavam a formar cientistas sociais que as instituições acadêmicas não mais absorveriam, ou só absorveriam precariamente. Ao

mesmo tempo, o regime militar começava a mostrar suas fissuras, e os movimentos reivindicativos da sociedade se tornavam cada vez mais for

tes e audaciosos. Era uma nova realidade que surgia, e nela uma boa parte das ciências sociais bra

sileiras mergulharia de cabeça.Era chegada a hora, como assinala Mark

Osiel, de "ir para o povo" (Osiel, 1984, p. 245-275).Os intelectuais, que nos tempos do ISEB preten

diam ser a cabeça pensante da nação, e com istoconquistar o seu apoio, agora confessam humil

demente sua ignorância, e a necessidade deaprender com a gente simples. O povo, no novodiscurso, sabe votar, é intrinsecamente democrático, tem . uma sabedoria recôndita muito supe

rior aos artificialismos da cultura importada. Ointelectual agora assumia a tarefa de dar dignidade e respeitabilidade às coisas do povo - sua

linguagem, sua religião, seus valores - e, a par

tir deste trabalho redentor, conquistar seu novoespaço. Esta nova produção intelectual não se canalizava para as sisudas revistas científicas, mas

para os jornais de grande circulação, para os par

tidos políticos e para as salas de aula repletas

de jovens que ingressavam em massa em uma

universidade em expansão e viam pouco sentido

na antiga racionalidade acadêmica que, muito

suspeitamente, havia florescido nos anos da

dura e parecia ter origens no exterior. O discurso valoriza o estilo, a paixão, a simpati

compromisso inalienável com os dogmas po

res (a sabedoria do povo, a valorização do cional e do intuitivo, a crítica ao raciocínio fdesumanizado, a oposição à tecnocracia e ader constituído em todas as suas formas).

por isto, no entanto, é um discurso inculto.isto estão, e são citados conforme os gostosnecessidades, Lacan, Bordieu, Foucault, Fe

bend, e até mesmo Derrida para os mais socados. Manejar autores tão complexos em comunicativo não é tarefa fácil, e por istonova hierarquia vai se estabelecendo no m

intelectual, baseada em um discurso radical

te oposto ao das ciências sociais academicam

constituídas, sem diálogo ou síntese possíve

Discursos e a natureza do

conhecimento socialA sociologia da ciência, ao colocar o conhecito científico (ou pelo menos seu "discurso"

contexto de seus condicionantes sociais, corisco de alimentar uma tese profundamente

cionalista, que é a de que, no fundo, todos onhecimentos são iguais, e a noção de "verd

não passa da expressão do poder político dgrupo sobre os outros. Esta conclusão, no e

to, não é necessária. Diversos tipos de conmento produzem diferentes resultados, e pser avaliados pelo que alcançam . Alguns tr

dividendos políticos; outros atraem grande

blicos, e formam opinião; outros produzem

cações coerentes e econômicas de fenômenociais complexos e diferenciados; outros perm

previsões acuradas de determinados fenôm

em determinadas condições; outros, finalmprivilegiam a eficiência administrativa e emsarial. Conforme o ambiente histórico, o clim

lítico, as solicitações e as condições de trab

dos cientistas sociais (e não só deles), buscacoisas diferentes, e os resultados, por isto,sempre são comparáveis e analisados sob ama lógica. O que ocorre, e cada vez mais,as ciências sociais (no Brasil e em outras pa

é que muros que porventura tenham existidtre o am biente acadêmico (onde prevalecevalores da explicação abrangente e econômic

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complexidade e do ceticismo organizado) e os de-mais são constantemente penetrados de lado alado, e o próprio cientista social freqüentemente

não sabe que papel desempenha a cadamomento.

As dificuldades trazidas por esta situação

se tornam evidentes quando contrastamos o tra-

balho de Alexander com, por exemplo, recente en-

saio de Eunice Durham sobre a antropologia no

Brasil (Durham, 1986). Alexander, em The01'eti-

cal Logic, chama a atenção para três pecados re-ducionistas que teriam prejudicado a produção

teórica na sociologia: a redução da lógica geral aoengajamento político, presente no debate sobreideologia; sua redução às questões das preferên-

cias metodológicas, no debate sobre o positiyismo;e sua redução a proposições empiricas, no debate

sobre o conflito. Superados estes reducionismos,acredita Alexande.c estar aplainado o caminho pa-

ra a restauração plena do discurso lógico nas ci-ências sociais, quando então se torna possível dis-cutir o status teórico de termos como cultura, in-

divíduo, ordem social, poder, etc.

Eunice Durham, em seu ensaio, também sepreocupa com deslocamentos no uso de conceitosteóricos, e ensaia algumas interpretações sobre ocontexto da atividade do antropólogo brasileiro esuas implicações epistemológicas. Nos antropoló-

gos, diz ela, "estamos passando da observaçãoparticipante para a participação observante e res-

valando para a militância" (p. 27). Paradoxal-mente, diz ela, "ao mesmo tempo em que os an-

tropólogos se politizam na prática do campo, apartir de seu engajamento crescente nas lutas

travadas pelas populações que estudam, despoli-tizam os conceitos com os quais operam". Esteparadoxo teria duas explicações, uma no nível so-cial, outra no nível epistemológico. No nível so-cial, despolitização dos conceitos seria uma for-ma de solucionar o conflito entre dois papéis con-traditórios, o acadêmico e o militante. Ela não

utiliza e s t a t e r m i n o l o g i a sociológica, mas diz que

"o que estamos fazendo é operar os conceitos [declasses sociais, ideologia, pessoa, individualismo eidentidade] de ta l modo que, evitando o trata-

mento direto da problemática social e política

que neles está contido, preservamos um a alusão

a esta problemática" (p. 32). A explicação episte-mológica é mais complexa, e teria que ver com aa impossibilidade de os antropólogos pensarem atotalidade das sociedade complexas, da mesma

forma que o fazem para as sociedades primitivas

de escala mais reduzida. Ao buscar fazer um a an-

tropologia "colada" às populações que estuda, e

PARADIGMA E ESPAC

que não representam, nas sociedades complesenão fragmentos de um todo mais amplo, otropólogo termina também por se fragmen

caindo nos "deslizes semânticos" que consriam, basicamente, na utilização de conceitosforma desligada do contexto histórico e ideolco em que surgiram.

A proposição de que a ambigüidade depéis dos antropólogos (e, por extensão, de ou

cientistas sociais) leva a um uso ideológicoconceitos, por uma parte, e a um tratamento

clusivamente conceituaI e ideológico da prá

política, por outra, que decorre sem muito esço do texto de Durham, parece bastante rica.outro lado, suas conclusões mais propriame

teóricas, opostas às de Alexander, conduzem,parece, a um beco sem saída. Enquanto Alex

der procura construir, no terreno movediço discursos e dos condicionantes sociais do con

cimento, um a fundação para uma lógica teó

de validade geral, Eunice Durham parece reqrer, não somente que os antropólogos se "delem" de seus objetos de estudo, mas inclusivese construa, "em algum lugar da reflexão an

pológica" brasileira, um quadro conceituaI ad

tado a nossa realidade, e que possa substit

presumivelmente, o uso de conceitos como oclasse social, grupo de status, identidade, idegia ou pessoa. Levada ao extremo, é uma tese

vai contra toda a tentativa de dotar as ciênsociais de generalidade e abrangência explicatDentro de seus limites, ela é útil para lembrar

nem o engajamento puro e simples, nem o abstrato e vazio de conceitos, e muito menos aquizofrenia de tentar fazer as duas coisas ao mmo tempo, produz uma ciência social realme

significativa. A boa ciência social, podería

acrescentar, supõe um interesse genuíno do quisador pela realidade que estuda, uma comensão adequada dos contextos sociais em que

gem e se desenvolvem as idéias, e um esforç

trabalhar com conceitos cada vez mais univere abrangentes.

A "Nova República" traz para as ciên

sociais brasileiras novas condições, e novas

cessidades de exame e interpretação . Se ante

muros acadêmicos já eram penetrados pelo "

pe" dos meios de comunicação de massa e da

bilização política, agora chegam também as

mandas de participação na administração da

sa pública. Já não basta interpretar, critic

analisar, é necessário agora poder agir, mas

deixar de criticar nem de manter a lingua

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7/27/2019 Revista brasileira de ciências sociais n 4 vol 2 (artigo de Jeffrey Alexander e análises)

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DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

da comunicação bem-sucedida. Se alguns cientistas sociais se especializam em alguns destes pa

péis - renunciando, quem sabe, aos favores dosmedia em benefício do trabalho acadêmico, ou

renunciando à possibilidade de participar do governo em nome da militância política, ou vice

versa - a maioria prefere conviver com a multiplicidade de papéis e tratar, de alguma forma, deconciliá-los. A tarefa é cada dia mais complexa.

A conclusão é que, se os discursos nas ci

ências sociais se explicam por condicionantes sociais e institucionais passíveis de serem conhecidos, a discussão intelectual e conceituaI sobre sua

validade não pode ser desligada não só de um a

discussão, como tampouco de um envolvimentopessoal constante e permanente dos cientistas sociais a respeito do espaço social que deve caber

em determinado meio para as ciências sociais, edentro do qual elas possam florescer em um sentido ou outro.

O Brasil, em comparação com muitos outros países, já logrou muito nesta direção, e, por

isto, as ciências sociais brasileiras têm florescido.Mas é importante ter sempre presente e problematizado o contexto em que trabalhamos . As ciências sociais, em suas diversas modalidades, necessitam de espaços relativamente permanentes eestáveis, para que a discussão sobre as condiçõesdos discursos não dominem toda su a atenção eenergia, deixando pouco espaço para a produção

de conhecimentos enquanto tal.

Comentários apresentados no X Encontro Anual da

ANPOCS. Campos do Jordão, outubro de 1986.

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