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PARECER
Temática 1. O controle de constitucionalidade. 2. Dos tipos de inconstitucionalidade: a
inconstitucionalidade formal e a inconstitucionalidade material – procedimentos absolutamente
inconstitucionais. 3. Da ilegitimidade do processo de impeachment instaurado contra Vice-governador
de Estado – caso de inépcia das denúncias e do processo de impeachment.
São Paulo
2020
CONSULTA
Consulta-nos o VICE-GOVERNADOR DO ESTADO DO AMAZONAS,
DR. CARLOS ALBERTO SOUZA DE ALMEIDA FILHO, ora Consulente, a
respeito das Denúncias nºs. 03/2020 e 04/2020, originárias do processo de
impeachment, tramitando perante a Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas.
O Consulente busca saber, em síntese, à luz da norma, da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, da doutrina e dos precedentes judiciais, se, de
fato, é possível o prosseguimento do processo de impeachment instaurado, bem como,
a respeito da regularidade e da legitimidade do procedimento, em especial, diante das
inconstitucionalidades formais e materiais constatadas no referido processo,
notadamente ante a decisão proferida pelo Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do
Amazonas, suspendendo os processos administrativos e/ou judiciais instaurados por
crimes de responsabilidade, por ocasião do julgamento da ADI nº 4002725-
08.2020.8.04.0000.
O presente parecer compreende uma análise detida dos autos, à luz da
jurisprudência e da doutrina, sobre as objeções de cunho formal, material e processual.
SUMÁRIO
I – SÍNTESE DA CONSULTA....................................................................................4
II – O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE...........................................11
II.1 – DOS TIPOS DE INCONSTITUCIONALIDADE: A INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E A INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL – PROCEDIMENTOS ABSOLUTAMENTE INCONSTITUCIONAIS............................................................................................21
III – DA ILEGITIMIDADE DO PROCESSO DE IMPEACHMENT INSTAURADO CONTRA VICE-GOVERNADOR DE ESTADO – CASO DE INÉPCIA DAS DENÚNCIAS E DO PROCESSO DE IMPEACHMENT.......................................................................................................28
IV – CONCLUSÃO..................................................................................................38
I - SÍNTESE DA CONSULTA
Trata-se de processo de impeachment instaurado em face do
Governador do Estado do Amazonas, Wilson Miranda Lima, e de seu Vice-
governador, Carlos Alberto Souza de Almeida Filho, pela suposta prática de crimes
de responsabilidade, instaurado na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas.
Durante a tramitação do procedimento, foi proposta a Ação Direita de
Inconstitucionalidade de nº 4002725-08.2020.8.04.0000, perante o Tribunal de
Justiça do Estado do Amazonas, visando à declaração de inconstitucionalidade das
normas insculpidas nos arts. 21, inciso XI, 51, inciso I, alínea “e”, 170, inciso II,
176, 177, 178 e 179 da Resolução Legislativa n° 469/2010 (Regimento Interno da
Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas – RIALEAM), mormente no
tocante ao “Processo de Crime de Responsabilidade do Governador, do Vice-
Governador e de Outros Agentes Políticos” no âmbito desta unidade federativa.
Em síntese, alega o requerente que os dispositivos mencionados
estabelecem normas autônomas de processamento e julgamento dos crimes de
responsabilidade, o que contraria o sistema de competências delineado pela
Constituição Federal de 1988 (CF/88) por vício de inconstitucionalidade formal
orgânica, uma vez que esta prevê, em seu art. 22, inciso I, que as matérias penal e
processual são de competência legislativa privativa da União [norma repetida
pelo art. 16 da Constituição do Estado do Amazonas (CEAM)].
Do mesmo modo, aduz ocorrer inconstitucionalidade material em relação
ao disposto nos arts. 28, inciso XXI, e 56, ambos colmatados pela decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF) na ADI n° 4.771/AM, de relatoria do E. Min. Luiz Edson
Fachin, que declarou a inconstitucionalidade com redução parcial do texto destes
dispositivos.
Indica que a competência do Tribunal de Justiça para processar e julgar,
originariamente, a Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
estadual ou municipal, inclusive o respectivo pedido de medida cautelar, em face da
Constituição Estadual, está regularmente estabelecida no art. 72, inciso I, alíneas “f”
e “g”, da CEAM, estabelecendo como parâmetro normativo inicial o art. 16 da
CEAM que dispõe que o Estado exercerá, em seu território, todas as
competências que não tiverem sido atribuídas, com exclusividade, pela
Constituição da República, à União e aos Municípios.
Indica, ainda, o art. 22, inciso I, da CF/88, segundo o qual compete
privativamente à União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual,
eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho [norma esta de
repetição obrigatória por parte dos Estados].
Com efeito, informa que os diplomas normativos impugnados
desrespeitam os arts. 28, inciso XXI, e 56 da CEAM, dada a redução parcial de
texto imposta pelo STF em virtude da declaração de inconstitucionalidade destes
dispositivos na ADI n° 4.771/AM, bem como o afrontoso desacato ao enunciado da
Súmula Vinculante n° 46 do STF, que diz, expressamente, que a definição dos
crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de
processo e julgamento são de competência legislativa privativa da União.
No mérito, sustenta a inconstitucionalidade formal do inciso XI do art.
21, bem como da alínea “e” do inciso I do art. 51 da Resolução nº 469/2010
(RIALEAM), basicamente:
a) por inconstitucionalidade formal orgânica em virtude da competência
privativa da União para legislar sobre direito penal e processo penal
(art. 22, inciso I, da CF/88 e art. 16 da CEAM);
b) violação da Súmula Vinculante n° 46 do STF;
c) irregular atribuição de competências processuais específicas à
Secretaria-Geral da Mesa e à Comissão Especial, incluindo a formação
deste último órgão, em processo de crime de responsabilidade;
d) violação direta aos termos da Lei Federal n° 1.079/1950, que já prevê
normas aplicáveis ao processamento e julgamento do Governador e dos
Secretários de Estado por crimes de responsabilidade;
e) violação da simetria em relação ao Regimento Interno do Congresso
Nacional, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, que seriam
Resoluções, ou seja, espécies normativas primárias previstas diretamente na
Constituição Federal (art. 59, inciso VII).
Sustenta, ainda, haver inconstitucionalidade material quanto aos mesmos
dispositivos, uma vez que, ao julgar procedente a ADI nº 4.771/AM, o Supremo
Tribunal Federal (STF) determinou a redução parcial de texto, suprimindo as
expressões:
a) “processar e julgar o Governador” e “nos crimes de responsabilidade”,
do art. 28, inciso XXI, da CEAM;
b) “Admitida por dois terços dos integrantes da Assembleia Legislativa a
acusação contra o Governador do Estado” e “ou perante a Assembleia
Legislativa nos crimes de responsabilidade”, do art. 56, caput, da
CEAM;
c) “desde o recebimento da denúncia ou queixa-crime pelo Superior
Tribunal de Justiça, quando se tratar de infrações penais comuns”, do
art. 56. §1º, inciso I, da CEAM.
Portanto, sustentam que os dispositivos citados do RIALEAM estariam
em desconformidade com relação ao novo texto da Constituição do Estado, e,
justamente por isso, seriam normas autônomas se não consideradas
inconstitucionais por arrastamento ou, no mínimo, por alteração do paradigma
(inconstitucionalidade superveniente).
Na sequência, sustenta a inconstitucionalidade material do inciso II do
art. 170 do RIALEAM em comparação com o novo texto do art. 28 da CEAM ,
uma vez que o dispositivo da resolução normatiza que o controle da
Administração Pública a cargo da Assembleia Legislativa e de suas Comissões
compreende, dentre outros, julgar os atos do Governador e Vice-Governador do
Estado e demais agentes políticos estaduais, notadamente aqueles que
importarem crime de responsabilidade, ressalvada a competência do Tribunal de
Contas do Estado.
Afirma que o processamento e julgamento do Vice-Governador por
crimes de responsabilidade é inovação normativa instituída pelo Regimento
Interno da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, e que, em uma
interpretação sistemática de todo o ordenamento jurídico, tanto constitucional quanto
infraconstitucional, inexiste tal previsão de responsabilização, ou seja, a ALEAM
criaria um “novo tipo penal, o qual poderia ser chamado de ‘impeachment de Vice-
Governador”, algo sabidamente inconstitucional e inadequado .
Ato contínuo, sustenta a tese de inconstitucionalidade formal e material
dos arts. 176, 177, 178 e 179 do RIALEAM, topograficamente localizados no
“Capítulo IV – “Processo de Crime de Responsabilidade do Governador, do
Vice-Governador e de Outros Agentes Políticos”. Em suma, alega:
a) invasão da competência legislativa privativa da União prevista no art.
22, inciso I, da CF/88 e art. 16 da CEAM, além de violação da Súmula
Vinculante nº 46 do STF;
b) ampliação indevida do rol de legitimados ativos e criação de novos
sujeitos passivos nos processos de responsabilização de crimes de
responsabilidade (art. 176, caput e §1º, do RIALEAM);
c) estabelecimento indevido da própria Assembleia Legislativa como
órgão julgador dos praticantes de crimes de responsabilidade (art. 176,
caput e §1º, do RIALEAM);
d) inexistência de previsão sequer na Constituição Estadual para
definição do rito de julgamento, o que demonstra o caráter autônomo da
norma (art. 176, §2º, do RIALEAM);
e) criação de normas processuais e de quórum para julgamento sobre
os crimes de responsabilidade em desacordo com o ordenamento
jurídico (art. 177, caput, incisos I a VI, e parágrafo único, do RIALEAM);
f) definição da ALEAM como Tribunal Julgador dos agentes políticos,
relativamente à admissibilidade da denúncia, em violação direta ao que
determina o ordenamento jurídico, inclusive, dispondo sobre a
possibilidade de afastamento funcional e suspensão de direitos
constitucionais (art. 177, inciso V e parágrafo único, do RIALEAM);
g) definição da ALEAM como Tribunal Julgador dos agentes políticos
para condenar, em caso de culpa “lato sensu”, em violação direta ao
que determina o ordenamento jurídico, inclusive dispondo sobre o
afastamento em definitivo e perda de direitos constitucionais (art. 178
do RIALEAM);
h) violação ao princípio da publicidade e transparência por previsão de
voto secreto (art. 178, §3º, do RIALEAM);
i) criação de tipo penal e regras de julgamento em desacordo com o
ordenamento constitucional (art. 179 do RIALEAM).
Após a exposição dos fundamentos da ação, o Requerente pugnou pela
concessão liminar de medida cautelar, indicando atender todos os requisitos legais:
a) fumus boni iuris está no fato de que o legitimado comprovou, de forma
clara e incontroversa, a regularidade do direito que lhe é assegurado, posto
que, houve demonstração cabal de que a Assembleia Legislativa do Estado
do Amazonas usurpou competência da União e legislou sobre temas que
não eram da sua alçada, de modo que, houve violação do art. 16 da CEAM
e art. 22, inciso I, da CF/88, bem como desrespeito aos arts. 28, inciso XXI,
31, §2º, e 56, após decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI n°
4.771/AM, todos dispositivos da CEAM – citados precedentes do Tribunal
de Justiça;
b) periculum in mora por lesão grave e de difícil reparação,
consubstanciado no renitente descumprimento da Súmula Vinculante nº 46
e do julgado na ADI nº 4.771/AM, mormente porque o Chefe do Poder
Executivo enfrenta constantes pedidos de impeachment em seu mandato
sem uma correta limitação da atuação da Assembleia Legislativa, assim
como porque se criou o “ impeachment de Vice-Governador”, em
desacordo com o ordenamento jurídico.
Por fim, defendeu a possibilidade de concessão monocrática da medida
cautelar pleiteada, porquanto, mesmo sendo sabido que, em regra, a medida cautelar
em ação direta de inconstitucionalidade está submetida à reserva de plenário, nos
moldes do art. 97 da Constituição Federal e art. 10 da Lei n° 9.868/1999 , o próprio
Supremo Tribunal Federal, considerando que a lei não pode prever todas as possíveis
hipóteses que possam vir a configurar a urgência da pretensão cautelar, tem
reconhecido a possibilidade de utilização do poder geral de cautela pelo Relator
para que este decida monocraticamente sobre o pedido, fora dos períodos de
recesso forense e férias, em que se anteveja perda de utilidade, caso se aguarde o
cumprimento do rito burocrático legalmente estabelecido, devendo, de toda
forma, submeter sua decisão cautelar ao referendo do Tribunal, em Sessão
Plenária (art. 21, inciso V, RISTF).
Assim, aos 13 de maio de 2020, reconhecendo a existência do fumus boni
iuris e do periculum in mora (perigo de lesão irreparável ou de difícil reparação),
houve a concessão da medida cautelar, devidamente referendada, por maioria de
votos, pelo Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, para suspender
a eficácia dos arts. 21, inciso XI, 51, inciso I, alínea “e”, 170, inciso II, 176, 177,
178 e 179 da Resolução Legislativa n° 469/2010 (Regimento Interno da
Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas – RIALEAM), bem como para
suspender os eventuais processos administrativos e/ou judiciais por crime de
responsabilidade que tenham como base os referidos dispositivos do Regimento
Interno. Assim, temos no referido julgado:
“A urgência na apreciação do caso se justifica pela atual vigência e
consequente eficácia normativa do Regimento Interno da Assembleia
Legislativa na condução dos trabalhos do Poder Legislativo em matéria
de crimes de responsabilidade, em franco desrespeito à decisão do
Supremo Tribunal Federal na ADI n° 4.771/AM, relatada pelo E. Min.
Luiz Edson Fachin, em que o Ministro concluiu, monocraticamente e com
base em diversos precedentes vinculantes, pela inconstitucionalidade com
redução parcial de texto dos arts. 28, inciso XXI, e 56 da CEAM. (...)
Os dispositivos impugnados na presente ação, à primeira vista,
aparentam destoar da sobrecitada decisão tomada na ADI nº 4.771/AM,
posto que esta excluiu da Constituição Estadual os termos “processar e
julgar o Governador” e “nos crimes de responsabilidade”, do art. 28,
inciso XXI, “admitida por dois terços dos integrantes da Assembleia
Legislativa a acusação contra o Governador do Estado” e “ou perante a
Assembleia Legislativa nos crimes de responsabilidade”, do art. 56, caput,
e “desde o recebimento da denúncia ou queixa-crime pelo Superior
Tribunal de Justiça, quando se tratar de infrações penais comuns”, do
art. 56. §1º, inciso I. (...)
O perigo de lesão irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora)
consiste na possibilidade de submissão imediata do Chefe do Poder
Executivo, em conjunto com o Vice-Governador, a um processo de
impeachment por crime de responsabilidade em possível desacordo com o
ordenamento jurídico vigente”.
Ato contínuo, o Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do
Amazonas, Dep. Josué Cláudio de Souza Neto, por intermédio de decisão proferida
aos 07 de julho de 2020, contrariando a decisão judicial que determinou a
suspensão do processo de impeachment , acolheu os Pareceres de nºs 128/2020 e
96/2020 da Procuradoria-Geral da ALEAM, para determinar “o prosseguimento
dos processos por crime de responsabilidade em epígrafe com relação ao segundo
passo, que consiste na eleição da Comissão Especial de que trata a parte final do
art. 19 da Lei 1.079/1950, determinando que os líderes dos partidos políticos e
blocos partidários com representação na ALEAM indiquem os respectivos membros
para comporem a chapa a ser votada em Plenário, a contar notificação desta
decisão em Plenário, devendo as indicações ser feitas o mais breve possível, ainda
nessa mesma sessão ordinária ou até o limite impreterível de 24h, podendo
excepcionalmente ser prorrogado tal prazo por igual período”.
Esse é o estágio processual atual do presente feito sob consulta.
II. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Sabe-se que o controle1 de constitucionalidade2 é importante mecanismo,
de função altamente complexa e necessária à existência de uma Constituição3 rígida4,
“pois é por meio dele que se garante a estabilidade à Constituição e, sobretudo, sua
consolidação, adequando as normas infraconstitucionais à Norma Constitucional, que
rege o Estado Democrático de Direito”5. Realmente, controlar a constitucionalidade
acaba sendo a efetiva adequação (compatibilidade) de uma determinada lei ou ato
normativo com a Constituição Federal, verificando, naturalmente, seus requisitos
formais e materiais6.
Esse controle de constitucionalidade pode ser realizado de maneira
preventiva ou, até mesmo, repressiva7. Ademais, esse modelo de controle se
desenvolverá quando a norma já esteja editada, podendo ser controlada pelo Poder
Judiciário, enquanto aquele modelo de controle ocorre enquanto a norma ainda não foi
efetivamente editada. Assim, “o controle preventivo é uma forma de se controlar a lei
antes mesmo de ser aperfeiçoada ou publicada, ou seja, antes que a norma passe a ter 1 Sobre a palavra controle, vale trazer as colocações de Sérgio Resende de Barros: “No geral, conceitua-se: controle é a verificação, por um sujeito controlador, da adequação de um objeto controlado a um objeto que serve de paradigma. Aí está claro que o controle não é a adequação de um objeto a outro, que lhe é posto como paradigma; mas é a verificação dessa adequação. Sendo dessa maneira, controle não é binômio entre dois objetos, mas é uma verificação feita por um sujeito sobre esse binômio. Por conseguinte, é trinômio, implicando sempre a presença de três elementos: o sujeito controlador, que realiza o controle, tendo diante de si dois objetos, que são por ele comparados: o objeto controlado propriamente dito e o objeto-paradigma do controle, os quais não raro são chamados, simplesmente, objeto e paradigma do controle” BARROS, Sérgio Resende de. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, n. 54, dez. 2000, p. 21-43.2 Para o autor argentino Nestor Sagués, um sistema completo de controle de constitucionalidade requer vários ingredientes, sendo eles: uma Constituição rígida, um órgão de controle independente, faculdades decisórias do órgão de controle, direito aos prejudicados de reclamar e impulsionar o controle e submeter todo o ordenamento jurídico ao controle SAGUÉS, Nestor P. Elementos de Derecho Constitucional. Buenos Aires: Artraz, 1997, t. I, p. 143-144.3 Sobre a prevalência da Constituição em detrimento das demais normas, deve-se observar HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. The Federalist. Chicago/Londres/Toronto: William Benton, Publisher, Encyclopaedia Britannica, 1952. p. 231. Importante também conferir HAURIOU, Maurice. Derecho público y constitucional. 2. ed. Madrid: Reus, 1927. p. 159.4 Sobre a firmeza da Carta Política, vale observar que “el derecho Constitucional en sentido propio exige una Constitución normativa”. Vide Pérez Royo, Javier. Corso de derecho constitucional. Madrid – Barcelona: Marcial Pons, 1998, p. 92.5ALVIM, Eduardo Arruda. THAMAY, Rennan Faria Krüger. GRANADO, Daniel Willian. Processo constitucional. São Paulo: RT, 2014, p. 70.6 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 49 e ss.7 Nesse sentido, “distingue-se então o controle preventivo do controle repressivo. Aquele opera antes que o ato particularmente a lei, se aperfeiçoe; este depois de perfeito o ato, de promulgada a lei. Aquele é controle a priori. Este, a posteriori”. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 36.
validade em todo o território que ela se propôs a abranger. O ponto aqui é que ocorre
geralmente no Poder Legislativo, na comissão de constituição e justiça, podendo,
ainda, ocorrer no Poder Executivo por meio do veto jurídico, que é efetivado pelo
Presidente da República”8.
Assim, na verdade, deve-se buscar, sempre, “afastar do cenário
jurídico-social a inconstitucionalidade9, caracterizada como aquela lei ou ato
normativo10 contrários à Constituição e seu texto”11. De fato, a Constituição Federal é,
hierarquicamente, superior às demais normas12 no Brasil e em outros países, fazendo
com que haja cuidado para que se afastem as inconstitucionalidades13 de leis
infraconstitucionais e atos normativos em geral que se oponham ao determinado na
Constituição.
Explica Jorge Miranda que constitucionalidade e inconstitucionalidade 8ALVIM, Eduardo Arruda. THAMAY, Rennan Faria Krüger. GRANADO, Daniel Willian. Processo constitucional. São Paulo: RT, 2014, p. 80. Nesse sentido, “se lleva a cabo antes que la norma sea tal; es decir, consiste en un control sobre proyectos”. SAGUÉS, Nestor P. Elementos de Derecho Constitucional. Buenos Aires: Artraz, 1997, t. I, p. 150.9 “A inconstitucionalidade, porém, é um problema de relação intrassistemática de normas jurídicas, abordado do ponto de vista interno, conforme os critérios de validade contidos nas normas constitucionais” . NEVES, Marcelo. Teoria da Inconstitucionalidade das Leis. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 63. Sobre a ocorrência simultânea da inconstitucionalidade e da ilegalidade conferir MODUGNO, Franco. L’Invalidità della Legge. Teoria della Costituzione e Parametro del Giudizio Costituzionale. v. 1. Milano: Giuffrè, 1970, p. 91 e ss.10STF, RTJ, 164:506, 1998, ADInMC 1.434-SP, rel. Min. Celso de Mello: “O controle abstrato de constitucionalidade somente pode ter como objeto de impugnação atos normativos emanados do Poder Público. Isso significa, ante a necessária estatalidade dos atos suscetíveis de fiscalização in abstracto, que a ação direta de inconstitucionalidade só pode ser ajuizada em face de órgãos ou instituições de natureza pública. Entidades meramente privadas, porque destituídas de qualquer coeficiente de estatalidade, não podem figurar como litisconsortes passivos necessários em sede de ação direta de inconstitucionalidade”.11 THAMAY, Rennan Faria Krüger. A estabilidade das decisões no controle de constitucionalidade abstrato. São Paulo: Almedina, 2016, p. 56.12 Nesse sentido, Oswaldo Luiz Palu refere que “A Constituição deve ter preservada sua força ordenadora e deve ser efetivamente obedecida, gerando efeitos na realidade social (constituição normativa)”. PALU, O. L. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. Clèmerson Merlin Clève refere que “A supremacia constitucional deve vir acompanhada, também, de uma certa ‘consciência constitucional’ ou, como prefere Hesse, de uma ‘vontade de constituição’. Ela reclama a defesa permanente da obra e dos valores adotados pelo Poder Constituinte. Afinal, sem ‘consciência constitucional’ ou sem ‘vontade de constituição’, nenhuma sociedade consegue realizar satisfatoriamente sua Constituição ou cumprir com seus valores”. CLÈVE, C. M. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Ainda sobre essa supremacia, pode-se conferir HESSE, K. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Fabris, 1991. Importante destacar que se utiliza neste artigo os sentidos normativos descritos por Friedrich Müller, distinguindo-se texto normativo de norma. MÜLLER, F. Teoria estruturante do direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.13 Sobre as variadas modalidades de inconstitucionalidade, torna-se importante conferir CLÈVE, op. cit., p. 35-56.
designam conceitos de relação, isto é, “a relação que se estabelece entre uma coisa –
a Constituição – e outra coisa – um comportamento – que lhe está ou não conforme,
que com ela é ou não compatível, que cabe ou não no seu sentido14”.
Desta forma, instituiu-se o processo de controle de
constitucionalidade, como modelo de processo objetivo, regulamentado por duas
relevantes leis infraconstitucionais editadas, quais sejam a Lei nº 9.868, de 10 de
novembro de 1999, e a Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999.
Explica Luís Roberto Barroso que “No Brasil, onde o controle de
constitucionalidade é eminentemente de natureza judicial – isto é, cabe aos órgãos do
Poder Judiciário a palavra final acerca da constitucionalidade ou não de uma norma
–, existem, no entanto, diversas instâncias de controle político da constitucionalidade,
tanto no âmbito do Poder Executivo – e.g., o veto de uma lei por inconstitucionalidade
– como no Poder Legislativo – e.g., rejeição de um projeto de lei pela Comissão de
Constituição e Justiça da casa legislativa, por inconstitucionalidade15”.
Essas normas instituíram o sistema de controle de constitucionalidade
abstrato, criando regras peculiares próprias que têm a finalidade de tornar o
controle de constitucionalidade eficiente mesmo em meio às particularidades
próprias. Nesse ponto, é relevante trazer as lições de Friedrich Müller, caracterizando
a distinção entre texto normativo e norma. Refere o autor que:
“Se em termos da teoria da norma, o âmbito normativo é parte
integrante da norma, então a norma não pode ser colocada no mesmo
patamar do texto normativo. Essa conclusão decorre do enfoque feito
até aqui e deve ainda ser discutida. Somente o positivismo científico-
jurídico rigoroso pôde fiar-se em “aplicar” a lei, na medida em que
14 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra Ed., 2001, p. 273-274.15 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 43.
tratou do texto literal desta como premissa maior e “subsumiu” as
circunstâncias reais a serem avaliadas aparentemente de forma lógica
ao caminho do silogismo na verdade vinculado ao conceito e, assim,
vinculado à língua. A ainda predominante compreensão da norma como
um comando pronto, juntamente com seu contexto positivista, corre
igualmente o risco de confundir norma e texto normativo; ou então de
partir do princípio de que o teor de validade da disposição legal seria
fundamentalmente adequado e estaria suficientemente presente no texto
literal, ou seja, seria “dado” com a figura linguística da disposição.
[...]
O nomologismo tem a tendência de ver a lógica normativa no sentido de
uma lógica do texto normativo e de seu contexto linguístico e conceitual.
A “norma pura” não possui uma normatividade concreta, já que não
possui um conteúdo material e uma determinação material. Ela constitui
apenas texto de norma. No sentido do conceito normativo aqui
desenvolvido, entretanto, não constitui nem mesmo isso, mas apenas um
texto que deve ser visto como forma linguística de uma norma.
Uma norma pura é, por exemplo, uma disposição legal de Hammurabi.
O âmbito normativo dela se perdeu. Ela “é válida”, “estabelece regras”
não mais de forma ideal, pois a questão teórico-normativa não é uma
questão de “ideia” e “realidade”, mas porque a normatividade, a
norma e a validade jurídica estão relacionadas a um modo de ser que
está presente apenas na inclusão prévia da estrutura real e material, que
é formada de modo normativo16.
De fato, sabe-se que a Ação Direta de Inconstitucionalidade 17 tem sua
finalidade específica voltada à declaração de inconstitucionalidade de um
determinado ato normativo ou de uma lei que venha a afrontar a Constituição
16 MÜLLER, F. Teoria estruturante do direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.17 Sobre a ADI, relevante conferir STRECK, L. L. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
Federal ou Estadual, mantendo o ordenamento jurídico em conformidade com a
Constituição. Essa ação tem a função de distanciar da Constituição essas
inconstitucionalidades prejudiciais ao sistema, fazendo os atos normativos
declarados inconstitucionais passarem a ser como normas que sequer existam, em
alguns casos, ressalvadas as possibilidades de modulação dos efeitos da decisão
que, ressalta-se, deverá observar os requisitos previstos no art. 27 da Lei nº
9.868/1999.
Veja que a Ação Direta de Inconstitucionalidade genérica é destinada à
decretação da inconstitucionalidade18, em abstrato, de ato normativo ou lei federal ou
estadual em face da Constituição. Essa determinação é expressa no art. 102, I, a, da
Constituição. Essa ação visa simplesmente à decretação, pelo STF, de que
determinada lei ou ato normativo seja inconstitucional por contrariar a
Constituição, tendo como consequência, em alguns casos, a retirada da lei ou do
ato normativo do ordenamento jurídico ou até mesmo sofrendo restrição de
interpretação, de aplicação ou de eficácia, em outros casos, como se verá
seguidamente.
Com efeito, essa ação se caracteriza como meio especial de
provocação da jurisdição constitucional, mediante regras próprias e peculiares,
capazes de manter a inconstitucionalidade afastada da Constituição e preservar-
lhe a higidez e credibilidade.
Por essa razão, pode-se afirmar que essa ação inaugura um processo
objetivo, que se presta a discutir, em tese, a (in)constitucionalidade da norma ou do
18 Segundo Jorge Miranda, a “[...] fiscalização sucessiva, abstrata, concentrada e por via principal é o elemento característico por excelência do modelo austríaco de garantia e encontra-se em todos os países com Tribunal Constitucional, com maior ou menor variação de sujeitos ou entidades titulares do poder de arguição ou iniciativa da apreciação da inconstitucionalidade”. MIRANDA, J. Manual de direito constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 1988. t. 2. Clèmerson Merlin Clève elenca os atos impugnáveis por meio de ação direta genérica: emendas constitucionais; leis delegadas; medidas provisórias; regimentos das casas legislativas; tratados internacionais; atos normativos estrangeiros; regulamentos; regimentos dos tribunais; sentenças normativas; convenções coletivas de trabalho. CLÈVE, C. M. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
ato normativo em questão, podendo gerar, com a decretação da
inconstitucionalidade, a retirada, de imediato, do ordenamento jurídico, diversa
interpretação, ou, ainda, a futura retirada do ordenamento jurídico, tema a ser
enfrentado em tópico próprio quando se debaterem os efeitos.
No caso da declaração de inconstitucionalidade de ato normativo do
Poder Público, como o RIALEAM, em face da Constituição Estadual, é fato que
as mesmas premissas são empregadas daquelas utilizadas para a propositura das
ADIs perante o Supremo Tribunal Federal, entretanto, ensejando a incidência
das regras das Constituições Estaduais, no nosso caso, do Estado do Amazonas,
notadamente quanto ao art. 72, I, f, e art. 75, regulamentando o julgamento da
ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou
municipal, em face da Constituição Estadual.
Realmente, para verificar o alcance e as possibilidades da decisão
proferida no controle de constitucionalidade, relevante seguir para outros pontos, quais
sejam a análise dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo, considerando-se que essa demanda tem procedimento peculiar próprio,
observando-se, desde já, as eficácias e os efeitos possíveis de uma declaração de
inconstitucionalidade na modalidade genérica.
Importante salientar que o controle de constitucionalidade, sendo uma
significativa forma de manter a higidez do ordenamento jurídico, deve ser realizado
de forma que a norma, que visa a ser avaliada, deva estar em sintonia, não
apenas com artigos em particular, mas com toda a constituição, de forma
sistêmica.
No caso em tela, quando da implementação da decisão no controle de
constitucionalidade, esta decisão necessariamente deve estar em consonância com
os pilares constitucionais, com os seus princípios norteadores, em particular neste
caso concreto, com a dignidade da pessoa humana e na valorização do trabalho,
princípios inafastáveis, o dito núcleo duro da constituição, desta forma, a decisão
dessa ADI nunca poderá ferir a dignidade humana, os preceitos constitucionais,
os princípios, direitos e regras fundamentais, eventualmente atingidos, com a
decisão da ADI.
Essa posição se deve ao modelo de constitucionalismo vigente, o
neoconstitucionalismo, em que todo sistema normativo, assim como os poderes
estatais, é avaliado e implementado tendo a constituição como núcleo que imana a
forma de agir e se conduzir. Desse modo a decisão final deverá ser dada conforme
a Constituição como um todo, de forma sistêmica.
Assim, como bem informado pelo julgado proferido pelo TJAM, há a
possibilidade de serem questionadas no Poder Judiciário matérias interna corporis, tal
como ocorre com Regimento Interno de Casa Legislativa, no sentido de que, “nada
obstante o entendimento clássico de que os atos jurídicos interna corporis não são
passíveis de controle judicial pela via da ação direta, o Supremo Tribunal Federal
expressou no julgamento da ADI nº 4.587/GO, Relator Min. Ricardo Lewandowski,
que os dispositivos de Regimento Interno das Assembleias Legislativas podem ser
objeto de ADI desde que possuam caráter normativo e autônomo, criando direitos
não compreendidos no ordenamento constitucional”. Assim:
“Dispositivo de Regimento Interno de uma Assembleia Legislativa
pode ser impugnado no STF por meio de ADI, desde que possua
caráter normativo e autônomo. É o caso, por exemplo, de um artigo do
Regimento Interno que preveja o pagamento de remuneração aos
Deputados Estaduais em virtude de convocação para sessão
extraordinária. (STF. Plenário ADI 4587/GO, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, julgado em 22/5/2014 (Info 747).
Ademais, a própria legislação regulamentadora do procedimento das
Ações Diretas de Inconstitucionalidade e das Ações Declaratória de
Constitucionalidades (ADC) (Lei nº 9.868/1998) estipulou a possibilidade de
concessão das medidas liminares, por parte dos seus julgadores, inclusive por
parte do Relator, de maneira monocrática, guardam as simetrias entre o
julgamento pelo Supremo Tribunal Federal e os Tribunais de Justiça,
submetendo, na sequência, a questão ao Tribunal Pleno, respeitando a regra da reserva
de plenário19, nos seguintes termos:
19 REFERENDO EM MEDIDA CAUTELAR EM REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL. LEI Nº 4.882/2019. REVOGAÇÃO DAS EMENDAS FEITAS AO PROJETO DE LEI Nº 134/2018, QUE CULMINOU NA EDIÇÃO DA LEI Nº 4.662/2018. RESTAURAÇÃO DA REDAÇÃO DA RESOLUÇÃO Nº 07/2018 – TJ/AM. POSSIBILIDADE DE JUÍZO MONOCRÁTICO COM CONTRADITÓRIO DEFERIDO EM MEDIDA CAUTELAR DE REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. REQUISITOS PARA A MEDIDA CAUTELAR. PROBABILIDADE DO DIREITO E PERIGO DE DANO OU RISCO AO RESULTADO ÚTIL. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. ORGANIZAÇÃO E DIVISÃO JUDICIÁRIA. LEI DE INICIATIVA DO PODER JUDICIÁRIO. ATRIBUIÇÃO PRIVATIVA PARA DEFLAGRAR O PROCESSO LEGISLATIVO. PROJETO DE LEI Nº 443/2019, TRANSFORMADO NA LEI Nº 4.882/2019, APRESENTADO POR INICIATIVA PARLAMENTAR. DISTINÇÃO ENTRE A PROVOCAÇÃO INICIAL DO PROCESSO LEGISLATIVO E A APRESENTAÇÃO DE EMENDAS, ASSEGURADA AO PODER LEGISLATIVO PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS. RE Nº 593.727/MG. TEXTO LEGAL QUE NÃO ESPECIFICA AS CIRCUNSCRIÇÕES CARTORIAIS DE CADA UM DOS OFÍCIOS DE IMÓVEIS. TEXTO DA LEI Nº 4.882/2019 NÃO CONTÉM O TEOR DA RESOLUÇÃO Nº 07/2018 – TJ/AM, SENDO APENAS REFERENCIADO. ART. 166, DO REGIMENTO INTERNO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO AMAZONAS. PREJUDICIALIDADE DO PROJETO APROVADO COM EMENDAS. MEDIDA CAUTELAR REFERENDADA PARA CONCEDER A LIMINAR NOS EXATOS TERMOS DA REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4004789-59.2018.8.04.0000, DETERMINANDO A INCIDÊNCIA DO ART. 419, §2º, DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 17/1997. 1. Regra geral, a concessão de medida cautelar em sede de Representação de Inconstitucionalidade requer observância à cláusula de reserva de plenário, insculpida no art. 97, da Constituição da República e art. 10, da Lei nº 9.868/99, e ao princípio do contraditório. Excepciona-se a regra nos casos de recesso forense ou em hipótese de extrema urgência, a qual restou constatada dada a relevância da matéria tratada pela Lei nº 4.882/2018. Precedentes; 2. Organização e divisão judiciárias são previstas como matéria cuja iniciativa legal é privativa do Poder Judiciário, motivo pelo qual o processo legislativo não poderia ser deflagrado por provação de parlamentar, sob pena de tornar inócua a previsão; 3. Distinção entre a atribuição privativa do Poder Judiciário deflagrar o processo legislativo e a possibilidade de o Poder Legislativo efetuar emendas parlamentares ao longo da fase de discussão e deliberação do projeto, havendo mitigação do protagonismo do Poder Legislativo apenas no tocante àquele primeiro momento; 4. De acordo com o entendimento do STF, pela Teoria do Poderes Implícitos, se a Constituição outorga determinada atividade-fim a um órgão, significa dizer que também concede todos os meios necessários para a realização dessa atribuição. Precedentes; 5. O texto da Lei nº 4.882/2019 não traz em seu bojo o teor da Resolução nº 07/2018 – TJ/AM, que pretende restabelecer, apenas a ela fazendo referência, disso se depreendendo que seu conteúdo jamais foi levado à votação quando das discussões do projeto de lei nº 443/2019; 6. O projeto de lei nº 134/2018, cujo texto correspondia ao da Resolução nº 07/2018 – TJ/AM, restou prejudicado por expressa previsão do art. 166, do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas, motivo pelo qual não poderia ser reavivado; 7. Medida cautelar referendada para suspender a eficácia da Lei nº 4.822/2018, para determinar a incidência do art. 419, §2º, da Lei Complementar Estadual nº 17/1997 nos exatos moldes deferidos em sede da Representação de Inconstitucionalidade nº 4004789-59.2018.8.04.0000. (Relator (a): Délcio Luís Santos; Comarca: Manaus/AM; Órgão julgador: Tribunal Pleno; Data do julgamento: 03/09/2019; Data de registro: 04/09/2019)
Seção II
Da Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade
Art. 10. Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta
será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do
Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos
ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que
deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias.
§ 1º O relator, julgando indispensável, ouvirá o Advogado-Geral da
União e o Procurador-Geral da República, no prazo de três dias.
§ 2º No julgamento do pedido de medida cautelar, será facultada
sustentação oral aos representantes judiciais do requerente e das
autoridades ou órgãos responsáveis pela expedição do ato, na forma
estabelecida no Regimento do Tribunal.
§ 3º Em caso de excepcional urgência, o Tribunal poderá deferir a
medida cautelar sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das
quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado.
Art. 11. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará
publicar em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da
Justiça da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias,
devendo solicitar as informações à autoridade da qual tiver emanado o
ato, observando-se, no que couber, o procedimento estabelecido na
Seção I deste Capítulo.
§ 1º A medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida
com efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe
eficácia retroativa.
§ 2º A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação
anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido
contrário.
Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da
relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social
e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no
prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do
Procurador- Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco
dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade
de julgar definitivamente a ação.
Justamente nesse sentido, o Relator no TJAM, Des. Wellington José de
Araújo, com o devido referendo pelo Tribunal Pleno, determinou a suspensão
imediata dos eventuais processos administrativos e/ou judiciais por crime de
responsabilidade que tenham como base os referidos dispositivos do Regimento
Interno, sobretudo porque “a urgência na apreciação do caso se justifica pela atual
vigência e consequente eficácia normativa do Regimento Interno da Assembleia
Legislativa na condução dos trabalhos do Poder Legislativo em matéria de crimes de
responsabilidade, em franco desrespeito à decisão do Supremo Tribunal Federal na
ADI n° 4.771/AM, relatada pelo E. Min. Luiz Edson Fachin, em que o Ministro
concluiu, monocraticamente e com base em diversos precedentes vinculantes, pela
inconstitucionalidade com redução parcial de texto dos arts. 28, inciso XXI, e 56 da
CEAM”.
II.1. DOS TIPOS DE INCONSTITUCIONALIDADE: A
INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E A INCONSTITUCIONALIDADE
MATERIAL – PROCEDIMENTOS ABSOLUTAMENTE
INCONSTITUCIONAIS
Em verdade, é certo que a inconstitucionalidade formal se dá “quando
tais normas são formadas por autoridades incompetentes ou em desacordo com as
formalidades ou procedimentos estabelecidos pela constituição 20 ”. Segundo
Alexandre de Moraes, a inconstitucionalidade formal pode ser subjetiva ou objetiva,
sendo que a primeira “[...] refere-se à fase introdutória do processo legislativo, ou
seja, à questão de iniciativa. Qualquer espécie normativa editada em desrespeito ao
processo legislativo, mais especificamente, inobservando àquele que detinha o poder
de iniciativa legislativa para determinado assunto, apresentará flagrante vício de
inconstitucionalidade 21 ”.
Ainda, Gilmar Mendes especifica que “os vícios formais traduzem
defeito de formação do ato normativo, pela inobservância de princípio de ordem
técnica ou procedimental ou pela violação de regras de competência22”.
Paulo Bonavides explica sobre o controle formal: “Confere ao órgão que
o exerce a competência de examinar se as leis foram elaboradas de conformidade
com a Constituição, se houve correta observância das formas estatuídas, se a regra
normativa não fere uma competência deferida constitucionalmente a um dos poderes,
enfim, se a obra do legislador ordinário não contravém preceitos constitucionais
pertinentes à organização técnica dos poderes ou às relações horizontais e verticais
desses poderes, bem como dos ordenamentos estatais respectivos, como sói
acontecer nos sistemas de organização federativa do Estado 23 ”.
Também sobre a inconstitucionalidade formal, Pedro Lenza distingue
os dois tipos de vícios formais existentes nas leis, sendo classificados como vício
formal subjetivo e o vício formal objetivo. Desta forma, explica o autor: “(...) o
vício formal subjetivo verifica-se na fase de iniciativa. Tomemos um exemplo: algumas
leis são de iniciativa exclusiva (reservada) do Presidente da República como as que
fixam ou modificam os efeitos da Forças Armadas, conforme o art. 61, § 1º, I, da
20 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 47.21 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 637.22 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade. In: BRANCO, P. G. G.; COELHO, I. M.; MENDES, G. M. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 1.170.23 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 297.
CF/88 (...). Em hipótese contrária (ex.: um Deputado Federal dando início),
estaremos diante de um vício formal subjetivo insanável, e a lei será
inconstitucional. (...) por seu turno, o vício formal objetivo será verificado nas
demais fases do processo legislativo, posteriores à fase de iniciativa. Como exemplo
citamos uma lei complementar sendo votada por um quorum de maioria relativa.
Existe um vício formal objetivo, na medida em que a lei complementar, por força do
art. 69 da CF/88, deveria ter sido aprovada por maioria absoluta24”.
Luís Roberto Barroso traz a seguinte classificação: “A primeira
possibilidade a se considerar, quanto ao vício de forma, é a denominada
inconstitucionalidade orgânica, que se traduz na inobservância da regra de
competência para a edição do ato (...). De outra parte, haverá inconstitucionalidade
formal propriamente dita se determinada espécie normativa for produzida sem a
observância do processo legislativo próprio 25 ”.
Do exposto, diante dos posicionamentos apresentados, fica claro que a
inconstitucionalidade formal faz referência ao erro na observância da
competência ou das regras relativas ao processo legislativo definido e estabelecido
pela própria Constituição Federal.
Por outro lado, assim como afirma Rennan Thamay, “a
inconstitucionalidade será material , ou seja, substancial, quando o vício disser
respeito ao efetivo conteúdo da norma, contrário à Constituição, seja ato normativo
ou lei infraconstitucional, se estiverem em desacordo com a Constituição, poderão
ser alcançados pela declaração de inconstitucionalidade, pois de fato já são, em tese,
inconstitucionais, apenas dependendo de sua declaração” 26.
24 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 232.25 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 26-27.26 THAMAY, Rennan Faria Krüger. A estabilidade das decisões no controle de constitucionalidade abstrato . São Paulo: Almedina, 2016, p. 57.
Ademais, Clèmersom Merlin Clève refere que “a inconstitucionalidade
material acaba por se reportar ao conteúdo da lei ou do ato normativo, importando
verificar se a lei ou esse ato normativo é compatível com o conteúdo da
Constituição. Não o sendo, a lei e o ato normativo em conformidade com a Carta
Política, será materialmente inconstitucional” 27.
Gilmar Mendes apresenta o seguinte entendimento da questão: “A
inconstitucionalidade material envolve, porém, não só o contraste direto do ato
legislativo com o parâmetro constitucional, mas também a aferição do desvio de
poder ou do excesso de poder legislativo. É possível que o vício de
inconstitucionalidade substancial decorrente do excesso de poder legislativo constitua
um dos mais tormentosos temas do controle de constitucionalidade hodierno. Cuida-
se de aferir a compatibilidade da lei com os fins constitucionalmente previstos ou de
constatar a observância do princípio da proporcionalidade, isto é, de se proceder à
censura sobre a adequação e a necessidade do ato legislativo 28 ”.
Nas palavras de Barroso, “a inconstitucionalidade material expressa
uma incompatibilidade de conteúdo, substantiva entre a lei ou o ato normativo e a
Constituição. Pode traduzir-se no confronto com uma regra constitucional – e.g., a
fixação da remuneração de uma categoria de servidores públicos acima do limite
constitucional (art. 37, XI) – ou com um princípio constitucional, como no caso de lei
que restrinja ilegitimamente a participação de candidatos em concurso público, em
razão do sexo ou idade (arts. 5º, caput, e 3º, IV), em desarmonia com o mandamento
da isonomia. O controle material de constitucionalidade pode ter como parâmetro
todas as categorias de normas constitucionais: de organização, definidoras de direitos
e programáticas29”.
27 CLÈVE, Clèmersom Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 42.28 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade. In: BRANCO, P. G. G.; COELHO, I. M.; MENDES, G. M. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 1.172.29 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 29.
Destarte, a inconstitucionalidade material ocorre quando a norma
efetivamente vai contra os parâmetros explícitos da Constituição Federal ou
contra as vertentes do princípio da proporcionalidade (adequação e necessidade).
Desta forma, s. m. j., pode-se afirmar que, no caso em tela, ficou
demonstrado que existiu o vício de inconstitucionalidade formal, pois a
Constituição Federal estabelece ser de competência privativa da União legislar
sobre direito penal e processo penal, incluindo o tipo penal para a imputação de
crime de responsabilidade a autoridade, como no caso do Governador e do Vice-
governador de Estado (art. 22, inciso I, da CF/88 e art. 16 da CEAM), no seguinte
sentido:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário,
marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
Art. 16. O Estado exercerá, em seu território, todas as competências
que não tiverem sido atribuídas com exclusividade pela Constituição
da República, à União ou aos Municípios.
Ademais, resta inolvidável verificar a irregular atribuição de
competências processuais específicas à Secretaria-Geral da Mesa e à Comissão
Especial, incluindo a formação deste último órgão, em processo de crime de
responsabilidade, violando diretamente os termos da Lei Federal n° 1.079/1950,
que já prevê normas aplicáveis ao processamento e julgamento do Governador e dos
Secretários de Estado por crimes de responsabilidade, bem como, desrespeitando a
necessária simetria em relação ao Regimento Interno do Congresso Nacional, do
Senado Federal e da Câmara dos Deputados, que seriam Resoluções, ou seja,
espécies normativas primárias previstas diretamente na Constituição Federal
(art. 59, inciso VII).
Aqui também, por certo, evidencia-se que a norma objeto da referida
ADI padece de vício material de inconstitucionalidade, tendo em vista estar em
desacordo com os ditames da Constituição Federal, bem como ao julgar
procedente a ADI nº 4.771/AM, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a
redução parcial de texto, no seguinte sentido:
(i) declarar a inconstitucionalidade da expressão “admitida por dois
terços dos integrantes da Assembleia Legislativa a acusação contra o
Governador do Estado”, constante do caput do art. 56, da
Constituição do Estado do Amazonas;
(ii) declarar a inconstitucionalidade das expressões “processar e julgar
o Governador” e “nos crimes de responsabilidade”; “ou perante a
Assembleia Legislativa nos crimes de responsabilidade”, contidas,
respectivamente, no inciso XXI do art. 28 e no caput do art. 56, todos
da Constituição do Estado do Amazonas.
(iii) declarar a inconstitucionalidade por arrastamento do inciso I, §1º
do art. 56, da Constituição do Estado do Amazonas.
Ou seja, o Supremo Tribunal Federal, em mais de uma ocasião,
estabeleceu que a previsão do estabelecimento de normas de processo e
julgamento referentes aos crimes de responsabilidade consiste em norma
processual, matéria de competência privativa da União (art. 22, I, da CF) não se
admitindo sua previsão pelas Constituições estaduais.
Tanto é que o tema já se encontra devidamente pacificado pela Corte30,
inclusive em sede de Súmula Vinculante de nº 46. Ademais, o próprio STF, por
unanimidade, aprovou a proposta de conversão da Súmula nº 722, editando, a
posteriori, a Súmula Vinculante nº 46 , que recebeu a seguinte redação:
“A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das
respectivas normas de processo e julgamento são da competência
legislativa privativa da União.”
Ademais, “é vedado às unidades federativas instituírem normas que
condicionem a instauração de ação penal contra o Governador, por crime comum, à
prévia autorização da casa legislativa, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça
dispor, fundamentadamente, sobre a aplicação de medidas cautelares penais,
inclusive afastamento do cargo”31.
Aliás, imperioso verificar o voto do ilustre Ministro Moreira Alves sobre
o tema, por ocasião do julgamento da Reclamação nº 383 em 11 de junho de 1992:
“Eficácia jurídica desses dispositivos constitucionais estaduais. Jurisdição
constitucional dos Estados- membros. – Admissão da propositura da ação direta de
inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local, com possibilidade de
recurso extraordinário se a interpretação da norma constitucional estadual, que
reproduz a norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Estados,
contrariar o sentido e o alcance desta.”
A partir dessa ideia, o Ministro Luís Roberto Barroso, na ADPF nº 378,
estabeleceu o rito do impeachment a ser instaurado, o qual decidiu que:
30 A definição das condutas típicas configuradoras do crime de responsabilidade e o estabelecimento de regras que disciplinem o processo e julgamento dos agentes políticos federais, estaduais ou municipais envolvidos são da competência legislativa privativa da União e devem ser tratados em lei nacional especial (art. 85 da Constituição da República). (STF - ADI 2.220, rel. min. Cármen Lúcia, P, j. 16-11-2011, DJE 232 de 7-12-2011.)31 ADI 4.764, rel. min. Celso de Mello, red. p/ o ac. min. Roberto Barroso, P, j. 4-5-2017, DJE 178 de 15-8-2017.
“Por unanimidade, deferiu parcialmente o pedido para estabelecer, em
interpretação conforme à Constituição do art. 38 da Lei nº 1.079/1950,
que é possível a aplicação subsidiária dos Regimentos Internos da
Câmara e do Senado ao processo de impeachment, desde que sejam
compatíveis com os preceitos legais e constitucionais pertinentes.”
Nesses termos, é evidente que a medida cautelar proferida pelo
Tribunal de Justiça do Amazonas, nos autos da ADI nº 4002725-
08.2020.8.04.0000, ainda que conferida de maneira superficial e inicial, merece
observação obrigatória, em razão de sua força vinculativa e obrigatória,
impossibilitando o prosseguimento de qualquer processo e/ou procedimento
administrativo ou criminal para a apuração de supostos crimes de
responsabilidade cometidos pelas autoridades ora imputadas.
Assim, mesmo que se tenham observados os critérios apresentados na
ADPF nº 378 para o processamento e julgamento de crime de responsabilidade
praticado por Governador de Estado, é certo que, até que haja a autorização por
parte do Poder Judiciário, por critério de segurança jurídica e de respeito às
decisões judiciais, o prosseguimento do feito na via administrativa merece
permanecer suspenso, até porque a determinação de continuidade representou
verdadeiro desrespeito à ordem judicial.
III – DA ILEGITIMIDADE DO PROCESSO DE IMPEACHMENT
INSTAURADO CONTRA VICE-GOVERNADOR DE ESTADO – CASO DE
INÉPCIA DAS DENÚNCIAS E DO PROCESSO DE IMPEACHMENT
De início, importante verificar a necessidade de se afastar o
procedimento criminal para a apuração de supostos crimes de responsabilidade
cometidos por Vice-governador de Estado --- o que no presente caso não ocorreu
---, especialmente porque inexistente em nosso ordenamento jurídico
constitucional a previsão de tal figura jurídica. Na verdade, o STF determinou o
procedimento adequado para a apuração de tais crimes praticados pelo
Governador de Estado, mas em nenhum momento possibilitou a abertura contra
Vice-Governador 32 .
Na verdade, a figura do “Vice”, assim como instituído em nosso
sistema, consiste na figura política da pessoa eleita juntamente com o titular
(presidente, governador ou prefeito), para o exercício do mandato, entretanto sendo
ele o responsável ou encarregado de substituir o titular do cargo em caso de
impedimento, ausência, vacância ou de exclusão --- garantindo a manutenção de um
projeto político eleito pelo povo. Nesses casos, somente praticarão os atos de
governo, de gestão e de eficácia quando efetivamente atuarem na condição de
Presidente, Governador ou Prefeito em exercício.
A tipificação de crime de responsabilidade, como bem ressaltou o
Ministro Luís Roberto Barroso na ADPF nº 378, encontra-se no art. 4º da Lei
1.079/1950 (Lei que define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo
processo de julgamento), em especial contra Governadores e Secretários de
Estado, conforme determina o art. 74, nos seguintes termos:32 A exigência de autorização prévia de Assembleia Estadual para o processamento e julgamento de Governador do Estado por crime comum perante o STJ ofende ainda a separação de Poderes (art. 2º, caput, CRFB), pois estabelece uma condição não prevista pela Constituição para o exercício da jurisdição pelo Poder Judiciário. Vale dizer, o Superior Tribunal de Justiça, órgão do Poder Judiciário, fica impedido de exercer suas competências e funções até que se proceda à autorização prévia do Poder Legislativo estadual. Esse tipo de restrição ao exercício da jurisdição é sempre excepcional, devendo ser, assim, expresso pela Constituição da República. A Constituição, no entanto, nada previu sobre isso. Nesses casos, onde a Constituição foi silente, deixa-se claro que vale a regra. Ou seja, se não há previsão constitucional de tal condição de procedibilidade para o exercício da competência do STJ, não podem as Constituições estaduais imporem tal requisito, sob pena de restrição não prevista ou autorizada às competências do STJ. Admitir essa autorização prévia seria aceitar que o Estado, um ente da federação, estabeleça condição de procedibilidade para o exercício da jurisdição pelo STJ, órgão do Poder Judiciário consistente em tribunal nacional, e não federal. Há, assim, evidente ofensa à separação de Poderes (art. 2º, caput, CRFB). (…) Conclui-se, assim, pela inconstitucionalidade da expressão “admitida por dois terços dos integrantes da Assembleia Legislativa a acusação contra o Governador do Estado”, constante do caput do art. 56, da Constituição do Estado do Amazonas, assentando a desnecessidade de autorização da Assembleia Legislativa para o processamento e julgamento do Governador por crime comum pelo STJ. (STF - ADI 4771, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, julgado em 09/06/2017, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-128 DIVULG 14/06/2017 PUBLIC 16/06/2017)
Art. 1º São crimes de responsabilidade os que esta lei especifica.
Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da
República que atentarem contra a Constituição Federal, e,
especialmente, contra:
I - A existência da União:
II - O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos
poderes constitucionais dos Estados;
III - O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:
IV - A segurança interna do país:
V - A probidade na administração;
VI - A lei orçamentária;
VII - A guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos;
VIII - O cumprimento das decisões judiciárias (Constituição, artigo 89).
Art. 74. Constituem crimes de responsabilidade dos governadores dos
Estados ou dos seus Secretários, quando por eles praticados, os atos
definidos como crimes nesta lei.
Segundo Alexandre de Moraes, “crimes de responsabilidade são
infrações político-administrativas definidas na legislação federal, cometidas no
desempenho da função, que atentam contra a existência da União, o livre exercício
dos Poderes do Estado, a segurança interna do País, a probidade da Administração,
a lei orçamentária, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais e o
cumprimento das leis e das decisões judiciais”33.
Note-se que toda a regulamentação do procedimento para a apuração de
crime de responsabilidade (arts. 74 a 79, da Lei nº 1.079/1950) afirma e possibilita
somente a abertura para a apuração de tais crimes em face de Governadores dos
Estados ou de seus Secretários, não imputável a prática a Vice-governador, até
para a efetiva tutela da sucessão do titular do cargo, em caso de seu afastamento,
mantendo-se, assim, o projeto político escolhido e eleito pelo povo.
Dessa forma, quando o legislador estabeleceu tais normas para o
processamento e julgamento do Governador, o que se buscava era impedir que
membros do poder legislativo estadual usurpassem do cargo aqueles que foram
legitimamente eleitos, como se efetiva cassação da chapa fosse (somente admitida
pela via do Tribunal Eleitoral), bem como para que buscassem afastar
conjuntamente aqueles que, pelo sufrágio popular, foram alçados à condição de
Governador e Vice-governador.
De fato, a partir do julgamento da ADI nº 4771/AM, pode-se aferir da
leitura do art. 28, XXI, e do art. 56 da Constituição Estadual, que o Supremo
Tribunal Federal buscou preservar a própria determinação constitucional da
separação dos poderes, de modo que os dispositivos reconhecidos como
inconstitucionais não se amoldam materialmente ao disposto na Constituição e
violam, sobremaneira, seus princípios.
Ademais, no caso destas regulamentações, deve ser feita a
interpretação sistemática de todo o sistema, percebendo-se que INEXISTE A
33 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. Editora Atlas, 2007, p. 458.
FIGURA DO PROCESSO DE CRIME DE RESPONSABILIDADE DE VICE,
tratando-se da criação de uma espécie de julgamento que inexiste, qual seja “o
julgamento do Vice- Governador de Estado por crimes de responsabilidade”. Deste
modo, analisando a Constituição Federal, a Lei 1.079/50, os Regimentos Internos do
Congresso Nacional, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e demais
legislações esparsas, vislumbra-se a inexistência de qualquer menção ou previsão
expressa para a responsabilização por crimes de responsabilidade de “Vice-
Governador”.
Tanto é que o próprio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento
da ADI nº 4.771/AM, julgou como inconstitucional o art. 28, XXI, da Constituição
do Estado do Amazonas, respectivamente prevendo:
Art. 28. É da competência exclusiva da Assembléia Legislativa:
(…)
XXI - processar e julgar o Governador e o Vice-Governador, nos
crimes de responsabilidade, e os Secretários de Estado, nos crimes da
mesma natureza conexos com aqueles;”
Além do que, “frise-se, por oportuno, que a compreensão acima
exposta permite, com a devida vênia de eventual entendimento em sentido contrário,
que se afaste a compreensão de que a modificação na ordem constitucional realizada
pela Emenda à Constituição 35/2001 limitar-se-ia aos congressistas dado o menor
impacto que o recebimento de denúncia criminal em seu desfavor poderia gerar para
regularidade da ordem institucional. Isso porque efetivamente a Constituição
previu, na figura do Vice-governador, uma autoridade dotada das competências e
da legitimidade popular necessária para dar continuidade às atividades ínsitas do
Governador do Estado”.
É evidente que, para que se possa cogitar na possibilidade de
impeachment contra ato praticado por Vice-governador que, ressalta-se, não tem
qualquer poder decisório ou poder de administração, mas tão somente de substituir o
Governador em caso de afastamento do cargo, é necessária a comprovação da prática
de ato enquanto titular do cargo (Governador em exercício), caso que não ficou
devidamente comprovado --- por não existir qualquer crime praticado --- nas
denúncias apresentadas. Assim, vejamos:
MANDADO DE SEGURANÇA – DENÚNCIA CONTRA O VICE-
PRESIDENTE DA REPÚBLICA – IMPUTAÇÃO DE CRIME DE
RESPONSABILIDADE – RECUSA DE PROCESSAMENTO POR
INÉPCIA DA PEÇA ACUSATÓRIA: INSUFICIÊNCIA
DOCUMENTAL E AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO ADEQUADA DA
CONDUTA IMPUTADA AO DENUNCIADO – IMPUGNAÇÃO
MANDAMENTAL A ESSE ATO EMANADO DO PRESIDENTE DA
CÂMARA DOS DEPUTADOS – RECONHECIMENTO, NA ESPÉCIE,
DA COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL PARA O PROCESSO E O JULGAMENTO DA CAUSA
MANDAMENTAL – PRECEDENTES – A QUESTÃO DO “JUDICIAL
REVIEW” E O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES – ATOS
“INTERNA CORPORIS” E DISCUSSÕES DE NATUREZA
REGIMENTAL: APRECIAÇÃO VEDADA AO PODER JUDICIÁRIO,
POR TRATAR-SE DE TEMA QUE DEVE SER RESOLVIDO NA
ESFERA DE ATUAÇÃO DO PRÓPRIO CONGRESSO NACIONAL OU
DAS CASAS LEGISLATIVAS QUE O COMPÕEM – PRECEDENTES –
RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (STF - MS 34099 AgR,
Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em
05/10/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-226, DIVULG 23-10-2018
PUBLIC 24-10-2018)
Ainda, informa o sobredito julgado: “Com base no art. 16 da Lei n.
1.079/1950 e no art. 218, §§ 1º e 2º, do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados, rejeito, sem maiores delongas, a presente denúncia, por inépcia porque
não amparada em documentos que a comprovem e desprovida de descrição
adequada das condutas omissivas e comissivas imputadas ao acusado. A alegação
genérica de que o Denunciado, por ser Vice-Presidente da República, teria
praticado crime de responsabilidade em razão de atos praticados pela Presidente da
República não merece guarida. O só fato de ser Vice-Presidente não é causa
suficiente para considerá-lo corresponsável por toda e qualquer irregularidade
eventualmente praticada pela Presidente na condução da política econômica do seu
governo. Além disso, não foram indicados os tais Decretos não numerados que
teriam sido assinados pessoalmente pelo Denunciado em desacordo com a lei
orçamentária. Publique-se. Oficie-se. Arquive-se.”
Dessa forma, assim como afirmado, o simples fato de ser “Vice” não
presume o conhecimento ou, até mesmo, a participação nos atos supostamente
imputados ao titular do cargo pela prática de crime de responsabilidade.
Tampouco é permitida a imputação genérica de crimes de responsabilidade,
sendo, certamente, necessária a indicação precisa dos atos prejudiciais ao
Estado, aos cidadãos e à Constituição.
Por certo, não restou evidenciada qualquer prática efetiva por parte
do Vice-governador, enquanto na função de Governador em atividade, que
pudesse representar ou, ao menos, evidenciar a prática de ato suficiente para
tipificar crime de responsabilidade, essencialmente aqueles mencionados na
denúncia efetivada contra o Vice, qual seja, da assinatura da Mensagem 149/2019;
da autorização de financiamento cultural, e a de pagamento de dívidas das gestões
anteriores.
Ora, enquanto na função de Governador do Estado em exercício, na
substituição do titular, o Vice-governador assinou a Mensagem nº 149/2019,
assim a realizando por delegação do cargo público, mas sem qualquer efeito
prático efetivo, até porque posteriormente a mensagem foi substituída pelo
titular do cargo, tampouco tendo sido comprovado o prejuízo decorrido pelo ato
aos cofres públicos, sendo certo que não se pode imputar a prática de crime ou
de ato de improbidade por presunção, ainda mais considerando que, na sequência,
como afirmado, o Governador titular do cargo assinou a Mensagem nº 151/2019,
com os mesmos conteúdos da Mensagem anterior, substituindo o ato e
apresentando o Substitutivo do Projeto de Lei Complementar nº 16/20119:
Assim, o julgamento por supostos crimes de responsabilidade de
titular do cargo (Governador) e de seu substituto legal (Vice-governador), sem
que seja a este imputada a prática de ato lesivo caracterizador de improbidade
administrativa e de crime de responsabilidade, não somente hipóteses abstratas e
genéricas, configura tentativa de cassação de chapa, de retirada ilegítima
daqueles que foram legitimamente erigidos aos cargos pelo sufrágio popular,
conferido constitucionalmente aos seus titulares: o povo.
Destarte, neste caso objeto do parecer, as denúncias apresentadas contra
o Vice-Governador do Estado do Amazonas sequer podem ser objeto de deliberação,
tendo em vista que foram dirigidas contra parte ilegítima e sem pedido juridicamente
possível --- pois absolutamente impossível ---, o que elimina justa causa para seu
recebimento.
Por tudo isso, afirme-se que, além da completa ilegitimidade do
processo de impeachment instaurado contra o Vice-governador de Estado, resta
caracterizada a total inépcia das denúncias e do processo de impeachment , pois
impossível, considerando a figura do vice-governador, quer por haver total
omissão normativa na Lei Federal, quer por não exercer poder de comando que
é, naturalmente, próprio da figura do Governador e não do Vice.
IV - CONCLUSÃO
Em síntese, pode-se concluir:
1. Com efeito, no caso da declaração de inconstitucionalidade
de ato normativo do Poder Público, como o RIALEAM, em
face da Constituição Estadual ou, até mesmo, da
Constituição Federal, por respeito ao princípio da simetria
constitucional, é fato que as mesmas premissas são
empregadas daquelas utilizadas para a propositura das
ADIs perante o Supremo Tribunal Federal, entretanto,
ensejando a incidência das regras das Constituições
Estaduais, no nosso caso, do Estado do Amazonas,
notadamente quanto ao art. 72, I, f, e art. 75,
regulamentando o julgamento da ação direta de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou
municipal, em face da Constituição Estadual.
2. Realmente, para verificar o alcance e as possibilidades da
decisão proferida no controle de constitucionalidade, relevante
seguir para outros pontos, quais sejam a análise dos efeitos da
decisão de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo,
considerando-se que essa demanda tem procedimento
peculiar próprio, observando-se, desde já, as eficácias e os
efeitos possíveis de uma declaração de
inconstitucionalidade na modalidade genérica.
3. Assim, como bem informado pelo julgado proferido pelo
TJAM, há a possibilidade de serem questionadas no Poder
Judiciário matérias interna corporis, tal como ocorre com
Regimento Interno de Casa Legislativa, no sentido de que,
“nada obstante o entendimento clássico de que os atos jurídicos
interna corporis não são passíveis de controle judicial pela via
da ação direta, o Supremo Tribunal Federal expressou no
julgamento da ADI nº 4.587/GO, Relator Min. Ricardo
Lewandowski, que os dispositivos de Regimento Interno das
Assembleias Legislativas podem ser objeto de ADI desde que
possuam caráter normativo e autônomo, criando direitos não
compreendidos no ordenamento constitucional ”.
4. Ademais, a própria legislação regulamentadora do
procedimento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade e das
Ações Declaratória de Constitucionalidades (ADC) (Lei nº
9.868/1998) estipulou a possibilidade de concessão das
medidas liminares, por parte dos seus julgadores, inclusive
por parte do Relator de maneira monocrática, guardadas
as simetrias entre o julgamento pelo Supremo Tribunal
Federal e os Tribunais de Justiça, submetendo, na sequência,
a questão ao Tribunal Pleno, respeitando a regra da reserva de
plenário.
5. Justamente nesse sentido, o Relator no TJAM, Des. Wellington
José de Araújo, com o devido referendo pelo Tribunal Pleno,
determinou a suspensão imediata dos eventuais processos
administrativos e/ou judiciais por crime de
responsabilidade que tenham como base os referidos
dispositivos do Regimento Interno, sobretudo porque “a
urgência na apreciação do caso se justifica pela atual
vigência e consequente eficácia normativa do Regimento
Interno da Assembleia Legislativa na condução dos trabalhos
do Poder Legislativo em matéria de crimes de
responsabilidade, em franco desrespeito à decisão do
Supremo Tribunal Federal na ADI n° 4.771/AM, relatada
pelo E. Min. Luiz Edson Fachin, em que o Ministro concluiu,
monocraticamente e com base em diversos precedentes
vinculantes, pela inconstitucionalidade com redução parcial
de texto dos arts. 28, inciso XXI, e 56 da CEAM”.
6. Desta forma, s. m. j., pode-se afirmar que, no caso em tela,
ficou demonstrado que existiu o vício de
inconstitucionalidade formal, pois a Constituição Federal
estabelece ser de competência privativa da União legislar
sobre direito penal e processo penal, incluindo o tipo penal
para a imputação de crime de responsabilidade a
autoridade, como no caso do Governador e do Vice-
governador de Estado (art. 22, inciso I, da CF/88 e art. 16
da CEAM) .
7. Ademais, resta inolvidável verificar a irregular atribuição de
competências processuais específicas à Secretaria-Geral da
Mesa e à Comissão Especial, incluindo a formação deste
último órgão, em processo de crime de responsabilidade,
violando diretamente os termos da Lei Federal n°
1.079/1950, que já prevê normas aplicáveis ao processamento e
julgamento do Governador e dos Secretários de Estado por
crimes de responsabilidade, bem como, desrespeitando a
necessária simetria em relação ao Regimento Interno do
Congresso Nacional, do Senado Federal e da Câmara dos
Deputados, que seriam Resoluções, ou seja, espécies
normativas primárias previstas diretamente na
Constituição Federal (art. 59, inciso VII) .
8. Aqui também, por certo, evidencia-se que a norma objeto
desta ADI padece de vício material de
inconstitucionalidade, tendo em vista estar em desacordo
com os ditames da Constituição Federal, bem como ao
julgar procedente a ADI nº 4.771/AM, o Supremo Tribunal
Federal (STF) determinou a redução parcial de texto, no
seguinte sentido .
9. Ou seja, o Supremo Tribunal Federal, em mais de uma
ocasião, estabeleceu que a previsão do estabelecimento de
normas de processo e julgamento referentes aos crimes de
responsabilidade consiste em norma processual, matéria de
competência privativa da União (art. 22, I, da CF) não se
admitindo sua previsão pelas Constituições estaduais.
10. Tanto é que o tema já se encontra devidamente pacificado pela
Corte, inclusive em sede de Súmula Vinculante de nº 46.
Ademais, o próprio STF, por unanimidade, aprovou a
proposta de conversão da Súmula nº 722, editando, a
posteriori , a Súmula Vinculante nº 46 , que recebeu a seguinte
redação: “A definição dos crimes de responsabilidade e o
estabelecimento das respectivas normas de processo e
julgamento são da competência legislativa privativa da
União .”
11. Aliás, imperioso verificar o voto do ilustre Ministro Moreira
Alves sobre o tema, por ocasião do julgamento da Reclamação
nº 383 em 11 de junho de 1992: “Eficácia jurídica desses
dispositivos constitucionais estaduais. Jurisdição
constitucional dos Estados- membros. – Admissão da
propositura da ação direta de inconstitucionalidade perante o
Tribunal de Justiça local, com possibilidade de recurso
extraordinário se a interpretação da norma constitucional
estadual, que reproduz a norma constitucional federal de
observância obrigatória pelos Estados, contrariar o sentido e
o alcance desta . ”
12. Nesses termos, portanto, é evidente que a medida cautelar
proferida pelo Tribunal de Justiça do Amazonas, nos autos
da ADI nº 4002725-08.2020.8.04.0000 , ainda que conferida de
maneira superficial e inicial, merece observação obrigatória,
em razão de sua força vinculativa e obrigatória,
impossibilitando o prosseguimento de qualquer processo
e/ou procedimento administrativo ou criminal para a
apuração de supostos crimes de responsabilidade cometidos
pelas autoridades ora imputadas.
13. Assim, mesmo que se tenha por justificativa a observação dos
critérios apresentados na ADPF nº 378 para o processamento e
julgamento de crime de responsabilidade praticado por
Governador de Estado, é certo que, até que haja a
autorização, por parte do Poder Judiciário, por critério de
segurança jurídica e de respeito às decisões judiciais, o
prosseguimento do feito na via administrativa merece
permanecer suspenso, até porque a determinação de
continuidade representou verdadeiro desrespeito à ordem
judicial .
14. Note-se que toda a regulamentação do procedimento para a
apuração de crime de responsabilidade (arts. 74 a 79, da Lei nº
1.079/1950) afirma e possibilita somente a abertura para a
apuração de tais crimes em face de Governadores dos
Estados ou de seus Secretários, NÃO IMPUTÁVEL A
PRÁTICA A VICE-GOVERNADOR, até para a efetiva
tutela da sucessão do titular do cargo, em caso de seu
afastamento, mantendo-se, assim, o projeto político
escolhido e eleito pelo povo .
15. Ademais, no caso destas regulamentações, deve ser feita a
interpretação sistemática de todo o sistema, percebendo-se
que INEXISTE A FIGURA DO PROCESSO DE CRIME
DE RESPONSABILIDADE DE VICE, tratando-se da
criação de uma espécie de julgamento que inexiste, qual
seja “o julgamento do Vice-Governador de Estado por crimes
de responsabilidade”. Deste modo, analisando a Constituição
Federal, a Lei 1.079/50, os Regimentos Internos do Congresso
Nacional, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e
demais legislações esparsas, vislumbra-se a inexistência de
qualquer menção ou previsão expressa para a
responsabilização por crimes de responsabilidade de “Vice-
Governador”.
16. É evidente que, para que se possa cogitar na possibilidade
de impeachment contra ato praticado por Vice-governador
que, ressalta-se, não tem qualquer poder decisório ou poder
de administração, mas tão somente de substituir o Governador
em caso de afastamento do cargo, é necessária a comprovação
da prática de ato enquanto titular do cargo (Governador em
exercício), caso que não ficou devidamente comprovado --- por
não existir qualquer crime praticado --- nas denúncias
apresentadas.
17. Dessa forma, assim como afirmado, o simples fato de ser
“Vice” não presume o conhecimento ou, até mesmo, a
participação nos atos supostamente imputados ao titular do
cargo pela prática de crime de responsabilidade. Tampouco
é permitida a imputação genérica de crimes de
responsabilidade, sendo, certamente, necessária a indicação
precisa dos atos prejudiciais ao Estado, aos cidadãos e à
Constituição.
18. Por certo, não restou evidenciada qualquer prática efetiva
por parte do Vice-governador, enquanto na função de
Governador em atividade, que pudesse representar ou, ao
menos, evidenciar a prática de ato suficiente para tipificar
crime de responsabilidade, essencialmente aqueles
mencionados na denúncia efetivada contra o Vice.
19. Assim, o julgamento por supostos crimes de
responsabilidade de titular do cargo (Governador) e de seu
substituto legal (Vice-governador), sem que seja a este
imputada a prática de ato lesivo caracterizador de
improbidade administrativa e de crime de
responsabilidade, não somente hipóteses abstratas e
genéricas, configura tentativa de cassação de chapa, de
retirada ilegítima daqueles que foram legitimamente
erigidos aos cargos pelo sufrágio popular, conferido
constitucionalmente aos seus titulares: o povo.
20. Por tudo isso, afirme-se que, além da completa ilegitimidade
do processo de impeachment instaurado contra o Vice-
governador de Estado, resta caracterizada a total inépcia
das denúncias e do processo de impeachment , pois
impossível, considerando a figura do vice-governador, quer
por haver total omissão normativa na Lei Federal, quer por
não exercer poder de comando que é, naturalmente,
próprio da figura do Governador e não do Vice.
É o nosso parecer, sob censura.
De São Paulo/SP para Manaus/AM, 13 de julho de 2020.
Rennan ThamayPós-Doutor pela Universidade de Lisboa. Doutor em Direito pela PUC/RS e Università degli Studi di Pavia. Mestre em Direito pela UNISINOS e pela PUC Minas. Especialista em Direito pela UFRGS. Professor Titular do programa de graduação e pós-graduação
(Doutorado, Mestrado e Especialização) da FADISP. Professor da pós-graduação (lato sensu) da PUC/SP, do Mackenzie e da EPD - Escola Paulista de Direito. Professor Titular do Estratégia Concursos e do UNASP. Foi Professor assistente (visitante) do programa de graduação da USP e Professor do programa de graduação e pós-graduação (lato sensu) da PUC/RS. Presidente da Comissão de Processo Constitucional do
IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo). Membro do IAPL (International Association of Procedural Law), do IIDP (Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal), do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual), IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo),
da ABDPC (Academia Brasileira de Direito Processual Civil), do CEBEPEJ (Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais), da ABDPro (Associação Brasileira de Direito Processual) e do CEAPRO (Centro de Estudos Avançados de Processo). Advogado, árbitro,
consultor jurídico, parecerista e mediador.