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1 Revista da Escola de Música da UEMG Ano VI - n. 8 - Maio 2011

Revista da Escola de Música da UEMG Ano VI - n. 8 - Maio 2011

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Revista da Escola de Música da UEMGAno VI - n. 8 - Maio 2011

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Conselho Editorial

Antônio Carlos Guimarães – UFSJ - São João del-Rei, Minas Gerais

Felipe de Oliveira Amorim – FEA - Belo Horizonte, Minas Gerais

Guilherme Paoliello – UFOP - Ouro Preto, Minas Gerais

Luciana Marta Del Ben – UFRGS - Porto Alegre, Rio Grande do Sul

Luciana Monteiro de Castro – UFMG - Belo Horizonte, Minas Gerais

Mary Angela Biason – Museu da Inconfidência - Ouro Preto, Minas Gerais

Maria Betânia Parizzi Fonseca – UFMG - Belo Horizonte, Minas Gerais

Oilian José Lanna – UFMG - Belo Horizonte, Minas Gerais

Paulo Henrique Campos Silva – UEMG - Belo Horizonte, Minas Gerais

Regis Duprat – USP – São Paulo, São Paulo

Rodrigo Miranda de Queiroz – UCONN - Storrs Mansfield, Connectitut, USA

Sissy Veloso Fontes – UNIFESP - São Paulo, São Paulo

REVISTA MODUS – ANO VI / Nº 8ISSN: 1679-9003

Publicação da Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMGCampus de Belo Horizonte

[email protected]

Elaborada por: Marcos Antônio de Melo Silva - Bibliotecário CRB/6: 2461

Modus : revista da Escola de Música da UEMG / Universidade do Estado de Minas Gerais – Ano 6, n. 8, (maio 2011) – Barbacena MG : EdUEMG, 2008. 96 p.

Semestral. ISSN 1679-9003.

1. Música – Periódicos. I. Universidade do Estado de Minas Gerais. II. Título.

CDU: 78

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ISSN: 1679-9003

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REVISTA MODUS – ANO VI / Nº 8ISSN: 1679-9003

Editor responsávelJosé Antônio Baêta Zille

Capa e Projeto gráficoLaboratório de Design - UEMG

ESCOLA DE MÚSICA DA UEMG

Rua Riachuelo, 1.321 - Padre EustáquioBelo Horizonte - CEP: 30720-060

DiretoraGislene Marino Costa

Vice-DiretorHelder da Rocha Coelho

Coordenador do Centro de PesquisaArmon Sávio Reis de Oliveira

EdUEMGEDITORA DA UNIVERSIDADEDO ESTADO DE MINAS GERAIS

CoordenaçãoDaniele Alves Ribeiro

Preparação de Textos e RevisãoDaniele Alves Ribeiro

DiagramaçãoMarco Aurélio Costa Santiago

http://[email protected](32) 3362-7385 - ramal 105

UNIVERSIDADE DO ESTADODE MINAS GERAIS

ReitorDijon Moraes Júnior

Vice-ReitoraSantuza Habras

Pró-Reitora de Ensino e ExtensãoVânia Costa

Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-graduaçãoLuzia Gontijo Rodrigues

Pró-Reitor de Planejamento, Gestão e FinançasGiovânio Aguiar

Diretor Geral do Campus de Belo HorizonteRogério Bianchi Brasil

Tiragem: 400 exemplaresRevista semestral

Linha editorial

A revista MODUS é uma publicação semestral editada pelo Centro de Pesquisas da Escola de Música da UEMG com o propósito de estimular a reflexão e a atuação crítica em contextos culturais diversos. Procura ser um agente catalisador do desenvolvimento da produção e do intercâmbio de conhecimentos relacionados à música. Dentro dessa perspectiva, abrange a produção de cunho científico, teórico ou histórico, que envolve a musicologia e as áreas que colocam a música, direta ou indiretamente, frente à educação, tecnologia, performance e outros sistemas de linguagem.

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editorial

CiNCo eNSaioS aPoloGÉtiCoSMoacyr Laterza Filho

NorMaS Para PUBliCaÇÃo

SUMÁrio

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o eStUdo ePiStolar Na MÚSiCa BraSileiraAlice Belém, Eduardo Monteiro

SeBaStiÃo ViaNNa e a FANTASIA PARA FLAUTA EORQUESTRA de Heitor Villa-loBoSFernando Pacífico Homem

CoNGado: UMa eXiStÊNCia CorPoralSônia Cristina de Assis

Por UMa eSCUta QUe PoSSa “CorPorar”Eliane Maria de Abreu, Denise Araújo Pedron

71 aValiaÇÃo FiSioterÁPiCa de alUNoS deVioliNo dUraNte PerForMaNCe MUSiCal -aNÁliSe doS diaGNÓStiCoS CiNeSiolÓGiCoSe BioMeCÂNiCoS MaiS eNCoNtradoSCarolina Valverde Alves

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Numero após número, a revista Modus vem procurando aprimorar sua atuação no universo de saberes e fins a que se propôs abranger desde sua criação. Para tal, temos contado com a participação de competentes nomes em seu conselho editorial. São esses profissionais que fazem valer os princípios de qualidade pelos quais a Modus prima.

A avaliação de artigos por pares traz pelo menos duas importantes contribuições ao campo acadêmico científico. De um lado, fomenta o diálogo e o debate que se estabelece no processo de avaliação. Nesse processo, são confrontadas ideias, pontos de vista e reflexões entre avaliadores e autores, proporcionando um inequívoco aprimoramento do trabalho examinado. É na crítica e nas sugestões quanto a possíveis complementações ou alterações relevantes, que os avaliadores proporcionam um diálogo franco e legítimo, resguardado do anonimato com seus pares, tendo como base o incremento da qualidade das discussões em torno de determinado tema.

Por outro lado, a circulação de conhecimentos acerca de estudos específicos pode, antes mesmo de sua publicação, fortalecer as interconexões entre diferentes abordagens do mesmo objeto de estudo. Nesse aspecto, a experiência dos avaliadores se torna ainda mais relevante no momento em que contrapõe ou reforça as bases conceituais dos diversos artigos avaliados.

Assim, esse número da Modus apresenta mais uma vez os resultados desse valioso processo. Escrito de forma criativa, Moacyr Laterza Filho nos trás um interessante conjunto ensaístico em que ora aborda relações entre as estéticas de compositores distintos, ora levanta pontos relevantes sobre obras e compositores diversos. Nesse contexto, convoca em primeira instância os compositores: Richard Strauss, Felix Mendelssohn, Camargo Guarnieri, Leonard Bernstein, Carl Orff e Samuel Barber.

Alice Belém e Eduardo Monteiro apresentam um panorama da produção bibliográfica existente sobre a correspondência de músicos brasileiros, aspecto considerado cada vez mais relevante na metodologia de pesquisa em música. Fernando Pacífico Homem faz uma comunicação de pesquisa em que apresenta a descoberta de uma transcrição inédita para flauta transversal da Fantasia para Saxofone e Orquestra de Heitor Villa-Lobos realizada pelo maestro Sebastião Vianna. Sônia Cristina de Assis aborda, através do congado, a linguagem corporal que se concretiza na fusão ritualizada do canto e da dança, levando seus membros à transcendência ao mesmo tempo em que fazem de suas experiências corporais, uma extensão do mundo.

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Já Eliana Maria de Abreu e Denise Araújo Pedron vasculham o interior humano ao abordar a subjetividade do músico e como ele apropria de suas experiências musicais e atribui sentido a elas. Para tal, se apoiam na perspectiva de que a experiência da performance musical está calcada nas relações e percepções do self e não exclusivamente em requisitos técnicos. Carolina Valverde Alves apresenta uma análise de padrões corporais presentes em alunos de violino quando expostos a situações diversas de performance. Alia a essa análise, os efeitos desses padrões na saúde física daqueles músicos.

Em nome da Modus, agradecemos o valioso esforço do conselho editorial, grande responsável pelo resultado que ora se apresenta. Agradecemos também todos os colaboradores que contribuíram com seus trabalhos. Fazemos votos que todos possam continuar participando desta realização e contamos com todos aqueles que possam e queiram fazer parte de nossos esforços para a difusão de conhecimentos.

José Antônio Baêta Zille Editor

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REVISTA MODUS – ANO VI / Nº 8 – Belo Horizonte – MAIO 2011 – p. 9-20

CINCO ENSAIOSAPOLOGÉTICOS

Moacyr Laterza Filho

Pianista e cravista; professor da Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e da Fundação de Educação Artística. Doutor em

Literaturas de Língua Portuguesa e mestre em Teoria da Literatura.

[email protected]

ResumoNeste pequeno texto nascido de notas para programas de concerto, procura-se, com a liberdade do ensaio, abordar relações entre estéticas de compositores distintos ou levantar pontos relevantes sobre obras e compositores diversos de maneira muito sucinta que, sem perder o rigor analítico, faz da brevidade e da observação empírica seu método principal.

Palavras-chave: Música; ensaio; romantismo; música do século XX.

Introdução

O presente trabalho nasceu sem compromisso algum com esquemas acadêmicos e, portanto, desvinculado dos rigores formais do discurso analítico da musicologia ou da crítica em música. A sua gênese tem origem em notas para programas de alguns concertos executados pela Orquestra Filarmônica de Minas Gerais que, por isso, eram destinadas ao público em geral.

Era natural, assim, que procurássemos adotar uma linguagem por um lado, acessível tanto a músicos quanto a leigos e por outro, em certo sentido atraente e que despertasse a curiosidade do público para as obras (e seus compositores) que seriam executadas.

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Não era nossa intenção, no entanto, repetir a fórmula recorrente dessas notas de programa em que, não raro, nada mais se encontra senão certos elementos biográficos do compositor e breves descrições formais das obras. Nossa intenção era, desde o início, abordar, de forma analítica, tanto um quanto as outras, procurando desvelar aspectos importantes do repertório a ser executado, fosse de um ponto de vista historiográfico, fosse num sentido estrutural, fosse em sua correlação possível com dados biográficos do compositor, sem, no entanto, deixar de situar cronologicamente as obras - e os autores - a que essas notas se referiam.

Dessa forma, foi possível estabelecer relações por vezes insuspeitas, em diversos graus, desde aquilo que possa dizer respeito a elementos estruturadores de determinadas obras, em sua organicidade, até a possibilidade de conectar estéticas e períodos relativamente distantes cronológica e linguisticamente por assim dizer. A liberdade do gênero conferiu às análises certo grau de abertura que as limitações do rigor acadêmico apenas a muito custo poderiam ceder.

Por isso mesmo, não consideramos estes escritos como artigos, em seu sentido mais legítimo, mas como ensaios, à maneira de Montaigne. Assim, fazemos dele as nossas palavras, concedendo-nos o direito da paráfrase: “eis aqui um trabalho de boa fé”, marcado por uma forma de análise que, sem querer perder em rigor, apóia-se na liberdade de expressão e da livre associação de elementos, observados às vezes de forma empírica. Daí, talvez, a exiguidade da bibliografia consultada e citada: muitas das informações que esses ensaios apresentam são oriundas de fontes muito diversas, algumas das quais recuperadas da lembrança de leituras passadas, cujas fontes precisas já se confundem na amálgama da memória. Daí também o tom ligeiro que permeia essas cinco apologias e finalmente a brevidade das análises e o pouco aprofundamento na abordagem das obras citadas. Sirva-se o leitor destes textos para instigar a sua curiosidade investigativa e faça deles exercício de crítica. Tanto melhor assim, pois que toda análise é, em certo sentido, um ato de criação.

1 Richard Strauss e o Poema sinfônico

O grande movimento literário, humanista e musical que, no século XIX, se traduziu no Romantismo abraça a liberdade como uma de suas causas primárias. Na música, o caminho para a livre expressão individual, aberto revolucionariamente por Beethoven, cria por um lado uma arte “confessional” em que o compositor procura exprimir-se a si próprio e a seus estados emocionais e psicológicos numa dinâmica que, embora não desprovida de certa tendência narcisista, acaba por criar linguagens distintas e infinitamente pessoais, açambarcadas por uma ideologia comum que esse ideal libertário engendra. Por outro lado, porém, o caminho aberto por Beethoven

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abre trilhas para novas perspectivas formais que, associadas à diretiva da expressão individual, nortearão grandes conquistas em diversos domínios da linguagem musical. Se a geração posterior a Beethoven (da qual Schubert talvez seja um dos maiores expoentes) ainda se sentia receosa para trilhar em profundidade esses caminhos, a geração seguinte os elegeu franca e abertamente como vias arteriais, gerando obras como as de Mendelssohn, Schumann, Chopin e Liszt.

A história da música não raro desconsidera a importância que tiveram a pessoa e a obra de Liszt na solidificação de novos gêneros e de novos posicionamentos, inclusive sociais, da música e do músico a partir do século XIX. Sua figura mitológica, em parte forjada por ele mesmo, parece ter eclipsado o valor de algumas de suas empresas artísticas mais relevantes: dentre elas, no campo da música sinfônica, senão a criação, a consolidação do poema sinfônico. Baseado sempre num enredo literário, esse gênero musical, embora tenha certamente algum fundamento narrativo, por assim dizer, está para além de meras “descrições” musicais, como se quer crer frequentemente. Ao contrário, o elemento literário, no poema sinfônico, tem a função de mote e de fio condutor para a livre expressão musical e criadora do compositor. Por isso mesmo, a sua liberdade formal em relação a modelos preestabelecidos (a exemplo da forma sonata) o coloca dentre os gêneros mais genuínos do Romantismo sinfônico: sua estabilidade formal não depende de receitas predeterminadas, mas tão somente da maior ou menor coesão e coerência internas que a obra logra porventura elaborar.

A despeito disso, porém, nem sempre o poema sinfônico escapa a procedimentos ou formas consagradas pela tradição musical clássica. Isso é dado interessante na medida em que revela a própria angústia romântica que luta pela liberdade de expressão, mas ainda se vê ligada aos cânones formais do passado.

Foi com o poema sinfônico que mesmo antes de empreender suas realizações tão significativas no campo da ópera, Richard Strauss conquistou renome internacional. São dessa mesma safra, obras importantes como Macbeth (1886-1888), Don Juan (1888), Till Eulenspiegel (1894-1895) - obra de originalidade surpreendente - e Dom Quixote, estreada em 1898.

Baseado no célebre romance de Miguel de Cervantes, Strauss trabalha formalmente esse seu poema sinfônico, utilizando-se de um processo de composição que se constitui de dez variações sobre um mesmo tema seguidas de um finale. De fato, o compositor lhe confere um subtítulo: Variações fantásticas sobre um tema cavalheiresco. Ademais, endossando a liberdade criativa e formal que o poema sinfônico pressupõe enquanto gênero, Strauss elabora na obra uma importante parte solista para o violoncelo, que representa o Cavaleiro da triste figura.

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As variações se fundamentam em diversos aspectos e episódios do romance de Cervantes, o que relativiza, assim, a tendência narrativa inerente ao gênero: aspectos psicológicos da personagem adquirem musicalmente peso igual ao de eventos da narrativa que são evocados. Assim, por exemplo, a primeira variação tanto apresenta Dulcinéia como meta na mente confusa do fidalgo, quanto evoca a famosa batalha com os moinhos de vento.

No entanto, independente de maiores identificações descritivas, relacionadas a elementos do texto de Cervantes (a vitória sobre o exército do Imperador Alifanfarrão, as considerações filosóficas do Quixote sobre a cavalaria andante, o ataque à procissão da Virgem que o fidalgo cria ser uma donzela raptada, o embate com o Cavaleiro da Branca Lua, dentre outros eventos), a obra de Strauss garante a sua estabilidade em si mesma tão somente pela sua coerência interna e pela sua arquitetura formal, que calcada na liberdade criativa, atinge unidade e coerência musicais apesar de fundamentadas em um argumento literário.

2 Mendelssohn e Camargo Guarnieri

Não deixa de ser curioso observar como, a despeito de distâncias geográficas e temporais, guardadas especificidades estilísticas e de linguagem pessoal, duas personalidades criadoras, aparentemente muito distintas, podem revelar em profundidade identidades marcantes naquilo que, por falta de termo melhor, poderíamos chamar de uma “ideologia estética”. Os nomes do alemão Felix Mendelssohn-Bartholdy (1809 - 1847) e do brasileiro Mozart Camargo Guarnieri (1907 - 1993), postos lado a lado, parecem ser bom exemplo disso.

A figura de Mendelssohn, cujo nome é frequente e injustamente citado como um representante menor do Romantismo Musical, conserva muito pouco dos estereótipos do mito romântico seja em sua obra, seja em sua biografia: sem ter passado por nenhuma privação ou desgraça física ou sentimental. Mendelssohn foi um homem rico, brilhante, industrioso e feliz. Sua orientação estética deixa transparecer, por um lado, forte ligação com a música do passado: Mendelssohn deu a conhecer a seus contemporâneos nomes como Palestrina, Victoria, Lassus e nada menos do que Johann Sebastian Bach, além de ter sido responsável por execuções exemplares das sinfonias de Beethoven e de óperas de Mozart. Por outro lado, a sua preocupação com a música que lhe era contemporânea, tendo favorecido carreiras como a de Schumann e de Chopin, revela a sua posição como mentor estético de uma nova tendência estilística que então se afirmava. Talvez devido a seu espírito apolíneo, diametralmente contrário à própria mentalidade romântica, Mendelssohn não foi o fundador revolucionário de uma nova ideologia estética como o foram, por

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exemplo, Beethoven ou Stravinsky, mas sim uma espécie de organizador dessa nova mentalidade estilística que já se estabelecera.

Curiosamente, não é na obra pianística que esse espírito apolíneo de Mendelssohn se manifesta com maior vigor: basta um breve relance sobre obras como a Rondó caprichoso, as Canções sem palavras ou as Variações sérias, para ver uma linguagem romântica já bem delineada, posto que ainda bem controlada em seus arroubos mais apaixonados. Em sua obra sinfônica, porém, notamos claramente os modelos, sobretudo de orientação beethoveniana, que ainda não estão completamente libertos dos moldes clássicos. Isso talvez se perceba com mais clareza em suas sinfonias, cuja gênese, porém, paradoxalmente traz nela mesma algo de uma postura romântica face à elaboração artística.

A Sinfonia op. 56, por exemplo, terceira das cinco sinfonias que Mendelssohn nos legou (à parte cerca de uma dúzia de obras do gênero compostas na juventude), foi concebida em 1829, durante uma viagem do compositor à Escócia que lhe causou profundas impressões. Nasce dessas mesmas impressões outra obra importante: a abertura intitulada As hébridas. No entanto, a terceira sinfonia só foi concluída em 1842, ano de sua primeira execução, o que lhe revela laborioso trabalho de amadurecimento.

Semelhante a Mendelssohn, a personalidade musical de Camargo Guarnieri não se deixa render aos arroubos mais apaixonados dos momentos de fertilíssima instabilidade por que passou a música do século XX. A figura de Guarnieri também se posiciona como uma espécie de organizadora de certas tendências musicais que não lhe são avessas, mas, ao contrário, lhe servem de fundamento para a elaboração de uma linguagem paradoxalmente ligada ao mesmo tempo às raízes nacionais e às tendências universalistas. Seu respeito à tradição musical universal não o impede de adotar de forma muito original e particular conquistas estéticas da linguagem musical no século XX: da mesma forma que Mendelssohn, Guarnieri não é um revolucionário, mas um conciliador. Daí a recorrência em sua obra de formas musicais e procedimentos de composição consagrados pela tradição musical do Ocidente, a exemplo da sonata, da sinfonia, do concerto e da fuga.

O Prólogo e fuga, obra de 1947, é uma referência direta dessa tendência de Camargo Guarnieri a associar o elemento universal ao elemento regionalista: o prelúdio e fuga barrocos são revisitados pelo compositor que lhes atribui, sobretudo na rítmica, uma roupagem nacional. Essa associação, no entanto, não resulta na mera sobreposição de dois elementos excludentes, mas numa “resultante” original capaz de sintetizar um caminho possível para novas propostas de expressão.

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3 Leonard Bernstein

As artes das três Américas viram soprar na aurora do século XX um vento de liberdade. Nesse momento de afirmações nacionais no Novo Mundo e de profundas transformações políticas e sociais pelas quais passavam as sociedades milenares da Europa, um afrouxamento nos grilhões culturais que uniam os dois lados do Atlântico abre espaço para atitudes artísticas que, sem negar o modelo e a tradição europeia, permitiram (e até exigiram) novas maneiras de expressão que não se limitavam mais à reprodução dos padrões importados do Velho Mundo.

Disso surge uma espécie de “estrabismo” - por assim dizer - na arte que a angústia irônica do “tupi or not tupi” expresso no Manifesto antropofágico, de Oswald de Andrade, revela bem. A arte nas Américas tem, assim, um olho voltado para o grande modelo da tradição europeia e o outro voltado para a sua própria realidade, procurando conscientemente recusar (sem negar) aquela em favor de uma (também consciente) sobrevalorização desta. O que advém daí é uma resultante até então completamente original. Estrábica ou não, trata-se de uma arte miscigenada (ou, antes, mestiça), capaz de incorporar e adotar o que lhe seja mais conveniente das fontes da tradição e do modelo europeu, associando-o tanto a elementos autóctones quanto a elementos já completamente incorporados ao grande e intrincado complexo que formam as culturas dos povos das três Américas num processo que o Modernismo Brasileiro definiu tão bem, batizando-o de antropofagia.

Nessa esteira de liberdade, são legítimos e possíveis os mais diversificados caminhos tanto para a criação quanto para a expressão artística e musical: o trânsito livre entre o folclore e as formas mais canônicas de composição; a expressão confessada e exacerbada de individualidades criadoras; a ruptura total com a tradição ou paradoxalmente seu resgate; o apelo à cultura de massas ou a veículos mais “comerciais” de comunicação. Talvez seja à luz dessa perspectiva que se possa observar a obra do grande músico norte-americano que foi Leonard Bernstein (1918–1990). Tendo nascido nessa efervescência de liberdade que norteou em positivo ou em negativo todo o século XX, Bernstein é capaz de sintetizar seu próprio caminho a partir de trilhas muito distintas: para citarmos dois extremos, de um lado, a trilha aberta por George Gershwin, que transita à vontade entre o jazz, a música sinfônica e a música de cinema e dos espetáculos da Broadway; de outro lado, os atalhos insuspeitos que nomes como o de Charles Ives ajudam a inaugurar e definir, cuja originalidade criadora e liberdade experimental, desvinculadas da carga de responsabilidade de se quererem inauguradoras de uma escola estética, foram marcantes para a música do século XX.

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Esse judeu norte-americano nascido no estado de Massachusetts, mas nova-iorquino de coração, dotado de fina instrução musical e humanista, estudante na Universidade de Harvard, aluno de Fritz Reiner e, mais tarde, assistente de Serge Koussevitsky, pianista excelente, aclamado unanimemente por todo o mundo como regente, fez de sua arte e de sua vida uma atitude política: a de assumir e de abraçar sem reservas a liberdade como homem, cidadão, musicista e compositor. É, portanto, dessa forma que se deve observar sua obra: sem a interferência dos preconceitos que ela mesma combateu, caminho sintético de trilhas possíveis que as próprias tendências musicais do século XX ajudaram a desbravar. Talvez se possam notar duas grandes tendências em sua obra original: de um lado, o trânsito fácil entre os meios de comunicação de massa, o teatro, o cinema e a música popular, sobretudo o jazz, numa linha semelhante àquela inaugurada pelo próprio Gershwin; de outro lado a experimentação, muitas vezes focada não exatamente na proposição de novos modelos, mas na releitura de grandes modelos já estabelecidos.

Pertencem à primeira grande tendência, porém, tanto a opereta Candide quanto o musical West side story, ambos compostos na mesma década de 1950. Na verdade, ao que parece, Bernstein compôs ambas as obras ao mesmo tempo e não é de se admirar que tenha havido algum intercâmbio de materiais entre elas. Baseada na novela homônima de Voltaire, Candide teve sua estreia na Broadway em 1956, mas sofreu várias alterações depois disso. Sua abertura, porém, desde que foi executada como obra de concerto pela Orquestra Filarmônica de Nova Iorque em 1957, revelou-se autônoma o suficiente para ser incorporada ao repertório sinfônico, apesar de trabalhar em certo sentido com a colagem de melodias que compõem o contexto geral da opereta.

West side story foi estreada em 1957 e até hoje muitas de suas canções são de franco conhecimento do público em geral. No entanto, a obra como um todo representa um marco no teatro musical americano não só pela associação aberta do jazz ao antigo modelo da Broadway, mas pela adoção de artifícios musicais que são dignos da mais autêntica tradição operística: o uso intrincado de conjuntos vocais, o artifício wagneriano dos leit-motifs, dentre outros recursos. Em West side story, a música de dança, mesmo em seu contexto de palco, tem caráter sinfônico. Por isso mesmo, essas danças também ganharam relativa autonomia, constituindo um todo orgânico, contido em si mesmo, ainda que desvinculadas de seu contexto original da ação de palco.

4 Carl Orff e os Carmina burana

É tendência observável nas artes em geral e na música em particular que em momentos de transformações profundas haja sempre movimentos de reação. Algumas vezes conservacionistas outras vezes buscando caminhos alternativos,

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esses movimentos são como uma tentativa de chamada à ordem, quando excessos experimentais se tornam por demais ameaçadores, por assim dizer, de uma tradição ou corrente estética até então instituída. No entanto, é também observável que esses movimentos de reação não raro absorvem ao menos em parte as novas conquistas das correntes inovadoras a que se opõem e, delas fazendo uso, acabam tornando-se também representativos de seu próprio tempo.

A música ocidental passou, no século XX, pelo que talvez tenha sido a maior revolução de sua história. Nesse momento em que o sistema tonal já se mostra insuficiente para as necessidades expressivas, diversas correntes emergem como caminhos possíveis e prováveis para a elaboração de novos sistemas de linguagem musical. Assim, caminhos por vezes díspares se cruzam nesse grande emaranhado que são as tendências estéticas da música do ocidente no século passado: de um lado, a ideologia evolucionista de Schoenberg e da Segunda Escola de Viena e, de outro, as propostas revolucionárias de Debussy e Stravisnky; num extremo, o neoclassicismo de Prokofiev e em outro, os experimentalismos arrojados de John Cage e Charles Ives; num pólo, o construto intelectual de Paul Hindemith e em outro, os destilados etnográficos de Bartók, Villa-Lobos e Manuel de Falla.

Nesse imenso colorido de possibilidades, foi recorrente uma procura em outros sistemas musicais por materiais que oferecessem meios alternativos de expressão musical. Dessa forma, Ravel, em alguns momentos, se volta para o jazz; Villa-Lobos, Ginastera, Bartók, Falla e Kodály voltam-se para a música tradicional de suas terras de origem; compositores como Weil e Piazzolla, cada um a seu modo, se voltam para a música dita popular.

Talvez seja nessa esteira, menos que numa perspectiva neoclássica ou reacionária, que podemos observar e compreender a obra do alemão Carl Orff (1895-1982). Nascido em Munique, oriundo de uma família da alta burguesia bávara, sua biografia aponta para aspectos polêmicos e nebulosos, sendo, por isso, em certo sentido contraditórios: foi ao mesmo tempo suspeito de ter contribuído para o regime nazista e de ter participado de movimentos de resistência contra ele. Posicionamentos políticos à parte (que de fato nunca foram comprovados), Orff deixou em seu legado um importante trabalho de pedagogo, tendo fundado em 1925 um centro de educação musical voltado, sobretudo, para crianças e leigos. Trabalhando aí até o ano de seu falecimento, Orff é criador de um sistema de educação musical baseado no canto e na percussão através de que é reconhecido e divulgado universalmente até hoje.

Em seu trabalho de compositor, no entanto, Orff se volta justamente para essa procura por materiais expressivos constituintes de outros sistemas musicais. Em seu caso

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específico, porém, ele não realiza nenhum trabalho de pesquisa etnomusicológica, por assim dizer, nem tampouco procura no jazz ou em sistemas musicais do Oriente, da África ou das Américas a fonte para esses materiais. Seu trabalho é muito mais arqueológico que etnográfico. Voltando-se para um passado e uma realidade musicais impossíveis de serem recuperados ou reconstituídos completamente, Orff realiza um trabalho de recriação de sistemas em parte apenas intuídos. É, portanto, para a música da Antiguidade Clássica ou para a música popular da Baixa Idade Média, que Orff dirige sua atenção, buscando reconstituir algo de seu sistema a fim de elaborar uma matéria-prima própria (e original) para seu trabalho específico de criação.

Não se trata, dessa forma, de uma recuperação literal desse passado musical, mas da reconstituição a partir de uma visão pessoal daquilo que poderia ser um pouco do material expressivo desse passado. Orff associa a isso muito das conquistas específicas da música do século XX, criando, assim, uma linguagem que, embora acessível, é inusitada e plena de originalidade. Disso resulta uma orquestração nem sempre ortodoxa, em que despontam o uso de instrumentos de teclado e de uma percussão farta e exuberante. Resulta também daí uma rítmica particular que, como na música dita popular, apela para própria fisiologia do ouvinte. Decorre também disso uma elaboração melódica que, plena de modalismos e isenta de qualquer elaboração intelectual muito intrincada, nunca deixa de ser acessível e ao mesmo tempo atraente.

Os Carmina Burana (carmina sendo o plural latino de Carmen - poema, cantiga, verso) são uma coleção de poemas que constituem um manuscrito do século XIII, encontrado em Benediktbeurn, na Bavária. São poemas essencialmente seculares, cujo mérito literário varia em diversos graus e cuja temática passa por diversos assuntos: sátiras, paródias literárias ou litúrgicas, canções de amor, canções de taberna e histórias de origem clássica. A autoria desses poemas é em sua maior parte desconhecida, mas é certo que não se trata apenas de um único autor. Além disso, é bem provável que os vários autores desse manuscrito sejam oriundos de nacionalidades diferentes, dado que os poemas encontram-se escritos não apenas em latim medieval, mas também em diversos vernáculos, incluindo o alemão, o inglês, o francês e o provençal.

A obra de Carl Orff baseada nesse manuscrito seleciona, de um total aproximado de 350 poemas, apenas mais ou menos vinte cujas línguas se restringem basicamente ao latim e ao alemão medievais. Composta em 1937, Carmina Burana é a primeira parte de uma trilogia musical que o compositor intitulou Trionfi, constituída, além dessa obra, pelos Catulli Carmina e pelo Trionfo di Afrodite. Adotando a forma de uma cantata que permite inclusive o trabalho cênico, a obra é constituída de coros e árias para solistas, além de trechos puramente instrumentais. Digno de nota, porém, é o trabalho que Orff realiza com esses procedimentos musicais, fazendo

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diversas combinações entre solistas e coros, além de se utilizar de diversas formações corais: grande coro, pequenos coros, coro masculino e coro infantil. De fato, Orff, como que explicando um pouco esses procedimentos, adiciona ao título principal um subtítulo também em latim: Cantiones profanae cantoribus et choris cantandae concomitantibus instrumentis atque imaginibur magicis1.

Os Carmina Burana de Orff dividem-se em sete grandes seções: Fortuna, imperatriz do mundo; Na primavera; Nos prados; Na taberna; Corte de amor; Banziflor e Helena e de novo Fortuna, imperatriz do mundo. Cada uma dessas seções traz marcada em seu título, a sua temática e, portanto, o teor dos poemas escolhidos e musicados. Hoje já quase vulgarizado pela mídia, o apoteótico coro de abertura e finalização da obra não a define por inteiro. Sua variedade de cacteres e andamentos, suas combinações inusitadas, sua rítmica ora pulsante, ora elástica, sua diversidade melódica sempre atraente, sua orquestração rica e finamente cultivada, além de sua originalidade fazem dessa obra um momento raro de encantamento, definitivamente representativo do século XX.

5 Samuel Barber

Se houvesse alguma forma de definir a personalidade criadora de Samuel Barber, ela se basearia no fato de que a sua obra definitivamente não é passível de rotulações. Barber divide opiniões de apreciadores, críticos, musicistas e musicólogos justamente por ser impossível enquadrá-lo, e a sua obra, em qualquer corrente estética ou tendência estilística preestabelecida: sua atitude diante da atividade de criação musical parece ser somente a de compor, dando vazão a uma individualidade criativa autônoma e vigorosa, desvinculada de compromissos escolásticos e de filiações estéticas ou ideológicas. Se isso responde a uma tendência geral que permeia os compositores norte-americanos de pelo menos os três primeiros quartéis do século XX (uma tendência a não assumir compromisso com linhas doutrinadoras dos processos de criação musical), não significa, porém, nenhum tipo de atitude política.

Barber potencializa essa tendência de agir de forma livre, autóctone e individual na atividade da composição, sem desprezar as conquistas feitas pela música do século XX, sem negar a tradição musical do Ocidente, mas sem tampouco inaugurar qualquer nova escola ou nova linguagem: Barber simplesmente compõe. Mesmo o neo-romantismo que se lhe tentou impingir - graças talvez à sua grande capacidade como melodista - destoa de suas harmonias por vezes extremamente complexas, sem receio de dar autonomia à dissonância. Destoa igualmente de algumas orquestrações arrojadas, às vezes quase experimentais, e de sua abordagem em algumas obras da forma musical livre de esquemas predeterminados.

1 Cantos profanos para solo e coro, cantando acompanhados de instrumentos e com quadros mágicos.

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É exatamente por isso que podemos encontrar no todo de sua produção obras tão diversas e contrastantes como, por um lado, os devaneios rapsódicos de Knoxville e por outro, o concerto para piano e orquestra. Não é de causar estranhamento, portanto, que graças a essa postura de liberdade, já na segunda metade do século XX, sem nenhuma pretensão reacionária, Barber se voltou para uma forma musical que nasceu no Barroco Seiscentista, seguiu sendo cultivado pelos clássicos vienenses e continuou acalentado com cuidado pelo Romantismo do século XIX. Para Barber, não importava ser sempre e invariavelmente inovador, nem tampouco promover uma chamada à ordem: importava-lhe tão somente compor.

O Concerto para piano e orquestra op. 38 foi encomendado a Barber pela editora G. Schrimer em função do seu centenário de fundação. Estreado em 1962, pela Orquestra Sinfônica de Boston, conduzida por Erich Leinsdorf, e tendo como solista John Browning, essa obra valeu ao compositor no ano seguinte o seu segundo prêmio Pulitzer (o primeiro tendo-lhe sido conferido por sua ópera Vanessa, em 1958). O trabalho de composição dessa obra teve início em março de 1960 e desde o início Barber tinha intenção de fazer John Browning o solista da estreia. Assim, muitos dos aspectos especificamente pianísticos desse concerto levaram em conta, em seu processo de elaboração, as próprias especificidades de Browning como musicista. Antes do final desse mesmo ano, os dois primeiros movimentos do concerto já estavam concluídos, mas o terceiro movimento só foi finalizado 15 dias antes de ser estreado. Esse último movimento contou com uma história curiosa: ao que parece, de acordo com Browning, o tempo desse terceiro movimento, tal como Barber o indicara, era inexequível. O compositor se recusou, porém, a fazer-lhe qualquer revisão, até que o lendário pianista Vladimir Horowitz, tendo feito uma apreciação desse trecho da obra, acabou por endossar a opinião de Browning.

Formalmente, o concerto op. 38 não escapou aos esquemas tradicionais do concerto clássico, contando com três movimentos distintos. Uma perspectiva cíclica, à maneira de românticos como César Franck, parece funcionar como elemento de unidade da obra, levando temas do primeiro movimento (sempre retrabalhados) às outras partes. O segundo movimento traz curiosamente similaridades, tanto na orquestração quanto na elaboração melódica, com as Noites nos jardins de Espanha, obra de Manuel de Falla, composta em 1916. O terceiro movimento, extremamente brilhante, explora de maneira vigorosa as habilidades técnicas do solista. Sem ser inovadora nem reacionária, essa obra é exemplo claro de uma imaginação criativa que fez da liberdade de expressão a sua própria originalidade.

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Referências

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ROWLAND, D. The Cambridge Companion to the piano. Cambridge: Cambridge University Press, 1988.

Five apologetic essays

Abstract: In this small text, born from notes to concert programs, one tries, taking an essay’s freedom of language, an approach to relations between the aesthetics of different composers, or to arise relevant points from various composers and their works. This is made in a very brief way, which, despite making of briefness and empiric observation its main methods, tries not to loose its consistence in analysis.

Keywords: Music; essay; romanticism; twentieth-century music.

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O ESTUDO EPISTOLAR NAMÚSICA BRASILEIRA

Alice Belém

Pianista e professora da Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), doutoranda em Música na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP). Seus estudos priorizam temas relacionados à performance e à história da música brasileira. Suas pesquisas de mestrado e doutorado dedicam-se ao estudo da obra de Cláudio Santoro, tendo como fonte principal sua correspondência.

[email protected]

Eduardo Monteiro

Bacharel em Piano e Mestre pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); doutor em Musicologia pela Universidade de Paris IV (Sorbonne,1998). Estudou também na Fondazione Internazionale per il Pianoforte no Lago de Como, Itália (1996-97) e obteve o Artist Diploma do New England Conservatory de Boston na classe de Wha-Kyung Byun (2002). É professor doutor da Universidade de São Paulo, onde realiza trabalho de formação com jovens instrumentista e desenvolve e orienta pesquisa na área de interpretação pianística. Atua regularmente como concertista,

tendo sido solista de importantes orquestras no Brasil e no mundo.

[email protected]

ResumoEste artigo apresenta um panorama da produção bibliográfica existente sobre a correspondência de músicos brasileiros. Enquanto na Europa já existem pesquisas sobre o assunto desde o século XIX, no Basil, apenas recentemente, as cartas passaram a ser objeto de estudos sistemático na música. Acreditamos que investigações dessa natureza podem ampliar as possibilidades de pesquisa musical no Brasil, nos campos de musicologia, análise e performance.

Palavras-chave: Música brasileira; correspondência; acervos musicais.

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Introdução

As correspondências vêm sendo objeto de estudos bastante significativos nas ciências humanas em nosso país. Da década de 1990 até os dias atuais, crescem as pesquisas na área da literatura brasileira que se dedicam às cartas de escritores, revelando dados sobre seu processo artístico, elaboração de suas publicações ou traduções de livros. Na historiografia, as epístolas podem conter, dado o imenso potencial subjetivo que lhes é inerente, informações que esclareçam as convenções de uma sociedade e seu tempo. A missiva ocupa também lugar de destaque em investigações nas áreas da comunicação social, psicologia, educação e filosofia1.

Na música brasileira, recentemente, o estudo epistolar começou a se desenvolver de forma mais significativa. Nesses trabalhos, as cartas fornecem um testemunho dos músicos sobre a composição, interpretação, ensino musical e um panorama das opções técnicas, estéticas ou ideológicas que motivaram sua produção artística. Outros campos de investigação enfocados nas pesquisas produzidos no Brasil são as correspondências de folcloristas brasileiros e aquelas que tratam da história da música em nosso país.

O presente artigo vincula-se à pesquisa que desenvolvemos em curso de pós-graduação e pretende oferecer uma visão panorâmica dos estudos sobre correspondências e música no Brasil, destacando o potencial desses documentos para investigações em diversas áreas. Acervos musicais

A criação de acervos públicos de compositores e musicólogos brasileiros, como o de Mário de Andrade e o de Camargo Guarnieri no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (USP), o Acervo Curt Lange na Biblioteca Central da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Museu Villa- Lobos no Rio de Janeiro e o Acervo Cláudio Santoro no Departamento de Música da Universidade de Brasília, revelou novas perspectivas de estudo para a música no país sob o ponto de vista do tipo de documentos disponíveis.

Além do material estritamente musical como partituras, catálogos de obras, gravações de obras próprias e outras que compunham discotecas particulares, esses acervos guardam também matérias de jornais, publicações diversas e cartas

Essas constatações foram possíveis através da revisão bibliográfica e de uma consulta ao Banco de Teses da Capes, na tentativa de localizar trabalhos concluídos entre os anos de 1987 e 2009. Como palavras-chave para o assunto utilizaramos os termos “carta” e “correspondência ”. Para conhecimento dos referidos dados ver: <http://capesdw.capes.gov.br/capesdw/>. Acesso em: 10 ago. 2010.

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trocadas com outros músicos, intelectuais ou amigos.

Essas missivas vêm sendo fonte de trabalhos acadêmicos e publicações, utilizadas como embasamento de análises históricas, musicais ou com o objetivo de reconstituir determinada trajetória artística.

Um exemplo é a organização dos arquivos pessoais de Mário de Andrade e Camargo Guarnieri, o que tornou possível a publicação da correspondência entre ambos. O trabalho foi realizado por Flávia Toni e está disponível no volume Camargo Guarnieri: o tempo e a música (SILVA, 2001). O livro é uma importante referência na publicação de correspondências de um compositor brasileiro.

Da mesma maneira, o Acervo Curt Lange vem oferecendo material para um número crescente de trabalhos acadêmicos a partir das epístolas que reúne. Com boa estrutura para a pesquisa, é provável que nesse arquivo esteja o conjunto de correspondências musicais mais significativas, preservadas e acessíveis no país. A transcrição das correspondências de Lange com Guerra Peixe e Santoro já foi pauta de dois projetos de iniciação científica dentro da UFMG2. Além disso, o acervo sedimentou diversas pesquisas de mestrado e doutorado como, por exemplo, as de Cecília Nazaré de Lima (2002), Ana Cláudia de Assis (2006), Elisete Xavier (2008), César Maia Buscacio (2009) e até mesmo a pesquisa vinculada a este artigo3.

Os trabalhos que aqui focalizamos utilizam as cartas como impressões do próprio compositor a respeito de suas obras e do contexto da criação, como destaca o pesquisador Moraes:

Pode-se, inicialmente, recuperar na carta a expressão testemunhal que define um perfil biográfico. Confidências e impressões espalhadas pela correspondência de um artista, contam a trajetória de uma vida, delineando uma psicologia singular que ajuda a compreender os meandros da criação da obra. A segunda possibilidade de exploração do gênero epistolar procura apreender a movimentação nos bastidores da vida artística de um determinado período. Nesse sentido, as estratégias de divulgação de um projeto estético, as dissensões nos grupos e os comentários acerca da produção contemporânea aos diálogos

2 Os trabalhos intitulados A transcrição da correspondência entre Guerra-Peixe e Curt Lange (2001) e A música eletroacústica no Brasil: uma abordagem musicológica (2002 ; 2004) foram desenvolvidos sob coordenação dos professores Rosângela de Tugny e Carlos Palombini, respectivemente, contando com alunos da graduação em Música da UFMG naquele período. A referência ao final deste artigo disponibiliza também dados sobre pesquisas acadêmicas realizadas a partir das missivas de Eunice Katunda, Esther Scliar, Carlos Gomes, Gilberto Mendes, Breno Blauth, Bruno Kiefer e Francisco Braga.3 Para dados completos sobre as obras citadas, veja a referência.

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contribuem para que se possa compreender que a cena artística (livros e periódicos, exposições, audições, altercações públicas) tem raízes profundas nos “bastidores”, onde, muitas vezes, situam-se as linhas de força do movimento. Um terceiro viés interpretativo vê o gênero epistolar como “arquivo da criação”, espaço onde se encontram fixadas a gênese e as diversas etapas de elaboração de uma obra artística, desde o embrião do projeto até o debate sobre a recepção crítica favorecendo a sua eventual reelaboração. A carta, nesse sentido, ocupa o estatuto de crônica da obra de arte (MORAES, 2007, p. 30).

Algumas abordagens do estudo epistolar na música brasileira

O estudo da correspondência entre músicos vem oferecendo material para pesquisas nas áreas de musicologia, educação musical, análise e performance. Nesta seção do artigo, apresentaremos algumas resenhas de dissertações e artigos sobre a correspondência de músicos brasileiros, com o objetivo de situar a produção bibliográfica sobre esse assunto e incentivar futuras pesquisas sobre o tema.

Essas pesquisas exemplificam possibilidades de uso da correspondência como fonte documental de acordo com os aspectos identificados por Moraes (2007) na citação acima: apresentação da personalidade do artista e descrição biográfica; descrição do contexto histórico da elaboração de uma obra de arte; a carta como um “documento de processo” (SALLES, 2008) que pode conter descrições dos interlocutores envolvidos sobre as etapas da criação artística.

Seguem abaixo, resumos de quatro trabalhos estruturados a partir do documento epistolar em diferentes áreas do conhecimento musical.

Na dissertação de mestrado Mediação música e sociedade: uma análise das perspectivas ideológicas e estéticas de Claudio Santoro a partir de sua correspondência pessoal, Mariana Gomes (2007) dedicou-se ao estudo de epístolas pertencentes ao Acervo Cláudio Santoro da Universidade de Brasília(UnB), verificando dados sobre a recepção da obra do compositor e a relação com seus ideais políticos. As cartas de outros compositores, musicólogos ou intérpretes apresentam as opções composicionais e o posicionamento ideológico de Santoro. Esse é um trabalho de cunho musicológico que apresenta testemunhos até então inéditos sobre a recepção das fases estilísticas de Cláudio Santoro por parte de outros músicos.

A dissertação intitulada O debate no campo do nacionalismo musical no Brasil dos anos 1940 e 1950: o compositor Guerra-Peixe, de André Egg (2004), vincula a correspondência

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de Guerra-Peixe a textos em que o compositor debate suas proposições estéticas à análise histórica e musical. São apresentados princípios empregados por Guerra-Peixe na aplicação do dodecafonismo especialmente no que diz respeito à fusão dessa técnica com elementos do nacionalismo brasileiro. Embora a dissertação seja estruturada a partir da historiografia, o pesquisador realiza também análises musicais.

Um artigo vinculado à história da educação musical no Brasil, Os amigos precisam notícias suas! Redes de sociabilidades na correspondência ativa de Liddy Chiaffarelli Mignone para Mário de Andrade (ROCHA, 2007), procura investigar como o convívio de Liddy Mignone com outros artistas de seu tempo teria influído em seus projetos educacionais. Para isso, a autora confronta a correspondência entre Liddy Mignone e Mário da Andrade com publicações sobre metodologia no ensino da música e manuscritos da educadora, hoje pertencentes ao acervo do Conservatório Brasileiro de Música, que testemunham seu percurso pedagógico. Através desse estudo, a pesquisadora analisa tendências da educação musical no Brasil a partir dos anos 1930.

Na pesquisa O primeiro movimento da Sonata II para piano solo de Bruno Kiefer: uma análise interpretativa, Liliana Michelsen Andrade (2007) realiza um estudo sobre a obra, utilizando-se de recursos analítico-musicais e da investigação de correspondências do acervo familiar de Bruno Kiefer em que há comentários sobre obras do autor. Há uma missiva do pianista Arnaldo Estrella para Kiefer e outras enviadas pelo compositor a Curt Lange, Ricardo Tacuchian, Gilberto Mendes e Zaida Valentim. Essas cartas foram confrontadas de modo a estabelecer características da obra de Kiefer que pudessem ser relacionadas com a análise e a interpretação da pesquisadora.

Conclusão

No Brasil, as pesquisas que têm as cartas como fonte são ainda recentes, mas oferecem grande potencial dada a diversidade de temas possíveis de serem enfocados e a gradual disponibilidade dos documentos nos acervos musicais públicos.

As resenhas apresentadas apontam algumas formas de apropriação do gênero epistolar. As cartas podem tornar possível uma maior aproximação com a criação musical, sua interpretação e contexto histórico, apresentando dados muitas vezes não disponíveis em outras fontes bibliográficas.

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Epistolography and brazilian music

Abstract: This paper shows the bibliography about Brazilian musician’s correspondence. While in Europe since the 19th century these studies has been found, in Brazil, only in the last years appeared researches with the letters. This kind of investigation can enlarge the musical researches in Brazil in musicology, analysis and performance.

Keywords: Brazilian music; correspondence; musical archives.

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SEBASTIÃO VIANNA E A FANTASIAPARA FLAUTA E ORQUESTRA

DE HEITOR VILLA-LOBOS

Fernando Pacífico Homem

Mestre em Performance Musical pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi bolsista pela Fundação VITAE para estudos de aperfeiçoamento no Staatliche Hochschule für Musik Karlsuhe, Alemanha, como aluno convidado. Professor do curso de graduação da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e primeiro flautista da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. Doutorando em Execução Musical pela Escola de Música da Universidade Federal da Bahia sob a orientação do professor doutor Lucas Robatto e bolsista pela Fundação de Amparo

à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

[email protected]

ResumoNeste trabalho, abordamos a pesquisa, ainda em curso, sobre a descoberta de uma transcrição inédita para flauta transversal da Fantasia para saxofone e Orquestra de Heitor Villa-Lobos realizada pelo maestro Sebastião Vianna, assistente e revisor do compositor entre os anos de 1945 e 1950. Faremos uma breve revisão biográfica sobre o maestro para que seja comprovada sua proximidade com o compositor e para situarmos essa transcrição dentro de um contexto histórico e musicológico.

Palavras-chave: Heitor Villa-Lobos; Sebastião Vianna; Fantasia para saxofone e orquestra; transcrição; Fantasia para flauta e orquestra.

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ModUSSEBASTIÃO VIANNA E A FANTASIA PARA FLAUTAE ORQUESTRA DE HEITOR VILLA-LOBOS

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Introdução

No decorrer da pesquisa sobre o maestro Sebastião Vianna - que será apresentada como defesa de tese ao Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal da Bahia, Escola de Música -, nos deparamos com a descoberta de uma versão inédita para flauta da Fantasia para saxofone e orquestra do compositor Heitor Villa-Lobos, realizada por Vianna possivelmente a pedido do próprio compositor. Deparamos também com a ausência de pesquisas consistentes sobre músicos que conviveram e auxiliaram o compositor e mantiveram-se no anonimato, como o próprio Vianna. Esses músicos precisam ser estudados para que compreendamos o papel que exerceram na vida e na obra de Villa-Lobos e as influencias que o compositor exerceu na vida e na carreira dos mesmos.

No catálogo de obras do compositor1, encontramos obras para vários instrumentos solistas e orquestra. Entretanto, não verificamos nenhum concerto ou peça dedicada exclusivamente à flauta solista e orquestra. São bastante comuns as transcrições de peças para instrumentos diferentes feitas pelo próprio compositor. Villa-Lobos lançava mão livremente de suas próprias obras, aproveitando trechos, fazendo transcrições para outros instrumentos, novas instrumentações e reduções da parte orquestral para piano. Encontramos exemplos dessa prática frequente em obras como a parte final do poema sinfônico O naufrágio de Kleônicos (1916), transcrita pelo autor para violoncelo e piano ou violino e piano sob o título de O canto do cisne negro, obra bastante executada e conhecida. O trenzinho do caipira, parte das Bachianas brasileiras Nº 2 (1931), teve sua transcrição para violoncelo e piano realizada pelo próprio autor. Temos ainda a versão da Distribuição de flores (1932) para coro feminino, flauta e violão originalmente escrita para flauta e violão, e o Sexteto místico (1917), originalmente escrito para flauta, oboé, sax alto, violão, celesta e harpa e, em uma versão posterior do autor, para vozes masculinas, sax, celesta, cítara, violão e harpa.

Esses são apenas alguns exemplos de como Villa-Lobos era flexível na instrumentação de suas próprias obras. Vários outros exemplos dessa prática podem ser encontrados no catálogo de obras do compositor. Nesse cenário, vislumbramos a futura edição da versão para flauta, feita por Vianna, da Fantasia para saxofone e orquestra como uma importante obra a ser anexada ao repertório flautístico. A prática usual do compositor em transcrever suas próprias obras para diferentes instrumentos confere legitimidade a essa iniciativa.

Por tratarmos aqui da comunicação de uma pesquisa ainda em andamento, nos limitamos a comprovar a existência da transcrição e a proximidade do maestro

1 Disponível em: <http://www.museuvillalobos.org.br/bancodad/VLSO_1.0.pdf>. Acesso em: 20 out. 2011.

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Vianna com o compositor, fato que lhe deu o aval e o suporte necessário para empreender tal tarefa. A edição final dessa versão para flauta e os devidos tramites sobre direitos autorais do compositor e transcritor serão apresentados na tese final do pesquisador e fogem, portanto, ao escopo deste trabalho.

Nessa empreitada, contamos com a valiosa colaboração da família Vianna que nos autorizou e permitiu acesso irrestrito ao arquivo e acervo pessoal do maestro, além de fornecer valiosas informações, fotos e material para pesquisa. Grande parte das informações contidas nesse trabalho foi obtida através de fontes primárias: material encontrado no acervo e arquivo pessoal de Vianna, entrevista com os filhos Andersen, Marcos e Rosane Viana, além da convivência pessoal do pesquisador com Vianna durante o tempo em que foi seu aluno.

Sebastião Vianna: as origens2

Nascido em Visconde do Rio Branco, Zona da Mata do estado de Minas Gerais, em 27 de fevereiro de 1916, Sebastião Vianna iniciou seus estudos aos dez anos de idade com o maestro Hostílio Soares3 em sua terra natal. Posteriormente, estudou no antigo Conservatório Mineiro de Música e ingressou na Banda do 1º Batalhão da Polícia Militar de Minas Gerais como flautista, assumindo logo a função de regente. Nomeado mestre da Banda do 2º Batalhão da Polícia Militar de Juiz de Fora, Minas Gerais, em 1937, Sebastião transfere-se para essa próspera cidade mineira, equidistante da capital e do Rio de Janeiro. Ali trabalhou como mestre de banda, professor de canto orfeônico e participou de um importante conjunto de jazz local.

O contato com o compositor Villa-Lobos

Em dezembro de 1945, ainda trabalhando e residindo em Juiz de Fora, Sebastião matriculou-se em um curso de férias no Rio de Janeiro que seria ministrado pelo já eminente compositor Heitor Villa-Lobos. Na época, o compositor não estava presente, mas Vianna redigiu um relatório sobre suas impressões sobre o curso, apontando suas falhas e pontos positivos. Villa-Lobos teve acesso ao documento e teria ficado muito bem impressionado com o que leu. Nas palavras de Vianna o que se deu foi o seguinte:

Aproveitei isso e fui ao Rio. Ele não me conhecia não. Fui lá então, um dia chegando ao Conservatório, andando pelo corredor, ele me viu e falou assim: O Senhor já foi atendido?

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2 As informações biográficas sobre Sebastião Vianna e as entrevistas concedidas pelo mesmo foram obtidas em Santos (2004).3 Hostílio Soares (1898-1988) foi músico, professor e compositor. Natural de Rio Branco, Minas Gerais. Lecionou contraponto, harmonia, composição e instrumentação, canto coral e teoria musical na Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil no Rio de Janeiro e no Conservatório Mineiro de Música em Belo Horizonte.

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Eu falei: Não Senhor. Maestro eu já conheço a casa. Estudei aqui num curso de férias no ano passado. Um curso que o Senhor não gosta não. :- Ah é? Qual o seu nome? :- Meu nome é Sebastião Vianna. Ele só me respondeu assim. :- Eu quero falar com você. Me levou para o gabinete, falou que gostaria que eu terminasse o curso lá e logo me aproveitaria como seu assistente (SANTOS, 2004, p. 29).

Estava assim iniciada a convivência de Vianna com o compositor, o que durou até seu retorno a Belo Horizonte, em 1950. Aceitando o convite de Villa-Lobos, Sebastião deixa Juiz de Fora e transfere-se para o Rio de Janeiro. Trabalhou diretamente com o compositor no antigo Conservatório Nacional de Canto Orfeônico e Piano como seu revisor e assistente pessoal. Para complementar sua renda, atuava no restaurante e casa noturna Night and Day como flautista e acordeonista.

FIGURA 1 - Certificado de estágio no Curso de professor de Canto Orfeônico concedido a Sebastião Vianna por Villa- Lobos, habilitando-o a dirigir estabelecimentos de formação de professores e a exercer o magistério desta disciplina. Fonte: Arquivo pessoal de Sebastião Vianna.

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FIGURA 2 - Sebastião tocando acordeom na casa de shows e restaurante Night an day. Década de 1940. Fonte: Arquivos da família Vianna.

Como assistente direto, Sebastião se fazia presente em eventos, aulas, concertos e palestras do compositor, mantendo, porém, sua costumeira discrição. Era avesso à mídia, motivo pelo qual sequer foi identificado em publicações e fotos da época.

FIGURA 3- Registro da passagem pelo Rio de Janeiro do compositor francês Florent Shimitt (1870-1958) e seu encontro com Villa-Lobos na década de 1940. Sebastião Vianna é o primeiro, na foto, ao lado direito de Villa-Lobos4.Fonte: Brasiliana5

4 A foto publicada na revista possui legenda onde todos os presentes são identificados, exceto três pessoas, uma delas é Sebastião Vianna.5 Foto sem crédito publicada na seção Memória Fotográfica ABM da Brasiliana: Revista Quadrimestral da Academia Brasileira de Música, n. 7, p. 29. Rio de Janeiro, jan. 2001.

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Durante sua estada no Rio de Janeiro, vários convites de retorno a Belo Horizonte foram feitos, até que com a promessa de um bom salário e a criação de uma Escola Orquestra na Polícia Militar de Minas Gerais, Vianna retorna a capital mineira no final de 1949, assumindo além da recém criada escola, a direção geral das Bandas da Polícia Militar do Estado.

Ao participar ao Maestro Villa-Lobos a sua decisão, o genial compositor não compreendeu e logo protestou: - Sebastião, o que é isso! Você vai deixar de trabalhar com um homem como eu, conhecido e reverenciado em todo mundo para ensinar música a soldado? Sentindo o tom enciumado do maestro, Sebastião explicou: “Maestro, o senhor é uma estrela, um astro fulgurante, um sol iluminado que apaga todos que estão à sua volta! Eu também preciso acender minha estrela!” (SANTOS, 2004, p. 32).

FIGURA 4 - Villa-Lobos e Vianna em data e local não identificados. Fonte: Arquivo da família Vianna.

Na Polícia Militar, Sebastião fez brilhante carreira. Foi pioneiro em criar no Brasil uma orquestra escola que oferecia bolsas aos alunos carentes e a oportunidade de estudar com bons professores. Essa escola exportou músicos para várias partes do Brasil. Vários de seus ex-alunos hoje são eminentes profissionais, alguns com reputação internacional. Esse trabalho hoje vem sendo imitado por importantes projetos sociais educativos como o Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia (NEOJIBA),Orquestra Sinfônica Brasileira Jovem no Rio de Janeiro e Instituto Bacarelli em São Paulo.

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Vianna e a vida acadêmica

Em 1956, Sebastião Vianna ingressa na vida acadêmica como professor de flauta no Conservatório de Música da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), hoje Escola de Música da UFMG. Naquela época, deixou a Escola de Formação da Polícia Militar que aos poucos foi se extinguindo. Porém, a Orquestra Sinfônica da Polícia Militar de Minas Gerais continua em pleno funcionamento até os dias de hoje. Sebastião aposentou-se como professor catedrático da UFMG, tendo ainda ocupado os cargos de diretor da Escola de Música e maestro da Orquestra de Câmera da instituição. Formou uma importante geração de flautistas ainda atuantes em várias partes do Brasil. Como compositor deixou peças para banda, canto e piano6. Sua discografia foi recentemente resgatada por seu filho, o compositor e produtor musical Marcos Viana. São também seus filhos: o premiado compositor Andersen Viana, a pianista e cantora Rosane Vianna e Elisa, filha mais nova, de outro relacionamento, que optou pela biologia.

Sebastião Vianna faleceu ainda em atividade como músico e flautista, em Belo Horizonte, em abril de 2009, aos 93 anos de idade, sem dor ou sofrimento.

A transcrição da Fantasia de Villa-Lobos para saxofonee orquestra para flauta por Sebastião Vianna

A primeira versão da obra foi escrita em 1948 e dedicada ao saxofonista Marcel Mule7. No manuscrito original, encontramos duas referencias sobre o local de sua composição: no início New York, 1948 e no fim, ao lado de seu autógrafo, o compositor anotou: Rio, 1948. Naquele ano, ele foi internado em Nova Iorque no Sloan-Kettering Memorial Hospital com diagnóstico de câncer na bexiga e passou por uma séria cirurgia. Ao rever sua produção composicional para aquele ano, descobriu que escreveu quatro obras para voz e piano (um dos quais, Big Bem, ele também arranjou para orquestra), o seu Concerto nº2 para piano e orquestra, além dessa, Fantasia para saxofone soprano e orquestra. Esse fato nos leva a acreditar que a obra começou a ser escrita em Nova Iorque e foi terminada no Rio de Janeiro.

O depoimento de Marcel Mule sobre seu primeiro contato com Villa-Lobos foi transcrito por Rosseau:

6 A relação completa das composições de Sebastião Vianna pode ser encontrada em Santos (2004, p. 39-40).7 Marcel Mule (1901-2001) foi um saxofonista francês considerado o pai da escola francesa de saxofone. Lecionou no Conservatório de Paris de 1944 até se aposentar, em 1967. Sua influência atraiu a atenção de alguns dos compositores mais importantes da época, incluindo Darius Milhaud, Arthur Honegger, Florent Schmitt e o próprio Villa-Lobos, que incluíram o instrumento em suas obras ou lhe dedicaram obras solo.

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Villa-Lobos e eu nos encontramos em Paris nos anos vinte no ponto alto de minha carreira quando eu estava tocando muito, mas eu ainda não tinha começado a usar o vibrato para melhorar o meu som. Nos demos muito bem e ele gostou da minha sonoridade, apesar de eu tocar sem vibrato. Eu o conheci quando tocava em uma orquestra e ele era maestro convidado. Ele era um homem nervoso e por vezes tornava-se furioso com alguns membros da orquestra quando sentia que eles não estavam realizando o melhor de suas possibilidades. Quando voltou a Paris, vários anos mais tarde, realizou uma obra que incluía saxofones. Nesta época eu já usava o vibrato como parte da minha sonoridade e Villa-Lobos não escondeu o fato de que gostou. Você sabe, muitos de seus trabalhos incluem peças para saxofones. Alguns anos mais tarde ele me enviou o manuscrito de sua Fantasia que tinha dedicado a mim8 (ROSSEAU9, 1982 apud MAUK [19--], p. 02, tradução nossa).

Como citado em Van Regenmorter10, apesar de dedicada a ele, Mule não se interessou pela obra recusando-se a estreá-la. A recusa pode ter sido uma saída educada ao temor de Mule em executar a peça na sua tonalidade original de fá maior, em que atingia um registro altíssimo do instrumento. Por tratar-se de instrumento transpositor, a parte solo do saxofone soprano foi escrita em sol e Vianna se aproveitou desse fato na sua transcrição como mostraremos adiante. De acordo com Appleby11 (2002 apud VAN REGENMORTER, 2009), a fantasia foi estreada em 17 de novembro de 1951, no Rio de Janeiro, sob a regência do próprio compositor e tendo como solista o saxofonista Waldemar Szpilman12. O solista, na época, não possuía um saxofone soprano e a obra foi estreada com o saxofone tenor.

8 “Villa-Lobos and I met in Paris in the twenties at the point in my career when i was perfforming a great deal but had not yet begun to use the vibrato to enhance my tone. We hit it very well, and he liked my sonority despite the fact that it was senza vibrat. I met him when He was the guest conductor. He was a nervous man anda sometimes became enraged at certain members of the orchestra when He felt they were not performing to the bet of their abilities. At any rate, when He returned to Paris several years lete we performed a work that included saxophone. At this time i was using the vibrato as a parto f the sonority, anda Villa-Lobos did at all hide the fact thar He liked it. You know, many of his works include parts of the saxophone. Anyhow, a few years later He sent me the manuscript for his Fantasia, wich He had dedicated to me”.9 ROSSEAU, E. Marcelo Mule: his life and the saxaphone. Shell Lake, Wisconsin: Etoile Music, 1982. 10 VAN REGENMORTER, P. J., Brazilian music for saxophone: a survey of solo and small chamber works. Doctor of Musical Arts. Diss. 263 fls. University of Maryland, College Park, 2009. Disponível em: <http://gradworks.umi.com/33/59/3359314.html>. Acesso em: 03 ago. 2011.11 APPLEBY, D. P. Heitor Villa-Lobos: a life (1887-1959). Lanham, MD: Scarecrow Press, 2002.12 Waldemar Szpilman (1915). Saxofonista e clarinetista polonês. Chegou ao Brasil em 1925. Tocou na Orquestra Sinfônica Brasileira e foi programador da Rádio MEC. Em 1945, liderou uma orquestra que por mais de vinte anos abrilhantou bailes no Rio de Janeiro.

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FIGURA 5 - Trechos da primeira e última página do manuscrito original da partitura de orquestra da Fantasia para saxofone. As setas assinalam respectivamente New York, 1948 e Rio, 1948, acima do autógrafo do compositor. Esta primeira versão foi escrita no tom de fá maior, e a parte solo do saxofone soprano, em sol maior.Fonte: REGENMORTER (2011)

Quinze dias após a estreia, o pianista José Vieira Brandão presenteou o compositor com uma redução das partes de orquestra para piano. Essa versão foi apresentada em mi bemol maior, um tom abaixo da versão original. Existem dois manuscritos dessa redução, um atribuído a Vieira Brandão e o outro, com algumas alterações, atribuído ao próprio compositor.

FIGURA 6 - Trecho da redução de piano feita por Villa-Lobos, baseada na versão que lhe foi presenteada por José Viera Brandão. A parte já aparece transposta em mi bemol maior, ou seja, um tom abaixo da primeira versão original. Fonte: REGENMORTER (2011).

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Esse segundo manuscrito foi editado pela Peer Music14 e é o que atualmente vem sendo utilizado pela maioria dos intérpretes. As discrepâncias entre as duas versões são tratadas em detalhes por Dowdy15 (2007 apud REGENMORTER, 2011), em tese de doutorado apresentada a Northwestern University.

Durante a convivência do pesquisador com Vianna nos cursos básico e de graduação na Escola de Música da UFMG, sempre era mencionada a transcrição dessa Fantasia para flauta que, segundo Vianna, teria sido solicitada a ele pelo próprio compositor. Tal menção foi confirmada em entrevista concedida ao pesquisador pelo atual compositor Andersen Vianna, filho de Sebastião, que na época era também aluno da UFMG e seu colega nos mencionados cursos:

Papai sempre dizia que queria estrear sua transcrição para flauta da Fantasia de Villa-Lobos para Saxofone e Orquestra. Ele falava que o Villa havia encomendado essa transcrição a ele, que era flautista, seu amigo e assessor. Quando ficou pronto, o material chegou a ser testado na Orquestra de Câmera da UFMG, acho que em torno de 1979, mas não sei porque, nunca foi tocado em concerto (informação verbal)16.

Em pesquisa feita nos arquivos deixados por Vianna, encontramos cópias do manuscrito de orquestra original tal como composto em sua primeira versão em fá maior para saxofone soprano. Como já mencionamos anteriormente, o saxofone é um instrumento transpositor e soa uma segunda abaixo da tonalidade escrita. Dessa forma, na versão original do compositor, a parte solo estava escrita em sol maior e soa uma segunda maior abaixo, portanto, fá maior. Vianna observou que na tonalidade de sol maior, a peça era perfeitamente executável na flauta sem qualquer alteração. Seu trabalho foi somente o de transpor a parte de orquestra uma segunda maior acima, tendo em vista que a parte solo podia ser perfeitamente aproveitada do primeiro manuscrito do compositor dedicado a Mule. Lembramos que, como já descrito, Mule se recusou a estrear a peça justamente por considerá-la aguda demais para seu instrumento. Como flautista, Vianna não teve dúvida em lançar mão da primeira versão, que se encaixa com comodidade no registro da flauta. Encontramos também a versão manuscrita da partitura de orquestra já transposta para flauta com a referencia de Vianna:

14 A Peer Music é atual sucessora da Southern Music Publishing Co., Inc., detentora dos direitos sobre a obra desde 1963. 15 DOWDY, Roland Davis. The saxophone music of Heitor Villa-Lobos: the restoration of the Fantasia and the discovery of A Roseira. Doctor of Musical Arts. Diss. Northwestern University, 2007.16 Informações obtidas em entrevista concedida por Andersen Vianna em 26 set. de 2011 ao autor.

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FIGURA 7 - Manuscrito da partitura transposta por Vianna. Destaque para o título: Fantasia para flauta e orquestra e a nota no canto superior direito: “Transcrição a pedido do compositor por Sebastião Vianna”. Fonte: Arquivo pessoal de Sebastião Vianna.

As partes encontradas do material de orquestra também foram encontradas prontas. Numa delas há referência do copista: “BH, 1979, Afonso de Paula da Silva”. Embora numa das partes esteja também presente o carimbo da Biblioteca da Escola de Música da UFMG, em pesquisa realizada nessa biblioteca, em abril de 2010, não encontramos esse material ou qualquer referência sobre a existência do mesmo. Corrobora com o citado na entrevista de Andersen Vianna, o ano de 1979, presente na cópia e tido como ano em que o material foi testado por Vianna na Orquestra de Câmera da UFMG. Por não ter sido executado em concerto, não há também registros de sua execução nos anais da referida orquestra.

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FIGURA 8 - Folha de rosto e trecho final da parte de flauta da Fantasia transposta por Vianna. Destaque para o carimbo da Biblioteca da UFMG no canto direito da folha de rosto e a assinatura do copista com data e local no final da pagina: “BH, 1979 Afonso de Paula da Silva”. Fonte: Arquivo da família Vianna.

FIGURA 9 - Foto do compositor Heitor Villa-Lobos. No canto superior, dedicatória a Vianna: “Ao Sebastião amigo lembrança grata do Villa-Lobos. Rio, 27/6/50”. Fonte: Arquivo da família Vianna.

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Considerações finais

Este trabalho é um comunicado de pesquisa em curso. Por isso, não pretendemos aqui apresentar conclusões definitivas. Com base no material pesquisado até o momento, podemos comprovar que Sebastião Vianna fazia parte do círculo de músicos que transitava em torno do compositor Heitor Villa-Lobos. Comprovamos também a existência da transcrição para flauta da Fantasia para saxofone e orquestra, elaborada por Vianna, segundo o mesmo, a pedido do próprio compositor. Não encontramos até o momento nenhum documento escrito deixado pelo compositor comprovando a solicitação. Tal fato, não diminui a importância e legitimidade da iniciativa de Vianna ao apresentar sua versão da obra para a flauta. Trata-se de uma versão totalmente inédita, jamais executada em concerto e uma importante aquisição ao repertório flautístico, considerando o fato do compositor não ter deixado nenhuma obra dedicada à flauta solo e orquestra, além dele mesmo apresentar diferentes versões e instrumentações para várias de suas obras.

Esperamos que a futura edição dessa versão para flauta da obra e a publicação do material que será apresentado brevemente em nossa tese de doutorado pela UFBA coloquem à disposição dos flautistas, pesquisadores e do público em geral, uma versão dessa importante obra. Esperamos também poder em breve estrear a primeira audição dessa versão em concerto.

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Referências

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FURASTÉ, P. A. Normas técnicas para o trabalho científico. 15. ed. Porto Alegre: Dactilo Plus, 2011.

GUERIOS, P. R. Heitor Villa-Lobos: o caminho sinuoso da predestinação. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2003.

LACERDA, M. A. de A. Orquestra Sinfônica da PMMG: 60 anos de contribuição à cultura e à imagem da PMMG. Belo Horizonte: Centro de Pesquisa e Pós-Graduação da APM/PMMG, 2009.

MAUK, S. Villa-Lobos’ Fantasia for Soprano Saxophone. Disponível em: <http://faculty.ithaca.edu/mauk/docs/villalobos.pdf>. Acesso em: 06 ago. 2011.

MUSEU VILLA-LOBOS. Villa-Lobos - sua obra: catálogo de obras do compositor. Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: <http://www.museuvilalobos.org.br/bancodad/VLSO_1.0.pdf>. Acesso em: 08 set. 2011.

SANTOS, D. V. dos. Lembranças de Minas... Sebastião Vianna - música tecendo vidas. A arte como ofício. 2004. 42p. Memorial Monográfico (Especialização latu sensu em Arte e Educação) - Faculdade de Educação, Universidade do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004.

VAN REGENMORTER, P. J. Brasilian music for saxophone: a survey of solo and small chamber works. 2009, 263p. DMA. University of Mariland, 2009. Disponível em: http://gradworks.umi.com/33/59/3359314.html. Acesso em: 03 ago. 2011.

VENTURA, R. O Instituto Villa-Lobos e a música popular. Rio de Janeiro, 2005. Disponível em: <http://brasilianmusic.com/articles/ventura_ivl.html>. Acesso em: 23 set. 2011.

VIANA, R. Um compositor brasileiro na Brodway: a contribuição de Heitor Villa-Lobos ao teatro musical americano. 2007, 135p. Dissertação (Mestrado em Estudo das Práticas Musicais) - Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.

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Sebastião Vianna and the Fantasy for fluteand orchestra by Heitor Villa-Lobos

Abstract: This paper presents the partial results of an ongoing research on the discovery of an unpublished flute transcription of Heitor Villa Lobos’ Fantasia for saxophone and orchestra. This transcription is by Sebastião Vianna, who between 1945 and 1950 was Villa Lobos’ assistant and proofreader. A short biographical perusal on Vianna’s life demonstrates the relationship and closeness between Vianna and Villa Lobos, thus inserting this transcription in a historical and musicological specific context.

Keywords: Heitor Villa-Lobos; SebastiãoVianna; Fantasy for saxophone and orchestra; transcription; Fantasy for flute and orchestra.

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CONGADO: UMAEXISTÊNCIA CORPORAL

Sônia Cristina de Assis

Professora da Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais (ESMU/UEMG). Mestre em Educação, Cultura e Organizações Sociais pela Fundação Educacional de Divinópolis (FUNEDI/UEMG). Especialista em Educação Musical pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Graduada em Licenciatura em

Educação Artística com habilitação em música pela UEMG.

[email protected]

ResumoAs influências da cultura africana são características decisivas nas manifestações da cultura popular brasileira. Uma das linguagens utilizadas pela cultura negra é o congado, que se expressa no olhar, riso, canto, dança e em toda a presença do corpo, abrindo para a compreensão do Outro de forma direta. Nesse estudo, abordaremos essa linguagem corporal do congado, sua existência através da oralidade da experiência do olhar associada ao fazer (trazer para o próprio corpo). Indicaremos que, através da corporeidade, o ser humano faz do mundo a extensão de sua experiência. Existir é mover-se em um determinado espaço e tempo, transformando o meio graças à soma de gestos eficazes. Na ritualização de sua cultura, através do canto e da dança, o ser humano concebe e representa experiências, projeta valores, sentidos e significados.

Palavras-chave: Cultura; congado; corporalidade e conhecimento.

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Introdução

A história do fenômeno congado é uma afirmação da identidade negra de resistência cultural, sobrevivência e conquistas de um povo reprimido e violentado pela escravatura, que utilizaram táticas de preservação para continuidade de suas manifestações culturais. Segundo Azevêdo (1996), através dos seus gestos interiores, que são movimentos internos da sensibilidade, da reelaboração das contradições da própria vida auxiliada a uma ação transformadora e da comunicação simbólica entre o passado e o presente, o ser humano necessita distinguir e nomear o mundo que o rodeia e ao mesmo tempo de se expressar nele. Uma das linguagens utilizadas pela cultura negra é o congado, o fio condutor de comunicação permeada pela representação dramática.

Segundo Glaura Lucas (2005), nos rituais do congado, encontra-se também o catolicismo popular mesclado de maneira e grau diversos, sendo que seus conteúdos e sentimentos foram herdados da religiosidade africana. Sua história é perpassada de reelaborações transculturais decorrentes de uma trajetória de contatos e confrontos entre europeus e africanos. História iniciada no século XV, na África e posteriormente conciliada no seio das irmandades brasileiras pelas regras do sistema escravocrata, nos rituais de congado encontra-se um catolicismo transformado e reinterpretado pelo negro africano.

As influências da cultura africana são características decisivas nas manifestações da cultura popular brasileira. Todos os costumes, hábitos, crenças, rituais, cultos e histórias do reinado são transmitidos oralmente e corporalmente, tendo a memória coletiva como referência e valorizando o conhecimento dos mais velhos, que são os responsáveis por disponibilizar os saberes aos mais jovens. Na pedagogia ocidental, o ensinar é verbalizado e conceituado para ser doado metodicamente ao aluno, diferenciando-se assim da informalidade do ensinar-aprender das manifestações culturais afro-brasileira.

Tomando essa perspectiva como eixo norteador das reflexões presentes neste estudo, abordaremos a linguagem corporal do congado e sua existência através da oralidade da experiência do olhar associada ao fazer (trazer para o próprio corpo). Em suma, pretendemos, sobretudo, perceber como essas práticas de ensinar e aprender estão relacionadas com a linguagem oral e a linguagem do movimento, permeados de configurações e significados do corpo.

Cultura e corporalidade: uma existência corporal

Cultura na concepção do sociólogo Edgar Morin (2000) corresponde à diversidade cultural, pois é a pluralidade dos indivíduos que constitui conjunto de saberes,

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fazeres, regras, normas, proibições, estratégias, crenças, ideias, valores e mitos que são transmitidos e apreendidos de geração em geração. Esses se reproduzem em cada indivíduo, controla a existência da sociedade e mantém a complexidade psicológica e social. Para o autor, não existe sociedade arcaica ou moderna desprovida de cultura, mas cada cultura é singular. “Assim sempre existe a cultura nas culturas, mas a cultura existe apenas por meio das culturas” (MORIN, 2000, p. 56).

A partir da cultura, a humanidade vive um determinado contexto social com o qual interage de forma dinâmica. Para Gonçalves (1994), as concepções que o indivíduo desenvolve a respeito de sua corporalidade e as suas formas de comportar-se corporalmente estão ligadas a condicionamentos sociais e culturais. Todavia, percebemos também que ao mesmo tempo em que a cultura atua na humanidade, modificando sua realidade, a humanidade atua sobre a cultura, influenciando suas formas de pensar, agir e sentir. Partimos da ideia de que o ser humano imprime suas marcas através da maneira de pensar e de suas ideias, seja nas dimensões intelectuais, afetiva, moral e física. A partir dessas considerações, aceitamos que não somos um corpo aberto somente a condicionamentos, mas a mudanças de padrões, uma vez que a cultura não é única, mas diversificada de ações e expressões, possibilitando ao ser humano escolher a forma de colocar-se corporalmente neste mundo.

Outra discussão que Gonçalves (1994) realiza sobre o corpo mostra que o ser humano é presença por intermédio do corpo, ou seja, ao mesmo tempo em que o corpo é presença, ele esconde e revela a maneira da pessoa ser no mundo. Dessa forma, através do corpo, as pessoas se expressam e se comunicam, ou seja, são elas mesmas.

Podemos falar em uma linguagem corporal, que revela, por meio da exterioridade, a nossa interioridade: nossos pensamentos e sentimentos, ligados à situação do momento, mas trazendo consigo toda nossa história pessoal. Revela também a sociedade em que vivemos, que, ao longo do processo histórico, desenvolve diferentes formas de comportar-se corporalmente e expressar seus sentimentos e valores (GONÇALVES, 1994, p. 103).

A linguagem corporal é fonte de conhecimento para além da imaginação, ultrapassa fronteiras, é um campo de conhecimento utilizado em nossa cultura que explora uma gama de potencial através das sensações, emoção e gestualidade. Expressamos no olhar, no riso, nas mãos, nos lábios, nas genitais, na postura, enfim, em toda a presença do corpo, abrindo para a compreensão do Outro de forma direta.

Estar presente é incluir-se num contexto social e cultural. Nesse sentido, David

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Le Breton (2006) considera que “[...] através do seu corpo, o homem apropria-se da substância de sua vida traduzindo-a para os outros, servindo-se dos sistemas simbólicos que compartilha com os membros da comunidade” (LE BRETON, 2006, p. 7). Para o autor, existir significa mover-se em um determinado espaço e tempo, transformando o meio graças à soma de gestos eficazes. Através da corporeidade, o autor acredita que o ser humano faz do mundo a extensão de sua experiência, são transformações que modificam os âmbitos familiares (privados) e sociais (públicos), locais disponíveis à ação e abertos a compreensão. Um corpo possível de emitir e receber sentimentos continuamente, possibilitando o ser humano se inserir nos espaços sociais e culturais de forma ativa.

Para Morin (2006), Gonçalves (1994) e Le Breton (2006), o existir é poder estar presente, poder escolher, atribuindo significados e valores, comunicando-se com palavras, gestos, cantos, mímicas, expressar-se nos rituais corporais, abrindo-se para o universo.

Movimento é vida: a corporalidade no congado

Para Morin (2003), uma cabeça bem feita é uma cabeça apta a organizar os conhecimentos e com isso, evitar uma acumulação estéril. A construção do conhecimento constitui-se de tradução e reconstrução a partir de sinais, signos, símbolos, representações, ideias, teorias, discurso. A organização dos conhecimentos é realizada em função de princípios e regras: comporta operações de ligação (conjunção, inclusão, implicação) e de separação (diferenciação, oposição, seleção, exclusão). Sendo, portando, um processo circular, ora passando da separação à ligação, da ligação à separação, da análise à síntese, da síntese à análise. Assim, o conhecimento comporta ao mesmo tempo separação e ligação, análise e síntese. Segundo esse mesmo autor, o ensino escolar tradicional privilegia na civilização contemporânea a separação em detrimento da ligação e a análise em detrimento da síntese. Essa separação e acumulação acontecem devido à falta de ligação dos conhecimentos, não incentivando a organização que os liga. Para o sociólogo, esse tipo de conhecimento desune os objetos entre si, isolando-os de seu contexto natural e do conjunto do qual fazem parte. Para ele, é uma necessidade cognitiva inserir um conhecimento particular em seu contexto e situá-lo em seu conjunto.

A partir desse entendimento, reiteramos a importância da vivência corporal no processo de conhecimento. O corpo é elemento fundamental em toda a história cultural, social e biológica, a sabedoria corporal vem da experiência do movimento corporal. Movimento é vida. Todo ser vivo se move. As experiências do ser humano

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nos primeiros anos de vida entre o seu corpo e o meio ambiente constroem-se através dos contatos, das descobertas, das sensações e dos reconhecimentos perceptivos. Através de instrumentos privilegiados - sendo eles visão, audição, tato, paladar e olfato, que estão condicionados a outros fatores como espaço e tempo - o ser humano percebe o mundo, recorta-o e o absorve.

A percepção do mundo através do corpo leva à aprendizagem. O antropólogo Le Breton (2006), no livro A sociologia do corpo, considera que o corpo existe na totalidade dos elementos que o compõe graças ao efeito conjugado da educação recebida e das identificações que levaram a pessoa a assimilar os comportamentos do meio social. O autor ressalta que as aprendizagens das modalidades corporais e as relações das pessoas com o mundo não se limitam necessariamente à infância, continuam durante toda sua existência conforme as mudanças sociais e culturais. São imposições ao estilo de vida, aos diferentes papéis ou identidades que o ser humano assumiu no decorrer de sua existência.

Da mesma forma, a expressão corporal é algo socialmente modulável, mesmo quando vivido de acordo com o estilo particular do indivíduo. Le Breton (2006) exemplifica o interior de uma mesma comunidade social, nela, todas as manifestações corporais dos atores são virtualmente significantes aos olhos dos parceiros. Isso pode ser percebido nas comunidades de congado, notamos que as danças e os gestos dos congadeiros nos rituais só têm sentido quando são relacionados à festa com toda a simbologia relacionada ao congado. Corpo percebido

Quem acompanha os rituais tem grande possibilidade de reconhecer muitos símbolos através da percepção da imanência (o imediatamente dado), pois são imediatamente dados e percebidos; como as diferenças visuais, musicais (sonoras) e gestuais das guardas. A percepção por transcendência (além do imediatamente dado) vai além da imanência, ou seja, não é dada ou percebida claramente. São códigos estabelecidos pelos congadeiros e transmitidos pelos mais velhos e experientes no congado, sendo que muitos desses códigos poucos congadeiros terão acesso. Muito bem reelaborada nos rituais, a representação simbólica é presente nas vestes das guardas, nas danças, no canto e nos instrumentos. A percepção e entendimento que se tem dessas representações simbólicas para quem o assiste e o acompanha (quem vê de fora) é diferente para quem é congadeiro (quem está dentro).

Segundo Merleau-Ponty (1971), a imanência e a transcendência são os dois elementos principais, estruturais de qualquer ato perceptivo. Pois, o objeto percebido não é de

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todo estranho ao sujeito que o percebe (imanência). Mas, toda percepção de alguma coisa significa uma não-percepção de algo que está para além do imediatamente dado (transcendência). Para o filósofo, os dois elementos não são mutuamente contraditórios, sabendo que toda vez que se tem consciência de alguma coisa, está aberta a possibilidade de não-consciência de aspectos relacionados àquele objeto percebido.

Merleau-Ponty (1971) considera o corpo como um veículo do ser no mundo, isso porque o ser humano através do seu corpo faz parte do meio já inserido e definido, confunde-se com os objetos desse meio e empenha-se continuamente nele. Nesse sentido, cada indivíduo tem consciência do mundo devido o seu corpo e consciência do seu corpo através do mundo. Assim, a percepção sofre influências culturais e sociais, não é neutra, ela também sofre transformações, percepções novas substituem as antigas e mesmo as novas emoções substituem as de outros tempos.

É assim que as manifestações culturais se mantêm na sociedade contemporânea, a informação é percebida corporalmente e interpretada em função de desejos e conhecimentos. Na ritualização de sua cultura, através do canto e da dança, o ser humano concebe e representa experiências, projeta valores, sentidos e significados. Essas experiências de vida e o conhecimento registram-se nos (ou pelos) campos sensoriais. Utilizando esses campos sensoriais de seu corpo, o ser humano percebe e dá sentido à coisa percebida.

Mas que corpo é esse? De que corpo se trata? São indagações levantadas por Le Breton (2006). Um corpo que é pouco questionado, mas que designa algumas abordagens como: sociologia do corpo. Esse autor critica as formas absurdas que nomeiam o corpo como se fosse um fetiche, na maioria das vezes omitindo o ser humano que o encarna. Por isso, ele ressalta que para qualquer questionamento sobre o corpo, é necessária antes a construção de seu objeto. Como no congado, o corpo está envolvido de representações (como a rainha e o rei congos representando as nações africanas), podemos considerá-lo natureza. Para Le Breton, “o corpo nem sequer existe. Nunca se viu um corpo: o que se vê são homens e mulheres. Não se vê corpos. Nessas condições o corpo corre o risco de nem mesmo ser universal” (LE BRETON, 2006, p. 24).

Da mesma forma, analisa algumas representações históricas que visam de fato dar carne ao ser humano ou dar um corpo ao ser humano. A representação dar um corpo ao ser humano vem do conhecimento médico, a anatomofisiologia, separando o ser humano de seu corpo. O antropólogo critica a sociologia da atualidade, que preocupada em compreender os usos sociais e culturais do corpo, não critica a teorização biomédica e vê nela sua realidade objetiva.

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Na maior parte das investigações, a concepção moderna do corpo é a que serviu de marco inicial para a sociologia, nascida na passagem do século XVI para o século XVII. Essa concepção implica que o homem esteja separado do cosmo (não é mais o macrocosmo que explica a carne, mas a anatomia e uma fisiologia que só existe no corpo), separado dos outros (passagem da sociedade de tipo comunitária para a sociedade de tipo individualista onde o corpo encontra-se na fronteira da pessoa) e, finalmente, separado de si mesmo (o corpo é entendido como diferente do homem) (LE BRETON, 2006, p. 20).

Segundo o autor, na medicina popular a relação de corpo, carne, pessoa e universo não se separam, e muitos desses saberes são utilizados pela medicina popular na atualidade. Essa relação está associada com elementos da natureza como o vegetal ou mineral na cura de doenças, pois possui na forma e na cor, um funcionamento, uma analogia com o órgão afetado. Pela imposição das mãos, o magnetizador transmite uma energia que regenera as zonas doentes, colocando o ser humano em harmonia com o ambiente. O benzedor, com sua prece que murmura, acompanhado de gestos precisos, cristaliza as forças benéficas que aliviam o mal. Esses são alguns dos exemplos que Le Breton (2006) descreve sobre as concepções sociais que vinculam o ser humano ao cosmo.

O corpo, nas tradições populares, tem uma ligação direta com o universo, que lhe traz energia. O corpo está ligado ao cosmo. Nesse sentido, Le Breton (2006) argumenta que as representações do corpo são representações da pessoa. As representações das pessoas e do corpo estão sempre inseridas nas visões de mundo das diferentes comunidades humanas, o corpo é socialmente construído. Essas construções, segundo o mesmo autor, acontecem nas ações das cenas coletivas, nas teorias que explicam o funcionamento do corpo e nas relações. Assim, o corpo não pode ser visto somente como uma coleção de órgãos arranjados segundo as leis da anatomia e da fisiologia. Mas em primeiro lugar, o corpo é uma estrutura simbólica, superfície de projeção passível de unir as mais variadas formas culturais. A tarefa da antropologia e da sociologia é compreender a corporeidade enquanto estrutura simbólica e, assim, destacar as representações, os imaginários, os desempenhos, os limites que aparecem como infinitamente variáveis conforme as sociedades.

Pesquisas sobre a sabedoria corporal são compreendidas e apreendidas nos guardiões das inúmeras manifestações da cultura popular que fazem de seu corpo um veículo neste mundo e a consciência deste mundo através de seu corpo. Os Reinados de Nossa Senhora do Rosário são formados por grupos de pessoas simples e humildes.

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São eles, lixeiros, peões, vigias, donas de casa, lavadeiras que conseguem transformar a vida dura e sofrida em uma celebração.

A dança e o gesto no Congado e os diferentes corpos são nomeados pela força dos movimentos que exprimem e formam a unidade das guardas de Congo e Moçambique; a primeira abre o caminho para que a potência da segunda preencha, com suor dos corpos e a sonoridade das gungas (guaiás), o espaço que se vai abrindo numa espécie de outro corpo a ser ocupado pelos movimentos dos dançantes (GOMES; PEREIRA, 1999, p. 405).

Essas reflexões permitem também construir pontes relacionadas à corporalidade nos rituais do “congado mineiro”. Nesse, mantêm-se os herdeiros dessa tradição sagrada, eles existem fechados e abertos simultaneamente em si mesmos e no mundo. O livro Negras raízes mineiras apresenta a dança do congado, os que cantam e dançam; a alma e o corpo são os pontos sensíveis da comunidade. Por serem diferentes, os corpos possibilitam uma organização de conjunto de movimentos que dão vida e plasticidade aos cortejos de Congo e Moçambique, ou força e calor às rodas de batuque. A dança existe em função da herança sagrada que se riatualiza com os desdobramentos do corpo (GOMES; PEREIRA, 1999). A festa, o ritual e a ancestralidade deságuam nos músculos e na fé de toda essa gente que mantém o “reinado” em Minas.

Sendo um saber dos povos bantos, os congados se expressam através do cruzamento dos ancestrais fundadores, das divindades e “outras existências sensíveis” (transcendência) e através do grupo social e cultural. Leda Martins (1997) denomina essas expressões de cruzamento triádico, uma concepção filosófica que cria um sujeito como signo e efeito de princípios sem suprimir sua história e memória, o secular e sagrado, o corpo e a palavra, o som e o gesto, a história individual e a história coletiva ancestral, o divino e o humano, a arte e o cotidiano. Essa concepção está presente na cosmovisão dos capitães e reis dos congados, ou seja, a essência da cultura banta ali representada.

Essa energia cósmica esculpe um saber que se expressa na fala, na dança, no vestuário, em objetos, como os bastões, as caixas, os tambores, os adereços, cumprindo uma função ritual que não elide as linguagens das cores, dos sons, e dos gestos, mas sim, sinestesicamente, as conjuga na elaboração de uma fala plural que reveste o tempo presente com os adereços simbólicos ancestrais, carregando dentro de si uma tradição de ancestralidade, que cria e a diviniza (LOPES, 2006, p. 131).

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Como afirma Le Breton (2006), o ser humano e o corpo são indissociáveis, a mesma relação os congados têm com a dança e a música, o ritual e o sagrado. A imagem que se tem do corpo nos congados é alimentada pelo simbólico ligado ao cosmo, a natureza, aos ancestrais, aos outros. O corpo não se distingue da pessoa, da natureza, das matérias-primas. O congado se constitui dos congadeiros, mançambiqueiros, reis, rainhas, porta-bandeira, música, dança, tambores, instrumentos de percussão, bastão e espada. Nas sociedades comunitárias, o corpo é o elemento de ligação de energia coletiva, é o que mantém e inclui cada um no seio do grupo.

Considerações finais

Assim, a partir dessas reflexões, entendemos que as contribuições desses autores trazem para o universo das culturas, das danças, dos ritmos, dos sons, dos cantos contemporâneos, a possibilidade de se pensar a corporalidade como espaço de expressão e de construção de pensamento - objeto e sujeito de cultura percebido diferentemente por quem cria, executa e assiste.

Pensar a corporalidade, a experiência que esse corpo apreendeu e compreendeu e por isso adquiriu saberes, abre-nos para uma nova significação. Saberes que foram percebidos e sentidos, ambos intrínsecos nesse corpo repleto de significados que nos leva à essência de nós mesmos, de “ser” e de ser no mundo. Sendo o ser humano parte desse mundo, não podemos pensá-lo fora de sua relação com o mundo, muito menos de seu corpo.

Nas manifestações populares, especificamente no “congado mineiro”, o corpo percebido está em ligação direta com o mundo dentro e fora da comunidade. Como diz Merleau-Ponty (1971), ser corpo é estar unido a um certo mundo, que já o vimos, e nosso corpo não está primeiramente dentro do espaço: ele é espaço. Finalizando com Le Breton (2006), o corpo está no cruzamento de todas as instâncias da cultura, o ponto de atribuição por excelência do campo simbólico. No caso dos congados, os sons que saem dos instrumentos fazem com que seus integrantes percebam-se no mundo, organizem-se e dancem, aguçando os sentidos da experiência de vida.

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Referências

AZEVÊDO, F. A. G. Sobre a dramaticidade no ensino de arte. In: GOUVÊA, L. P. (Coord.). Som, gesto, formar e cor: dimensões da arte e seu ensino. Belo Horizonte: C/ARTE, 1996.

GOMES, N. P. de M.; PEREIRA, E. de A. Negras raízes mineiras: os arturos. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2000.

GONÇALVES, M. A. S. Sentir, pensar, agir: corporeidade e educação. São Paulo: Papirus, 1994.

LE BRETON, D. A sociologia do corpo. Rio de Janeiro: Vozes, 2006.

LOPES, N. Bantos, malês e identidade negra. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2006.

LUCAS, G. Música e tempo nos rituais do congado mineiro dos arturos e do jatobá. Tese (Doutorado em Música) - Centro de Letras e Artes, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2005.

MARTINS, L. M. Afrografias da memória: O reinado do rosário no jatobá. Belo Horizonte: Mazza Edições; 1997. Coleção Perspectiva.

MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. Rio de Janeiro: Frei Bastos, 1971.

MORIN, E. Os setes saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2000.

______. A cabeça bem-feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

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Congado: a corporal existence

Abstract: The influences of African culture are decisive characteristics in the manifestations of Brazilian popular culture. Congado is one of the languages used by black culture which expresses itself through the act of smile, sing and dance in the presence of the whole body, helping people to open to the others directly. In this study, we discuss the body language of Congado and its existence through the experience of looking associated to the act of doing (bring to the own body). It is postulated that through the corporality human being makes the world the extent of their experience. To exist is to move within a certain space and time, transforming the environment thanks to the sum of effective gestures. In the ritualization of their culture through song and dance, the human being conceives and represents experiences, projects values, meanings and senses.

Keywords: Culture; congado; corporality, knowledge.

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POR UMA ESCUTAQUE POSSA “CORPORAR”

Eliane Maria de Abreu

Mestranda em Psicologia Clínica, eixo religião, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); especialista em Psicologia Clínica Existencial e Gestalt Terapia. Atua em diversas áreas de saúde mental. Professora da Escola de Música da

Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).

[email protected]

Denise Araújo Pedron

Doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com a tese A performatividade na cultura contemporânea. Pesquisadora, professora e dramaturga. Atua nas áreas de literatura, teatro e performance. É professora do Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica

de Minas Gerais (PUC-MG).

[email protected]

ResumoEste artigo se propõe a pensar a corporeidade e a escuta na performance do sujeito músico a partir da perspectiva da psicologia fenomenológica na tentativa de compreender como esse profissional se apropria de suas experiências musicais e atribui sentido a elas. A escuta é considerada aqui como interação, veículo de contato com o outro, desenvolvida a partir da percepção da corporeidade do músico. De acordo com essa perspectiva, a experiência da performance musical está calcada nas relações e percepções do self e não exclusivamente em requisitos técnicos.

Palavras-chave: Performance; escuta musical; corporeidade; fenomenologia.

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Introdução

Com intuito de ampliar a noção de aprendizagem e percepção musical a partir do olhar da psicologia fenomenológica, é necessário ressaltar a importância da construção da corporeidade no trabalho do músico, entendido como ser relacional (BUBER, 2007). O homem se experimenta pelo seu corpo. O corpo dá a dimensão física ao ser enquanto presença imediata, concreta e limitada. Através dele, tem-se a consciência factual da existência, pois o limite corporal permite a delimitação do tempo, espaço e lugar. Pelo corpo, o homem vincula-se à natureza, realiza suas experiências e diferencia-se também de forma pessoal e singular dos outros (MERLEAU-PONTY, 2006).

O lugar do corpo, sob a ótica da Psicologia Fenomenológica, e sua relação com os caminhos percorridos pelo intérprete para chegar a resultados positivos ainda se mostra de maneira geral pouco documentado nas pesquisas. Por essa razão, a performance musical necessitaria ser trazida ao plano de um pensamento mais investigativo para a construção de fontes de consulta e referências de pesquisa básicas nessa área da psicologia. Nosso interesse aqui é compreender, sob esse viés, como o profissional da música se percebe pelo corpo e como constrói a relação com a escuta e, por conseguinte, a escuta musical.

Podemos dizer que na escuta musical, o corpo é o lugar de percepção. Assim, consequentemente, a maneira como o individuo trata e percebe esse corpo vai interferir no processo de escuta. No principio de sua formação, o músico almeja desenvolver uma audição singular com características próprias para que o ouvir se abra para o mundo de significados musicais. No entanto, a abertura somente para o significado musical apenas ao nível de codificação de notas implica na limitação do processo perceptivo, que possui na verdade, sob a ótica fenomenológica, um significado mais amplo. O processo perceptivo sob esse olhar vai além da decodificação técnica do trabalho musical, levando em consideração o sujeito como ser no mundo (FORGUIERI, 2007).

Quando o corpo não é tratado como um sujeito receptor ativo, “ser corporal”, e sim como simples decodificador de formas musicais, a escuta musical vai perder em qualidade, porque não pode ser construída como diálogo genuíno. O corpo tratado apenas como um instrumento técnico não terá condições de efetivar uma escuta genuína, porque não haverá nele elementos que deem ressonância ao que é ouvido. Dessa maneira, não haverá a possibilidade de expressão, nem consideração do músico enquanto sujeito. “O corpo tem um poder de síntese; ele unifica as sensações e percepções de si, bem como as que referem ao mundo; o corpo é simultaneamente

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unificado e unificador na sua constante e simultânea relação consigo e com o mundo” (FORGHIERI, 1993, p. 29).

O conceito de corporeidade na psicológica fenomenológica No cotidiano, podemos ver o corpo por sua materialidade. Reconhecido somente como material, o corpo será compreendido como mero organismo objetificado, sem significação própria (MERLEAU-PONTY, 2006). Nessa perspectiva, ele apenas serve para realizar coisas, comportando-se como uma massa fisicamente mensurável pela mente, que o manipula para realizar tarefas. Na perspectiva psíquica, podemos pensá-lo como pura abstração, representado por um saber antecipado e estabelecido apenas pelo intelecto, e não pela experiência viva. Esses modelos supõem a cisão cartesiana corpo/mente, pois pensam o corpo de forma objetivada, negando ao sujeito a revelação de um mundo percebido por sua própria experiência perceptiva (MERLEAU-PONTY, 2006). Por outro lado, na visão fenomenológica, podemos pensar o corpo como experiência de si mesmo, o corpo vivido, numa dimensão não funcional, pois aí, corpo, é sinônimo de contato. Sendo assim, ele não funciona apenas como um mero espaço de racionalidade ou expressividade. Ele funciona como um lugar de abertura e de criação.

A psicologia fenomenológica por sua vez considera e compreende o corpo como “constituinte do existir humano”, em que o existir possibilita a aproximação ou distanciamento do corpo das coisas do mundo e consequentemente do sentido da experiência ser humano. A partir do modo de ser do sujeito é que a corporeidade e o “corporar” vão se constituindo. Na psicologia, é consenso que tudo que o sujeito não consegue elaborar, ele repassa para o corpo.

Tudo o que chamamos a nossa corporeidade, até a última fibra muscular e a molécula mais oculta, faz parte essencialmente do interior do existir. Não é, pois, fundamentalmente matéria inanimada. Assim, também não podemos ser corporais, como de fato somos, se o nosso ser-no-mundo não consistisse fundamentalmente de um sempre já perceptivo estar relacionado com aquilo que nos fala a partir do aberto de nosso mundo como o que aberto, existimos (HEIDEGGER, 1997, p. 244-245).

A escuta na perspectiva da fenomenologia seria ir ao encontro a “uma qualidade” dentro de uma experiência que está intimamente relacionada com a questão do corpo que se é. Segundo essa abordagem, o corpo não termina nos limites da

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anatomia, sendo constituído nas outras relações socio-históricas e trazendo em si a marca individual do sujeito. Ir de encontro ao corpo que se é significa considerar as expressividades do nosso corpo junto ao mundo e poder desenvolver várias potencialidades afim de que os gestos corporais não se alienem de si mesmos.

Merleau Ponty (2006) diz que percebemos nossa corporeidade a partir da lei de construção de um “corpo próprio” e que esse corpo próprio ensina ao sujeito um modo de unidade que se torna lei. Para ele, o sujeito dotado de corporeidade não está diante de seu corpo, e sim em seu corpo, ou melhor, ele antes é o seu corpo e interpreta a ele mesmo. Para o autor, “[...] não é ao objeto físico que o corpo pode ser comparado, mas antes à obra de arte” (PONTY, 2006, p. 208). Como a arte que é fonte de expressão, todo o processo criativo está relacionado ao corpo e ao processo de se criar e recriar em relação ao Outro, em que não se pode distinguir a “expressão do expresso”. Nesse sentido, o corpo consegue descrever fenômenos que ultrapassam a dualidade entre o sujeito e objeto e dados de realidade intransponíveis. Vivenciar o corpo só como ideia é fazer com que o sujeito perca contato com a experiência perceptiva do querer saber de si e de se lançar como ser de consciência perceptiva. Existir enquanto corporeidade é poder temporalizar e realizar a história do sujeito no tempo.

O corpo apresenta aquilo que sempre foi o apanágio da consciência: a reflexividade. Mas apresenta também aquilo que sempre foi o apanágio do objeto: a visibilidade. O corpo é o visível que se vê, um tocado que se toca, um sentido que se sente. O corpo consigo reúne todos os paradoxos (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 67).

A imagem que o sujeito revela traz consigo o mundo humano das significações, as quais exprime um corpo inserido no mundo. Na imagem estão presentes os afetos, a história pessoal e os valores marcados no olhar, na pele, no corpo que se move e simboliza. Para que se possa fazer uma investigação existencial da corporeidade é preciso revelar a experiência do sujeito sem que seja necessário provar nada ou emitir juízos, pois a compreensão deve ser sempre nova e atual. O fenômeno corporal não pode ser conservado, ele tem que ser sempre revisto e recriado.

Podemos ressaltar que a corporeidade permite uma articulação, uma harmonia da existência com aquilo que chamamos de sentido de vida. A consciência do sentimento corporal como veículo da autoconsciência passa necessariamente pela aprendizagem de outras lógicas afetivas. As vivências, percepções e atitudes corporais são disposições fundamentais de ânimo tanto em relação ao mundo como a nós mesmos, pois nos são transmitidas através de afetos e da compreensão dos fenômenos. A experiência de corporeidade é uma experiência que tende a expandir na medida em que o sujeito é

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preenchido por si mesmo e que se repete na relação com as coisas e com os outros, na interação sujeito-mundo. O sujeito só se constitui no humano na sua relação com o outro, uma vez que “não é pura interioridade, mas a saída de si para um mundo que tem uma significação para ele” (FORGHIERI, 1993, p. 15).

A corporeidade do músico

Na área musical, pensar o corpo cientificamente seria pensá-lo de que forma? Como primeiro instrumento? Que tipo de instrumento? Pensar a corporeidade do músico a partir da psicologia fenomenológica é poder compreender como esse profissional se apropria de suas experiências musicais e atribui sentido a elas. Pensar a subjetividade do músico significa pensar um corpo criativo, que é expressão do humano e que interage com o outro através de sua singularidade. Não basta pensar o músico como executor da música e sem qualquer relação com o ouvinte. É necessário que se leve em conta as diferenças perceptivas das relações músico-músico ou músico-ouvinte para, então, ampliar as possibilidades relacionais no fazer artístico. O sujeito músico além de executar sua partitura, precisa permitir-se lançar para a solicitação da presença do outro que está fora e que não pode ser tratado como um mero objeto: “O corpo não deve ser visto como uma barreira entre nós e as coisas, ele manifesta a nossa individualidade perante elas e a contingência de nossa relação com elas” (GALLO, 1997, p. 64).

Dessa forma, para que o músico possa se expressar na relação de abertura do sentido corporal, ele necessita do gesto constitutivo desse outro que o nomeia e o leva para fora de si mesmo e, ao mesmo tempo, o faz reconhecer em si. Nesse encontro, é a exigência de contato que precisa ser construída despretensiosamente, o que ocorre na presença dos muitos Outros que nos formam. O acontecer do músico demanda que o sujeito sinta-se vivo, existente e, de forma singular, gere gestos artísticos.

Aprendemos que nesse mundo é impossível separar as coisas de sua maneira de aparecer. Só sentimos que existimos depois de já ter entrado em contato com os outros, e nossa reflexão é sempre um retorno a nós mesmos que, aliás, deve muito à nossa freqüentação do outro (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 17).

Assim, podemos dizer que o corpo do outro nos aparece “de imediato” investido de uma significação emocional. Para Gilberto Safra:

As áreas do corpo que foram significadas por um Outro são áreas nas quais existe a experiência de si. Há, no entanto, áreas da corporeidade que não foram significadas pelo

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outro e que são vividas como buracos no si mesmo, regiões de agonias impensáveis que não podem ser exprimidas (SAFRA, 2004, p. 27).

Cada músico possui um tipo de expressão musical ou uma forma de se colocar através da música. Percebemos claramente que os interesses na performance musical são bastante diversos, mas atuar como músico deveria ser principalmente saber dialogar corporalmente. Nessa perspectiva, expressão, execução e interpretação musical precisam ser consideradas no âmbito do diálogo como experiência corporal compartilhada entre eu-outro.

Martim Buber (2007) afirma que as possibilidades de existir com alguém ou alguma coisa dependem principalmente do modo de ser da cada um. O autor assinala dois princípios: “eu-tu” e “eu-isso”. Na forma “eu-tu”, a pessoa entra em relação e deixa-se tocar pela presença do outro, de um objeto ou coisa. A atitude “eu-isso” representa, por outro lado, uma forma bastante racional, objetiva e formal de se relacionar com o corpo. Buber através de sua teoria dialógica defende a atitude “eu-tu” na relação entre os processos criativos e o corpo.

Quando o músico percebe e experimenta tocar numa dimensão relacional, deixa de se apoiar exclusivamente nos aspectos intelectuais, técnicos, avaliativos e compreende, compartilhando principalmente formas livres de expressão musical e corporal.

O que percebemos em atendimentos na clínica psicológica é que o músico vive a angústia do desejo de se diferenciar dentro de seu discurso musical. No entanto, o diferenciar do músico pode caminhar para o mero virtuosismo, e não para o diferenciar-se como decorrência da própria singularidade de sua existência ou por uma relação de sintonia com seu fazer artístico. Existe uma contradição na realidade de aprendizagem musical em que a pobreza das relações e as riquezas técnicas se confundem. Ao invés de esconder essa contradição, o pensamento fenomenológico nos ajuda a revelar sua existência. Viver a possibilidade do erro num contexto em que muitas vezes não é permitido o fracasso, em que a insistência pelo certo, pelo perfeito é o imperativo categórico de cada dia é bastante doloroso.

Devido ao rigor da aprendizagem em algumas áreas de educação musical, o músico de formação acadêmica muitas vezes privilegia só a fonte sonora do objeto musical, ou seja, a audição do instrumento, reduzindo o processo perceptivo auditivo-corporal ao mero domínio técnico do instrumento, relacionando-se com sua percepção somente a partir da desqualificação de sua experiência. Diversos problemas corporais de ordem física, emocional e mental geram adoecimentos nos músicos, pois o trabalho

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musical se torna alguma “coisa de fora” que incide sobre o indivíduo, ou seja, alheio a ele mesmo, alienante e alienado de seu produto, no qual o corpo não é reconhecido como possuidor de um papel central no desempenho.

Propomo-nos a pensar o corpo estreitamente relacionado a todos os aspectos da resposta musical, ou seja, aos aspectos perceptivos, motores e afetivos. Dessa maneira, o corpo deixa de ser apenas um organismo que recebe a informação sensorial, um instrumento sem caixa ressonante, executor de ação em função da técnica. A corporeidade não é somente funcional, ela é plena de contato1 e, portanto, implica uma relação dialógica, de comunicação. Na perspectiva fenomenológica, o que denominamos inacabado ou errado nem sempre é sinônimo de fracasso. Podemos, a partir daí, pensar a linguagem musical sem simplificar o sujeito em sua sensibilidade para que esse possa viver uma experiência de sensibilidade perceptiva que é própria da linguagem musical ou artística, preocupando-nos mais com suas relações e percepções do que com os imperativos técnicos.

As experiências corporais para o músico começam a tornar-se significativas quando um mundo sensorial é ativado e assume várias formas. Podemos pensar que deve haver uma apropriação do sujeito em relação à música que toca e às notas que executa, só assim existirão expressão e disponibilização da música ao outro que escuta. Quando o músico se torna impedido de se expressar, significa que não pode relacionar a percepção musical com um dado de razão e de sensibilidade sonora, a experiência perceptiva de transmissão sonora não ressoa e não desempenha papel significativo.

Clifford Geertz (1993), em seu livro A interpretação das culturas, comenta que o inseto besouro teria toda a musculatura congênita programada para não planejar voos, pois seu corpo é bastante desproporcional em relação à aerodinâmica de suas asas. No entanto, ele voa e voos elevados, mas não sem esforços como um beija-flor, que possui todas as condições anatômicas para realizar vôos elevados. Assim, ambos alcançam o mesmo objetivo que é voar, mas na condição de seus limites e de suas integridades. Muitas vezes, no mundo acadêmico musical, a referência para o músico de uma boa performance e boa aprendizagem da escuta é a do “beija-flor” em detrimento à do “besouro”. Os beija-flores seriam aqueles desobrigados do esforço de aprender por si e com os outros, pois o reconhecimento de seu talento nato é quase instantâneo. De outro lado, os besouros seriam aqueles condenados a um esforço dobrado, uma vez que seu talento não é imediatamente detectado.

A partir do exemplo de Geertz, de forma análoga, podemos pensar que a percepção corporal dos músicos deveria propiciar ao “besouro” voar como “besouro” e não

1 Contato como característica de um encontro interpessoal, como espaço inter-humano.

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forçá-lo a tentar voar como “beija-flor”, pois não adianta querer transformar “besouro” em “beija-flor” ou entender que eles vão aprender da mesma forma. Parece que na formação da escuta musical acadêmica é mais comum que apenas beija-flores possam voar.

O ser humano é susceptível à música, e desde muitos anos, música e linguagem se confundem. “Nós humanos, somos uma espécie musical além de lingüística” (MÜLLER, 2001) Mas o que é isso a que chamamos de música? Como a música se constitui dentro de nós e provoca sentimentos diferentes em cada um de nós? O que chamamos de música é “um estímulo sonoro que provoca sentimentos, cheio de moléculas de ar encadeadas, em seqüências mínimas de intervalos, compondo assim uma onda que bate no tímpano” (GUERRAS, 2007). O nervo auditivo tenciona-se e conduz essas unidades de informação eletromecânicas, chegando ao centro auditivo. O nervo auditivo diferencia a onda sonora do sopro que é executado no ouvido. Com isso, percebemos o som. Nesse momento, a musculatura corporal se expande ou se contrai e o “potencial de ação”2 é a condição necessária para a capacidade do neurônio receber, registrar e transferir a informação para outro neurônio.

Compreendendo os mistérios que ressignificam e refazem o ciclo interativo de reações psíquicas, o processo perceptivo vai compondo o que denominamos sensibilidade e percepção corporal. Cada nova significação refaz esse ciclo. O grau de sensibilidade de cada indivíduo é fruto de um sentir próprio, ou seja, de uma comunicação vital e particular com o mundo que, a cada momento, se torna presente para o sujeito, resultando num lugar próprio e familiar.

Para Merleau-Ponty, a percepção como sinônimo do “sentir mesmo” é fonte de descoberta do corpo como experiência intencional e de propagação, que se repete na relação com as coisas e com os outros. Para o Merleau-Ponty (2006), “o sentir é o tecido intencional,” e “a percepção se abre às coisas”. Para o autor, o mundo não é explícito diante de nós e se abre pouco a pouco. Desse modo, se faz necessário pensarmos nossa corporeidade a partir da lei de construção de um “corpo próprio”, ou seja, “como potência que se revela na ação, experiência que não se dá no corpo psicofísico, mas na imanência dos atos (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 126). “Como sensível com seu corpo, como sentinte (este corpo que toco, este corpo que toca). Imersão do ser-tocado no ser tocante e do ser-tocante do ser tocado”(MERLEAU-PONTY,2006, p. 234).

Pensamos que assim é também o perceber na música. A música é criação e só poderá

2 Por “potencial de ação” denomina-se a energia que resulta da permeabilidade iônica intracelular do neurônio.

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se manifestar dependendo da relação entre o corpo do instrumentista-criador e o instrumento. O ato de tocar deve ser percebido e vivenciado pelos músicos como intimamente relacionado ao corpo que se é. Ir de encontro ao corpo que se é significa considerar as expressividades do nosso corpo junto ao mundo e poder desenvolver várias potencialidades relacionadas a elas.

A escuta musical

A escuta como veículo de contato e de desenvolvimento dos sentidos corporais precisa ser levada em consideração na construção da corporeidade dos músicos. O ser humano entra no mundo pelo corpo e se experimenta por ele. “O ouvir vem antes do falar. É o ouvir que nos abre para o mundo e para os outros, e não o falar” (AMATUZZI, 2001, p. 88). Segundo Amatuzzi, o ouvir estaria realmente relacionado ao significado pleno e não apenas ao significado auditivo, implicando “o contato com o outro e não somente com seus significados” (AMATUZZI, 2001, p. 56) É preciso contato para exprimir.

Uma boa parcela dos músicos relata, em atendimentos psicológicos, que quando está em performance, possui dificuldades de interagir e estabelecer contato genuíno com outros músicos, o que muitas vezes impede a formação e manutenção de grupos. Podemos pensar que esse fato diz respeito não somente a deficiências técnicas, mas também ou talvez principalmente à dificuldade relacional, uma vez que apenas a decifração do código musical e a execução correta das notas não são elementos suficientes para estabelecerem uma interação genuína entre músicos.

Num primeiro momento, é preciso que o sujeito se deixe afetar. É escutando o outro, com suas diversas gesticulações, que o sujeito aprende a entrar em contato. Na academia, é possível observar por parte de alguns músicos uma recusa para estabelecer contatos. Também é possível observar em atendimentos clínicos, que admitir erros na performance é uma condição extremamente dolorosa e que gera vários adoecimentos. A dificuldade de falar do erro para si e para outro é tratada de forma velada ou comunicada com indiferença. Observamos que o outro que comunica tocando é encarado na maioria das vezes como rival. Essa crença faz com que os músicos se apeguem ao rigor técnico e se afastem de sua subjetividade e singularidade, criando vários distúrbios relacionados à linguagem corporal, além de impedir que o relacionamento humano genuíno aconteça.

Dessa forma, podemos dizer que existe uma prática determinista de ensino musical exercida pelos profissionais que possuem uma concepção de escuta dogmática e exclusivista. Por outro lado, é possível buscarmos o caminho fenomenológico, no

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qual a escuta é considerada a partir da interação entre sujeitos em suas corporeidades. Essa é a escuta que “corpora”.

Se o outro é verdadeiramente para si para além de seu ser para mim, e se nós somos um para o outro e não um e outro para Deus, é preciso que apareçamos um ao outro. É preciso que ele tenha e que eu tenha um exterior e que exista, além da perspectiva do para si. Não existe dificuldade para se compreender como eu posso pensar o outro porque o Eu e, por conseguinte, o Outro não estão presos no tecido dos fenômenos e mais valem do que existem. O corpo é a sentinela que se posta silenciosamente sob minhas palavras sob meus atos, pois é preciso que com meu corpo eu desperte os corpos associados aos outros (MERLEAU-PONTY, 2002, p. 35).

Segundo Merleau-Ponty (2006), ainda que queiramos separar as coisas de sua maneira de aparecer, não iremos conseguir, pois só sentimos que existimos verdadeiramente depois de já ter entrado em contato com os outros, e a qualidade de nossa reflexão é sempre um retorno a nós mesmos e, aliás, deve muito ao nosso contato com o outro.

Na perspectiva da psicologia fenomenológica, o músico pode viver e significar suas experiências de forma pessoal, visando à realidade através de uma perspectiva em que singularidade e pluralidade encontrem espaço na relação eu-mundo. Dessa forma, os sentidos musicais do sujeito não devem ser cópias de modelos preestabelecidos, e sim abertura para falas que aos poucos adquirem sentidos. Assim como seus corpos não devem se comportar como “corpos máquinas”3 que apenas executam o instrumento, sem reflexão, decodificando e reproduzindo partituras, seguindo normas, e sim como “corpos vivos” que se percebem a si mesmos e percebendo-se, despertam outros corpos e com eles se comunicam.

O papel da escuta é deixar manifestar. O que se ouve não é só a presença de um significado. O que é preciso demarcar, quando nos referimos à escuta entre músicos, é deixar de pensar apenas numa situação particular de linguagem para podermos pensar num sentido mais amplo, em uma escuta que implica diretamente o sujeito com toda a sua bagagem existencial, para que na construção de sua corporeidade, reconheça no corpo uma unidade distinta de um objeto.

Há um pressuposto de que a escuta musical é nata e não há como ser adquirida, transmitida ou passada, no máximo aperfeiçoada. Essa crença faz com que uma

3 Expressão de Monteiro: “O corpo máquina não possui autonomia, porque está distante de seu cerne, está além da percepção de si mesmo” (MONTEIRO, 2004, p. 55).

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grande maioria dos músicos confunda a construção da experiência musical de expressividade e sensibilidade com um sistema de crenças e dogmas determinado, tornando o “dom” musical como um conceito quase religioso, ao qual o músico procura adaptar sua conduta corporal. Dessa forma, muitos adoecem por negarem sua corporeidade. Confundem experiências transcendentes que são próprias da natureza da criação artística com experiências dogmáticas e não conseguem encontrar uma direção no trabalho do aprendizado da escuta musical. Por isso, muitas vezes se tornam impedidos de saírem de si quando em performance musical para interagirem com outro colega de trabalho ou ouvinte.

Considerações finais

A importância de possuir um corpo saudável capaz de sustentar a escuta musical ressalta a importância do músico perceber o corpo como algo próprio e alheio a si mesmo. Corpo como algo que transcende os aspectos biológicos, que simplesmente expressa música, produzindo ritmos.

Denominamos ritmo como a relação indissociável entre tempo movimento e expressão, como uma expressão primitiva do tempo que nós exercemos com o corpo, antes mesmo de representá-la com o pensamento, de tal modo que desaparece o músico e aparece a expressão (HELEER, 2006, p. 129).

O que configura o corpo do músico em sua dimensão existencial, no seu aqui e agora, é o caráter de suas experiências vividas e sentidas.

O sentido da corporeidade no desenvolvimento da formação do músico contribui para que o “ser da obra”, o sujeito artista, se reconheça na condição de criador, além de suas possibilidades técnicas enquanto sujeito. O músico que percebe o paradoxo entre a experiência da corporeidade e o limite da própria criação técnica percebe em sua formação uma separação entre o pensar, o agir e o sentir. A separação ocorre quando o músico se utiliza da experiência de tocar de maneira apenas técnica e didática, apartada de sua existência. Em contrapartida, a consciência desse paradoxo proporciona ao músico a possibilidade de, num movimento contrário, fundir essas instâncias.

A perspectiva fenomenológica não pede controle nem interpretação tecnicamente rígidos, mas amplia o espaço do perceber, do fazer, do encontro, que é o lugar da presença, lugar aberto à singularidade do sujeito e também ao mistério da existência humana.

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GALLO, S. Caminhos da filosofia. Campinas: Papirus, 1997.

GUERRA, E. V. Notas da disciplina. Psicoterapia breve. Belo Horizonte: FEAD, 2007

HEIDEGGER, M. O ser e o tempo. Petrópolis: Vozes,1997.

HELLER, A. A. Fenomenologia da expressão musical. São Paulo: Letras Contemporâneas, 2006.

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MULLER, M. J. Merleau-Ponty acerca da expressão. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.

SAFRA, G. A face estética do self: teoria e clínica. São Paulo: Unimarco, 2004.

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For a listening that can be corporeity

Abstract: This article proposes to think of corporeity and musical listening on the performance of the musician, from a phenomenological perspective, trying to understand how this professional appropriates their musical experiences and gives meaning to them. Listening is considered here as interaction, as a vehicle of contact with the other, developed from the perspective of musician’s corporeity. According to this perspective, the experience of musical performance is grounded on relationships and perceptions of the self rather than exclusively on technical requirements.

Keywords: Performance; musical listening; corporeity; phenomenology.

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AVALIAÇÃO FISIOTERÁPICA DE ALUNOS DEVIOLINO DURANTE PERFORMANCE MUSICAL -

ANÁLISE DOS DIAGNÓSTICOS CINESIOLÓGICOSE BIOMECÂNICOS MAIS ENCONTRADOS

Carolina Valverde Alves Mestre em Música pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); professora dos cursos de bacharelado e licenciatura da Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG); membro do Núcleo de Atenção Integral à Saúde do Músico (EXERSER) e fisioterapeuta formada pela Faculdade de Ciências

Médicas de Minas Gerais (FCMMG) - CREFITO4-12.480-F.

[email protected]

ResumoEste artigo trata de uma análise cinesiológica e biomecânica de seis padrões corporais encontrados em seis alunos bacharelandos de violino em cinco situações diferentes de performance. Cada um dos padrões corporais foi analisado também em relação às possíveis consequências na saúde física dos alunos.

Palavras-chave: Saúde do músico; estudantes de violino; biomecânica; cinesiologia; performance musical.

Introdução

O tema do presente artigo trata-se de um recorte da dissertação concluída pela pesquisadora em 2008, na Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), denominada Padrões físicos inadequados na performance musical de estudantes de violino. Foram realizadas avaliações fisioterápicas durante as diversas situações de performance musical de seis alunos bacharelandos de violino. São elas: aula individual, aula coletiva, performance pública, estudo individual e avaliação no

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consultório de fisioterapia. A partir dos dados colhidos pela pesquisadora através de fotografias, filmes e anotações, chegou-se ao número de 12 padrões corporais mais recorrentes e dignos de análise. Como padrões corporais, entende-se a forma como se utiliza as partes do corpo em relação à postura e ao movimento. São eles: protusão de cabeça, hiperextensão de joelhos, projeção posterior de tronco, respiração superficial e curta, protusão abdominal, elevação de ombro à direita, projeção anterior de pelve, tensão de mão esquerda, rotação externa de quadril bilateral, flexão lateral de tronco à esquerda, tensão de esternocleidomastóideo e musculatura lateral do pescoço à direita e tensão de esternocleidomastóideo à direita.

O motivo da escolha desse tema trata-se da preocupação em relação à falta de consciência e de informação por parte dos músicos no que concerne aos padrões posturais e gestuais que utilizam durante a performance musical (ZAZA, 1998; MOURA et al., 2000; LLOBET et al., 2000). A partir da experiência da pesquisadora como fisioterapeuta de músicos há aproximadamente vinte anos e professora dentro de uma universidade de música há quase dois anos, observou-se que a maioria dos alunos e professores não conseguem perceber e acompanhar a origem e o processo de adoecimento físico decorrente de suas práticas musicais profissionais e acadêmicas. Isso faz com que tomem contato com seus problemas físicos somente quando eles passam a atrapalhar suas funções musicais concretamente.

Os padrões físicos mais encontrados durante performance

Foram encontrados 12 padrões corporais mais recorrentes, dos quais foram escolhidos seis para a discussão neste artigo. O critério da escolha foi a congruência com a demanda no consultório da pesquisadora. Ou seja, foram escolhidos os padrões que aparecem com mais frequência nos pacientes violinistas que procuram tratamento fisioterápico no Núcleo de Atenção Integral à Saúde do Músico (EXERSER), grupo do qual a pesquisadora faz parte. Outro motivo da redução foi para que o número de páginas estivesse de acordo com as normas desta revista. Os seguintes padrões foram escolhidos para análise e discussão:

1 Protusão de cabeça

Ocorre quando a cabeça passa à frente da linha média1 visto pela lateral. O posicionamento adequado da cabeça na postura anatômica é mostrado na FIG. 1 e durante performance de violino pode ser vista na FIG. 2. Exemplo de protusão da cabeça durante performance musical pode ser vista na FIG 3.

1 Linha imaginária de referência na avaliação postural. Ver FIG. 1.

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FIGURA 1- Posição Anatômica da colunaFonte: KAPANJI (2008)

FIGURA 2 - Posição adequada

FIGURA 3 - Protusão de cabeça

Somente no primeiro padrão descrito é que será colocada a referência positiva de posicionamento durante performance com o fim de ressaltar que os padrões inadequados não são necessariamente indispensáveis à performance do violino, mas acontecem por vários fatores como falta de consciência corporal, sustentação prolongada do instrumento, entre outras.

De acordo com Bienfait (1995), o equilíbrio da cabeça é a parte mais essencial do equilíbrio estático, ou seja, referente aos músculos e estruturas que sustentam o corpo contra a gravidade. Além do mau posicionamento da cabeça, que faz com que toda a

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musculatura e fáscia2 posterior fiquem contraídas com o objetivo de realinhamento da cabeça, sabe-se que da verticalidade e do bom posicionamento da cabeça dependem funções vitais. Entre elas: a fonação e a respiração através da adequada abertura das vias respiratórias superiores, a circulação craniana, o equilíbrio ocular, o bom funcionamento das sístoles e diástoles dos hemisférios cerebrais, a percepção auditiva, os movimentos mandibulares, entre outros. A protusão de cabeça coloca os músculos do pescoço em posicionamento de estiramento e tensão. Assim, o músculo perde seu comprimento fisiológico, sofrendo baixa de nutrição sanguínea e nervosa, causando dor.

2 Projeção posterior de tronco

A projeção posterior de tronco ocorre quando o tronco está para trás da linha média, visto pela lateral. Para comparação com o fisiológico, ou seja, com o saudável, ver FIG 1 e 4. Para melhor compreensão desse padrão corporal, ver FIG. 5.

2 Tecido que liga as estruturas corporais, cobre os órgãos internos, sustenta as partes do corpo.

FIGURA 4 - Projeção posterior de tronco

FIGURA 5 - Projeção posterior de tronco

Olhando o corpo pela lateral, observa-se uma dificuldade em manter a coluna torácica alinhada, o que provoca uma sobrecarga na coluna lombar. A coluna torácica acaba pesando sobre a coluna lombar, levando a um aumento do tônus do músculo paravertebral, que fica do lado da coluna e que sustenta o tronco na posição ereta.

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O fato é que o alinhamento da postura constitui a base para os padrões motores. Portanto, os movimentos ideais tornam-se difíceis diante de um alinhamento defeituoso (SARHMANN, 2005).

Os músculos que sustentam o tronco ficam sobrecarregados quando ocorre a projeção posterior. Eles necessitam desenvolver uma tensão muito além daquela necessária para a função estática e, por isso, entram em fadiga, provocando dor nas costas. Além disso, leva a uma compensação dos outros níveis da coluna vertebral, levando tanto a cabeça quanto a pelve para frente.

3 Respiração superficial e curta

Através das observações, nota-se irregularidade no padrão respiratório desses alunos. Na maioria do tempo, a respiração se encontrava superficial e curta ou presa, para logo em seguida acontecerem suspiros como que compensando a falta dos movimentos respiratórios anteriores mais plenos. Alguns dos alunos que participaram da pesquisa relataram que chegam a sentir falta de ar durante a performance e que ao invés de deixarem a respiração acompanhar a execução, muitas vezes “travam” e por alguns instantes param de respirar. Outros observaram que é como se toda a sua atenção fosse para os gestos musicais e a respiração ficasse para segundo plano.

Sabe-se da total integração da respiração com os componentes tanto do sistema estático (responsáveis pela manutenção do corpo contra a gravidade) quanto do dinâmico (referente aos movimentos) devido a fatos como, por exemplo, a relação direta do diafragma com a coluna vertebral lombar. Além disso, músculos essenciais para performance, como o esternocleidomastóideo ou os escalenos (FIG. 6), são também músculos da respiração.

FIGURA 6 - Músculos escalenos

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Para a sustentação do corpo contra a gravidade são acionados os músculos da estática e quando estes são retraídos pela postura corporal inadequada ou por excesso de tensão ou de tempo em sustentação, eles podem provocar uma defasagem na inspiração como descrito por Souchard (1989, p. 88). O mesmo autor afirma que se músculos como os espinhais (FIG. 7), escalenos (FIG. 6), intercostais (FIG. 8), trapézios (superior e médio), peitoral menor e peitoral maior (FIG. 9) forem sobrecarregados, como pode acontecer durante a performance do violino, uma consequente perda de comprimento, por encurtamento, de tais músculos pode até modificar a posição da nuca, dos ombros e tronco, por exemplo. Por outro lado, “um mau posicionamento cervical, da cintura escapular3 e coluna vertebral favorece um enrijecimento desses músculos e levará a uma defasagem inspiratória” (SOUCHARD, 1989, p. 88).

3 Corresponde a região das escápulas e clavículas.4 Disponível em: <http://www.eorthopod.com/images/ContentImages/spine/spine_thoracic/anatomy/thoracic_spine_anatomy11.jpg>. Acesso em: fev. 2008

FIGURA 7 - Músculos espinhaisFonte: Orthopod4, 2008.

FIGURA 8 - Músculos intercostaisFonte: MARQUES, 2000, p. 18.

FIGURA 9 - Músculo peitoral maior e músculo peitoral menorFonte: MARQUES, 2000, p. 92 e 16.

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Souchard (1989) acredita que no caso do uso insuficiente do diafragma, pode ocorrer uma perda da elasticidade e consequentemente gerar uma hiperlordose diafragmática (aumento da curva lordótica na região da coluna onde se insere o diafragma posteriormente) e nuca curta com a cabeça para frente. Nessas duas regiões de hiperlordose (curva para frente), tanto na região lombar quanto cervical, os músculos espinhais, por sua vez, se encurtarão. Uma hipertonia dos esternocleidomastóideos, que ocorre como consequência da rotação de cabeça para a lateral esquerda e dos escalenos pela tensão do pescoço durante a performance e que ocorre em alguns dos alunos participantes desta pesquisa, pode levar a um encurtamento desses músculos que tem com consequência a elevação das duas primeiras costelas, da clavícula e do manúbrio do esterno5. Nesse caso, o bloqueio inspiratório da região superior do tórax parecerá evidente.

Não ocorrendo os movimentos respiratórios em toda sua extensão, há uma sensação de não plenitude de ar. Isso gera o mal-estar respiratório como se a pessoa estivesse com “falta de ar”, o que foi uma das queixas de alguns alunos.

4 Elevação de ombros

Devido à manutenção da elevação dos ombros, pode ocorrer encurtamento por sobrecarga de sustentação de um dos músculos responsáveis pela elevação do ombro, o trapézio (parte superior, ver FIG. 12). Além disso, ocorre a substituição de fibras musculares por tecido cicatricial fibroso denso (SALTER, 1985), tornando o músculo menos elástico e, por sua vez, comprometendo o funcionamento dos grupos musculares e das fáscias a ele ligadas.

Como o trapézio está inserido no ligamento da nuca, além de retirar o ombro da posição adequada, pode provocar rotação das vértebras cervicais, caso haja alguma instabilidade ou desequilíbrio nessa região. Isso ocorre com o violinista pela elevação de um único ombro, o direito ou o esquerdo (SAHRMANN, 2005). Todo esse processo, através do excesso de compensação, pode levar às queixas de dor nos trapézios apresentadas pelos alunos avaliados.

Conforme Costa e Abrahão (2004), a sustentação do instrumento e do arco é constante durante o tocar, exigindo a elevação de ambos os braços e sua manutenção em posturas que não são compensadas suficientemente durante as breves interrupções ocorridas nas etapas de ensaio, gravações, estudo e mesmo nas apresentações públicas.

A elevação do ombro direito ocorre muitas vezes pela falta de estabilidade da cintura

5 Osso do peito.

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FIGURA 10 - Elevação do ombro direito

Em relação à dor no trapézio esquerdo, o que ocorre é que, sendo esse músculo um dos utilizados na sustentação do violino, por causa da espaleira, acaba ocorrendo elevação constante do ombro esquerdo (FIG. 11) para manter o instrumento seguro. Consequentemente há sobrecarga nesse e em outros músculos da mesma região (LIMA, 2007).

FIGURA 11 - Elevação do ombro esquerdoAlgumas fibras superiores do músculo trapézio (FIG. 12) são responsáveis pela elevação do ombro (da escápula) juntamente com outros músculos. Se o ombro fica alto durante um tempo significativo, os trapézios ficam contraídos durante o mesmo período de tempo, causando fadiga e dor. É o mesmo resultado que ocorreria se elevássemos o nosso braço e nos mantivéssemos nessa posição por um tempo.

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escapular por uma inadequação no ritmo escapuloumeral6. Por exemplo, ao invés dos alunos de violino utilizarem os músculos que realizam os movimentos da articulação glenoumeral (ombro), eles sobrecarregam os músculos responsáveis pela articulação escapulotorácica, como está demonstrado na FIG. 10.

6 Relação de movimento entre as articulações do ombro e da escápula com a grade torácica.

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FIGURA 12 - Músculo trapézio (fibras superiores)Fonte: MARQUES, 2000, p. 66.

5 Flexão lateral de tronco à esquerda

Ocorre quando o tronco do lado esquerdo fica mais curto que do lado direito (FIG. 13). Tanto os músculos das costas do lado da contração, que fazem com que o tronco dobre para a esquerda, quanto os do lado direito, que ficam em posição de estiramento com tensão de sustentação, sofrem consequências por causa desse padrão. Além da fadiga muscular que leva a dor, a coluna tóracolombar sai do seu eixo vertical, o que provoca alterações das estruturas das articulações vertebrais.

Provavelmente esse posicionamento inadequado do tronco se deve à dificuldade de sustentação do instrumento, que faz com que o violinista busque um apoio na lateral do tronco devido à fadiga do braço esquerdo, principalmente.

FIGURA 13 - Flexão lateral do troncoà esquerda na performance

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6 Tensão de esternocleidomastóideo e musculatura lateral do pescoço à direita

O fato da queixeira e da espaleira servirem de locais onde o queixo e o ombro permanecem sustentando o violino faz com que a cabeça se mantenha durante a maior parte do tempo em rotação lateral para esse lado e ainda em flexão anterior. Esse padrão de tensão da região lateral direita do pescoço (FIG. 14) ocorre devido a dois fatores principalmente: o primeiro é que o esternocleidomatóideo à direita faz a rotação da cabeça para a esquerda e a flexão anterior da cabeça para segurar o violino, ficando assim em contração constante; o segundo é que muitas vezes o violinista entra em tensão global exagerada que chamamos de co-contração, além de utilizar respiração acessória (que utiliza músculos além da ação do diafragma) efetuada também pelos músculos do pescoço (FIG. 15).

FIGURA 14 - Tensão da região lateral direita do pescoço na performance

esternocleidomastóideo

FIGURA 15 - Musculatura lateral do pescoçoe esternocleidomastóideoFonte: SOBOTTA, 1990.

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Conforme Butler “O paciente que gira e bloqueia seu pescoço pode apresentar um espasmo reflexo da musculatura do pescoço associada. Quanto mais tempo o pescoço permanecer bloqueado, maior a probabilidade de que ocorram alterações nos músculos associados [...]” (BUTLER, 2003, p. 13).

Além disso, observa-se a presença do que se chama de Lei de Ação de Reação, com base em questões relacionadas à propriocepção, que é a capacidade em reconhecer a localização espacial do corpo, sua posição e orientação, a força exercida pelos músculos e a posição de cada parte do corpo em relação às demais sem utilizar a visão7. A pressão da queixeira na mandíbula (provocada pela elevação do ombro esquerdo) faz com que haja uma pressão contrária no mesmo sentido e com a mesma força através da flexão da cabeça. Da mesma forma, a pressão da espaleira no ombro (provocada pela flexão da cabeça) faz com que ocorram contrações musculares do ombro em direção a espaleira, em elevação. Todo esse processo gera altos níveis de tensão muscular nas regiões envolvidas.

Essa tensão dos músculos laterais do pescoço, além de problemas localizados, pode levar à diminuição de nutrição sanguínea e nervosa nos membro superiore (MMSS), já que os nervos e vasos passam por entre essas estruturas (FIG. 16). A tensão dos grupos musculares bloqueia o aporte nutricional nervoso e sanguíneo, podendo provocar lesões físicas distais nos braços, punhos, mãos e dedos. Dawson afirma que “Os nervos podem ser pinçados em qualquer nível desde o pescoço ao punho [...]” (DAWSON, 1998, p. 2).

FIGURA 16 - Relação neural entre pescoço e MMSSFonte: MAGEE, 2002, p. 109.

7 PROPRIOCEPÇÃO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2011. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Propriocep%C3%A7%C3%A3o&oldid=26983923>. Acesso em: fev. 2008.

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A rotação lateral de cabeça à esquerda faz com que os músculos do pescoço e da escápula esquerda fiquem tensos e contraídos. Conforme Sarhmann (2005), pesquisas sobre os efeitos das forças prolongadas revelam que uma determinada postura não deve ser mantida por mais de uma hora. Pensamos então nos estudos e apresentações longas e desgastantes e suas consequências corporais principalmente no que diz respeito a um instrumento tão assimétrico como o violino (COSTA; ABRAHÃO, 2004).

Além disso, Busquet (2001) explica que as articulações possuem uma amplitude de movimento que depende do equilíbrio de tensões que se aplicam a elas. Se um dos vetores varia, como no caso da tensão dos músculos devido à manutenção da posição de cabeça, modifica-se a situação das articulações do pescoço, podendo provocar diminuição na liberdade de movimentos e consequentemente dor. Exemplo de rotação lateral da cabeça à esquerda na FIG. 17

FIGURA 17 - Rotação lateral da cabeça à esquerda

Observa-se que os alunos de violino se mantêm com o esternocleidomastóideo (ECM) à direita em contração permanente, com tensão muscular aumentada no intuito de sustentarem o violino (FIG. 18). Conforme Busquet, “[...] eles não foram feitos para uma ação constante, pois despenderiam muito mais energia e ficariam contraturados (muito encurtados), não respeitando a lei da economia nem a lei do conforto ” (BUSQUET, 2001, p. 51). Essa contratura do ECM leva aos episódios de torcicolo, uma das queixas relacionadas pela maioria dos alunos avaliados.

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FIGURA 18 - Sustentação doviolino com a cabeçaFonte: SZENDE; NEMESSURI,1971, p. 43.

Considerações finais

A partir dos padrões corporais observados, pode-se constatar que dependendo da forma como os estudantes de violino, assim também como os profissionais, utilizam seus corpos durante a performance; e dependendo do nível de consciência corporal que conseguem desenvolver, esses instrumentistas correm um real risco de adoecerem fisicamente. Já encontra-se na literatura muitos exemplos e evidências dessa realidade (BRODSKY; HUI, 2004; ZAZA, 1998; VISENTING; SHAN, 2003; BRANDFONBRENER; BURKHOLDER 2004; LAGE et al., 2002; RICHERME, 1996; SANTIAGO, 2000; 2004; 2005; 2006; FONSECA, 2005; PEDERIVA, 2005; 2006; LIMA, 2007; ANDRADE; FONSECA, 2000).

Sendo assim, algumas atitudes se fazem não só necessárias como urgentes, tais como: promoção da saúde dos músicos através de informação e conscientização o mais cedo possível, desde que começam seus estudos ou pelo menos nas universidades de música, onde o esforço físico e a sobrecarga psicológica tendem a aumentar vertiginosamente (ZANDER et al., 2010). Além disso, fomentar as pesquisas na área da saúde do músico, favorecer o reconhecimento dessa realidade por parte dos profissionais da área da saúde, facilitar o atendimento de saúde aos músicos entre muitas outras.

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Espera-se que este artigo desperte a atenção dos músicos e principalmente dos violinistas para que percebam o seu corpo, movimento e posturas utilizados durante as atividades musicais estudantis e profissionais, possibilitando um menor grau de adoecimento e um maior grau de consciência.

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Physiotherapy assessment of violin students duringmusical performance - analysis of the most frequent

biomechanical and kinesiological diagnoses

Abstract: This article presents a kinesiologic and biomechanics analysis of body patterns found in six Bachelor’s degree violin students in five different performance situations. Each of the physical standards were also analyzed in relation to the possible consequences to the physical health standards were also analyzed in relation to the possible consequences to the physical health of the students.

Keywords: Musician’s health; violin students; biomechanics; kinesiology; musical performance.

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Maio de 2011

16. Os quadros deverão ser acompanhados de cabeçalho que permita compreender o significado dos dados reunidos, sem necessidade de referência ao texto. Assinalar, no texto, pelo número de ordem, os locais onde os quadros devem ser inseridos.

17. As citações literais curtas deverão ser inseridas no texto, entre aspas, seguidas de parênteses com sobrenome do autor em caixa alta, ano da publicação e número da página em que foram retiradas (Cf. NBR 10520/2002 da ABNT). Exemplo: (MARTIN, 1988, p. 321-322). As citações com mais de três linhas deverão ser digitadas sem aspas, com um recuo de 4 cm da margem direita e corpo 11. Entre parênteses, informar o sobrenome do autor em caixa alta, o ano da publicação e o número da página de onde foram retiradas.

18. A lista com as referências bibliográficas completas, por ordem alfabética de sobrenome do autor, com apenas a inicial do nome, deve vir ao final do texto, obedecendo à NBR 6023/2002 da ABNT.

19. As colaborações devem ser enviadas para o endereço da revista MODUS.

Endereçamento editorial:

REVISTA MODUS - Escola de Música da UEMGR. Riachuelo, 1.351 - Padre Eustáquio

CEP: 30720-060 - Belo Horizonte - MG.

[email protected]

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ModUS

Nome do avaliador:

Tipo de artigo: Título do trabalho:

1 - O trabalho se encontra em acordo com as normas de publicação da revista?( ) Sim ( ) Não

2 - O conteúdo é adequado à revista?( ) Sim ( ) Não

3 - O título expressa o conteúdo do trabalho?( ) Sim ( ) Não

4 - O resumo apresenta os aspectos fundamentais do trabalho?( ) Sim ( ) Não

5 - O título e o resumo foram traduzidos para o inglês de modo satisfatório?( ) Sim ( ) Não

6 - As palavras-chave são adequadas?( ) Sim ( ) Não

7 - A linguagem empregada é clara e apropriada?( ) Sim ( ) Não

8 - O texto está bem organizado?( ) Sim ( ) Não

9 - Os argumentos e as conclusões estão bem justificados?( ) Sim ( ) Não ( ) Não se aplica

10 - Há coerência entre o objetivo proposto e as conclusões?( ) Sim ( ) Não ( ) Não se aplica

11 - O autor utiliza as referências necessárias e adequadas?( ) Sim ( ) Não

12 - O texto apresenta erros grosseiros de gramática ou ortografia?( ) Sim ( ) Não

Formulário de Avaliação

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Maio de 2011

13 - As figuras ou tabelas estão claras e com legendas apropriadas?( ) Sim ( ) Não ( ) Não se aplica

14 - A extensão do texto é compatível com seu conteúdo científico?( ) Sim ( ) Não

15 - Qualidade da apresentação:( ) Excelente ( ) Boa ( ) Regular ( ) Insuficiente

16 - Qualidade geral do trabalho:( ) Excelente ( ) Boa ( ) Regular ( ) Insuficiente

17 - Recomendação:

18 - Observações/comentários:

Publicar sem alteraçõesPublicar após pequenas alteraçõesReescrever e submeter novamente para avaliaçãoRecusar

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ModUS

Esta revista foi composta em Belo Horizonte para aEditora da Universidade do Estado de Minas Gerais - EdUEMG

e impressa em off-set, em papel reciclado, na tipologia Adobe Garamond,corpo 9, entrelinha 9,6, capa em papel triplex 250g, em maio de 2011.