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8/17/2019 Revista Desafios 80 Web
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Exemplar do Assinante
www.desafios.ipea.gov.br2014 • Ano 11 • nº 80
As razões da retomadada indústria navalSetor cresceu 19,5% ao ano de 2000 a 2012,com investimentos de R$ 149,5 bilhões
Entrevista:Hans Rosling Mago dos Números fala da capacidadehumana de lutar por uma vida melhor
O que buscam oscérebros migrantesProfissionais qualificados cruzam o paísatrás de oportunidades e qualidade de vida
Quem somos,aonde vamosAos 50 anos, Ipea lança Plano Estratégico que refletea história e projeta a visão de futuro da instituição
Missão:
Aprimorar as políticas públicas
essenciais ao desenvolvimento
brasileiro por meio da produção e
disseminação de conhecimentos
e da assessoria ao Estado nas suas
decisões estratégicas
Valores:
y Diversidade de visões
y Isenção e imparcialidade
y Excelência técnica
y Criatividade e inovação
y Valorização das pessoas
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O Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013 é uma plataforma online de consulta ao
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDHM - de 5.565 municípios brasileiros, além de
mais de 180 indicadores de população, educação, habitação, saúde, trabalho, renda e
vulnerabilidade, com dados extraídos dos Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010.
Atlas do DesenvolvimentoHumano no BrasilAcesse: atlasbrasil.ipea.gov.br
Empoderando vidas.
Fortalecendo nações.
Realização:
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Governo FederalSecretaria de Assuntos Estratégicosda Presidência da República
MINISTRO Marce l o Cô r t e s Ne r i
PRESIDENTE S e rge i S ua re z D i l l o n S o a re s
DIRETOR-GERAL João Cláudio GarciaCONSELHO EDITORIAL Aguinaldo Nogueira Maciente, André Gustavo de Miranda
Pineli Alves, Danilo Santa Cruz Coelho, Estêvão Kopschitz Xavier Bastos,Fabio Ferreira Batista, Fabio Monteiro Vaz, Felix Garci a Lopez Jr,Herton Ellery Araújo, João Cláudio Garcia, Leonardo Monteiro Monasterio,Lucas Ferreira Mation, Marcio Bruno Ribeiro, Marcos Hecksher,Maria da Piedade Morais, Marina Nery, Pedro Herculano G. Ferreira de Souza,Veruska da Silva Costa, Vitória Gehre
REDAÇÃODIRETOR-EXECUTIVO Francisco Alves de AmorimEDITOR-CHEFE Hugo StudartREPÓRTERES Adriana Nicacio, Ayana Trad, Leticia Oliveira, Marcelo Sigwalt,Myrian Luiz Alves, Pedro Parisi, Rubens Santos, Vanessa Esteves,Washington SidneyFOTOGRAFIA Marco Antônio Sá, João Viana, Agência BrasilEDITOR DE ARTE/FINALIZAÇÃO Elton Mark ILUSTRAÇÕES E CAPA Heraldo LimmaREVISÃO Washington Sidney
COLABORAÇÃODaniela Metello, Daniellendo Vale, Ernesto Pereira Galindo, Marc os Hecksher,Marcus Vinícius Carvalho Garcia, Marina Nery, Nedi Zanella Corbellini, NiloLuiz Saccaro Junior, Norma Valencio, Regina Helena Rosa Sambuichi, RobertoEllery Jr., Shipra Maitra
CARTAS PARA A REDAÇÃOSBS Quadra 01, Bloco J, Edifíc io BNDES, sala 1517CEP 70076-900 – Brasília, [email protected]
IMPRESSÃO Portal Print
AS OPINIÕES EMITIDAS NESTA PUBLICAÇÃO SÃO DE EXCLUSIVA E
DE INTEIRA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES, NÃO EXPRIMINDO,
NECESSARIAMENTE, O PONTO DE VISTA DO INSTITUTO DE PESQUISA
ECONÔMICA APLICADA (Ipea), OU DA SECRETARIA DE ASSUNTOS
ESTRATÉGICOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
É PERMITIDA A REPRODUÇÃO DA REVISTA,
DESDE QUE CITADA A FONTE
DESAFIOS DO DESENVOLVIMENTO (ISSN 1806-9363) É UMA PUBLICAÇÃO
DO IPEA PRODUZIDA PELO INSTITUTO BRASILEIRO DE ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA – IBAP, EM COLABORAÇÃO COM TÉCNICOS DO IPEA
http://www.Ipea.gov.br/ouvidoria
www.desafios.ipea.gov.br
SEDE: SCLN 104 – Bloco D – Sala 104 – Cep: 70.733-540 – Brasília-DFTelefax.: (61) 3201 6018 – 9972-6018
Carta ao leitorO ministro João Paulo dos Reis Velloso, um dos fundadores do Ipea,
costuma lembrar com orgulho dos primeiros dias de funcionamento do
Instituto, no Rio de Janeiro, ainda sob o nome de Escritório de PolíticaEconômica Aplicada (Epea). O desafio era montar uma estrutura capazde fazer pesquisa voltada para políticas públicas, ajudando o governoa planejar o Brasil no médio e longo prazos. Cinquenta anos depois, oInstituto renovou seu próprio planejamento para aprofundar o processode melhoria da qualidade dos trabalhos. O caminho a ser traçado foiestabelecido no Plano Estratégico 2014-2023.
Reconhecido pela pluralidade de abordagens e variedade de temasestudados, o Ipea assume, de vez, a tarefa de assessoramento do Estadono processo de desenvolvimento brasileiro. Nesta edição de Desafios doDesenvolvimento , o leitor vai conhecer como o Instituto já começou a
se transformar e os oito objetivos de longo prazo que pretende atingir.Outra reportagem aborda o fluxo migratório de profissionais qualifi-
cados, fenômeno que tem ajudado a desconcentrar a população do Brasil.Mais que isso: ao se deslocarem para outras regiões e estados em buscade novas oportunidades e qualidade de vida, essas pessoas contribuempara fazer o país crescer com menos desigualdades regionais. O leitortambém ficará a par do novo ciclo de crescimento da indústria navale das razões que levaram esse importante setor de nossa economia ase destacar com uma produção impressionante.
Em uma entrevista imperdível, o médico sueco Hans Rosling,
conhecido como o Mago dos Números, elucidará importantes ques-tões que envolvem as mudanças globais em curso e surpreenderá osleitores com seus conhecimentos sobre indicadores sociais como afome, pobreza extrema e mortalidade infantil e com uma nova formade ver e compreender o mundo.
Vale a pena conferir ainda, nesta edição, a reportagem sobre o novomodelo de cálculo feito por técnicos do Ipea para ajudar o TesouroNacional a medir a carga tributária a partir de informações sobrereceitas e despesas públicas nas três esferas de governo – federal, esta-dual e municipal. Em outra matéria, o leitor vai constatar o salto socialque o país deu ao erradicar estatisticamente a fome e atingir as metas
de saneamento e mortalidade na infância da ONU, credenciando-sea antecipar as metas que o mundo deverá adotar para 2030 entre osnovos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Por fim, esta edição de Desafios do Desenvolvimento faz uma viagem no tempo para recontar a história dos primeiros anos do Ipea,este cinquentenário instituto que, embora criado em uma época derestrições à liberdade, notabilizou-se pela independência de visões,pensamentos e opiniões na complexa tarefa de ajudar o Estado e asociedade a construírem este país tão heterogêneo.
Boa leitura!
João Cláudio Garcia,
diretor-geral da revista Desafios do Desenvolvimento
IBAPT T T T
INSTITUTO BRASILEIRO DEADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
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V a l o r e s : D i v e r s i d a d e d e v i s õ e s I s e n ç ã o e i m p a r c i a l i d a d e E x c e l ê n c i a t é c n i c a C r i a t i v i d a d e e i n o v a ç ã o
V a l o r i z a ç ã o d a s p e s s o a s
M i s s ã o
: A p r i m
o r a r a s
p o l í t i c a
s p ú b l i c
a s e s s e n
c i a i s
a o d e s e
n v o l v i m
e n t o
b r a s i l e
i r o p o r m
e i o d a
p r o d u ç
ã o e d i s
s e m i n a
ç ã o
d e c o n h e c i m e
n t o s e d
a
a s s e s s o
r i a a o E s t a d o
n a s s u a
s d e c i s õ
e s
e s t r a t é
g i c a s
50
10 | Entrevista | Hans Rosling
20 | Mercado de Trabalho | O vaivém dos cérebros migrantes
30 | Desenvolvimento | Retomada da indústria naval
34 | Defesa | Antes que um aventureiro lance mão
40 | Grandes Eventos | Nas águas turvas da Guanabara44 | Política fiscal | Nova medida para a carga tributária
50 | Gestão | Informe o destino
58 | História | Cinco décadas de história
64 | Objetivos do Milênio | Um balanço social do milênio
72 | Perfil | Nossa mente brilhante
80 | Melhores Práticas | Quimioterapia com afeto e educação
84 | Meio Ambiente | Revolução Verde com práticas ecológicas
88 | Retratos | A diversidade linguística como patrimônio cultural
Sumário
34
10
30
ArtigosSeções6 GIRO Ipea
8 GIRO
94 Ciência & Inovação
96 Estante
98 Humanizando odesenvolvimento
19 Controvérsias sobre o papel do EstadoDaniellen do Vale
29 Plano Real: o fim de mais uma grande inflaçãoRoberto Ellery Jr.
39 Desastres relacionados à água e mudança de paradigmaNorma Valencio
49 O papel da logística reversa noaproveitamento dos resíduos sólidosNedi Zanella Corbellini
71 A inclusão socioeconômica de catadoresde materiais recicláveisDaniela Metello
78 As instituições de microfinanças sãorelevantes para a redução da pobreza?Shipra Maitra
79 Compra de produtos agroecológicos pelo PAA
Ernesto Pereira Galindo83 Desenvolvimento sustentável e PSA no Acre
Nilo Luiz Saccaro Junior
93 O desafio da sustentabilidade na produção agropecuáriaRegina Helena Rosa Sambuichi
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FINANÇAS
Movimentos do dólar
O mercado futuro de dólar serve
como um seguro contra variações nataxa de câmbio à vista, aquela noticiadadiariamente na TV. Contudo, no Brasil,o câmbio futuro movimenta nove vezes mais que o mercado à vista. Em2007, a proporção era de cinco paraum, mas o mercado futuro manteveo mesmo volume de US$ 4,2 trilhõesaté 2012, enquanto o à vista encolheu40%. As cotações nos dois mercadosse influenciam mutuamente, subindo
e descendo juntas, dia após dia. Agora,quando se olha o que acontece a cadacinco minutos, quem segue quem? Éo que se perguntam Francisco Santos,Márcio Garcia e Marcelo Medeiros no
estudo Price discovery no mercado decâmbio brasileiro: o preço é formadono mercado à vista ou futuro? Como já indicavam resultados anteriores, é orabo que abana o cachorro. O câmbiofuturo domina o à vista, explicando66,2% de sua variação e 97,4% de suacomposição. Antes que se imaginealgum tipo de máquina do tempo, quepermita ao futuro mudar o presente, os
autores esclarecem o que ocorre. Commenos restrições no país, o mercadofuturo tornou-se o mais líquido. Assim,seus preços refletem mais rapidamentenovas informações.
GIROipea
MOBILIDADE
Gratuidade pode elevar astarifas dos transportes
Concessões de gratuidade no trans-porte público podem aumentar as tarifasno Brasil em médio e longo prazo. Oenvelhecimento populacional é a maiorpreocupação. Quatro técnicos de Pesquisae Planejamento doIpea – Rafael Henrique
Pereira, Carlos Henrique de Carvalho,Pedro Herculano Souza e Ana AméliaCamarano – analisaram os dados queresultaram no Texto para Discussão Envelhecimento Populacional, Gratuidadesno Transporte Público e seus Efeitos sobreas Tarifas na Região Metropolitana deSão Paulo. O estudo indica que até2020 o efeito do envelhecimento sobreas tarifas será relativamente modesto.Porém, depois disso, pode acarretar
em aumento da tarifa entre 10% a 20%,caso esse subsídio seja mantido pelosdemais usuários.
R e p r o d u ç ã o
A r q u i v o
E B C
POLÍTICA
Representação dita a alocação de verbasUma das mais citadas mazelas do
sistema político brasileiro é o fato deo estado de São Paulo, com 40 milhõesde habitantes, ter direito a 70 deputadosfederais (ou um representante para 570 milcidadãos), enquanto Roraima, com 424mil habitantes, tem oito deputados (umpara cada 54 mil cidadãos). Mas comoessa representação desproporcional afetaa distribuição de recursos federais aos
estados? Essa é a questão central do estudo
Desproporcionalidade da Representaçãodos Estados no Congresso Nacional e seusEfeitos na Alocação dos Recursos Federais,de Mathieu Turgeon, professor de CiênciaPolítica da Universidade de Brasília, e dePedro Cavalcante, técnico do Ministériodo Planejamento, Orçamento e Gestão.O artigo, publicado pelo Ipea, cita ahipótese de que os estados sobrerrepre-sentados recebem mais recursos do que
os sub-representados.
TRABALHO
Raio-X de professores,médicos e engenheiros
A 32ª edição do boletimRadar , doIpea,
analisa se há gargalos de oferta de mão deobra qualificada em medicina, engenharia
e educação no Brasil. Um estudo aponta
escassez de médicos a partir de indica-
dores como remuneração, ocupação e
concorrência por vagas no vestibular. Já
os engenheiros, segundo outro trabalho,
não faltam de forma generalizada, e sim
em setores específicos e na faixa etária
com experiência propícia a funções de
liderança, de 35 a 54 anos. Um terceirotexto propõe realocar professores em
suas disciplinas de habilitação e formar
para as mais carentes. Entre 48 carreiras
universitárias, os profissionais de educação
têm a 4ª menor jornada, a 8ª maior taxa de
ocupação e a 13ª maior cobertura previ-
denciária, porém, baixo salário médio.
Na escola pública, 40% dos professores
são terceirizados ou temporários, o que
dificulta recrutar e reter os melhores.
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FESTIVAL
Revista Cláudiapremia Latinidades
O Festival Latinidades recebeu oPrêmio Cláudia 2014 – revista femi-nina da Editora Abril – na categoriaCultura, que elege ações ligadas àsartes e que tenham impacto positivona vida dos brasileiros. Lançadoem 2010, durante a Conferênciado Desenvolvimento (CODE) doIpea, o Festival Latinidades promoverodas de debates e disseminaçãoda cultura negra em comemo-ração ao Dia Internacional daMulher Negra Latino-Americanae Caribenha, celebrado em 25 de julho. A parceria do Ipea com oLatinidades continuou em 2013 como lançamento do livro IgualdadeRacial no Brasil .
R e p r o d u ç ã o
DESENVOLVIMENTO
Mudanças climáticas são tema estratégico?A Secretaria de Assuntos Estratégicos
da Presidência (SAE) lançou a publi-
caçãoNotas Estratégicas
para difundirinformação e conhecimento sobre temasde relevância estratégica para o país. Aprimeira nota, intitulada Adaptação àmudança do clima no Brasil: cenáriose alternativas, de Sergio de Margulis,subsecretário de DesenvolvimentoSustentável da SAE, e da pesquisa-dora Carolina Burle Dubeux, questionase as mudanças climáticas são um temaestratégico para o Brasil ou se o país
deve se preocupar com outros fatoresmais urgentes da agenda nacionalde desenvolvimento. O texto destacaque cada país precisa pensar políticaspúblicas individuais de prevenção e de
adaptação climática, mesmo com osacordos globais para distribuição deesforços. Quanto mais cedo os países seprepararem, menores serão os impactos
negativos do aquecimento global. O tematorna-se importante para a SAE pelofato de o novo cenário global do climaser altamente estratégico e fundamentalpara quem planeja o desenvolvimento.
TECNOLOGIA
Atlas premiado por
facilitar informaçãoO Atlas do Desenvolvimento Humano
no Brasil recebeu o prêmio TI & Governo2014, na categoria e-Democracia, ao qualoutras 51 iniciativas do governo eletrô-nico concorriam. Elaborado pelo Ipea,em parceria com o PNUD e a FundaçãoJoão Pinheiro, o Atlas permite o uso de
ferramentas que extraiam dados do Índicede Desenvolvimento Humano no Brasil.O cidadão pode acessar, por meio da
plataforma, mais de 180 indicadores depopulação, educação, saúde, habitação,trabalho, renda e vulnerabilidade referentesa 5.565 municípios brasileiros. MarcoAurélio Costa, coordenador do projeto,explica que a plataforma se diferencia dasdemais por possibilitar o uso da internetcomo principal forma de apresentação edivulgação dos resultados.
PIB
Produtividade podeelevar o crescimento
Nas últimas décadas, o Brasil viveu umperíodo de baixo crescimento da produtivi-dade. A infraestrutura de transportes e dastelecomunicações das empresas, os baixosníveis de concorrência e a falta de mão de
obra qualificada são alguns dos fatoresque contribuíram para caracterizar esseaspecto econômico. Mesmo sendo baixo,o crescimento calculado entre 30% e 50%
do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, nos últimos 10 anos, pode ser creditadoao aumento das taxas de ocupação e departicipação no mercado de trabalho.É o que revela o Texto para Discussão Produtividade no Brasil: Uma Análise doPeríodo Recente, dos pesquisadores doIpea Luiz Ricardo Cavalcante e FernandaDe Negri. Eles chegaram à conclusão deque a preservação das taxas mais altas do
crescimento do PIB pode ser alcançadase houver também um crescimento daprodutividade do trabalho que seja repre-sentativa nos próximos anos.
DATA ZOOM
Ferramenta melhoraacesso a microdadosde pesquisas do IBGE
Nova tecnologia a favor das pesquisasbrasileiras foi apresentada na sede do Ipea no Rio de Janeiro, em agosto. O DataZoom é um portal desenvolvido peloDepartamento de Economia da PUC-Rio
com programas e dicionários em portu-guês e inglês que facilitam o acesso aosmicrodados públicos do IBGE e auxiliamna sua divulgação. Os programas dispo-níveis permitem baixar, compatibilizar egerar bases com indicadores padronizadosa partir de Censos (1970-2010), PNADs(desde 1981), PMEs (desde 1991), POFs(desde 1995) e ECINFs (1997 e 2003).Gustavo Gonzaga, coordenador geral
do Data Zoom, explica que a ferramentaé resultado da colaboração de váriasinstituições para gerar bens públicos emelhorar a pesquisa no Brasil.
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GIRO
AJUDA HUMANITÁRIA
Pedidos de refúgioaumentaram 800%
Atualmente, vivem no Brasil 5.208refugiados reconhecidos. O númerode pedidos de refúgio passou de 566,em 2010, para 5.256, até dezembro de2013, ou seja, houve um aumento de800% nos pedidos. O Comitê Nacionalpara os Refugiados (Conare) informaque, do total de refugiados no país,34% são mulheres, 90% adultos entre18 e 30 anos e 3% dos pedidos são
para menores de idade, dos quais 34%correspondem a crianças entre zeroe cinco anos. Os dados apontam que
em 2013 essas solicitações, em suamaioria, eram feitas nos estados de SãoPaulo (23%), do Paraná (20,7%), doRio Grande do Sul (9,3%) e do DistritoFederal (14%). Entre outras coisas, a
lei brasileira garante os documentosbásicos aos refugiados e a liberdadede movimento no território nacional.
E-CIDADANIA
Portal encaminhapropostas populares
Propostas apresentadas pelocidadão comum podem virar lei.
Onze propostas populares tramitamno Senado e podem virar projetode lei por decisão da Comissão deDireitos Humanos e LegislaçãoParticipativa (CDH). Dentre elasestá o uso recreativo, medicinal eindustrial da maconha, a alteraçãoda Lei nº 6.015/1973 para permitir aigualdade de condições à mulher, aospais homoafetivos e socioafetivos,bem como filiação decorrente dereprodução assistida e proceder aoregistro de nascimento do filho.As sugestões podem ser encami-nhadas pelo portal e-Cidadaniado Senado, pelo Programa JovemSenador, por associações, sindi-catos e entidades organizadas dasociedade civil, com exceção departidos políticos que tenhamrepresentação no Congresso. Para
serem encaminhadas à CDH, aspropostas precisam receber, nomínimo, 20 mil apoios.
PALMARES
Fundação reconhece24 novos quilombos
Existem hoje, no Brasil, 2,5 milcomunidades quilombolas, nas quaismoram 130 mil famílias. Recentemente,24 comunidades nordestinas foramreconhecidas pela Fundação CulturalPalmares (FCP) como sendo rema-nescentes de quilombos. Vinte e duasdelas se encontram no estado da Bahia,uma no Maranhão e outra em Alagoas.Aproximadamente 600 famílias vivemnessas comunidades. O reconhecimento
como comunidade quilombola garanteaos moradores acesso aos programassociais do governo e permite que sejafeita solicitação de títulos das terras queocupam. Outros 50 pedidos aguardamo reconhecimento.
ABASTECIMENTO
Seminário debate afalta de água em SP
O rio Tietê é alternativa para SãoPaulo? A pergunta é tema norteador do
seminário que acontece em setembro,em São Paulo, e marca a Semana do RioTietê. Organizado pela Fundação SOSMata Atlântica, o evento irá discutir as
diferentes facetas do maior rio paulista, o
uso preponderante da água nas seis baciasdo Tietê, os avanços na despoluição e aspossibilidades de usos atuais e futurospara o gigante de São Paulo.
M a r c e l l o
C a s a l J r _A B r
A g ê n c i a
B r a s i l
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9/100
ECOLOGIA
Santuário de baleiasganha plano de gestão
Brasil e Uruguai se unem
para elaborar uma proposta
de Plano de Gestão Ambiental
para o Santuário de Baleias do
Atlântico Sul. O projeto, apre-sentado na plenária da Comissão
Internacional de Baleias (CIB),
em Portoroz, Eslovênia, de 11
a 18 de setembro desse ano, foi
coordenado pelo Ministério do
Meio Ambiente (MMA) e tem
como objetivo apresentar uma
proposta capaz de proteger mais
de 50 espécies de baleias, golfinhos
e outros cetáceos que habitam aparte sul do Oceano Atlântico
por meio de monitoramento. O
estudo permitirá conhecer melhor
seus hábitos de vida, analisar as
ameaças e as medidas de inter-
venção humana para reduzir o
impacto ambiental nocivo. Outro
ponto positivo do projeto é o
estabelecimento de iniciativas
que melhoram a compreensão dasrotas migratórias e os padrões de
movimento desses mamíferos.
SAÚDE
Lei intensifica o combate ao tabagismoO Brasil avança cada vez mais no
combate ao tabagismo. Em 2006, 15,7%da população adulta era de fumantes.Em 2013, o número reduziu para 11,3%.A pretensão é chegar a 9% até 2022. Ameta pode ser alcançada com a maisnova política adotada no país. A LeiAntifumo entra em vigor em dezembroe proíbe o fumo em locais coletivosfechados públicos ou privados e ainda
extingue os fumódromos. Recentemente,a chefe da Convenção-Quadro para oControle do Tabaco da Organização
Mundial da Saúde (OMS), Vera Luiza da
Costa, disse que a população brasileiraé mais protegida contra os malefíciospassivos do fumo.
BENEFÍCIO
Índias Macuxi recebemsalário-maternidade
Mães adolescentes da etnia indí-
gena Macuxi começaram a receber osalário-maternidade. O direito foi adquiridodepois de um pedido feito à Justiça Federalpelo Ministério Público Federal em Roraima.
PARCERIA
Brasil melhorou suasrelações com bancosde desenvolvimento
O volume de empréstimos dos principaisBancos Multilaterais de Desenvolvimento(BMDs) ao Brasil cresceu bastante desde1990 e somou quase US$ 86 milhões nesseperíodo. Por outro lado, a partir de 1994,com a estabilização de nossa economia,os desentendimentos que marcaram asrelações do país com essas instituiçõesantes de 1990, principalmente com oBanco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD), foram superados,seguindo-se uma relação de parceria.É o que revela o Texto para Discussão(TD) As Relações Econômicas do Brasilcom os Principais Bancos Multilateraisde Desenvolvimento (1990-2012), dos
pesquisadores Carlos Eduardo LampertCosta, Manuel José Forero González eNathália Filgueiras de Almeida, do Ipea.O trabalho, que levou em conta o BIRD(Banco Mundial), o Banco Interamericanode Desenvolvimento (BID) e a Corporação
Andina de Fomento (CAF), hoje deno-minada Banco de Desenvolvimento daAmérica Latina, tem o objetivo de esclarecera lógica de funcionamento destes orga-nismos internacionais de financiamento,analisando, inicialmente, como atuam emtermos operacionais e administrativos,além de levantar questões relacionadascom estratégias, produtos e condições definanciamento. No que diz respeito aostrês bancos, o texto analisa a dinâmica
dos empréstimos e dos fluxos financeirosem termos setoriais, geográficos e insti-tucionais, assim como tenta recuperar asestratégias implementadas de acordo comdocumentos de estratégia-país elaboradospor cada uma dessas instituições.
R e p r o d u ç ã o
O MPF solicitou que o Instituto Nacionalde Seguro Social (INSS) deixe de exigir dasmulheres comprovadamente de origemMacuxi a idade mínima de 16 anos parao recebimento do benefício por causa daproibição de realizar trabalho laboral antes
dessa idade. Foi entendido que os aspectosculturais do povo indígena devem serrespeitados enquanto identidade, como é ocaso do trabalho coletivo nas comunidades.
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ENTREVISTA
J ö r g e n
H i l d e b r a n d t
10 Desenvolvimento • 2014 • Ano 11 • nº 80
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V a n e s s a E s t e v e s , d e G e n e b r a
Hans Rosling “A capacidade humana de
buscar uma vida melhoravança mais rápido doque a economia”
(*) Com colaboração de Marcos Hecksher, do Ipea
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Hoje ele é chamado de Gurudos Números, ora Mago dasEstatísticas, uma vez que setornou uma das personali-
dades acadêmicas mais conhecidase influentes da Europa por causa deseus documentários para a televisão
e das apresentações teatrais, nas quaisusa e abusa de gráficos interativos eanimações cativantes para dar vida àsestatísticas que ajudam a visualizar odesenvolvimento global, explicar asmuitas realidades do mundo e, assim,lutar contra os preconceitos. Mas osueco Hans Rosling é muito mais queisso: médico de formação, militante decausas humanitárias por opção, professor
universitário, pesquisador, estatístico,inventor e visionário.Precursor da organização Médicos
Sem Fronteiras, na Suécia, conselheirode saúde da Organização Mundial daSaúde (OMS) e do Unicef, enquantoprofessor em saúde pública no InstitutoKarolinska, em Estocolmo, Roslingficou surpreso com a ignorância deseus estudantes sobre o desenvolvi-mento rápido da saúde na Ásia. Uma
realidade que o levou a elaborar o“teste do chimpanzé” (chimpanzeetest ) para medir o nível de ignorânciados estudantes, professores e pessoaseminentes. “Eu fiquei realmente chocado.Os resultados dos conhecimentos erammuito baixos”, disse.
Acabou por criar a FundaçãoGapminder, que desenvolveu o sistemade software Trendalyzer, um instrumentoinovador que converte estatísticasinternacionais em gráficos interativose permite dar vida aos números. Em2006, o professor apresentou, com um
tom humorístico e muito dinâmico, osresultados finais do “teste do chim-panzé” na sua primeira aparição naconferência chamada TED-talk.
Assim iniciou uma cruzada inter-nacional que busca desmitificar asestatísticas, pregando a necessidade de
quebrar os preconceitos que dividemo mundo entre sul e norte e do deverde lutar contra a pobreza extrema.Em 2009, foi citado como um dos 100maiores pensadores globais na revistaForeign Policy e, em 2011, como umadas 100 pessoas mais criativas nosnegócios, pela Fast Company Magazine.Se não bastasse, Rosling é também umengolidor de espadas, habilidade que
chegou a demonstrar em um TED-talk.Nesta entrevista, a primeira para um veículo brasileiro, Hans Rosling abordaassuntos tão diversos quanto causashumanitárias, desenvolvimento econô-mico, combate à pobreza, saúde pública,educação e política. Fala, sobretudo,de como as estatísticas podem ajudara compreender as muitas realidadeshumanas, a reduzir o preconceito e aconscientizar as pessoas da necessidade
urgente de se erradicar a fome e apobreza extrema no planeta. SegundoRosling, as estatísticas mostram que acapacidade humana de buscar uma vidamelhor avança mais rápido do que aeconomia. “O que avança mais rápidoé a saúde, a família que luta duro paradar uma formação melhor aos filhos.Isto é a primeira coisa para mudar.Depois vem a economia”. Confira osprincipais trechos da entrevista:
Desenvolvimento – Por que o senhor optou porcomeçar a vida trabalhando com causas humanitárias?
Rosling – Não diria que trabalhei nosetor humanitário, e sim no setor dedesenvolvimento. O trabalho especi-ficamente humanitário consiste emassistência a refugiados ou a vítimasde enchentes, por exemplo. Tem que ver com situações de emergência.
Comecei a querer trabalhar com ospiores problemas no mundo porqueeles devem ser resolvidos para quecada um possa ter um bom futuro.Estive no norte de Moçambique,local de pobreza extrema. Eu erao único médico de um distrito de300 mil (habitantes). Isso, em 1980.Regressei à mesma cidade 30 anosdepois e encontrei 16 médicos. Ainda é
pouco, mas é muito melhor. E depois,na Suécia, fiz parte da formação dosMédicos Sem Fronteiras. Mas issoaconteceu quando eu já era professorna universidade.
Desenvolvimento – Como seu trabalho na Áfricainfluenciou na sua maneira de ver o mundo?
Rosling – Entendi, pelo menos emparte, o que significa a pobrezaextrema. Vocês podem chamar isso
de destituição, não ter comida sufi-ciente, não ter roupa suficiente, nãopoder enviar os seus filhos à escola.Isso foi o que aprendi, entre 1979 e1981, no norte de Moçambique: aprofundidade da pobreza extrema.Não é possível compreender noslivros, tem de se viver a experiência.Vivenciar de perto as pessoas quelutam diariamente, compreender queessas pessoas trabalham tão duro etêm tão pouco. Compreender queé falta da função do Estado, falta daeconomia. Eu tomava conta de gente,
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das epidemias de cólera, das epidemiasde fome, que eram responsáveis portrês mil mortes de crianças por ano.
Desenvolvimento – Por que o senhor sentiunecessidade de participar da criação da ONG Médicos
Sem Fronteiras e qual seu envolvimento atual com aorganização?
Rosling – Os conflitos no mundo queocorriam entre nações, nos quais inter- vinham a Cruz Vermelha e a Organi-zação das Nações Unidas, passaram aser conflitos internos. Nos anos 1980,a maioria dos conflitos transformou-seem guerras civis. A Cruz Vermelha éuma organização perfeita para guerrasentre nações, mas não dentro das
nações. Promovi uma reunião na Suéciae propus atuarmos nas áreas em quea Cruz Vermelha não podia intervir.Houve uma reação lenta no norte daEuropa. A resposta na França e naBélgica foi mais rápida perante essa novasituação. Organizamos a Médicos SemFronteiras na Suécia como um braço daorganização principal. Trabalhei como MSF por 20 anos.
Desenvolvimento – Qual será o papel do setorhumanitário daqui para frente?
Rosling – O trabalho humanitário éaquele que se realiza quando há umasituação de urgência. Esse trabalhoserá cada vez mais localizado nomundo. Contudo, hoje, consideroque o mais importante é efetivarmosações necessárias para acabar com apobreza extrema.
Desenvolvimento – E qual o melhor caminho parao desenvolvimento dos países que enfrentam a miséria?
Rosling – O mundo pode eliminar apobreza nos próximos 20 ou 30 anos.Trata-se de uma estratégia de inves-timento na saúde, na contracepção,na educação, nas infraestruturas e naprodutividade agrícola. Hoje, as orga-nizações de desenvolvimento são asmais importantes, não as humanitárias.Escola e cuidados primários para todos,uma estrada ligando cada localidade,um apoio para os cultivos, uma função
da economia rural, todas essas açõesfazem com que a produtividade daspessoas seja aumentada. Ações paraacabar com a pobreza extrema não serealizam por motivos emocionais, e sim
porque sabemos que ela desestabilizao mundo de uma maneira perigosa,com novas doenças, como o ebola, apirataria ou refugiados. Não podemosmais permitir a existência da pobrezaextrema.
Desenvolvimento – Em determinado momento osenhor mudou sua atuação pr ofissional da medicinapara as estatísticas. O que o senhor pretende comos números?
Rosling – Pretendo entender o mundo.Não se pode jamais compreender omundo sem números, mas tampouco
o mundo se compreende somente pormeio de números. As estatísticas, paramim, são simplesmente um instru-mento. É necessário ter um númeroe, além disso, compreender a situaçãocultural, política, ambiental que nãose pode explicar com números. Massem números é difícil. Por isso, omeu interesse não é números, e simo mundo e a vida das pessoas.
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“Eu tomava conta de gente,das epidemias de cólera, dasepidemias de fome, que eram
responsáveis por três mil
mortes de crianças por ano”
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Desenvolvimento – Explique melhor como fazeruso das estatísticas para entender a vida das pessoas.
Rosling – Tomemos o exemplo doBrasil. Estou admirado com o fato deo Brasil ter um instituto público deestatística e geografia (IBGE). Brasil e
México têm essa coordenação porquesão países com muita população emuita geografia. A geografia nãomuda tanto, mas a realidade humanamuda muito. Hoje, no Ocidente,há poucas pessoas que sabem que,atualmente, o Brasil tem uma taxade natalidade de 1,8% ao ano. “Oh,mas é um país latino e católico, ondeas mulheres costumam ter quatrofilhos”, admiram-se os europeus.
As pessoas não acompanham asmudanças, elas têm uma visão muitoantiga. E essas mudanças no Brasilforam muito rápidas. Por isso, paracompreender o Brasil, é preciso terum número como esse. E só depoistentar compreender como é possívelessa taxa de natalidade em um paíslatino e católico. Um número é maisfácil de comunicar do que estudar
a modernização e como funciona areligião no Brasil.
Desenvolvimento – Até que ponto as estatísticassão confiáveis para a compreensão de realidadeshumanas?
Rosling – É importante compreenderos indicadores quando coletamosdados. Há alguns que são fáceisde coletar; outros, difíceis. Porexemplo: a mortalidade infantil.
Para isso, temos muitos dados emquase todos os países. E, por umlado, quando não há um registrocompleto, sempre se pode fazerentrevistas com mulheres para saberquantas crianças morreram. Por outrolado, a percentagem das mulheresque morreram em parto é um dadomuito mais difícil de obter porqueo índice de mortalidade maternaestá relacionado ao aborto ilegal eperigoso ou, ainda, à falta de acessoao serviço hospitalar. Por vezes édifícil saber se a mulher morreu por
causa da gravidez ou da tuberculose.Outros dados também são difíceis de
definir, como a urbanização. Comodefinimos o que é urbano para aAmazônia, São Paulo, Holanda ouSuécia? Aí temos a dificuldade dedefinição, não de recolhimento dosdados. Tal casa está em setor urbanoou rural? Mesmo nos países maispobres, temos informações sobre apopulação e a mortalidade infantil.Mas, sobre a economia ou PIB, é difícilcompreender o que está incluído. Oratio de incerteza é muito grandenos países pobres. Cada indicadortem os seus problemas. Podem ser
de definição, de compreensão oude recolhimento dos dados. É maisimportante distinguir entre os indi-
cadores do que entre os diferentespaíses. No final, tem de saber comoos dados foram coletados e compi-lados. Mas como nem todos podemfazer isso, precisamos aumentar ouso de níveis de incerteza.
Desenvolvimento – Quais são as consequênciasdessa falta de indicadores para os países pobres eemergentes?
Rosling – Principalmente por causa do
uso de conceito de Terceiro Mundo,agora chamado de países em desen- volvimento. Porque, quando falamosde países em desenvolvimento, estãoincluídos Brasil e Somália. O quê?São diferentes, mas são países emdesenvolvimento. Ora, esses conceitos já não têm validade. Só que há muitaspessoas que, por motivos políticos ouideológicos, continuam a usar essesconceitos. Costumo mostrar uma fotode Washington, em 15 de novembro de2008, durante a reunião do G-20. Láestava o presidente George W. Bush,
PERFILNascido em Uppsala, Suécia, o
médico Hans Rosling começou sua vida profissional na década de 1970
em áreas rurais remotas e de misériaabsoluta em Moçambique, África.Por cerca de 20 anos, pesquisousurtos de konzo, doença paralisantecausada pela fome e consumo demandioca mal processada. De voltaa Estocolmo, participou da formaçãoda Médicos Sem Fronteiras (MSF) naSuécia e começou a concentrar suapesquisa nas relações entre saúde eeconomia em África, Ásia e América
Latina. O professor lançou novoscursos em saúde global e publicouum livro sobre o tema, buscando uma visão do mundo baseada em fatos.
Para lutar contra a falta de conhe-cimento geral a respeito das muitasrealidades do mundo, Hans Rosling
estabeleceu, em 2005, com seu filhoOla Rosling e sua nora Ana RoslingRönnlund, a Fundação Gapminder,cujo objetivo é divulgar uma visãodo mundo baseada em fatos. Daípara frente produziu documentáriospara as televisões, entre eles para aBBC de Londres. Em um de seusfilmes mais assistidos no mundo, deapenas quatro minutos, ele resume oque aconteceu a 200 países em 200
anos. Em 2011 foi eleito membroda Academia Sueca de Ciências deEngenharia e em 2012 membro daAcademia Sueca de Ciências.
“Ações para acabar com a pobreza extrema não se realizam
por motivos emocionais,
mas porque sabemos que eladesestabiliza o mundo de
uma maneira perigosa, comnovas doenças como o ebola,
pirataria ou refugiados”
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que precisava de dinheiro. Tambémforam Brasil e China que, naquelaaltura, emprestaram dinheiro paraque os Estados Unidos pudessemsalvar a sua economia. Tínhamospaíses que costumavam chamar
de países em desenvolvimento, osquais agora têm uma economia quepode contribuir para estabilizar aeconomia mundial. E o Brasil estáemprestando aos Estados Unidos30 bilhões de dólares por ano. Issotambém ajuda a estabilizar o Brasil. Éuma transferência de dinheiro que éconsiderável, tem o mesmo tamanhodo apoio dos Estados Unidos paraos países pobres. Isso significa que o
Brasil paga. Essa é a maneira corretade se ver o novo mundo, mas essenovo paradigma, realmente, não entrana cabeça de quem pensa ainda noTerceiro Mundo.
Desenvolvimento – Mas, afinal, qual seria a novamaneira de compreender o mundo?
Rosling – A maioria da população domundo vive nos países do meio, ou seja,
nas chamadas economias emergentes, doMéxico ao Brasil, até Vietnã e Tailândia.Esses países no meio correspondem aquatro bilhões de habitantes, mais dametade da população mundial. O que vimos é que há países com situaçõescultural e política muito diferentes,mas todos podem avançar de umamaneira semelhante. China, Índia,Rússia, África do Sul, Brasil, Méxicosão muito diferentes. Mais diferentes
do que os países da OCDE. Contudo,compartilham a mesma situação: nãotêm uma população formada e estãoavançando economicamente. O quemostro é que o avanço humano, acapacidade humana está à frente daeconomia. O que avança mais rápidoé a capacidade humana, a saúde, afamília que luta duro para dar umaformação melhor aos filhos. Isso é aprimeira coisa para mudar. Depois vema economia. No Ocidente, a sequênciaera diferente. Primeiro foi uma mudançaeconômica e, depois, uma mudança
social. Por isso podemos esperar queas economias emergentes vão avançar.
Desenvolvimento – Como se pode acelerar amelhora das condições de vida nesses países do meio?
Rosling – É preciso mais dinheiro emelhor uso do dinheiro. No entanto,consegue-se mais dinheiro se a sua saúdemelhorar, se receber mais educação, seo tamanho da família for planejado. Equando as famílias e a nação conseguemmais dinheiro acontece que se podeoferecer melhores condições de vida, deeducação, de serviço de saúde e tambémas partes bonitas da vida, cultura, lazere um ambiente agradável para viver.
Desenvolvimento – O senhor acredita que, nofuturo, o mundo não será dividido entre ricos e pobres,mas entre os capazes de analisar ef icazmente dados e
os que não têm essa capacidade?Rosling – Acho que isso é mais umaescolha política. Uma nação dividida eum mundo dividido são sinônimos demais conflitos. Mais igualdade signi-fica um mundo melhor para todos,incluindo aí os mais privilegiados.
Desenvolvimento – Qual o novo paradigma que traz a visão das estat ísticas?
Rosling – Em primeiro lugar, oferecer
um acesso aberto aos dados públicos.O destino do dinheiro, dos impostos,deveria ser disponível para as empresas,as universidades e os ativistas. Emsegundo lugar, tornar os dados maisúteis, fazer uso da criatividade e melhoraro acesso dos diferentes instrumentosgráficos. Isso varia entre as enge-nhosas aplicações, como os horáriosdos trens de Estocolmo, o skyscanner para encontrar voos e o Gapminderpara compreender o mundo. Vamos ver mais disso. Os dois aspectos estãointerligados, pois o acesso gratuito aos
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“O Brasil está emprestando aosEstados Unidos 30 bilhões dedólares por ano. Isso também
ajuda a estabilizar o Brasil.Esta é a maneira correta dever o novo mundo, mas esse
novo paradigma realmente nãoentra na cabeça de quem pensa
ainda no Terceiro Mundo”
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dados públicos vai fomentar inovaçõesde várias maneiras.
Desenvolvimento – Quais são as próximas etapasdessa evolução estatística? Tem novos instrumentosde análise e visualização de dados em preparação?
Rosling – Sim, a Gapminder está sedistanciando dos formatos gráficoscom centenas de indicadores para seaproximar de aplicações específicaspara diferentes tipos de dados. Os maisfáceis de usar serão os que ganharão.
Desenvolvimento – O que o senhor descobriuao medir o nível de desconhecimento das pessoas arespeito das populações?
Rosling – A principal descobertarevelou que a maioria do mundodesconhece o fato de que a taxa denatalidade diminui significativamentea cada dia. A saúde também melhoroumuito. A média mundial atual é de2,5 bebês por mulher, enquanto aesperança de vida subiu para 70 anos.Fizemos um teste com mil pessoas naNoruega, Suécia, Inglaterra e EstadosUnidos. E vamos continuar em todo
o mundo, esse é o nosso plano. Fiqueirealmente chocado. Os resultados dosconhecimentos eram muito baixos. Amaioria da população, e mesmo dosprofissionais da ciência, da imprensae da política pensa que o mundo dehoje é como o mundo de 30 anos atrás.Por exemplo, o Brasil, país católico elatino, tem muitas crianças. Irã, paísmuçulmano, tem muitas crianças.Não! Irã e Brasil hoje têm uma taxa
de natalidade inferior à da Suécia. Nãoé possível, mas é! É preciso ensinarnas escolas as mudanças que estãoocorrendo.
Desenvolvimento – Qual foi o impacto das suas“descobertas” estatísticas?
Rosling – O diretor da Gapminderconcluiu que somos famosos agora,mas não temos impacto. É muitoimportante distinguir entre ser famosoe ter impacto, pois as pessoas gostamdas apresentações, mas elas não selembram dos números.
Desenvolvimento – Não deve haver muitos
estatísticos engolidores de espada no mundo. Comoos colegas reagem a seus esforços para popularizaros dados e as ferramentas estatísticas?
Rosling – Os meus colegas me apoiame são simpáticos. Fazem comentáriosbreves quando cometo erros e meapoiam quando dou boas explicações.De fato, é importante ter profissionaisespecializados em comunicação porquenem todos temos a capacidade paraisso. Alguns são excelentes em educação
formal e outros em investigação, masnada mais.
Desenvolvimento – A Suécia, conhecida em tod o mundo como pioneir a no mode lo do Est adode bem-estar social, financia vagas gratuitas emescolas particulares desde os anos 1990. Contudo,são grandes as críticas a esse novo modelo. Comoavalia essa experiência?
Rosling – A Suécia garantiu asnecessidades básicas para todos.Agora queremos atingir a perfeição,mas é difícil. Tivemos 200 anosde paz. Temos recursos naturais.
Estamos numa posição favorávelpara fazer negócios com os paísesricos próximos. Tivemos o desen- volvimento político estável. Em
todos os aspectos tivemos sorte. Nãofomos ocupados pela Alemanha naSegunda Guerra Mundial e temosconvertido esta sorte num sistemaestável com cada vez mais lugarpara a liberdade do indivíduo. Porexemplo, o bispo da Igreja Luteranada Suécia é uma mulher, lésbica,casada e mãe de um filho. Agora,não é mais e mais dinheiro que
buscamos; é mais e mais liberdadepara os indivíduos.
Desenvolvimento – Levando-se em conta quali-dade e custo, o que o senhor considera mais difícilpara o setor público dos países: prover serviços deeducação e saúde diretamente ou f inanciar e regularinstituições privadas?
Rosling – Os serviços de saúde privadossempre correm o risco de tratar osricos com intervenções de que eles
não precisam. Por exemplo, o Brasilcontabiliza uma frequência extre-mamente elevada de cesarianas até oponto em que esse excesso de ofertase tornou quase uma cultura. Noentanto, serviços de saúde privadosbem definidos e orientados, comocirurgia de quadril e da hérnia, podemser realizados eficazmente no setorprivado. As pessoas sabem que precisamsubstituir o quadril e podem avaliarse funciona. Também é uma questãode tradição e de organização. NaSuécia, a rainha deu à luz seus filhos
“A maior parte pensa: o Brasil, país católico e latino, tem muitas
crianças. Irã, país muçulmano,
tem muitas crianças. Não! Irãe Brasil hoje têm uma taxade natalidade inferior à da
Suécia. Não é possível, mas é! É preciso ensinar nas escolas as
mudanças que estão ocorrendo”
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no hospital público, o mesmo hospitalem que os imigrantes pobres daÁfrica também dão à luz os seus. Arazão é que o hospital público estátendo um dos melhores resultados domundo. A rainha da Suécia vai para
o hospital público porque é melhor.O hospital universitário, no centrode Estocolmo, é um dos melhores domundo. Os hospitais privados são sópara a cirurgia cosmética e algumascirurgias de rotina.
Desenvolvimento – Como o senhor analisa aequação entre os serviços públicos e privados parapaíses emergentes como o Brasil?
Rosling – Um país como o Brasil tem apossibilidade de fornecer um serviçopúblico para todos, mas os que têmdinheiro querem pagar. O Brasil temum problema adicional crônico: o usodos recursos, tanto os públicos comoos privados. O resultado disso sãodistorções, como a taxa de cesarianasmais elevada do mundo. Os hospitaisprivados fazem coisas desnecessáriasporque ganham dinheiro. Os serviços
hospitalares privados tornaram-se umacultura. No caso da educação, o ingressode recursos não é alto. Portanto, nãoexiste a capacidade econômica do Brasilde dar um ensino público ótimo paratodos. O mais importante me pareceser buscar a expansão das escolaspúblicas. Por exemplo, Coreia do Sul eTaiwan aumentaram o ensino públicode forma a dar possibilidade a todosaqueles que têm capacidades. Por que
dar um ensino bom só para as pessoasque têm pais ricos? Dessa forma, não vão usar a capacidade total da nação.
Desenvolvimento – Em alguns sistemas europeus,enfermeiros e outros profissionais desempenhamfunções que no Brasil são exclusivas dos médicos. Quala divisão do trabalho no setor da saúde que parecefuncionar melhor em países menos desenvolvidos?
Rosling – Isso se chama o task shif-ting (mudança de tarefa) e está bemdesenvolvido na Suécia. Por exemplo,temos enfermeiras diabetólogas, espe-cializadas só na doença do diabetes,
ou parteiras que tomam conta unica-mente dos partos. Quando surge umproblema, então, o médico intervém.
É uma maneira efetiva de forneceros serviços de alta qualidade. Muitas vezes as enfermeiras explicam melhordo que os próprios médicos. O taskshifting é um fator comercial e culturalque, no Brasil, pode se tornar umobstáculo para se fazer as coisas commais eficácia. A racionalidade tem deter um entendimento científico, mastambém é uma maneira de trabalharque deve se transformar em cultura.Na Suécia temos um grande sucessocom a segurança e o tráfico porqueas medidas são baseadas em ações e
análises científicas sobre quem morre epor que morre. Em 1970, morreram naSuécia 28 crianças de menos de cincoanos no trânsito; no ano passado foiuma só. Questões como tecnologia eregulamentação têm de ser um aspecto
cultural. Assim, os suecos podem parecertristes e bebemos muita vodka. Masentra em conta um aspecto cultural,pois ninguém conduz o carro quandoestá bêbado. Isso se transformou emcultura. Assim também tem de ser atransformação em outros aspectos dasociedade, como a divisão do trabalhoentre enfermeiros e médicos.
Desenvolvimento – O Brasil contratou médicos
estrangeiros para preencher vagas em locais ondenão havia profissionais brasileiros suficientes. Que tipo de barreira s os méd icos costumam encontra rnas fronteiras nacionais?
Rosling – Há poucas barreiras. Noruegarecruta médicos suecos. Suécia recrutamédicos gregos. No final, dependesimplesmente do dinheiro que oferecem.Nós temos muitos médicos estran-geiros na Suécia. Isso é uma falta deplanificação que não compreendemos.Por exemplo, o meu dentista é do Irã.Eles só têm de aprender a nossa línguapara funcionar bem. O problema é
“Na Suécia, a rainha deu à luzseus filhos no hospital público,
o mesmo hospital em que osimigrantes pobres da África
também dão à luz os seus filhos.
A razão é que o hospital públicoestá tendo um dos melhoresresultados no mundo. A rainha
da Suécia vai para o hospital público porque é melhor”
Teste seu conhecimento: Em qual país hoje...1 – ... a mortalidade infantil é menor?
a) Cingapurab) Suécia
c) Venezuela
2 – ... as mulheres se casam mais velhas?a) Argéliab) Canadác) Filipinas
3 – ... a renda per capita é mais alta?a) Botsuanab) Egitoc) Moldávia
R e s p o s t a s : 1 - a ; 2 - a ; 3 - a .Fonte: Gapminder Quiz sugerido a professores e alunos de ensino médio para pesquisa no site de Hans Rosling com dados internacionais.
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para aqueles países que perderamos seus médicos (risos). A Noruegarouba 10% dos médicos suecos.
Desenvolvimento – Como se poderia regulara migração internacional em um mundo com países tão desiguai s, inclu indo aí as taxas de crescimentopopulacional?
Rosling – Hoje a migração internacionalé um fenômeno pequeno em relação
ao crescimento da população. Alémdisso, o número de crianças já deixoude crescer no mundo inteiro. É difícilregular a migração, pois é uma decisãodos indivíduos de ir aonde querem.Lembro-me de ter tido uma discussãono Ministério da Ciência, na China.Perguntei: “Por que é que vocêsenviam seus homens para a Suécia ouEstados Unidos a fim de formaremcientistas? Assim vocês perdem seuscientistas”. Eles me responderam: “São vocês que perdem. Não queremosque regressem com PhD, queremos
um professor que regresse, queremosum chefe de empresa que regresse”.Eu perguntei: “Como sabem que eles vão regressar?” Eles me responderam:“Eles são chineses”. Portanto, o minis-tério tem uma ideia de China boa,que seus jovens voltam ao país comconceitos e ideias novas. Realmenteé difícil dizer o que é uma perda ouo que é um ganho para o país. Sabe,
nossos especialistas de computaçãono Gapminder são brasileiros...
Desenvolvimento – O senhor tem dito que apopulação mundial deve crescer dos sete bilhões atuaisaté se estabilizar em 11 bilhões daqui a 40 anos, masnão há motivo para pânico. Por quê?
Rosling – O número é do Departamentode População da ONU, com os demó-grafos mais competentes em projeções.Simplesmente, expliquei os resultados.Recordo que, em 1958, éramos trêsbilhões no mundo. Os demógrafosprojetaram 6,3 bilhões para 2000. E
eles se enganaram somente em 4%.Os dados deles são fantásticos. Tendoem conta que o número de criançasdeixou de aumentar, será precisoum longo período de vida até o fim
deste século para ver a populaçãoadulta diminuir. Essa é a distânciade ruptura. O crescimento rápidoda população acabará na segundametade deste século.
Desenvolvimento – Que exemplos de tecnologiaspermitiriam combinar esse aumento no número depessoas e o crescimento da riqueza média sem exauriros recursos naturais do planeta?
Rosling – Novas energias renováveis, ouso mais eficiente das energias e dosrecursos em geral e uma produção dealimentos sustentável. Nesse sentido,Embrapa é considerada um institutomuito relevante para o desenvolvi-mento agrícola.
Desenvolvimento – De acordo com as suasestatísticas, quais são os próximos desaf ios para odesenvolvimento humano e econômico global?
Rosling – Os desafios são o desempregodos jovens, desigualdade econômicae o aumento da carga para suportaros mais idosos na população.
Desenvolvimento – E quais os desaf ios do Brasil?Rosling – Sair da categoria de país derendimento médio e tornar-se umpaís avançado com pesquisa, desen- volvimento e inovação. Aliás, isso já está acontecendo na agricultura,na farmácia e em alguns aspectosdo planejamento urbano. Um paísmuito promissor!
“O próximo desafio do Brasilserá de sair da categoria de
país de rendimento médio etornar-se um país avançado
com pesquisa, desenvolvimentoe inovação. Aliás, isso já está
acontecendo na agricultura, na farmácia e em alguns aspectos
do planejamento urbano”
S t e f a n
N i l s s o n
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ARTIGO D a n i e l l e n d o V a l e
Controvérsias sobre o papel do Estado
As questões relacionadas à atuaçãodo Estado na economia são tãoantigas como a própria ciênciaeconômica. Enquanto alguns
modelos buscam mostrar que a eficiênciapode ser atingida pelas livres forças domercado, outros apontam as falhas demercado para expor o papel do Estado
no desenvolvimento e na eficiência daeconomia.
Os modelos econômicos clássicos,por considerarem, em suas análises, aracionalidade dos agentes econômicos,postulavam o que se pode chamar de Estadomínimo, ou seja, a atividade estatal deveser voltada apenas para o atendimento dedemandas em que a atividade privada nãopossa se autoajustar. A linha predominante
dos economistas clássicos era a de que omercado tinha a capacidade de alcançar oequilíbrio de pleno emprego, sem a inter-ferência do governo, de forma eficiente, e olado real da economia não é influenciadopela política monetária. Isso é conhecidona literatura como dicotomia clássica ou,simplesmente, a neutralidade da moeda. Noque tange à política fiscal, ainda dentro doarcabouço da teoria clássica, um aumentodo gasto público, via compra do governo,
inicialmente, pressiona a demanda porbens e serviços, deixa inalterado o nível darenda, já que não afeta o nível de empregodos fatores de produção e nem a própriafunção produção. Da mesma forma, umapolítica de transferência de renda, como,por exemplo, o Programa Bolsa Família,não tem efeito sobre o nível de produtodo conjunto da economia.
No início do século XX, mais especifica-mente com a chamada Grande Depressão,o mundo percebeu que a teoria clássicanão conseguia explicar o que ocorrerana economia daquela época. Os salários
nominais estavam caindo e o desempregoera crescente nos primeiros anos da década.As livres forças de mercado não pareciamser capazes de recolocar a economia emequilíbrio, com a plena ocupação da forçade trabalho. A economia estava com onível de oferta agregada superior ao dademanda agregada. A explicação para a
crise era a falta de demanda efetiva.Keynes, em A teoria geral do emprego,
do juro e da moeda, publicada em 1936,desenvolve o Princípio da Demanda Efetivacomo condição para a determinaçãoda renda. Keynes propôs que o Estadointerviesse na economia com o objetivo deestimular a demanda agregada. Políticasfiscais e monetárias expansionistas teriampor finalidade promover o pleno emprego,
a estabilidade de preços e o crescimentoeconômico. Keynes não pregava a inter- venção absoluta do Estado, apenas emcasos de crise, quando o mercado nãoconseguisse gerar demanda suficiente.
A percepção de falhas de mercado acabapor resgatar os programas de pesquisaligados tanto à corrente de pensamentoneoclássica como à keynesiana. O livrefuncionamento de mercado não solu-ciona problemas como a existência de
altos níveis de desemprego e inflação. Aoperação do sistema de mercado necessitade uma série de contratos que depende daproteção e da estrutura legal asseguradaspelo Estado. Há também os bens públicosque não podem ser fornecidos de formacompatível com as necessidades da socie-dade por meio do sistema de mercado;bens que produzem externalidades nãosão ofertados eficientemente.
O mercado, por si só, não é capaz deassegurar elevados níveis de emprego,estabilidade dos preços, elevadas taxas dedesenvolvimento econômico e estabilidade
nas transações com o exterior. Por isso, asmais importantes (ou mais complexas)questões em economia são: qual deveriaser o papel do Estado na economia? Quaisseriam os melhores instrumentos para oEstado atuar na economia? Poderia o Estadopromover um equilíbrio econômico ótimo?Quais seriam as condições exigidas para
justificar uma maior atuação do Estado naeconomia? Sem dúvida, a primeira condiçãorelaciona-se a seu foco: o Estado deve estarconcentrado no interesse público. Mas oEstado também tem de estar provido deinformações e de mecanismos eficientesde intervenção. Por fim, o Estado devecontemplar as necessidades intergeracionais.Problemas ambientais, como aquecimentoglobal, desmatamento e extinção de espé-
cies e redução de recursos hídricos para aprodução e consumo humano, poluição,lixo, etc., também devem estar na ordemdas preocupações do Estado.
Mesmo que não haja garantias teóricasou empíricas quanto ao tamanho ótimo e aforma de atuação do Estado na economia,ainda assim é fato que as sociedadesmodernas não podem prescindir de suapresença. Incontestável também é a exis-tência de falhas de governo e que estas
podem agravar os problemas gerados pelasfalhas de mercado. Mas tudo isso apontapara uma única conclusão: o debate emtorno do tema está longe de se esgotar eenvolve mais do que divergências teóricas:está embotado de pensamentos ideológicose passionais. Isso tudo serve de estímulo(e não o contrário) para a manutençãodo interesse de acadêmicos, formadoresde opinião, formuladores de política epensadores livres no tema.
Daniellen do Vale é economista do Ministério do Desenvolvimento, Indústria eComércio Exterior (MDIC).
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MERCADOde Trabalho
O vaivém doscérebros migrantes
Profissionais qualif icados cruzam o país em busca de melhores oportunidadesde trabalho e qualidade de vida, criando fluxos de migração internaque ajudam no desenvolvimento e na desconcentração populacional
M a r c e l l o S i g w a l t
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I l u s t r a ç ã o : H
e r a l d o
L i m m a
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Desde a chegada dos portugueses,há cinco séculos, o Brasil foiocupado por ondas de imigrantesdas mais diferentes etnias.
Todavia, o país foi ocupado, principal-mente, pelo incessante ir e vir dos própriosbrasileiros. A atual distribuição espacial dapopulação é marcada por intensos fluxos
migratórios, em diferentes períodos denossa história e com motivações diversas.Temos as expedições bandeirantes quecumpriam a dupla finalidade de explorar osrecursos minerais e assegurar a ocupaçãopolítica do território no Brasil Colônia.Há também migrações de naturezaclimática, como as que ocorreram noNordeste em razão da seca, que, somadasa outros motivos, desde o fim do século
XIX empurraram grandes contingenteshumanos em direção às metrópoles doCentro-Sul em busca de outra perspectivade vida. Ou, ainda, por motivação econô-mica, desde os Soldados da Borracha,que se dispersaram pelas entranhas daAmazônia para explorar os seringais,durante a Segunda Guerra Mundial,passando pelos mineiros e nordestinosque, entre as décadas de 1950 e 1970,buscaram vagas na emergente indústria
paulista, até os gaúchos empreendedoresque há duas décadas vêm instaurando oagronegócio no Centro-Oeste.
Mas esse perfil começa a dar sinaisde mudança. Em vez de flagelados,agora é o pessoal de alta qualificaçãoprofissional que ganha destaque entreos milhares de brasileiros que percorremas regiões e cidades brasileiras. São oschamados cérebros migrantes. Comoos migrantes do passado, saem atrásde uma vida melhor. Mas há algumasdiferenças essenciais no perfil, conformedetectou a pesquisa A Migração como
Fator de Distribuição de Pessoas com Alta Escolaridade no Território Brasileiro,
desenvolvida pelos técnicos doIpea Agnesde França Serrano, Larissa de MoraisPinto, Ana Luiza Machado de Codese Herton Ellery Araújo. Para começar,esses migrantes têm alta escolaridade enão fogem das adversidades, mas buscammelhores oportunidades profissionaise desenvolvimento pessoal. E o maissingular: esse corte populacional temdemonstrado maior vigor para migrar,por apresentar uma condição financeirasuperior à daqueles de baixa escolaridade.
A pesquisa – que abrangeu 558microrregiões geográficas, envolvendo
todos os municípios brasileiros – definiutrês níveis educacionais para uma faixa
populacional de 18 anos ou mais de idade:baixa escolaridade, que abrange desde osindivíduos sem nenhuma escolarizaçãoformal até aqueles que não concluíram oensino médio; média escolaridade, quecompreende desde aqueles com ensinomédio completo até as pessoas com 25 oumais com ensino superior incompleto,e alta escolaridade, que leva em contatodo indivíduo com ensino superiorcompleto, mais os jovens entre 18 e 24anos que cursam esse nível.
Mas qual seria o lugar ideal paramorar? As cidades que ofereçam,
Probabilidade de migração, por período e níveis de escolaridade (1986-2010) (Em %)
Escolaridade 1986-1991 1995-2000 2005-2010
Baixa 7,8 6,8 5,0
Média 8,6 7,7 6,2
Alta 8,9 8,5 7,8
Total 7,9 7,1 5,7
Alta escolaridade lidera processo migratórioPela tabela abaixo, é possível observar que os percentuais do pessoal de alta escolaridade foram sempresuperiores aos das demais escolaridades.
Fonte: IBGE (1991; 2000; 2010). Elaboração dos autores.
Duais dos índices de Herfindahl-Hirschman, por período e níveis de escolaridade (1991-2010) (Em %)
Escolaridade 1991 2000 2010Baixa 2,8 14,6 16,5
Média 5,1 6 ,4 8,8
Alta 3,1 4,0 5,8
Total 10,1 11,1 12,1
Desconcentração lenta e gradualTabela que mede índice de concentração populacional revela que processo de desconcentração deverá se acentuar,mesmo que gradualmente, nos próximos anos
Fonte: IBGE (1991; 2000; 2010). Elaboração dos autores.
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simultaneamente, melhor colocaçãoprofissional, remuneração mais atra-ente, acesso ao ensino superior oudescanso e lazer. Esses são alguns dosingredientes que formam a receita daaventura dos cérebros migrantes que
têm, como meta comum, a conquistado bem-estar, qualidade de vida e umfuturo tranquilo. Contudo, tão ou maisimportante do que aferir as causas dofluxo migratório é apurar seu efeito deredistribuição da inteligência nacionalem diferentes pontos do país.
DOADORES E RECEPTORES A pesquisa doIpea – que se baseia na observação do
comportamento dos fluxos migratóriosnos cinco anos anteriores a cada um dostrês últimos Censos do IBGE – de 1991,2000 e 2010 – serviu para compreendermelhor os caminhos traçados nessemovimento, normalmente precedidopor outro, de capital e investimentos,privados ou públicos, que visam a obtero melhor custo-benefício em sua loca-lização regional.
De acordo com os últimos três CensosDemográficos do IBGE, é possível observarque a taxa de migração de pessoal dealta escolaridade está acima da médianacional, na qual são consideradas
todas as escolaridades, embora ambassejam declinantes. Pelo Censo de 1991,a taxa de migração era de 8,9% entre opessoal com curso superior, contra 7,9%da média nacional (de todas as escolari-
dades). No Censo de 2000, a relação erade 8,5% contra 7,1%. Por fim, o Censode 2010 registrou uma taxa de 7,8%de pessoal qualificado, bem superior àmédia nacional, de 5,7%.
Um dos destaques da pesquisa é ouso de duais dos índices de Herfindahl-Hirschman, pelos quais é possível mediro índice de concentração populacionalno país. De acordo com esse critério,
houve desconcentração populacional, de10,1%, em 1991, para 12,1%, em 2010.A menor concentração populacional
do país pertence à microrregião deTomé-Açu (PA), nos arredores de Belém,
Saldo São Paulo
até -1.000,00-1.000,00 --| -1,00
-1,00 --| 0,000,00 --| 1.805,28
Em São Paulo, ocorre um processo de “periferização”, em que pessoas de alta escolaridadepreferem se deslocar da Região Metropolitana da capital paulista para o seu “entorno”.Entre as cidades que mais receberam membros dessa faixa, destaque para Itapecerica daSerra (6.243), Osasco (6.097), Campinas (3.728) e Santos (3.373). Na relação com SãoPaulo, o Rio de Janeiro perde 1.800 pessoas de alta escolaridade, ou seja, “doa” mais doque “recebe” essa mão de obra qualificada.
-5.000
-10.000
-15.000
-20.000
-25.000
-30.000
-35.000
-40.000
-20.011
-35.914
-30.849
Perdas de São Paulo para o resto do Brasil(pessoas de alta escolaridade)
Entre 1986 e 1991 Entre 1995 e 2000 Entre 2005 e 2010
Saldos migratórios de sete microrregiões brasileiras em relação ao país (número de migrantes 2010)*
SP
SC
RJ
MG
PA
RS
Rio de Janeiro
Florianópolis
(*) Saldos positivos indicam a
recepção ou concentração depessoas e negativos, a perda ou evasão
Santa Maria
São Paulo
Belo Horizonte
Belém
DF
Belém-2.459
Belo Horizonte6.988
Rio de Janeiro-14.221
São Paulo-30.849
Florianópolis11.257
Brasília17.330
Santa Maria-3.068
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que apresenta índice de 2%. Na outraponta aparece Brasília, que registra24,2% de sua população com alta esco-laridade, consolidando-se como maiorcentro do país na absorção desse perfilsocioeconômico.
PRINCIPAIS ORIGENS As duas maioresregiões metropolitanas brasileiras, SãoPaulo e Rio de Janeiro, estão no topodas perdas de pessoal de alta qualifi-cação, ao passo que Brasília, Curitiba eFlorianópolis figuram entre as maioresreceptoras desse grupo. Entretanto,mesmo nas perdas, há diferenças clarasde perfil. Enquanto no caso paulistaisso ocorre no mesmo estado, no Rio de
Janeiro elas ultrapassam suas fronteiras,chegando à capital federal, que reúnequalidade de vida e oportunidades deacesso relativamente rápido ao setorpúblico. Próximas a São Paulo, as capitaisparanaense e catarinense também têmse beneficiado do processo de descon-centração populacional.
O acompanhamento em detalhe docaminho dos profissionais de alta quali-ficação pelo país permitiu identificargrupos distintos da população comalta escolaridade. É o caso de pessoasde idade mais avançada, que preferem
deixar São Paulo por cidades médias dopróprio estado, com melhor qualidadede vida e a um custo menor que, nocaso dos aluguéis, é significativamenteinferior ao existente na capital paulista.O maior poder aquisitivo desse segmentopessoal tem atraído investimentos por
parte de uma rede emergente de clínicasde repouso, de reabilitação ou lazer,mas também executivos, haja vista aproliferação de heliportos em casas deluxo dessas regiões.
EXECUTIVOS E APOSENTADOS Entre ascidades que mais receberam membrosdessa faixa, destaque para Itapecericada Serra (6.243), Osasco (6.097),
Campinas (3.728) e Santos (3.373).Na relação com São Paulo, o Rio deJaneiro perde 1.800 pessoas de altaescolaridade, ou seja, “doa” mais doque recebe essa mão de obra qualifi-cada. Essa doação deve ser entendidanão como uma perda, mas como ummelhor aproveitamento de mão de obraespecializada em locais em que há maisdemanda. São Paulo enfrenta hoje umprocesso de periferização pelo qual aspessoas de alta escolaridade preferemse deslocar da região metropolitana,“se derramando para o seu entorno”,
explica Herton Ellery Araújo, diretorde Estudos e Políticas Sociais do Ipea e um dos autores da pesquisa.
Depois de priorizar cidades maispróximas à região metropolitana paulista,esse grupo qualificado busca tambémoutros destinos relativamente mais
distantes, como estâncias termais daregião de São Lourenço (MG), RibeirãoPreto e Campinas (SP) e Florianópolis,capital catarinense também na mira deexecutivos paulistas, além das cidadesindustriais do norte do estado, comoBlumenau, Joinville e Jaraguá do Sul.
TRANSBORDAMENTO DA MEGALÓPOLE Atrajetória dos fluxos migratórios em São
Paulo, medida nos últimos três CensosDemográficos pelo IBGE, não revelatendência de alta ou baixa no fluxo depessoal de alta escolaridade para essamicrorregião, no médio e no longo prazo.Em termos de saldos negativos (maissaídas do que entradas de migrantes),os Censos mostraram desaceleração doritmo de desconcentração populacional.Isso porque, pelo Censo de 1991, a capitalpaulista havia perdido 20 mil pessoas,que passaram a 35,9 mil no Censo de1995, até cair para 30,8 mil indivíduosno Censo de 2005. Atualmente, São
Saldo Brasília
até 900,00-900,00 --| -1,00-1,00 --| 0,000,00 --| 1.000,001.000,00 --| 1.685,62
Brasília absorveu principalmente pessoas de alta escolaridade do Rio de Janeiro(1.686), Goiânia (1.584) e Belo Horizonte (1.287). Maior absorvedor de mãode obra qualif icada do país, a capital brasileira perdeu 922 pessoas dessenível de formação para sua periferia, a microrregião do Entorno de Brasília.
Ganhos do Distrito Federal para o resto do Brasil
(pessoas de alta escolaridade)
20.000
18.000
16.000
14.000
12.000
10.000
8000
6000
4000
2000
0962
Entre 1986 e 1991 Entre 1995 e 2000 Entre 2005 e 2010
10.132
17.330
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Paulo está perdendo gente de todas asescolaridades, acumulando sucessivossaldos migratórios negativos desde adécada de 1990. Isso não significa quea população local esteja diminuindo,pois há o crescimento vegetativo dapopulação.
CAPITAL DA ESPERANÇA Assim como asorigens, o estudo revela os principaisdestinos dos canudos universitários
viajantes. É o caso do Distrito Federal,que se consolidou, nos últimos anos,na posição de maior polo receptor decérebros do país, os quais buscam opor-tunidades de ingresso no setor público,por meio de concursos a cargos emórgãos federais. A migração de pessoal
qualificado não parou de crescer, desde1986-1991, quando registrou a entradade 962 nesse período. No Censo de 2000,esse saldo positivo saltou para 10 mil,até chegar a 17 mil no último Censo,
de 2010, quando Brasília absorveu maispessoal de alta escolaridade do Rio deJaneiro (1,7 mil), Goiânia (1,6 mil) eBelo Horizonte (1,3 mil). No mesmoperíodo, a capital brasileira teve de ceder922 pessoas qualificadas à sua periferia,na microrregião relativa a seu entorno.
O último Censo também revela queBrasília é o segundo polo receptor decérebros de São Paulo, com 620 pessoasdessa faixa educacional, dividindo aposição com Florianópolis, que recebeu
Saldo Rio de Janeiro
até -1.000,00-1.000,00 --| -1,00-1,00 --| 0,000,00 --| 1.805,28
O Rio de Janeiro perde mão de obra qualificada, principalmente para aRegião dos Lagos (3.713), São Paulo (1.810) e Distrito Federal (1.685).
Perdas do Rio de Janeiro para o resto do Brasil(pessoas de alta escolaridade)
-12.000
-12.500
-13.000
-13.500
-14.000
-14.500
-15.000
-15.500
-16.000
-16.500
-16.045
Entre 1986 e 1991 Entre 1995 e 2000 Entre 2005 e 2010
-13.457
-14.221
Saldo Curitiba
até -1,00-1,00 --| 0,000,00 --| 500,00500,00 --| 1.396,40
A microrregião de Curitiba absorveu mais cérebros de São Paulo (1.396),seguido por Londrina (996), Ponta Grossa (809) e Guarapuava (697).
Ganhos de Curitiba para o resto do Brasil
(pessoas de alta escolaridade)
14.000
12.000
10.000
8.000
6.000
4.000
2.000
–
4.006
Entre 1986 e 1991 Entre 1995 e 2000 Entre 2005 e 2010
9.067
12.512
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a mesma quantidade. Ambas perderamapenas para Curitiba, que recebeu 1,4mil migrantes. Neste caso, a proximidadeentre ambas as metrópoles favorecemuito a capital paranaense.
Desde sua gênese, Brasília é um caso
à parte. Inaugurada em 1960, entãochamada de Capital da Esperança,passou a contar com fluxo crescente derecursos federais e com a Universidadede Brasília (UnB), um polo de conhe-cimento que se tornou matriz da vastarede de ensino superior hoje existente,sem contar a proliferação de cursospreparatórios para concursos e vesti-
bulares. A interação desses fatores fezcom que a microrregião de Brasíliaconsolidasse a liderança nacional demigrantes de alta escolaridade do paísem relação à população total. Em 2010,essa era a microrregião brasileira de
maior porcentagem de pessoas comalta escolaridade (24,2%).
EXPORTAÇÃO CARIOCA Embora apresenteo mesmo fenômeno de desconcentraçãopopulacional paulista, a sangria cariocade cérebros é mais acentuada, pois essedeslocamento ocorre, em termos quantita-
tivos, tanto dentro quanto fora do estado.Lidera a recepção de pessoal qualificadoprocedente da microrregião do Rio deJaneiro a Região Norte Fluminense (3,7mil), seguida de São Paulo (1,8 mil) eDistrito Federal (1,6 mil). O interesse
pela Região Norte Fluminense estárelacionado com a demanda de profis-sionais pelo complexo de petróleo e gásali instalado. No cômputo das saídaslíquidas, o Rio amenizou um fluxo nega-tivo, tendo exportado 15.045 cérebros,em 1991, número que diminuiu para13.457, em 2000, e voltou a aumentarpara 14.221, em 2010.
BEM-VINDOS, ESTRANGEIROS
Com gerações de idade mais avançada no Brasil, populaçãoimigrante caiu de 7,3% em 1900 para 0,3% em 2010
Em que pese a aceleração da imigração de trabalhadoresestrangeiros para o Brasil desde a crise internacional de
2009 e a melhora dos fluxos na educação brasileira, o fatoé que o país se ressente do fato de não possuir mão de obraqualificada em quantidade suficiente para turbinar maioresganhos de produtividade. Atualmente, a taxa de imigraçãobrasileira é muito baixa, pois, enquanto a média mundialé de 3% de imigrantes em relação à população do país, noBrasil esse índice não supera 0,3% do total de habitantes,muito menos que os 7,3% registrados na virada entre osséculos XIX e XX.
A taxa brasileira atual é menor que a da também fechadaAmérica Latina e muito menor que a de outros países grandes
como Austrália, Canadá ou Estados Unidos. O interesseem migrar para o Brasil cresceu nos anos recentes e umasérie de resoluções infralegais vem tornando a vida dosimigrantes menos complicada, mas há um longo caminhoentre o país e a média mundial. No primeiro trimestre de2014, o número de permissões de trabalho a estrangeirosfoi 12% maior que em igual período de 2013. Entre osrecém-chegados, a maioria vem de Itália, Japão e Portugal.São Paulo é o estado que mais atrai imigrantes, seguido doRio de Janeiro e Ceará.
A diretora da Subsecretaria de Ações Estratégicas daSecretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência daRepública (SAE/PR), Rosane Mendonça, entende que
existem mais pontos positivos do que negativos sobre aimportação de cérebros. “Além de suprir a falta de mão deobra qualificada, esses trabalhadores imigrantes trazemuma quantidade enorme de conhecimento que contribuirámuito em áreas como inovação.”
Entre os maiores entraves à entrada dos imigrantes no país,Rosane cita a validação dos diplomas dos países de origemdos estrangeiros por uma instituição nacional, pois muitos
não são reconhecidos aqui. “Também há dificuldades paraobter coisas simples, como documento de identidade, assimcomo facilitar a mobilidade entre empresas, mudanças quepoderiam ser introduzidas na revisão da Lei de Imigração”,acrescenta. Segundo ela, pesquisa desenvolvida pela SAEe pelo Ministério da Justiça junto a mais de 100 empresaspoderá dar uma visão mais clara dos problemas relacio-nados à importação de mão de obra pelo Brasil. “Ouvindoas empresas e sistematizando a informação, conheceremosmelhor os entraves. A previsão é de que até setembro vamosdivulgar esses resultados”, prevê Rosane.
Em uma época de crescentes fluxos internacionais depessoas, a Lei de Imigração brasileira ainda remonta aoclima da Guerra Fria e da ditadura, que exilava opositorese desconfiava da entrada no país de potenciais adversáriosdo regime, tratando a migração como questão, sobretudo,de segurança nacional.
“Não somos do hemisfério norte, temos muito espaço,trabalho, demanda e luta pela frente. Os estrangeiros sãomuito bem-vindos”, afirma a doutora em Antropologia MárciaSprandel. De fato, a SAE vem conduzindo levantamentosque indicam o apoio da maioria dos brasileiros à vinda deprofissionais qualificados de outros países. À revelia dosnúmeros censitários, o Brasil preserva sua auto-imagem de
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EFEITO SANFONA Cidades universitárias,como Santa Maria (RS) e Viçosa (MG),têm características próprias quanto aofluxo migratório. Nelas ocorre umaespécie de “efeito sanfona”, pois recebemum contingente expressivo de migrantes
em busca de uma formação superior,durante certo período. Uma vez formado,esse pessoal qualificado retorna às suascidades de origem ou para estados quelhes apresentem demanda profissional.
“Por ser uma cidade universitária,Santa Maria (RS) é uma fábrica depessoas com alta escolaridade. Nãotem pujança econômica para segurar
as pessoas. O mesmo ocorre com atambém universitária cidade de Viçosa,em Minas”, diz Ellery.
DOADORA UNIVERSAL Batizada de “doadorauniversal” pelos pesquisadores, Belém(PA) se destaca na Região Norte porapresentar saldo migratório marcadopela saída de 2.459 indivíduos de altaescolaridade entre 1986 e 1991. Segundo
dados dos Censos de 2000 e de 2010, acapacidade de atração da microrregião dacapital paraense caiu ainda mais, mesmopara os indivíduos de baixa escolaridade.A maioria de seus migrantes se dirige –ainda em grande número – a São Paulo,que atraiu 1.123 pessoas. Em segundolugar, a microrregião de Macapá (872)e Rio de Janeiro (711).
24,2%era a taxa de
pessoas com alta escolaridade em Brasilia,em 2010. A maior do país na época.
país de imigrantes, que recebe de braços abertos não apenasos estrangeiros dispostos a “gastar dinheiro” ao consumirserviços brasileiros no turismo, mas também os que aquichegam para se fixar, intercambiar conhecimentos, culturase “fazer dinheiro” em solo verde-amarelo.
CONHECIMENTO IRRADIADO Sobre o período em que a proporção
de estrangeiros no país atingiu a crista da série históricaconhecida, o Ipea publicou em 2008 o estudo Mudanças naconcentração espacial das ocupações nas atividades manufa-tureiras no Brasil - 1872-1920, dos economistas LeonardoMonasterio e Eustáquio Reis. A partir de indicadores tãodesagregados espacialmente quanto possível a partir dos dadoshistóricos disponíveis, o trabalho mostra a relação positiva dasproporções de imigrantes na manufatura em cada localidadebrasileira em 1872 com os percentuais de população localposteriormente ocupados na manufatura em 1920.
O papel desempenhado por imigrantes europeus em 1872
no desenvolvimento industrial, associado a investimentosna infraestrutura logística, é apoiado pelos coeficientesestimados: uma parcela maior de estrangeiros nas ocupa-ções manufatureiras em 1872 impacta positivamente ocrescimento relativo dessas ocupações no local, mudando aconcentração espacial das atividades econômicas e da forçade trabalho no país.
“Em suma, a explicação está na redução dos custos detransporte gerada pelas ferrovias associada à imigraçãointernacional subsidiada como solução institucional paraa carência de mão de obra. O modelo de localização dasatividades manufatureiras em 1920 sugere a importância doscustos de transporte, forças aglomerativas e externalidades
associadas à imigração na concentração espacial da indústriabrasileira”, afirmam os autores. As tais externalidades seriamos efeitos positivos da mistura de conhecimentos e tecnolo-gias introduzidas pelos estrangeiros sobre a produtividadee a renda dos trabalhadores locais à sua volta.
PASSE LIVRE O trabalho destaca que, na década de 1890, o
estado e a cidade de São Paulo, em particular, absorveramfluxos maciços de imigrantes estrangeiros. Grande partedesses fluxos foi viabilizada pelo custeio da viagem peloestado de São Paulo. A parcela da imigração subsidiada –em oposição à espontânea – foi de mais de 72%. Duranteesse período, o fluxo bruto de imigrantes para São Paulofoi de mais de 1,13 milhão de pessoas, que se compara comuma população total de menos de 1,4 milhão de habitantesem 1890. Além de atenuar a escassez de mão de obra, aimigração internacional contribuiu aportando capitalfinanceiro, tecnologia e capital humano, sobretudo para a
cidade de São Paulo.Em 1890, a taxa de analfabetismo da população masculina
no Brasil e no estado de São Paulo era, aproximadamente,81%, e na cidade de São Paulo, 65%. Em 1920, a cifra caiupara próximo de 70% no Brasil e no estado de São Paulo epara 36% na cidade de São Paulo. As economias de escalae de aglomeração decorrentes da redução dos custos detransporte e o acúmulo de capital humano e tecnologiapossibilitaram à cidade de São Paulo se tornar o epicentroda industrialização brasileira. Entre 1890 e 1930, aproxi-madamente 2 milhões de estrangeiros imigraram para SãoPaulo, contra apenas 500 mil brasileiros. Só a partir de 1930os fluxos de migração interna tornaram-se significativos.
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Saldo Florianópolis
até -1,00-1,00 --| 0,000,00 --| 500,00500,00 --| 1.396,40
Florianópolis absorveu mais pessoal de alta escolaridade (840) deBlumenau, São Paulo (620) e Chapecó (613).
Ganhos de Florianópolis para o resto do Brasil(pessoas de alta escolaridade)
12.000
10.000
8.000
6.000
4.000
2.000
–
2.713
Entre 1986 e 1991 Entre 1995 e 2000 Entre 2005 e 2010
5.275
11.257
No que se refere aos fluxos esta-belecidos com o Sudeste, o Sul e oCentro-Oeste, a migração dos altamenteescolarizados oriundos da microrregiãoBelém prov