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REVISTA DA ABRALIN ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LINGUÍSTICA

Revista Da ABRALIN

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  • REVISTA DA

    ABRALINASSOCIAO BRASILEIRA DE LINGUSTICA

  • REVISTA DA ABRALIN VOLUME ELETRNICO NMERO ESPECIAL 1 PARTE 2011

    ISSN 1678-1805

    REVISTA DA

    ABRALINASSOCIAO BRASILEIRA DE LINGUSTICA

  • REVISTA DA

    ABRALIN

    ASSOCIAO BRASILEIRA DE LINGUSTICA

    EDITOR-CHEFEProf. Dr. Rodolfo Ilari

    Universidade Estadual de Campinas

    Prof. Dr. Dermeval da Hora Universidade Federal da Paraba

    Profa. Dra. Thas Cristfaro Silva Universidade Federal de Minas Gerais

    EDITOR ADJUNTOProfa. Dra. Teresa Cristina Wachowicz

    Universidade Federal do Paran

    Profa. Dra. Kazu Saito Monteiro de Barros Universidade Federal de Pernambuco

    Profa. Dra. Maria Carlota Amaral P. Rosa Universidade Federal do Rio de Janeiro

    COMIT EDITORAL

    CONSELHO EDITORALAryon Dall'Igna Rodrigues (UnB)

    Bruna Franchetto (UFRJ/Museu Nacional)Carlos Alberto Faraco (UFPR)

    Charlote Marie C. Galves (UNICAMP)Daniel Vanderveken (Quebc Trois-Rivires)

    Dermerval da Hora (UFPb)Dino Preti (USP)

    Eduardo Guimares (UNICAMP)Eleonora Cavalcante Albano (IEL-UNICAMP)

    Elsa Gomes-Imbert (Toulouse 2)Emilio Bonvini (CNRS-LLACAN-Paris)

    Eni de Lourdes P. Orlandi (IEL-UNICAMP)Esmeralda Negro (USP)

    Fbio Alves (UFMG)Gessiane Picano (UFPar)

    Gillian Sankoff (University of Pennsylvania)Gregory Guy (York University)

    Ida Lcia Machado (UFMG)Ieda Maria Alves (USP)

    Ilza Maria de Oliveira Ribeiro (UFBA)Ingedore Grunfeld Villaa Koch (UNICAMP)

    Ingrid Finger (UFRGS)Ivone Panhoca (PUCCAMP)

    Kazu Saito Monteiro de Barros (UFPe)Laura lvarez (ISPLA - Univ. de Estocolmo)

    Leda Bisol (PUC-RS)Leo Wetzels (Vrije Univ. Amsterdan)

    Leonor Scliar-Cabral (UFSC)Letcia Maria Sicuro Corra (PUC-RIO)

    REVISO E NORMALIZAO DE TEXTOSProf. Dr. Rodolfo Ilari

    Profa. Dra. Teresa Cristina Wachowicz

    Lorenzo Teixeira Vitral (UFMG)Luiz Carlos Cagliari (UNESP Araraquara)Luiz Carlos Travaglia (UFU)Luiz Marcuschi (UFPE)Luiz Paulo da Moita Lopes (UFRJ)Maralice de Souza Neves (UFMG)Mrcia Canado (UFMG)Marcus A. Rezende Maia (UFRJ/Mus. Nac)Margarida Baslio (PUC_Rio)Maria Aparecida Torres Morais (USP)Maria Bernardete Abaurre (UNICAMP)Maria Carlota do Amaral Rosa (UFRJ)Maria Eugnia Lamoglia Duarte (UFRJ)Maria da Graa Krieger (UNISINOS)Maria Helena Mira Mateus (Univ. de Lisboa)Maria Helena M. Neves (UNESP-Araraquara)Maria Izabel Magalhes (UnB)Maria Luiza Braga (UFRJ)Maria Manoliu (UC-Davis)Maria Marta Pereira Scherre (UnB)Maximiliano Guimares (UFPR)Oswaldo Ducrot (EHESS - Paris)Palmira Marrafa (Univ. de Lisboa)Rosane de Andrade Berlinck (UNESP)Ruth Elisabeth V. Lopes (UNICAMP)Srgio Moura Menuzzi (UFRGS)Tereza Cabr (Universidade de Barcelona)Teresa Cristina Wachowicz (UFPR)Thas Cristfaro Silva (UFMG)

    CAPA E PROJETO GRFICOLcio Baggio

    FORMATAOPatricia Mabel Kelly Ramos

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    ABRALINASSOCIAO BRASILEIRA DE LINGUSTICA

  • REVISTA DA

    ABRALIN

    ASSOCIAO BRASILEIRA DE LINGUSTICA

    R454 Revista da Abralin / Associao Brasileira de Lingustica. Vol 1. n1 (jun.2002 - . - Curitiba, PR: UFPR, 2002-.

    Vol.Eletrnico, n.Especial (1 parte 2011) Semestral ISSN 1678-1805

    1. Lingstica - Peridicos. 2. Gramtica comparada e geral. 3. Palavra - Lingustica. I. Universaidade Fedral do Paran. II. Associao Brasileira de Lingustica. III. Ttulo.

    CDD: 415

    Bibliotecrio: Arthur Leitis Junior - CRB9/1548

  • SUMRIO

    ARTIGOS

    COLEO COLETIVAS DE GRAMTICAS DESCRITIVAS: REFLETINDO SOBRE A EXPERINCIA

    BRASILEIRA ............................................................................................................................... 13

    Ataliba T. de Castilho - Universidade de So Paulo (USP)

    GRAMTICA: REFLEXES SOBRE UM PERCURSO DE ELABORAES DE MANUAIS ................ 33

    Maria Helena de Moura Neves - Universidade Presbiteriana Mackenzie -

    Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho - CNPq

    CONSTRUO DE GRAMTICAS DESCRITIVAS ......................................................................... 53

    Maria Helena Mira-Mateus - Prof Catedrtica Jubilidada (FLUL e ILTEC)

    LAS MACROGRAMTICAS COLECTIVAS. LENGUA-I Y LENGUA-E: DATOS, TCNICAS Y

    TEORIAS IMPLCITAS ................................................................................................................ 71

    Violeta Demonte- Consejo Superior de Investigaciones Cient cas, Espaa (CCHS- CSIC)

    A VARIAO LINGUSTICA E O PAPEL DOS FATORES LINGUSTICOS, SOCIAIS E

    ESTILSITICOS ........................................................................................................................... 91

    Maria Eugnia Duarte - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) /CNPq/FAPERJ

    Maria da Conceio Paiva - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) /CNPq

    A VARIAO LINGUSTICAS E O PAPEL DO FATORES SOCIAIS: O GNERO DO FALENTE

    EM FOCO ...............................................................................................................................121

    Maria Marta Pereira Scherre - Universidade Federal do Espirito Santo (UFES) -

    Universidade de Braslia (UnB)/CNPq

    Lilian Coutinho Yacovenco - Universidade Federal do Espitiro Santo (UFES)

  • A VARIAO LINGUSTICAS E AS RESTRIES ESTILSTICAS/LINGUISTIC VARIATION AND

    THE STYLISTIC CONSTRAINTS ...............................................................................................147

    Dermeval da Hora - Universidade Federal da Paraba (UFPB)

    Lo Wetzels Vrije Universiteit Amsterdam

    DESENVOLVIMENTO LINGUSTICO NA AQUISIO DE PORTUGUS L2 (ESCRITO) POR

    SURDOS: A ESTRUTURA DO SINTAGMA NOMINAL ...............................................................189

    Heloisa Maria Moreira Lima Salles - Universidade de Braslia (UnB)

    Lilian Coelho Pires - Universidade de Braslia (UnB)

    A DESCRIO DAS LNGUAS EXTICAS E A HISTORIOGRAFIA LINGUSTICA ....................209

    Cristina Altman - Universidade de So Paulo (USP)

    TWO SORTS OF BARE NOUNS IN BRAZILIAN PORTUGUESE.................................................231

    Roberta Pires de Oliveira- Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)/CNPq

    Susan Rothstein - Bar-Ilan University

    AU NOM DE NON, PERSPECTIVES DISCURSIVES SUR LA NEGATIVIT ...............................267

    Dernis Bertrand - Universit Paris 8 - Vincennes - Saint-Denis

    O DISCURSO DA GRAMTICA DO PORTUGUS .....................................................................291

    Diana Luz Pessoa de Barros - Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) - Universidade de

    So Paulo (USP) /CNPq

    MELODIC ANALYSIS OF SPEECH (MAS): APLICACION EN LA COMPARACIN DE LENGUAS

    (CONFERNCIA) ............................................................................................................333

    Dolors Font-Rotchs - Laboratori de Fontica Aplicada - Universitat de Barcelona

    A EXPRESSO VARIVEL DO FUTURO VERBAL NA ESCRITA: BRASIL E PORTUGAL EM

    CONFRONTO .........................................................................................................................367

    Josane Moreira de Oliveira - Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)

  • O FUTURO NAS LNGUAS ROMNICAS .................................................................................385

    Jos Luiz da Veiga Mercer - Universidade Tuiuti do Paran

    A REPRESENTAO DO TEMPO FUTURO EM TEXTOS ESCRITOS: UMA ANLISE

    DIACRNICA .........................................................................................................................395

    Rita do Carmo Polli da Silva - Faculdade Internacional de Curitiba (FACINTER)

    ANLISE AUTOMTICA DA MORFOLOGIA VERBAL DO PB: PLATAFORMA CHILDES ..........431

    Leonor Scliar Cabral - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)/CNPq

    Vera Vasilvski - (PNPD CAPES)

  • ARTIGOS

  • Revista da ABRALIN, v. Eletrnico, n. Especial, p. 13-31. 1 parte 2011

    CONSTRUO COLETIVA DE GRAMTICAS DESCRITIVAS: REFLETINDO SOBRE A EXPERINCIA BRASILEIRA

    Ataliba Teixeira de CASTILHOAssessor lingustico do Museu da Lngua PortuguesaUniversidade de So Paulo (USP) Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

    Introduo

    A moderna Lingustica xou-se no Brasil a partir dos anos 70. At ento, os brasileiros interessados nessa disciplina tinham apenas trs possibilidades para estud-la: as aulas de Joaquim Mattoso Cmara Jr. na Universidade do Brasil, hoje UFRJ, as de Theodoro Henrique Maurer Jr. na Universidade de So Paulo, ou, aqui, em Curitiba, as aulas de Raul Farni Mansur Gurios.

    De l para c muita coisa mudou. Apenas para lembrar: o I Seminrio de Lingustica de Marlia, realizado em 1967, reuniu todos os linguistas brasileiros de ento, escassamente uns 15 ou 20. A ABRALIN, fundada em 1969, por proposta apresentada naquele seminrio, tem hoje centenas e centenas de associados. Isso, sem falar nas muitas associaes regionais de Lingustica.

    Como todo movimento cient co que estreia, a Lingustica brasileira precisava escolher um inimigo. Escolheu dois: a Filologia, entendida como edio crtica de textos, e a gramtica tradicional. A primeira voltou, felizmente, trazida pelo ressurgimento da Lingustica Histrica, e a segunda resiste ainda em alguns grotes.

  • CONSTRUO COLETIVAS DE GRAMTICAS DESCRITIVAS: REFLETINDO SOBRE A EXPERINCIA BRASILEIRA

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    Passadas as primeiras horas de emoo, cou claro que os linguistas brasileiros precisariam de nir seus caminhos. Vou me xar num deles: a documentao e a descrio do portugus brasileiro falado. Depois de quebrar a cabea com as transcries de conversas, pelo menos dois rumos derivaram desses esforos: a anlise da conversao e a descrio gramatical.

    Mas a malhao da gramtica tradicional exigia, como contraparte, que se demonstrasse que poderamos dispor de boas gramticas descritivas, em que no se encontrassem aqueles erros todos com que nos indignvamos em nossos seminrios.

    Foi assim que comeamos a escrever gramticas, donde a relevncia desta mesa-redonda, em que foram reunidos uma linguista portuguesa, uma linguista espanhola e dois brasileiros, escritores de gramticas, competentemente presididas por Rodolfo Ilari, que tambm do ramo. Juntamente com os integrantes desta seo, agradeo Diretoria da ABRALIN por ter patrocinado este encontro.

    1. Gramticas escritas por linguistas

    Tomada a deciso de escrever gramticas, duas opes ocorreram entre os linguistas-gramticos brasileiros.

    Uns optaram pelo trabalho individual. Pela ordem cronolgica, temos nesta categoria primeiramente Mrio Alberto Perini, com sua Gramtica descritiva do Portugus, de 1995, a que se seguiram a Modern Portuguese, a reference Grammar, de 2002, e a Gramtica do Portugus Brasileiro, de 2010. Logo depois, veio Maria Helena Moura Neves, com sua monumental Gramtica de Usos do Portugus, de 2000, com 1037 pginas, fundamentada num vasto corpus de anlise.

    Outros optaram por iniciativas coletivas. Maria Helena Mira Mateus deu incio a esta forma de elaborao de gramticas, em Portugal, em 1983, com sua Gramtica da Lngua Portuguesa, de que se tiraram 4 edies. Em 1999, ela e as demais autoras lembremo-nos de que esta gramtica

  • Ataliba Teixeira de Castilho

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    foi escrita exclusivamente por mulheres! decidiram preparar uma nova edio, amplamente revista, com maior pendor descritivo, com um estilo menos tecnicista e com uma cobertura lingustica mais ampla. A quinta edio, publicada em 2003, de fato uma nova obra, do alto de suas 1127 pginas. A vizinha Espanha no cou atrs, e em 1999 saiu a enorme Gramtica descriptiva de la Lengua Espaola, editada por Ignacio Bosque e Violeta Demonte, com 3 volumes, mais de 5000 pginas, escritas por 73 autores! Sem dvida, a mais completa gramtica de uma lngua romnica.

    Deixando de lado a Grande grammatica di consultazione, de Lorenzo Renzi e Giampaolo Salvi, de 3 volumes, e a A Comprehensive Grammar of English Language, de Randolph Quirk e associados, retorno ao Brasil, e passo a fazer algumas consideraes sobre a Gramtica do Portugus Culto Falado no Brasil, que teve incio em 1987. Em seguida, apresento algumas re exes tericas baseadas nos achados dessa gramtica, terminando minha interveno com um pedido ABRALIN.

    Naquele ano de 1987, quatro anos depois da iniciativa de Maria Helena Mira Mateus, e a convite da Profa. Maria Helena de Moura Neves, apresentei ao Encontro Nacional da Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Letras e Lingustica, ANPOLL, realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Projeto de Gramtica do Portugus Falado, (PGPF), voltado para a preparao coletiva de uma gramtica do portugus falado.

    Tendo havido boa receptividade ideia, convoquei em 1988 o I Seminrio desse projeto, no qual se debateu o plano inicial, que era o de preparar uma gramtica de referncia do portugus culto falado no Brasil, descrevendo seus nveis fonolgico, morfolgico, sinttico e textual.

    Reconheceu-se nesse primeiro encontro que seria impossvel selecionar uma nica articulao terica que desse conta da totalidade dos temas que se espera ver debatidos numa gramtica descritiva, numa gramtica de referncia, como a que se planejava escrever. As primeiras discusses cristalizaram esse reconhecimento, tendo-se decidido dar livre curso convivncia dos contrrios no interior do projeto. Como

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    forma de organizao, distriburam-se os pesquisadores por Grupos de Trabalho (GTs), sob a coordenao de um deles. Cada GT traou o per l terico que pautaria suas pesquisas e organizou sua agenda de pesquisas. Os textos que fossem sendo preparados e discutidos em seu interior seriam posteriormente submetidos crtica da totalidade dos pesquisadores, reunidos em seminrios plenos. O corpus utilizado foi uma seleo de entrevistas do Projeto NURC/Brasil, organizada segundo as caractersticas desse projeto.

    Trinta e dois experimentados pesquisadores atuaram no PGPF, ligados a 12 universidades brasileiras, distribudos pelos seguintes GTs: (1) Fontica e Fonologia, coordenado inicialmente por Joo Antnio de Moraes, e posteriormente por Maria Bernadete Marques Abaurre; (2) Morfologia Derivacional e Flexional, coordenado por Margarida Baslio e ngela Ceclia de Souza Rodrigues, respectivamente; (3) Sintaxe das Classes de Palavras, coordenado inicialmente por Rodolfo Ilari, que preside esta sesso, e posteriormente por Maria Helena de Moura Neves; (4) Sintaxe das Relaes Gramaticais, coordenado inicialmente por Fernando Tarallo, e posteriormente por Mary Aizawa Kato; (5) Organizao Textual-Interativa, coordenado por Ingedore Grunfeld Villaa Koch.

    Entre 1988 e 1998 foram realizados dez seminrios plenos, ao longo dos quais os textos apresentados eram reformulados e publicados em uma srie prpria, editada pela Unicamp, em 8 volumes: Castilho (org. 1990, 1993), Ilari (org. 1992), Castilho / Baslio (orgs. 1996), Kato (1996), Koch (org., 1996), Neves (org. 1999), Abaurre / Rodrigues (orgs. 2003). A Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo nanciou as atividades, tambm apoiadas pelo Conselho Nacional de Pesquisas.

    A partir de 1990, solicitou-se ao Prof. Mlton do Nascimento, ento da UFMG, que conduzisse os debates dos problemas tericos suscitados pelos trabalhos apresentados, na qualidade de assessor acadmico do PGPF. Isso ocorreu sistematicamente no ltimo dia de atividades, a partir do IV Seminrio, resultando da os textos de Nascimento (1993 a, b).

  • Ataliba Teixeira de Castilho

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    Encerrada a agenda do PGPF, deu-se incio em 2000 consolidao dos ensaios e teses publicados entre 1990 e 2000, projetando-se uma srie de 5 volumes, de que se publicaram 3 at esta data: vol. I - Construo do texto falado: Jubran / Koch (orgs. 2006), 557 pgs; vol. II Classes de palavras e processos de construo: Ilari / Neves (orgs. 2008), 1167 pgs; vol. III A construo da sentena, Kato / Nascimento (orgs. 2009), 340 pgs. Esto em fase nal de preparao o vol. IV, a construo morfolgica da palavra, por ngela Ceclia de Souza Rodrigues e Ieda Maria Alves, e o vol. V, a construo fonolgica da palavra, por Maria Bernadete Marques Abaurre.

    A articulao terica desses volumes consta das respectivas Apresentaes, escritas por seus organizadores. Isso j tinha acontecido anteriormente, na srie dos 8 volumes de ensaios. Preparei uma sntese desses debates todos, que saiu como Apresentao do volume I, da srie de consolidao: Jubran / Koch (orgs. 2006: pp. 7-26)

    No se preocupem, no vou reproduzir aqui todos esses argumentos. Nenhuma tecnologia manteria acordada nossa assistncia, caso o tentasse. Optei ento pela sntese que se segue.

    Duas perspectivas inconciliveis altura separavam os pesquisadores: a perspectiva formal e a perspectiva funcional sobre a linguagem. Depois de algumas tentativas iniciais de catequese, todas frustradas, combinou-se que os formalistas, abrigados nos GTs de Sintaxe, de Morfologia e de Fonologia, e os funcionalistas, abrigados nos GTs de Organizao textual-interativa e no de Classes de palavras, seguiriam seu caminho, encontrando-se anualmente nos seminrios plenos, para compartilhar os resultados obtidos.

    Ocorreu, entretanto, uma inesperada convergncia. E que a maior expectativa que as pessoas alimentam ao consultar uma gramtica de referncia encontrar ali, devidamente hierarquizados, um conjunto de produtos lingusticos, o chamado enunciado, disposto em planos classi catrios mais ou menos convincentes.

    Ora, a Gramtica do Portugus Culto Falado no Brasil deixou de lado essa estratgia, tendo buscado identi car os processos acionados para

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    a produo do enunciado. Indo nesta direo, Nascimento (1993b) props que o texto o lugar onde possvel identi car as pistas indicadoras das regularidades que caracterizam a atividade lingustica do falante. A esse respeito, ele fez as seguintes a rmaes, que gozam de certo consenso entre os pesquisadores:

    a) Uma concepo da linguagem como uma atividade, uma forma de ao, a verbal, que no pode ser estudada sem se considerar suas principais condies de efetivao.

    b) A pressuposio de que, na contingncia da efetivao da atividade lingustica do falante/ouvinte [na produo e recepo de textos] temos a manifestao de sua competncia comunicativa, caracterizvel a partir de regularidades que evidenciam um sistema de desempenho lingustico constitudo de vrios subsistemas.

    c) A pressuposio de que cada um desses subsistemas constituintes do sistema de desempenho lingustico [o discursivo, o semntico, o morfossinttico, o fonolgico...] caracterizvel em termos de regularidades de nveis em funo de sua respectiva natureza.

    d) A pressuposio de que um dos subsistemas constituintes desse sistema de desempenho lingustico o subsistema computacional, [entendido como uma noo mais ampla que a de Lngua I], de nvel em termos de regras e/ou princpios envolvidos na organizao morfossinttica e fonolgica dos enunciados que se articulam na elaborao de qualquer texto.

    e) A pressuposio de que o texto o lugar onde possvel identi car as pistas indicadoras das regularidades que caracterizam o referido sistema de desempenho lingustico.

    Outros pontos de convergncia tinham sido assinalados por Mary Kato, na introduo ao vol. V, por ela organizado: Kato (org. 1996).

  • Ataliba Teixeira de Castilho

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    O fato que, em suma, procurando os produtos, toparam os pesquisadores com os processos constitutivos da lngua. por isso que todos os volumes da srie de consolidao tm por subttulo a palavra construo: construo do texto, da sentena, das classes de palavras, construo morfolgica da palavra, construo fonolgica da palavra.

    2. Abordagem multissistmica da linguagem

    Tendo acompanhado esse projeto em todas as suas fases, fui desenvolvendo paralelamente algumas generalizaes, que em nada comprometem os pesquisadores. Dei a essas generalizaes a denominao de abordagem multissistmica da linguagem: Castilho (1998 a,b, 2002, 2003 a,b, 2004 a,b,c, 2007, 2009 a,b,c, 2010 a,b,c,d, 2011).

    Primeiramente, chamaram minha ateno certas propriedades da lngua falada, que ampliaram as convices do grupo sobre as lnguas naturais, fazendo naufragar as tcnicas de anlise ento disponveis.

    A lngua falada extremamente dinmica, pois documenta a uma s vez o momento do planejamento e o momento da execuo lingustica, dada sua dialogicidade constitutiva. Os seguintes traos comprovam a dinamicidade da lngua falada: (i) sua no linearidade, documentada por sua sintaxe biaxial, (ii) a ocorrncia simultnea de propriedades dos enunciados, trao que desaconselha uma descrio separada por nveis de anlise, (iii) a alta frequncia de elipses, anacolutos e segmentos epilingusticos, desquali cando a sentena como unidade nica de anlise.

    A observao desses e de outros traos me levaram a propor a abordagem multissistmica da linguagem. Essa perspectiva assenta na epistemologia das cincias complexas e na retomada de um debate terico que comeou no sc. XIX.

    As cincias complexas, ainda no apropriadas pela Lingustica, tanto quanto saiba, podem ser de nveis a partir dos seguintes pressupostos:

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    (1) Os componentes dos sistemas complexos exibem um tipo de ordem sem periodicidade, em uxo contnuo, em mudana.

    (2) Os sistemas no so lineares, so dinmicos, exibem um comportamento irregular, imprevisvel; a competio entre eles mais importante que sua consistncia.

    (3) Os elementos dos sistemas complexos exibem relacionamentos simultneos, no so construdos passo a passo, linearmente.

    (4) As anomalias identi cadas pela abordagem clssica exempli cam fenmenos vitais para o entendimento do problema, e no deveriam ser descartadas como aberrantes.

    (5) Uma nova topologia do impreciso, do vago, do aproximativo, precisar ser proposta.

    A aplicao desses pressupostos anlise lingustica implicar em que aceitemos que

    (1) Do ngulo dos processos, as lnguas so de nveis como um conjunto de atividades mentais, pr-verbais, organizveis num multissistema operacional, ou seja, a lexicalizao, a semanticizao, a discursivizao e a gramaticalizao.

    (2) Do ngulo dos produtos, as lnguas so um conjunto de enunciados dispostos em sistemas, de nidos por categorias prprias e organizadas igualmente num multissistema, ou seja, o lxico, a semntica, o discurso e a gramtica.

    (3) Um dispositivo sociocognitivo comanda os sistemas lingusticos. Ele pode ser descrito em termos de ativao, reativao e desativao das propriedades que constituem os sistemas lingusticos. Esse dispositivo social porque decorre da observao das estratgias conversacionais, e cognitivo porque assenta nas representaes lingusticas das categorias cognitivas.

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    O princpio de ativao, ou princpio de projeo pragmtica, o movimento de seleo de propriedades. No Lxico, a ativao a escolha das categorias cognitivas e de seus traos semnticos que sero representados nas palavras. A ativao das propriedades semnticas tem o papel de escolher as expresses necessrias representao da dixis, da referenciao, da predicao, da foricidade e da conexidade. No sistema discursivo, a ativao seleciona as expresses necessrias constituio e hierarquizao dos tpicos, construo das unidades discursivas e sua conexo, etc. Mais conhecida na Gramtica, em que tem sido denominada transitividade, princpio de projeo, a ativao responsvel pela construo dos sintagmas, pela organizao da estrutura argumental das sentenas, pela ordenao dos constituintes no enunciado, pela concordncia entre eles, pelos processos de adjuno, etc.

    O princpio de reativao, ou princpio de correo, o movimento mental por meio de que rearranjamos as propriedades dos sistemas, retomando a construo do enunciado. Esse princpio encontra seu fundamento no sistema de correo conversacional. A reativao produz no Lxico novas representaes das categorias cognitivas. Na Semntica, a reativao provoca a parfrase, ou recorrncia de contedos, apresentados por expresses formalmente diferentes. No Discurso, a reativao abre caminho repetio dos enunciados para assegurar a coeso do texto, a alterao do eixo argumentativo, etc. Na Gramtica, pelo menos dois rtulos tm sido utilizados na literatura para captar os efeitos desse princpio: poligramaticalizao e reanlise. A reanlise, dada como um dos princpios da gramaticalizao, decorre do princpio de reativao. Reanalisam-se sintagmas e sentenas, o que acarreta mudanas da fronteira sinttica, entre outros fenmenos.

    O princpio de desativao, ou princpio do silncio, o movimento de abandono das propriedades e das palavras que estavam sendo ativadas. Este princpio mostra que o silncio igualmente constitutivo da linguagem. Tambm este princpio assenta nas prticas conversacionais,

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    quando ocorre a chamada despreferncia, que consiste em verbalizar o que no esperado, violando-se o princpio de projeo pragmtica. Isso ocorre quando respondemos a uma pergunta com outra pergunta, quando recusamos um convite, etc. Nestes casos, cria-se na conversao um vazio pragmtico, segundo Luiz Antonio Marcuschi. O princpio de desativao promove no Lxico a morte das palavras. No sistema semntico, ele est por trs das alteraes de sentido presentes nas metforas, nas metonmias, na especializao e na generalizao de sentidos, por meio dos quais silenciamos o sentido anterior e simultaneamente ativamos novos sentidos. No sistema discursivo, a desativao produz a alterao da hierarquia tpica, levando os locutores a manobras tais como os parnteses e as digresses, que so desativaes da estruturao tpica do texto. Na Gramtica, o princpio de desativao responsvel pelas rupturas sintticas, pelos anacolutos, e pelas categorias vazias, de que se encontram exemplos na Fonologia (slaba com ncleo voclico omitido), na Morfologia (morfema exional zero) e na Sintaxe (elipse de constituintes sentenciais, ou categoria vazia).

    importante entender que esses princpios operam ao mesmo tempo, no sequencialmente. Assim, a desativao ocorre simultaneamente com a ativao, e esta com a reativao, o que compromete o princpio da unidirecionalidade. A mente humana parece funcionar como um sistema complexo, e precisaremos sem dvida entend-la como tal tarefa que certamente ocupar os linguistas nos tempos por vir.

    Em suma, postulo as lnguas naturais como um conjunto articulado de quatro sistemas, cada um deles con gurado por um conjunto de categorias, su cientemente fortes para representar os processos e os produtos de que esses sistemas so feitos. Assim, qualquer expresso lingustica se compe de quatro conjuntos de propriedades e seus processos: (i) Lxico e lexicalizao, (ii) Semntica e semanticizao, (iii) Discurso e discursivizao, (iv) Gramtica e gramaticalizao. Essas propriedades atuam simultaneamente, no sequencialmente. Nenhum desses sistemas postulado como o centro da lngua, de que derivariam os outros.

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    Alis, por que os linguistas tm procurado o sistema central da lngua, e por que tm postulado a determinao de um sistema sobre outro? Num rpido percurso sobre as ideias lingusticas, no deixa de ser curioso constatar que tanto formalistas quanto funcionalistas costumam eleger um sistema como o centro da lngua, o qual determinar os demais sistemas. Ao longo dos estudos lingusticos, ocuparam esse trono a Fontica para os neogramticos, a Fonologia para os estruturalistas, a Sintaxe para os gerativistas pr-minimalistas, e o Discurso e/ou a Semntica para os funcionalistas.

    Acredito que esse raciocnio decorre da adoo das cincias clssicas como fundamento epistemolgico. Aplicadas s lnguas naturais, essa epistemologia nos levou a acreditar que os signos lingusticos ordenam-se linearmente, integrando nveis de anlise, ou camadas, ou hierarquias. Esses signos so identi cados por operaes de contraste entre eles, excluindo-se sua polifuncionalidade, e o fato de que eles se dispem num continuum categorial.

    Ora, como j mencionei aqui, as descries sobre a oralidade desmentiram fortemente a percepo da lngua como uma linha, constituda por realidades que se sucedem no tempo. verdade que o produto, o rgon, linear, tanto na lngua falada quanto na lngua escrita. Mas se quisermos identi car o processo, a enrgeia que se esconde por trs desses produtos, teremos de abandonar a ideia da lngua-linha. Os fatos da lngua falada no nos autorizam a aceitar que nossa mente funcione pobremente, atravs de impulsos sequenciais, lineares, uns depois dos outros. No isso o que se v durante uma conversao. No h dvida que as pesquisas sobre a oralidade esto alterando em nosso pas nossa percepo sobre a linguagem. Essas pesquisas podero moldar novos hbitos cient cos. Minha proposta segue por aqui.

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    3. A nova gramtica do portugus brasileiro

    Mas era necessrio testar a abordagem multissistmica mais amplamente, o que z em minha Nova gramtica do portugus brasileiro, publicada em abril de 2010.

    Mesmo denominada gramtica, este livro afasta-se deliberadamente desse gnero:

    (1) No redigi uma gramtica-lista, que se detm nas classi caes, em que no se v uma gramtica, no a lngua. Em lugar disso, procuro olhar o que se esconde por trs das classi caes, identi cando os processos criativos do portugus brasileiro que conduziram aos produtos listados.

    (2) Esta no uma gramtica a-terica. Nada poderemos fazer em matria de pesquisa lingustica se no dispusermos de alguma teoria, pois lidamos com um objeto escondido em nossas mentes, como Saussure j havia reconhecido. Teorias lingusticas h muitas. Mas faz falta uma teoria que postule a lngua em seu dinamismo, como um conjunto articulado de processos abundantemente reconhecidos e descritos pelos pesquisadores do PGPF. Enfrento esta questo nesta gramtica. Quando falamos ou quando escrevemos, uma intensa atividade desencadeada em nossas mentes. Isso ocorre com enorme rapidez, acionando os sistemas lingusticos j mencionados. A teoria multissistmica aqui exposta tem um forte contedo funcionalista-cognitivista. Reconheo que ainda impossvel descrever todos os movimentos mentais envolvidos na atividade lingustica. Mas no h dvida de que em cada som emitido, em cada sinal gr co lanado ao papel, toma corpo um enorme conhecimento lingustico que foi ativado, permitindo o milagre da compreenso mtua por meio de to poucos sons e letras, e de to escassas palavras e construes. Para visualizar esse conhecimento, precisaremos

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    valorizar os indcios da maquinaria lingustica. A lngua falada revela uma fartura desses indcios.

    (3) As gramticas resultam habitualmente do trabalho individual, fundamentando-se na lngua literria. Tambm aqui esta gramtica tomou outro rumo. Para comeo de conversa, no acho que os escritores trabalham para nos abastecer de regras gramaticais. Eles exploram ao mximo as potencialidades da lngua, segundo um projeto esttico prprio. Ora, as regularidades que as gramticas identi cam devem fundamentar-se no uso comum da lngua, quando conversamos, quando lemos jornais, como cidados de uma democracia. Isso no exclui a fruio das obras literrias, mas uma completa inverso de propsitos fundamentar-nos nelas para descrever uma lngua. A presente gramtica se insere nesse quadro de preocupaes. Filtrei aqui as pesquisas das ltimas trs dcadas a partir de uma tica prpria, propondo seguidamente ao leitor que se envolva nas pesquisas, transformando-se no linguista-gramtico dele mesmo. Seguindo esse impulso, esta gramtica d voz a muitos desses pesquisadores, tanto quanto s aulas que fui ministrando ao longo de 47 anos de magistrio. Meus alunos me ajudaram muito, com sua curiosidade e com sua recusa a explicaes no convincentes. Havia tambm uns poucos tomados de um grande tdio. Esses tambm me ajudaram, pois me mostravam que a aula estava um bocado chata, ou seja, eu no tinha conseguido naquele espao de tempo desvelar as maravilhas da linguagem.

    (4) O ritmo expositivo de nossas gramticas adota o que se poderia chamar de estilo revelao. O gramtico se transforma numa espcie de Moiss que desce dos altos montes e brada aos povos estupefatos... o que est certo e o que est errado em sua linguagem! Tambm aqui me distanciei disso. Imaginei para tanto a seguinte estratgia: compus dois textos articulados,

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    um expositivo, e outro indagativo. Na exposio, falo eu, interpretando os achados da cincia atual. Nas indagaes, falam os leitores, por meio das perguntas que imagino que eles estejam formulando. O objetivo dessa estratgia transformar os leitores numa espcie de coautores, recusando que entre eles e a lngua que praticam seja obrigatria a interposio de um intrprete, de uma espcie de despachante para problemas gramaticais. Para dar conta desse lance meio calvinista, apresentei perguntas e mais perguntas nas pginas da Nova Gramtica do Portugus Brasileiro, ao lado de informaes sobre o conhecimento disponvel e o fornecimento de pistas sobre como achar novas respostas. Para evitar uma aborrecida listagem de opinies, que poderia obscurecer o objeto, optei por interpretar os resultados obtidos luz da j mencionada teoria multissistmica da lngua. Depois disso, apresento algumas generalizaes sobre o retrato do portugus brasileiro assim obtido. Novas perguntas conducentes re exo gramatical foram formuladas no captulo 15.

    As lnguas naturais so o ponto mais alto de nossa identidade como indivduos e como participantes de uma sociedade. Que o digam os quinhentos mil visitantes anuais do Museu da Lngua Portuguesa localizado em So Paulo! Tem sido proveitoso testemunhar a emoo desses visitantes por se verem ali representados, por toparem ali com sua identidade. De certa forma, todo mundo sai meio linguista daquelas instalaes. Busquei repercutir essa emoo em minha gramtica.

    Concluses

    Para nalizar esta fala, apresento uma proposta ABRALIN: que ela constitua uma comisso para a elaborao de teorias fundadas no vasto conhecimento sobre a realidade lingustica brasileira, desenvolvido

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    a partir dos anos 70. Sabemos que teoria e empiria so percursos de mo dupla. Mas acredito que chegou a hora de investir mais no percurso empiria teoria, construindo generalizaes fundamentadas no conhecimento atualmente disponvel.

    Na fase de implantao da Lingustica entre ns, instalou-se o hbito de agarrar algum linguista americano ou europeu pouco conhecido, ler sua obra, traduzi-la para o portugus, fazer pesquisas a partir das ideias ali colhidas, orientar alunos, e apresentar-se nos congressos como uma espcie de representante tropical da gura.

    D at para entender esse tipo de caada, a nal, precisvamos produzir conhecimento lingustico sobre o Brasil. Pas multilngue, pouco sabamos sobre as lnguas indgenas e sobre o portugus brasileiro para o qual ainda no tinha sido cunhada a sigla PB. O caminho era esse. Entretanto, muitos esforos e seminrios depois, dispomos hoje de um conhecimento notvel sobre esses campos, mesmo havendo ainda muito o que fazer.

    desagradvel veri car que a enorme produo cient ca brasileira no tem sido lida, no tem sido avaliada, no tem sido criticada. Basta ouvir a leitura de trabalhos em nossos congressos, para ver o que est rolando. Continuamos importando...

    A atual gerao de linguistas deveria conduzir a Lingustica brasileira sua maioridade, desenvolvendo re exes tericas, mantendo a interao com os centros mundiais, mas estabelecendo com eles duas mos de direo. A nal, a cincia e sempre ser uma espcie de ptria desterritorializada.

    Estou convencido de que se esse passo no for dado, corremos o risco de cair na irrelevncia. Sem descontinuar nosso dilogo com a Lingustica mundial, precisamos sem dvida investir na elaborao de teorias. A ABRALIN ser o melhor frum na busca desses novos caminhos.

    Muito obrigado!

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    Referncias

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  • Revista da ABRALIN, v. Eletrnico, n. Especial, p. 33-51. 1 parte 2011

    GRAMTICA: REFLEXES SOBRE UM PERCURSO DE ELABORAO DE MANUAIS

    Maria Helena de Moura NEVESUniversidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) - Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho / CNPq.

    RESUMO

    Como parte que de uma mesa denominada Construo de gramticas descritivas, composta por autores de gramticas descritivas de lngua, este texto apresenta uma re exo pessoal que busca recuperar as questes centrais que me tm desa ado na execuo desse tipo de tarefa.. Para isso, fao um percurso histrico da de nio dos rumos que segui na construo de dois manuais de gramtica da lngua portuguesa, e paralelamente recolho, em outras obras que elaborei, indicaes que podem explicitar as diretrizes tomadas. Por um vezo de formao e de atuao, dirijo as re exes para a destinao central que sempre pensei para essas obras, que a destinao escolar, algo que posso resumir em uma busca de entender o que deva constituir um trabalho com a gramtica, na escola.

    ABSTRACT

    As part of a round table entitled Construction of descriptive grammars, with authors of descriptive grammars of the Portuguese language, this text presents a personal re ection that seeks to recover the key issues that have challenged me in this kind of work. In order to do this, I recover the historical route of the decisions I took in the construction of two manuals of Portuguese grammar and, at the same time, I gather, in other works I have written, information that can explain the guidelines adopted. Being consistent with my background and with my praxis, I offer some thoughts towards the fundamental proposition I have always considered such works to have, which is the school destination, something I can summarize in the question of what should constitute a work with the grammar at school.

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    PALAVRAS-CHAVE

    Gramticas descritivas. Gramtica de usos. Gramtica na escola

    KEY-WORDS

    Descriptive grammars. Usage Grammar . Grammar at school.

    Introduo

    Com certeza, o que esperam de ns, nesta mesa, uma espcie de depoimento sobre o que vimos fazendo, na elaborao de gramticas. Foi assim que, pensando no que seria a exposio, fui fazendo mentalmente um percurso de minha vivncia, meus estudos e meu pensamento sobre linguagem/gramtica, buscando veri car por que z o que z, exatamente como z. assim que minha fala vai nessa direo.

    Parto de um percurso histrico da de nio dos rumos que segui na construo de dois manuais de gramtica da lngua (Neves, 2000; 2010a; Neves, no prelo). Isso envolve uma de nio do domnio da gramtica, com opo por um determinado procedimento de criao e descrio de fatos, o que, no meu caso, envolve o exame dos usos reais. So usos observados especialmente em um banco de dados elaborado para tal tipo de trabalho (e para a elaborao de dicionrios, como explicitarei logo a seguir) e tambm observados em textos correntes, de variadas modalidades, escritos e falados, que se encontraram disponveis.

    Em primeiro lugar fao a indicao histrica (documental) do projeto que levou elaborao da Gramtica de usos do portugus (2000). E nessa incurso est um primeiro preito que quero render.

    Nos idos de 1990, na UNESP de Araraquara, meu professor de Lingustica de todo o curso de Graduao em Letras, o grande mestre Francisco da Silva Borba, sabendo que eu iniciava a elaborao de um manual de gramtica de usos, convidou-me para empreendermos um grande projeto de elaborao de um dicionrio e uma gramtica dessa

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    natureza (unidos, pois, por princpios comuns). Iniciamos, ento, a confeco de um crpus de lngua escrita que hoje est com mais de 200 milhes de ocorrncias. A Gramtica caria por minha conta, e o Dicionrio teria uma equipe de elaborao (com 5 pessoas, entre elas eu e o prprio Borba, cada autor com 20% das tarefas). Tudo foi feito. O incio da coleta de usos foi de grande di culdade, tudo muito artesanal. Lembro-me especialmente da minha alegria quando consegui da Fundao UNESP os recursos para adquirir um aparelho leitor de caracteres (hoje jurssico, pea de museu), e da FAPESP os recursos para pagar digitadores, que, na tarefa de coleta de textos, simplesmente (e jurassicamente) copiavam trechos de obras dos cinco campos que o Professor Borba instituiu como formadores do nosso banco: Literatura, Jornalismo, Oratria, Dramaturgia e Obras tcnico-didticas (inicialmente, apenas da segunda metade do sculo XX). Pouco tempo depois a responsabilidade de elaborao do crpus passou para o Professor Borba, exclusivamente, e com ele est at hoje no Laboratrio de Lexicogra a que ele fundou na UNESP de Araraquara , agora recuando no tempo para abranger obras de todos os sculos de produo no Brasil.

    Infelizmente, um dos propsitos de nosso projeto inicial no foi levado adiante: era que as duas obras (a Gramtica de usos do portugus e o Dicionrio de usos do portugus) sassem em conjunto, at com a mesma capa (como ocorreu com o COLLINS-COBUILD). Por razes da prpria elaborao e por contingncias editoriais, minha Gramtica foi publicada em 2000 e nosso Dicionrio em 2002, e por editoras diferentes (Editora da UNESP e tica, respectivamente).

    1. A tomada de decises

    Vou lembrar, aqui, especialmente e dentro do tema desta mesa minha histria de lida com a entidade gramtica, buscando o que constituiu o fundamento na tomada de decises para a elaborao de

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    uma Gramtica de usos do portugus (duas obras: 2000 e no prelo). Para tal exame, neste ponto de minha trajetria, vou apresentar um recorte de a rmaes que andei fazendo em algumas de minhas obras, enquanto lidava com os fatos de lngua segundo a diretriz que conduziu a observao dos usos lingusticos, o modo de tratamento dos dados, a instituio dos fatos de anlise. E inicio com o histrico.

    1) Comeo com minha ligao visceral com aquilo que representou, para a histria do pensamento ocidental, a emergncia de uma disciplina gramatical na Grcia. No livro A vertente grega da gramtica tradicional: uma viso do pensamento grego sobre a linguagem (1987; reformulao em 2005), e em muitos artigos subsequentes, procurei construir uma linha de re exo sobre as condies de nascimento da gramtica ocidental, evidenciando a natureza intrnseca da obra produzida bem como a natureza e o valor desse tipo de obra em um contexto sociopoltico. Concluo pelo inegvel peso dessas determinaes num exame que busque avaliar as anlises lingusticas em contexto de situao e em contexto de cultura, ou seja, na realidade do uso, que o que est em minhas duas gramticas descritivas. Ora, a gramtica grega incipiente produto claro de uma realidade.

    2) No livro Gramtica na escola (1 edio em 1990), re eti sobre a disciplina Gramtica, buscando um diagnstico sobre o ensino da lngua portuguesa nos diversos nveis, e buscando sempre apontar a necessidade de apoio em princpios tericos consistentes, para tratamento da disciplina Gramtica na escola. Tenho sempre forte essa destinao, em meu trabalho com a gramtica

    3) No livro A gramtica funcional (1 edio em 1997), reuni, didaticamente, as bases da teoria funcionalista da linguagem, que considero poder orientar o exame da lngua em uso.

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    Explicitei os principais temas envolvidos no exame do uso lingustico: competio de motivaes, sistematicidade e funcionalidade, percurso metafrico, fora metonmica, gramaticalizao, iconicidade, etc. So temas centrais no desenvolvimento dos estudos que vm sustentando a minha elaborao de gramticas.

    4) No livro A gramtica: histria, teoria e anlise, ensino (2002) busquei conciliar re exes voltadas ao tema gramtica, em algumas direes consideradas bsicas, desde a prpria histria da disciplina gramatical no Ocidente at a misso de ensino da gramtica, passando pela anlise de fatos gramaticais e pela explicitao de bases tericas que sustentam as re exes.

    5) No livro Guia de uso do portugus: confrontando regras e usos (1 edio em 2003) apresentei um confronto entre as normas prescritivas e o uso efetivo das formas da lngua portuguesa, observado em corpus. A problemtica crucial no reconhecimento da variao lingustica, e de sua aceitao, especi camente quanto ao reconhecimento de uma identidade lingustica vista como unidade na diversidade, na descrio dos usos.

    6) No livro Que gramtica estudar na escola? (1 edio em 2003), assentei a necessidade de uma gramtica escolar que, legitimada pela sua relao com o uso efetivo da lngua, d conta dos usos correntes atuais, no perdendo de vista o natural e e ciente convvio de variantes, includa, a, a norma tradicionalmente considerada padro.

    7) No livro Texto e gramtica (1 edio em 2006), reuni re exes sobre os processos de constituio do enunciado, dirigindo sempre a ateno para a gramtica, que organiza as relaes, constri as signi caes e de ne os efeitos pragmticos que, a nal, fazem do texto uma pea em funo.

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    8) No livro Estudo de lngua e vivncia de linguagem (2010b), reforcei uma proposta de tratamento da gramtica que no se isole da vivncia da linguagem. Essa viso representa olhar re exivamente a lngua que se manifesta pela ativao da linguagem, representa ver a gramtica da lngua como a responsvel pelo entrelaamento discursivo-textual das relaes que se estabelecem na sociocomunicao, sustentadas pela cognio.

    9) Nos 3 dicionrios de portugus em que j atuei como coautora, com coordenao do Prof. Francisco da Silva Borba (Dicionrio gramatical de verbos do portugus contemporneo do Brasil, 1 edio em 1990; Dicionrio de usos do portugus, 2002; Dicionrio UNESP do portugus contemporneo, 1 edio em 2004), e no que est em elaborao (o Grande dicionrio do portugus do Brasil), o que se procurou e se procura observar e descrever a lexicogramtica dos itens em funo. Entende-se, a, que o dicionrio , ao lado do manual de gramtica, um espao essencial de revelao do assentamento potencial das categorizaes, tema central no projeto da organizao gramatical.

    10) Tenho de apontar, ainda, o dicionrio grego-portugus, em 5 volumes (publicaes em 2006, 2007, 2008, 2009, 2010), que coordenei na UNESP Campus de Araraquara, juntamente com duas colegas, e que colaborei, juntamente com professores de grego de diversas universidades do pas, repetindo nele aquela experincia de explicitao de uma lexicogramtica, especialmente na viso da potencialidade das relaes construcionais e no tratamento das palavras gramaticais.

    11) No quero deixar de falar de minha atuao no grande projeto de Gramtica do portugus falado do Professor Ataliba Teixeira de Castilho, uma experincia de pesquisa coletiva

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    que muito pesou nos rumos de minha viso de gramtica. o segundo preito que eu rendo a um chefe de equipe de trabalho intelectual a que pertenci ou perteno. Nesse projeto fui, por anos continuando o trabalho do Professor Rodolfo Ilari , coordenadora de uma das equipes, aquela que buscou, especialmente, ligar classes e funes no exame de itens da lngua e de processos implicados no seu uso, em crpus oral, o do NURC-Norma Urbana Culta (Ilari; Neves, orgs, 2008). Desse projeto, nesta mesa, fala aqui o prprio comandante. Apenas direi que o exame desse crpus particular (gravado) fez ressaltar o que representa, no contexto de uso da lngua em funo, a valorizao dessa modalidade primeira do uso lingustico.

    E agora vou propriamente s minhas duas obras que constituem, de certo modo falando, manuais de gramtica (a segunda, no prelo).

    12) Na obra Gramtica de usos do portugus (1 edio em 2000, 1037 pginas; 2 edio em 2011, revisada, 1005 pginas) descrevi o funcionamento dos itens da lngua portuguesa segundo seu uso efetivo no amplo crpus escrito disponvel, com ocorrncias de diferentes registros, como j apontei. Entendi e entendo que a avaliao dos usos o objeto e a meta natural de uma gramtica que envolva os componentes da interao.

    13) Na obra Gramtica de usos da lngua portuguesa: lies (no prelo, cerca de 1300 pginas), a pretenso levar lies de gramtica, de uso potencial no ensino, ao mesmo universo que da cincia e da histria, que requer raciocnio e tambm requer arte, que traz lio e traz vivncia. A diretriz central , com sustentao em textos, e com foco no tratamento escolar da gramtica, falar da lngua portuguesa falando da linguagem em uso, bem como dos procedimentos de constituio dos enunciados.

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    Fica entendido que o termo gramtica usado em minhas propostas implica valorizar a explicitao dos usos na obteno de resultados de sentido em uma situao de interao verbal, ou seja, implica empreender uma gramtica de usos. Fica assentado que, buscando-se as destinaes funcionais da lngua em funo, privilegia-se uma direo terico-metodolgica que permite avaliar a funcionalidade dos deslizamentos categoriais e das superposies funcionais no estudo gramatical.

    2. A elaborao dos manuais

    Como j apontei, para avaliao de como se pode veri car a diretriz traada na elaborao dos manuais vou retirar, de algumas das obras, a rmaes que andei fazendo, para, com isso, rea rmar meu empenho na obteno de uma pesquisa lingustica centrada na necessidade de uma forte re exo sobre as atividades de elaborao de obras (meta)gramaticais e (meta)lexicogr cas da lngua1.

    2.1. Sobre a natureza da GRAMTICA

    Tenho repetido uma a rmao que z h mais de vinte anos, estudando a origem da nossa vertente ocidental de gramtica:

    A gramtica uma disciplina que, pelas prprias condies em que surgiu, aparece com nalidades prticas, mas que representa um edifcio somente possvel sobre a base de uma disciplinao terica do pensamento sobre a linguagem. (A vertente grega da gramtica tradicional: uma viso do pensamento grego sobre a linguagem, p. 15)

    1 Este item 2 volta a algumas consideraes que z em conferncia que pronunciei em 2008, em Leipzig, Alemanha, por ocasio da homenagem aos 65 anos do Professor Eberhard Grtner, autor da Grammatik der portugiesischen Sprache (Grtner, 1998). A conferncia (publicada em Neves, 2010c) versou sobre A tarefa do gramtico, que exatamente o tema que coloco em questo neste trabalho. Tambm naquela ocasio parti de a rmaes minhas publicadas (no as mesmas, ressalvo), para conduzir as re exes.

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    De fato, a gramtica no poderia ser escrita livre de uma teoria. ela que constri os fatos, no se podendo conceber uma descrio de gramtica aterica nem uma construo de fatos sem recurso a uma teoria que os con gure.

    Assumindo essa viso, dirijo, agora, minhas re exes por questes que me tm desa ado na execuo desse tipo de tarefa. Fao uma avaliao dos propsitos que me vm motivando e orientando no preparo de trabalhos de anlise e sistematizao de fatos fatos que a teoria recorta da lngua portuguesa.

    O que aqui ponho em foco esse mister meio nebuloso de fazer uma gramtica, discusso que suscita uma srie de questes pelas quais passarei.

    2.1.1. Sobre o conceito de gramtica

    Estas so perguntas que j z em uma de minhas obras, e a que tenho voltado vrias vezes, em minhas re exes. Olhemos na histria:

    O que a gramtica? Arte? Tcnica? Cincia? Funcionamento ou descrio? Conhecimento ou explicitao? Todos os que falam do uso lingustico ho de se surpreender fazendo esse questionamento. (A gramtica: histria, teoria e anlise, ensino, p. 9)

    No cabe aqui de nir o termo gramtica. As diversas acepes correspondem exatamente s diversas tarefas que um estudioso assume na sua atividade de descrio. Pelas diversas assunes tericas e pelos diversos caminhos, sempre possvel chegar a descries coerentes e relevantes. Se se vai ao ncleo duro das relaes, isto , sintaxe pura (gramtica da competncia, extremamente rigorosa, com certeza), chega-se a proposies e generalizaes de grande rigor, mas de aplicao espec ca; se se vai ao feixe de componentes que se implicam

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    na enunciao enunciada (gramtica da atuao, digamos), chega-se a proposies mais uidas, como uida a atuao, mas pode-se atingir o feixe de funes que o uso opera. De qualquer modo, a gramtica o suporte da relao entre a cadeia sonora e o signi cado, respondendo, no fundo, pelos sentidos e pelos efeitos que a rede montada na linguagem equaciona e revela.

    No que respeita s incurses que tenho feito (e como exponho em Neves, 2006), falo de uma gramtica como funcionamento: a gramtica como organizao das relaes, como construo das signi caes, como de nio dos efeitos pragmticos, en m, como mecanismo que faz do texto uma pea em funo. Entende-se, assim, que produzir linguagem nada mais do que ativar processos que a gramtica organiza, entrecruzando-os, para compor textos, na interlocuo.

    2.1.2. Sobre o conceito de descrio gramatical

    Este um trecho da Apresentao que z minha Gramtica de usos do portugus (p. 13):

    A Gramtica de usos do portugus constitui uma obra de referncia que mostra como est sendo usada a lngua portuguesa atualmente no Brasil.

    E este um trecho da 4 capa da obra:

    O que as lies fazem, portanto, organizar numa gramtica da lngua portuguesa as possibilidades de construo que esto sendo aproveitadas pelos usurios para a obteno dos efeitos de sentido pretendidos.

    Bem na linha desta mesa sobre gramticas descritivas , creio poder a rmar que o que se espera de um manual de gramtica da lngua exatamente a descrio dessa lngua, seja com que inteno, direo,

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    orientao e suporte for. Se o manual se dirige ao uso lingustico o que envolve uma integrao dos componentes sinttico, semntico e pragmtico, com todas as implicaes que isso acarreta , h de predominar a lida com processos que se entrelaam, na atividade discursiva, e por essa via que se chegar a categorias mutuamente relevantes que so, na ativao dos processos , e car con gurado um sistema sempre equilibrado, mas nunca engessado.

    Categorias e processos no se per lam automaticamente, e muito menos previamente, a no ser pela vocao de determinadas categorias para determinadas funes. Nem se permite supor que a correspondncia seja um a um, ou que haja enquadramentos xos, porque, se assim fosse, a lngua no funcionaria em linguagem, dada a multiplicidade de sentidos e efeitos que a linguagem por natureza obtm no seu acionamento, para que cumpra suas funes. A sua natural indeterminao, a multifuncionalidade de seus itens, a uidez de fronteiras, a existncia natural de permeaes categoriais, isso o que permite que a lngua diga aquilo que necessrio, que bom, e que relevante que se diga, bem como aquilo que belo e encanta com a palavra. No se h de entender, por a, que o papel do gramtico seja olhar e recolher fragmentos de natureza escorregadia e descrever desequilbrios. Cabe a ele descobrir correspondncias regulares que respondam pelo estabelecimento do estatuto categorial dos diversos itens em funcionamento na produo lingustica.

    2.1.3 Sobre o conceito de sistematizao gramatical

    Assim est em um livro em que confronto regras e usos, em exame de corpus:

    Esta obra busca, em primeiro lugar, informar exatamente como esto sendo usadas pelos falantes as formas da lngua portuguesa. O ponto-chave que o uso pode contrariar as prescries que a tradio vem

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    repetindo, e o falante [....] ter de conhecer os dois lados da questo: a) o modo como os manuais normativos dizem que deve ser ou no deve ser; b) o modo como, realmente, . (Guia de uso do portugus: confrontando regras e usos, p. 13).

    A crtica gramtica e aos gramticos com respingos injustos nos nossos precursores na gramtica alexandrina vai em geral para o que se considera um imperdovel compromisso com a normatividade. Essa avaliao, em geral imperfeita, assimila o oferecimento de quadros ao oferecimento de paradigmas estanques, e, por a, ao oferecimento de modelos. Em geral, nos manuais, os modelos esto propriamente nos exemplos (escolhidos dentre os timos exemplares para cada caso), mas a avaliao corrente da gramtica como normativa decorre, realmente, daquela exposio de quadros que exibem, absolutamente engessadas, as que seriam as peas de funcionamento da lngua de cada um. Oxal alguma coisa houvesse, mesmo, nas escolas, que fosse aproveitada para o conhecimento do que a norma naquela lngua, naquele lugar e naquele tempo, para conhecimento do que normal na linguagem daquela comunidade. Isso, ao menos, responderia a uma funo de apoio social.

    Mais uma vez, necessrio insistir no fato de que a nalidade de qualquer gramtica de referncia , sim, a busca das regularidades, a especi cao da sistematicidade da atividade lingustica, o que com certeza h de corresponder a quadros, no registro da sistematizao. Por mais que uma gramtica se comprometa numa viso que capte as instabilidades (sempre em equilbrio) da linguagem, no se espera dela uma banal descrio tpica de fatos avulsos, uma anlise que ignore o sistema igualmente regulador de todos os enunciados da lngua, quaisquer que sejam suas manifestaes episdicas.

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    2.1.4. Sobre a relao entre texto e gramtica

    Em um livro em que busquei mostrar a interdeterminao das entidades texto e gramtica, assim est:

    A interao verbal uma atividade estruturada (com regras, normas e convenes), mas tambm uma atividade cooperativa, e, desse modo, ativam-se, na linguagem (que sempre uma interao), dois sistemas de regras: as que regem a constituio das expresses lingusticas (regras sintticas, semnticas, morfolgicas e pragmticas) e as que regem o modelo de interao verbal no qual as expresses so usadas (regras pragmticas). (Texto e Gramtica, p. 13)

    Por a vai a gramtica do uso, que s pode partir da noo de uma linguagem a descrever na enunciao e pela enunciao. O componente pragmtico determinante, e no no sentido puro e simples de uma perspectiva que se agregue, para valorizao do discurso. Compreenda-se que o contexto de situao, inserido no contexto de cultura, projeta diretrizes para a interao lingustica como relao humana que , e compreenda-se, tambm, que a organizao das pores informativas, em seu uxo, pertence a um componente eminentemente pragmtico (em correspondncia com o conceptual).

    Se a gramtica ativa esses dois sistemas de regra (a reger os enunciados e a prpria atividade lingustica), cria-se uma moldura pragmtica dentro da qual nascem as peas de linguagem: governadas por um ncleo duro da gramtica, que faz o amarramento morfossinttico das cadeias; e arranjadas textualmente por regras semntico-pragmticas.

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    2.1.5. Sobre as bases de uma gramtica de usos

    E chegamos gramtica na escola.

    A escola no pode criar no aluno a falsa e estril noo de que falar e ler e escrever no tm nada que ver com gramtica. (Que gramtica estudar na escola? p. 128)

    A insero clara em uma teoria que, com base na noo de que a linguagem , por natureza, funcional, considera as estruturas lingusticas exatamente pelo que elas representam como organizao dos meios lingusticos de expresso. Temos uma linguagem, que o nosso poder, temos uma lngua particular que o nosso saber, e temos as constantes situaes de uso lingustico, em que, com nosso poder, acionamos o nosso saber exatamente pelo exerccio das funes. No percurso inverso, quem se puser a explicitar esse uso lingustico estar fazendo a explicitao do prprio funcionamento da linguagem, a partir de uma determinada instncia. Essa a misso do gramtico: fazer ver que a metalinguagem ativada em funo d conta do conjunto de atividades de linguagem que criam sentidos e produzem efeitos.

    Resta acoplar a absoluta determinao do componente conceptual envolvido na ativao da linguagem, portanto na sua gramtica, que no cabe ao gramtico explicitar, mas que no pode car desconsiderado. Essa considerao um seguro ponto de apoio para que nunca se perca de vista a noo de que a embalagem lingustica de um enunciado, sempre linear e segmentvel, responde naturalmente a um pacote cognitivo global. da gramtica de cada um acoplada a seu lxico a tarefa de embalar os contedos em segmentos que se alinhem coesiva e coerentemente na produo de linguagem.

    A gramtica que vai escola no pode descaracterizar-se por uma inocente aceitao de que simples receitas e rtulos sero mais fceis de digerir do que fundas re exes que revelem a verdadeira natureza da linguagem, a qual, necessariamente, complexa.

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    3. Pesquisando a destinao

    Assim se inicia a Apresentao de meu ltimo livro, em que defendo que o uso lingustico decorre da viso de lngua, que, por sua vez, decorre da vivncia da linguagem:

    Este livro se destina a todos os que se interessam por uma proposta escolar de tratamento da gramtica que no se isole da vivncia da linguagem, ou seja, que ponha em estudo, realmente, a gramtica da lngua em funo. (....) Essa viso representa olhar re exivamente a lngua (....) em contexto de situao e em contexto de cultura, em inter-relaes e em interfaceamentos. (Ensino de lngua e vivncia de linguagem, p. 9).

    Novamente vou escola, escolhendo para comentrio a destinao escolar da proposta.

    Se difcil delimitar o conceito de gramtica, no menos problemtico entender o que deva constituir uma disciplina Gramtica, ou um contedo curricular a ela ligado, dentro da grade curricular escolar.

    Cabe veri car o que representa trabalhar com gramtica na escola, ou ensinar gramtica. Em primeiro lugar, como j apontei, tradicional e historicamente, a gramtica que a escola tem oferecido a seus alunos no a da lngua competncia, tambm no a da lngua discurso, simplesmente a sistematizao gramatical fria e inerte do sistema daquela lngua particular, no nosso caso o portugus. E a se considera que ca cumprida a misso de oferecer aos alunos a gramtica da lngua portuguesa com o simples oferecer de parmetros tradicionalmente institudos: esquema de classes e subclasses, ou elenco de funes dentro da estrutura oracional, nem sempre avaliadas as complexas relaes entre as classes e as funes.

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    E todos os estudiosos que se tm dedicado a avaliar o ensino vigente nas escolas tm acentuado o carter absolutamente ritual de que o ensino tradicional de gramtica se tem revestido. Foi tambm o que veri quei em pesquisa de campo que empreendi (Neves, 1990).

    Concluindo, h lies fundamentais sobre o funcionamento da linguagem que a escola tem esquecido, como venho acentuando em vrias oportunidades:

    a) A gramtica no um corpo estranho lngua, apenas dialogando com ela: o uso lingustico (a organizao da fala) constitui a ativao da gramtica.

    b) A gramtica no um aparato que temos guardado ao nosso lado apenas para destrinar frases, como se a se esgotasse a linguagem: essa no a estrutura limite que devemos alcanar, apenas uma das organizaes que a gramtica prov para o uso lingustico.

    c) A gramtica da lngua em funo no uma pea pronta e fechada em que iremos buscar, em determinado momento, para atribuir a elementos ou a estruturas, entidades absolutamente compartimentadas s quais possamos chegar mediante um estoque de rtulos que tenhamos arranjados em prateleiras: as entidades funcionais da lngua no esto discretizadas e amoldadas a priori, o acionamento dos processos que vai de nir funes, e, por a, vai amoldar classes.

    d) Assim, no legtimo reduzir a gramtica a um esquema taxonmico de categorias que esperam aplicao: no h planos isolados que respondam pelo funcionamento da lngua, pela produo de linguagem.

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    Consideraes fi nais

    Assim eu programei o livro em que trago uma gramtica do uso da lngua portuguesa numa forma que classi quei como de lies:

    O livro se dirige pela noo de que o estudo da gramtica da lngua pode e deve centrar-se em re exes sobre a linguagem. O que se pretende que o estudioso da gramtica a entenda como a organizao de princpios que leva produo textual-discursiva, e que, portanto, leva produo de sentido na interao lingustica. (Gramtica de usos da lngua portuguesa: lies, a sair):

    Falemos, pois de ns, assim chamados gramticos. E mais uma vez recolho ponderaes que tenho feito insistentemente.

    Parece que a sina que a sociedade em geral olhe os gramticos como aqueles que, em um livro, fecharam questes. Mas fecharam to bem que nem com a chave ou seja, com o livro na estante, ali, mo o consulente resolver suas pendncias com a lngua que usa. A partir dessa terrvel a rmao, encerro com perguntas, e no com respostas:

    No seria o caso de em primeiro lugar a escola (exatamente a escola) comear a mostrar queles que se esto formando para a sociedade que no s nas aulas de matemtica, fsica, qumica que o aluno tem de pensar? Que so especialmente as aulas de Lngua ptria que tm de ser baseadas em atividades re exivas, porque nelas est a porta e a chave da porta de tudo? Que por elas que o falante vai chegar a saber, realmente, de nir melhor suas pendncias, escapando da angstia de passar a vida tentando resolver pendncias falsas (por exemplo, as de adequao a uma etrea norma)? Que na explicitao da gramtica est o exerccio fundamental sobre o clculo de produo de sentido na linguagem (que o que resolve todas as pendncias de todos os ramos de conhecimento)?

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    A nal: Quando, sem linguagem, chegar a programar, por exemplo, a aventura da visita a outros corpos celestes? Onde, sem linguagem, chegar, por exemplo, instituio de um programa nuclear (ou sequer ao enriquecimento do urnio)? E como, sem linguagem, chegar a planejar, por exemplo, estratgias de preservao do planeta a bola da vez? Ou seja (talvez so smando): Como a nal sem linguagem, preservar a prpria linguagem, que o que nos foi garantido pelo nosso prprio estatuto de seres humanos, e que, na mo inversa, constitui a garantia desse nosso estatuto?

    Referncias

    BORBA, F. S. (org.) Dicionrio gramatical de verbos do portugus contemporneo do Brasil. So Paulo: Editora UNESP. Dicionrio de usos do portugus. So Paulo: Editora UNESP, 2002.______. Dicionrio UNESP do portugus contemporneo. So Paulo: Editora UNESP, 2004

    GRTNER, E. Grammatik der portugiesischen Sprache. Tbingen: Max Niemeyer, 1998.

    MALHADAS, D.; DEZOTTI, M. C. C.; NEVES, M. H. M. (coords.). Dicionrio grego-portugus. So Paulo: Ateli, 2006-2010. 5 v.

    NEVES, M. H. M. Gramtica na escola. So Paulo: Contexto, 1990._____. A gramtica funcional. So Paulo: Martins Fontes, 1997.______. Gramtica de usos do portugus. So Paulo: Ed. UNESP, 2000; 2 ed. 2010a. ______. A gramtica: histria; teoria e prtica; ensino. So Paulo: Ed. UNESP, 2002.______. Guia de uso do portugus: confrontando regras e usos. So Paulo: Ed. UNESP, 2003.

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    ______. Que gramtica estudar na escola? So Paulo: Contexto, 2003.______. A vertente grega da gramtica tradicional: uma viso do pensamento grego sobre a linguagem. 2. ed. So Paulo: Ed. UNESP, 2005.______. Texto e gramtica. So Paulo: Contexto, 2006.______. Ensino de lngua e vivncia de linguagem. So Paulo: Contexto, 2010 (2010b).______. A tarefa do gramtico. In: DLL, C. et al. (Eds). De arte grammatica. Festschrift fr Eberhard Grtner zu seinem 65. Geburtstag. Frankfurt am Main: Valentia, 2010 (2010c).______. Gramtica de usos da lngua portuguesa: lies. So Paulo: Contexto, no prelo.

  • Revista da ABRALIN, v. Eletrnico, n. Especial, p. 53-70, 1 parte 2011

    CONSTRUO DE GRAMTICAS DESCRITIVAS

    Maria Helena MIRA-MATEUSProf Catedrtica Jubilada FLUL e ILTEC

    1. A redao de gramticas por linguistas: a experincia portuguesa2. Gramticas e recortes tericos3. Tipos de dados e fontes dos exemplos.

    1. Histria: A primeira edio. O contexto de recepo da Gramtica

    Quando em 1983, foi publicada em Portugal, pela primeira vez, a Gramtica da Lngua Portuguesa da autoria de quatro mulheres linguistas, o conceito de gramtica sofreu um abalo. No era aquele o tipo de livros que se chamavam habitualmente Gramticas. Apesar desta estranheza, recebemos na altura algumas reaes interessantes de entre as quais retenho uma carta de felicitaes de Paul Teyssier, uma outra de Eduardo Prado Coelho que dizia ter encontrado na obra coisas que no sabia, e que poderia aprender de forma organizada e econmica. Recordo tambm uma longa missiva de um professor de portugus da Universidade do Canad (Toronto) que nos pedia para lhe mandarmos a Gramtica a m de ver se seria de alguma vantagem no ensino da lngua portuguesa visto que, naquela cidade, o portugus se falava muitssimo mal () e se escreviam muitssimas calinadas. Este era o bom tempo em que as mensagens voavam em cartas de papel que, como estas, se podiam guardar carinhosamente durante vrias dcadas.

    A ideia de construir a Gramtica nasceu em 1980, quando foi publicado nos jornais pelo Instituto Portugus do Livro, ao tempo dirigido pelo Antnio Alada Baptista, um Aviso aos Autores em que se promovia a elaborao e publicao de uma Gramtica de Portugus

  • Construo de Gramticas Descritivas

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    para o ensino da Lngua Portuguesa, a nvel universitrio, em Portugal e no Estrangeiro. Nessa altura as quatro linguistas e amigas que faziam investigao no quadro da Gramtica Generativa a Ins Duarte, a Ana Maria Brito, a Isabel Hub Faria e eu prpria resolveram concorrer com um projeto que de nia assim o que pretendiam fazer:

    a) apresentar uma descrio global e sistemtica do Portugus que tente, pela primeira vez, uma sistematizao da dimenso pragmtica da lngua e dos factores nela intervenientes e

    b) propor uma anlise adequada e consistente das estruturas da lngua a nvel sintctico, morfolgico, fonolgico e lexical.

    Era nossa convico que uma gramtica com estas caractersticas no podia ser uma obra individual mas exigia uma equipa que, no caso, tinha uma histria de investigao em reas especializadas. S podia ser, como diz a Violeta Demonte num texto belssimo sobre a nossa gramtica, uma obra coral ou polifnica. A detalhada explicitao e a fundamentao do plano da obra foi convincente e o jri considerou que a proposta continha importantes inovaes teorticas e didcticas pelo que devia ser o cialmente apoiada. Assim nos lanmos na elaborao da obra. A primeira edio saiu a lume em 1983 na editora Almedina. A Gramtica da Lngua Portuguesa recebeu na altura o Grande Prmio Internacional de 1982 atribudo pela Sociedade de Lngua Portuguesa.

    2. A segunda edio

    A segunda edio da Gramtica foi publicada em 1989 pela editora Caminho que at hoje detm aos direitos de publicao. Esta edio foi considerada por ns como uma recriao por termos introduzido modi caes em quase todos os captulos e, inclusivamente, por termos includo um estudo inteiramente novo sobre morfologia lexical e derivacional, da autoria de uma quinta linguista, a Alina Villalva.

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    Na ocasio em que foi publicada esta segunda edio a imprensa pronunciou-se. Sob o ttulo Lngua portuguesa tem nova gramtica diz-se num jornal de 89: Os estudantes universitrios e os professores de Lngua Portuguesa dispem, desde ontem, de uma gramtica que integra, pela primeira vez, o portugus tal qual se fala. O tema com esta formulao foi glosado em outras publicaes: Nova gramtica da lngua portuguesa tal qual se fala, Gramtica do portugus falado, O portugus tal como falado, e ainda uma pequena nota do Dirio de Notcias a propsito da 2 edio:

    Nunca uma reedio foi to oportuna. Sugere-se o envio urgente de uns quantos exemplares ao departamento de locutores no s da RTP mas tambm das numerosas rdios que por a agora existem e para as redaces de alguns jornais tambm, convenhamos. Anda por a quem bem precise de lhe deitar uma olhadela, para aprender a falar e a escrever, de forma gramaticalmente correcta, a lngua portuguesa.

    Ao olhar para o Prefcio da Gramtica e para o seu contedo torna-se difcil entender por que foi a obra publicitada na imprensa como tratando do portugus tal qual se fala. A explicao mais bvia tem que ver com as expectativas de quem encontra um livro chamado Gramtica. O frequentador de livrarias dir ao deparar com ele: Aqui est uma obra que me vai dizer como devo falar e escrever corretamente. Isto signi ca que um livro assim denominado imediatamente identi cado como uma gramtica normativa. E no entanto tivemos a preocupao de dizer nas palavras iniciais:

    A presente obra no uma gramtica normativa. Queremos com isto dizer que no um instrumento que assente no conceito de que a condio para falar

  • Construo de Gramticas Descritivas

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    bem uma lngua consequncia do conhecimento da sua gramtica. E mais explicitamente: esta Gramtica insere-se na linha das gramticas que tm como objectivo principal o de descrever o modo como as lnguas funcionam.

    Uma primeira explicao para as notcias da imprensa pode provir da confuso entre estes dois tipos de gramtica. Mas existe uma outra justi cao para se empregar a deliciosa expresso O portugus tal qual se fala. Se um possvel utilizador teve algum tempo para folhear a obra, acreditamos que nessa olhadela foi encontrando muitos exemplos da lngua oral (o portugus tal qual se fala) que no ocorrem habitualmente nas gramticas do bom uso. Por exemplo:

    um grupo de frases com o mesmo signi cado apresenta mobilidade dos elementos que o constituem: A Ins vai a Lisboa amanh?, amanh que a Ins vai a Lisboa?, Amanh que a Ins vai a Lisboa?;

    as interrogativas tag (termo pouco conhecido na poca) so frequentes na lngua oral: Vocs lembram-se, no se lembram?, Vocs lembram-se, no verdade?, Vocs lembram-se, no assim?, Vocs lembram-se, no ?, Vocs lembram-se, no?;

    as chamadas expresses qualitativas, que muitas vezes criamos na oralidade, so omissas nas gramticas habituais: O estpido do rapaz saltou do segundo andar. Um amor de mido ofereceu-me uma or., Aquele cretino do guarda atirou dois tiros.

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    Milhares destes exemplos que fazem parte do nosso quotidiano falar se encontram na Gramtica da Lngua Portuguesa. Eles so o miolo, e tambm o sal e a pimenta da Gramtica. Eles so factos da realidade e obedecem ao princpio epistemolgico formulado no prefcio da edio de 89, segundo o qual

    a cincia constri os seus prprios objectos de anlise a partir dos dados da realidade: a realidade ilimitada e s existe para a cincia quando conceptualizada, teorizada e racionalmente sistematizada.

    Assim se compreende a necessria seleo que nesta obra se faz dos dados empricos analisados, decorrente do nosso conhecimento e da observao da lngua portuguesa, e da perspectiva terica em que nos integramos.

    Ainda no mesmo prefcio, e vincando a ligao entre a obra e a investigao centrada no paradigma generativo,

    entendemos que o desenvolvimento terico da lingustica permite que sejam hoje considerados, na gramtica de uma lngua particular, objectos de anlise que no eram habitualmente estudados, embora as hipteses apresentadas para explicao desses fenmenos se encontrem ainda numa fase preliminar.

    Esta a rmao legitima uma apresentao da obra que saiu a pblico na poca: Notcia de uma Gramtica enquanto Obra Aberta em que o autor, ele prprio ento linguista, a rma que se trata de uma Gramtica que se distingue de todas as outras at agora existentes pelo facto de ter como objectivo fundamentador a apresentao do estado actual da investigao lingustica sobre as regularidades espec cas do Portugus. (Joo Manuel Fernandes, RILP).

  • Construo de Gramticas Descritivas

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    E por m, lembrando as referncias da imprensa segunda edio da obra, no posso esquecer uma longa conversa publicada em 83 no Expresso, que, sob o ttulo de Uma questo de gramtica adiantava em epgrafe:

    Pode uma gramtica considerada indispensvel ser outra coisa que um manual utilitrio para consulta de estudantes apressados ou jornalistas em crise de percia sintctica? Pode. a nova Gramtica da Lngua Portuguesa.

    Para realizar a segunda edio da Gramtica re etimos sobre a recepo da obra e sobre a nossa prpria experincia, e explicitmos mais demoradamente, no prefcio, os princpios fundamentais que nos orientaram. Julgmos de interesse fazer algumas a rmaes tericas e metodolgicas que nos nortearam e se mantm at ltima edio, das quais destaco as seguintes:

    a importncia do progresso cient co que representa a teoria generativa para o esclarecimento das caractersticas de nitrias da linguagem humana e das lnguas particulares;

    a possibilidade de conjugar a descrio e a explicao do funcionamento dos sistemas dos vrios nveis da lngua, e a necessidade de considerar a inter-relao existente entre esses sistemas, adoptando em cada circunstncia os modelos mais adequados;

    a convico de que a anlise gramatical, ao descrever as unidades bsicas da lngua, tem de tomar em conta outros factores que intervm na actividade lingustica em especial os objectivos comunicativos com que os falantes utilizam a lngua;

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    em consequncia, as frases devem ser consideradas no contexto lingustico em que so produzidas tendo-se em conta o discurso, ou seja, todo o conjunto de frases bem e/ou mal formadas ou ambguas, as pausas e, at, o prprio silncio.

    Sempre foi nossa inteno colocar a Gramtica da Lngua Portuguesa na linha das gramticas atuais que estudam uma lngua particular e, simultaneamente, introduzem o leitor nos conceitos fundamentais da lingustica. O percurso cient co da lingustica em que nos integramos orienta-se para o estabelecimento de princpios e parmetros universais. Neste quadro terico se insere a investigao que subjaz s propostas e anlises em sintaxe e semntica, em morfologia e fonologia da Gramtica da Lngua Portuguesa. Uma gramtica com estas caractersticas tem como objectivo no s fazer uma descrio do conhecimento que o falante tem da sua lngua mas tambm propor uma explicao do funcionamento dos fenmenos analisados.

    Resta dizer que a variedade da lngua contemplada nesta obra a norma padro do portugus europeu, embora em muitas circunstncias se indiquem caractersticas de outras variedades nacionais e geogr cas e, sobretudo, variantes socioletais.

    3. A Gramtica publicada em 2003

    Prximo do m do sculo XX as autoras consideraram indispensvel fazer renascer a Gramtica tendo em conta o desenvolvimento da investigao prpria nos ltimos quinze anos, a pesquisa realizada por muitos colegas e investigadores, o progresso da lingustica e a experincia de utilizao da obra. Foram tambm ponderadas as crticas e sugestes surgidas durante este intervalo. O aumento da cobertura lingustica, o aprofundamento das anlises propostas para muitos fenmenos e a necessria reformulao da estrutura inicial levaram integrao de

  • Construo de Gramticas Descritivas

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    outras linguistas no grupo de autoras. Assim se preparou a 5 edio sada em 2003, em que colaboraram, nas reas de semntica, sintaxe e prosdia a Ftima Oliveira, a Gabriela Matos, a Snia Frota e a Marina Vigrio.

    O trabalho desenvolvido para esta edio assentou em trs preocupaes fundamentais: extenso da cobertura lingustica, nfase na descrio dos factos lingusticos e legibilidade do texto por um pblico mais alargado o que implicou, neste caso, um cuidado quase pedaggico em muitas circunstncias.

    Como se diz no Prefcio desta edio, a reformulao a que se procedeu no ps em causa os princpios fundamentais que orientaram desde o incio a elaborao da Gramtica; e os quadros tericos em que assentam as anlises realizadas. Eles possuem um poder explicativo satisfatrio e sustentam investigaes recentes sobre a lngua portuguesa.

    Com esta edio a Gramtica renovou-se, cresceu e engordou (de 400 pginas passou a 1200), e por isso ganhou alguns apelidos (ou alcunhas). Ela a Bblia para os entusiastas da lingustica, o Tijolo para os que carregam com ela, a Gramtica das Mulheres para os homens que gostavam de ter sido convidados. Um pequeno inqurito junto dos jovens universitrios indicou-me que a Gramtica obra de consulta obrigatria em certos cursos e com determinados docentes. Alargando o inqurito percebi que ela estudada e consultada por investigadores e linguistas no seu trabalho de pesquisa mas tambm entendi que, fora destes contextos, di cilmente serve de apoio, por exemplo, na preparao de aulas dos professores de portugus do ensino secundrio. Isto , depois do curso a Gramtica no utilizada pelos que a estudaram por paixo ou obrigao, visto que (como me foi dito) no se trata de um manual de consulta mas de uma obra de leitura para compreenso dos mecanismos da lngua.

  • Maria Helena Mira-Mateus

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    4. A Gramtica da Lngua Portuguesa na sua intimidade

    O que contei at agora foi a histria externa da obra. Nada disse da sua intimidade, no falei da sua estrutura, das opes feitas no desenvolvimento das diferentes partes, da forma como construmos o nosso objeto de anlise a partir dos dados da realidade, selecionados e conceptualizados, en m, no a rmei que nossa convico que trabalhmos a gramtica como uma rea da cincia.

    Permita-se-me que faa um pequeno excurso justi cativo dessa convico. Comeo por de nir sucintamente o que entendo por cincia: uma forma de conhecimento com que se preten