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combate ao CRIME Revista do Núcleo Criminal da Procuradoria Regional da República da 1ª Região TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS Aumento do crime ou da repressão? Pág.6 Ano 1 - nº 1 maio/junho - 08 TECNOLOGIA NO COMBATE AO CRIME Delegado da PF fala sobre nova arma para combater o crime organizado Pág.4 A FRANÇA E A GARDE À VUE Detenção policial controlada pelo procurador da República Pág. 8 ISSN 1983-1080

Revista Combate ao Crime 1

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Revista Combate ao Crime Ano 1 - nº 1 maio/junho - 2008

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combate ao

CRIME Revista do Núcleo Criminal da Procuradoria Regional da República da 1ª Região

TRÁFICO INTERNACIONAL

DE DROGAS Aumento do crime ou da repressão? Pág.6

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- 08

TECNOLOGIA NO COMBATE AO CRIME

Delegado da PF fala sobre nova arma para combater o crime organizado

Pág.4

A FRANÇA E A GARDE À VUE

Detenção policial controlada peloprocurador da República

Pág. 8

ISSN 1983-1080

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Editorial

AO LEITOR Também o sucesso vitima seus eleitos. Contabilizando mais de vinte edições, o Boletim do Núcleo Criminal da PRR - 1ª Região não foi poupado de uma crítica insistente: faltava, na opinião de muitos de seus destinatários, uma versão impressa, que pudesse ser manuseada, transportada, guar-dada, anotada. Por mais que as novas tecnologias reclamem seu lugar ao Sol - muitas delas irresistíveis e irreversíveis -, o fascínio pelas edições impressas parece ser revel ao próprio tempo: herança de uma civilização que prosperou secundada num livro. A Revista que apresentamos hoje é fruto deste clamor. Afinal de contas, o propósito que animou a gênese do Boletim foi apresentar ao leitor a produção jurídica dos tribunais e da doutrina, de alguma forma relacionada à atuação criminal do Ministério Público Federal. Faltava, contudo, uma publicação que privilegiasse o aspecto ideológico, notadamente quando parece haver uma unanimidade - com to-das as suas características - no insistir em prerrogativas e mais prerrogativas em favor de quem não as merece, em ostensivo detrimento da sociedade e da cidadania. O discurso monocórdio e anacrônico da liberdade como valor incontrastável - e ab-rogante de outros valores - de tal forma contaminou mentes e espíritos pretensamente devotados ao Direito que a bela polifonia constitucional inclusiva da segu-rança como direito fundamental restou terrivelmente sacrificada. Mas novos tempos exigem precursores. A Revista dará voz prioritária à idéia de que Estado de Direito pressupõe equilíbrio, e atuação eficiente dos órgãos públicos em prol de todos; tão injusto quanto punir alguém que não o mereceu é deixar de fazê-lo, no uso das medidas e instrumentos jurídi-cos especialmente concebidos para este fim, se resultou patente o cometimento do crime. Um Estado que abdica sistematicamente de fazer Justiça, patrocinando a impunidade e estimulando um individu-alismo sombrio, desserve à paz social e trai sua destinação autêntica, que é de ser a própria sociedade organizada. A heterogeneidade da composição dos membros do Ministério Público Federal justifica que se encontrem diversas tendências e percepções relativas ao crime e à necessidade de sua repressão. En-tretanto, e para além dessa induvidosa qualidade, certo é que cada procurador da República jurou, na investidura, honrar a Constituição; a persecução penal, nesse rumo, deve ser cumprida com diligente rigor, na firme convicção de que o acusador deve, sem descurar dos direitos e garantias individuais, proteger a sociedade, cabendo a outros a tutela do criminoso. Se o Ministério Público é o senhor da ação penal, como determinou a Constituição, Combate ao Crime é a expressão mais simples e exata deste nosso dever.

Alexandre Camanho de Assis

2 maio/junho 2008

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combate ao

CRIME Ano 1 - nº 1 ISSN 1983-1080

maio/junho 2008 3

*A Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR1) é a unidade do Ministério Público Federal (MPF) que atua no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, a segunda instância do Poder Judiciário para as seguintes Unidades da Federação: Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Dis-trito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins.

Emmanuel Balduíno, delegado da Polícia Federal.

04 Entrevista

Artigo08

CapaTRÁFICO DE DROGAS:Pesquisa aponta aumento sig-nificativo no número de pro-cessos que passam pela Pro-curadoria.

06

A França e a Garde à VueDetenção policial controlada pelo procurador da República.

11 Doutrina

Expediente Combate ao crime

Revista do Núcleo Criminal da Procuradoria Regional da República

da 1ª Região*

Procurador-chefe Ronaldo Meira de Vasconcellos Albo

Coordenador do Núcleo Criminal e editor-chefe

Alexandre Camanho de Assis

Carolina Pompeu Mariana Stancioli Tatiana Pereira Almeida

Pauta e Redação

EstagiáriaBárbara Ferreira

DiagramaçãoCarlos Vinícius A. de Oliveira

Carlos Eduardo S. Duarte

Fale [email protected]

RevisãoAlexandre Amaral

Co-edição

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Entrevista

mmanuel Henrique Balduíno de Oliveira é delegado da Polícia Federal e hoje coordena o setor de treinamento

da Diretoria de Inteligência Policial do órgão. O grupo organiza a implantação de um sistema que promete agilizar o trabalho da Polícia Fe- deral, Ministério Público e Poder Judiciário no combate ao crime organizado. O Centro Integrado de Inteligência Policial e Análise Estratégica reúne diversos bancos de dados para cruzar informações e garantir in-vestigações cada vez mais eficientes. Um pro-jeto piloto já está em fase de testes e, segundo Emmanuel Balduíno, as Operações Furacão e Navalha já mostram os resultados positivos do novo sistema. Nesta entrevista, o de- legado explica como funciona o Cen-tro e como ele deve contribuir na luta contra o crime. A expectativa é que o novo serviço já esteja disponível ainda no primeiro semestre deste ano.

E

Como funciona o Centro Integrado de Inteligência Policial e Análise Estraté-gica? Emmanuel Balduíno - O Centro está sendo criado para que integre e interaja com vários sistemas. Hoje, o Departamento de Polícia Fe- deral tem 16 bases de dados que serão integra-das para acesso e coleta rápida de dados. Os policiais vão dispor de mais tempo no trata-mento dos dados para aproveitamento nas operações policiais e, no final, para a produção de prova que servirá para a denúncia do Minis-tério Público. A idéia é que o Centro interaja com os sistemas da PF, do Ministério Público, do Judiciário e de outros órgãos públicos. Vai atuar também junto com o sistema de interceptação de sinais do DPF. Isso aumenta a eficiência e o controle de toda a atividade da Polícia Federal.

Como se identificou a necessidade do sistema? EB - A necessidade do Centro Integrado de In-teligência Policial e Análise Estratégica baseia-se no aumento da eficiência de operações que exigem técnicas de inteligência policial. Antigamente, nós tínhamos em Brasília um grupo de policiais que atuava em conjunto com o Ministério Público, com a Receita Federal e com todos os órgãos que inte-gram forças tarefas para o combate ao crime orga-nizado. Contudo, era uma ação dentro da Polícia Federal segmentada na Diretoria de Inteligência Policial, que servia às outras unidades. Haverá uma disseminação dessa doutrina para todas as superintendências. Cada superintendência da Polícia Federal terá um grupo de 20 a 30 policiais

preparados para usar as mesmas técnicas, os mesmos equipamen-tos e as mesmas ferramentas de análise usadas pela Diretoria de Inteligência Policial. Isso facilita o tratamento de informações, de cruzamento de ligações telefôni-cas, transações financeiras, elo entre organizações criminosas e

ainda possibilita uma análise con-junta do crime organizado no Brasil.

Como o Ministério Público terá acesso a essas in-formações? EB - No início desse trabalho, o grande pulo de tecnologia da Polícia Federal foi dado durante a Operação Anaconda. Nós utilizávamos uma me-todologia que já provou a sua eficiência, mas o que nós queríamos era padronizar a utilização dessas metodologias e fornecer ao nosso policial mais se-

a euq é oãtseuq artuo A .edadiliüqnart e açnarugPolícia Federal trabalha com equipe de policiais especializados para as atividades de interceptação de telefone, escuta ambiental, vigilância, além de uma autoridade policial encarregada de congre-

Tecnologia no combate ao crimeDelegado da Polícia Federal coordena implantação de sistema que promete agilizar o trabalho da Polícia Federal, Ministério Público e Poder Judiciário no combate ao crime organizado.

“O centro interage com toda a força policial para que

as provas fortaleçam a denúncia do

Ministério Público.”

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gar todos esses ele-mentos para a elabo-ração de relatórios quinzenais. Isso era feito no decorrer de uma operação de um ano e oito meses. Ao final, feita a busca e apreensão, a coleta de todo o material, a exploração de todo material apreen-dido, tudo era entregue ao Ministério Público ao mesmo tempo. Os procuradores provavelmente sentiam o peso de receber um material coletado ao longo de um ano. A vantagem do sistema é que o procurador da República vai acompa-nhando, numa linha de tempo, o desmembrar das operações. Então ele vai poder acompanhar as ações da Polícia Federal e já preparar a sua denúncia com os elementos que serão forneci-dos durante a coleta das provas, da intercepta-ção, da escuta, da vigilância, dos relatórios que serão elaborados. Ele também poderá interagir com essa equipe da força tarefa durante as in-vestigações.

Esse Centro, portanto, deve agilizar também o processo judicial? EB - Exatamente. Porque já se tem a coleta de toda a prova. Um perito da Polícia Federal vai interagir no Centro Integrado produzindo os lau-dos necessários quando forem demandados: lau-do de reconhecimento de voz, laudo fonográfico, laudo de valor de materiais, laudo balístico. É um Centro que interage toda a força policial para que as provas atendam e fortaleçam a denúncia do Ministério Público.

Todos os procuradores terão acesso integral ao sistema? Ou a disponibilidade de informações é seletiva? EB - O Centro é inteligente. Temos os policiais que trabalham numa área administrativa e pre-cisam ter acesso a sistemas de passaporte, siste-mas de procurados e perdidos, Interpol e outras bases de dados. Nós vamos dar aos membros do Ministério Público que trabalham, por exem-

ed edadinutropo ,etneibma oiem ed aerá an ,olp .amabI od ,onrevog od sametsis so rasseca

Existem bases de dados que são de consulta sassE .açitsuj ed oderges bos oãtse oãn euq e

bases de dados que são de consulta – se eu quero saber se uma pessoa tem uma arma registrada na Polícia Federal, qual veículo ela utiliza, qual propriedade que ela tem, são acessíveis a todos os integrantes do sistema. E tem a outra parte,

Em termos práticos, como o senhor acha que o Centro vai ajudar na interação do trabalho do Ministério Público e da Polícia Federal? EB - O Centro virtualiza o software e o hard-ware. Os documentos não ficam tramitando. Ao

rodarucorp o ,ametsis on otnemucod mu riresnie o Judiciário têm acesso ao mesmo tempo. O procedimento é agil. Outra vantagem relacio-na-se com a maneira que o MP prepara a sua denúncia numa linha temporal. Ele acompanha um evento criminoso do início, desde a hora em que a Polícia começa a investigar, até o fim do evento. Ele pode até ajudar a Polícia dizendo: “A denúncia sobre este evento criminoso já está pronta. Vamos explorar o outro evento pois pre-ciso reforçar as provas”. Dessa maneira vamos interagir muito mais rápido. A gente não vai mais ficar perdendo tempo com um evento criminoso, uma vez que o Ministério Público disse que já está satisfeito com as provas produzidas para o oferecimento da denúncia.

ED

AR

DN

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C

Delegado Emmanuel Balduíno conta como funciona o Centro Integrado de Inteligência Policial Estratégica.

que são as operações em andamento que estão sob segredo de justiça. Essas são acompanhadas so-mente pela equipe cadastrada.

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Capa

Tráfico de drogas: aumento do crime ou da repressão?

Pesquisa do Núcleo Criminal da PRR1 aponta crescimento de quase 50% no número de processos sobre tráfico internacional de drogas que passam pela Procuradoria.

o último dia 25 de janeiro, a Justiça Fe- deral negou habeas corpus a um traficante preso em flagrante com mais de 700 quilos

de maconha em Minas Gerais. No Pará, um inte-grante de quadrilha responsável por tráfico de co-caína desde a Colômbia também está preso – seu pedido de liberdade provisória foi negado em 29 de janeiro. Esses casos representam uma parcela da atuação do Ministério Públi-co Federal (MPF) no combate ao tráfico internacional de drogas – uma atuação crescente, se levados em conta dados colhidos pela Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR1). Desde 2006, a Coordenadoria de Trá-fico Internacional de Entorpecentes, parte do Núcleo Criminal da PRR1, co-leta e analisa informações a respeito dos

N processos sobre os temas que passam, diaria-mente, pelos gabinetes da Procuradoria. Hoje, esses dados já mostram resultados da atuação do MPF. Em dois anos, o aumento no número de processos sobre tráfico internacional de drogas é evidente. Em 2006, foram 435; em 2007, 645 – 48,3% a mais. O número de saí-

das de processos com mani-festação da PRR1 aumentou proporcionalmente – de 408 para 598. Também é possível co- nhecer os estados que mais registram processos sobre o tema. Entre as 14 unidades da federação que integram a primeira região judiciária (Acre, Amapá. Amazonas,

Bahia, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins), Ama-zonas, Goiás e Mato Grosso somam au-mentos mais significativos entre 2006 e 2007: 102%, 56% e 32%, respectivamente.

“Quem é pego tra-ficando drogas nor-malmente faz disso

sua profissão.”

Oswaldo José Barbosa : “Soltar o traficante é colocá-lo novamente no comércio.”

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Carolina Pompeu

Segundo o estudo, a maior parte desses processos são habeas corpus ou apela-ções criminais em que o MPF teve que se manifes-tar. Em 2007, só de habeas corpus, foram 321 processos – quase metade de to-dos os que passaram pela PRR1. Dois deles são os casos de Pará e Minas Gerais. No Pará, uma quadrilha trazia drogas da Colômbia até Marajó e, depois, na região metropolitana de Belém, manipulava e co-mercializava o produto. Investigações do MPF e das Polícias Federal e Civil levaram à apreensão de 129 quilos de cocaína e à

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Carlos Alberto Vilhena organizou a pesquisa da Coordenadoria de Tráfi co Internacional de Entorpecentes da PRR1.

LUIZ

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NIO

SIL

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47%

48%

Processos sobre tráfi co de drogas

Entraram na PRR1

Saíram da PRR1

2006 2007

435

408

645

598

Diferença

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“O aumento de ca-sos pode ter diversas

causas, entre elas maior efi cácia da PF e resposta mais rápida do Poder Judiciário”

prisão de boa parte do grupo. No pedido de liberdade provisória, a manifestação da PRR1 foi pela manutenção da prisão. A Justiça Federal acolheu o pedido do MPF e manteve os acusados presos. Em Minas Gerais, a história se repetiu. Os 700 quilos de maconha encontrados estavam em uma ara-dora carregada por um caminhão na estrada. O habeas corpus tam-bém foi negado a pedido do MPF. O procurador regional da República Oswaldo José Barbosa Silva, autor do parecer da PRR1, afi rma que a Lei 11.434, de 2006, proíbe a liberdade provisória em caso de tráfi co de drogas. “Quem é pego trafi cando dro-gas normalmente faz disso a sua profi ssão.” ex-plica o procurador: “Soltar o trafi cante é colocá-lo novamente no comércio.” O aumento de casos como esses identifi ca-dos pela pesquisa da Coordenadoria de Tráfi co Internacional de Entorpecentes pode ter diversas causas, segundo o coordenador da área, Carlos Alberto Vilhena, procurador regional da Repúbli-ca. Entre elas estão: maior efi cácia da Polícia Federal no combate ao tráfi co; resposta mais

rápida do Poder Judiciário em processos sobre o tema; ou, sim-plesmente, aumento no número de crimes desse tipo cometidos no Brasil. Carlos Vilhena explica que a resposta para a questão está no desenvolvimento da pesquisa, com coleta de mais dados e en-trecruzamento das informações. “Este é apenas o início do tra-balho”, afi rma o procurador: “A tendência é que seja feito em cada gabinete, com o trabalho de cada procurador, para que assim

possamos avaliar a efetividade do nosso tra-balho na área criminal.”

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Artigo

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A FRANÇA E A GARDE À VUE:DETENÇÃO POLICIAL CONTROLADA PELO PROCURADOR DA REPÚBLICA

Alexandre Camanho de Assis

edida constritiva excepcional, prevista nos artigos 63 a 65 do Código de Pro-cesso Penal francês, a garde à vue é a

detenção1 provisória, feita por um oficial da polí-cia judiciária (gendarme ou funcionário de polí-cia), nas dependências da polícia ou da gendar-meria e durante um período legalmente previsto, de alguém que, por necessidades do inquérito, deve ficar à disposição dos serviços da polícia. Esta detenção deve ser imediatamente informa-da ao procurador da República2. Uma pessoa pode ser detida para ser inter-rogada, seja por ter cometido um crime3 ou um delito, seja por existir contra si uma ou várias suspeitas plausíveis de que ela cometeu ou ten-tou cometer uma infração. Somente suspeitos podem ser detidos; testemunhas não podem, a princípio, gardes à vue no curso de um inquéri-to. Quando não existe qualquer razão plausível para suspeitar que uma testemunha cometeu ou tentou cometer uma infração, ela somente pode ser instada pelo oficial de polícia judiciária a per-manecer na repartição policial (mas não detida) o tempo estritamente necessário à sua oitiva. Todavia, uma testemunha pode acabar sen-do detida, frente à suspeita de que ela cometeu ou tentou cometer uma infração. Ela deve, en-tão, comparecer, prestar juramento e depor. Seu não-comparecimento injustificado induz a uma multa de 3 750 euros. A detenção dura 24 horas, podendo ser pror-rogada em 24 horas segundo autorização escrita do procurador da República; todavia, nos casos de tráfico e de uso de drogas e de terrorismo, a

1A tradução do termo Garde à Vue é áspera, à falta de uma figura equivalente exata no Brasil. Geramente, traduz-se por “Custódia”; aqui, utilizar-se-á “Detenção”, porque a pessoa fica detida, sem que isso se confunda com a detenção-pena. Além disso, um formulário da polícia francesa, vertido para o Português especialmente para os detidos luso-fônicos, registra “Detenção Provisória”. Tampouco o instituto francês se identifica com a antiga “Prisão para Averiguação”, cujo uso viu-se desautorizar pela Constituição de 1988, desde logo pela falta de pre-visão legal, de que não se ressente o instituto francês.

M detenção pode estender-se por 4 dias. Dada a evidente exiguidade de tais prazos, a legislação já previu a possibilidade da detenção ser prorrogada pelo procurador da República. O detido deve permanecer nas dependências da Polícia ou da gendarmeria durante toda a deten-ção, e, de acordo com o caso, terá ou não que ser apresentado àquele antes que este decida sobre a prorrogação. No caso de inquérito, esta prorrogação pode ser decidida, excepcionalmente, sem a apresen-tação do garde à vue ao procurador da Repúbli-ca; nessa hipótese, a decisão deve ser escrita e motivada. Tendo havido flagrante, a autorização de prorrogação sujeita-se à apresentação prévia do detido ao procurador da República: findas as 24 horas da detenção, a pessoa detida deve ser obrigatoriamente apresentada àquele4.

2Na França, o procurador da República é um magistrado do parquet – o Ministério Público – que atua perante o Poder Judiciário, encarregado de ações públicas e destacadamente as penais, embora não sujeitas ao princípio da indisponibilidade.3Crime, no Direito francês, é uma infração de maior gravidade – e por-tanto vinculada a penas mais duras –, sendo de menor gravidade o delito e a contravenção a mais branda.

4A partir de 1º de junho de 2008, o procurador da República ou o juiz de instrução terá a possibilidade – de ofício ou a pedido do oficial de polí-cia judiciária – de determinar o registro audiovisual dos interrogatórios dos detidos por crime, realizados nas dependências da polícia ou da gendarmeria.

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Artigo

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A pessoa5, detida deve ser imediatamente seõçisopsid sad ,sotierid sues ed adamrofni

relativas à duração da detenção, das razões de sua prisão e de todas as acusações contra si, bem assim a natureza da infração sobre a qual se investiga6. A pessoa quando detida, tem o direito de inormar este fato à sua família, ou a uma pessoa com quem vive habitualmente, ou a seu empregador, o mais tardar em um prazo de três horas a contar do momento da detenção; entretanto, de acordo com as necessidades da investigação, o oficial de polícia

-id lat a ropo es edop airáicidujreito de comunicação. Neste caso, é o procurador da República, sen-do imediatamente comunicado disto, quem deve decidir. O detido pode pedir para

ocidém mu rop odanimaxe resdurante as primeiras 24 horas de sua detenção. Se não o fizer o in-teressado, pode fazê-lo um membro da família, o oficial de polícia judiciária ou o procurador da República. Quando seja indispensável para as necessidades do inquérito proceder as perícias corporais invasivas de uma pessoa detida, elas não podem ser realizadas senão por um médico especialmente requisitado para este fim. Em louvor à presunção de inocência, a Lei Guigou, de 2000, permitiu à pessoa detida entrevistar-se com um advogado já a partir do início de sua detenção. Se o detido não tem condições de designar um defensor ou não consegue contactá-lo, pode pedir à Ordem dos Advogados que o nomeie. A entrevista – cuja confidencialidade é assegurada – pode durar somente meia hora; embora o advogado não possa ter acesso ao inquérito, pode pedir a jun-

tada de observações suas decorrentes de sua en-trevista. Em caso de prorrogação da detenção, esta entrevista pode ter lugar quando do início da prorrogação (ou seja, a partir do fim das 24 horas). Para as detenções relativas a fatos como participação de quadrilha, proxenetismo grave7, extorsão, destruição ou roubo cometido por grupo organizado, a entrevista não pode ocor-

rer senão após 48 horas, chegan-do a 72 horas para as detenções relativas a casos de terrorismo e tráfico de entorpecentes. Expirando o prazo máximo ordinário de 48 horas, a garde à vue deve ser imediatamente pos-to em liberdade ou apresentado ao procurador da República, que decidirá do seguimento a ser dado. Superado o período de seis

Direitos do detido

“Expirando o prazo máximo de 48 horas, a garde à vue deve ser imediatamente posto em liberdade ou apre-sentado ao procurador

da República.”

5Menores podem ser detidos, de acordo com as circunstâncias. amuhnen me soditer uo sodited res medop oãn sona 01 ed seroneM

circunstância; dos 10 aos 13, não podem ser detidos mas sim retidos em dependências policiais, de acordo com as necessidade da inves-tigação a após autorização de um magistrado (e sob seu controle) e caso de crime ou de delito punido com a pena mínima de 5 anos de prisão, por um período de 12 horas renovável uma vez. Menores de 13 aos 16 anos podem ser detidos inicialmente por 24 horas, se existirem indícios de crime ou de sua tentativa. Informa-se o procurador da República desde a efetivação da medida, e há pos-sibilidade de prorrogação por mais 24 horas no máximo se a pena da infração for ao menos de 5 anos de detenção. O menor de 16 a 18 anos também pode ser detido – por 24 horas prorrogáveis por no máximo mais 24 horas –, se houver indícios de cometimento ou tentativa de cometimento de uma infração penal; aqui, o procurador da República deve igualmente ser avisado no mo-mento da efetivação da medida. 6Os investigadores devem informar ao detido de seus direitos em um idioma que ele compreenda. Há um “formulário de notificação” traduzido em diversas línguas, notadamente em alemão, inglês, espa- nhol, italiano, flamengo, português, árabe e russo. Deficientes auditi-vos devem ter seus direitos notificados por um intérprete, mediante comunicação de sinais.7Ou seja, com recurso à violência contra as prostitutas.

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Artigo

meses a contar do fim da detenção, toda pes-soa detida e que não viu prosperar persecução penal contra si pode indagar ao procurador da República sobre o seguimento dado, ou suscetível de ser dado, ao procedimento. Esta demanda deve ser endereçada mediante carta registrada e com aviso de recebimento. Esta possi-bilidade não diz respeito a pessoas detidas por fatos como a participa-ção em quadrilha, proxenetismo grave, extorsão, destruição ou rou-bo cometido por quadrilha. Há uma histórica indulgência ju-dicial em relação à garde à vue. Por mais de trinta anos (1960-1992), a Corte de Cassação recusou-se a de-clarar a nulidade de certas deten-ções aparentemente viciadas, ao argumento de que se as ilegalidades cometi-das ensejavam a responsabilidade pessoal do agente de polícia, tanto não conduzia a uma contaminação da “busca e estabelecimento da verdade”8. Todavia, e provavelmente por conta de sua condenação na Corte Européia de Dire-itos Humanos em 19929, a França reviu a legis-lação da medida. Já em 1993, inovações legais proclamaram os até então inexistentes direitos do garde à vue. Desde então, a Corte de Cas-sação debruça-se mais e mais sobre o instituto, à luz dos direitos do detido. Parece não haver questionamento acerca da constitucionalidade deste instrumento policial: a garde à vue tem uma expressiva jurisprudên-cia da Corte de Cassação, limitada, contudo, à sua legalidade em casos concretos, e às hipóte-ses de sua nulidade. Nada obstante, a medida vem se tornando cada vez mais controvertida na França; com as adaptações recentes da legislação, a Polícia passou a utilizá-la já não mais como medida excepcional, mas sistemáti-ca. Denuncia-se, hoje, a banalização de tais

“A discussão sobre a garde à vue passa pelo recrutamento e forma-ção dos agentes públi-cos e pela impunidade

que o excesso de poder alegadamente lhes dá.“

detenções. Com efeito, os policiais viram nas mudanças legislativas – às quais, inicialmente, se opuseram – uma autorização para seu uso en masse. Embora a cidadania proteste, fato é também que o tráfico de drogas e os crimes cometidos por imigrantes clandestinos (os

“sans-papiers”) se agravaram, forçando a polícia a se valer do instituto; isso, fora o medo do terrorismo. A discussão sobre a garde à vue passa hoje pelo recrutamento e pela formação dos agentes públi-cos, e pela impunidade que o ex-cesso de poder alegadamente lhes dá. Mas não parece haver perspec-tiva de que se abra mão de seu uso enquanto certas tendências sociais não mudarem na França – o que

depende, acima de tudo, de políticas públicas eficazes, e não de distensão legislativa.

*Alexandre Camanho de Assis é procurador regional da República e coordenador do Núcleo Criminal da Procuradoria Regional da República da 1ª Região.

8Mais que isso, a Câmara Criminal da Corte constantemente disse que a legislação do Garde à Vue era compatível com as disposições da Convenção Européia de Direitos Humanos, e notadamente com seu artigo 5, § 3 – que, nada obstante, diz que toda pessoa presa ou detida deve o quanto antes ser conduzida perante um juiz.9Affaire Tomasi contre France, CEDH, 12850/87, arrêt du 27 août 1992. Suspeito de ter participado de um atentado perpetrado em Sorbo-Ocagnano (Córsega) na noite de 11 de fevereiro de 1982, o requerente foi detido. Ao longo de sua Garde à Vue, Tomasi sofreu « traitements inhumains et dégradants ». Neste caso, a Corte Européia de Direitos Humanos estabeleceu que a gravidade, mesmo excepcional, dos fatos não pode constituir um motivo de detenção a não ser que existam indícios suficientes contra a pessoa detida.

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A competência da Justiça Federal é expres- -A .901 .tra ues me ,88/FC alep atircsed etnemas

quilo que não couber a ela nem às outras Justiças Especializadas caberá, por exclusão, à Justiça Estadual. Ressalte-se que essa competência é numerus clausus – o legislador infraconstitucio-nal não pode criar novas situações ensejadoras da competência da Justiça Federal sem a devida e prévia previsão constitucional. Além das hipóteses expressas, há a com-petência criminal genérica da Justiça Federal, delineada no inciso IV do art. 109 da CF. Comu-mente, para que reste configurada essa com-petência, são necessários três requisitos: 1) a presença de ente federal privilegiado no pólo passivo da lide criminal; 2) o reflexo do delito em bem, interesse ou serviço de ente federal; e 3) a ocorrência de prejuízo ou dano a ente federal. Como é genérica, essa competência abarca todos os tipos de condutas criminosas, de qualquer natureza, estejam elas descritas no Código Penal ou em leis extravagantes – res-salvadas as competências criminais da Justiça Eleitoral e da Justiça Militar. É irrelevante o su-jeito ativo, bem como se o crime é consumado ou tentado, doloso ou culposo. No mesmo contexto estão os crimes prati-cados por ou contra servidor público federal: parte-se da premissa de que são infrações pe-nais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades au-tárquicas ou empresas públicas. Para firmar a competência da Justiça Federal nesses casos, a jurisprudência pacificou o entendimento de que são necessários dois requisitos: 1) o delito deve ser praticado contra servidor público federal no exercício de suas funções; e 2) deve ter relações com as funções exercidas pelo servidor1.

O que é crime federal?

Doutrina

ANOTE AÍ

Conclui-se, portanto, que a competência criminal da Justiça Federal é fixada pelo in-teresse da União, que pode ser direto ou in-direto, imediato ou mediato. Assim, possível ser vista sob dois aspectos: ratione personae (competência criminal geral); ratione materiae (competência criminal específica).

-etni o ,aciréneg lanimirc aicnêtepmoc aN resse do ente federal é direto e imediato, visto que a U-nião, autarquia federal ou empresa pública fede-ral é atingida pela infração e dela se torna vítima. Já na competência criminal específica, a União, apesar de não ser diretamente atingida, tem interesse em apurar e julgar delitos que se propõe a combater. Seja geral, seja específica, a competência criminal da Justiça Federal é abso-luta. Algumas súmulas destinam-se a determinar aspectos específicos da competência da justiça federal: Súmula 38 STJ – “Compete à Justiça comum Estadual comum, na vigência da Constituição de 1988, o processo por contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da união ou de suas entidades.” Súmula 42 STJ – “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento.” Súmula 140 STJ – “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indí-gena figure como autor ou vítima.” Súmula 115 do extinto TFR – “A Justiça Fede-ral julga apenas os crimes contra a organização do trabalho quando tenham por objeto a orga-nização geral do trabalho ou direitos dos tra-balhadores considerados coletivamente.”

1É o que se infere da leitura da súmula 98 do extinto TFR: “Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra servidor público federal, no exercício de suas funções e com estas relaciona-das”, e Súmula 147 do STJ: “Compete à Justiça”.

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