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ENAP RSP Revista do Serviço Público o vol. 62, n 1 - Jan/Mar 2011 - ISSN:0034/9240 Ética na pesquisa agropecuária: percepção dos pesquisadores da Embrapa Regina Lucia Ramos Lourenço e Marcel Bursztyn Estudo socioterritorial e investimentos públicos: o processo de alocação de recursos do orçamento participativo em Serra/Es Cristiano das Neves Bodart Balanced Scorecard: adequação para a gestão estratégica nas organizações públicas Rozelito Felix, Patrícia do Prado Felix e Rafael Timóteo Auditoria interna como instrumento de controle social na administração pública Célia Marçola RSP Revisitada: Em prol de um Código de Ética para o serviço público Harvey Walker

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RSP Revista do Serviço Públicoo

vo l . 62 , n 1 - Jan /Mar 2011 - ISSN:0034/9240

Ética na pesquisa agropecuária: percepção dos pesquisadores da Embrapa

Regina Lucia Ramos Lourenço e Marcel Bursztyn

Estudo socioterritorial e investimentos públicos: o processo de alocação

de recursos do orçamento participativo em Serra/Es

Cristiano das Neves Bodart

Balanced Scorecard: adequação para a gestão estratégica nas

organizações públicas

Rozelito Felix, Patrícia do Prado Felix e Rafael Timóteo

Auditoria interna como instrumento de controle social na

administração pública

Célia Marçola

RSP Revisitada: Em prol de um Código de Ética para o serviço público

Harvey Walker

RSP

ENAP Escola Nacional de Administração Pública

Brasília – 2011

Missão da Revista do Serviço PúblicoDisseminar conhecimento sobre a gestãode políticas públicas, estimular a reflexão eo debate e promover o desenvolvimento deservidores e sua interação com a cidadania.

ENAP Escola Nacional de Administração PúblicaPresidente: Helena Kerr do AmaralDiretor de Formação Profissional: Paulo CarvalhoDiretora de Desenv. Gerencial: Margaret BaroniDiretora de Comunicação e Pesquisa: ElisabeteFerrarezi (interina)Diretora de Gestão Interna: Mary Cheng

Conselho EditorialBarbara Freitag-Rouanet, Fernando Luiz Abrucio,Helena Kerr do Amaral, Hélio Zylberstajn, LúciaMelo, Luiz Henrique Proença Soares, MarcelBursztyn, Marco Aurelio Garcia, Marcus AndréMelo, Maria Paula Dallari Bucci, Maria Rita G.Loureiro Durand, Nelson Machado, Paulo Motta,

Reynaldo Fernandes, Silvio Lemos Meira, SôniaMiriam Draibe, Tarso Fernando Herz Genro,Vicente Carlos Y Plá Trevas, Zairo B. Cheibub.PeriodicidadeA Revista do Serviço Público é uma publicaçãotrimestral da Escola Nacional de AdministraçãoPública.

Comissão EditorialHelena Kerr do Amaral, Paula Montagner, PauloSergio de Carvalho, Elisabete Ferrarezi, Livino SilvaNeto.

ExpedienteEdição: Elisabete Ferrarezi. Subedição: HeloisaCristaldo; Projeto gráfico: Livino Silva Neto. Revisão:Daniella Álvares de Melo; Heloisa Cristaldo eRoberto Carlos R. Araújo. Revisão gráfica: Livino SilvaNeto. Fotos: Ana Carla Gualberto Cardoso, AlicePrina e Vinícius A. Loureiro. Editoração eletrônica:Maria Marta da R. Vasconcelos.

© ENAP, 2011Tiragem: 1.000 exemplaresAssinatura anual: R$ 40,00 (quatro números)Exemplar avulso: R$ 12,00Os números da RSP Revista do Serviço Público anterioresestão disponíveis na íntegra no sítio da ENAP:www.enap.gov.br

As opiniões expressas nos artigos aqui publicados sãode inteira responsabilidade de seus autores e nãoexpressam, necessariamente, as da RSP.

A reprodução total ou parcial é permitida desde quecitada a fonte.

Revista do Serviço Público. 1937 - . Brasília: ENAP, 1937 - .

v. : il.

ISSN:0034/9240

Editada pelo DASP em nov. de 1937 e publicada no Rio de Janeiro até 1959. A periodicidade varia desde o primeiro ano de circulação, sendo que a partir dos últimosanos teve predominância trimestral (1998/2007). Interrompida no período de 1975/1980 e 1990/1993.

1. Administração Pública – Periódicos. I. Escola Nacional de Administração Pública.CDD: 350.005

Fundação Escola Nacional de Administração PúblicaSAIS – Área 2-A70610-900 – Brasília, DFTelefone: (61) 2020 3096/3092 – Fax: (61) 2020 [email protected]

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SumárioContents

Ética na pesquisa agropecuária: percepção dos pesquisadores da Embrapa 05Ethics in agricultural research: perceptions of Embrapa’s researchersRegina Lucia Ramos Lourenço e Marcel Bursztyn

Estudo socioterritorial e investimentos públicos: o processo de alocaçãode recursos do orçamento participativo em Serra/Es 25Study and territorial social and public investments: the process ofallocation of resources budgeting in Sierra/EsCristiano das Neves Bodart

Balanced Scorecard: adequação para a gestão estratégica nasorganizações públicas 51Balanced Scorecard: adequacy to the strategic management onpublic organizations.Rozelito Felix, Patrícia do Prado Felix e Rafael Timóteo

Auditoria interna como instrumento de controle social naadministração pública 75Internal audit as an instrument of social control in public administrationCélia Marçola

RSP Revisitada: Em prol de um Código de Ética para o serviço público 89Harvey Walker

Para saber mais 93

Acontece na ENAP 95

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Regina Lucia Ramos Lourenço e Marcel Bursztyn

Revista do Serviço Público Brasília 62 (1): 5-24 Jan/Mar 2011 5

RSP

Ética na pesquisaagropecuária: percepção dos

pesquisadores da Embrapa

Regina Lucia Ramos Lourenço e Marcel Bursztyn

Introdução

No mundo moderno, avança a percepção de que os cientistas são

responsáveis pelos conhecimentos que produzem, como assinala Hans Jonas

(1991, p.133), ao evocar o Princípio da Responsabilidade, “O homem é o único

ser conhecido que pode ter responsabilidade. Na medida em que ele a pode ter,

ele a tem. A capacidade de responsabilidade significa já a colocação sob seu

imperativo: o próprio poder leva consigo o dever”.

Têm surgido questionamentos sobre a ciência e sua atuação: são necessárias

as discussões sobre ética na ciência? A ciência pode estar dissociada de seus

resultados? Os cientistas devem considerar os impactos político e social de

suas pesquisas? Os cientistas estão isentos da responsabilidade sobre o uso dos

conhecimentos que ajudaram a produzir? Esses questionamentos surgem no

momento em que se expressa na sociedade, por um lado, o distanciamento do

homem em relação aos princípios éticos elementares e, por outro, a exigência, a

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expectativa e a busca determinada por essesprincípios fundamentais para a manutençãoda vida e a melhoria da qualidade de vidadas pessoas.

A necessidade de estar e se mostrarem conformidade com princípios éticosse torna cada vez mais evidente para asorganizações, pois a sociedade exige cadavez mais segurança no desenvolvimentoe na aplicação da ciência. Com a acele-ração do ritmo de avanço da ciência edas suas aplicações a processos diversos,aumentam as dúvidas quanto a seus efeitosdiretos e indiretos. Problemas associadosao meio ambiente, à saúde e ao compor-tamento humano, à geopolítica, ao direitoe à justiça social, entre outros campos, sãoevocados como alerta para o imperativode se dispor de mecanismos de regulaçãoda ciência. Atualmente há forte tendênciaa se estabelecer, nas instituições depesquisa, práticas que permitem asseguraro cumprimento de códigos de conduta(deontologias) e a observância deprincípios éticos consagrados.

Em uma sociedade democrática econsciente, os indivíduos, que são aomesmo tempo financiadores e usuários doavanço em ciência e tecnologia (C&T),passam a se interessar e exigir transparênciae ética nos processos de geração e uso deconhecimentos. Isso significa amploespectro de iniciativas, que vão dar garantiasde qualidade aos produtos, passando pelasimplicações de seu uso, até mesmo aosprocedimentos (técnicos, sociais, legais)empregados na sua produção.

Além de exigências pela sociedade, quetende a constituir base legal, a conduta éticaé um diferencial importante, na medida emque a sociedade começa a cobrar açõesem sintonia com o paradigma de umdesenvolvimento que obedeça a critériosde sustentabilidade. Dessa forma, a

sociedade tem valorizado empresas eorganismos que, além de cumprirem comcompetência sua missão, têm tambémrealizado isso de forma ética, preservandoo meio ambiente e a vida, e contribuindode alguma forma para a justiça social.

Uma evidência dessa tendência é opapel de destaque que o tema “ética napesquisa” vem ocupando no Brasil e noexterior, se materializando em exigênciasda inserção de tais aspectos nos projetosde pesquisa. No Brasil já é fato a exigênciade avaliação ética em diversos segmentosde pesquisa – seres humanos, bioética,experimentação animal. Na Europa, essadimensão ética começa a ser uma exigênciadas agências de financiamento e instituiçõesde pesquisa para aprovação de projetos.Como exemplo dessa tendência inter-nacional, cita-se um manual publicado em2007, contendo instruções para pesqui-sadores (PAUWELS, 2007). O documentoserve de referência à elaboração e imple-mentação de projetos de pesquisa finan-ciados pela União Europeia, que passarama exigir a consideração dos aspectos éticosna condução dos trabalhos de pesquisa porconsultores independentes, visando garantirque as pesquisas e atividades sejamrealizadas conforme princípios éticosfundamentais.

A Embrapa, empresa pública, ligadaao segmento agropecuário brasileiro,organização na qual foi realizado esteestudo, tem a missão de “viabilizar soluçõesde pesquisa, desenvolvimento e inovaçãopara a sustentabilidade da agricultura, embenefício da sociedade brasileira” (BRASIL,2008, p.18). Procedimentos associados àética na pesquisa podem ser observadosjá na definição da missão da Empresa, masse entende que esses devem ser acompa-nhados de práticas de gestão que favo-reçam a sua implementação por parte de

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todos os atores, –os quais devem estarenvolvidos e comprometidos com taisquestões. Entretanto, dois elementos sãoessenciais: consciência e regulações. Ou, emuma palavra, responsabilidade (institucionale individual). Isso exige mudanças decomportamento e de práticas, indo alémda mera adoção de códigos de conduta.

Essa pesquisa visa responder àsseguintes questões: em que princípios oscientistas da Embrapa se pautam pararealizar a pesquisa agropecuária? Quais osprincípios éticos que a Empresa perseguena execução da sua missão de pesquisa? Oque os pesquisadores pensam sobre éticana pesquisa agropecuária? Buscou-se, ainda,entender e analisar como os pesquisadorespercebem a questão da ética na pesquisaem geral, e verificar se os princípios éticosestão de fato contidos nas normas e demaisdocumentos da Empresa.

C&T e ética

Ciência, tecnologia e inovação (CT&I)“são elementos essenciais ao crescimento,à competitividade e ao desenvolvimentode empresas, regiões e países... Tambémtêm importância fundamental na determi-nação do estilo de desenvolvimento deregiões ou nações e na forma como esseafeta no presente e afetará no futuro aqualidade de vida da população em gerale de seus diversos segmentos” (VIOTTI eMACEDO, 2003, p.21).

Entretanto, conforme assinalam váriosautores, tem havido mudança na interaçãoentre a ciência e a sociedade, que questiona aciência como atividade própria e restrita aoscientistas, para que se torne um campotambém de interesse do público leigo. Nesseprocesso haveria certa perda do status daciência como “torre de marfim” ou, pelomenos, o seu deslocamento em alguma

medida na escala de prestígio social (MERTON,1970; RAVETZ, 1982; SCHWARTZMAN, 2002).

Visando ilustrar essa questão, foi realiza-da, em 2002 e 2003, uma pesquisa de per-cepção pública da ciência (VOGT e POLINO,2003) em quatro países (Argentina, Brasil,Espanha e Uruguai). Apesar de ser um estu-do de proporções relativamente pequenas, éinteressante observar alguns resultados. Noquesito “utilidade da ciência”, a maioria dosentrevistados dos quatro países (72%) con-

cordou que “o desenvolvimento da ciênciae da tecnologia é o principal motivo demelhoria da qualidade de vida da sociedade”.Entretanto, a grande maioria (85,9%) negaque a ciência e a tecnologia possam solucionartodos os problemas.

A literatura chama a atenção paraproblemas de pequenas e de grandesproporções decorrentes da C&T ou do

“A necessidade deestar e se mostrarem conformidadecom princípioséticos se torna cadavez mais evidentepara asorganizações,pois a sociedadeexige cada vezmais segurançano desenvolvimentoe na aplicação daciência”

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seu mau uso. Ravetz (1982) lembra asbombas atômicas que caíram sobre os civisde Hiroshima e Nagasaki. Webster (1991)cita os casos de acidentes nucleares na usinaatômica de Chernobyl (Ucrânia) e doreator nuclear “Three Mile Island”, no estadoda Pensilvânia, nos EUA. Valls (2001)lembra também o dramático acidentequímico na fábrica da Union Carbide, emBophal, na Índia.

Pesquisa realizada nos EUA, comcientistas da área médica dos InstitutosNacionais de Saúde (NIH), aponta que umterço dos 3.247 que responderam aosquestionários afirmou ter cometido“alguma improbidade em seus estudosnos últimos três anos”. O questionárioincluía16 perguntas a respeito de má-conduta científica, com diferentes níveis degravidade, desde “você manteve registrosinadequados de suas pesquisas?” até “vocêfalsificou ou ‘fabricou’ dados de pesquisa?”.Questionava ainda sobre a mudança doprojeto, da metodologia ou dos resultadosde estudos, por pressões de fontes definanciamento. Nessa questão, 15,5%responderam afirmativamente, o queremete à questão do ambiente atuando naintegridade da pesquisa. Apesar de oestudo se restringir à área médica nos EUA,os dados são preocupantes. Como oestudo evidencia, as “pequenas” infraçõesno mundo científico podem fazer mais malà integridade da comunidade científica doque os grandes escândalos que de vez emquando são noticiados pela imprensa(NOGUEIRA, 2005), visto que grandesescândalos têm destaque garantido na mídia,abrindo oportunidade aos atores parainterferirem na redução dos danos ou nainibição de incidentes futuros. Entretanto,casos de fraude e adulteração de resultadospodem causar danos não calculados, comimpactos negativos à imagem da ciência.

Sobre integridade científica no Brasil,Azevedo (2005) relata que o Office of ResearchIntegrity (ORI) dos EUA informou que, noperíodo de 1994 a 2003, houve 133 casosde “má condução científica, 53% por falsi-ficação de dados, 29% por fabricação deresultados, 36% por ações conjuntasde fabricação/falsificação, entre outrasdesonestidades ocorridas com menoresfrequências”.

Observa-se que não existe consenso naliteratura sobre o estabelecimento de limitespara a ciência. Há autores que defendem atotal liberdade da ciência. Diniz (2004) con-sidera que “cientistas são pessoas quequestionam constantemente a maneiracomo vemos o mundo. Sem a liberdadepara esse questionamento, a ciência perdeseu sentido”. Advoga que a ciência precisaser livre “para ser um dos motores dodesenvolvimento de um país”. Bronowski(1979), que participou do Projeto Manhatan,que produziu as bombas de Hiroshima eNagasaki, adverte sobre a importância deuma “ciência ética”, a partir daquelemomento em que o “homem-deus” substi-tuíra Deus como mestre da natureza, comcapacidade para dominá-la e destruí-la.Assim, sugere que sejam criados mecanismospara que a ciência regule a ciência.

Na reflexão sobre esse assunto, não sepode deixar de analisar o ethos da ciência,segundo a visão de Merton (1979, p.41),descrevendo quatro passos que chamou de“imperativos institucionais (mores)”:universalismo, comunismo ou socialização,desinteresse e ceticismo organizado.Segundo esse autor, os mores da ciênciase referem a prescrições morais e técnicase “têm uma explicação racional metodo-lógica, mas são moralmente obrigatórios,não somente porque são eficazes do pontode vista do procedimento, mas tambémporque são considerados justos e bons”.

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Ética é uma palavra rica em signi-ficados. Entretanto, para efeito destetrabalho, considerou-se uma definição maisrestrita ao mundo do trabalho: conjuntode princípios morais de uma classe de pro-fissionais ou de integrantes de uma organi-zação, refletido na ação de cada indivíduo.

Cañas-Quirós (1998) propõe umaforma didática que permite compreendermelhor o conceito e uso do termo “ética”.Argumenta que ao se falar em ética comociência normativa, referente à retidão dosatos humanos, com base em princípios ra-cionais, trata-se de “ética geral”, que re-mete à metafísica e à antropologia filosó-fica e busca explicar questões comoliberdade, natureza do bem e do mal, feli-cidade e outros. Chama de “ética aplica-da” aquela que busca levar para a práticaos fundamentos gerais da ética. Os princí-pios básicos seriam sedimentados no pla-no individual, familiar e social. O nível so-cial se subdivide em outros ramos, comoética internacional, econômica, profissio-nal, institucional, entre outros.

Ética na pesquisa agropecuária

Ainda que a bioética seja um tema emexpansão no meio acadêmico, sobre a éticana pesquisa agropecuária brasileira, doponto de vista da comunidade científica,encontram-se questões éticas na literatura,apesar de alguns estudos não trazerem nosseus títulos a palavra ética. Esse tema étratado como um dos dilemas da pesquisacientífica no Brasil. Também há muito, porparte de estudiosos e da sociedade emgeral, a discussão e expressão de preo-cupações com a ética em assuntos afetos àpesquisa agropecuária na literatura e namídia eletrônica, digital e impressa. Citam-se, entre outras, pesquisas biotecnológicase utilização de animais em pesquisas.

No caso da biotecnologia, há leis noBrasil que regulam sua utilização (Lei deBiossegurança), inclusive com a criação deórgãos reguladores. No caso de animais,tem-se a Lei no 11.794, de 08/02/2008, queregulamenta o inciso VII do § 1o do art.225 da Constituição Federal (BRASIL, 1988),estabelecendo procedimentos para o usocientífico de animais. A Resolução 196/961,do Conselho Nacional de Saúde doMinistério da Saúde (MINISTÉRIO DA SAÚDE,1996), estabelece diretrizes e normasregulamentadoras sobre pesquisa envol-vendo seres humanos. Tem-se ainda noBrasil leis sobre a propriedade intelectual eoutras que regulamentam segmentos daatividade agropecuária. Essas leis e normas,apesar de não versar diretamente sobreética, trazem princípios éticos aplicáveis àpesquisa agropecuária.

Tem sido destacada a importância doestabelecimento e da busca por uma éticainstitucional claramente definida que,segundo Humberg, constitui “padrões decomportamento que correspondem avalores reais, aceitos e assumidos pelos com-ponentes da organização, a partir de suacúpula” (HUMBERG, 2002, p. 25). Este autorfaz a seguinte analogia: “a ética é como aágua: corre de cima para baixo”, isto é, aempresa se parece com o seu dono. Osdirigentes devem ter e mostrar uma con-duta ética adequada, pois caso não o façam,darão aos seus colaboradores o direito defazer o mesmo. No caso de empresapública, o “dono”, que é a sociedade brasi-leira, se faz representar pelos seus dirigentes.Dessa forma, as instituições devem investirno padrão ético dos seus dirigentes emtodos os níveis. Singer (1998), discorrendosobre a tomada de decisões, cita duas possi-bilidades, que é o vazio ético absoluto, emque ele considera que há um desconheci-mento total de considerações de natureza

Ética na pesquisa agropecuária: percepção dos pesquisadores da Embrapa

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ética e um estágio pré-ético de pensamento,em que a consciência ética não está aindatotalmente desenvolvida. Essas duas possi-bilidades podem existir em uma organizaçãoe esta pode atuar no sentido do desenvol-vimento da consciência ética, com estratégiassemelhantes às da educação.

A Embrapa sempre procurou deixarclaro para os empregados os princípios evalores da Empresa por meio de docu-mentos e normas. Os Planos Diretoresda Embrapa (PDE), instituídos desde ofinal da década de 1980, explicitam asgrandes linhas de orientação para as ativi-dades desenvolvidas pela Empresa,incluindo a missão, a visão de futuro, osvalores, os objetivos e as diretrizes estra-tégicas. A ética é um dos valores quesempre esteve inserido nesses Planos. OCódigo de Ética da Embrapa, instituídoem dezembro de 2004, traz alguns prin-cípios de ética na pesquisa, em seu CapítuloIV. Normas internas também orientam ospesquisadores sobre condutas éticasreferentes a alguns temas, como porexemplo, publicações.

Procedimentos metodológicos

A pesquisa teve caráter exploratório,qualitativo e quantitativo. A coleta dedados foi realizada no final do ano de2005. Inicialmente, realizou-se a pesquisaqualitativa a partir de entrevistas indivi-duais, com um roteiro semiestruturado,aplicado em 21 formadores de opinião.O resultado da análise de dados subsi-diou a construção de um questionário queabordou o tema da ética na pesquisaagropecuária e que foi aplicado à popu-lação de 1.846 cientistas da Embrapa. Parase chegar a essa população, partiu-se donúmero total de pesquisadores (2.246),subtraídos aqueles que estavam afastados

por licença de longo período, à dispo-sição de outros órgãos, e os que nãodispunham de e-mail. O índice derespostas ao questionário foi de 26,65%(492 pesquisadores). Esses dados foramtratados e analisados estatisticamente pormeio de análises descritivas. Os resultadossão apresentados a partir dos temas abor-dados na pesquisa quantitativa e algunsresultados da qualitativa, para efeito decomparação ou de comprovação.

A média de idade dos respondentes éde 46,34 anos (abaixo da média de idadeda população pesquisada, que é de 48,17anos); a média do tempo de serviço é de16,49 anos (pouco abaixo da média dapopulação pesquisada, que é de 17,39anos); e 69% são do sexo masculino, e 31%do sexo feminino (da população estudada,25,95% são do sexo feminino).

O questionário obteve um percentualde respostas de 26,65%. Pode-se inferirdisso e das declarações dos participantesda pesquisa, que o tema desperta ou traduzo interesse dos pesquisados.

Opinião dos atores sobre éticana pesquisa

Trata-se de uma pesquisa de percepção.Robbins (1999, p. 62 e 63) define per-cepção como “um processo pelo qualindivíduos se organizam e interpretam suasimpressões sensoriais a fim de dar sentidoao seu ambiente”, não correspondendonecessariamente à realidade em si, mas àvisão de cada um. A percepção está condi-cionada a características de quem percebe:atitudes, motivações, interesses, experiênciase expectativas, entre outras; a fatores dasituação: tempo, local de trabalho, situaçãosocial; e a fatores no alvo observado:novidade, movimento, som, tamanho, fun-do e proximidade.

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Apesar da dificuldade de se com-preender totalmente o processo dapercepção e mesmo o fato de ela não cons-tituir a realidade objetiva, é importanteestudá-la, uma vez que “o comportamentodas pessoas é baseado em suas percepçõesdo que a realidade é, e não na realidadeem si. O mundo como ele é percebido éo mundo que é comportamentalmenteimportante” (ROBBINS, 1999, p. 62).

Relação entre ciência, pesquisa eética

Sobre a relação entre ciência, pes-quisa e ética, 63% da amostra (305pessoas) acredita que “a ética, a ciência ea pesquisa devem se complementar”;34% (169 pessoas) acredita que “a éticadeve estar acima da ciência e dapesquisa” (Figura 1).

A maioria dos pesquisadores daamostra e do grupo de formadores deopinião concorda que a ciência e a éticadevem ter uma relação estreita ou a éticadeve estar acima da ciência, representando96,34% da pesquisa quantitativa e 67% (14pessoas) da pesquisa qualitativa. Apenas um

terço dos pesquisadores consultados con-sidera que a ética está acima, antecedendoassim suas atividades.

Em que momento a ética deve serlevada em consideração na pesquisa

Opinaram que a ética deve ser levadaem consideração em todo o processo depesquisa 94,51% (465 pessoas), – asopções eram: na elaboração e na defini-ção de propostas, na análise do projeto,na avaliação dos resultados, na seleção deprojetos, em todo o processo de pesquisa,sendo permitido assinalar mais de umaalternativa. Houve uma distribuição maisou menos semelhante, cuja percentagemvariou de 16,46% (81 pessoas), na seleçãodos projetos, a 19,11% (94 pessoas), naelaboração das propostas (Figura 2).

Esse resultado vem ao encontro doobtido no item anterior “Relação entreciência, pesquisa e ética”, onde, somados,97% reconhecem na ética um componenteimportante para ser aliado à pesquisa. Dessaforma, pela opinião dos atores ouvidos,fica claro que não só a avaliação técnica dapesquisa deve ser considerada, como

Figura 1: Relação entre ciência, pesquisa e ética (%)

Ética na pesquisa agropecuária: percepção dos pesquisadores da Embrapa

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também a avaliação ética, em todo oprocesso da pesquisa.

Relação entre pesquisa agropecuáriae bioética

Quando perguntados sobre “Qual arelação entre a pesquisa agropecuária ebioética?”, com quatro sugestões derespostas, 85% (417 pessoas) responderamque a “pesquisa agropecuária deve serincluída nas discussões sobre bioética”.Outros 13% (64 pessoas) acreditam que“somente uma parte da pesquisaagropecuária deve estar incluída nasdiscussões sobre bioética”. Um por cento(7 pessoas) acredita que “a pesquisaagropecuária não deve estar incluída nasdiscussões sobre bioética” (Figura 3).

Esse resultado guarda relação com asopiniões dos entrevistados na pesquisa qua-litativa, na qual, dos 21 consultados, 20reconhecem que há algum tipo de relaçãoentre a pesquisa agropecuária e bioética.Assim, é opinião da quase totalidade daspessoas ouvidas que a pesquisa agropecuáriadeve estar incluída nas discussões sobre

bioética. Nesse caso, há que se considerar aexistência de um descompasso temporal,uma vez que as discussões sobre bioética jáestão em curso há vários anos.

As definições sobre bioética encon-tradas e a Resolução 196/1996, do CNS/MS, dão abrigo a essa convicção, já quedefine pesquisas envolvendo sereshumanos, como “pesquisa que, individualou coletivamente, envolva o ser humanode forma direta ou indireta, em sua totali-dade ou partes dele, incluindo o manejode informações ou materiais”. A pesquisaagropecuária envolve seres humanos deforma indireta.

Crenças dos pesquisadores quantoà ética na pesquisa na Embrapa

Perguntados sobre “Quanto ao temaética na pesquisa na Embrapa, você acre-dita que” (podendo assinalar mais de umaalternativa), em que as cinco primeirasafirmativas mais escolhidas foram extraídasdo discurso dos entrevistados por ocasiãoda pesquisa qualitativa, 52,03% (256 pessoas)assinalaram que a ética na pesquisa “Deve

Figura 2: Momento em que a ética deve ser levada em consideração na pesquisa

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obedecer a princípios éticos gerais, sem,contudo, limitar avanço do conhecimento”.Essa preocupação com a limitação doavanço do conhecimento é recorrente noquestionário e nas entrevistas. Nota-se nopesquisador uma preocupação com o nãoengessamento da ciência e da pesquisa.

A segunda questão mais assinalada foi“Necessita ser mais bem discutida naEmbrapa pelos pesquisadores e pela direçãoda Empresa”, com 49,19% (242 pessoas),sendo uma reivindicação recorrente em todosos momentos da pesquisa a de que o temadeve ser mais discutido pelos pesquisadorese pela direção da Empresa.

A afirmativa “É preciso criar instânciasinstitucionais que permitam a interaçãoentre a sociedade e a C&T” foi opção de44,72% (220 pessoas), em que fica clara apreocupação dos pesquisadores demelhorar a comunicação entre os que pro-duzem C&T e a sociedade, o que tambémé uma reivindicação atual dessa. A socie-dade cada vez mais quer se inteirar dosresultados da C&T, para poder tambémparticipar de alguma forma da tomada de

decisão sobre alguns assuntos, principal-mente sobre temas polêmicos.

“Não deve ser a única questão a definirse uma pesquisa vai avançar ou não”, foiopção de 22,36% (110 pessoas) e pode serexplicada pela quebra de paradigmas (KUHN,1975). A ideia aqui defendida pode consistirno fato de a sociedade estar em constantemudança. Por exemplo, as vacinas, quandoforam descobertas, provocaram nasociedade da época uma reação contráriamuito forte. Entretanto, hoje são conside-radas fundamentais para se evitar váriasdoenças, como também para a erradicaçãototal delas. No mundo atual, deixar devacinar crianças é que é considerado comouma atitude contrária a princípios éticos.

A ética na pesquisa “Não deve servir aoutros objetivos, como por exemplo,limitar a ação dos países em desenvolvi-mento” foi assinalada por 16,87% (83pessoas) e tem a ver com a limitação dapesquisa pela ética, que parece ser compar-tilhada em todo o mundo. O século 21começou com discussões sobre clonagemhumana, e dessa vez não com base

Figura 3: Relação entre pesquisa agropecuária e bioética (%).

Ética na pesquisa agropecuária: percepção dos pesquisadores da Embrapa

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hipotética, mas real. Observam-se preocu-pações, inclusive dos países desenvolvidos,com relação à proibição ou não da clonagemhumana no seu país, haja vista a possibili-dade de perder o bonde da história ou o“status científico”, caso em outros países sejaliberada a clonagem e no seu, não. Issoremete à competição existente entre ospaíses, que tem relação com a inovação (quepressupõe investimentos em P&D) e cominvestimentos cumulativos em C&T.

Apenas seis pessoas (1,22%) acreditamque o tema “Está devidamente tratado naEmbrapa, não necessitando de outrasações” e outras seis pessoas (1,22%) expres-saram outras opiniões (Figura 4).

Conduta ética dos novos pesquisa-dores em relação aos mais antigos

Sobre a questão “Você considera quehá diferenças entre os novos pesquisadorese os mais antigos, em relação à condutaética na pesquisa?”, feita na entrevistasemiestruturada, apesar de não terem sidoapresentados para os respondentes oslimites entre essas duas categorias, a grande

maioria considera que tais diferençasexistem e que podem ser observadas emvários aspectos, mas não tem certeza sehaveria alguma relação com a ética ou coma ética na pesquisa. Inferências sobre essasdiferenças há muitas, como por exemplo:maior comprometimento dos antigos paracom a Empresa; diferenças na formação(os pesquisadores mais novos forameducados em outra realidade, foramescolarizados em período mais liberal edemocrático); os novos são mais indivi-dualistas estão mais comprometidos comsuas carreiras e teriam mais essa percepçãoda ética porque têm mais acesso à infor-mação devido à tecnologia.

Opinião sobre as normas de éticana pesquisa

Princípios éticos em que ospesquisadores se baseiam na execuçãoda pesquisa

Questionados sobre “Com relação aosprincípios éticos na execução da pesquisa,você se baseia em:”, a grande maioria,

Figura 4: Afirmativas dos respondentes sobre o tema “ética napesquisa” (no de respostas)

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85,16% (419 pessoas), respondeu que sebaseia em seu código de ética pessoal. Comoessa questão permitia assinalar mais de umaresposta, 55,49% (273 pessoas) responderamse basear no código de ética de sua profis-são, seguido do Código de Ética daEmbrapa, com 46,95% (231 pessoas); noCódigo de Ética do Servidor Público, com16,26% (80 pessoas); e “na ética da suareligião”, com 14,84% (73 pessoas). Trêspessoas (0,6%) acreditam que no trabalho depesquisa não há necessidade de se considerarprincípios éticos. Outras 4,27% (21 pessoas)deram outros tipos de respostas (Figura 5).

Afirmaram que se baseiam no“Código de ética pessoal – princípiospessoais” 85,16% dos participantes. Umcódigo de ética pessoal é constituído poruma série de princípios e valores nosquais se baseia o comportamento. Estáassociado com a educação formal e in-formal, sendo formado ao longo davida. Entende-se que as ações sejamjulgadas por esse código individual, quedetermina o que se considera justo ecorreto e que deixa “a consciênciatranquila”. Assim, em tese, o comporta-

mento individual de cada pessoa mani-festaria seus valores e princípios. Nemsempre, porém, os atos das pessoas sãoresultados de grandes reflexões, pois amaioria dos seus princípios já estáinternalizada e esses são manifestadosnaturalmente em suas ações, além dofato de que as informações necessárias auma decisão envolvendo ciência de pontasejam geralmente pouco conhecidas.Pode, também, haver mudanças emalguns aspectos do sistema de valores daspessoas, a qualquer tempo, decorrentesde novas reflexões.

O alto índice de respostas a essa alter-nativa (85,16%) é compreensível, namedida que até em nossas pequenas açõesrecorre-se ao sistema de valores individuais.É também desejável, para viver bem, estarem paz consigo mesmo. Entretanto, oCódigo de Ética Pessoal, sendo individual,não necessariamente tem firme compro-misso com o bem comum (ética geral),com a missão da instituição (ética institu-cional) ou com qualquer outra dimensãorelacionada ao outro (alteridade). Aindamais, o “livre arbítrio”, que parece um

Figura 5: Princípios éticos em que os pesquisadores se baseiamna execução da pesquisa (no de respostas)

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atributo do ser humano, tende a deixar aspessoas muito à vontade para tomardecisões no plano individual, mesmo comriscos de individualismo.

Na tentativa de explicar esse resultado,pode acontecer de, por falta de conheci-mento do Código de Ética da Embrapa(conforme índices apresentados adiante),que é uma norma institucionalizada, ospesquisadores recorrerem à instânciapessoal, para balizar suas ações nacondução da pesquisa. Nesse caso, torna-se necessária a intervenção da Empresa,para divulgar melhor seu sistema devalores, que certamente visa objetivos geraisque individualmente podem não sercontemplados. Além disso, esse procedi-mento poderia contribuir para a reduçãode conflitos de interesses entre o pessoal eo institucional, entre o público e o privado.

Baseiam-se no “Código de ÉticaProfissional” 55,49% da amostra. Emgeral, as profissões possuem códigos deética que regulam a ação dos profissionais.Segundo Yeganiantz (1987), a tendência é

que os códigos de ética profissional sejamfortalecidos, em detrimento dos códigosde ética das instituições. Se assim o for, hárisco de prevalecer padrões de condutacorporativos, que nem sempre condizemcom o “bem comum”, que deve serobjetivo de organismos públicos depesquisa, como a Embrapa.

Afirmam basear-se no “Código deÉtica da Embrapa” 46,95% (231 pessoas).Em outra questão sobre o conhecimentodo código, objeto da Deliberação no 16, de17/12/2004, publicada em 10/01/2005, amaioria, 41% (201 pessoas), respondeudesconhecê-lo; 38% (188 pessoas) afir-maram que o conhecem superficialmente;8% (37 pessoas) afirmaram que conhecemsomente os itens que se referem a pesquisae 13% (66 pessoas) declararam que conhe-cem todo o seu conteúdo (Figura 6).

Por meio de análises realizadas, nota-seque dos 231 pesquisadores que responderamse basear no Código de Ética da Embrapa,17,71% (41) afirmam não conhecê-lo naquestão posterior. Assim, fica evidente que

Figura 6: Pesquisadores que conhecem o Código deÉtica da Embrapa (%)

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poucos dos que afirmam agir conformeCódigo de Ética da Embrapa, como refe-rência a suas atividades de pesquisa, o conhe-cem efetivamente. Também se pode afirmarque 87% dos respondentes (426 pessoas) nãoconheciam o Código de Ética da Embrapaem sua totalidade.

Como explicação para esse fato, pode-se recorrer à questão da “desejabilidadesocial”, que é um termo utilizado na psico-logia e que explica a tendência que algumaspessoas têm de dar as respostas que elasacreditam ser as mais socialmente aceitas,devido a várias razões, como o fato de apessoa querer repassar uma imagem melhorde si ou da instituição em que trabalha. Hátemas, entretanto, onde a ocorrência dessefenômeno é maior, como, por inferência, otema da ética, visto que está relacionado comvalores considerados nobres pela maioriadas pessoas.

Baseiam-se no “Código de Ética doServidor Público” 16,26% dos respondentes.Esse código foi aprovado pelo Decreto

1.171, de 22/06/94, e, sendo destinado aoServidor Público Civil do Poder Executivofederal, estende-se aos empregados daEmbrapa. Observa-se que o código é consti-tuído de orientações gerais, não se referindodiretamente à atividade de pesquisa.

Afirmaram basear-se na “Ética daReligião” 14,84% (73 pessoas). Esse resul-tado é inferior, em termos percentuais, àsrespostas a questões similares da pesquisaqualitativa, em que, perguntados sobre “Suavinculação religiosa influencia a sua atividadede pesquisa?”, 12 (de um total de 21) respon-deram “Não” e seis responderam “Sim”.

Conflitos entre princípios pessoaise atividade de pesquisa na Embrapa

Sobre essa questão, uma proporçãoconsiderável, 52% (257 pessoas), respondeu“Não”; 38% (185 pessoas) responderam“Sim” e 10% (50 pessoas) responderam“Não me lembro” (Figura 7). Na pesquisaqualitativa, sobre o mesmo tema, a maioria(14 entrevistados) respondeu “Não”.

Figura 7: Conflitos entre princípios pessoais e atividade de pesquisana Embrapa (%)

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Princípios ou questões éticas napesquisa agropecuária

Durante a realização desse trabalhohouve várias instâncias (as entrevistasiniciais, as entrevistas semiestruturadas e oscomentários apostos nos questionários) emque foi possível reunir sugestões deprincípios ou questões éticas que poderiamser analisadas, visando sua utilização napesquisa agropecuária. As questões citadaspelos pesquisadores, como merecedorasde discussão, foram: manipulação dedados, divulgação precipitada de informa-ções, roubo de ideias e materiais, compe-tição, utilização de posição hierárquicaindevidamente, busca de notoriedade,responsabilidade pela função pública,responsabilidade do pesquisador, adoçãode diários de pesquisa, autoria e coautoria,conflitos de interesse, avaliações dequestões ambientais e sociais, biopirataria,entre outras.

Embora alguns desses temas encon-trem correspondência direta ou indireta noCódigo de Ética da Embrapa, a maioriadas preocupações externadas pelospesquisadores não está especificamente

citada no Código. Isso ocorre porque aquestão da ética, para efeito de regulaçãoda conduta, está associada a, no mínimo,duas instâncias: a) os princípios; e b) asmatérias reguladas. Os “princípios”correspondem às intenções maiores, àspremissas básicas. Já a “matéria regulada”compreende o detalhamento das questõeséticas. Para se chegar a um documentocomo esse, é necessário o envolvimentode todos os atores, em amplas discussões.

Cumprimento dos princípios éticosda pesquisa pelos pesquisadores

Perguntados se “Os pesquisadores daEmbrapa, no exercício de suas atividades,estão cumprindo os princípios éticos dapesquisa”, 38% (188 pessoas) responderam“quase sempre”; 34% (166 pessoas)declararam não saber; 17% (84 pessoas)responderam “Sim”; 5% (23 pessoas)responderam “Não” e 6% (31 pessoas)expressaram sua opinião, que consideravamdiferente das opções que foram apresen-tadas (ver Figura 8).

Nota-se que a certeza de que ospesquisadores estão cumprindo os

Figura 8: Percepção dos respondentes sobre cumprimentodos princípios éticos da pesquisa na Embrapa (%)

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princípios éticos da pesquisa é muito baixa(17%). Esse resultado pode ter ocorridopor diversos motivos, como: a) falta deconhecimento maior sobre o que seria éticana pesquisa; b) falta de conhecimento sobreum documento específico de ética napesquisa, na medida em que 41% respon-deram não conhecer o Código de Ética daEmbrapa, que contém um capítulo sobreo assunto; c) dificuldade de se avaliar todosos pesquisadores, devido à falta de dados;d) dificuldade em se situar na posição deavaliador post facto; e) falta inserção na culturada Empresa do conceito de ética e de éticana pesquisa.

Como o grupo de formadores deopinião percebe a ética na pesquisae as normas de ética na pesquisa naEmbrapa

As entrevistas com o grupo formadorde opinião revelaram falta de clareza ousegurança com relação ao que seria éticaou ética na pesquisa. Entretanto, todosconsideram importante a discussão e amaioria aceita um passivo nesse assuntoou acredita que é um tema novo e, comotal, deve estar na pauta de discussões tantodos altos gestores como dos pesquisa-dores em geral.

Com relação à questão das normas deética na pesquisa na Embrapa, obteve-seum resultado que vem ao encontro dosque já foram apresentados. Na entrevistasemiestruturada, perguntados se “Vocêconsidera que a Embrapa tem normasespecíficas quanto à ética na pesquisa?”, dos21 respondentes, nove afirmaram que não.Quatro pessoas ficaram em dúvida e oitopessoas responderam com certeza que sim.Dessas, uma não se lembra; três citam oCódigo de Ética da Embrapa (e umconjunto de normas que regem o

funcionamento da Embrapa); outro acre-dita que “tem instrumentos e conhecimentobastante claros” e que tem procedimentos;outro acha que há várias normas quepodem ser qualificadas como de ética;outro, ainda, afirma que “os documentosreferenciais orientadores da formulação depesquisa, existentes nos macroprogramas,contemplam os princípios gerais quenorteiam a ética na empresa”.

O estudo mostra a falta de consensonessa questão, sendo que pesquisadoresconsideram que as várias normas existentesna empresa podem ser consideradasnormas específicas de ética e outrosentendem que não. Dos 11 chefes ouvidos,apenas seis acreditavam que havia normasespecíficas. É oportuno lembrar que apercepção sobre a existência das normas éigualmente importante à própria existênciadessas, uma vez que na percepção podemestar incluídos o conhecimento e ainternalização.

Conclusões

Com relação à ética em C&T, conclui-se que há necessidade de refletir sobre oslimites éticos da pesquisa, explicitandoprincípios básicos e padrões de condutaque deverão ser praticados pela comu-nidade científica. Isso contribuiria paracoibir práticas indesejáveis ou configuradascomo má-fé, buscando sempre a inte-gridade e a credibilidade da ciência.

Na pesquisa, ficou evidenciado que amaioria dos atores ouvidos (97%) reco-nhece a estreita relação entre a ciência, apesquisa e a ética, e uma maioria (63%)também acredita que a ética, a ciência e apesquisa devem se complementar. Umterço dos atores (34%) considera que a éticadeve estar acima da ciência e da pesquisa.“A ética deve ser levada em consideração

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em todo o processo de pesquisa” é aopinião da quase totalidade dos atores(94,51%), ficando assim muito clara aimportância – do tema na pesquisa, naopinião dos pesquisadores ouvidos.

O estudo revelou, entretanto, que haviacerto desconhecimento por parte de algunsgerentes e pesquisadores da Embrapa sobreo que seria especificamente “ética na pesquisaagropecuária”. Por outro lado, ficou eviden-ciado que o tema despertava ou traduzia ointeresse de todos os atores ouvidos, o quemostra um ambiente favorável à atuação daempresa em políticas, nessa área.

É relevante assinalar que pensar em éticanão é uma tarefa fácil. As pessoas em geralnão gostam de se envolver com o assunto,dada a complexidade do tema. Entretanto,o fato de ser complexo não exime profis-sionais com alto grau de instrução eformação, como os pesquisadores, deterem consciência e atitudes consoantes aotema. Destaca-se também que, quando oassunto é ética, alguns pesquisadoresafirmam que é “questão de berço”. Sabe-mos, no entanto, que seria impossível suporque todas as novas e complexas questõesque circunscrevem o avanço do conheci-mento e das técnicas já estivessem equacio-nadas e incutidas na mentalidade de todos,como atributo comportamental a priori.Assim, é lícito considerar que, caso não sedisponha dessa bagagem de princípios econhecimentos, há sempre a possibilidadede se adquirir, pois o crescimento do serhumano em todas as dimensões ocorre, em

tese, durante toda a sua vida. É, nesse sentido,perfeitamente possível aprender e interna-lizar princípios, sejam estes no campopessoal, profissional etc.

O estudo mostrou que há necessidadeda Embrapa investir na discussão edefinição de princípios norteadores da con-duta ética na pesquisa, buscando oenvolvimento maciço do pessoal dacarreira de P&D, o que poderá contribuircomo forma de proteger a empresa deatuações dentro de um “vazio ético” ouem estágio “pré-ético” de pensamento,conforme caracteriza Singer (1998). Aparticipação, além de contribuir para umproduto representativo, favorece a interna-lização e a conscientização, gerando corres-ponsabilidade.

Seria ainda estratégico investir em umprocedimento de institucionalização deanálise da dimensão ética nas pesquisasdesenvolvidas. O objetivo não é a fiscali-zação, mas a interação positiva de consul-tores (que podem ser da própria empresa),externos às equipes de pesquisa. Essesdesempenhariam a função pedagógica delançar questões de natureza ética para alertare conscientizar os pesquisadores sobre suaresponsabilidade.

Entende-se que o presente estudo, quetrata de um desafio inerente a uma insti-tuição de pesquisa, tem caráter exploratório.Ainda há muito que descobrir e compre-ender sobre o tema.

(Artigo recebido em outubro de 2010. Versãofinal em fevereiro de 2011).

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Notas

* Os autores agradecem à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, na pessoa de seuslíderes e de seus pesquisadores, que proveram as condições para realização deste estudo.

1 Essa Resolução instituiu a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e os Comitêsde Ética em Pesquisa (CEP). Site: http://www.ensp.fiocruz.br/etica/resolucoes.cfm#pre, acessoem 14/mar./2010.

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Resumo – Resumen – Abstract

Ética na pesquisa agropecuária: percepção dos pesquisadores da EmbrapaRegina Lucia Ramos Lourenço e Marcel Bursztyn

Esse trabalho apresenta os resultados de um estudo sobre a percepção dos pesquisadores daEmpresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) a respeito da ética na pesquisa agropecuária.O estudo foi exploratório e adotou abordagens qualitativa e quantitativa. A pesquisa qualitativautilizou entrevistas individuais semiestruturadas com 21 formadores de opinião (dirigentes, ex-dirigentes e ocupantes ou ex-ocupantes de cargos estratégicos) e serviu de base para a construção doquestionário para a pesquisa quantitativa. Da população estudada, 1.846 pesquisadores, houve umretorno de 26,65% dos questionários. Os resultados da pesquisa revelaram grande interesse entre ospesquisadores ouvidos pelo tema objeto do estudo e ao mesmo tempo uma falta de clareza de partedeles sobre o que seria ética na pesquisa agropecuária. O estudo recomenda uma ampla discussão naEmpresa sobre o tema, culminando na implantação de “gestão da ética” na pesquisa.

Palavras-Chave: Ética na pesquisa, integridade científica, pesquisa agropecuária, gestão da ética

Ética en la investigación agrícola: las percepciones de los investigadores de EmbrapaRegina Lucia Ramos Lourenço y Marcel Bursztyn

El objetivo de este estudio es analizar las percepciones de los investigadores de la EmpresaBrasileña de Investigación Agropecuaria (Embrapa) en relación con la ética en la investigación agríco-la. El estudio fue exploratorio y los enfoques adoptados fueron de carácter cualitativo y cuantitativo.En la investigación cualitativa se utilizó la entrevista semiestructurada con 21 líderes de opinión(gerentes, ejecutivos y antiguos ocupantes o antiguos ocupantes de las posiciones estratégicas) ysirvió como base para la construcción de un cuestionario para la investigación cuantitativa. Deluniverso de población del estudio, 1846 investigadores, se tuvo un retorno de 26,65% de loscuestionarios. Los resultados de las investigaciones nos permiten afirmar la existencia de un graninterés entre los expertos consultados por el sujeto y el objeto del estudio, mientras que hay una faltade claridad en una gran parte de ellos en lo que es la ética en la investigación agrícola. El estudiorecomienda un amplio debate sobre el tema en la empresa, que culmine con la adopción de una“gestión de la ética” en la investigación.

Palabras clave: Ética en la investigación, integridad científica, investigación agrícola, gestión dela ética

Ethics in agricultural research: perceptions of Embrapa’s researchersRegina Lucia Ramos Lourenço and Marcel Bursztyn

This paper presents the results of a study on the perception of researchers from the BrazilianAgricultural Research Corporation (Embrapa) about ethics in agricultural research. The study wasexploratory and used qualitative and quantitative approaches. The qualitative research utilized semi-structured individual interviews with 21 opinion makers (directors, former directors and strategicofficers of the corporation) and served as basis for construction of the quantitative surveyquestionnaire. Of the population studied, 1846 researchers, 26,65 returned the questionnaire. Thesurvey results allow us to affirm the existence of great interest, among the researchers interviewed,in the subject of this study and at the same time a lack of clarity about what is ethics in agriculturalresearch. The study recommends an ample discussion with Embrapa culminating in the “ethicalmanagement” in research.

Keywords: Ethics in research, scientific integrity, agricultural research, ethical management

Ética na pesquisa agropecuária: percepção dos pesquisadores da Embrapa

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Regina Lucia Ramos LourençoEspecialista em Administração de Recursos Humanos pela pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e mestre em Desen-volvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB). É analista da Embrapa. Contato: [email protected]

Marcel BursztynDoutor em Desenvolvimento Econômico e Social pela Université de Paris I (Sorbonne) e em Economia pelaUniversité de Picardie-França. É professor associado no Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB.É membro do Conselho de Ética na Pesquisa Agropecuária na França (INRA e CIRAD). Contato: [email protected]

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Cristiano das Neves Bodart

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Estudo socioterritorial einvestimentos públicos: o

processo de alocação de recursosdo orçamento participativo

em Serra/Es*

Cristiano das Neves Bodart

Introdução

Diversos estudos em torno das práticas de orçamentos participativos (OP) têm

sido desenvolvidos no Brasil nos últimos anos. De maneira geral, trata-se de uma

gestão pública caracterizada pela participação direta da sociedade na gestão dos

recursos municipais. A participação se dá, geralmente, por meio da deliberação social

sobre parte dos investimentos públicos, quase sempre obras de infraestrutura.

A questão central deste trabalho é averiguar se a prática de OP é capaz de

romper com o “princípio de causação circular1” e promover uma alocação das

obras de infraestrutura mais justa, atendendo prioritariamente a população de

baixo status social ou as áreas urbanas mais carentes de infraestrutura.

A problemática desta pesquisa foi diretamente influenciada por dois trabalhos

desenvolvidos anteriormente no Brasil. O primeiro deles foi a tese de

doutoramento de Denise Cunha Tavares Terra (2007), sob o título de Uma leitura

espacial da apropriação desigual das rendas petrolíferas em Campos dos Goytacazes, que

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Estudo socioterritorial e investimentos públicos: o processo de alocação de recursos do orçamento participativo em Serra/Es*

Revista do Serviço Público Brasília 62 (1): 25-50 Jan/Mar 2011

abordou de forma instigante a lógicaalocativa das rendas petrolíferas emCampos dos Goytacazes, evidenciando aexistência de uma “causação circular” naalocação dos recursos advindos das rendaspetrolíferas. O segundo trabalho foi apesquisa desenvolvida por David MichaelVetter e Rosa Maria Massena, apresentadaem artigo, de 1981, intitulado Quem seapropria dos benefícios líquidos dos investimentosdo Estado em infraestrutura urbana? Uma teoriada causação circular. Neste artigo Vetter eMassena apontaram a existência doprincípio de causação circular na alocaçãodos investimentos destinados à distribuiçãode água e esgoto no Rio de Janeiro.

Neste artigo, buscando averiguar se aprática do OP seria capaz de romper como “princípio da causação circular” naalocação das obras de infraestrutura urbana,foi tomada como estudo de caso a expe-riência de participação popular na gestãopública no município de Serra/ES (1997– 2008), denominada pelo poder públicolocal como Orçamento Participativo.

O presente artigo está dividido em trêspartes, além desta introdução e de umaconclusão. A primeira parte tem comoobjetivo apontar o alinhamento teórico-metodológico do presente estudo,buscando identificar as principais contri-buições teóricas. Nesse primeiro momentosão delimitados teoricamente conceitos-chave para a produção desta pesquisa, taiscomo espaço urbano, causação circular,renda real, entre outros, assim comodiscutidas teoricamente as questões relacio-nadas à participação popular na gestãopública, especialmente por meio das prá-ticas de orçamentos participativos.Buscamos, com isso, compreender asprincipais características do OP, principal-mente aquelas relacionadas à redistribuiçãode renda.

A segunda e a terceira seção estãocentradas no estudo de caso. Na segundaé realizada uma breve caracterização domunicípio de Serra/ES e apresentada aestrutura funcional do OP de Serra/ES.Na terceira seção são apresentados osprocedimentos metodológicos adotadospara este estudo, bem como os resultadosalcançados.

O poder público e a produçãodo espaço urbano

Para compreender a relação entre aalocação dos investimentos públicos emobras de infraestrutura e a construçãosocioespacial intraurbana, torna-se neces-sário, inicialmente, definir o conceito deespaço urbano adotado no presentetrabalho.

Partimos da colaboração de Corrêa(1993, p. 7; 2005, p. 145), que afirma queo espaço urbano capitalista caracteriza-secomo simultaneamente fragmentado earticulado, tratando-se de um espaçoproduzido pela sociedade e reflexo desta.De acordo com Corrêa, o espaço carac-teriza-se como fragmentado por serfortemente dividido em áreas residenciaissegregadas, fruto da complexa estruturasocial (CORRÊA, 1992, p. 7).

O espaço urbano é o local onde se “con-centram as mais poderosas forças sociais,com as quais se articulam e desenvolvem asestruturas de dominação e apropriação”(IANNI, 2004, p. 155); assim como as tensõese contradições, germinando movimentossociais e protestos de grupos e classes sociaissubalternos, caracterizando-se como oespaço das contradições e mutações, daintegração e da fragmentação, da inclusão eda exclusão, da riqueza e da pobreza, reflexodas ações do presente e do passado. (CORRÊA,1992, p. 8; 2005, p. 148).

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Cristiano das Neves Bodart

Revista do Serviço Público Brasília 62 (1): 25-50 Jan/Mar 2011

Os atores que modelam e organizam oespaço urbano são diversos, como, porexemplo, os proprietários dos meios deprodução, proprietários de terras, empresasimobiliárias e de construção e o Estado(CORRÊA, 2005, p. 122). Cada um dessesagentes possui estratégias próprias, desenca-deando conflitos – especialmente pelos trêsprimeiros – que são, de acordo com Corrêa,em maior ou menor grau, resolvidos pelaintervenção do Estado.

A necessidade da intervenção do poderpúblico se dá devido à rápida concentraçãoda produção e da população nas áreasurbanas, o que gera grande demanda porbens e serviços coletivos, uma vez que aalocação desses bens e serviços ou o con-trole desses custos não podem serefetuados no mercado (VETTER, PINTO,FRIEDRICH e MASSENA, 1981, p. 5).

O Estado pode ou não reforçar asegregação espacial, aumentando ou dimi-nuindo a distância social entre pobres e ricospor meio da provisão diferenciada de serviçose equipamentos públicos (MARQUES, 2000).Destacam diversos autores (HARVEY,1980;VETTER, MASSENA e RODRIGUES, 1979) que aalocação dos recursos públicos produzimpactos diretos na redistribuição ou naconcentração da renda, daí a importância denos atentarmos para o papel do poderpúblico na produção do espaço urbano, sejapela sua ação ou ausência.

Terra (2007, p.32), ao analisar osestudos de Vetter e Massena (1979; 1981),afirma que tais autores apresentam umaalternativa à teoria neoclássica do equilíbrioespacial, destacando a teoria da “causaçãocircular” como a mais apropriada para oestudo dos impactos distributivos dosinvestimentos do Estado.

O conceito do “princípio da causaçãocircular” envolve uma constelação circularde forças que, para Myrdal (1968, p. 32),

“tendem a agir e a reagir interdepen-dentemente, de sorte a manter um paíspobre em estado de pobreza”. Aplicandoesse conceito à cidade, nota-se que áreasdotadas de infraestrutura – áreas centrais ouem destaque – tendem a receber maisinfraestrutura pública (devido à lógicaeleitoreira e clientelista), além de investimentosprivados (devido à lógica capitalista). Oinverso ocorre em áreas não dotadas deinfraestrutura, ou seja, as áreas onde existemmenos infraestruturas urbanas, geralmente

periféricas, continuam a não recebê-las. Émuito comum no país, por exemplo, umacidade possuir ruas ainda não pavimentadase o poder público optar por (re)pavimentarruas e avenidas já pavimentadas. Essatendência de “causação circular” foi eviden-ciada nos estudos de caso de Vetter, Massenae Rodrigues (1979), Vetter e Massena (1981),e de Terra (2007), ao estudarem a alocação

“O Estado podeou não reforçar asegregação espacial,aumentando oudiminuindo adistância socialentre pobres e ricospor meio daprovisãodiferenciada deserviços eequipamentospúblicos”

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dos investimentos públicos em água eesgoto no Rio de Janeiro, entre 1975 a 1977.

Terra (2007, p. 207), ao analisar, entreoutros aspectos, a distribuição espacial dasobras públicas na cidade de Campos dosGoytacazes/RJ, destacou que “os espaçoshabitados pela população de rendas alta emédia alta receberam proporcionalmentemais recursos que os espaços onde residea população de menor poder aquisitivo”,evidenciando a existência do princípio de“causação circular” na prática alocativadaquele município.

A provisão de bens públicos, além deinfluenciar a construção do espaço urbano,afeta diretamente a renda real dosindivíduos. De acordo com Harvey (1980,p.48) os “mecanismos ocultos2” deredistribuição de renda num sistemaurbano tendem a ampliar as desigualdadessociais, ao invés de reduzi-las. Para embasartal argumentação, esse autor adotou a defi-nição de renda real de Titmuss (HARVEY, 1980apud TITMUSS, 1962, p.34), que será, nestetrabalho, utilizada, sendo assim definida:

A renda real é a soma algébrica dovalor de mercado nos direitos exercidosno consumo e da troca no valor dosuprimento de direitos de propriedadeentre o começo e o fim do período emquestão (HARVEY, 1980, p.41).

Harvey (1980, p.42) acrescenta que “opoder sobre os recursos escassos da socie-dade não pode ser determinado indepen-dentemente da acessibilidade aos recursose seus preços”. Um indivíduo, devido àalocação de uma dada obra de infraestru-tura, pode ampliar ou reduzir o valor deseu imóvel, por exemplo, bem comomaximizar ou minimizar a capacidade deacessibilidade aos bens públicos, comoeducação, saúde, transporte, bens culturais

e de lazer. Por tanto, a alocação de obraspúblicas afetará diretamente a renda realdo indivíduo. A questão que se levanta éque mudanças na forma espacial da cidade,e consequentemente nos processos sociais,provocam mudanças na renda do indi-víduo (HARVEY, 1980, p. 42).

Para uma compreensão dos meca-nismos de ação do Estado em umprocesso de redistribuição de renda real,buscou-se as principais ideias traçadas porHarvey (1980), baseadas na acessibilidade,proximidade e exteriorização.

Para Harvey a acessibilidade interfere narenda real do indivíduo, como, por exem-plo, a acessibilidade à oportunidade deemprego, de recursos e serviços de bem-estar. Uma obra, dependendo de sua acessi-bilidade, pode ampliar a renda real de umindivíduo. Harvey (1980) destaca, além dopreço monetário da acessibilidade, o seu valoremocional e psicológico, que acaba, a longoprazo, transformando-se em monetário.

Outro mecanismo oculto de redistri-buição destacado por Harvey é o custoda proximidade. A localização de umaobra pública, por exemplo, tende a mudaro preço da acessibilidade e o custo daproximidade (HARVEY, 1980; VETTER,MASSENA e RODRIGUES, 1979). A locaçãode lixões, por exemplo, tende a impor umcusto à população por suas proximidades,bem como lhe render maiores gastos coma saúde (com remédios e transporte parase deslocar ao posto de saúde) e/ou adesvalorização de seu imóvel, reduzindodessa forma sua renda real.

Por fim, Harvey apresenta a ação daexteriorização sobre a renda real, afir-mando que “as exteriorizações podem servistas como custos ou benefícios conformeo produtor ou o consumidor seja afetado,e segundo a natureza do efeito” (HARVEY,1980, p.46).

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Harvey (1980, p.61) afirma que é teori-camente possível, pela atividade política epela barganha, conseguir uma alocaçãoequilibrada de todos os bens e serviçosmistos em uma população espacialmentedistribuída. No entanto, para isso, serianecessário um processo político organi-zado que facilitasse a “igualdade debarganha” entre grupos com interessesdiferentes, mas internamente homogêneos.Seria o OP esse processo organizadoapontado por Harvey?

Diversos estudos empíricos apontamexperiências brasileiras bem-sucedidas emrelação a uma alocação mais equilibrada emais justa dos investimentos públicos pormeio da prática do OP. Entre esses estudosdestacam-se as análises de AldamirMarquetti, Roberto Pires, Geraldo Adrianode Campos, Aldecy José G. de Moraes,reunidas na obra “Democracia Participativae redistribuição: análise e experiências deorçamento participativo” (2008), e o traba-lho organizado por Leonardo Avritzer eZander Navarro, intitulado A inovaçãodemocrática no Brasil (2003).

A descentralização dos recursos públi-cos e a maior autonomia dos municípiosbrasileiros criaram um cenário propício aodesenvolvimento de uma democracia maisparticipativa que, de acordo com Marquettie Campos (2008), Souza (2006) e Correia(2003), possibilitou o desenvolvimento deexperiências bem-sucedidas de partici-pação popular na administração dosrecursos públicos, como é o caso do OPde Porto Alegre/RS, de Belo Horizonte/MG; e de outras bem discutidas, como éo caso de Belém/PA. É importanteapreender que a implantação, no Brasil, dasinstituições democráticas híbridas (ondesimultaneamente são adotados aspectos dademocracia representativa e participativa,ou direta), especialmente os OP, ocorreu

em ritmo, intensidade e formatos variados(CUNHA, 2007, p. 30).

De maneira geral, o OrçamentoParticipativo é um mecanismo de democra-tização da política orçamentária estatal,reunindo os cidadãos em assembleiaspúblicas nas quais avaliam a gestão muni-cipal, elaboram propostas de acordo comsuas demandas e deliberam sobre uso eaplicação dos recursos públicos e os diri-gentes estatais executam a vontade popu-lar (GUGLIANO, 2007).

O OP se apresenta como uma formainstitucional que envolve a partilha deespaços de deliberação entre representaçõesestatais e entidades da sociedade civil, ten-do como base a negociação e a parceria(PEREIRA, 2007, p. 339), caracterizando-secomo uma estrutura aberta, em constantemutação de acordo com os formatosnecessários a cada realidade ou interesse, poissua estrutura não é fechada em modelojurídico que vem de cima para baixo(MINGHELLI, 2005, p. 66). O OP é enten-dido como experiência de cogestão,“modelo de partilha do poder políticomediante uma rede de instituições demo-cráticas orientadas para obter decisões pordeliberação, por consenso e por compro-misso” (SANTOS, 2002, p. 525 apudAZEVEDO, 2005, p. 109).

Leonardo Avritzer, ao estudar osefeitos distributivos das políticas participa-tivas no Nordeste, constatou uma corre-lação significativa entre as cidades commaior número de instituições participativase as taxas de matrículas no Ensino Básicoe em creches. “Nesse caso, quanto mais altaa posição de uma cidade na escala departicipação, maiores são as taxas dematrículas” (AVRITZER, 2007, p. 37). Essemesmo autor observou que as cidadesnordestinas de médio porte, poucodotadas de estoque de bens públicos

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(educação e saúde), tiveram o volume dessesbens ampliado, acima da média, após aimplantação de políticas participativas.

O orçamento participativode Serra/ES e sua estruturaorganizacional

O município de Serra está localizadona Região Metropolitana da GrandeVitória/ES, (ver Cartograma 1), estandosua sede distante 28 km da capital doEstado do Espírito Santo, Vitória,possuindo uma área de aproximadamente553 Km² (IBGE, 2007). Limita-se ao nortecom o município de Fundão, ao sul comCariacica e Vitória, a oeste com SantaLeopoldina e a leste com o OceanoAtlântico. Está dentro de um raio de mil

km de distância dos principais centrosconsumidores do país – São Paulo, Rio deJaneiro, Minas Gerais e Bahia. Sua posiçãogeográfica privilegiada facilita o abasteci-mento de matéria-prima e o acesso amercados emergentes, colocando-o comoprincipal município industrial do estado.Com uma população estimada em 394.370habitantes (IBGE, 2007), Serra vem sedestacando como o segundo maior muni-cípio em tamanho populacional, tendoapresentado, em 2006, uma taxa de cresci-mento demográfico de 3,53%, bem acimada média nacional (1,62%) e da médiacapixaba, que foi de 1,91% no mesmoperíodo (SERRA, 2007).

O município de Serra possuía, no anode 2000, 118 bairros, sendo em suamaioria bairros urbanos. Porém, apenas

Fonte: Produzido pelo autor a partir da Base de Informações por Setor Censitário do Censo Demográfico(IBGE, 2000).

Cartograma 1: Espírito Santo com destaque para a Região Metropolitana daGrande Vitória (RMGV) e do município de Serra/ES.

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109 deles serão estudados no presentetrabalho, por serem os demais rurais ounão terem dados estatísticos sobre osmesmos.

Serra possui uma estrutura associativaque teve origem ainda na década de 1970,com os movimentos de base. De acordocom entrevistas realizadas a alguns dele-gados e integrantes do Núcleo de Acom-panhamento do OP (NAOP) de Serra, osurgimento de movimentos sociais organi-zados, a fim de reivindicar suas demandas,propiciou um cenário favorável aosurgimento, no início da década de 1980,da Federação das Associações de Mora-dores de Serra (FAMS). Tal federaçãotornou o município uma referência deorganização popular no Estado doEspírito Santo, tendo, em 2006, 136associações de moradores.

A principal bandeira da FAMS, nadécada de 1990, foi a busca pela implanta-ção do OP em Serra/ES. O processo deelaboração de uma assembleia doorçamento público municipal ocorreu apartir da participação da sociedade civil,sendo essa regulamentada pela Lei no 1788/94, de iniciativa popular, dando origem àAssembleia Municipal do Orçamento(AMO). Todavia, sua oficialização não foisuficiente para a efetivação do processo, umavez que o executivo não cumpria as metasestabelecidas pela AMO. A falta de vontadepolítica, naquele período, inviabilizou aprática de Orçamento Participativo. ComoMarquetti (2007), Boas (2007), Coêlho(2007), Marquetti e Campos (2008) eTeixeira (2003) observaram, a vontadepolítica para a implementação do OP é defundamental importância, e Serra não sediferenciou dessa realidade. O OP só passoua ser uma peça destacada na gestão muni-cipal em 1997, no primeiro mandato doprefeito Sérgio Vidigal (Coligação Frente

Popular da Serra – PDT, PSB, PPS e PTB).Desde então o OP tem ocorrido seminterrupções.

Quanto à estrutura institucional do OPde Serra/ES, foi possível identificar, apartir de entrevistas a membros doNAOP, que oficialmente são participan-tes do OP as entidades civis organizadascomo a Federação das Associações deMoradores da Serra, as associações demoradores, conselhos municipais, verea-

dores do município e representantes daprefeitura municipal. Inicialmente o OP éconduzido pela AMO, instituída pela lei1788, de 1994.

A AMO é composta pela Prefeitura,Câmara de Vereadores e a FAMS, as quaisatuam junto às comissões orçamentárias. AAMO é instalada anualmente, sendo eleitaspelos delegados (representantes escolhidospor cada segmento participante das

“A descentrali-zação dos recursospúblicos e a maiorautonomia dosmunicípiosbrasileiros criaramum cenário propícioao desenvolvimentode uma democraciamais participativa[...]”

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assembleias) sua coordenação, secretaria ecomissões orçamentárias. Cada uma dascomissões é composta por quatro mem-bros do movimento popular, dois verea-dores e um representante da Prefeitura. Ascomissões são: Comissão de Critérios deRateio; Comissão de Fiscalização e Acom-panhamento; e Comissão de Organizaçãoe Comunicação. Além das assembleias re-gionais, são realizadas, antes dessas, asassembleias por bairro.

A organização da AMO é exempli-ficada pela Figura 1:

Com relação à evolução do desenhoinstitucional, este foi, ao longo do tempo,sofrendo mudanças em suas regras emétodos, buscando possibilitar uma maiorparticipação social e um maior atendimentoàs regiões mais carentes (Carlos, 2007, p. 147).Afirma Carlos que tais mudanças foramocorrendo fundamentadas no diálogo cons-tante entre atores sociais e estatais, o que paraPires (2008, p. 57) é fundamental para apreservação da autonomia dos participantesdo OP. Entre as mudanças ocorridas naestrutura do OP de Serra, está a subdivisão

de regionais mais pobres, ocorrida em 1999,como a Região Praia, em Praia I e Praia II, aRegião Sede, em Sede I e Sede II (CARLOS,2007). Além dessas optou-se por subdividira Região de CIVIT, em CIVIT I e CIVIT II,e uma reordenação de alguns bairros, dan-do origem à Região de Castelândia.

Para a realização de assembleiasregionais, a cidade está atualmente divididaem onze regionais, como indica o Carto-grama 2.3

A coordenação do OP só pode apri-morar a metodologia distributiva,

aumentando a complexidade operacionale a objetividade das decisões, a partir de2000, com a criação do Núcleo de Acom-panhamento do Orçamento Participativo(NAOP) e posterior divulgação dos dadosdo censo de 2000, realizado pelo IBGE(CARLOS, 2007, p. 193).

A metodologia desenvolvida paraa distribuição dos recursos entre as regionaisé baseada em três índices: o primeiro é oÍndice de Gestão que é composto pelosindicadores do número de matrículas nasescolas de Ensino Fundamental, volume de

CâmaraMunicipal

AssembleiaFinal

AssembleiasRegionais

AMO

Prefeitura FAMS

Assembleiasnos bairros

Fonte: Cartilha do Orçamento Participativo 2007 (PMS, 2007c).

Figura 1: Organograma funcional do OP de Serra/ES

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investimentos anteriores e o número de cri-anças à espera de vagas no ensino infantil;o segundo é o Índice de Cidadania Participativa,que observa o número de participantes naAssembleia Municipal do Orçamento(AMO) e a adimplência de IPTU; oterceiro índice é o Índice Social, compostopelo tamanho da população e pela taxa deanalfabetismo entre os indivíduos acima de15 anos. No Índice de Gestão são benefi-ciadas as regionais (recebendo maiorvolume de investimento) que apresentaremo maior número de matrículas no EnsinoFundamental e na espera de vagas noensino infantil, e um menor volume de

investimentos nos anos anteriores. NoÍndice de Cidadania Participativa, busca-se dotar de mais investimentos as regionaisque apresentam maior participação naAMO e maior adimplência de IPTU. Oterceiro critério – Índice Social – buscabeneficiar as regionais dotadas de maiorvolume populacional e de elevadas taxasde analfabetismo entre indivíduos de maisde 15 anos.

Ao analisar a evolução dos valoresdestinados ao OP de Serra foi evidenciadoque, proporcionalmente à evolução dareceita e à capacidade de investimentomunicipal, esse valor já foi maior, embora

Fonte: Produzido pelo autor a partir da Base de Informações por Setor Censitário do Censo Demográfico(IBGE, 2000) e dados fornecidos pelo Núcleo de Acompanhamento do OP (PMS, 2008).

Cartograma 2: Serra: Regionais do orçamento participativo

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seu valor absoluto tenha se ampliado a cadaano, como é possível observar nas figuras2 e 3:

A Figura 2 nos possibilita observar umincremento constante nos valores desti-nados ao OP entre o período de 1998 a2008. A Figura 3 permite constatar quetal incremento não foi proporcionalmenteacompanhado pela evolução da capacidadede investimento municipal.

O município de Serra se destaca entreos demais municípios capixabas como osegundo maior em volumes de investi-mentos, por isso é tão importanteavaliarmos a alocação de tais investimentos.A Tabela 1 apresenta um ranking dos 10maiores municípios investidores noEspírito Santo.

Nota-se que a capacidade de investi-mento do município de Serra, em 2008,só ficou abaixo da Capital do estado,Vitória. O terceiro maior município inves-tidor não chegou a apresentar 40% dovolume de investimentos de Serra.

O processo de alocação derecursos do orçamento participativoem Serra/ES (1998 – 2008)

O procedimento metodológico dopresente capítulo estrutura-se em trêsseções: i) a primeira destinada à regiona-lização de Serra com base em indicadoresselecionados; ii) a identificação da espacia-lização dos investimentos públicos percapita em obras de infraestrutura, desti-nados ao OP sobre as regionais, compa-rando-as aos indicadores selecionados,por regional; iii) a identificação da lógicaalocativa de tais obras entre os bairros,também confrontando essa lógica comos indicadores selecionados. Desta formabusca-se analisar, na primeira seção, acapacidade redistributiva do instrumentode gestão pública praticado em Serradenominado OP, assim como, na segundaseção, o potencial redistributivo da deli-beração social. Para a operacionalizaçãointrarregional das análises, foi utilizado

Fonte: Núcleo de Acompanhamento do OP (PMS, 2008; 2011); SERRA. Perfil Socioeconômico (2007;2008).

Figura 2: Evolução dos valores destinados ao OP de Serra/ES (1998-2008).Figura 3: Participação dos valores destinados a obras do OP de Serra em seusinvestimentos totais (1998-2008).

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o software ArcView 3.2. para a espacia-lização das variáveis utilizadas na análisesobre a malha urbana de Serra.

Regionalização do espaço urbanode Serra/ES com base em indica-dores selecionados

O município de Serra/ES possui duasregionalizações utilizadas pelo poderpúblico local. Uma delas é a regionalizaçãoadministrativa e a regionalização do Orça-mento Participativo, mas para a efetivaçãoda proposta deste artigo foram criadasnovas regionalizações, começando porindicadores selecionados, a partir do censodemográfico realizado pelo InstitutoBrasileiro Geográfico e Estatístico (IBGE)no ano de 20004. São eles:

• Percentual de chefe de domicílio comrenda de até dois salários mínimos5;

• Percentual de analfabetismo entre apopulação de 15 anos ou mais;

• Proporção de domicílio inadequado6;• Proporção de domicílio com esgoto

inadequado7.

A partir dos dados referentes aosbairros de Serra/ES foram identificadosos indicadores selecionados das 11regionais do OP (suas médias ponderadas).O objetivo é identificar as áreas de baixostatus, médio baixo status, médio alto statuse de alto status do município, tanto na escalaregional quanto em uma menor escala(bairros). A partir dos dados das regionaisdo OP buscou-se encontrar os quartis decada indicador social em análise. O obje-tivo é classificar as regionais do OP comobaixo status, médio baixo, médio alto e altostatus. Desta forma, as regionais que selocalizarem no primeiro quartil da rendamédia dos chefes de domicílio, porexemplo, serão identificadas como sendode baixo status, e aquelas que se localizaremno último quartil estarão sendo classificadascomo alto status.

Uma vez identificado às áreas sociaisem grupos de status social, torna-se possívelanalisar se o poder público municipal tem,por meio da prática de OP, beneficiado(por meio da alocação dos investimentospúblicos destinados ao OP) as áreas de alto

Tabela 1: Investimento total dos 10 maiores municípiosinvestidores do Espírito Santo, em 2008.

Posição Município Investimento – R$1 Vitória 235.622.3632 Serra 137.386.3183 Cariacica 53.961.3894 Vila Velha 51.907.8865 Aracruz 35.948.2086 Linhares 30.169.9957 Cachoeiro de Itapemirim 18.848.3988 Colatina 18.803.6219 Anchieta 16.152.64710 Viana 13.374.626

Fonte: FUTURA. Anuário dos Municípios Capixabas 2008.

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status, mantendo assim o “princípio decausação circular”, ou se tem promovidoredistribuição de renda real. Os dadosforam exportados para o Software ArcView3.28 a fim de produzir cartogramas queproporcionassem uma visualização espacialdas áreas de status sociais, sobrepostos aovolume dos investimentos destinados aoOP de Serra no período de 1998 a 2008,também espacializados.

Para a efetivação da análise alocativa dasobras de infraestrutura destinadas ao OP,foi necessário utilizar duas unidades espaciaisde análise: a “região9” e o “bairro”. Isso sedá por duas razões básicas: i) no recorte“regional”, a alocação dos investimentospúblicos em uma prática de OP se dá,geralmente, por critérios técnicos, destaforma a análise da espacialização dosinvestimentos entre as regionais da cidadeevidenciará a lógica alocativa do instrumento(OP) e não necessariamente da deliberaçãosocial; ii) o recorte “bairro” é utilizado comounidade de análise para averiguar a lógicaalocativa da deliberação social, uma vez queé na plenária regional (fóruns públicos) queos cidadãos estarão decidindo em qualbairro – da região – serão alocados osinvestimentos em infraestrutura, bem comoa tipologia das obras que serão executadas.

Ao comparar a classificação dosbairros por status social notou-se queexistem bairros de alto status em regionaisclassificadas como de baixo status e viceversa. Desta forma o investimento públicopode estar sendo alocado em bairros dealto status localizados em regionais de baixostatus, indicando a necessidade de averiguara alocação das obras públicas do OPtambém na escala intrarregional.

É importante destacar que foramconsiderados, para as análises destetrabalho, apenas os investimentos reali-zados, o que justifica termos nos limitado

ao período de 1998 a 2008, uma vez que,de acordo com a NAOP, apenas 3,3% dasobras do OP de 2009 foram concluídas10.

Avaliação do potencial redistri-butivo do critério de rateio do OPde Serra /ES

Afirmam os entrevistados, membrosda NAOP, que o OP de Serra objetiva, apartir de seu critério técnico de rateio, bene-ficiar prioritariamente os bairros maiscarentes (onde reside maior proporção depobreza e de menos infraestrutura). Porém,na construção dos indicadores utilizadospara rateio dos investimentos do OP entreas regionais, não tem sido utilizada a pro-porção de chefes de domicílio com rendade até dois salários mínimos. Se o objetivodo critério de rateio dos investimentos doOP de Serra/ES é buscar atender priorita-riamente as regionais onde há uma maiorproporção de chefes de domicíliospossuidores de menor renda mensal, esteobjetivo não foi atingido ao longo dosprimeiros 11 anos de prática. Assim, inicial-mente foi averiguado se as regionaisclassificadas neste trabalho como áreas debaixo status (as regionais de menor rendi-mento mensal dos chefes de domicílio)foram as que receberam maiores investi-mentos per capita durante o período emestudo.

Partindo do pressuposto de que asregionais concentradoras de chefes dedomicílios com renda de até dois saláriosmínimos compõem as áreas mais carentesde intervenção do estado para a amplia-ção da renda real desses indivíduos,buscou-se averiguar se tais áreas são asmais beneficiadas pelo critério de rateio dosinvestimentos do OP.

O Cartograma 3 possibilita identificarespacialmente que duas das quatro

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regionais que foram classificadas comobaixo status (com base na identificaçãodos quartis obtida dos percentuais deconcentração de chefe de domicílio comrenda de até dois salários mínimos) rece-beram alto investimento per capita. Outraconstatação observada foi que nenhumaregional de alto status, a partir da presentemetodologia, demonstrou ter recebido

elevado investimento per capita, pelocontrário, recebeu baixo investimento percapita. Desta forma pode-se, mais umavez, afirmar que o critério utilizado paradistribuir os investimentos pelas regionaiscaracteriza-se como instrumento capaz deromper com a “causação circular”, pelomenos nas duas análises realizadas até omomento.

Fonte: Produzido pelo autor a partir da Base de Informações por Setor Censitário do Censo Demográfico(IBGE, 2000) e dados fornecidos pelo Núcleo de Acompanhamento do OP (PMS, 2008; 2011).

Cartograma 3: Serra: Distribuição espacial dos investimentos per capitadestinados ao OP durante o período de 1998 a 2008 e proporção de chefes dedomicílio com renda de até dois salários mínimos por regional do OP

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Pelo fato dos investimentos destinadosà prática do OP em Serra/ES seremvoltados à realização de obras de infraes-trutura, torna-se necessário observar se taisinvestimentos buscam atender priori-tariamente as áreas onde existe maiorconcentração de domicílios inadequadose sem esgoto adequado. Observou-se quedas três regionais classificadas como baixostatus, a partir (último quartil, área de maiorconcentração) da proporção de domicílioscom esgoto inadequado, duas delasreceberam maior investimento per capita.Observa-se também que todas as regionaisclassificadas como alto status receberambaixo investimento per capita.

Por último, buscou-se averiguar, comofeito anteriormente, se o critério de rateiodo OP de Serra/ES beneficiou, priorita-riamente, as regionais onde a proporçãode domicílio inadequado é maior. Assimcomo os demais indicadores utilizados, aproporção de domicílio inadequadoindica, de certa forma, a concentração depobres em um determinado território.

Ao confrontar o investimento per capitado OP distribuído pelas regionais entre osanos de 1998 a 2008, com a proporçãode domicílios inadequados, foi identificadouma ausência de correlações entre ambosos indicadores. Observou-se que nenhumaárea classificada como de baixo status(último quartil, ou seja, área de maior con-centração de domicílios inadequados)recebeu alto investimento per capita, limi-tando-se o alto investimento per capita àsregionais classificadas como alto ou médioalto status social (áreas de menor proporçãode domicílios inadequados).

Outro indicador muito utilizado paradelimitar as áreas mais carentes é a taxa deanalfabetismo entre a população com 15anos ou mais. Como um dos índices quecompõem o critério de rateio engloba esse

indicador demográfico, espera-se que asáreas de maior concentração de analfabetosobtenham maior investimento per capita. Aoconfrontar (utilizando-se da mesmametodologia) o volume de investimentoper capita e a taxa de analfabetismo entre apopulação com 15 anos ou mais, não ficouevidenciada uma correlação. Mas ficouconstatado que, embora não atendaprioritariamente as regionais com elevadopercentual de analfabetos, o critério do OPnão tem promovido o “princípio decausação circular”.

Avaliação do potencial redistri-butivo da deliberação social pormeio do Orçamento Participativode Serra /ES

O procedimento metodológico dapresente seção busca identificar a lógicaalocativa dos investimentos do OP pelosbairros, os quais também foram classifi-cados em grupos de status social com basena proporção de chefes de domicílioscom renda mensal de até dois saláriosmínimos. Desta forma busca-se analisara potencialidade redistributiva da delibe-ração social, como apresentado noCartograma 4.

O Cartograma 4 apresenta uma visua-lização da distribuição dos investimentosper capita do OP (por quartis) sobreposta àclassificação dos bairros, em quartis, deacordo com o percentual de chefe dedomicílio com renda de até dois saláriosmínimos. Tal cartograma não apontaindícios de correlação entre bairros commenor ou maior percentual de chefes dedomicílio com rendimento de até doissalários mínimos e maior ou menor investi-mentos do OP no período de 1998 a 2008.A tabela de contingência (Tabela 2) apre-senta tal distribuição:

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Fonte: Produzido pelo autor a partir da Base de Informações por Setor Censitário do Censo Demográfico(IBGE, 2000) e dados fornecidos pelo Núcleo de Acompanhamento do OP (PMS, 2008; 2011).

Cartograma 4: Serra: Distribuição espacial, por quartis, dos investimentosper capita destinados ao OP (1998 a 2008) e o percentual de chefes de domicíliocom renda de até dois salários mínimos (2000), por bairro

Nota-se, a partir da Tabela 2, que nãohouve um atendimento prioritário anenhum dos quartis, ou seja, não atendeprioritariamente as áreas com maiorpercentual de chefes de domicílios comrenda de até dois salários mínimos (baixoe médio baixo status), o mesmo acorrendonas áreas onde esse percentual é menor(médio alto e alto status).

Ao analisar a correlação entre maiorinvestimento per capita e percentual de

domicílio inadequado (Cartograma 5),constatamos que dos 30 bairros onde aproporção de domicílios inadequados eraalta, 10 receberam altos investimentos percapita, assim como quatro deles rece-beram baixos investimentos per capita.Observou-se que dos 24 bairros combaixa proporção de domicílio inadequado,quatro receberam alto investimento percapita e seis receberam baixo investimentoper capita do OP.

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Fonte: Produzido pelo autor a partir da Base de Informações por Setor Censitário do Censo Demográfico(IBGE, 2000) e dados fornecidos pelo Núcleo de Acompanhamento do OP (PMS, 2008).

Cartograma 5: Serra: Distribuição espacial, por quartis, dos investimentosper capita destinados ao OP (1998 a 2008) e o percentual de domicíliosinadequados (2000), por bairro

Fonte: Produzido pelo autor a partir da Base de Informações por Setor Censitário do Censo Demográfico(IBGE, 2000) e dados fornecidos pelo Núcleo de Acompanhamento do OP (PMS, 2008).

Tabela 2: Tabela de contingência da distribuição, por quartis, dos investimentosper capita destinados ao OP (1998 a 2008) e o percentual de chefes de domicíliocom renda de até dois salários mínimos (2000), por bairro

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Por meio da Tabela 3 podemosobservar a distribuição dos investimentosper capita pelas áreas, por grupos de quartisde percentuais de domicílios inadequados.Tais resultados são apresentados por meiode uma tabela de contingência.

Com base nos resultados apresentadosna Tabela 3 observamos que:

• Dos 24 bairros com percentual baixode domicílios inadequados, 12 deles rece-beram investimento per capita classificadoentre “médio alto” e “alto”;

• Dos 30 bairros com alto percentualde domicílios inadequados, 17 deles rece-beram investimento per capita classificadoentre “médio alto” e “alto”.

Observamos que existem indícios queapontam que a deliberação social do OPem Serra/ES tem beneficiado mais osbairros de maior proporção de domicíliosinadequados.

O Cartograma 6 apresenta análise doinvestimento per capita correlacionado àproporção de domicílio com esgotoinadequado.

Notou-se que a espacialização dasvariáveis sobre a malha urbana de Serra/ES aponta que a maior parte dos bairros(19 dos 27 bairros) com alta proporçãode domicílios com esgoto inadequado (emvermelho) recebeu “alto” ou “médio alto”

investimento per capita do OP durante operíodo em estudo (ver Tabela 4). Destaforma, pode-se concluir que a deliberaçãosocial tem beneficiado preferencialmenteos bairros onde a proporção de domicíliocom esgoto inadequado é maior.

Ao realizar o mesmo procedimentometodológico referente à taxa de analfa-betismo, notou-se que não existe nenhumalógica correlativa entre as duas variáveis emanálise (taxa de analfabetismo e investi-mentos do OP). Os bairros que receberamalto investimento per capita, por exemplo,não se enquadram predominantemente emnenhum dos grupos de quartis por taxa deanalfabetismo.

Dos 27 bairros onde o percentual deanalfabetismo era alto, apenas sete rece-beram altos investimentos per capita, assim

Tabela 3: Tabela de contingência da distribuição, por quartis, dos investimentosper capita destinados ao OP (1998 a 2008) e o percentual de domicíliosinadequados (2000), por bairro

Fonte: Produzido pelo autor a partir da Base de Informações por Setor Censitário do Censo Demográfico(IBGE, 2000) e dados fornecidos pelo Núcleo de Acompanhamento do OP (PMS, 2008; 2011).

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como cinco deles receberam baixos inves-timentos per capita. Observa-se que dos 27bairros com baixa taxa de analfabetismo,oito receberam alto investimento per capitae sete receberam baixo investimento percapita do OP, como indica a Tabela 5.

A partir das análises realizadas nestaseção, pode-se afirmar que a práticadeliberativa do OP de Serra não tem sidocapaz de atender prioritariamente os bairrosonde a taxa de chefes de domicílios com

renda de até dois salários mínimos eramaior (último quartil), assim como nãocanalizou os investimentos do OP para osbairros com as maiores taxas de analfabe-tismo. A deliberação social promovidapelo OP de Serra/ES parece ter benefi-ciado prioritariamente os bairros onde hápercentual maior de domicílio e esgotoinadequado. Uma possibilidade de explicartal correlação pode estar no fato de tratar-se de obras destinadas ao saneamento

Fonte: Produzido pelo autor a partir da Base de Informações por Setor Censitário do Censo Demográfico(IBGE, 2000) e dados fornecidos pelo Núcleo de Acompanhamento do OP (PMS, 2008; 2011).

Cartograma 6: Serra: Distribuição espacial, por quartis, dos investimentos percapita destinados ao OP (1998 a 2008) e o proporção de domicílio com esgotoinadequado (2000), por bairro

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Tabela 4: Tabela de contingência da distribuição, por quartis, dos investimentosper capita destinados ao OP (1998 a 2008) e o percentual de domicílios comesgoto inadequado (2000), por bairro

Fonte: Produzido pelo autor a partir da Base de Informações por Setor Censitário do Censo Demográfico(IBGE, 2000) e dados fornecidos pelo Núcleo de Acompanhamento do OP (PMS, 2008; 2011).

Fonte: Produzido pelo autor a partir da Base de Informações por Setor Censitário do Censo Demográfico(IBGE, 2000) e dados fornecidos pelo Núcleo de Acompanhamento do OP (PMS, 2008; 2011).

Cartograma 7: Serra: Distribuição espacial, por quartis, dos investimentosper capita destinados ao OP (1998 a 2008) e o proporção de analfabetos com15 anos ou mais (2000), por bairro.

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básico, as quais geralmente consomemgrandes volumes de investimentos públicos,assim como tratar-se das áreas urbanas maiscarentes de obras que melhorem a aparênciadesses bairros.

Este trabalho, em síntese, nos forneceualguns resultados, os quais são apresentadosna Tabela 6.

A Tabela 6 permite a formação deuma visão geral dos resultados alcançados,deixando claro o potencial do critério derateio do orçamento participativo deSerra/ES e da deliberação social realizadano período em análise.

Considerações finais

A produção do espaço urbano pelaação direta do poder público é apontadapor diversos autores como clientelística,concretizando o que ficou conhecido como“princípio de causação circular”, onde asáreas de alto status vêm sendo historica-mente as mais beneficiadas pela ação dopoder público, especialmente por meio deobras de infraestrutura. As práticas deorçamentos participativos têm sido

apontadas como ações capazes de pro-mover o rompimento com tal princípio,assim como ser um instrumento deredistribuição de renda real.

Neste artigo foram analisados separa-damente o instrumento de rateio do OP ea deliberação social, ambos praticados emSerra/ES por meio do OrçamentoParticipativo. Objetivo central foi identificarse o critério de rateio do OP de Serra e adeliberação social sobre os investimentosem obras de infraestrutura têm sidocapazes de romper com o “princípio decausação circular” e promover redistri-buição de renda real. Ao longo das análisesem torno da distribuição dos investimentosper capita em obra de infraestrutura desti-nados ao OP de Serra/ES, a partir docritério técnico de rateio, foi possível identi-ficar que não tem beneficiado priori-tariamente as áreas de baixo status, quandoessas são classificadas a partir do percentualde chefes de domicílios com renda de atédois salários mínimos ou das taxas deanalfabetismo, mas tem sido capaz deromper com o “princípio de causaçãocircular”.

Fonte: Produzido pelo autor a partir da Base de Informações por Setor Censitário do Censo Demográfico(IBGE, 2000) e dados fornecidos pelo Núcleo de Acompanhamento do OP (PMS, 2008; 2011).

Tabela 5: Tabela de contingência da distribuição, por quartis, dos investimentosper capita destinados ao OP (1998 a 2008) e o percentual de analfabetos com 15anos ou mais (2000), por bairro

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Identificamos que na prática de OP emSerra existem indícios de correlação entreinvestimento per capita do OP e propor-ção de domicílios inadequados e/ou comesgoto inadequado. Uma hipótese para talcorrelação pode estar no fato de tratar-sede obras destinadas ao saneamento básico,as quais geralmente consomem grandesvolumes de investimentos públicos, assimcomo de serem áreas, devido aos domi-cílios inadequados, visivelmente maiscarentes do município.

Finalmente, o OP de Serra/ES temsido capaz de romper com o “princípiode causação circular”, embora não tenhaatendido prioritariamente as áreas de

baixa renda ou as áreas com maiorestaxas de analfabetismo. A partir destetrabalho, embora tendo um objeto deestudo pontual e particular, é possívelconcluir que práticas de gestão públicacomo o orçamento participativo podemser um caminho para a produção de umespaço urbano mais justo, uma vez quetal instrumento parece não permitir quea lógica alocativa identificada por Terra(2007), em Campos dos Goytacazes, epor Vetter, Massena e Rodrigues (1979),no Rio de Janeiro, fosse observada emSerra/ES.

(Artigo recebido em maio de 2010. Versão finalem abril de 2011).

Fonte: Produzido pelo autor a partir da Base de Informações por Setor Censitário do Censo Demográfico(IBGE, 2000) e dados fornecidos pelo Núcleo de Acompanhamento do OP (PMS, 2008; 2011).

Tabela 6: Resumo dos resultados encontrados a partir do estudo de caso: alocaçãodos investimentos do OP (1998 a 2008) e o princípio de causação circular

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Notas

* Este artigo é parte da dissertação de mestrado defendida em outubro de 2009 no programade Mestrado em Planejamento Regional e Gestão de Cidade da Universidade Candido Mendes/Campos, RJ, tendo como orientadora Drª Denise Cunha Tavares Terra.

1 Grosso modo, a “causação circular” trata-se de um princípio marcado pelo beneficiamentoprioritário de áreas já beneficiadas anteriormente ou áreas de alto status social.

2 De forma resumida pode-se dizer que para Harvey os “mecanismos ocultos” da redistribuiçãode rendas são as ações locacionais de investimentos públicos ou privados, que consequentementeampliam ou reduzem a renda real dos indivíduos.

3 Nos cartogramas são apresentadas apenas as áreas consideradas pelo IBGE, em 2000, comourbanas. Os vazios são áreas rurais ou não ocupadas devido ao grande número de áreas alagadiças ede rochedos.

4 Tais indicadores foram obtidos a partir de dados do Censo Demográfico 2000 (IBGE,2004).

5 Salário mínimo de R$ 151,00, referente ao período do censo demográfico de 2000.6 Foram considerados domicílios inadequados as unidades de habitação em cômodo ou

improvisado.7 Foram considerados como sistema de esgoto inadequado aqueles domicílios que não pos-

suíam ligação com rede geral de esgoto ou fossa séptica.8 O ArcView 3.2 trata-se de um software de SIG (Sistema de Informações Geográficas) que

permite visualizar, produzir ou manipular dados de componentes geográficos.9 O termo “região” ou “regional”, utilizado neste artigo, se refere à regionalização baseada no

agrupamento de bairros da cidade para a distribuição (entre as regiões) dos valores destinados ao OP.Desta forma, se trata de uma região administrativa composta por diversos bairros da cidade, a fim defacilitar a prática do OP.

10 Dados também disponíveis no site da Prefeitura Municipal de Serra/ES.: <http://www.serra.es.gov.br/portal_pms/site.do?evento=x&lang=&idConteudo=5620&chPlc=5620&pg=5001&taxp=0&lang=pt_BR>Acessado em: Março de 2011.

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Resumo – Resumen – Abstract

Estudo socioterritorial e investimentos públicos: o processo de alocação de recursos doorçamento participativo em Serra/ESCristiano das Neves Bodart

O presente artigo busca, a partir de um estudo de caso, identificar se o Orçamento Participativo(OP) tem sido instrumento de gestão pública capaz de mitigar as desigualdades socioespaciais,rompendo com o “princípio de causação circular”, este caracterizado como o beneficiamento prioritáriode áreas de alto status social a partir da ação do poder público por meio de obras de infraestrutura. Oestudo está centrado na prática do OP realizado no município de Serra/ES (1997 – 2008). Além dafundamentação teórica, a metodologia utilizada baseou-se, inicialmente, em caracterizar os espaçosurbanos de Serra, a partir de indicadores selecionados, em áreas de status social, para posteriormenteidentificar a lógica alocativa dos valores destinados às obras de infraestrutura urbanas diretamenteligadas ao OP. Foi constatado que a prática do OP, no referido município, tem sido capaz de rompercom o “princípio de causação circular”, embora não tenha atendido prioritariamente as áreas urbanasonde existe uma maior proporção de analfabetos e chefes de domicílio com renda de até dois saláriosmínimos.

Palavras-Chave: Orçamento participativo; deliberação social; alocação de obras públicas; desi-gualdade socioespacial

Estudio socioterritorial de inversiones públicas: el proceso de asignación de recursosdel presupuesto parcipativo en Sierra/ESCristiano das Neves Bodart

Este artículo pretende, a partir de un estudio de caso, determinar si el Presupuesto Participativo(PP) ha sido un instrumento de la gestión pública capaz de mitigar la situación socioespacial,rompiendo con el “principio de causalidad circular”, principio caracterizado como procesamientoprioritario de las áreas de alto status social por acciones de poderes públicos a través de obras deinfraestructura. El estudio se centra en la práctica del PP en el municipio de Serra / ES (1997 - 2008).Además de los antecedentes teóricos, la metodología se basó, inicialmente, en caracterizar los espaciosde Serra, sobre la base de los indicadores seleccionados, en las zonas de estatus social para identificarposteriormente la lógica de reparto de los importes asignados a los proyectos de infraestructuraurbana directamente relacionados con el PP. Se señaló que el PP, en este municipio, ha sido capaz deromper con el “principio de causalidad circular”, aunque no ha servido principalmente las zonasurbanas donde hay una mayor proporción de analfabetos y cabezas de domicilios con ingresos dehasta dos salarios mínimos.

Palabras Clave: Presupuesto participativo, deliberación social, asignación de obras públicas,desigualdad socioespacial

Study and territorial social and public investments: the process of allocation of resourcesbudgeting in Sierra/ESCristiano das Neves Bodart

The present article seeks, from the basis of a case study, to identify whether ParticipatoryBudgeting has been an instrument of public administration capable of mitigating socio-spatialinequalities, breaking with the “principle of circular causation,” this principle characterized as thepriority improvement of areas of high social status from the action of government by means ofinfrastructure. The study is centered on the practice of PB carried out in the municipality of Serra, ES

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(1997 - 2008). Apart from the theoretical background, the methodology utilized was initially basedon characterizing urban spaces of Serra, using selected indicators, in areas of social status in order tofurther identify the allocative logic of values destined for urban works of infrastructure directly tiedto PB. It was found that the practice of PB in the cited municipality was able to break with the“principle of circular causation,” although it has not served primarily urban areas where there is ahigher proportion of illiterate persons and heads of households with incomes of up to twominimum wages.

Keywords: Participatory budgeting; social deliberation; allocation of public works; socio-spatialinequality

Cristiano das Neves BodartMestre em Planejamento Regional e Gestão de Cidades pela Universidade Candido Mendes (UCAM) e CientistaSocial. Contato: [email protected]

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Rozelito Felix, Patrícia do Prado Felix e Rafael Timóteo

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Balanced Scorecard: adequaçãopara a gestão estratégicanas organizações públicas

Rozelito Felix, Patrícia do Prado Felix eRafael Timóteo

Introdução

O valor tangível de uma empresa do setor privado está refletido nos seus controles

financeiros, representado pelo seu balanço. No entanto, para o setor público, o valor

de um órgão se reflete na maneira como seus “clientes” usam os serviços que são

oferecidos para os diversos segmentos da sociedade. Por exemplo: Sabemos qual é

o valor de um órgão que presta serviços educacionais, de saúde, de transporte, de

segurança? Qual é a importância desses serviços para o cidadão/sociedade? Ao

mesmo tempo, também é necessário saber: como os recursos previstos no orçamento

destinado a cada órgão estão sendo gastos e controlados? Como os investimentos

estão sendo realizados? Existe a real necessidade de conhecer indicadores que possam

subsidiar a tomada de decisões nessas questões.

O acompanhamento dos resultados, o alcance das metas e o maior controle

da qualidade da prestação dos serviços públicos, que são oferecidos ao cidadão/

sociedade, são princípios que foram inseridos na Emenda Constitucional 19/98.

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Balanced Scorecard: Adequação para a gestão estratégica nas organizações públicas

Revista do Serviço Público Brasília 62 (1): 51-74 Jan/Mar 2011

Outro princípio bastante interessantee que irá proporcionar maior controleorçamentário, organização e transparênciaestá previsto na Lei Complementar 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal.

A implementação de um modelo degestão estratégica se faz necessária e mereceespecial atenção em sua aplicação. Osórgãos da APF e o cidadão/ sociedadenecessitam de serviços que os auxiliem naprevenção de suas ações e na continuidadede suas operações.

Diante de tal necessidade identificou-se que o modelo de Balanced Scorecard,desenvolvido por Kaplan e Norton, seriao exemplo a ser implementado, dentrode um contexto de adaptações, pois éamplamente utilizado no mercadonacional e internacional; inclusive sendousado pelo TCU, como descreve oAcórdão 1952/2007:

3.1 – Indicadores de Gestão: OAnexo II da DN/TCU no 81/2006contém três itens (02, 03 e 04 da Seção1) que tratam de formas diferentes omesmo tema, qual seja, indicadores dedesempenho da gestão. A IN/TCUno 47/2004 já havia avançado conside-ravelmente ao considerar o controle dodesempenho da gestão, como formade contribuição para o aperfeiçoa-mento da Administração Pública, comoprincípio a ser considerado no exame ejulgamento das tomadas e prestaçõesde contas dos gestores.

O BSC mantém o equilíbrio nasdimensões orçamentárias e não orçamen-tárias do negócio, permitindo ao nívelestratégico monitorar os órgãos da APFcom a visão operacional de longo prazo.

Pode-se citar alguns órgãos púbicosque já utilizam o BSC como modelo de

gestão estratégica: Gabinete de SegurançaInstitucional da Presidência da República(GSI/PR), por intermédio do Departa-mento de Segurança da Informação eComunicações (DSIC), Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento(MAPA), Ministério Público do Estado deGoiás, Prefeitura de Curitiba, BancoNacional de Desenvolvimento Econômicoe Social (BNDES), Governo do Estado deMinas Gerais, Governo do Rio de Janeiro.

Destaca-se o Conselho Nacional deJustiça (CNJ) que, em 2010, reuniu ospresidentes dos tribunais e demais órgãosdo Poder Judiciário brasileiro no IIIEncontro Nacional do Judiciário e, emconjunto, elaboraram o mapa estratégicocom 10 metas prioritárias para que osdemais órgãos do Judiciário promoves-sem encontros regionais e definissem suasestratégias com base no mapa instituído.Com isto estabeleceu-se um grande painelde medição de desempenho do Judiciário.

Pensando nesse desafio, adaptou-se umaarquitetura para gestão e tradução dasestratégias em um conjunto organizado deinformações que são agrupadas emperspectivas: cidadão/sociedade, Adminis-tração Pública Federal (APF), processosinternos, relações governamentais, aprendi-zado e crescimento orçamentário. Essemodelo adaptado é o Balanced Scorecard.Gov(BSC.Gov).

Gestão estratégica

A estratégia tem um caráter revolucio-nário, declara Henderson (1998).

Estratégia é a busca deliberada deum plano de ação para desenvolver eajustar a vantagem competitiva de umaempresa. Para qualquer empresa, abusca é um processo interativo que

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começa com o reconhecimento dequem somos e do que temos nessemomento. Seus competidores maisperigosos são os que mais se parecemcom você. As diferenças entre você eseus competidores são a base da suavantagem (HENDERSON, 1998).

A palavra estratégia significa “a arteda liderança”. Inserir estratégia nocontexto da organização significa: a) des-crever como alcançar as metas e objetivosorganizacionais; b) considerar os valorespessoais e sociais existentes na empresa;c) orientar a utilização de pessoas e derecursos financeiros; d) criar e sustentarvantagem competitiva (TIFFANY ePETERSON, 1998).

Tiffany e Peterson (1998) associamnormalmente a falha de estratégia aaspectos não relevantes, consideradoscomo essenciais, e o sucesso da estratégiaà garantia de um processo de adequaçãodo planejamento com as operaçõescontínuas do negócio.

A estratégia é uma forma de fazer bonsnegócios a longo prazo. Trata-se deprocesso contínuo que necessita de indica-dores efetivos. Precisa estar de acordo coma situação em que se encontra aorganização, visando a sobrevivência, amanutenção, o crescimento ou o desen-volvimento. O sucesso de uma estratégiase vincula “a fazer as perguntas certas e aencontrar boas respostas”. Uma estratégiaé competitiva quando busca posiçãofavorável ao nicho de mercado, visandose estabelecer em posição lucrativa esustentável (TIFFANY e PETERSON, 1998;OLIVEIRA, 1999; PORTER, 1989).

Segundo Oliveira (1999), a estratégia éum caminho que visa o alcance, de formadiferenciada, de objetivos estabelecidos. Aestratégia não é o único fator a determinar

o fracasso ou o sucesso da organização,seu corpo administrativo tem equivalênciade importância idêntica ao da estratégia.

O planejamento estratégico é oprimeiro item a ser abordado pela adminis-tração estratégica, pois possibilita o planeja-mento do desenvolvimento e de mudançasorganizacionais. Nesse processo a empresaé considerada de forma completa, maspressupõe que o todo também possa serrepresentado por uma unidade de negócio.Tal planejamento pode ser abordado em

três níveis: estratégico, tático e operacional.No nível estratégico, permite estabelecer adireção a ser seguida pela organização; notático, tem a finalidade de otimizar umaunidade de negócio da organização; e nooperacional, são definidas formas dedesenvolvimento e de implementação deresultados específicos a serem alcançados(CERTO, 1993; OLIVEIRA, 1999).

“O BSC mantémo equilíbrio nasdimensõesorçamentárias enão orçamentáriasdo negócio,permitindo aonível estratégicomonitorar os órgãosda APF com a visãooperacional delongo prazo.”

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O processo de planejamento estraté-gico tem o propósito de aumentar a eficáciade uma organização ou de uma unidadede negócio e aprimorar sua missão, sendoconsiderado uma forma sustentável paraa criação de valores organizacionais(KAPLAN e NORTON, 2000).

Segundo Certo (1993), o processo deadministração estratégica é dividido em cin-co etapas básicas: execução de análise doambiente, estabelecimento de diretrizorganizacional, formulação de estratégiaorganizacional, implementação da estraté-gia organizacional e exercício do controleestratégico.

A análise do ambiente tem o propó-sito de identificar riscos e oportunidades,que influenciam na realização das metasorganizacionais. Estabelecer a diretriz daorganização trata-se essencialmente dadefinição da missão e dos objetivos organi-zacionais.

A formulação de uma estratégia organi-zacional visa determinar ações apropriadasao alcance dos objetivos. Trata-se dos trêsníveis estratégicos presentes nas organiza-ções: organizacional, de negócio e funcional.A implementação de estratégia compreen-de a colocação da estratégia em ação. Ocontrole estratégico consiste em fazer comque o planejado se desenvolva. Abrangecomo comparar o desempenho organiza-cional real com as metas e padrões estabele-cidos.

Segundo Kaplan e Norton (2000), aimplementação de uma estratégia nunca foitão necessária como atualmente noambiente organizacional. No entanto, agrande maioria das organizações queconsegue constituir a sua estratégia, não temêxito em sua execução, ocasionando perdade força, uma vez que a implementaçãoda estratégia se caracteriza por ser maisimportante que sua própria qualidade.

No ambiente organizacional o quedetermina as principais intenções daempresa, o seu curso e o tempo paraconcretização da estratégia, são as metas eos objetivos. As metas são compromissosque a organização assume e os objetivossão especificações de como se pretendealcançar cada meta (OLIVEIRA, 1999). Osobjetivos estratégicos organizacionais fun-damentam o planejamento, a organização,a motivação e o controle. Na falta deles,as organizações podem seguir quaisquer di-reções (CERTO, 1993).

O alinhamento e o foco são os termosque possibilitam atingir bons resultadosestratégicos, a partir da sinergia entre aspartes que compõem a organização.(KAPLAN e NORTON, 2000).

O alinhamento dos objetivos organi-zacionais garante a cada segmento signi-ficativo da organização, tais como divisõese departamentos, saber executar o seupapel de forma a possibilitar que osobjetivos globais sejam alcançados. Adefinição dos subobjetivos deve permitira realização dos objetivos organizacionais.A hierarquia dos objetivos pode atingir onível individual ao estabelecer metas paracada um dos indivíduos que trabalhemna organização, de modo que cada umcolabore na realização do objetivo dosetor onde está lotado (GRANDER, 1963).Os bens intangíveis redirecionam a gestãodos tangíveis para a gestão de estratégiasbaseadas no conhecimento. A estratégiabaseada no conhecimento se caracterizapela relação com clientes, inovações deprodutos e serviços, tecnologia da infor-mação e banco de dados, além de consi-derar também as competências individuaisdos empregados e ser capaz de alinharunidades de negócio, unidades de apoioe funcionários à estratégia organizacional(KAPLAN e NORTON, 2000).

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A empresa que opta por uma políticade valorização dos intangíveis precisa deindicadores que possam medir resultadosno fim de um período, pois, de acordocom Kaplan e Norton (1997), o que não émedido, não pode ser gerenciado.

Segundo Herzog (2003), atualmentealgumas empresas vêm realizando ochamado alinhamento da organização àestratégia de Kaplan e Norton (2000),a partir da elaboração do Balanced Scorecardcorporativo e seu detalhamento nas áreasde negócios.

As organizações que têm o foco naestratégia exigem que seus funcionáriosconduzam atividades cotidianas de formaa agregar continuamente valores para seuêxito. A estratégia para ser efetiva não secaracteriza como um processo isolado, masem contínua evolução (KAPLAN, 2000).Segundo Porter (1990), a construção deuma estratégia depende da atividadeselecionada para se atingir a excelência. Adiferença entre tipos de estratégia é aescolha dessas atividades e da forma pelaqual serão executadas.

A avaliação da estratégia precisa acon-tecer não só após sua implementação, mastambém no momento da sua escolha. A

estratégia deve estar em concordância coma cultura, o clima organizacional e emsintonia com os aspectos externos àempresa (OLIVEIRA, 1999).

A implementação de uma estratégiarequer alinhamento corporativo, comoprocesso contínuo e participativo (Figura 1).

A estratégia é alinhada à unidadede negócio, provocando o seu compar-tilhamento nas unidades de apoio e entreos indivíduos intra e inter unidade. Esteprocesso propicia uma sinergia entre asunidades de negócios e os serviços daorganização. A transformação dos ativosintangíveis envolve três categoriasprincipais: as competências estratégicas, astecnologias estratégicas e o clima favorávelà ação (Figura 2) (KAPLAN e NORTON,1997).

As competências estratégicas abor-dam habilidades e conhecimentos neces-sários ao reforço da estratégia, suportadopor tecnologias que visam facilitar maioralcance dasmetas. Para que tudo isso sejaviabilizado há necessidade de um climaapropriado às mudanças culturais neces-sárias à motivação, à capacitação e aoalinhamento com a estratégia (KAPLAN eNORTON, 1997).

Fonte: adaptado de Kaplan (2000).

Figura 1: Sinergia das unidades organizacionais

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Balanced Scorecard

ConceitosO BSC foi desenvolvido pelos profes-

sores da Harvard Business School, Robert Kaplane David Norton, em 1992, e envolve trêsgrupos de ações: estratégicas, operacionais eorganizacionais. O objetivo é o de estabe-lecer um processo estruturado para a criaçãode medidas financeiras e não financeiras,representadas por objetivos estratégicos emetas em todos os níveis, possibilitando aintegração entre esses grupos e proporcio-nando o alinhamento de toda a organização.

O fato inédito no BSC é a inovaçãode medidores de desempenho futuro,focados estrategicamente em quatro pers-pectivas – financeira, clientes, processosinternos e aprendizado e crescimento –,dentro de uma estrutura e linguagem quecomunica visão e estratégia. A definição eintegração dos objetivos estratégicos, dasiniciativas, metas e indicadores dessas pers-pectivas constituem os pilares do BSC, quedevem ser conectados ao pensamentoestratégico da organização (Figura 3).

O Balanced Scorecard nasceu do estudode métodos de mensuração, intituladoMeasuring Performance in the Organization ofthe Future, de Robert Kaplan e DavidNorton, e se baseia em indicadores deativos tangíveis (GIUNTINI, 2003).

Vários estudos de casos sobre sistemasde mensuração de desempenho foramanalisados e, entre eles, o Analog Devices, quevisa a mensuração do progresso em atividadesde melhoria contínua. O Analog utilizava umscorecard corporativo, empregando medidasfinanceiras, relativas a prazos de entrega ao cli-ente, à qualidade e ciclo de processos deprodução e ao desenvolvimento de novosprodutos (GIUNTINI, 2003).

Diversas reuniões se realizaram com oobjetivo de discutir o Analog e diversas ideiasforam agregadas ao sistema original. Aampliação do método originou novo título“Balanced Scorecard” (GIUNTINI, 2003).

O Balanced Scorecard 1 é um sistema quecontrola desde a identificação das neces-sidades até a motivação das melhoriasdos processos e produtos, criandoum ambiente propício ao alinhamento

Fonte: adaptado de Kaplan e Norton (1997, p.138).

Figura 2: Transformação dos ativos intangíveis

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estratégico organizacional. O BSC éresponsável por traduzir os objetivosestratégicos em indicadores de desem-penho classificados nas quatro pers-pectivas de Kaplan e Norton (1992):financeira, cliente, processos internos eaprendizado e crescimento.

Para Campos (1998), entender adenominação do Balanced Scorecard é rela-cionar a sua implementação com o equi-líbrio dos quatro grupos de indicadores.O balanceamento é garantido pelo sucessoda estratégia nas quatro perspectivas.

Olve et al. (2001) baseiam-se noconceito do BSC apresentado por Kaplane Norton (1992), que considera uma organi-zação a partir de quatro perspectivas vitais,vinculando o controle operacional de curtoprazo a uma visão estratégica de longoprazo do negócio. O controle operacionaldiário é considerado como impactante noresultado do desenvolvimento do amanhã,

Fonte : Kaplan e Norton (2000).

Figura 3: Visão geral das perspectivas do BSC

o que caracteriza três dimensões de tempoconsideradas no Balanced Scorecard: passado,presente e futuro.

Ao mencionar Balanced Scorecard, Olveet al. (2001) referem-se ao grau de equilíbrionecessário entre os elementos da perfor-mance organizacional. O scorecard é umregistro de resultados esperados e alcan-çados. Representa o plano de negócio dasunidades da empresa e se torna um catali-zador para as discussões a respeito dosrumos da organização.

Olve et al. (2001, p. 18) consideram asquatro perspectivas de Kaplan e Norton(1992, 1996), que se baseiam no seguintemodelo:

i) Para obtermos sucesso financeiro,como devemos encarar nossos acio-nistas?; ii) Para sermos bem-sucedidosnos nossos pontos de vista, comodevemos encarar nossos clientes?;

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iii) Para satisfazermos nossos acionistase clientes, em quais processos denegócio interno devemos nos sobres-sair?; iv) Para sermos bem-sucedidosem nossos pontos de vista, comodevemos manter nossa capacidade deaprender e crescer?

Segundo Herzog (2003), nos últimos15 anos destacaram-se poucos sistemascorporativos de gestão. O BSC é uminstrumento de destaque na transformaçãode estratégias em realidade. Atualmente,algumas empresas vêm realizando ochamado “alinhamento da organização àestratégia” de Kaplan e Norton (2000), apartir da elaboração do BSC corporativoe de seu detalhamento em áreas denegócios.

Segundo Kaplan e Norton (2000), fatordeterminante de sucesso organizacional é acompetência em maximizar os resultadosde ativos intangíveis, porém existe umadificuldade operacional de se medir esseprocedimento. O Balanced Scorecard foi desen-volvido na década de 1990, com o objetivode possibilitar o processo de mensuração.Entretanto, estudos comprovaram que suautilização estava acontecendo para aimplementação de novas estratégias, a partirda modelagem de alinhamento dasunidades de negócios, de serviços e dosindivíduos às metas organizacionais. Emtermos práticos, da visão, da estratégia e dosrecursos, quando acionados adequada-mente, fluem e refluem respostas viabili-zadas como implementação, inovação,feedback e aprendizado.

As organizações focam suas estratégiascom base no conhecimento e utilizam o BSCpara operacionalizá-las, uma vez que agrande probabilidade de fracasso ou sucessoempresarial é a capacidade de execução daestratégia (KAPLAN e NORTON, 2000).

A estratégia formulada é possibilitadaa partir da implementação do BSC nosdiversos níveis organizacionais, de formatop-down, da unidade mais estratégica paraa menos, podendo ser implementada comoum piloto de navegação pela construçãodo BSC das unidades de negócios, poste-riormente com o BSC das unidades deapoio e, finalmente, com o BSC Pessoal(KAPLAN e NORTON, 2000).

O BSC pessoal reforça os elos entreas áreas de negócios de forma a viabilizara comunicação da estratégia e da educaçãoda organização.

Segundo Kaplan e Norton (1997), omodelo financeiro tradicional, desenvol-vido para empresas da era industrial,preocupa-se em medir tangíveis que parti-cipam de realizações do passado, enquantoas capacidades futuras de produção nãosão previstas. A orientação focada emelementos intangíveis não desconsidera aimportância do foco financeiro.

A filosofia do scorecard, sintonizada coma nova economia do conhecimento e dainformação, busca viabilizar a realização dequatro processos gerenciais complexos:esclarecimento na tradução da visão e daestratégia; comunicação e associação dosobjetivos às medidas estratégicas; estabeleci-mento das metas e alinhamento dasiniciativas estratégicas; e melhoramento donível de feedback e do aprendizado estratégico(KAPLAN e NORTON, 1997).

O BSC é utilizado para alcançar oentendimento da missão e da estratégia deuma unidade de negócio, transformando-as em objetivos e medidas tangíveis. Hápossibilidade de o BSC ser iniciado comobjetivos restritos e posteriormentepropagá-los por toda organização, deixandode ter a característica de um sistema deindicadores e passando a um sistema degestão estratégica (KAPLAN e NORTON, 1997).

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A implementação do Balanced Scorecardcontempla a necessidade de sistematizaruma ação estratégica, assegurando umaorganização alinhada e focada na imple-mentação da sua estratégia. O BSC é aintegração de um sistema de mensuraçãocom um sistema de gerenciamento quepossibilita a implementação rápida eeficiente de estratégias (KAPLAN e NORTON,1997 e 2002).

Como uma derivação do BSC, Kaplane Norton criaram o Balance ScorecardCollaborative (BSCol), que possibilita novotipo de serviço integrado que adicionavalor ao gerenciamento de processos. OBSCol está sendo usado por organizaçõesresponsáveis pelo processo de entrega deprodutos e serviços.

A empresa que opta por uma políticade valorização dos intangíveis, precisa deindicadores que possam medir resultadosno fim de um período, pois, de acordocom Kaplan e Norton (1997), o que não émedido não pode ser gerenciado.

A perspectiva financeira está relacio-nada à liquidez e à lucratividadeda empresa. Para a concretização doobjetivo, consideram-se as medidas finan-ceiras, como, por exemplo, o retorno docapital investido e fluxo de caixa, que sãovaliosas no acompanhamento do desem-penho organizacional, indicando se aimplementação da estratégia está contri-buindo para a melhoria de seus resultadosfinanceiros.

Na perspectiva do cliente, o BSC sepropõe a identificar os segmentos demercado afins com a unidade de negócios,e, posteriormente, identificar que indica-dores de desempenho são relevantes aparaa alavancagem do negócio. Nessa perspec-tiva ocorre o alinhamento das medidasdiretamente vinculadas ao cliente, tais como:satisfação, fidelidade, retenção, captação e

lucratividade, além de possibilitar, por meioda compreensão das necessidades dosclientes, maior competitividade no seu ramode negócio.

A perspectiva dos processos internosda empresa tem foco na identificação dospontos mais críticos e nos objetivos dosclientes e acionistas. Essa abordagem refleteuma estratégia completa, que possibilita aosprocessos existentes otimização e elabo-ração de novos, com a finalidade de atingira excelência.

A última perspectiva do BalancedScorecad pretende alcançar um constanteaprendizado e crescimento organizacional.Compõe a base do BSC e impacta naperspectiva dos processos internos, na docliente e na financeira.

Essa perspectiva provém basicamentede três fontes: o funcionário, os sistemas eo alinhamento estratégico organizacional.A fonte relacionada ao funcionário podeser visualizada em três focos: satisfação,produtividade e retenção.

Entre as quatro perspectivas do BSC,essa é a que está menos desenvolvida,pois nela são agregadas a cobertura defunções estratégicas, a disponibilidadedas informações estratégicas e o nívelde alinhamento de pessoas, equipes eáreas com os objetivos estratégicos daorganização. Os indicadores, que podemespecificar tais desenvolvimentos, preci-sam ser personalizados considerandotais focos.

A perspectiva de aprendizado e cres-cimento, que trata da transformaçãodos ativos intangíveis, envolve três cate-gorias principais: competências estratégicas,tecnologias estratégicas e clima favorávelà ação.

A perspectiva do aprendizado e doconhecimento é como a raíz de umaárvore, a ela são atribuídos a sustentação,

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a nutrição e o crescimento. Considerandoa estratégia organizacional, esse é o vetormais efetivo no resultado, pois sustentatodas as outras perspectivas (Figura 4)(KAPLAN e NORTON, 1997).

Segundo Santos (2003), o BSC é umaferramenta de integração dos sistemas degestão corporativa. O BSC converge osesforços estratégicos e visa o êxito daorganização. O ambiente organizacionalpassa a se preocupar com o sucesso dotodo, não mais com ações isoladas dosdepartamentos e dos funcionários. Acriação do BSC objetivou focalizar não sóo aspecto financeiro, mas todos osintegrantes do processo de gestão. Em suaestrutura, o BSC desenvolve e alinha, nasquatro perspectivas, a visão empresarial ea sua estratégia.

Perspectivas financeiras, clientes,processos internos e de aprendizado e

crescimento são desdobrados em objetivosestratégicos, indicadores, metas e planos deação (SANTOS, 2003).

O BSC, na experiência de Boesen (2002),é a ferramenta utilizada para a gestão dodesempenho organizacional. O BSC éresponsável pela efetivação dos objetivosorganizacionais, assim como pela descobertade meios inovadores para alcançá-los. Oreferido autor menciona que o BSC permiteestruturar as divisões da empresa que neces-sitam de melhorias, e que a aplicação de umBSC não ambicioso possibilitou o efetivoentendimento de seus gerentes.

Os sistemas de mensuração que sebaseiam exclusivamente em númeroscausam conflito na atual realidade econô-mica organizacional, que necessita deum desempenho métrico mais amplo;entretanto, as aplicações automatizadas deBSC não alinham as áreas funcionais às

Fonte: Adaptado de Kaplan e Norton (1997) e de Averson (1999).

Figura 4: Relações de causa e efeito das perspectivas do Balanced Scorecard

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estratégicas. Os softwares ABM (Activity-based Management) e o EVA (Economic ValueAdded) possibilitam a mensuração deintangíveis, mas falta a eles um padrão quepossibilite a comunicação entre aplicaçõesdiferentes que compõem o ambiente donegócio (MORRIS, 2002; KAPLAN, 2002).

Considerando a complexidade e opotencial do BSC, a ferramenta é consi-derada efetiva para a gestão do conheci-mento e auxilia no relato do “balanço social”da organização (ALMEIDA, 1999).

De forma similar a Kaplan e Norton(1997), Giuntini (2003) considera que “o quenão é medido, não é gerenciado”. As orga-nizações para manterem sua sustentaçãodevem gerenciar seu desempenho commonitoramento por meio de medições. OBalanced Scorecard incorpora um conjuntointegrado de medidas que analisa o desem-penho sob a visão dos clientes, dos processosinternos, dos funcionários e sistemas e dofinanceiro. A mensuração financeira é reali-zada a longo prazo e associada à finalizaçãoda síntese de desempenho organizacional.

As quatro perspectivas do BSC“devem ser entendidas como um modeloe não como camisa de força”. São elasadequadas a uma variedade de empresasde diversos setores do mercado, mas nãoexiste nenhum estudo que comprove queas quatro perspectivas sejam suficientes edefinitivas (GIUNTINI, 2003, p. 9).

Uma organização que utiliza o BSCcomo ferramenta de gestão estratégica,possibilita ao gestor saber qual o impactode sua decisão sobre a unidade de negócioe toda a estratégia organizacional. Auxiliatambém a visão das relações entre açõesatuais e metas futuras (GIUNTINI, 2003).

Segundo Fresneda (2003), a imple-mentação do BSC viabiliza a implantaçãode planos estratégicos, por possibilitar aeficiência das ações estratégicas, que

“A implementaçãodo Balanced Scorecardcontempla anecessidade desistematizar umaação estratégica,assegurando umaorganizaçãoalinhada e focadana implementação desua estratégia.”

garantem a condução da organização aoestadodesejado. O Balanced Scorecard pos-sibilita a criação de modelo operacional egerenciável de gestão estratégica, que podeser adaptado por meio de estudos, avalia-ções, elaboração e implantação de umprojeto piloto.

Norton (2002) associa o gerenciamentode estratégia com o gerenciamento damudança, considerando que a necessidadede uma nova estratégia requer mudanças

organizacionais. Esse processo passa portrês fases: mobilização, condução doprojeto e execução sustentável. Em cadauma dessas fases o Balanced Scorecard podeser utilizado com um objetivo distinto.

Na fase da mobilização o BSC é utili-zado para esclarecer a estratégia; na fasede condução, é o instrumento que possi-bilita a explicação da nova estratégia da altaadministração para todos os níveis da

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empresa; e na execução, o BSC educa ealinha as pessoas na organização, geren-ciando as metas a serem efetivadas a longoprazo (NORTON, 2002).

Para Becker et al. (2001), o BSC tornapossível a mensuração do desempenhoorganizacional, sob a perspectiva daimplementação da estratégia. A ferramentaapoia o desenvolvimento de formastangíveis para avaliar os intangíveis. Osgerentes utilizam o BSC não apenas paramonitorar os resultados. São agentesproativos na implementação da estratégiae garantem a expansão da estratégia emtarefa de todos.

Orientar o processo decisório econstituir o processo de avaliação dedesempenho são objetivos do BSC, consi-derando-o um sistema de mensuraçãoeficaz (BECKER et al., 2001).

Becker et al. (2001) acreditam que a utili-zação do Balanced Scorecard possa efetivar umanova competência para a organização, ogerenciamento do desempenho estratégico.De acordo com os referidos autores, essacompetência é criada a partir da união daimplementação de uma estratégia da empresacom um sistema de mensuração de desem-penho. A utilização do BSC garante aosgerentes a mensuração estratégica alcançadacom a possibilidade de saber o que medir ecomo medir. O sucesso desse novo sistemaestá vinculado à ampla divulgação dos resul-tados do Scorecard a toda empresa.

PerspectivasO BSC trabalha com objetivos estra-

tégicos que se relacionam entre suas perspec-tivas (Quadro 1). Essas perspectivas, equili-bradas com os objetivos de curto e longoprazo, são essenciais para a implementaçãoda estratégia, desde que sejam integradas.Vejamos, a seguir, como ocorre o relacio-namento.

Balanced Scorecard – Limitaçõesdo BSC para a gestão estratégica noGoverno Federal

Embora o setor privado e o setorpúblico tenham como foco a preocupaçãoem satisfazer o “cliente”, eles diferem quantoà amplitude de suas metas e ações, e ao perfilde seus clientes; bem como na forma comoutilizam os seus recursos financeiros (Quadro2). Todavia, a satisfação do cidadão é umaobrigação do Estado e os seus interesses sãodirecionados para a coletividade.

As perspectivas de processos internose de aprendizado e crescimento atendemplenamente às atividades desenvolvidaspela APF; por outro lado, o BSC nãoapresenta uma perspectiva que contem-ple as ações que são desenvolvidas pelosdiversos conselhos, câmaras, comitês egrupos de trabalho, dos quais fazem parteos servidores que pertencem aos órgãosda APF e que são designados para aparticipação nesses grupos. Tais parti-cipações geram ações que podem ocasio-nar impactos nos processos internos decada órgão.

Diante dessas observações, são identi-ficadas as limitações do modelo de BSC,desenvolvido por Kaplan e Norton, paraatender aos órgãos da AdministraçãoPública Federal.

Balanced Scorecard.Gov

Adaptações no BSC para aplicaçãoda gestão estratégica nas organizaçõespúblicas

Mediante a análise realizada, identifi-cou-se que o modelo tradicional de BSCnão é totalmente adequado aos órgãos daAPF, sendo necessárias adaptações, quegiram em torno de agregação e adequaçãode perspectivas.

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Quadro 1: Relações entre as perspectivas do BSC

Perspectiva deorigemFinanceira

Clientes

Processosinternos

Aprendizado ecrescimento

Descrição

Os objetivos financeiros giramem torno do resultado final daestratégia, satisfação dos acionistas,crescimento ou custos.

Avalia o desempenho da institui-ção na concepção do cliente.Importância na identificação dosclientes.

Aborda os processos críticos quegeram valor.A qualidade dos processos e atomada de decisões estão direta-mente relacionadas com as causasde insatisfação ou melhorias dasnecessidades dos clientes.Desenvolve a capacidade de melho-rar, inovar, aprender e crescer.Destaca a gestão dos recursoshumanos, com o intuito de capa-citar e motivar para que sejamatingidos os objetivos propostos.Base para desenvolvimento deobjetivos das demais perspectivas.

Indicadores

FaturamentoRetorno sobre opera-ções de investimentoValor econômicoagregadoAumento de receitasRedução de custos

Participações demercadoAquisição de clientesRetenção de clientesLucratividade dosclientesNível de satisfaçãodos clientesTempo e qualidadedos processosinternosExcelência de proces-sos críticos

Nível de satisfação defuncionáriosRotatividade defuncionáriosLucratividade porfuncionárioCapacitação e treina-mento de funcionáriosParticipação defuncionários

Perspectiva derelaçãoProcessos Internos

Processos InternosFinanceira

ClientesFinanceira

ClientesFinanceiraProcessos Internos

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Quadro 2: Comparação entre setor privado e setor público nas perspectivas“financeira” e “clientes”PerspectivaFinanceira

Clientes

Público1. Os recursos financeiros são destinadosaos órgãos por meio do orçamento públi-co e visam permitir a execução das políti-cas públicas federais.2. A ênfase não está nos resultadosfinanceiros e não se configura olucro.

3. Não visa o retorno financeiro.

4. As metas principais, objetivos estratégi-cos e medidas associadas à consecução deum ou mais objetivos estão relacionadosdiretamente com o orçamento destinado acada órgão da APF.5. Não visa competitividade com o mer-cado.

6. Não gera retorno para os investi-dores, mas deve prestar contas doscustos e investimentos realizados.7. Os gastos são limitados aos valoresorçados.

1. O público-alvo, que não é vistocomo um cliente, pode ser divididoem dois segmentos:

I – Administração PúblicaFederal (APF):Deve ser tratada de forma diferenciada,pelo fato de receber orientações oudeterminações dos órgãos normativos ede controle.

II – Cidadão/Sociedade:A satisfação do cidadão/sociedadeé uma obrigação do Estado e osinteresses são direcionados para acoletividade.

Privado1. As medidas financeiras são vistas como orien-tações de curto prazo voltadas para retorno docapital empregado (Roce), lucros por ação.2. O melhor desempenho financeiro temconexão direta com a gestão dos indicadoresde desempenho relacionados com a melhoriadas operações, o atendimento ao cliente enovos produtos, com a busca por maioresvolumes de vendas e margens operacionais,rapidez no giro do ativo e redução dos custosoperacionais.3. O retorno financeiro é decorrente do serviçoprestado ao cliente.4. Deve conter metas principais e que sirvam dereferência para as demais perspectivas, ou seja,devem ter objetivos estratégicos e medidas asso-ciadas à consecução de um ou mais objetivos.

5. Os vetores de desempenho são condicio-nados pelo setor de mercado e o ambientecompetitivo.6. Gera retorno para os investidores.

7. Os gastos não são limitados aos valores or-çados.

1. As medidas voltadas para os clientes sãoidentificadas e concentradas para atender omercado que se deseja competir e, muitas vezes,na personalização do cliente.2. Oferece produtos ou serviços alinhadoscom a preferência dos clientes.3. Satisfaz o cliente de acordo com o interesseda empresa.4. O desempenho financeiro é obtido por meiode produtos e serviços valorizados pelos clientes.5. Ocorre a preferência de atuação em deter-minada população e potenciais clientes.6. O mercado de clientes está de acordo comsuas preferências, dimensões de preços, quali-dade, funcionalidade, imagem, reputação,relacionamento e serviço.7. Os fornecedores podem sugerir novasformas de negócios.8. Ocorre a mensuração da intensidade comque atrai ou conquista novos clientes ounegócios.

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Segundo Kaplan e Norton (1997), omodelo pode ser facilmente adaptado paraorganizações públicas e instituições sem finslucrativos. Perspectivas devem ser incor-poradas ou eliminadas a um BalancedScorecard, quando existe o interesse daspartes interessadas e seja vital para osucesso da estratégia idealizada.

Tendo como base as limitaçõesdescritas, as adaptações têm o objetivo deviabilizar a gestão estratégica nas organi-zações públicas, oferecendo base paraservir ao cidadão/sociedade, mantendo oscustos e investimentos sob o teto daprevisão orçamentária e melhorando aarticulação interna e externa com osdiversos segmentos da sociedade, comoempresas públicas ou privadas e orga-nismos internacionais.

As adaptações são necessárias nasseguintes perspectivas: a financeira foirenomeada para orçamentária e a clientes,desmembrada em cidadão/sociedade eAdministração Pública Federal. Além dis-so, foi criada a perspectiva de relações go-vernamentais.

Perspectivas adaptadas/agregadasao BSC.Gov

Perspectiva do cidadão/sociedadeEstá relacionada com os objetivos

estratégicos inerentes aos serviços a seremprestados ao cidadão e à sociedade, consi-derando os preceitos de uma gestãopública moderna focada em resultados eorientada para a transparência.

Perspectiva da Administração PúblicaFederal

Envolve uma abordagem com focona modernização da gestão pública, nosresultados das tomadas de decisões e nodesenvolvimento da eficiência nas insti-tuições públicas brasileiras.

Perspectiva relações governamentais Envolve as articulações entre os

órgãos de governo, empresas privadas eorganismos internacionais, cujo objetivoprincipal é manter o relacionamento nabusca de parcerias e soluções que sejamadequadas ao desenvolvimento das ativi-dades e que venham a provocar interfe-rências nos processos críticos de cadaórgão da APF.

Perspectiva orçamentáriaEnvolve os custos operacionais e

investimentos a serem realizados e queestejam previstos no orçamento público,sob a ótica dos recursos disponibilizadosno plano plurianual (PPA), na Leido Orçamento Público (LDO) e na Leide Orçamento Anual (LOA), que,em conjunto, materializam o planeja-mento e a execução das políticas públicasfederais.

Entre as seis perspectivas do BSC.Gov,a orçamentária é a mais crítica para osgestores públicos ao administrarem asorganizações públicas brasileiras, pois nelasão destinados os recursos financeiros queservem como base ao desenvolvimentodos objetivos estratégicos das demais pers-pectivas (Figura 5).

A perspectiva do aprendizado ecrescimento, juntamente com a deprocessos internos, consomem a maiorparte dos recursos e são muito impor-tantes para a sustentação da perspectivade Administração Pública Federal e decidadão/sociedade; considerando que aperspectiva de relações governamentais éessencial para que ocorra a articulaçãoentre os demais órgãos públicos norma-tivos e de controle.

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Balanced Scorecard.Gov comomodelo de gestão estratégica paraas organizações públicas

Modelo BSC.GovO modelo de gestão estratégica

BSC.Gov, adaptado para as organizaçõespúblicas, mantém a relação entre seis pers-pectivas equilibradas (Figura 6), que devemrefletir a estratégia e a visão.

A estratégia deve ser descrita pormeio das perspectivas: orçamentária,aprendizado e crescimento, relaçõesgovernamentais, processos internos,Administração Pública Federal e cidadão/sociedade.

Etapas do BSC.GovO Balanced Scorecard, como modelo de

gestão estratégica para as organizaçõespúblicas, deve trilhar os seguintes passos:

Primeiro: traduzir a estratégia emobjetivos estratégicos.

Segundo: estabelecer metas para cadaperspectiva.

Terceiro: articular e manter relaçõesgovernamentais intra e entre os órgãos dasdiversas esferas de governo, empresasprivadas e organismos internacionais, embusca de parceria e inovação tecnológica.

Quarto: destacar os processos mais críti-cos para obtenção de desempenho superiorno atendimento ao cidadão/sociedade e APF.

Quinto: investir na reciclagem deservidores e colaboradores, na infraestru-tura de tecnologia da informação e comu-nicação que produza inovações e melhoriassignificativas para os processos internos,para a APF e para o cidadão/sociedade.

Finalmente, as metas orçamentáriasdevem ser claramente estabelecidas paraque sustentem a execução dos demaisobjetivos estratégicos que constituem asdemais perspectivas.

Perspectivas do BSC.Gov eindicadores

Os administradores públicos precisamreconhecer os vetores do sucesso de longoprazo, cujos objetivos e medidas utilizadasno BSC.Gov não se limitam a um conjuntode desempenho orçamentário e não orça-mentário, mas derivam de um processohierárquico top down, norteado pela visão eestratégia traduzida em objetivos estratégicose medidas tangíveis que viabilizem a toma-da de decisões nos diversos níveis e órgãosda Administração Pública Federal. A base éum conjunto de indicadores (Quadro 3) quedemonstrem de forma eficiente os resul-tados e as melhorias advindas da moderni-zação do modelo de gestão.

Análise do BSC para imple-mentação nas organizações públicas

A utilização do Balanced Scorecard (BSC),como referência de modelo de gestãoestratégica a ser utilizado nas organizaçõespúblicas, teve como requisito uma análiseiniciada com a identificação do relaciona-mento existente entre as perspectivas. Esserelacionamento demonstrou que o BSC, daforma como foi concebido, é aplicado con-forme o Quadro 2: a perspectiva financeiraé o objetivo principal, colocando-se no topoda figura, seguida da perspectiva de clientes,ficando a de aprendizado e crescimento nabase e a de processos internos, mantendo oelo entre as demais.

As limitações que foram encontradas,após a comparação entre a aplicação doBSC no setor público e no setor privado,ocorreram em duas perspectivas: financei-ra e clientes.

No setor privado, a perspectiva finan-ceira é voltada para a obtenção de lucro epara a competitividade, diferentemente do

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Fonte: Adaptado a partir de Robert S. Kaplan e David P. Norton (1997, p.10).

Figura 6: O Balanced Scorecard para as organizações públicas

Fonte: Adaptado de Kaplan e Norton (1997) e de Averson (1999).

Figura 5: Relações de causa e efeito das perspectivas do BalancedScorecard.Gov

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Quadro 3: Perspectivas BSC.Gov e indicadores

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setor público que não visa o lucro. Osrecursos são destinados para atendimentoà sociedade e ao cidadão, ou seja, para acoletividade, e sem qualquer tipo de compe-tição. Na perspectiva de clientes, como édefinida na iniciativa privada, os objetivosestratégicos e metas são diretamente relacio-nados para atender às necessidades demercado e, muitas vezes, esse atendimentoocorre de forma personalizada. Talpersonalização está de acordo com a pre-ferência de atuação em determinada popu-lação e potenciais clientes, que visa obtençãoe retenção de clientes. Esses fatos, tratadosde forma tão simples e eficiente no setorprivado, não são coerentes com as atividadesdesempenhadas pelos diversos segmentosdo setor público, pois os “clientes”, ou seja,a Administração Pública Federal e a socie-dade/cidadão não têm essa conotação. Asatisfação do cidadão/sociedade é umaobrigação do Estado brasileiro e osinteresses são voltados para a coletividade.Tudo isso dificulta a implantação do BSCda forma como foi desenvolvido porKaplan e Norton, requerendo, assim, adap-tações e agregação de perspectivas.

Outro fator interessante é que as organi-zações públicas atuam de forma participativacom os demais órgãos, por meio de comitês,câmaras, conselhos que promovem reuniõescom grupos de trabalho, definindo normase padrões a serem utilizados, mas que nãoestão diretamente relacionados com osprocessos internos; no entanto, poderãocausar impactos sobre esses mesmos pro-cessos. Assim sendo, o modelo nãoapresenta uma perspectiva que suporte osobjetivos estratégicos e metas para asrelações que existem intra e entre as orga-nizações públicas.

As adaptações foram necessárias paraque fosse possível a implementação nasorganizações públicas, e ocorreram da

seguinte forma: desmembramento da pers-pectiva de clientes em (AdministraçãoPública Federal e cidadão/sociedade),adequação do nome da perspectiva“financeira” para “orçamentária” e acriação da perspectiva de “relações gover-namentais”.

O principal objetivo de elaborar ummodelo de gestão estratégica foi descritocom a proposta do Balanced Scorecard.Gov(BSC.Gov), que apresenta seis perspectivas:aprendizado e crescimento, relações gover-namentais, processos internos, Administra-ção Pública Federal, cidadão/sociedade e aorçamentária, que está na base do modelopara suportar as demais perspectivas. Jun-tamente com esse modelo foram sugeridosindicadores para fins de padronização dasmétricas a serem utilizadas.

Conclusão

As organizações públicas, guiadas poruma diversidade de normas legais e pres-sionadas pela escassez orçamentária, estãoatualmente colocadas perante a necessidadeurgente de adaptar novos instrumentos degestão pública, que possibilitem a melhoriade vida do cidadão/sociedade, da econo-mia do país, e apresentem resultados degrande visibilidade e dimensão, que possamfazer do serviço público um serviço dequalidade, eficiente, transparente e compa-tível com os impostos cobrados.

As conclusões descritas mostram oresultado final a que se propôs o artigo. Ointuito foi apresentar que, por meio dasinformações que podem ser obtidas pelomodelo proposto, é possível realizar agestão estratégica nas organizaçõespúblicas, utilizando-se de um modeloconcebido na iniciativa privada, comoforma de auxiliar o gerenciamento dasações. Esse gerenciamento é mostrado nas

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perspectivas adaptadas e agregadas paraesse fim, e, principalmente, na inversão daperspectiva orçamentária que serviu comobase para as demais perspectivas doBalanced Scorecard.Gov.

Esse objetivo foi atingido com aanálise inicial do modelo desenvolvidopelos professores Kaplan e Norton,passando pela identificação de suas limi-tações para implementação no setorpúblico e adaptação de novo modelo paraatendimento às organizações públicas.

O modelo de gestão estratégica, oraadaptado para as organizações públicas(BSC.Gov), é mais que uma ferramentagerencial à disposição dos gestorespúblicos, no sentido de promover aredução das deficiências na prestação deserviço ao público. O BSC.Gov apresen-ta uma série de benefícios, comointegração de medidas orçamentárias e nãoorçamentárias, vínculo da estratégia com

o planejamento estratégico e orçamento(PPA, LOA, LDO), alinhamentoorganizacional, integração entre os órgãospúblicos e maior proximidade no atendi-mento ao cidadão/sociedade, consideran-do que as ações do Estado devem estarorientadas ao cidadão/sociedade, na con-dição de usuários de serviços públicos edestinatários das ações das organizaçõespúblicas.

Destacam-se como fatores de maiorcontribuição do BSC.Gov a eficiência nabusca da modernização da gestão pública eo controle orçamentário, visto que os obje-tivos estratégicos, relacionados com a pers-pectiva orçamentária, devem estar atreladosaos resultados que irão contribuir para acultura e a busca da eficiência, privilegiandoas organizações públicas que demonstremmaior capacidade de gerir os seus gastos.

(Artigo recebido em julho de 2010. Versão finalem abril de 2011).

Nota

1 Campos (1998) o denomina de Cenário Balanceado.

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Resumo – Resumen – Abstract

Balanced Scorecard: adequação para a gestão estratégica nas organizações públicasRozelito Felix, Patrícia do Prado Felix e Rafael Timóteo

Os órgãos da Administração Pública Federal (APF) terão maior êxito no alcance de seus objetivosestratégicos, investindo na implantação de um modelo de gestão estratégica, adaptado para o ambientede governo, mantendo o alinhamento estratégico com os órgãos normativos e de controle.

Este artigo tem como objetivo apresentar um modelo de gestão estratégica, adaptado a partirdas perspectivas do Balanced Scorecard (BSC) desenvolvido pelos professores da Harvard BusinessSchool, Robert Kaplan e David Norton, em 1992, para ser utilizado pelos órgãos da APF; talmodelo mantém um alinhamento estratégico organizacional com as recomendações do Tribunal deContas da União (TCU).

O modelo irá permitir a gestão estratégica a partir da identificação dos objetivos estratégicos,metas, indicadores e ações referentes às perspectivas do Balanced Scorecard, o que permitirá o equilíbrioentre os indicadores de eficiência no acompanhamento das metas de cada órgão da APF, colaboran-do para uma gestão estratégica integrada, que venha a modernizar a gestão pública, agilizando astomadas de decisões e a troca de informações.

Neste contexto, o artigo faz uma análise no BSC, verificando as relações de interdependênciaentre as perspectivas, detectando as limitações para sua implementação no setor público, adaptandoe agregando novas perspectivas e finalmente elaborando um modelo de gestão estratégica, denomi-nado como Balanced Scorecard.Gov (BSC.Gov).

Palavras-chave: Balanced Scorecard; alinhamento estratégico; Administração Pública Federal;gestão estratégica.

Balanced Scorecard: adecuación para la gestión estratégica en las organizacionespúblicas

Rozelito Felix, Patrícia do Prado Felix y Rafael Timóteo

Los órganos de la Administración Pública Federal (APF) tendrá mayor éxito en el logro de susobjetivos estratégicos mediante la inversión en la aplicación de un modelo de gestión estratégica,adaptada al entorno de gobierno, manteniendo la alineación estratégica con los organismos regula-dores y de control.

Este artículo tiene como objetivo presentar un modelo de gestión estratégica, una adaptación de lasperspectivas del Balanced Scorecard (BSC) desarrollado por los profesores de Harvard Business School,Robert Kaplan y David Norton en 1992, para ser utilizado por los órganos de la APF, este modelomantiene una alineación organizativa estratégica con las recomendaciones del Tribunal de Cuentas (TCU).

El modelo permitirá la gestión estratégica de la identificación de objetivos estratégicos, metas yacciones relacionadas con las perspectivas del Balanced Scorecard, lo que promoverá un equilibrio entrelos indicadores de resultados en el seguimiento de los objetivos de cada organismo de la APF, quecontribuyen a una gestión estratégica integrada, que conduzca a la modernización de la administraciónpública, a la racionalización de la toma de decisiones y el intercambio de información.

En este contexto, este artículo analiza el BSC, la verificación de la interdependencia entre lasperspectivas, la identificación de las limitaciones para su aplicación en el sector público la adaptación,y la adición de nuevas perspectivas y, finalmente, el desarrollo de un modelo de gestión estratégica,conocido como equilibrado Scorecard.Gov (BSC.Gov).

Palabras clave: Balanced Scorecard, la alineación estratégica, la Administración Pública Federal, lagestión estratégica.

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Balanced Scorecard: adequacy to the strategic management on public organizations.Rozelito Felix, Patrícia do Prado Felix and Rafael Timóteo

The FPA bodies will be more successful achieving their strategic goals by investing on thedeployment of a strategic management model, adapted to the government location, keeping thestrategic alignment with control regulatory agencies.

This article aims to present a strategic management model, adapted from the perspectives ofthe Balanced Scorecard - BSC developed by the Harvard Business School professors, Robert Kaplanand David Norton in 1992, to be use by agencies of the Federal Public Administration - FPA as afactor in strategic organizational alignment according to Union Accounts Court-TCU.

The model will allow a balance between the performance indicators in monitoring the mark ofFPA bodies, collaborating in an integrated strategic management, which will modernize the publicadministration, speeding up the decisions and information exchange.

In this context, this article analyzes the BSC, verifying the interdependency between theperspectives, detecting the constraints to the implementation in the public area, adding and adaptingnew perspectives and finally making a strategic management model, known by Balanced Scorecard.Gov(BSC.Gov).

Keywords: Balanced Scorecard, strategic alignment, the federal public administration, strategicmanagement..

Rozelito Felix da SilvaPossui MBA em Estratégia da Informação pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e mestrado em EngenhariaElétrica pela UnB. Atua no Departamento de Segurança da Informação e Comunicações da Presidência daRepública. Contato: [email protected]ícia do Prado FelixPós-graduada em Análise de Sistemas pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e em Segurança da Informa-ção pelo Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB). Mestre em Engenharia da Produção pela Universida-de Federal de Santa Catarina (UFSC). Trabalha com o banco de dados do Sistema Único de Saúde (DATASUS/Ministério da Saúde). Contato: [email protected] TimóteoMestre em Telemática e Sistemas de Informação e pós-doutorado pela École Supérieure d’Electricité (Supelec).Doutor em Processamento de Sinais e Telecomunicações pela Université de Rennes 1-França. Atua no departa-mento de Engenharia Elétrica da UnB. Contato: [email protected]

Célia Marçola

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Auditoria interna comoinstrumento de controle social

na administração pública

Célia Marçola

Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira e desbravadora.Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados.É caminhando que se abrem os caminhos.Ela vai caminhar e abri-los.

Ulisses Guimarães

Introdução

“Declaro promulgado o documento da liberdade, da democracia e da justiçasocial do Brasil”. Com essas palavras Ulisses Guimarães, presidente da AssembleiaNacional Constituinte, fazia o país conhecer na data de 5 de outubro de 1988 anova Constituição da República Federativa do Brasil, após décadas de convíviocom um regime militar autoritário e ditatorial. A Constituição de 1988 foi inspiradano direito constitucional norte-americano e como um desdobramento dosensinamentos preconizados por Montesquieu. O autor doutrinou que o Estadopode corromper-se a ponto de desaparecer o espírito público como consequênciado abuso do poder político. Para evitar esse abuso propôs a tripartição do podercombinado”para formar um Governo Moderado é necessário combinar os Pode-res, regrá-los, temperá-los, fazê-los agir; dar a um Poder, por assim dizer, um lastro,para pô-lo em condições de resistir um ao outro”.

A Carta Magna brasileira seguiu esses preceitos e definiu como principais

instituições políticas: a República, a divisão dos poderes em Executivo,

Legislativo e Judiciário, e a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Montesquieu também asseverou em sua doutrina que “É experiência eterna

a de que todo homem que tem o poder é levado a abusar dele. Caminha até que

Auditoria interna como instrumento de controle social na administração pública

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encontre limites. Para que não se possaabusar do poder, é preciso que, peladisposição das coisas, o poder detenha opoder”. Nesse sentido, o uso do poderpelo administrador público deve sofrercontrole e interferência capazes de agircomo freio ao arbítrio, à improvisação e àirresponsabilidade administrativa. Na atualConstituição Federal o “sistema de freios”,no âmbito da administração pública,corresponde aos controles interno eexterno, conforme definido no artigo 70:

Art. 70: A fiscalização contábil,financeira, orçamentária, operacional epatrimonial da União e das entidades daadministração direta, indireta, quanto àlegalidade, legitimidade, economicidade,aplicação de subvenções e renúncia dereceitas, será exercida pelo CongressoNacional, mediante controle externo, epelo sistema de controle interno de cada poder(grifo nosso).

Antes disso, o sistema de controle jáhavia sido recepcionado pela primeira vezna Constituição de 1967, e positivado noDecreto-Lei no 200/67 que determinava, noartigo 6o, “Dos Princípios Fundamentais”:

Art. 6o As atividades da AdministraçãoFederal obedecerão aos seguintesprincípios fundamentais:

I - Planejamento.II - Coordenação.III - Descentralização.IV - Delegação de Competência.V - Controle.(Decreto-Lei no 200 de 25 de feve-

reiro de 1967, grifo nosso).

E especificamente no Capítulo V, noque concerne ao sistema de controle naadministração:

Art. 13 O controle das atividades daAdministração Federal deverá exercer-se em todos os níveis e em todos osórgãos, compreendendo, particular-mente:

a) o controle, pela chefia competente,da execução dos programas e daobservância das normas que gover-nam a atividade específica do órgãocontrolado;

b) o controle, pelos órgãos própri-os de cada sistema, da observância dasnormas gerais que regulam o exercíciodas atividades auxiliares;c) o controle da aplicação dos dinhei-

ros públicos e da guarda dos bens da Uniãopelos órgãos próprios do sistema decontabilidade e auditoria. (Decreto-Lei no

200 de 25 de fevereiro de 1967).

Seguramente, o Decreto-Lei no 200/67 foi o instrumento que teve o condãode positivar, entre as responsabilidades daadministração pública, o controle internodo próprio administrador sobre o seufazer (controle interno administrativo),inaugurando, inclusive, as auditorias de ca-ráter financeiro e orçamentário.

No entanto, apesar de meio útil eimprescindível da administração, muitocomumente surgem dúvidas quanto aoque, de fato, seja controle interno. Parafins deste trabalho, o conceito que seráaqui exposto trata do controle interno nãocomo imposição legal e burocrática decontrole dos atos, ações e resultados doadministrador público. A definiçãoadotada conceitua o controle internocomo processo, do dia a dia, realizadopela direção, ou seja, por pessoaresponsável por dirigir as atividades daárea que coordena, como, por exemplo,área de compras, financeira, entre outras,com propósito de fornecer segurança

Célia Marçola

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sobre os objetivos a serem alcançados.Controle interno, portanto, é uma açãotraçada por pessoas que dirigem a orga-nização com a finalidade de minimizar osriscos e aumentar as chances de atingirdeterminado fim. No caso da adminis-tração pública, o controle interno asseguraainda que, afora o planejamento de ativi-dades, estas estejam calçadas ainda pelosprincípios constitucionais da legalidade,impessoalidade, moralidade, publicidadee eficiência, esse último asseguradopor meio da Emenda Constitucional no

19/98. Portanto, toda e qualquer organi-zação pública possui controle interno, atémesmo com a finalidade de combater asimprovisações e a irresponsabilidadeadministrativa, evitando prejuízos sociaise econômicos.

O controle interno é, deste modo,obrigatório e inerente às atividades doadministrador público e a sua confiabi-lidade e eficiência são verificadas pelosórgãos de controle externo, como é o casodos tribunais de contas. Esses órgãos sãoautônomos e independentes da adminis-tração, nunca participando dos atos porela praticados, cabendo-lhes monitorar eexercer a fiscalização. As atuações dosórgãos de controle externo são de extremaimportância na vigilância do poder públicoe não se limitam apenas à fiscalizaçãoposterior dos atos praticados. Sua fiscali-zação está assegurada também pelo “podergeral de cautela”, conforme entendimentodo Supremo Tribunal Federal:

“O TCU tem competência parafiscalizar procedimentos de licitação,determinar suspensão cautelar (arts. 4o

e 113, §§ 1o e 2o, da Lei no 8.666/93),examinar editais de licitação publicadose, nos termos do artigo 276 doRegimento Interno, possui legitimidade

para a expedição de medidas cautelarespara prevenir lesão ao erário e garantira efetividade de suas decisões”.(GRACIE, Ellen, MS nº 24.510-7 STF).

Como se vê, os administradorespúblicos ficam obrigados a recepcionar asauditorias externas dos tribunais de contas,inclusive tendo seus atos fiscalizadospreventivamente, se assim entender neces-sário o órgão de controle externo. Tal

submissão da administração pública aocontrole externo é uma decorrência doEstado de Direito, já que, conformereferencia Hely Lopes Meirelles (1988),os controles referem-se a “faculdade devigilância, orientação e correção que umpoder, órgão ou autoridade exerce sobrea conduta funcional de outro”. Semcontrole não seria possível assegurar a

“Nesse sentido, ouso do poder peloadministradorpúblico deve sofrercontrole einterferênciacapazes de agircomo freio aoarbítrio, àimprovisação e àirresponsabilidadeadministrativa.”

Auditoria interna como instrumento de controle social na administração pública

Revista do Serviço Público Brasília 62 (1): 75-87 Jan/Mar 201178

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responsabilidade pública, que depende deuma fiscalização contumaz dos atos doEstado, como pressuposto dos princípiosconstitucionais citados. A propósito disso,Silva (2000) argumenta que os princípiosfundamentais da administração públicaencontram-se positivados na Constituiçãoe “Possuem eficácia jurídica direta e imediatae exercem a função de diretrizes superioresdo sistema, vinculando a atuação dosoperadores jurídicos na aplicação dasnormas ao respeito dos mesmos”. Omesmo autor ressalta ainda que os princípiosconstitucionais “são vigas mestras a sustentartodo o ordenamento jurídico do Estado”.

Por último, é possível aferir, portanto,que o controle externo e o interno propi-ciam a avaliação permanente dos atospraticados pelo gestor público, em decor-rência do uso do poder que lhe é outor-gado pela sociedade, sendo correto dizerainda que os controles são como mecanis-mos de preservação das instituiçõespúblicas e de prevenção da ilicitude, corro-borando com Montesquieu na medida em“que o poder deve conter os excessos dopróprio poder”.

A auditoria interna na adminis-tração pública

Em face do exposto, há de se admitir,ao menos, que o dever de prestar contas,de todos quantos administrem benspúblicos em nome dos demais cidadãos,decorre do princípio republicano respublicae, predominante na nossa Consti-tuição; e que, para que possa prestar contas,os administradores públicos precisam estarbem informados sobre os atos e fatos desua administração. Isso é controle. Não semmotivos, Megginson (1986) menciona que,se a função de controle não for desem-penhada efetivamente, as demais funções

(planejar, organizar e dirigir) serão de valorlimitado na organização, propiciando, namelhor das hipóteses, baixo desempenhoe, na pior, caos, fazendo definhar o con-ceito de eficiência e eficácia na adminis-tração pública.

No entanto, é impossível conceber queo administrador público possa estar emtodos os locais e exercer diretamente todasas atividades da administração. É neces-sário delegar responsabilidades e, aomesmo tempo, controlar essas atividadesde forma a assegurar que a organizaçãoestá funcionando conforme o planejado eo esperado. Nesse sentido, vem em seuauxílio uma importante ferramenta decontrole: a auditoria interna.

Ante um universo de recursos edemandas públicas, a auditoria internamostra-se como parceira do administradorpúblico na consecução dos objetivos desua gestão. Vale ressaltar que, quando aquimencionado, o administrador público étodo aquele que tem a responsabilidade degerir ações que utilizam recursos para finspúblicos, não se limitando ao presidenteda República, ao governador ou aoprefeito. Há inúmeras autarquias, órgãos,empresas públicas, fundações, institutos,entre outros, e em todos os níveis, quefazem parte do “corpo público da socie-dade” e, portanto, são geridos por adminis-tradores que, se não foram escolhidosdiretamente pelo povo, foram designadospor aqueles votados e eleitos pela viademocrática.

No Brasil, não existem divulgações depesquisas sobre as origens da auditoria,sendo somente certo que teve origeminglesa. Segundo Jund:

Apesar de formalmente organizadaem 26 de março de 1957, quandoformado o Instituto de Contadores

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Público no Brasil, em São Paulo, aauditoria foi oficialmente reconhecidaapenas em 1968, por ato do BancoCentral do Brasil. O fortalecimento daatividade, todavia, ocorreu em 1972,por regulamentações do Banco Centraldo Brasil, conselho Federal de contabi-lidade e Instituto dos AuditoresIndependentes.(JUND, 2002c).

O mesmo autor Jund (2006) aludeainda que, no âmbito interno da adminis-tração pública, conta o gestor público coma auditoria, importante ferramenta decontrole interno de sua administração, cujafinalidade básica é a de:

Comprovar a legalidade e legitimida-de dos atos e fatos administrativos eavaliar os resultados alcançados, quantoaos aspectos de eficiência, eficácia e eco-nômica da gestão orçamentária, finan-ceira, patrimonial, operacional, contábile finalista das unidades e das entidadesda administração pública, em todas asesferas de governo e níveis de poder,bem como a aplicação de recursospúblicos por entidades de direitoprivado, quando legalmente autorizadasnesse sentido. (JUND, 2006).

Como se vê, a auditoria interna não seconfunde com controle interno; no entanto,trata-se de uma área diretamente vinculadaà alta administração e que, com autonomiae independência, promove a verificaçãodos controles internos de todos os setoresda organização pública. A auditoria internaverifica e testa os controles internos, emtodas as áreas da organização, especial-mente as mais nevrálgicas na administraçãopública, como as áreas financeira e orça-mentária, compras e suas licitações, entreoutras; validando ou não a sua eficácia,

legalidade e segurança. Nesse sentido, Limae Castro (2003) argumentam que a audi-toria atua auxiliando o administrador natomada de decisões, por meio de relatóriose pareceres, bem como colabora para aevidenciação de erro, omissão ou fraude.

No caso da administração pública, otrabalho interno de auditoria interna possi-bilita ainda detectar e propor a correçãodos desperdícios e procedimentosequivocados, principalmente antecipando-se a essas ocorrências, antes da fiscalizaçãodos tribunais de contas. Trata-se, portanto,de uma ferramenta de controle vital parao administrador público e pari passu, dadoa natureza de seu trabalho; a auditoriainterna também pode ser concebida comoum agente de controle social que defendeo interesse de toda a sociedade, na medidaem que o bem auditado por ela é o bempúblico.

Assim sendo e lembrando as palavrasde Jacoby Fernandes, segundo o qual é“indispensável estruturar os órgãos demodo a que possam cumprir adequada-mente as funções que lhes são reservadas”,e se a auditoria interna é uma ferramentade gestão estratégica que visa assegurar umaadministração eficaz, eficiente e transpa-rente, por que a maioria dos adminis-tradores públicos não inclui na sua gestãoa criação de uma auditoria interna?

Sem querer esgotar o assunto porquetal resposta, per si, já seria tema de outroartigo, tamanho o viés de análise possível,dois fatos podem ser destacados queexplicam a falta de motivação do gestorpúblico: o primeiro diz respeito ao totaldesconhecimento por parte do adminis-trador sobre o que é e como trabalha aauditoria interna na administração pública.Esses de alguma forma não conseguemcogitar que auditorias constantes e perenesna sua administração podem, inclusive,

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ampará-lo e assessorá-lo na medida em que,através da auditoria, é possível prever,corrigir e até coibir práticas dissociadas dosobjetivos de sua gestão. Por ignorância epreconceitos, o administrador consideraque, via de regra, “auditoria é problema”.Quando, na realidade, a auditoria apontasoluções para os problemas.

A segunda razão para o administradorpúblico não considerar a criação de umaauditoria interna na sua gestão é a descon-fiança de que ficará tolhido, sem liberdadede dirigir a administração da forma queplanejou. Isso não corresponde à verdade.Na realidade, a auditoria interna, longe deser uma área impositiva ou punitiva, é, aocontrário, uma ferramenta de apoio eassessoramento à gestão. A auditoria internanão toma medidas de correção e, sim,sugere essas medidas, prevendo o impactodas correções nos objetivos da entidade.A auditoria não conduz a gestão para estaou aquela direção e, sim, organiza relatóriosque mostram os melhores caminhos, asboas práticas, os melhores controles, sem,contudo, impor regras de conduta e novosprocedimentos que, em ultima análise, sãodecisões que competem ao próprio gestorpúblico. Ressalte-se ainda que os relatóriose pareceres da auditoria interna possuemcaráter opinativo e não obrigatório para aadministração, cujos “pontos de melhoria”contidos nos pareceres dos auditoresinternos podem ou não ser seguidos peloadministrador. Naturalmente que o riscode seguir ou não os pontos de melhoriapropostos pelos auditores internos é de de-cisão do gestor público.

Portanto, como salientado, a auditoriainterna age apreciando a atividade pública,sem infligir o modelo gerencial perfeito,corroborando para que a administração eos objetivos sejam eficientemente condu-zidos, de modo que o Estado possa “fazer

o que deve fazer” e seja impedido “de fazero que não deve ser feito”.

Por essa razão, este artigo apresenta aproposta de criação de auditoria internaem todos os níveis da administraçãopública brasileira, como elemento de cons-tante análise sobre o controle interno ecomo interface com o controle externo.Dessa forma, objetiva-se alicerçar oentendimento de que a criação de umaauditoria interna nas organizações públicas,nas três esferas de poder (Executivo,Legislativo e Judiciário), corresponde, a umsó tempo, a uma ação de relevância sociale um compromisso com a austeridade porparte de todo aquele que detém a respon-sabilidade de gerir a coisa pública.

A experiência no Instituto dePesos e Medidas do Estado de SãoPaulo (Ipem-SP)

Por meio da Lei 6.985 de 23 dedezembro de 1966 foi criado o Institutode Pesos e Medidas do Município de SãoPaulo, respaldando juridicamente atri-buições metrológicas exercidas pelomunicípio. Em seguida, no mês de feve-reiro de 1967, atendendo a nova políticanacional de metrologia, foram criadosórgãos estaduais delegados do InstitutoNacional de Pesos e Medidas (INPM),atualmente Instituto Nacional de Metro-logia (Inmetro), autarquia federal adminis-trativamente vinculada ao Ministério doDesenvolvimento, Indústria e ComércioExterior. No mesmo ano, mediante oDecreto no 47.927 de 24 de abril, foi criadoo Instituto de Pesos e Medidas do Estadode São Paulo (Ipem-SP), com a finalidadede executar serviços técnico-administra-tivos de pesos e medidas no território doEstado de São Paulo. O Ipem-SP, portanto,é um órgão delegado do Inmetro e uma

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autarquia estadual atualmente vinculada àSecretaria de Justiça e Defesa da Cidadania.O Ipem-SP, como órgão de defesa doconsumidor, tem a missão de, nos termosda delegação, executar a política metrológicae de qualidade de produtos e serviços,visando a proteção do consumidor, aorientação para o consumo e a leal concor-rência, garantindo, dessa forma, o respeitoà sociedade e o direito à cidadania.

O Ipem-SP, além da atuação preven-tiva e educativa, também é responsável pelaaferição e fiscalização de, por exemplo,taxímetros, balanças industriais e decomércio, bombas de combustível,veículos que transportam cargas perigosas(caminhões-tanque e vagões-tanque),radares em estradas e produtos pré-medi-dos, tais como: arroz, gás de cozinha, papelhigiênico, congelados, entre outros. Por fim,dois outros segmentos estão entre suasatividades: a fiscalização de produtos têxteise a certificação compulsória de cronota-cógrafos (instrumento registrador de velo-cidade, tempo de direção e distânciapercorrida pelo veículo), termômetrosclínicos, medidores de pressão arterial, eetilômetros (popularmente conhecidoscomo bafômetros), além de capacetes paramotociclista, brinquedos, mamadeiras, fiose cabos, extintor de incêndio, entre outros.O Ipem-SP possui laboratórios deprecisão para a análise dos produtos e asações de fiscalização são realizadas pormeio de equipes de agentes fiscais, distri-buídas em 13 regionais no interior e quatrona capital.

Em janeiro de 2009, a Superinten-dência do Ipem-SP foi assumida porFabiano Marques de Paula e, em seguida,por ato do novo superintendente (2009),foi criada a Auditoria Interna (Audin-SP);sendo importante destacar que entre osórgãos que compõem a Secretaria de

Justiça e Defesa da Cidadania do Estadode São Paulo, o Ipem-SP é o único apossuir uma auditoria interna.

Com a criação da auditoria interna, oIpem-SP passou a contar com umarcabouço jurídico e administrativo e aexercer dois tipos de auditorias: opera-cional e especial. A primeira avaliacontratos, licitações, legalidade dos atosadministrativos, riscos dos procedimen-tos e dos controles internos e compara o

que foi planejado com o que foi alcan-çado, elaborando relatórios geralmentecom recomendações de melhorias. Já aauditoria de natureza especial, no caso doIpem-SP, realiza averiguação preliminar afim de atender a denúncias de desvio deconduta de servidores da autarquia nocumprimento de suas tarefas adminis-trativas ou de fiscalização, que foram

“Não hádúvidas, portanto,de que a auditoriainterna é ummecanismo decontrole funda-mental na adminis-tração pública...tendo ainda umimportante papelconselheiro deboas práticas degestão para oadministradorpúblico.”

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oferecidas, anonimamente ou não, naOuvidoria ou diretamente na Superinten-dência. Enquanto a auditoria operacionalocorre mediante planejamento anual,cumprido ao longo do ano pelos audito-res internos, as auditorias especiaissomente são iniciadas após autorização dopróprio superintendente e recebem priori-dade de tratamento.

Outra responsabilidade da auditoriainterna do Ipem-SP, e de extrema rele-vância, é a atividade de acompanhamentoe facilitação do trabalho de controleexterno, no caso, as auditorias externas doTribunal de Contas do Estado de São Paulo(TCE) e do Inmetro, ao qual o Ipem-SPestá vinculado por delegação – ambasrealizadas anualmente. Na Constituição de1988 existe a obrigatoriedade, por forçado artigo 74 item IV, de que os poderesLegislativo, Executivo e Judiciário deemapoio ao controle externo no exercício desua missão constitucional. Portanto, umavez criada, a Auditoria Interna deverá ter,entre as suas atribuições, a obrigação dedisponibilizar o sistema de controle internoa fim de apoiar e facilitar o trabalho docontrole externo (auditorias externas).

Nesse ponto é importante evidenciaro sucesso que representou para o Ipem-SP a criação da auditoria interna. Odestaque junto aos dois órgãos de controleexterno merece ser evidenciado, especial-mente porque o trabalho dos auditoresexternos teve a colaboração da auditoriainterna na facilitação da própria auditoriaexterna. Como é sabido, as auditorias dosórgãos de controle externo verificam,como de praxe, inúmeros processos delicitação, fontes de receita, controlespatrimoniais, diárias, transportes, recursoshumanos, contratos, entre outros itens deverificação. Geralmente essas auditoriasocorrem anualmente, com duração que

pode variar de alguns dias a semanas. Nocaso do Ipem-SP, a última auditoria doTCE foi realizada em três dias e a doInmetro, de duas a três semanas.

O trabalho da auditoria internaconsistiu em aperfeiçoar o atendimentoaos auditores de órgãos externos, prepararos funcionários das demais áreas doIpem-SP para o atendimento ágil às soli-citações dos auditores externos, erecepcionar as demandas da auditoria porprocessos e documentos. É seguro dizerque o fato de existir uma auditoria interna,responsável por organizar o atendimentoaos auditores do TCE e do Inmetro, teve,ao menos, três reflexos importantes: oprimeiro diz respeito ao fato de que aorganização das solicitações e as respos-tas das áreas tornaram-se mais ágeis,trazendo maior prontidão ao atendimentodas solicitações dos auditores; o segundoreflexo bastante significativo foi aeconomia de tempo e trabalho de funcio-nários do próprio Ipem-SP, que antesprecisavam ficar de prontidão durante asauditorias, deixando de realizar suastarefas. E o terceiro reflexo foi a economiade tempo do próprio auditor externo queantes precisava localizar pessoas, dirigir-se às áreas e entrevistar dirigentes sem,contudo, saber quem eram e ondeestavam localizados. Com uma áreaespecífica – a auditoria interna – paraatender a auditoria externa, o tempo depermanência do controle externo naorganização diminuiu, conforme se vê:

A criação pioneira de uma auditoriainterna é um dos fatores que nos levamà redução de tempo de trabalho tãosignificativo no Ipem-SP. O que antesdurava 21 dias reduzimos para cinco.Isso nunca foi feito antes.(Inmetro, 2010).

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Portanto, pode-se aferir que a audito-ria interna no âmbito da administraçãopública, além de ser um facilitador para otrabalho do controle externo, age tambémcomo interlocutor entre as áreas auditadase os auditores externos, diminuindo o tem-po de auditoria e, consequentemente,reduzindo os custos dessa operação.

Além do viés do atendimento aosórgãos de controle, outros reflexos pude-ram ser percebidos. Em apenas algunsmeses de existência, a auditoria interna foiresponsável pela customização de proce-dimentos, adoção de medidas de segu-rança em sistemas de informática, revisãode contratos de locação da autarquia emelhoria nos procedimentos administra-tivos, que resultaram em maior confiabi-lidade e economia de recursos financeiros.

Contudo, o principal resultado verifi-cado foi a implantação de uma “culturade parceria” entre os auditores internos eos servidores, na medida em que essesúltimos passaram a entender e até mesmosolicitar a presença dos auditores internos,a fim de analisar procedimentos e controlesinternos, com o fito de verificar o grau deconfiabilidade e aperfeiçoá-los e, logo,impactar positivamente o próprio trabalhoda área auditada.

Portanto, a experiência do Ipem-SP, emface dos resultados até aqui alcançados,evidencia que a auditoria interna da autarquiaestá cumprindo com o seu papel de asses-sorar o administrador público no sentidode monitorar, avaliar e sugerir melhorias deatos e fatos de sua administração, de formaque possa culminar com práticas mais efi-cientes, eficazes e dentro da legalidade.

Conclusão

Este artigo, sem querer esgotar o tema,propõe algumas reflexões à guisa de

conclusão. A incorporação de uma audi-toria interna nos diferentes níveis da admi-nistração pública possui algumasdimensões, duas delas particularmenteimportantes: a primeira, que o gestorpúblico deve gerir a coisa pública seguindoos princípios constitucionais da legalidade,impessoalidade, moralidade, publicidade eeficiência; e a segunda, que a auditoriainterna é o instrumento de controle capazde catalisar informações estratégicas sobreos atos e fatos de sua gestão, inclusiveantecipando-se ao controle externo, o quepara o gestor público é de extremaimportância, tendo em vista que eleresponde diante dos tribunais de contas ououtros órgãos externos de controle.

Nesse sentido, importante lembrarainda que tal exigência de boas práticas degestão decorre não apenas dos princípiosconstitucionais que se impõem ao admi-nistrador público, que seriam, per si, maisque suficientes, mas também em virtudeda prestação de contas a que também estáobrigado, seja qual for a esfera governa-mental em que atue. O Executivo terá deprestar contas anualmente ao Legislativo,dentro do prazo legal estabelecido pelasconstituições Federal e estaduais ou pelasleis orgânicas municipais. Assim, os admi-nistradores dos órgãos da administraçãodireta e também indireta estão sujeitos aocontrole externo, exercido pela União pormeio do Congresso Nacional, auxiliadopelo Tribunal de Contas da União; nosestados, pelas assembleias legislativas, como auxílio dos respectivos tribunais de contasestaduais; e nos municípios, pelas câmarasmunicipais de vereadores auxiliadas peloTribunal de Contas dos Municípios ouórgão equivalente.

Não há dúvidas, portanto, de que aauditoria interna é um mecanismo decontrole fundamental na administração

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pública, que zela pelo funcionamento daorganização, tendo ainda um importantepapel conselheiro de boas práticas degestão para o administrador público. Dessaforma, não tem coerência dizer que a“auditoria é problema”. Ao contrário. Esseparadigma perverso e incoerente deve sersuplantado em face da necessidade daadministração pública de controlar e prestarcontas sobre o uso do poder.

A Constituição Cidadã de 1988, bemcomo os demais dispositivos legais, revelaos anseios de uma nação por um Estado

que seja administrado de forma respon-sável e competente. Os controles internose externos estabelecidos no ordenamentojurídico nacional trouxeram bases claraspara o agir “politicamente responsável” eo “administrativamente eficiente” doadministrador público, que, combinadoscom a auditoria interna, possam finalmentelevar o Estado a um refinamento eaprimoramento na gestão pública brasileira.

(Artigo recebido em maio de 2010. Versão finalem abril de 2011).

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Resumo – Resumen – Abstract

Auditoria interna como instrumento de controle social na administração públicaCélia Marçola

Sob o ponto de vista constitucional os controles interno e externo somam-se a fim de promo-ver responsabilização permanente dos gestores públicos em torno dos princípios constitucionais daadministração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Neste artigoa argumentação segue no sentido de incrementar as discussões acerca da importância de que emtodos os níveis da administração pública e nos três poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário –seja implantada a auditoria interna, como unidade responsável pela análise do sistema de controleinterno e a interlocução com o controle externo. Embora a administração pública no Brasil ainda seestruture hibridamente sob o sistema burocrático e o sistema gerencial, o fato é que os administra-dores públicos possuem na auditoria interna importante mecanismo gerencial que, como regra,contribui para detectar e propor a correção dos desperdícios e procedimentos equivocados, principal-mente antecipando-se a essas ocorrências. Neste artigo, é apresentado ainda o exemplo da criação daauditoria interna no Instituto de Pesos e Medidas do Estado de São Paulo (Ipem-SP), sua interlocuçãocom o Controle Externo e os resultados no âmbito da autarquia.

Palavras-chave: Controles interno e externo, auditoria interna, mecanismo gerencial

Auditoría interna como instrumento de control social en la administración públicaCélia Marçola

Bajo el punto de vista constitucional los controles interno y externo se suman, con el objeto depromover la responsabilización permanente de los funcionarios públicos en torno a los principiosconstitucionales de la administración pública: legalidad, impersonalidad, moralidad, transparencia yeficiencia. En este artículo los argumentos que tienen por objeto aumentar los debates sobre laimportancia de que en todos los niveles de la administración pública y en los tres poderes Legislativo,Ejecutivo y Judicial sea implantada la auditoría interna como una unidad encargada de analizar elsistema de control interno y la interlocución con el control externo. Aunque la administración públicadel Brasil aún presente una estructura híbrida bajo el sistema burocrático y el sistema de gestión, loque pasa es que los administradores públicos tienen un importante mecanismo de gestión en laauditoría interna que, por lo general, ayuda a detectar y a proponer los procedimientos de correcciónde los desperdicios y de los equívocos, especialmente con previsión de esos hechos. En este artículose presenta como un ejemplo más la creación de la auditoría interna en la Oficina de Pesos y Medidasdel Estado de São Paulo (Ipem-SP), su diálogo con el Control Externo y sus resultados.

Palabras clave: controles interno y externo, auditoría interna, mecanismo de gestión

Internal audit as an instrument of social control in public administrationCélia Marçola

Under the constitutional point of view the controls - internal and external - are added topromote accountability of public officials standing around the principles of constitutionalgovernment: lawfulness, impersonality, morality, transparency and efficiency. In this article thearguments are aimed at increasing discussions about the importance of all levels of publicadministration and in the three branches: legislative, executive and judiciary, be deployed to internalaudit as a unit responsible for examining the system of internal control and communication withthe external control. Although the government in Brazil would still put on hybrid and under thebureaucratic system and management system, the fact is that public officials have an important in the

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internal audit management mechanism which as a rule, helps to detect and suggest the correction oferroneous procedures and waste, especially in anticipation of such occurrences. This article is presentedas one more example of the creation of internal audit at the Office of Weights and Measures of theState of São Paulo – Ipem-SP, his dialogue with the External Control and results within themunicipality.

Keywords: internal and external controls, internal audit, management mechanism

Célia MarçolaEspecialista em Administração pela Universidade de São Paulo (USP). Atua como auditora-chefe e responsávelpela implantação da Auditoria Interna do Instituto de Pesos e Medidas do Estado de São Paulo (Ipem-SP). Contato:[email protected]

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Harvey Walker

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RSP RevisitadaEm prol de um Código de

Ética para o serviço público

Harvey Walker

Texto publicado na RSP, vol. I, no 2, de fevereiro de 1953

Nesta edição, A RSP revisitada traz o artigo de Harvey Walker, publicado em 1953, dedicadoao tema da ética no serviço público. A preocupação do autor com a necessidade de umcódigo de ética abrangente para o servidor público, que definisse padrões de condutaesperados dos representantes do Estado, revela-se bastante atual quando observamos quediversos tópicos abordados se colocam no debate contemporâneo.

Em quase todos os países e épocas tem havido funcionários que prostituem a

função pública em benefício de um partido político, de amigos, parentes ou em

benefício próprio. Alguns dos que assim procedem são chamados a responder

perante os tribunais ou perante a opinião pública e então usualmente se justificam

afirmando que outros adotaram a conduta que em seu caso é condenada.

As culturas diferem no grau de censura que impõem ao uso indevido das

coisas públicas. Em alguns países, os defraudadores do erário, os traficantes de

favores públicos, são punidos severamente. Países há em que essas faltas são

castigadas com multas, prisão e perda do cargo; em outros, a pena é sòmente de

demissão. Já, em outros a desonestidade nos serviços públicos tem dominado

por tão longo tempo que é aceita pacientemente pelo público: a conduta sem

ética e até imoral provoca um encolher resignado de ombros e o faltoso continua

em seu pôsto.

Em prol de um Código de Ética para o serviço público

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Não seria lógico esperar um tipouniversal de reação pública ante adesonestidade. Cada cultura tem seuspróprios padrões. São êles aprendidos nolar, na escola, na igreja e em todos osdemais contatos sociais. O caráter éformado pelos preceitos e exemplosrecebidos nos primeiros anos de vida. Umclima ético é o fator cultural formado dasnormas de educação e dos hábitos depensamento da grande massa do povo.Não podemos esperar que os servidorespúblicos, que saem dessa massa, tenham,em geral, padrões éticos diferentesdaqueles de seus amigos e vizinhos, tantono serviço público como fora dele. Dizbem Kefauver: “enquanto o própriocódigo moral do cidadão não o impediriludir-se a si mesmo (como acontece nocaso de se corromperem os servidorespúblicos) o problema da corrupção e damoralidade na vida pública continuará aser muito real e agudo”.

Alguns procuram solução para oproblema através da ação da igreja organi-zada. Evidentemente, será necessário maisque uma simples pregação para que seconsiga um resultado substancial. Tôdas asprincipais regiões do mundo ensinam aboa conduta nas relações sociais. Mas oesfôrço heróico dos homens de boavontade e dos líderes religiosos nãoimpediu que ocorressem e ainda ocorrammuitos casos de desonestidade noexercício das funções públicas.

Muitos estudiosos do govêrno e daadministração pública crêem que uma dassoluções seria fomentar e desenvolver umalto senso de responsabilidade profissionalentre os próprios funcionários públicos.Talvez tenhamos – afirmam – dependidopor tempo demasiado longo de leisrepressivas e regulamentos oficiais parareger a conduta dos servidores públicos.

Seria interessante tentar uma experiência deauto-regulamentação dos mesmos. Pro-põem, por isso, que se organizem osfuncionários em uma associação profis-sional, formada de grupos segundo o nívelhierárquico dos servidores. Cada grupoteria a tarefa de estabelecer normas deconduta para seus respectivos membros ede informá-los das mesmas. Cada novofuncionário deveria conhecê-las e compro-meter-se a cumpri-las. Os casos de infraçãodo código de conduta funcional seriamanalisados à luz dessas normas, por meiode uma comissão de disciplina. Talcomissão teria o direito de impor multas eoutros tipos de penalidade, como a desuspensão e até demissão. Uma comissãoassim constituída estaria sempre mais vigi-lante e seria mais realista na aplicação docódigo de ética que os tribunais que, rara-mente, estão a par dos problemas daadministração.

Parece óbvio que a criação de umcódigo de ética para os servidores públicosrequereria muito tempo e deveria ser obrade muitos indivíduos. Outros grupos deprofissionais já criaram seus códigos deética. Os médicos e advogados do serviçopúblico devem respeito a códigospróprios, elevados e severos, de éticaprofissional e que são respeitados portodos os que se dedicam ao exercício daprofissão em caráter privado. Mas, para oadministrador em geral, o escriturário, omensageiro, o técnico, em função pública,não há outro código de referência que nãoseja o código criminal ou a própria cons-ciência. Apresentamos na página seguinteo esboço de um código que poderá servirde exemplo do que seria o de ética paraum servidor público. Talvez tivesse êlemaior influência que um código criminalou um estatuto dos funcionários para levarcada servidor público a adotar certos

Harvey Walker

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preceitos fundamentais para suas ativi-dades. Um código de ética pelo menosreforçaria os outros. Em cada país, os servi-dores públicos responsáveis poderiamencarregar-se de criar um para seuspróprios serviços. Muito concorreria issopara o estabelecimento de padrões profis-sionais e de uma atmosfera em que acarreira pública baseada no sistema demérito, pudesse crescer e desenvolver-se.

Esbôço de um código de éticapara servidores públicos

1) Reconheço que é alta honra a serescolhido para servir o público. Hei deesforçar-me continuamente por provar quesou digno de tal confiança. Nunca prati-carei, voluntàriamente, qualquer ato que medesqualifique ou me incapacite para ocumprimento de meus deveres.

2) Reconheço que aquêles com quemtenha contato hão-de considerar-me repre-sentante do governo e seu servidor. Condu-zir-me-ei sempre com dignidade e cortesia,de forma a merecer confiança e apoio.

3) Desde que sou servidor de todo opovo, não serei parcial com qualquer indi-víduo ou grupo no desempenho de minhasfunções públicas.

4) Meu salário e outras vantagens sãofixados pelos representantes do povo,visando compensar-me por todos os meusserviços como empregado público. Assim,não solicitarei e não aceitarei qualquer outropagamento, dádiva ou favor, monetárioou não, de qualquer pessoa, para que medesincumba de qualquer função pública oucumpra o meu dever. Isto se refere nãosòmente ao trabalho feito por mim duranteminhas horas usuais de expediente, emmeu lugar de trabalho, como também aqualquer outro tempo ou lugar. Se consi-derar meus vencimentos inadequados,

apelarei sòmente para o corpo legislativo,que fixa os salários dos servidores públicos,tendo em vista o aumento que me pareçanecessário.

5) Nunca me aproveitarei de infor-mações sôbre negócios públicos, quevenham a ser de meu conhecimentodurante o curso de minhas atividadesfuncionais, ou em conseqüência dasmesmas, para minha vantagem pessoal oua de qualquer outra pessoa, firma ouemprêsa.

6) Nunca praticarei, particularmente,qualquer ato de que me envergonharia seviesse a tornar-se notório. Tampouconegarei aos representantes acreditadospelos órgãos responsáveis informaçãopública, acesso a livros, documentos earquivos, a menos que tenham sido decla-rados secretos pelo poder legislativo.

7) Serei escrupulosamente honesto nagestão de fundos públicos e na conser-vação dos bens do Estado, tratando-oscom cuidado maior do que o dispensadoaos meus próprios. Nunca usarei proprie-dades públicas que estejam sob minhaguarda para fins pessoais nem permitireique outros o façam. Nunca confundireidinheiro público com o de minha proprie-dade. Honesta e francamente farei decla-ração sôbre o montante e a natureza demeus haveres pessoais, ao ingressar noServiço Público, declaração que tambémfarei ao deixar o mesmo serviço estandodisposto a dar conta minuciosa de qual-quer aumento que se tenha verificado nosmesmos haveres pessoais.

8) Cumprirei prontamente, da melhormaneira que fôr capaz, tôdas as minhasobrigações de cidadão.

9) Não aceitarei emprêgo que sejaincompatível com o cumprimento deminhas obrigações públicas, tanto no quese refira a horas como natureza do

Em prol de um Código de Ética para o serviço público

Revista do Serviço Público Brasília 62 (1): 89-92 Jan/Mar 201192

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trabalho ou sem o conhecimento econsentimento de meus superiores hierár-quicos no Serviço Público.

10) Não buscarei ou aceitarei qualquerprivilégio em virtude de minha posição noServiço Público, a menos que o mesmotenha sido conferido em conformidadecom a lei geral. Em minhas representaçõesperante o corpo legislativo pleiteandomelhores condições de trabalho, falareisòlenemente em nome de minha classe,nunca em meu nome próprio.

11) Reconheço ter a obrigação, perantemeus empregadores, o povo, de esforçar-me continuamente para aperfeiçoar-me, demodo que possa servi-los com maiseficiência. Esforçar-me-ei, durante tôda aminha carreira no Serviço Público, poraprender o mais possível a respeito de cadafunção que ocupar, preparando-me paramaiores responsabilidades que me possamser conferidas por promoção

12) Prometo apoiar meus superioresenquanto servirem êles ao público eobedecerem às leis que lhes cumprem admi-nistrar. Sempre que sinta ser impossível lhes

ser leal por estar em desacôrdo com suapolítica, farei as representações própriasperante as autoridades competentes e se asdiferenças acaso existentes não puderem serafastadas pedirei minha demissão. Nãobuscarei notoriedade, mas não escondereidos órgãos de publicidade as razões queme impeliram a tal procedimento.

A êsses doze cânones ou afirmações,muitos outros poderiam ser acrescentados;mas serão êles suficientes para ilustrar anatureza de um código de ética para osserviços públicos.

Cumpre que sublinhemos mais osdeveres e responsabilidades dos servidorespúblicos do que seus direitos. Enfim, emuma democracia, os direitos de um servidorpúblico não podem ser maiores que os con-feridos a qualquer cidadão. Não obstante,seus deveres são muito maiores. Precisamoster uma compreensão mais ampla da fôrçamoral que é – ou deve ser – a do funciona-lismo. Se puder autocontrolar-se, mereceráa confiança e a aprovação de todos; em casocontrário, nossa democracia se enfraqueceráconstantemente.

RSPPara saber mais

93Revista do Serviço Público Brasília 62 (1): 93 Jan/Mar 2011

Para saber mais

Comentários, observações e sugestões sobre a RSP devem ser encaminhados à editoria darevista, para o e-mail [email protected] ou por carta, para o endereçoSAIS Área 2-A – Sala 116 – CEP: 70610-900 – Brasília, DF, a/c Editor(a) da RSP.

Fale com a RSP

Ética na pesquisa agropecuária:percepção dos pesquisadores daEmbrapa

SCHOTSMANS, Paul T. et al. Bioética. Riode Janeiro: Fundação Konrad Adenauer,2002. 138 p. v. 3, n.1. (Cadernos Adenauer,ano 3, n.1).

• www.embrapa.br

Estudo socioterritorial e investi-mentos públicos: o processo dealocação de recursos do orçamentoparticipativo em Serra/ES

PIRES, Valdemir. Orçamento participativo: oque é, para que serve, como se faz. Piracicaba,SP: Edicão do Autor, 1999. 133 p.

• www.anfermed.com.br/redeop/newop

Balanced Scorecard: adequaçãopara a gestão estratégica nas organi-zações públicas

Medindo o Desempenho Empresarial.Rio de Janeiro: Campus, 2000. 205 p.Harvard Business Review. Tradução deAfonso Celso da Cunha Serra.

• www.balancedscorecard.org

Auditoria interna como instrumen-to de controle social na AdministraçãoPública

CAMPOS, Vicente Falconi. Gerencia da qua-lidade total: estratégia para aumentar acompetitividade da empresa brasileira. BeloHorizonte: Fundação Christiano Ottoni, Es-cola de Engenharia da UFMG, 1990. 187 p.

• www.portaldeauditoria.com.br

RSP Para saber mais

Revista do Serviço Público Brasília 62 (1): 94 Jan/Mar 201194

RSP

Revista do Serviço Público Brasília 62 (1): 95-96 Jan/Mar 2011 95

RSPAcontece na ENAP

Acontece na ENAP

Paulo Carvalho assume a presidência daENAP

Em solenidade realizada no dia 22 de marçofoi promovida a transmissão de cargo da presidên-cia da Escola Nacional de Administração Pública(ENAP). A cerimônia contou com a participaçãodo novo presidente, Paulo Sergio de Carvalho, daministra do Planejamento, Orçamento e Gestão, Miriam Belchior, e da então presidente,Helena Kerr do Amaral.

Na ocasião, Paulo Carvalho pediu o engajamento dos servidores da Escola e desta-cou a importância do fortalecimento dos vínculos entre as diversas áreas do governo,do Ministério do Planejamento e da própria ENAP. Helena Kerr do Amaral expressousua alegria pela indicação de Paulo Carvalho para sucedê-la. Relembrou sua chegada em2003 e os avanços alcançados pela Escola, que, segundo ela, são frutos do trabalhocoletivo dos servidores e alçaram a ENAP a um papel estratégico na Rede Nacional deEscolas de Governo e na cooperação internacional.

A ministra Miriam Belchior agradeceu à Helena Kerr do Amaral e a toda a equipeda Escola pelos avanços obtidos nos últimos oito anos. Para ela, a consolidação daEscola como articuladora da Rede de Escolas de Governo configura o esforço para amelhoria da capacidade de gestão de estados e municípios.

ENAP lança acervo virtual de estudosde caso

Com o objetivo de incentivar a criação e o usode técnicas inovadoras de ensino e aprendizagemadequadas a profissionais que atuam ou atuarão emórgãos públicos e na gestão de políticas públicas, aENAP lançou o site “Casoteca de Gestão Pública” (casoteca.enap.gov.br) – acervovirtual de estudos de caso com foco em temas da administração pública.

Nele, o usuário acessará, gratuitamente, casos, jogos e simulações. A ideia é que osalunos possam assumir papéis, enfrentar dilemas e tomar decisões, bem como tenhamacesso a relatos de práticas e experiências no setor público visando à disseminação daaprendizagem organizacional.

Conheça o acervo, utilize-o, conte sua experiência. Participe da Casoteca, envie seucaso para avaliação e colabore com a construção de novos materiais para o ensinoaplicado de administração pública.

RSP Acontece na ENAP

Revista do Serviço Público Brasília 62 (1): 95-96 Jan/Mar 201196

Evento marca encerramento doprojeto de cooperação Brasil-Canadá

No dia 23 março, em evento realizadona ENAP, foi encerrado, após três anos devigência, o Projeto Desenvolvimento deCapacidade de Governança estabelecidoentre a Escola e a Canada School PublicService (CSPS), com o apoio da AgênciaCanadense para o Desenvolvimento Internacional (Cida). Na oportunidade, foram apre-sentados resultados da avaliação do projeto aos servidores da ENAP e representantesda CSPS, da Cida e das instituições parceiras.

Iniciado em 2008, o projeto teve como objetivo principal contribuir para a reduçãoda pobreza e das desigualdades no Brasil pelo desenvolvimento de capacidades dosservidores públicos a fim de ofertar serviços efetivos e orientados ao cidadão. Em trêsanos de projeto, foram capacitados 891 servidores, de mais de 10 instituições brasileirasparceiras – além das secretarias de Direitos Humanos, Igualdade Racial e de Políticaspara as Mulheres, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e seisescolas de governo – e de quatro canadenses, entre órgãos federais e universidades.

Acordo permitirá que INSS utilizecursos a distância da ENAP

Em 16 de março, foi realizada naENAP uma solenidade de assinatura doTermo de Autorização de Uso (cursos adistância) com o Instituto Nacional doSeguro Social (INSS), do Ministério daPrevidência Social. Participaram do even-to a então presidente da ENAP, HelenaKerr do Amaral, o novo presidente daEscola, Paulo Carvalho, e o presidente do INSS, Mauro Luciano Hauschild.

O termo assinado autoriza o uso de oito cursos a distância desenvolvidos pelaENAP. A partir da metodologia dos cursos, o Instituto oferecerá as atividades em suaplataforma digital, cabendo à ENAP a capacitação dos tutores escolhidos pelo órgão.Além dessa ação, está em andamento com o INSS o desenvolvimento de três novoscursos relativos à gestão de pessoas para gestores daquela instituição. No total, o Pro-grama de Desenvolvimento Gerencial para o INSS terá nove cursos na modalidade adistância. Para 1.400 gestores estratégicos (terminologia usada pelo Instituto) estão sen-do oferecidas 24 turmas exclusivas do curso “Ética e Serviço Público”, com tutoria,customizadas para a realidade do órgão.

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Revista do Serviço Público Brasília 61 (3): 325-328 Jul/Set 2010 97

Normas para os colaboradores

A Revista do Serviço Público, editada pela Escola Nacional de Administração Pública há mais de 70anos, publica artigos inéditos sobre temas relacionados a Estado e Sociedade; Políticas Públicas eAdministração Pública. Os artigos passam por análise prévia de adequação pela editoria da revista eposterior avaliação de dois a três pareceristas por sistema de blind review.

Regras para submissão:

1. Artigos: 1. Artigos: deverão ter aproximadamente seis mil palavras (em torno de 20 páginas) e ser acompanhadosde resumo analítico em português, espanhol e inglês, de cerca de 150 palavras, que permita uma visão globale antecipada do assunto tratado, e de três palavras-chave (descritores) em português, espanhol e inglês queidentifiquem o seu conteúdo. Tabelas, quadros e gráficos, bem como notas, devem limitar-se a ilustrarconteúdo substantivo do texto. Notas devem ser devidamente numeradas e constar no final do trabalho e nãono pé da página. Citações de autores no corpo do texto deverão seguir a forma (AUTOR, data). Referênciasdevem ser listadas ao final do trabalho, em ordem alfabética, observadas as normas da ABNT.*

2. Vinculação institucional: artigos devem vir acompanhados de breve informação sobre a formação, vinculaçãoinstitucional do autor (em até duas linhas) e e-mail para contato.

3. Avaliação: a publicação dos textos está sujeita à análise prévia de adequação pela editoria da revista e avaliação porsistema de blind review de dois a três pareceristas, os quais se reservam o direito de sugerir modificações ao autor.

4. Encaminhamento: os artigos devem ser encaminhados por e-mail, em formato word (.docx, .doc, .rtf ou .txt),para [email protected]. A ENAP compromete-se a informar os autores sobre a aprovação para publicaçãoou não de seus trabalhos em aproximadamente quatro meses.

* Exemplos de citação e referênciaCitação no corpo do texto: (ABRUCIO, 2009)Referências no final do trabalho:

LivroCOHEN, Ernesto; FRANCO, Rolando. Gestão Social: como obter eficiência e impacto nas políticas sociais.Brasília: ENAP, 2007.Artigo em coletâneaSARAVIA, Enrique. Introdução à teoria da política pública. In: SARAVIA, Enrique e FERRAREZI, Elisabete(Org.). Coletânea Políticas Públicas. Brasília: ENAP, 2006. v. 1 p. 21-42.Artigo em periódicoCOSTA, Frederico Lustosa da. História das reformas administrativas no Brasil: narrativas, teorizações erepresentações. Revista do Serviço Público, Brasília, ENAP, v. 59, n. 3, p. 271-288, jul. a set. de 2008.Monografia, dissertação ou tese acadêmicaMONTEIRO, Ana Lúcia de Oliveira. A Relação Estado e Sociedade Civil no Processo de Formulação e Implementaçãode Políticas Públicas. 2008. Dissertação (Mestrado em Administração Pública). Programa de Pós-Graduaçãoem Administração – PPGA, Universidade de Brasília, Brasília.Sítio da internetEscola Nacional de Administração Pública. Catálogo de Cursos 2009. Disponível em:www.enap.gov.br. Acesso em: 8 jan. 2009.

Para mais informações acesse www.enap.gov.br

Escola Nacional de Administração PúblicaDiretoria de Comunicação e PesquisaSAIS Área 2-A Brasília, DF – CEP 70610-900Tel: (61) 2020 3037 e 2020 3424 – Fax: (61) 2020 3178 – E-mail: [email protected]

Revista do Serviço Público Brasília 61 (3): 325-328 Jul/Set 2010

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Para conhecer ou adquirir as Publicações ENAP visite o sítio www.enap.gov.br

Como escrever e usar estudos de caso para ensino eaprendizagem no setor público

De autoria do professor Andrew Graham, do Instituto de Adminis-tração Pública do Canadá (Ipac), a publicação representa mais uminvestimento da ENAP em novas metodologias de ensino deaplicação, que permitam a reflexão teórica a partir de situaçõesconcretas do setor público. O objetivo é estimular a investigação, ainovação e o compartilhamento de experiências profissionais,propiciando a reflexão crítica sobre a atuação dos servidores naadministração pública e sobre as políticas públicas.

Em Busca de uma Nova Síntese para a AdministraçãoPública

Lançada pela ENAP, a publicação reúne o projeto e os textosbásicos da pesquisa Nova Síntese, bem como os relatórios dascinco mesas-redondas internacionais realizadas em 2010. É o re-sultado de uma pesquisa internacional desenvolvida por dirigen-tes públicos e pesquisadores do Canadá, Brasil, Austrália,Cingapura, Holanda e Reino Unido com o intuito de promoverestudos e identificar práticas que ajudem a lidar com os desafiosda administração pública no século 21.

Caderno “Sustentabilidade de iniciativas premiação noConcurso Inovação: indícios de mudança da gestão no go-verno federal?” e “Disseminação de iniciativas premia-das no Concurso Inovação na Gestão Pública Federal(1996-2006)”

A sustentabilidade das iniciativas premiadas no Concurso Ino-vação e a sua disseminação são o tema deste caderno. A primeirapesquisa verificou a sustentabilidade, nos órgãos de origem, dasiniciativas inovadoras premiadas no período de 1996 a 2006, ex-plorando fatores que contribuíram para essa ocorrência. A segundaidentificou se as ações premiadas foram, de alguma forma, adotadasem outros órgãos ou em outros setores do órgão de origem dainovação.

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Cartão de aquisição de publicações

Para adquirir nossos periódicos, envie-nos este cartão preenchidoatravés de fax ou correio juntamente com o comprovante de pagamen-to ou nota de empenho.

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Periodicidade: trimestralAssinatura anual: R$ 40,00 Ano 62 – 2011 Número avulso: R$ 12,00 Edição no __________ Exemplar avulso anterior a 1997: R$ 8,00

Cadernos ENAP

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18 20 21 22 23 24 25 26 27 28

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Preço unitário: R$ 10,00(*)Caderno 33 (2 volumes): R$ 20,00

Outros

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Formas de pagamento

Os interessados em adquirir as publicações ENAP poderão dirigir-se diretamente à sede da Escolaem Brasília ou solicitá-las por fax ou pelos Correios, informando os títulos das publicações eendereço completo para entrega.O pagamento pode ser realizado por meio de uma das formas a seguir:1. Nas agências do Banco do Brasil:

• Compareça ao caixa e solicite o depósito do valor das publicações na Conta Única do Tesouro Nacional, Agência 1607-1 Conta 170.500-8, informe seu CPF ou o CNPJ de sua instituição e o código identificador 11470211401288187.• Posteriormente, encaminhe o comprovante de depósito juntamente com o Cartão de Aquisição para a ENAP.

2. No sítio do Banco do Brasil (www.bb.com.br), por meio de transferência entre contas correntes(para clientes do Banco do Brasil):• Acesse sua conta.• Na guia “Transferências”, clique em “para Conta Única do Tesouro”.• Digite o valor total das publicações solicitadas.• No campo “UG Gestão finalidade”, digite o código identificador: 11470211401288187.• No campo CPF/CNPJ, digite o seu CPF ou o CNPJ de sua instituição.• Em seguida, prossiga com a transação normalmente, como se fosse uma transferência comum entre contas correntes.• Imprima o comprovante e encaminhe-o para a ENAP juntamente com o Cartão de Aquisição.

3. Nos terminais de autoatendimento do Banco do Brasil (para clientes do Banco do Brasil):• Na tela principal, selecione a opção “Transferência”.• Na próxima tela, selecione a opção “Conta corrente para Conta Única do Tesouro”.• Em seguida, digite o valor total das publicações solicitadas e tecle Ok.• Na próxima tela, digite no campo Identificador 1 o código 1147021140128818-7 e no campo Identificador 2 o seu CPF ou o CNPJ de sua instituição.• Prossiga normalmente com a transação, como uma transferência comum.• Encaminhe posteriormente o comprovante de transferência juntamente com o Cartão de Aquisição para a ENAP.

4. Enviar nota de empenho (com original anexado) em nome de: ENAP Escola Nacional deAdministração Pública – CNPJ: 00.627.612/0001-09, UG: 114702, Gestão: 11401

5. Enviar por fax ou pelos Correios, a Guia de Recolhimento da União (GRU Simples) paga noBanco do Brasil com o valor das publicações. Acesse o link “Como adquirir” na página da ENAPpara mais informações.

Escola Nacional de Administração PúblicaDiretoria de Comunicação e PesquisaSAIS – Área 2-A70610-900 – Brasília, DFTel: (61) 2020 3096 / 2020 3092 – Fax: (61) 2020 3178CNPJ: 00 627 612/[email protected]