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REVISTA - esg.br · A revista inicia com o escrito do Ministro da Defesa, intitulado Defesa e desen- ... Comando, criado em 1942 pela Lei do Ensino Militar, e que se destinava apenas

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REVISTADA

ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA(Editada desde 1983)

v. 28 n. 572º semestre 2013

Rio de Janeiro, 2013

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Revista da Escola Superior de Guerra. — v. 28, n. 57 (jul./dez.) 2013 – Rio de Janeiro: ESG, 2015.

SemestralISSN 0102-1788

1. Ciência Militar - Periódicos. 2. Política - Periódicos. I. Escola Superior de Guerra (Brasil). II. Título.

CDD 320.981

Revista da Escola Superior de Guerra

A Revista é uma publicação s e m e s t r a l d a E S C O L A SUPERIOR DE GUERRA, do Rio de Janeiro. Com tiragem de 1.000 exemplares, circula em âmbito nacional e internacional.

ComandanteAlmirante de Esquadra

Eduardo Bacellar Leal Ferreira

SubcomandanteMajor Brigadeiro do Ar

Stefan Egon Gracza

Diretor do Centro de Estudos EstratégicosGeneral de Brigada R/1

José Eustáquio Nogueira Guimarães

Membros do ConselhoProfessor Doutor Jorge Calvário dos Santos

Doutorando José Cimar Rodrigues PintoProfessora Doutoranda Jaqueline Santos Barradas

Professora Doutora Maria Celia Barbosa Reis da SilvaProfessor Doutor Fernando da Silva Rodrigues

Editor CientíficoProfessor Doutor Jorge Calvário dos Santos

Editor ExecutivoProfessora Doutoranda Jaqueline Santos Barradas

Professora Doutora Maria Celia Barbosa Reis da Silva

Revisão EditorialProfessora Doutora Maria Celia Barbosa Reis da Silva

Jornalista Maria da Glória Chaves de MeloProfessora Josyane Favre da Silva

Revisão de Língua InglesaProfessora Doutora Rejane Pinto Costa

Revisão de Língua EspanholaProfessora Zulmira Basílio Costa de Araújo

Diagramação e Arte FinalAnério Ferreira Matos

Foto da CapaJulio Cesar Marcondes Knust

Projeto, Produção Gráfica e ImpressãoGráfica da Escola Superior de Guerra

Os artigos publicados pela revista são de exclusiva responsabilidade de seus autores, não expressam, portanto, o pensamento da Escola Superior de Guerra.

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Conselho Consultivo das revistas da esCola superior de Guerra

adriana Marques - Escola de Comando e Estado-Maior do Exército - Rj

alegria Benchimol - Museu Goeldi - Pa

alexander Zhebit - Universidade Federal do Rio de janeiro - Rj

andréa Costa da silva - Universidade da Força aérea - Rj

antonio Jorge ramalho da rocha - Universidade de Brasília - DF

antonio ruy de almeida silva - Escola Superior de Guerra - Rj

Brenda Couto rocco - arquivo Nacional - Rj

Carlos alberto Gonçalves de araújo - Escola Superior de Guerra - Rj

Carlos antonio raposo de vasconcellos - Escola Superior de Guerra - Rj

eduardo Ítalo pesce - Universidade do Estado do Rio de janeiro - Rj

eduardo Migon - Escola de Comando E Estado-Maior do Exército - Rj

eduardo Munhoz svartman - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - RS

Eduardo Santiago Spiller - Escola Superior de Guerra - Rj

eli alves penha - Universidade do Estado do Rio de janeiro - Rj

Eliane Superti - Universidade Federal do amapá - aP

Enio Candotti - Museu da amazônia - aM

eurico de lima Figueiredo - Universidade Federal Fluminense- Rj

Fernando silva rodrigues - Escola Superior de Guerra - Rj

Flaviano de souza alves - Escola Superior de Guerra - Rj

Flávio pietrobon Costa - UniversIdade Estadual de Santa Cruz - Ba

Francisco Carlos teixeira da silva - Universidade Federal do Rio de janeiro - Rj

Francisco Jose de Matos - Escola Superior de Guerra - Rj

Frederico Carlos de sá Costa - Universidade Federal Fluminense- Rj

Gilberto de souza vianna - Escola Superior de Guerra - Rj

Guilherme sandoval - Escola Superior de Guerra - Rj

héctor luis saint pierre - Universidade Estadual Paulista - SP

Jadson luís rebelo porto - Universidade Federal do amapá - aP

Jamylle de almeida Ferreira - Escola Superior de Guerra - Rj

Jaqueline santos Barradas - Escola Superior de Guerra - Rj

Jorge Calvario dos santos - Escola Superior de Guerra - Rj

José Cimar rodrigues pinto - Escola Superior de Guerra - Rj

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José Miguel arias neto - Universidade Estadual de Londrina - PR

Ligia Pavan Baptista - Universidade de Brasília - BR

luiz rogério Goldoni - Universidade Federal Fluminense- Rj

luiza das neves Gomes - Escola Superior de Guerra - Rj

Manuel domingos neto - Universidade Federal Fluminense- Rj

Marco aurelio Guedes de oliveira - Universidade Federal de Pernambuco - PE

Marcus Mamed - Universidade Estadual de Campinas - SP

Maria Célia Barbosa reis da silva - Escola Superior de Guerra e Universidade da Força aérea - Rj

Maria da Conceição Calmon arruda - Fundação Oswaldo Cruz- Rj

Maria veronica rodrigues da Fonseca - Escola Superior de Guerra - Rj

Mauricio Bruno de sá - Universidade Federal Fluminense- Rj

nilda nazaré pereira oliveira - Instituto Tecnológico De Aeronáutica - SP

patrícia de oliveira Matos - Universidade da Força aérea - Rj

rejane pinto Costa - Escola Superior de Guerra - Rj

ricardo pimenta - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia - Rj

sergio luiz Cruz aguillar - Universidade Estadual Paulista - SP

tathiany Barros Bonavita de almeida - Escola Superior de Guerra - Rj

thomas heye - Universidade Federal Fluminense- Rjvaleria pereira Bastos - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - Rj

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SUMÁRIO

Editorial 5

DEFESA E DESEnvOLvIMEntO nO BRASIL 9 Defense and Development in BrazilDefense y Desarrollo en el Brasil

Celso Amorim

A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA: ORIGEnS 16

The Superior War College: OriginsLa Escuela Superior de Guerra: Orígenes

Antônio de Arruda

DOUtRInA E MétODO DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA: UMA vISãO GLOBAL 34

Doctrine and Method of The Superior War College: a Global ViewDoctrina y Metodología de La Escuela Superior de Guerra: una Visión Global

Juacy da Silva

COnSIDERAçõES PROPEDêUtICAS SOBRE A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA 64

Propedeutic Considerations about the Superior War CollegeConsideraciones Propedéuticas sobre la Escuela Superior de Guerra

Jorge Calvario Dos Santos

O PRIMEIRO CURSO AvAnçADO DE DEFESA SUL-AMERICAnO (CAD-SUL): REFLExõES SOBRE A DEFESA DA AMAzônIA 108

The First South American Defense Advanced Course (Cad- South) : Reflections on the Defense of the AmazonEl Primer Curso Avanzado de Defensa Suramericano (Cad-Sur): Reflexiones Sobre la Defensa de la Amazonía

Heleno Moreira

Revista da Escola Superior de Guerra Rio de Janeiro V. 28 n. 57 p. 1-228 jul./dez. 2013

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DEPOIS DA GUERRA FRIA: A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA 123

After the Cold War: the Superior War CollegeDespués de la Guerra Fría: la Escuela Superior de Guerra

Luiz Claudio Duarte

RELAçõES SUtIS: ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA, PEnSAMEntO POLítICO BRASILEIRO E POLítICA ExtERnA BRASILEIRA EM DOIS “MOMEntOS AUtOnOMIStAS” 149

Subtle Relations: the Superior War College, Brazilian Political Thought and Foreing Policy in Two “Autonomous Moments”Relaciones Sutiles: Escuela Superior de Guerra, Pensamiento Político Brasileño y Política Exterior Brasileña en Dos “Momentos Autonomistas”

João Catraio Aguiar

MAtRIz SwOt EntRECRUzADA: UMA COntRIBUIçãO PARA O APERFEIçOAMEntO DO MétODO DE PLAnEjAMEntO EStRAtéGICO DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA 180

Matriz Swot Crisscrossed Swot: a Contribution for the Improvement of the Strategic Planning Method of the Superior War CollegeDebilidades Dafo Entrecruzada: una Contribución al Perfeccionamiento de la Metodología de la Planificación Estratégica de la Escuela Superior de Guerra

Eduardo Santiago Spiller

A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA SOB UM nOvO OLhAR 200

The Superior War College Under a New PerspectiveLa Escuela Superior de Guerra Bajo una Nueva Mirada

Dayse Lúcia Alvino Cordeiro

InStRUçõES AOS AUtORES PARA PUBLICAçãO nAS REvIStAS DA ESG 225

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Editorial

O acúmulo de tarefas de editoração proporcionou agregar, num só exem-plar da revista, duas comemorações: o trigésimo aniversário da Revista da Escola Superior de Guerra, que, de acordo com o Ministro Celso Amorim, “simboliza o comprometimento da Escola Superior de Guerra com o estudo do futuro do Brasil”, de forma acadêmica e com o olhar científico sempre de soslaio; e ainda o sexagésimo quinto aniversário da Escola. O volume que ora passamos para apre-ciação de nossos leitores é um convite à reflexão sobre a defesa e sobre a impor-tância da Escola Superior de Guerra (ESG) nesse cenário, temática recorrente na agenda nacional.

Essas duas datas instigaram pesquisadores internos e externos a escrever so-bre esta Instituição e acerca dos assuntos que orbitam em torno dela e que moti-vam debates pelos corredores acadêmicos.

A revista inicia com o escrito do Ministro da Defesa, intitulado Defesa e desen-volvimento no Brasil, em que aborda a capacidade de estar sempre em movimento, sempre pronta, como uma Escola que é, a receber os influxos do contexto atual: “A ESG tem um papel crucial a desempenhar na reflexão sobre a nova realidade do mundo e do Brasil. Como outras instituições de Estado, esta é uma casa de muitas tradições. Talvez possamos aplicar à ESG o adágio de que sua melhor tradição seja a de saber renovar-se.”

Os dois outros artigos que lhe seguem são republicações que mostram os caminhos trilhados da criação da Escola até 1986 – A Escola Superior de Guerra: origens, de Antônio Arruda, e Doutrina e método da Escola Superior de Guerra: uma visão global, de Juacy da Silva, artigo publicado em 1983. O primeiro discorre acerca da origem remota da Escola Superior de Guerra, ligada a um curso de Alto Comando, criado em 1942 pela Lei do Ensino Militar, e que se destinava apenas a generais e coronéis do Exército. Tal curso não foi adiante. Somente em 1949, foi criada a Escola Superior de Guerra, cuja missão era ministrar o curso de Alto Co-mando, aludida pela Lei do Ensino Militar, já agora extensivo aos oficiais das três Forças. O segundo, Doutrina e método da Escola Superior de Guerra: uma visão global, de Juacy da Silva, mostra o percurso da elaboração e do aperfeiçoamento de uma doutrina e um método em surgimento e compatível com o ideário da Esco-la Superior de Guerra. O autor tenta responder aos questionamentos inicialmente formulados, por meio “da análise do Manual Básico da ESG, edição de 1986, em sua versão revisada e atualizada”.

Segue-se o Considerações propedêuticas sobre a Escola Superior de Guerra, escrito por Jorge Calvario, um artigo com lastro escopo de abrangência, que apre-senta as contribuições da ESG à sociedade ao longo de 65 anos e, também, a his-tória do Centro de Estudos Estratégicos (CEE) e suas atividades, num período que

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cobre desde sua criação sob a legitimação da Portaria de 4 de fevereiro de 1991, até que outra Portaria nº 022/Cmt, de 10 de julho de 1991 revogou o amparo legal que o instituiu. Daí por diante, já com o nome de CEE outorgado pela Portaria nº 003/Cmt, de 18 de março de 1992, até os dias de hoje com alterações que o próprio artigo descortina, o Centro continua suas atividades.

O quarto artigo fala sobre O primeiro Curso Avançado de Defesa Sul-Ameri-cano (Cad-Sul): reflexões sobre a defesa da Amazônia, de Heleno Moreira, e narra a criação, o percurso e o perfil dos estagiários: “Esse curso foi destinado aos altos funcionários de defesa, civis e militares, dos países-membros da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), com a participação de representantes de onze países, sendo que oito destes integram a Organização do Tratado de Cooperação Amazô-nica (OTCA): Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezue-la. Tal iniciativa representa um esforço no âmbito da região para desenvolver um pensamento sul-americano de defesa baseado na integração, na cooperação e na confiança mútua, por meio de capacitação e formação de pessoal”.

O quinto artigo – Depois da Guerra Fria: a Escola Superior de Guerra, escrito por Luiz Claudio Duarte, – faz um balanço acerca do pensamento dos intelectuais da ESG “em relação à constituição de uma nova orientação para as Forças Arma-das brasileiras diante da realidade geopolítica decorrente do final da Guerra Fria e das ações unilaterais dos Estados Unidos (EUA)”. Questiona-se, ainda, uma possível ameaça de intervenção estadunidense em território brasileiro e de como defender soberania nacional diante desse risco potencial.

O sexto artigo, sob o título Relações sutis: Escola Superior de Guerra, pen-samento político brasileiro e política externa brasileira em dois “momentos auto-nomistas”, de João Catraio Aguiar, visa analisar “as relações entre o pensamento político brasileiro, a Escola Superior de Guerra e a Política Externa Brasileira em dois momentos cujo enfoque principal era a ‘autonomia’: Política Externa Independente e Pragmatismo Responsável e Ecumênico”. A criação da ESG será vista em retros-pectiva histórica, associada à investigação sobre a formação específica de militares e diplomatas, e de “esguianos” (os estagiários de ontem e de hoje dos cursos da ESG) em geral.

O penúltimo artigo, intitulado Matriz SWOT Entrecruzada: uma contribuição para o aperfeiçoamento do método de planejamento estratégico da Escola Superior de Guerra, de Eduardo Santiago Spiller, convida a uma reflexão sobre o uso da ma-triz SWOT entrecruzada, adaptada, de modo a ampliar o processo de investigação de assuntos correlatos à Defesa Nacional. “Considerando o fato de esta ferramenta haver sido concebida com o foco dirigido às organizações privadas, foram promovi-das alterações na denominação das variáveis, para facilitar o entendimento e o uso de cada uma, de maneira a adequar a referida matriz ao Método de Planejamento Estratégico (MPE) empregado na Escola Superior de Guerra (ESG), que visa à for-mulação de políticas e estratégias nos campos da segurança, do desenvolvimento e da defesa”.

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O último artigo, A Escola Superior de Guerra sob um novo olhar, escrito por Dayse Lúcia Alvino Cordeiro, considera que, apesar de toda a trajetória bem-suce-dida na formação de militares e civis e de seu reconhecido papel histórico, a Escola tem sofrido muitos questionamentos “acerca de sua real importância, da validade de seus propósitos e missão, bem como da necessidade de sua expansão para a capital brasileira”. O artigo contextualiza a ESG diante das indagações provenientes de diversos atores ou instituições sociais com o intuito de iluminar a compreensão e a reflexão quanto à sua relevância para o país e, finalmente, seu aporte para a disseminação da mentalidade de defesa no meio civil.

Sessenta e cinco anos depois de sua criação, nove textos mostram a ESG viva, pulsante, instigando escritos reflexivos sobre ela, outrora e agora, o que demonstra que a Instituição está aberta às acomodações e às mudanças provocadas pelo fluxo do “jovem” século XXI em curso.

Boa leitura!

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DEFESA E DESEnvOLvIMEntO nO BRASIL

DEFEnSE AnD DEvELOPMEnt In BRAzIL

DEFEnSE y DESARROLLO En EL BRASIL

Celso Amorim*

O trigésimo aniversário da Revista da Escola Superior de Guerra simboliza o comprometimento da ESG com o estudo do futuro do Brasil. O volume que o leitor tem em mãos é um renovado convite ao debate sobre nossa defesa, tema que vem ocupando espaço crescente na agenda nacional.

A ESG tem um papel crucial a desempenhar na reflexão sobre a nova realida-de do mundo e do Brasil. Como outras instituições de Estado, esta é uma casa de muitas tradições. Talvez possamos aplicar à ESG o adágio de que sua melhor tradi-ção seja a de saber renovar-se.

A Escola nasceu sob o signo da bipolaridade. A tomada de partido de um lado ou de outro da Guerra Fria era quase uma necessidade moral – qualquer que fosse o partido tomado. Hoje vivemos em um mundo muito diferente. Um mundo marcado pela multipolaridade. Um mundo em que, na América do Sul, os nossos antigos rivais tornaram-se os nossos grandes aliados. Um mundo em que a África, que se dizia antigamente ser “outro horizonte” (RODRIGUES, 1981), vai se tornando cada vez mais próxima, e sobre a qual temos que pensar não só em termos de coo-peração, mas também de preparo na ajuda aos nossos irmãos africanos e também no nosso próprio interesse.

Mas é um mundo também marcado por incertezas, no qual nossas Forças Ar-madas terão que continuar sendo vigilantes na defesa da pátria. Daí, a importância da atualização da Escola Superior de Guerra, que será um veículo fundamental de nossa reflexão sobre essa nova realidade.

***

A última década foi marcada, no Brasil, por uma vertiginosa trajetória de progresso interno e projeção externa. Em dez anos, dezenas de milhões de pessoas saíram da pobreza e entraram na classe média. Milhões de brasileiros passaram a ter acesso a bens materiais e, cada vez mais, passam a desfrutar de bens culturais. Por meio de bem-sucedidas políticas, que se tornaram referência no mundo, realizamos inclusão social em larguíssima escala. A pobreza extrema vai sendo erradicada.

* Ministro de Estado da Defesa, Celso Amorim, na edição comemorativa da Revista da Escola Superior de Guerra.

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Estimulada por essa ativação do mercado interno, nossa economia resistiu aos duros efeitos da crise financeira de 2008 e 2009 – uma crise gerada pelas eco-nomias desenvolvidas, cabe recordar – e, mesmo diante do atual cenário externo restritivo, nossa economia dá sinais de vigor. Atingimos, nos últimos anos, altos níveis de emprego, que têm sido mantidos apesar das dificuldades. A economia brasileira tornou-se uma das seis ou sete maiores do mundo, e o Brasil assumiu a condição de credor do Fundo Monetário Internacional.

Nesses anos, nossa democracia fortaleceu-se, demonstrando ser não apenas compatível com o crescimento e com a inclusão social, mas também um fator que os estimula. Vamos tornando realidade um dos objetivos fundamentais inscritos na Constituição Federal de 1988: a criação de uma sociedade livre, justa e solidária.

Ao mesmo tempo em que transformamos nossa realidade interna, expan-dimos o papel do Brasil no mundo. Trabalhamos para que nossa região, a América do Sul, seja cada vez mais pacífica, próspera e integrada. Sem prejuízo de nossas tradicionais relações com os países mais ricos, fizemos uma significativa abertura para o mundo em desenvolvimento. Estabelecemos parcerias com países emergen-tes, como o grupo IBAS e os BRICS, que contribuem para um maior equilíbrio da balança de poder mundial. E um maior equilíbrio da balança de poder mundial fa-vorece os países emergentes. Atuamos no sentido de alterar a correlação de forças nos processos negociadores no plano econômico-comercial. Assumimos, por gestos concretos, nossa vocação de um país provedor da paz, isto é, disposto e capaz de contribuir ativamente para um mundo mais estável e solidário.

Todos esses avanços elevaram o Brasil a uma nova estatura internacional. Como afirmou a Presidenta Dilma Rousseff em seu discurso de posse, “Pela primeira vez o Brasil se vê diante da oportunidade real de se tornar (...) uma Nação desenvolvida”.1 Esse momento histórico nos impõe responsabilidades de grande magnitude.

***

Uma das principais delas é a da defesa nacional. Um país com o potencial que tem o Brasil não pode descartar a hipótese de que seus interesses estratégicos sejam antagonizados. Essa constatação não é nova.

Há mais de cem anos, em 1896, Rui Barbosa chamava a atenção para a im-portância de que o Brasil estivesse preparado para se defender, mesmo que a situ-ação imediata de uma crise não fosse visível no horizonte. Dizia ele: “Bem sei que estamos rodeados de nações pacíficas, que não é menos pacífico o ânimo da nossa, e que a paz é a cláusula essencial do nosso progresso. Mas (...) não esqueçamos

1 Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, durante Compromisso Constitucional perante o Congresso Nacional. Brasília, 1º de janeiro de 2011. Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/imprensa/discursos/discurso-da-Presidenta-da-republica-dilma-rousseff-durante-compromisso-consti-tucional-perante-o-congresso-nacional>.

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que a primeira condição da paz é a respeitabilidade, e a da respeitabilidade, a força” (BARBOSA, 1896, p. 203).

De fato, não vemos hoje ameaças provenientes de nossa região. Mas, como país em vias de desenvolvimento, com crescente projeção no mundo, temos que nos fazer respeitar. Isso implica adequadas capacidades de dissuasão, que desenco-rajem ações hostis à nossa soberania e aos nossos interesses.

Do ponto de vista global, os conflitos armados estão longe de serem satisfa-toriamente equacionados pelas instituições internacionais. Evidentemente, todos nós apoiamos as ações das Nações Unidas. Mas sabemos que elas ainda não foram suficientes para eliminar o conflito das relações internacionais.

O Brasil possui um imenso patrimônio de recursos naturais e tecnológicos. Somos uma superpotência em recursos hídricos, energéticos e de produção de ali-mentos. O crescimento da demanda global por esses três recursos nas próximas duas décadas nos impõe prudência. Da mesma forma, somos detentores de tecno-logias de ponta, que podem suscitar antagonismos comerciais, espionagem indus-trial ou restrições políticas.

Esses ativos naturais e tecnológicos serão cada vez mais fundamentais para o nosso desenvolvimento. E, como as recentes revelações acerca da espionagem de cidadãos, empresas e instituições governamentais brasileiras deixam claro, esses ativos necessitam de proteção.

Pense-se, por exemplo, na exploração do petróleo da camada pré-sal. Dentro de dez anos, somente o reservatório conhecido como Campo de Libra poderá suprir 67% do total de petróleo hoje produzido no Brasil. Não podemos permitir que esses ativos fiquem vulneráveis a ações hostis. Essas ações podem provir seja de outros Estados, seja de atores não estatais. Naquele texto do final do século XIX, Rui Barbo-sa fazia uma advertência muito válida para os desafios colocados pelo pré-sal neste começo do século XXI: “O mar, que na paz nos enriquece, na guerra nos ameaça” (BARBOSA, 1896, p. 154).

***O Governo da Presidenta Dilma compreende que defesa e desenvolvimento

são objetivos complementares. Não se trata de uma falsa dicotomia entre inves-timentos na área social, cuja prioridade é indiscutível, e investimentos na área da defesa. O reforço de nossa indústria de defesa contribui para a proteção de nosso modelo de desenvolvimento.

Como já afirmou a Presidenta Dilma por ocasião da inauguração da Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas para submarinos (a UFEM), a indústria de de-fesa é acima de tudo uma indústria do conhecimento. E no conhecimento repousa o futuro do país.

A reorganização da indústria nacional de defesa foi estipulada como um dos eixos centrais da Estratégia Nacional de Defesa lançada ainda no Governo Lula e

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cuja reedição, com alguns ajustes, foi aprovada pelo Congresso Nacional em setem-bro de 2013. Seu foco é o desenvolvimento tecnológico independente, de modo a garantir o atendimento crescentemente autônomo das necessidades de equipa-mentos das Forças Armadas.

Nos últimos dois anos, a consolidação e expansão dessa base industrial re-cebeu amparo legal. Com a Lei 12.598, aprimoramos significativamente o marco normativo que regula a ação do Estado e do mercado nesse campo. É um passo decisivo para assegurar a continuidade da capacidade produtiva da base industrial de defesa. A Lei definiu termos essenciais, como “produto estratégico de defesa” e “empresa estratégica de defesa”, que gozarão de tratamento privilegiado nas com-pras do Governo brasileiro e receberão estímulos para a exportação.

O Regime Especial Tributário para a Indústria de Defesa, o RETID, instituído pela Lei, reduzirá o custo tributário e aumentará a competitividade de nossas em-presas. A regulamentação do RETID, em outubro de 2013, reafirmou a prioridade dada a essa área da nossa economia. A etapa seguinte será a realização dos primei-ros registros das empresas estratégicas de defesa, que ocorrerá após minuciosos estudos desenvolvidos pela Secretaria de Produtos de Defesa do Ministério da De-fesa, em coordenação com ministérios da área econômica.

A criação e o fortalecimento da base industrial de defesa são fundamentais para a soberania do Brasil. É axiomático que a defesa de um país não é delegável a terceiros. Somente com uma indústria com alto grau de autonomia poderemos suprir nossas necessidades.

***

As notícias de um sistema planetário de interceptação eletrônica e de co-municações e, em particular, de sua intrusão na soberania brasileira, geraram uma forte reação diplomática de nosso Governo, tanto no plano bilateral quanto no pla-no multilateral. A contraparte dessas iniciativas diplomáticas no exterior deve ser o trabalho de base, aqui no Brasil, de desenvolvimento de nossas barreiras contra a intrusão estrangeira. Isso pressupõe o desenvolvimento de tecnologias nacionais e da nossa capacidade própria de identificar e superar vulnerabilidades, como os chamados backdoors.

Além da espionagem cibernética, temos que nos preocupar com algo que pa-recia mais longínquo, a guerra cibernética. Não estamos no reino da ficção científi-ca. São preocupantes as notícias que nos chegam de que países avançados estariam formando verdadeiras brigadas cibernéticas com propósitos ofensivos, e que para isso estariam recrutando até mesmo hackers condenados pela justiça.2

2 Ex-hackerscouldberecruitedto UK cyberdefence force. The Guardian, 22 de outubro de 2013. Disponí-vel em: <http://www.theguardian.com/technology/2013/oct/22/uk-cyber-defence-force-ex-hackers-gchq>.

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Mais preocupantes ainda são ideias, que começam a germinar, de uma espécie de tratado de não proliferação na área cibernética, que congelaria as atuais assime-trias nesse setor. Uma regulamentação internacional dessa matéria pode até ser ne-cessária, e mesmo desejável, mas não deve refletir os vícios de acordos desequilibra-dos do passado. Penso, por exemplo, que poderia ser útil, estudar-se algum arranjo institucional que coibisse o “primeiro uso” da arma cibernética, a exemplo do que se tentou fazer, sem sucesso, diga-se de passagem, com as armas nucleares.

O atual Governo está atento à ameaça cibernética. Na realidade, mesmo an-tes das revelações, já havíamos criado o Centro de Defesa Cibernética no Exército. Cumpre agora reforçá-lo e garantir sua coordenação com os núcleos existentes nas outras Forças. Isso evidentemente exigirá recursos consideravelmente superiores aos existentes no momento.

***

A autonomia industrial e tecnológica na área de defesa não significa a autar-quia completa na produção de equipamentos para nossas Forças. A cooperação in-ternacional, desde que realizada de forma equilibrada, pode ser útil para que nossa indústria de defesa avance mais rapidamente.

A tão decantada transferência de tecnologia exige não somente boas cláusu-las contratuais, como também o aprimoramento das capacidades de absorção pelas empresas e instituições científicas brasileiras, devidamente supervisionadas pelo Governo. Isto envolve, na maioria dos casos, acesso a códigos fontes os quais per-mitam modificar sistemas e adaptá-los a nossas necessidades, e até mesmo, para a absorção das tecnologias, o investimento em capital humano é fundamental.

Igualmente importante é a diversificação de parcerias, de modo a evitar que fiquemos dependentes de umas poucas fontes de tecnologia, o que limita a nossa capacidade de negociação. Sem desprezar parcerias tradicionais, devemos, pro-gressivamente, aumentar a ênfase na cooperação com outros países emergentes, que enfrentam desafios semelhantes aos nossos.

Há exemplos de cooperação bem-sucedida. O projeto de novos submarinos, inclusive o submarino de propulsão nuclear, construídos com assistência da França, tem evoluído de forma satisfatória. Esses submarinos permitirão patrulhar nossas águas jurisdicionais no Atlântico Sul, nas quais se situa o pré-sal. Temos uma expec-tativa positiva em relação à parceria com a Rússia na área da defesa antiaérea. Nos-sa cooperação industrial com outros países em desenvolvimento também é promis-sora, com destaque para a construção de um míssil ar-ar com a África do Sul.

***

A cooperação em defesa não se limita a projetos conjuntos na área industrial. Outro propósito essencial que o Brasil atinge com a cooperação em defesa é pro-

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ver a paz, sobretudo no nosso entorno. Na América do Sul, o Conselho de Defesa Sul-americano da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) tem sido o principal fórum para a criação de confiança entre as Forças Armadas, ao mesmo tempo em que se busca lançar as bases de uma identidade comum sul-americana.

O projeto de uma Escola Sul-americana de Defesa já se encontra em fase avançada de deliberação pelas instâncias do CDS. Diferentemente de experiências passadas em outros quadrantes, ou mesmo nos nossos quadrantes, não queremos impor nossa visão. Um dos pressupostos da Escola Sul-americana de Defesa é a plu-ralidade de visões. Ressalto o papel de destaque que já cabe à ESG na concretização desta Escola.

Ao lado da diplomacia, a cooperação em defesa deve trabalhar com todo o afinco para equacionar divergências entre os Estados sul-americanos, pois elas po-dem ser instrumentalizadas por terceiros países, eventualmente interessados em explorá-las em proveito próprio.

Com os países da África ocidental, compartilhamos um oceano onde jazem imensas riquezas e pelo qual transita a maior parte de nosso comércio internacional. Interessa-nos manter o Atlântico Sul livre de armas de destruição em massa, como a nuclear, e de rivalidades entre potências extrarregionais. Interessa-nos, também, combater a pirataria e outras ameaças advindas de atores não estatais. A ZOPACAS, Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS) é a principal instância para a concertação em torno desses objetivos. Especialistas dos países da ZOPACAS reuni-ram-se em Salvador, em outubro de 2013, para trocarem experiências e se aproxima-rem em temas de segurança marítima e em operações de busca e salvamento.

Tanto na América do Sul quanto na África, temos estreitado também nossa cooperação bilateral, paralelamente às nossas iniciativas no CDS e na ZOPACAS. Ain-da neste mês de outubro, a Presidenta da República assinou um decreto que cria novas aditâncias militares, das quais quero destacar a no Senegal (um país muito próximo ao Brasil) e a na Etiópia, pela qual estaremos ligados à União Africana. É importante marcar nossa presença.

Além desses esforços, participamos em operações de manutenção da paz no Haiti e no Líbano. Essas são contribuições diretas do Brasil para um mundo mais pa-cífico, condizentes com as responsabilidades de país com a nossa dimensão e com a nossa projeção internacional.

***

Não me estenderei, nesta ocasião, sobre as missões primordiais desempe-nhadas pelas nossas Forças Armadas na defesa das nossas fronteiras, do nosso es-paço aéreo e do nosso mar, nem daquelas que supletivamente realizam, como a ga-rantia da lei e da ordem. Mas devo registrar que a defesa não se limita ao emprego das armas, ainda que as mais modernas.

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Naturalmente, e apesar das dificuldades da hora em que vivemos, o Governo da Presidenta Dilma tem procurado reequipar as Forças Armadas de forma adequa-da. Tem procurado também assegurar condições de vida digna a nossos militares. Ao mesmo tempo, temos que ter homens e mulheres com capacitação cada vez mais elevada em nossas Forças.

A defesa é uma obra coletiva do Governo brasileiro e da sua sociedade. A articulação da ESG com o Governo Federal e com a sociedade brasileira é essencial para o desenvolvimento dos conhecimentos necessários ao planejamento de defe-sa e à formulação de políticas. No novo período em que vai entrando, esta será uma importantíssima missão da Escola Superior de Guerra.

REFERênCIAS

BARBOSA, Ruy. Cartas de Inglaterra. Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger, 1896.

RODRIGUES, José Honório. Brasil e África: outro horizonte. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.

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A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA: ORIGEnS*

thE SUPERIOR wAR COLLEGE: ORIGInS

LA ESCUELA SUPERIOR DE GUERRA: ORíGEnES

Antônio de Arruda**

1 A ORIGEM

A origem remota da Escola Superior de Guerra (ESG) prende-se a um curso de Alto Comando, criado em 1942 pela Lei do Ensino Militar (BRASIL, 1942), e que se destinava apenas a generais e coronéis do Exército.1

Esse curso hibernou até 1948, quando foi criada a Escola Superior de Guerra (BRASIL, 1949) – a primeira ESG, digamos assim – que deveria ministrar o curso de Alto Comando, ao qual se referia a Lei do Ensino Militar, já agora extensivo aos ofi-ciais das três Forças.2

Procurava-se, então, efetivar o curso, instituído sob a inspiração do último conflito mundial e da possível eclosão de outro, com o alinhamento inevitável do País ao bloco ocidental. Daí, a ênfase dos assuntos militares dada ao Instituto que se projetava e também a sua denominação – Escola Superior de Guerra, que se tornou

* Artigo publicado, originalmente, em dois fascículos e, aqui, reunidos num só. O primeiro foi publicado, na Revista da ESG, n.1, v.1, dez. de 1983, p.113-122; o segundo fascículo, na Revista da ESG, ano 1, n. 2, abril de 1984.

** Desembargador aposentado, integrava o Conselho Permanente da Escola Superior de Guerra. Faleceu aos 90 anos, no Rio de Janeiro, no dia 26 de novembro de 2002. Publicou o presente artigo em 1983, enquanto membro da Junta Consultiva da ESG. Foi escritor e membro da Academia Mato-grossense de Letras, Presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (1953-1959), Professor da, então, Faculdade Federal de Direito de Cuiabá. Este artigo (1983) não segue as atuais regras desta revista

1 O curso de Alto Comando foi disciplinado pelos artigos 30 e 31 [do Decreto-Lei nº 4.130, de 26 de fevereiro de 1942], e deveria ter por finalidade o estudo das questões referentes ao emprego das Grandes Unidades Estratégicas e à guerra, e ainda, das operações de ordem técnica e do serviço, relacionados com o emprego dessas Grandes Unidades.

2 [O Decreto nº 25.705, de 22 de outubro de 1948, que estabeleceu as normas para a organiza-ção da Escola Superior de Guerra, em seu artigo 1º, estatuiu: “O Curso de Alto Comando a que se referem os arts. 25, 30 e 31 do Decreto-Lei 31.130, de 26 de fevereiro de 1942, é tornado extensivo aos oficiais da Marinha e da Aeronáutica e será ministrado sob a direção do Estado-Maior Geral].

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inadequada em face da alteração posterior dos seus objetivos, denominação que já se tentou mudar, sem êxito.3

Mas um fato novo veio alterar completamente os objetivos pretendidos. A viagem que, em 1948, o General César Obino, então chefe do Estado-Maior Geral – depois, Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), fez aos Estados Unidos. Diz a tradição oral da Escola que, visitando o National War College, o General Obino dissera que, no Brasil, se estava também implantando uma Escola semelhante. E os americanos gentilmente ofereceram uma Missão Militar para apoiar a implantação da nossa Escola, o que foi aceito.

Em dezembro de 1948, o General Oswaldo Cordeiro de Farias (FARIAS, [1952], f. 2) foi colocado à disposição do EMFA, para elaborar o anteprojeto do Regulamento da ESG, juntamente com o Coronel Sady Folch, Coronel Aviador Ismar P. Brasil, Te-nente Coronel Affonso Henrique de Miranda Corrêa, Capitão de Fragata Celso A. de Macedo Soares Guimarães e Tenente Coronel Idálio Sardenberg. Já ali se encontrava a Missão Militar Americana, composta pelo Coronel William J. Werbeck, Coronel Avia-dor Alvord Van Patten Anderson Jr. e Capitão de Mar e Guerra Lowe H. Bibby.

Durante os estudos para a redação do Regulamento da Escola, novas ideias surgiram, centradas em um documento da lavra do Tenente Coronel Idálio Sarden-berg, sob o título Princípios Fundamentais da Escola Superior de Guerra4. Trata-se

3 O General Augusto Fragoso alinhou, certa vez, as observações sobre a impropriedade do nome outorgado à ESG e as propostas para mudá-lo. Em 1955, o Almirante Ernesto de Araújo, então Comandante da Instituição, afirmou, em discurso, que a ESG “não é, [...] uma Escola no sentido usual que se confere ao vocábulo, nem o objeto primordial de seus estudos é a Guerra.” (ARAÚJO, 1955, p. 1) [ou seja,] nem Escola, nem de Guerra, segundo resumo que ficou na tradição da Casa. Um ano depois, o novo Comandante, Brigadeiro Ajalmar Mascarenhas, frisando que a Escola “[...] é, antes que um instituto de preparação da guerra, uma Escola de preservação da paz.” (MASCARENHAS, 1956, p. 5-6), entendeu que o melhor nome para ela seria “Instituto de Altos Estudos para a Segurança Nacional”, semelhante ao da congênere francesa “alterada a expressão Defesa Nacional para Segurança Nacional” (MASCARENHAS, 1956, p. 6), mais ampla. Em 1967, o então Comandante, General Lyra Tavares, optou pela denominação “Instituto Brasileiro de Estudos da Segurança Nacional” (TAVARES, 1967, p. ). O próprio General Fragoso, quando Comandante, em discurso de 1967, achando embora, àquela altura, difícil a mudança do nome, sugeriu “Instituto de Altos Estudos Nacionais [melhor ainda] Escola Superior de Estratégia Geral [ou] Nacional” (FRAGOSO, 1959). Em 1968, voltou o General Fragoso ao assunto, para afirmar que a ESG, como “Instituto de Altos Estudos – [conforme chamou a lei que a criou], é hoje, na verdade, um Instituto de Estudos Estratégicos, [...] à semelhança [de outros existentes no] Mundo Livre, dentre os quais se destaca o Instituto da França [...]” (FRAGOSO, 1971, p. 41). O General Fragoso, [no mesmo] trabalho, lembrou o nome proposto pelo Presidente Costa e Silva - “Instituto de Estudos Superiores da Política Nacional”, e por Gilberto Freyre - “Escola de Estudos Superiores Brasileiros”. (FRAGOSO, 1971, p. 40).

4 [Documento datado de 1949, publicado na íntegra pelo General Augusto Fragoso, em confe-rência proferida na ESG, em 11 de março de 1971, intitulado “ANEXO Nº 1” (FRAGOSO, 1971). Republicado pelo próprio autor deste artigo - Desembargador Antônio de Arruda, como “ANEXO À INTRODUÇÃO” (ARRUDA, 1978, v. 2, p. 17).]

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de princípios até hoje vigentes, em essência, na Escola e, até então, inéditos no País.

2 OS PRInCíPIOS FUnDAMEntAIS

Considerou-se, desde logo, desaconselhável que a nova Escola copiasse o Na-tional War College. [Segundo o General de Farias, (FARIAS, [1952], f. 3)] este seria “o nosso grande inspirador”, mas não o seu único modelo. Com efeito, a Escola americana, atuando em um meio desenvolvido, podia se dedicar, preferencialmen-te, aos assuntos da guerra, despreocupada com a solução dos problemas nacionais, entregues às elites formadas por um sistema educacional de comprovada eficácia. No Brasil, porém, mais do que a preparação para a guerra, a tarefa prioritária seria a de formar elites para a solução dos problemas do País, em tempo de paz. Dessas considerações nasceram os Princípios [Fundamentais da Escola Superior de Guer-ra], formulados [por Sardenberg (apud FRAGOSO, 1971, anexo 1)] com rara intuição e que tiveram marcante influência na gênese e na evolução da ESG. São eles:

A Segurança Nacional é uma função mais do Potencial Geral da Na-1. ção do que de seu Potencial Militar;O Brasil possui os requisitos básicos (área, população, recursos) in-2. dispensáveis para se tornar uma grande potência;O desenvolvimento do Brasil tem sido retardado por motivos sus-3. cetíveis de remoção;Como todo trabalho, a obtenção dessa aceleração exige a utiliza-4. ção de uma energia motriz e de um processo de aplicação dessa energia;O impedimento até agora existente contra o surgimento de solu-5. ções nacionais para os problemas brasileiros é devido ao processo de aplicação de energia adotado e à falta de hábito de trabalho em conjunto;Urge substituir o método dos pareceres por outro método que per-6. mita se chegar a soluções harmônicas e equilibradas; eO instrumento a utilizar para a elaboração do nôvo método a ado-7. tar e para a sua difusão consiste na criação de um instituto nacional de altos estudos funcionando como centro permanente de pesqui-sas. (FRAGOSO, 1971, anexo 1, p. 1).

Complementando suas considerações, o citado documento ainda frisou que o Instituto a ser criado convergiria esforços no estudo e solução dos problemas de Segurança Nacional, mediante:

1. um método de análise e interpretação dos fatores políticos econô-micos, diplomáticos e militares, que condicionam o conceito estra-tégico [nacional];

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2. um ambiente de ampla compreensão entre os grupos nela repre-sentados, de forma a desenvolver o hábito de trabalho em conjunto e de interdepartamental; e

3. um conceito amplo e objetivo de Segurança Nacional que servisse de base à coordenação das ações de todos os órgãos, civis e milita-res, responsáveis pelo desenvolvimento do potencial e pela Segu-rança do País.(FRAGOSO, 1971, anexo 1, p. 4).

A ideia central contida nesses princípios era a de que o desenvolvimento não depende só de fatores naturais, mas principalmente de fatores culturais. Reside, so-bretudo, na capacidade dos homens chamados para as funções de direção, muda-dos, porém, os hábitos de trabalho então vigentes. O que se propunha para a nova Escola era algo contrário a um dos traços peculiares ao caráter nacional brasileiro, e dos mais arraigados – o individualismo. Era um desafio que se deparava aos ide-alizadores da Escola, que eles aceitaram e que seus continuadores têm procurado vencer.

3 nOvA COnCEPçãO DA GUERRA

Além dessas ideias, outros fatores, ligados a uma nova concepção da guerra, marcaram profundamente a implantação da Escola.

Clemenceau afirmara que “a guerra é assunto muito sério para ficar somente a cargo dos generais”; esse aforismo, repetido algumas vezes na ESG, não traduz irreverência, mas um impacto ante o fenômeno da guerra total. O Primeiro Conflito Mundial mostrara que a guerra já não dizia respeito apenas às Forças Armadas, mas atingia toda a Nação. E o segundo Grande Conflito veio evidenciar, de maneira gritante, esta nova dimensão da guerra.

Logo depois, a Guerra Fria e a guerra revolucionária puseram em destaque outros aspectos insidiosos da guerra contemporânea. Essas novas modalidades de conflito procuram o controle progressivo da Nação, pela destruição sistemá-tica dos seus valores, das suas Instituições, da sua moral. A agressão já não vem apenas de fora, para a qual basta a defesa, entregue às Forças Armadas. Agora, a população é atacada como um todo, e, para resguardá-la, é necessário algo mais abrangente.

Surgiu daí um novo conceito, o de Segurança Nacional, mais amplo que o tra-dicional conceito de Defesa. E a missão primordial conferida à ESG foi a de estudar a Segurança, dentro desta nova concepção.

4 A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA EM SUA FEIçãO DEFInItIvA

Foi sob o influxo dessas ideias que se criou a ESG – a segunda ESG, que a Lei 785, de 20 de agosto de 1949 (BRASIL, 1949), oficializou em termos definitivos e

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com alcance muito mais amplo que o do projeto primitivo. [Conforme o artigo 5 desta Lei (BRASIL, 1949),] já não mais se achava restrita a militares, mas passou a congregar também civis de “[...] atuação relevante na orientação e execução da política nacional”. Ainda, segundo [o artigo 1] dessa Lei (BRASIL, 1949), a ESG, como instituto de altos estudos, destina-se a “[...] desenvolver e consolidar três conheci-mentos necessários para o exercício das funções de direção e para um planejamen-to da segurança nacional”.

Vê-se, pois, que a ESG, idealizada inicialmente para a habilitação de mi-litares para as funções de Alto Comando, estendeu o seu âmbito a civis e mi-litares e evoluiu para consolidar conhecimentos necessários ao exercício das funções de direção e ao planejamento da Segurança Nacional, considerada esta, em seu significado mais amplo, não mais circunscrito ao conceito tradicional de Defesa.

Em palestra de 1949, o General Oswaldo Cordeiro de Farias expôs os motivos da criação da ESG, em sua nova feição, decorrentes da experiência da última guerra mundial.5 Após mencionar as escolas similares existentes em outros países, salien-tou o General Cordeiro:

A Escola Superior de Guerra é bem um espelho do conceito moder-no de Segurança Nacional: ela não é um instituto militar apenas, nem tampouco somente uma organização civil, é, isto sim, um centro misto de estudos – militar e civil - e onde em última análise – se vai tratar da defesa do cidadão.(FARIAS, 1949, p. 13).

A ESG nasceu, assim, sob a égide da Segurança, mas isso não quer dizer que tenha descurado o problema do Desenvolvimento. Desde o início, já despontava o binômio Segurança e Desenvolvimento, que sempre orientou os trabalhos nela realizados. A Segurança está interligada ao Desenvolvimento e nesse sentido se foi processando a inflexão da Doutrina.

O Regulamento da ESG, baixado em 1973, institucionalizou essa tendência, ao ampliar a missão primitiva, que se limitava ao “[...] planejamento da Segurança Nacional”, estendendo-a para a “[...] formulação e planejamento da Política Nacio-nal de Segurança e Desenvolvimento.” (BRASIL, 1973).

5 Palestra proferida na Escola de Estado-Maior do Exército em 18 de maio de 1949, sob o título Razões que levaram o Governo a pensar na organização da Escola Superior de Guerra. O autor [do presente artigo] consultara o General Cordeiro de Farias, por intermédio do General Eduardo Domingues, sobre a possibilidade de obter a exposição de motivo que encaminhou ao Congresso o projeto de lei que criou a ESG. O General não possuía esse documento, mas prontificou-se a fornecer cópia da referida palestra, que [desconhecendo a existência de um exemplar impresso da palestra, na ESG,] foi publicada na revista Segurança e Desenvolvimento, n. 166, de 1976, por iniciativa do próprio General Domingos.

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5 A EStRUtURA

A Lei 785 (BRASIL, 1949), que criou a ESG, estruturou-a com os seguintes órgãos: Direção, Junta Consultiva, Departamento de Estudos e Departamento de Administração.

Os Regulamentos posteriores completaram esse arcabouço inicial. Assim, a Direção é exercida por um Comando que compreende: Comandante e Diretor de Estudos, Subcomandante e Subdiretor de Estudos, e Assistentes do Comandante.

A Junta Consultiva é constituída de eminentes personalidades civis ou milita-res de reconhecida cultura ou notável projeção na vida pública do País, convidadas pelo Comandante para colaborarem com a Escola, formando um grupo de assesso-ria especial.6

O Comandante e Diretor de Estudos é um Oficial-General da ativa, de uma das Forças Armadas, em princípio do mais alto posto.

O Subcomandante e Subdiretor de Estudos é um Oficial-General da ativa, em princípio do posto de Vice-Almirante, General de Divisão ou Major-Brigadei-ro. Pela tradição da Escola, o Subcomandante costuma ser de Força diversa da do Comandante. O Subcomandante é também o Chefe do Departamento de Estudos, incumbindo-lhe promover a execução dos trabalhos realizados na Escola, na confor-midade das diretrizes do Comandante.

O Comandante tem como Assistentes e Diretores de Curso: um Oficial-Gene-ral da ativa, de nível Brigada, um de cada Força Singular; um Ministro de Segunda Classe do quadro do Ministério das Relações Exteriores; e, quando necessário, re-presentantes de categoria equivalente de outros Ministérios.7

5.1 CORPO PERMANENTE E CORPO DE ESTAGIÁRIOS

Não possuindo a Escola nem alunos nem professores, como já se mencio-nou, era preciso que houvesse um grupo para coordenar os trabalhos da Escola, elaborando os textos curriculares, proferindo palestras, acompanhando os estudos e encargos que competem aos que frequentam seus diversos cursos. Essas funções são exercidas por militares e civis - professores, juristas, diplomatas, economistas etc., os quais, ao lado do Comando, formam o Corpo Permanente da Escola, todos nomeados pelo Presidente da República.

Os que, em outras escolas, se denominam alunos, constituem, na ESG, o Cor-

6 A Junta Consultiva, embora conste da lei da criação da Escola, de 1949, só foi ativada a partir de 1975, [sendo nomeados] os Professores Ernesto Luiz de Oliveira, José Camarinha do Nascimento e o autor deste [artigo].

7 Além dos Assistentes das Forças Armadas e do Itamarati, apenas o Ministério da Justiça já enviou representantes à Escola: o Professor Maurice Assuf - na administração do Ministro Alfredo Bu-zaid, e o jornalista Orlando Mota - na [administração] do Ministro Armando Falcão.

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po de Estagiários. Compõe-se também de militares e civis, selecionados pelo Esta-do-Maior das Forças Armadas (EMFA), sem a cooperação do Comando da Escola.8

Os militares, Oficiais-Generais – de nível Brigada, e Oficiais Superiores das três Armas são indicados pelos respectivos Ministros, e os civis, pelos órgãos a que pertencem, mediante convite do próprio EMFA. Para isso, há cuidadosa escolha dos órgãos a serem contemplados, a partir dos Ministérios civis que têm vagas cativas, procedendo-se a rodízio, quanto às demais entidades.

5.2 OS CURSOS

A organização da ESG, constante do seu primeiro Regulamento [a que se refe-re o Decreto nº 27.264, de 28 de setembro de 1949 (BRASIL, 1949)], previu, desde logo, o funcionamento de um Curso Superior de Guerra (CSG) e a possibilidade da instituição de outros cursos, [conforme artigo 11 e 12 do supracitado decreto]. Assim, foi criado, já em 1953, o Curso de Comando e Estado-Maior das Forças Ar-madas (CEMCFA).9

Esses dois cursos funcionam, até hoje, com um período letivo de 40 semanas. O CSG [atual Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE)], congregando militares e civis, tem a incumbência básica de estudar a Doutrina Política Nacional, e o CEMCFA [atual Curso de Estado-Maior Conjunto (CEMC)], só para militares, e que a princípio teve duração menor que o outro, incumbe-se principalmente da Doutrina Militar Brasileira. Como fundamentação para esses estudos, e tendo em vista a Formulação da Política Nacional e o Planejamento Governamental, é larga-mente examinada a conjuntura brasileira, nos dois cursos.

Em 1953 e 1959, funcionaram o Curso de Informações e de Mobilização Na-cional. O Curso de Informações voltou a funcionar em 1965, sendo extinto em 1973, após a criação da Escola Nacional de Informações.

A ESG ministra, ainda, um Curso de Atualização, para ex-estagiários, e um de Extensão, para ex-estagiários e convidados especiais: o primeiro, por correspondên-cia, o outro durante as viagens dos dois cursos principais, ou mesmo simultanea-mente com esses.

Cada curso é dirigido por um dos Assistentes do Comando, e ao que fica de fora dessa direção caberá a função de Subchefe do Departamento de Estudos. Esta última função, destinada a auxiliar o Departamento de Estudos, foi criada, a título

8 A lei de criação da Escola fala em “instrutores” (BRASIL, 1949, art. 4) e em “alunos” (BRASIL, 1949, art. 8), segundo a tradição militar, mas nenhum texto legal posterior e nem a prática esco-lar repetiram essas designações. Evitou-se também falar em “ensino” (BRASIL, 1949, art. 8), como fez a referida lei. Diz-se: Corpo Permanente, Corpo de Estagiários, Departamento de Estudos, Divisões de Estudos, etc. Portanto, o aprendizado, na ESG, não decorre de ensino, mas da pesqui-sa, dos debates, da reflexão dos próprios estagiários.

9 Bol. Int. da ESG, nº 75, do EMFA, de 20 de julho 1953; e BI/103, da ESG, de 29 de julho 1953.

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provisório, em 1982, pelo Comandante General Alzir Benjamin Chaloub, prevendo-se sua posterior inclusão formal na estrutura da Escola.

5.3 CICLOS DE ESTUDOS DA ADESG

A ESG proporciona apoio aos ciclos de estudos promovidos pela Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG), fornecendo, a esta, ele-mentos de seu Corpo Permanente, para proferirem conferências doutrinárias. Com esses ciclos, a ADESG é considerada como a multiplicadora da ESG, pela difusão da doutrina e do método da Escola. Tais ciclos constituem um resumo dos estudos re-alizados na ESG, compreendendo três períodos, num total de três a quatro meses: doutrinário, conjuntural e de aplicação.10

5.4 DIVISÕES DE ESTUDOS E DIVISÕES AUXILIARES

O primeiro Regulamento da Escola (BRASIL, 1949) diz, no artigo 3, que os problemas ali estudados versariam sobre:

1. Assuntos Nacionais: Análise dos problemas básicos que interessam ao desenvolvimento do potencial nacional;

2. Assuntos Internacionais: Estudo da Política Exterior e sua coordenação com as necessidades da Segurança Nacional; e

3. Assuntos Militares: Emprego de Forças Combinadas. Determinação do valor das Forças Armadas necessárias à execução da Política Nacional, na paz e na guerra. Planejamento Estratégico. Mobilização Nacional.

Essa diferenciação inspiraria a primeira estrutura da ESG, cujo Departamento de Estudos se subdividia em três divisões: Divisão de Assuntos Nacionais, de Assun-tos Internacionais e de Assuntos Militares.

Desde 1954, porém, e de acordo com o seu segundo Regulamento (BRASIL, 1954), a Escola estruturou-se em quatro divisões de estudos, que correspondem aos campos em que se desdobra o Poder Nacional: Divisões de Assuntos Políticos, Econômicos, Psicossociais e Militares.

O Regulamento de 1961 (BRASIL, 1961) criou a Divisão de Assuntos Doutriná-rios e de Coordenação e a de Assuntos Científicos e Tecnológicos. Esse Regulamento criou, também, as Divisões de Assuntos de Logística e Mobilização e a de Informa-ções e Contrainformações.

Em 1973, [segundo o Regimento Interno (BRASIL. Estado-Maior das Forças

10 A Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG), foi fundada em 7 de de-zembro de 1951, como entidade privada, com personalidade jurídica. Além de difundir a doutrina e o método da ESG, a ADESG visa incentivar o cultivo dos valores morais e espirituais e a promo-ver o congraçamento entre seus associados.

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Armadas, 1973),] a antiga Divisão de Assuntos Doutrinários e de Coordenação foi desdobrada em duas outras divisões: Divisão de Pesquisa e Doutrina e Divisão de Planejamento, Coordenação e Controle.

Funcionam ainda na Escola as seguintes divisões auxiliares: Divisão Executiva do Departamento de Estudos, Divisão de Curso de Atualização, Divisão de Docu-mentação e Divulgação.

Em 1982, voltou a funcionar a Divisão de Assuntos de Ciência e Tecnologia.11

6 OS COnCEItOS DOUtRInARIOS BÁSICOS

Implantada a ESG, apresentavam-se, como seu interesse imediato, os objeti-vos constantes dos textos legais que a criaram: o estudo da Segurança Nacional e de um método para seu planejamento, a fixação de um Conceito Estratégico Nacional e desenvolvimento do trabalho em conjunto, prática então desconhecida no País.

No primeiro ano de seu funcionamento, em 1950, a Escola limitou-se ao úl-timo objetivo citado, ao ensaio do trabalho em grupo - a par de estudos de temas isolados, subdivididos em assuntos nacionais, internacionais e militares, de acordo com a nomenclatura adotada no primeiro Regulamento [de 1949]. A ênfase desses estudos recaiu em aspectos militares e, em especial, nos de Segurança.

6.1 PRIMEIRO ENSAIO: CONCEITO ESTRATÉGICO NACIONAL

Em 1951 e 1952, surgiu o primeiro esboço para o tratamento de assuntos doutrinários nas conferências sobre Conceito Estratégico Nacional – outro objetivo da Escola, proferidas respectivamente pelo General Salvador Cesar Obino12 e pelo General Oswaldo Cordeiro de Farias13. Essas Conferências receberam subsídios da Missão Americana existentes na Escola, que forneceu os dados para o Conceito Es-tratégico Nacional dos Estados Unidos, ensaiado juntamente com o do Brasil.

Em essência, o Conceito Estratégico Nacional, partindo da concepção de Es-tratégia, em seu significado militar, deveria ser formulado no mais alto nível gover-namental, tendo em vista a definição dos Objetivos Nacionais e da Política Nacional para atingir esses Objetivos.

11 Bol. Int. da ESG, nº 89, de 24 de novembro de 1981, Reg. Int., de 10 de agosto de 1982. Vê-se que houve mudança de nomenclatura, relativamente à Divisão criada em 1961, a qual só funcionou nos anos de 1968 e 1969. A Ciência e a Tecnologia têm sido objeto de acurado estudo na ESG, divergindo-se, porém, quanto à sua posição na estrutura do Poder Nacional. Fala-se ali, em erigir-se a Ciência e a Tecnologia em uma das Expressões do Poder Nacional, ao lado das Expressões Política, Econômica, Psicossocial e Militar. Mas o que na realidade tem prevalecido é a colocação da Ciência e Tecnologia como fator que aparece em todas as Expressões.

12 Acervo da Biblioteca General Cordeiro de Farias / ESG: C-025/51.13 Acervo da Biblioteca General Cordeiro de Farias / ESG: C-010/52.

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Iniciado o trabalho em grupo, esboçado o Conceito Estratégico Nacional, fal-tava a outra missão constante dos textos legais que estruturaram a ESG: a elabo-ração de um conceito de Segurança Nacional que servisse como ponto de partida para o ensaio de um método para o seu planejamento. Os construtores da ESG sentiram a necessidade da formulação de conceitos doutrinários não só sobre Segu-rança Nacional, mas também sobre outros com ela correlatos, para homogeneizar conhecimentos e estabelecer um entendimento comum a respeito de pontos con-siderados essenciais para o prosseguimento dos estudos.

Coube ao segundo Comandante da Escola, o General Juarez Távora, dar início a esses estudos com a conferência A Segurança Nacional, a Política e a Estratégia: conceituação e inter-relações (TÁVORA, 1953). Nessa conferência, esboçaram-se os conceitos que formam o arcabouço da Doutrina da ESG: Segurança Nacional, Po-der Nacional, Política Nacional, Estratégia Nacional e Objetivos Nacionais. Nos anos posteriores, foi-se completando esse esboço inicial, com o estudo de novos concei-tos, que serão analisados [neste artigo], segundo a ordem cronológica aproximada de seu surgimento na Doutrina da ESG. Mas, antes disso, cabe uma pergunta: Que Doutrina?

7 CARACtERíStICAS DA DOUtRInA DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

A Doutrina que hoje se adota na ESG é fruto de longa evolução e de constante aprimoramento, de que vêm participando elementos do Corpo Permanente e su-cessivas turmas de estagiários. Partindo de ensaios baseados em ensinamentos já consagrados nas Ciências Sociais, a Doutrina da ESG foi-se corporificando mediante livre debate e aproveitamento de experiências de cada um dos que têm integrado a Casa, ao longo dos anos.

Um dos pressupostos ligados à Doutrina da ESG é o de que se devem preferir os conceitos às definições. As definições são rígidas e mais condizentes com o rigor dos textos legais, ao passo que os conceitos são mais flexíveis e abrangentes. As definições limitam, os conceitos permitem compreensão maior. Também, a ESG se colocou deliberadamente ao lado dos que desligam a Doutrina de qualquer eiva de dogmatismo.

Em 1953, ao traçar um primeiro esboço para uma Doutrina de Guerra, o Ge-neral Emílio Rodrigues Ribas (RIBAS, 1953, p. 24) já advertia que a Doutrina não deve ser considerada um dogma, do qual não se pode afastar por nenhum motivo, mas, pelo contrário, deve ensinar a fazer o melhor uso dos próprios meios, quali-dades e forças, evitando incorrer em erros de conceitos e de método, ou agir em contraposição aos princípios comuns e insondáveis da Arte.

O então Coronel Augusto Fragoso, dissertando sobre o mesmo tema, ci-tou esse texto de Ribas, acrescentando que a ideia nele contida surgiria mais tarde no estudo do Coronel Nemo, publicado na França, na Revue Militaire Gé-

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nérale, de março de l958. Afirmou o autor francês, repetindo o General brasi-leiro: “É preciso abandonar com resolução a ‘Doutrina Dogma’. A Doutrina não pode ser considerada como se fosse um monumento edificado para durar. O respeito pela Doutrina não deve chegar ao fetichismo” (NEMO apud FRAGOSO, 1959, p. 8).

É por isso que se diz que a Doutrina da ESG é dinâmica e adogmática. Sua normatividade está circunscrita aos períodos letivos, ao mesmo tempo em que seus postulados se inspiram nos princípios democráticos.14

Por outro lado, a Doutrina da ESG caracteriza-se ainda pelo seu humanismo. Em toda a citação doutrinária da Escola, o homem é visto como o centro das pre-ocupações. O que se busca especialmente é o Bem Comum, na concepção tomista que nutriu a cultura ocidental.

8 O MétODO

Do admirável conjunto de princípios já citados e que inspiraram a criação da Escola Superior de Guerra, extraiu-se a concepção de um Método de Trabalho, que iria perfilhar e que, durante anos de evolução e aperfeiçoamento, constitui uma das suas contribuições à cultura brasileira. O que ela se propõe, em última análise, não é ensinar a resolver os problemas nacionais, mas ensaiar um método para o equa-cionamento desses problemas, através da análise e da interpretação dos fatores de toda ordem que os condicionam.

O método de trabalho adotado pela ESG, com base nos princípios da didática de nível superior e da lógica formal, envolve um sistema de estudos e pesquisas socio-individualizados. A preferência recai nos Trabalhos de Equipe, de que a ESG foi pioneira no Brasil.

Em termos esquemáticos, os estudos orientam-se pelos processos a seguir especificados.

Conferência e Palestra•

Na ESG, a conferência é uma exposição formal sobre determinado tema, com o fim de fornecer dados e informações para posteriores atividades letivas. É apre-sentada por pessoa credenciada, quase sempre estranha à Escola.

A palestra é a exposição informal, com o mesmo fim da conferência, prolata-da em geral por elementos do Corpo Permanente e, em princípio, em equipe.

14 O terceiro Regulamento da ESG, [de 1961], ao fixar os objetivos da Escola, no art. 2, estabeleceu que esta devia se moldar “segundo orientação geral que vise sempre à reafirmação da democra-cia brasileira” [(BRASIL, 1961)]. O Regulamento de 1963 [(BRASIL, 1963)] reproduziu, no art. 2, em termos análogos, a mesma prescrição.

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Debates•

Os debates constituem atividade que se segue à conferência, palestra ou a outros trabalhos letivos. Têm eles função complementar de oferecer ao expositor, ou à equipe responsável pelo trabalho, a oportunidade para focalizar novos aspec-tos do tema.

O termo ‘debates’ vem dos primeiros tempos da Escola, quando realmente podia haver diálogo entre os participantes e o expositor. Com o intuito de orde-nar melhor os trabalhos e evitar tumulto, que às vezes ocorria, a Escola resolveu mudar o sistema. Hoje, os debates limitam-se a perguntas e respostas, ficando a cargo do debatedor a faculdade de fazer nova inscrição – esgotada a lista inicial de debatedores, para outra pergunta ou pedido de esclarecimentos sobre a an-terior.

Além de ficar restrito a uma pergunta em cada inscrição, tem o debatedor o prazo máximo de três minutos para expô-la. É vedado, também, apontar falhas na exposição ou fazer referências desairosas a quem quer que seja.

Para orientar os trabalhos, há um Controlador de Debates, que representa o Comandante, no ato, podendo resolver qualquer incidente, inclusive cassar a pala-vra ao debatedor que infringir as normas regulamentares.

Demonstração•

É atividade complementar e procura apresentar aspectos característicos da técnica de execução de determinado trabalho, mediante exemplificação prática ou representação tão aproximada quanto possível da realidade. Na demonstração, ressaltam-se os pontos essenciais da técnica a apresentar, buscando a compreen-são de normas de conduta mais aconselháveis e que por isso tenham observância consentida. Neste processo, admite-se que se realcem as falhas mais comuns na execução da técnica a demonstrar.

trabalhos de Equipe•

Para os trabalhos de equipe, os estagiários são divididos em grupos e de-senvolvem a tarefa sob a coordenação de um deles – o Dirigente, designado pelo Departamento de Estudos, e com a assistência de um elemento do Corpo Perma-nente - Ligação.

Além dos textos básicos da Escola, os estagiários podem recorrer à bibliogra-fia indicada em uma ficha de orientação, preparada pela Divisão de Estudos respon-sável pelo trabalho.

São Trabalhos de Equipe na ESG os que se seguem:

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Discussão Dirigida•

Este trabalho, que substitui a antiga ‘Leitura e Discussão’, aprimorando-a, é um processo de estudo socioindividualizado, destinado à compreensão, ao esclare-cimento e à fixação da Doutrina e do Método.

Precede a Discussão Dirigida uma palestra de orientação de 50 minutos e, para motivá-la, há alguns tópicos que constam da folha de orientação. Na discussão dos tópicos, a ESG não exige que os estagiários cheguem a um consenso, pois o seu objetivo é o de levantar ideias para melhor entendimento do tema proposto. No final da tarde, durante hora e meia, há uma sessão de debates, em que a equipe do Corpo Permanente, responsável pelo tema, responderá às dúvidas e questões arguidas pelos estagiários.15

Simpósio e trabalho de Grupo•

São trabalhos coletivos, mas o Simpósio visa aprofundar aspectos da Dou-trina e do Método, enquanto o Trabalho de Grupo tem em vista a solução de um problema ou a formação de um juízo de valor sobre determinado assunto. É semelhante o processo a que eles obedecem. Ambos têm as seguintes fases: preliminar ou preparatória, pesquisas, discussão, elaboração e apresentação de um relatório.

O relator é um dos estagiários da equipe, escalado pelo Dirigente, e tem a incumbência de registrar o resultado das contribuições individuais e da discussão, traduzindo-o em um relato sucinto, para expô-lo depois em auditório.

trabalho de Planejamento•

É uma forma especial de Trabalho de Grupo, que se desenvolve por etapas sucessivas, constituindo um processo que ocupa grande parte das atividades da Escola.

15 Anteriormente, os temas teóricos e doutrinários eram apresentados em Conferências seguidas de Debates, no período da manhã. À tarde, nas salas de estudos, os grupos faziam a Leitura e Discussão, para fixar os conceitos expostos na Conferência. Em 1973, o General Bina Machado, no Comando da ESG, determinou que os temas teóricos e doutrinários fossem enfeixados em 8 (oito) Manuais, que depois se reduziriam a um volume e mais tarde a dois (ver nota 21). Re-comendou ainda o General Bina mais ênfase aos trabalhos de equipe. Surgiu então a Discussão Dirigida, em que, estudando previamente o assunto nos textos básicos e em outros indicados pelas Divisões de Estudos, os estagiários, reunidos em grupos, ficam em condições de aprofundar os conceitos em discussão. Excepcionalmente, é mantido, para alguns temas, o método anterior de Palestras e Debates.

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Seminário•

O Seminário tem por objetivo reunir um grupo de estagiários com especia-listas em determinado assunto, a fim de esclarecê-lo e estudá-lo em profundidade. Faz-se em pequenos grupos, nas salas de estudos ou em plenário, no auditório, podendo os especialistas pertencer ou não aos quadros da Escola. As conclusões do Seminário podem ser resumidas em um relatório, que o Dirigente encaminhará ao Departamento de Estudos.

Usa-se também o Seminário, no âmbito do Corpo Permanente, para estudo e discussão de temas basicamente relativos à Doutrina e ao Método.

Painel•

Atividade que consiste na apresentação de um tema perante o auditório, por especialistas – três a cinco, sob a orientação de uma das Divisões de Estudos. Após breve apresentação do assunto, o Dirigente ou Coordenador dará a palavra aos diversos especialistas para a sua exposição, dentro do tempo convencionado. Há depois uma Discussão livre e espontânea entre os especialistas, seguindo-se um período de Debates.

trabalho Especial•

O Trabalho Especial substitui o antigo Trabalho de Turma, que se destinava a servir de subsídio para o Planejamento e que consistia na elaboração de uma monografia sobre determinado tema distribuído pelo Departamento de Estudos a cada estagiário. Era, pois, um trabalho individual, considerado coletivo por formar um conjunto harmônico.

A partir de 1973, com o Trabalho Especial, a ESG instituiu um sistema idêntico ao anterior, só que em grupo de três estagiários para cada tema. Os estagiários ela-boram sua monografia, e o grupo, um relatório resumido sobre o tema.16

9 FASES DA EvOLUçãO DA DOUtRInA E DO MétODO DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

Esquematicamente, podem ser consideradas quatro fases na evolução da Doutrina e do Método da Escola:

16 Além das atividades citadas, a ESG também faz diversas Visitas de Estudos, e mais 2 (duas) ou 3 (três) Viagens de Estudos, para que os estagiários e integrantes do Corpo Permanente possam ter contato direto com aspectos relevantes de determinadas áreas, no País e no exterior. Há ainda o Estudo de Estado-Maior e o Exercício de Estado-Maior, trabalhos especializados, atribuídos exclu-sivamente ao CEMCFA.

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1ª Fase (1949-1952)Nesta fase teve predominância o estudo da Conjuntura17, época em que os

temas eram tratados isoladamente, subdivididos em assuntos nacionais, internacio-nais e militares, de acordo com o primeiro Regulamento da Escola (BRASIL, 1949), que estruturou o Departamento de Estudos em três Divisões, correspondentes aos mencionados assuntos, conforme já foi dito.

Começou, nesta fase, o método de ‘trabalho em equipe’, em substituição ao ‘método dos pareceres’, a que se referiram os mencionados Princípios Fundamen-tais, que inspiraram a criação da Escola.

2ª Fase (1953-1967)Conforme o exposto no item seis deste trabalho, em 1953, iniciou-se o estu-

do da Doutrina, com ênfase na Segurança, de acordo com os objetivos da Lei que criou a Escola (BRASIL, 1949) e de seus Regulamentos subsequentes18.

[O supracitado ano] foi um ano chave para a Doutrina da ESG, cujos primeiros conceitos foram esboçados na Conferência pronunciada pelo General Juarez Távora (TÁVORA, 1953), Comandante da Escola19.

17 Eram então estudados assuntos como o da energia, especialmente o petróleo; disparidade entre o Norte e o Sul do País; inflação; devastação do patrimônio natural; espaços vazios; o problema da Educação e o da sua pouca objetividade, com descuido do aspecto moral; analfabetismo; reformas agrária, fiscal, da Previdência Social; Reforma do Poder Judiciário: conflito Ideológico e infiltração comunista; corrupção. Como pode ser visto, muitas dessas preocupações ainda continuam atuais.

18 Hoje, [em 1984], o 1º Período - doutrinário, abrange cerca de 10 (dez) semanas para o CSG e 9 (nove) para o CEMCFA; o 2º Período - conjuntural, tem a duração de 25 (vinte e cinco) e 24 (vinte e quatro) semanas, respectivamente, para o CSG e o CEMCFA; o 3º Período - de aplicação, desti-na-se aos trabalhos de Planejamento, que ultimamente têm início no 2º Período, com 5 (cinco) e 7 (sete) semanas, respectivamente, para os dois cursos.

Os trabalhos do 1º Período são apresentados pelo Corpo Permanente, que na ESG substitui o ‘corpo docente’, conforme já vimos. Os trabalhos do 2º Período, coordenados pelo Corpo Perma-nente, constam basicamente de temas expostos por conferencistas convidados.

Ao Departamento de Administração incumbe o apoio acadêmico para a efetivação dos trabalhos da Escola – biblioteca, impressão de trabalhos, etc.

19 Evidentemente, dado o espírito de equipe que sempre dominou na ESG, devemos compreender que os primeiros conceitos, embora expostos pelo General Juarez, resultaram do esforço conjugado de todos os que constituem os pioneiros da ESG. São eles, além dos Comandantes Generais Cordeiro e Juarez, entre outros: os então Tenentes-Coronéis Golbery do Couto e Silva, Rodrigo Octávio Jordão Ramos, Eduardo Domingues de Oliveira, Heitor Almeida Herrera; Coronéis Jurandy de Bizarria Mame-de e Alfredo Souto Malan, além da Missão Militar Americana, que participou dos estudos iniciais.

A princípio, a influência americana na Escola foi marcante, podendo-se avaliar pela bibliografia citada nos textos mais antigos. Nas primeiras conferências havia frequentes menções a autores americanos, como Hans Morgenthau, Edward Eearle, Spykman, Ralph Williams, Brook Emeny, mas essa influência foi diminuindo. A própria Missão Militar foi perdendo a importância primitiva, tanto que, em 1960, quando o A. fez o curso na ESG, só encontrou ali um oficial americano, cuja função era unicamente a de coordenar a viagem que a Escola fazia anualmente aos Estados Unidos. Em 1973, o oficial americano, então lotado na Escola, afastou-se dali, não sendo substituído.

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3ª Fase (1968-1973)Após 1967, a ESG passou a enfatizar, nos seus estudos, o Desenvolvimento,

sem descurar da Segurança, tendência institucionalizada, em 1973, pelo Regula-mento que então entrou em vigor, que ampliou a missão primitiva da Escola - de Planejamento da Segurança Nacional, estendendo-a para a da Formulação da Polí-tica Nacional de Segurança e Desenvolvimento (BRASIL, 1973).

Estabeleceu-se assim uma fase, cujos estudos constituíram o que se pode chamar uma Doutrina de Política Nacional, abrangendo, portanto, dois campos, o de Desenvolvimento e o de Segurança.

Quanto ao Método, não houve mudança sensível com relação ao período anterior.

4ª Fase (1973-198420)Quanto à Doutrina, menteve-se a situação da 3ª fase, mas, no que tange ao

Método, passou-se a incrementar aos Trabalhos de Equipe, notadamente com a adoção da Discussão Dirigida.

Este período foi caracterizado pela adoção do Manual Básico, que condensou os antigos conceitos doutrinários e teóricos, através da ampliação dos textos esco-lares, mediante o uso de Volumes com Leituras Selecionadas, ou seja, uma espécie de antologia de autores quase sempre estranhos à ESG, acompanhados de Notas Complementares de Estudos contendo conceitos doutrinários ainda não devida-mente consolidados.21

20 [O período referido abrange somente até o ano em que foi escrito o presente artigo, origi-nalmente escrito como “até esta data”, pelo seu autor, em abril de 1984.]

21 Adotados em 1973, os Manuais Básicos, a princípio em número de 8, foram reduzidos a um só volume em 1975. Em 1979, mudou-se a denominação para Doutrina Básica e, em 1981, os textos se desdobraram em dois: um para a Doutrina propriamente dita – Fundamentos da Doutrina, – e outro para os temas teóricos – Complemento da Doutrina. Já em 1983, mante-ve-se essa divisão, mas trocaram-se os nomes: Manual Básico, restaurando o nome antigo, e Fundamentos Teóricos. Além dos textos doutrinários básicos, há também Notas Comple-mentares de Estudos, que abrangem assuntos sujeitos a discussão e possível evolução, de modo a integrar a Doutrina. Em 1983, a Escola, sob a coordenação do seu Comandante, o General Alzir Benjamin Chaloub, publicou também um volume de Doutrina Militar Brasileira, consolidando subsídios contidos em trabalhos anteriores, a começar por duas conferências pioneiras, do General Humberto de Alencar Castello Branco (CASTELLO BRANCO, 1957) e do General Augusto Fragoso (FRAGOSO, 1959), trabalhos de grupo e, ultimamente, relatórios de exercícios realizados no Curso de Estado-Maior e Comando das Forças Armadas (CEMCFA). Concretizou-se, assim, velha aspiração da Escola manifestada em ensaios e tentativas de quase trinta anos.

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REFERênCIAS

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BRASIL. Lei nº 785 de 20 de agosto de 1949. Cria a Escola Superior de Guerra e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 30 de ago. 1949. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1930-1949/L785.htm>. Acesso em: 29 set. 2014.

BRASIL. Estado-Maior das Forças Armadas. Portaria nº 002 FA-6-244, de 24 de dezembro de 1973. [...], resolve: Aprovar o Regimento Interno da Escola Superior de Guerra (ESG). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 15 fev. 1973. Seção 1, p. 10. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/2967771/pg-10-secao-1-diario-oficial-da-uniao-dou-de-15-02-1974>. Acesso em: 13 out. 2014.

CASTELLO BRANCO, Humberto de Alencar. A doutrina militar brasileira. Rio de Janeiro: ESG, 1957. 67 p.

FARIAS, Oswaldo Cordeiro de. Discurso do Gen. Ex. Oswaldo Cordeiro de Farias por ocasião da passagem de Comando da ESG ao Gen Div Juarez do Nascimento Fer-nandes Távora. Rio de Janeiro: [ESG], [1952].

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FRAGOSO, Augusto. Doutrina militar brasileira: bases para sua formulação. Rio de Janeiro: ESG, 1959.

______. A Escola Superior de Guerra: evolução – atualidade – perspectivas. Rio de Janeiro: ESG, 1971.

MASCARENHAS, Ajalmar Vieira. A ESG e a organização da segurança nacional. Rio de Janeiro: ESG, 1956.

RIBAS, Emílio Rodrigues. A conjuntura nacional (fatores militares): subsídios para o estabelecimento de uma Doutrina de Guerra. Rio de Janeiro: ESG, 1953.

TÁVORA, Juarez do Nascimento Fernandes. A segurança nacional, a política e a estratégia: conceituação e inter-relações. Rio de Janeiro: ESG, 1953.

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DOUtRInA E MétODO DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA: UMA vISãO GLOBAL*

DOCtRInE AnD MEthOD OF thE SUPERIOR wAR COLLEGE: A GLOBAL vIEw

DOCtRInA y MEtODOLOGíA DE LA ESCUELA SUPERIOR DE GUERRA: UnA vISIÓn GLOBAL

Juacy da Silva**

Parte I – COnCEItOS BÁSICOS

1 IntRODUçAO

Desde o seu surgimento, a Escola Superior de Guerra (ESG) vem elaborando e aperfeiçoando uma doutrina e um método.

As questões apresentadas são quase sempre as mesmas. De que se trata? Quais as bases dessa doutrina e desse método? Quais as suas finalidades? Como é formulada? Quais os seus principais conceitos? É possível de forma simples e objeti-va apresentar as origens, a evolução e o estágio atual da doutrina e do método que caracterizam o pensamento da Escola Superior de Guerra?

Pretende-se, nesta oportunidade, tentar responder aos questionamentos ini-cialmente formulados, através da análise do Manual Básico da ESG, edição de 1986, em sua versão revisada e atualizada.

Todavia, necessário se torna dizer que esta síntese, como, aliás, todas as ten-tativas de sintetizar realidades complexas, tem limitações próprias de tal iniciativa, além dos riscos que qualquer enfoque pessoal possa acarretar.

2 DOUtRInA E MétODO

A Escola Superior de Guerra surgiu em um contexto crítico em termos de realidade brasileira e internacional. Em meio ao clima do pós-guerra, quando, no plano internacional, se vivia o início da chamada Guerra Fria e, no âmbito interno,

_______________* Artigo originalmente publicado na Revista da Escola Superior de Guerra, ano 3, n. 8, dez. 1987.

Não apresenta, portanto, resumo nas três línguas (português, inglês e espanhol), agora solicitado aos articulistas e, no caso deste texto, há apenas uma referência.

** Chefe da Divisão de Pesquisa e Doutrina da Escola Superior de Guerra, Diretor do Departamento de Estudos da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra e Professor Titular da Universidade Federal de Mato Grosso.

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respirava-se um clima de liberdade, após a derrocada da ditadura estado-novista, em meio à reconstitucionalização do país, surge a Escola Superior de Guerra.

A proposta inicial vinculava-se à criação de um Instituto Permanente de Altos Estudos, com vistas à elaboração de um método que possibilitasse uma melhor ra-cionalização da ação política em geral e da ação governamental em particular.

A preocupação central à época era a segurança em sentido mais amplo que defesa nacional. No entanto, já então o sentido de segurança, fruto dos resultados da Segunda Grande Guerra, não tinha apenas uma dimensão militar, mas inseria-se em um contexto mais vasto abrangendo aspectos políticos, psicossociais e econô-micos.

A criação de um método que viesse permitir a racionalização da ação política, em sentido amplo, ou da ação governamental, em sentido restrito, exigia a elabora-ção de uma doutrina que o sustentasse em termos axiológicos.

Vista desta perspectiva, uma doutrina deveria ser a um só tempo um instru-mento de análise e de transformação da realidade, no caso, a realidade brasileira. Como um corpo coerente, deve a doutrina conter conceitos, normas, métodos, pro-cessos e valores, os quais, de forma integrada, passam a representar um referencial analítico e ao mesmo tempo um instrumento de ação.

Algumas pessoas imaginam que a Doutrina e o Método da ESG foram ela-borados por alguns iluminados e jamais teriam sofrido mudanças. Se tal houvesse ocorrido, não seria doutrina, mas, sim, um conjunto de dogmas ou mesmo uma ideologia, no sentido de um corpo de ideias falseantes da realidade e imposto acri-ticamente às pessoas.

Como o processo de elaboração doutrinária e metodológica na ESG não se pauta pelo dogmatismo e pelo obscurantismo, as suas características são as seguin-tes: democrática, brasileira, flexível, dinâmica, espiritualista, humanista e adogmá-tica.

Assim, o seu aperfeiçoamento surge em decorrência de um processo con-tínuo de análise e crítica na busca de uma nova síntese que reflita a evolução do conhecimento humano e as transformações da realidade.

Inserida neste contexto, a cada dois ou três anos uma nova versão, em forma de manual, vem a público, o que ocorre neste ano1. A cada edição de um novo ma-nual, inúmeras mudanças surgem, tanto de cunho formal quanto de conteúdo.

Cabe, nesta oportunidade, esclarecer que a ESG, ao formular uma doutrina e um método, no caso atual, Método para o Planejamento da Ação Governamental, não lhe move a ideia de tutelar nem o Governo, nem o Estado, nem muito menos a sociedade brasileira.

Tem-se a consciência de que esta é apenas uma, entre inúmeras propostas, que toda sociedade aberta, pluralista e democrática tem diante de si, seja como ins-

1 O próprio texto revela que o autor se refere ao Manual de 1986.

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trumento de análise da realidade, seja como instrumento de ação e transformação dessa mesma realidade.

No entanto, mesmo que se discorde da proposta formulada pela ESG, deve-se reconhecer que ela se constitui em uma construção lógica, coerente e abrangen-te, capaz de ser utilizada da forma efetiva com vistas a racionalizar qualquer ação política, inclusive e fundamentalmente a ação governamental.

3 BASE AxIOLÓGICA

Os valores que embasam a Doutrina da ESG estão inseridos no pensamento ocidental, em que se destacam: a transcendência e o humanismo. Ao mesmo tem-po em que ela se centra na figura do homem, como ser dotado de consciência, de racionalidade e de livre-arbítrio, ela coloca (o homem) como um ser que transcende à sua própria materialidade.

Da combinação dessas dimensões, surgem valores como a justiça, a solidarie-dade, a liberdade e a participação a indicar uma pauta mínima que deve nortear as relações entre as pessoas em qualquer ordem social.

Não é por acaso que a Doutrina e o Método têm como escopo o Bem Co-mum, representado por um ideal de sociedade na qual todos os seus integrantes tenham condições de atender às suas necessidades, aos seus interesses e às suas aspirações, vale dizer, desfrutar de condições dignas de vivência coletiva e, mais do que isto, tenham condições de realizar sua potencialidade na plenitude da condição humana.

4 COnCEItOS BÁSICOS

Quatro conceitos embasam a Doutrina e o Método da ESG, em torno dos quais outros são articulados com vistas à elaboração final da proposta ora em aná-lise neste artigo. Esses conceitos serão abordados de forma sintética, procurando, todavia, destacar os seus aspectos mais relevantes.

4.1 OBJETIVOS NACIONAIS

À vista do desafio maior representado pela busca da racionalidade das ações humanas, surge a figura dos objetivos como referenciais para os quais essas ações devam estar voltadas.

Considerando que, tanto em nível individual quanto coletivo, a existência de objetivos é vital para a racionalização de qualquer ação, nada mais lógico do que a ideia de objetivos no plano nacional. Não se pode imaginar que a cami-nhada histórica de um povo se realize como obra do acaso ou movida por causas fortuitas.

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Se imaginarmos que o homem é sujeito de sua própria história e se esse homem é um ser situado no tempo e no espaço, com atributos de consciência, de racionalidade e de liberdade, fruto da interação entre o seu querer individual e o coletivo, surgem os objetivos que transcendem quaisquer particularidades, sejam de ordem biológica, social, econômica, cultural e política.

Vivendo e convivendo em um determinado território, os homens estão sujei-tos a laços que os identificam enquanto partícipes de um destino coletivo, dando origem à Nação como dimensão integradora de indivíduos, grupos, classes, catego-rias sociais e instituições.

Assim, Objetivos Nacionais, segundo a Doutrina da ESG, “representam a cristalização de interesses e aspirações que, em determinada fase de sua evolução histórico-cultural, a Nação busca satisfazer”. 2

Dois tipos de Objetivos Nacionais são considerados na concepção esguiana: de um lado, os vitais ou permanentes; e, de outro, os transitórios ou atuais. Os Ob-jetivos Nacionais Permanentes (ONP) vinculam-se à própria sobrevivência da comu-nidade nacional enquanto tal. A sua conquista e a sua manutenção revestem-se de caráter imperativo sob pena de ocorrer a própria desagregação nacional ou perda da identidade da comunidade nacional enquanto grupo social organizado. Quan-to aos Objetivos Nacionais Atuais (ONA), de natureza transitória ou circunstancial, representam objetivos intermediários com vistas à conquista e manutenção dos ONP.

Neste ponto surge a indagação: a quem incumbe o estabelecimento ou a fi-xação dos Objetivos Nacionais? No que concerne aos ONP, a resposta é: a nenhuma instância. Seja ao Governo, a qualquer classe social em particular ou a qualquer or-ganismo internacional ou a qualquer mente iluminada compete a responsabilidade ou o direito de fixar ou estabelecer Objetivos Nacionais Permanentes. Tais objeti-vos emergem e surgem como fruto do processo histórico-cultural da comunidade nacional, do entrechoque de necessidades, interesses e aspirações de diferentes grupos, segmentos, classes, categorias sociais e instituições que convivem em qual-quer sociedade democrática.

A um determinado momento, a diversidade de aspirações cede lugar à conju-gação de esforços, e todos se sentem copartícipes de um destino comum. Surgem, assim, os ONP como referenciais a nortear a caminhada da comunidade nacional. Todavia, tanto no que concerne à identificação dos ONP quanto ao estabelecimento ou fixação dos ONA, uma série de condicionantes estão presentes. A ESG identifica quatro grupos de condicionantes: os de natureza física, representados por posi-ção, forma e extensão territorial e os recursos naturais existentes; os de natureza humana, representados pelo caráter nacional e pelo papel das elites; os institucio-nais, representados pela formação e presença das instituições na vida nacional, e os

2 As passagens transcritas neste artigo constam do Manual Básico do ano de 1986.

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de natureza externa, representados pelo posicionamento e pela estatura político-estratégica do país no concerto das relações internacionais. Isto significa que os Objetivos Nacionais, tanto os permanentes quanto os atuais, não possuem uma di-mensão estática, mas se revestem de um dinamismo próprio do processo histórico-cultural da Nação brasileira.

A ESG, fruto de seus estudos e consentânea com análises de estudiosos da realidade brasileira, didaticamente apresenta seis ONP. Em que pese essa dimensão didática, pode-se dizer que o elenco de ONP apresentado pela ESG guarda uma grande aproximação com a realidade brasileira.

A seguir, apresenta-se o elenco e a caracterização dos Objetivos Nacionais Permanentes contidos na doutrina da ESG.

Democracia, para a doutrina da ESG, significa não apenas um regime político ou sistema de governo, mas, também, um estilo de vida que identifica uma socie-dade aberta. Significa, fundamentalmente: respeito à dignidade da pessoa humana, igualdade de oportunidade, aprimoramento da representação política, legitimidade das instituições, adequação das instituições à realidade nacional e aprimoramento das instituições.

Integração Nacional significa não apenas a integração física do território, mas também a dimensão social, econômica e cultural. Representa, enfim, a consolida-ção da comunidade nacional, o estreitamento dos laços de solidariedade entre o povo, a ausência de preconceitos de qualquer ordem e natureza, a ausência de dis-paridades regionais e sociais, a participação da comunidade nacional na definição de seu próprio destino e a preservação dos valores nacionais.

Integridade do Patrimônio Nacional, além da integridade territorial, repre-senta a preservação da identidade nacional, a integridade do patrimônio histórico-cultural e a integridade dos recursos naturais, incluindo o uso e controle do solo e do subsolo, do mar patrimonial e do espaço aéreo.

Paz Social, nela se destacam a conciliação entre indivíduos, grupos, classes sociais e regiões, a realização de uma ordem social justa e progressista, como for-mas de resolução dos conflitos existentes em qualquer sociedade aberta.

Progresso, compreendido como uma constante melhoria do desempenho nacional em todos os setores de atividades, a melhoria da qualidade de vida da população e a possibilidade de mudança sociocultural. Neste sentido, Progresso não significa apenas crescimento econômico, mas também a justa distribuição dos frutos do desenvolvimento.

Soberania representa, de um lado, a intangibilidade da Nação; de outro, a ca-pacidade de autodeterminação em todos os setores da vida humana e, finalmente, a igualdade de direito entre as nações.

Assim, tendo diante de si tais objetivos, a comunidade nacional congrega es-forços no sentido de atingi-los e mantê-los.

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Entre os ONP e os ONA existe uma relação profunda. Cabe ao governo, em uma sociedade democrática, representar legitimamente as aspirações nacionais, interpretar o querer de toda a coletividade, em nome da qual exerce suas fun-ções, e estabelecer ou fixar os Objetivos Nacionais Atuais.

A razão dessa referência prende-se ao fato de que os ONA, a despeito de serem estabelecidos pelo governo, não devem estar direcionados exclusivamente para segmentos menores da comunidade nacional, seja para o partido ou coli-gação partidária no exercício das funções de governo, seja para uma classe em particular, para uma região e muito menos para grupos familiares.

As ações de governo e a consequente fixação dos ONA devem estar vol-tadas para a comunidade nacional, sob pena de ser perdida a legitimidade do próprio governo ou gerar distorções no processo político-institucional, levando até mesmo à desorganização e desagregação nacionais.

Finalmente, os ONP e os ONA guardam uma íntima correlação quando da aplicação do Método para o Planejamento da Ação Governamental, seja em sua fase política, seja em sua fase estratégica, como se verá posteriormente.

4.2 PODER NACIONAL

A muitos pode parecer que a ESG volta sua atenção e interesse exclusi-vamente para o estudo da segurança nacional. Tal não é a verdade. A Doutrina da ESG funda-se em quatro conceitos básicos, como já assinalados anterior-mente.

De um lado a busca da racionalidade impõe a fixação de objetivos como referencial a guiar o curso de qualquer tipo de ação, seja no plano individual, grupal ou nacional.

Todavia, a fixação de objetivos por mais claros e efetivos que possa parecer não é condição suficiente para que sejam conquistados e mantidos. Necessário se torna que os meios estejam presentes e, além disso, que haja vontade para empregá-los com vistas a conquistar e manter os objetivos previamente estabe-lecidos ou identificados.

Surge, assim, o que se denomina de gênese do poder, em sua acepção am-pla e genérica.

Quanto ao Poder Nacional, no entendimento da ESG, constitui o “conjun-to dos meios de toda ordem de que dispõe a Nação, acionados pela vontade nacional, para conquistar e manter, interna e externamente, os Objetivos Na-cionais”.

Vejamos alguns aspectos inerentes a tal construção doutrinária. De um lado, destaca-se a ideia de conjunto de meios, querendo com isto

significar o sentido de unidade (conjunto) e não apenas o somatório de meios. De outro lado, a figura “de toda ordem”, ou seja, esses meios representam tanto o

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aspecto material quanto não material. A destinação do Poder Nacional, ou seja, seu caráter de instrumentalidade, a serviço da comunidade nacional é destacada quando se afirma: “conquistar e manter os Objetivos Nacionais”. O outro aspecto refere-se ao âmbito de atuação do Poder Nacional, ou seja, interno e externo. Por último, mas que, na verdade, é a dimensão mais significativa, vincula-se à Vontade Nacional, como força dinâmica no emprego desses meios.

Assim, Poder Nacional, no entendimento da ESG, não é um fim em si mesmo, não está a serviço de uma classe ou categoria social ou região, não é sinônimo de poder de governo e nem de poder estatal. É uma realidade que transcende a quaisquer dessas particularidades.

No entanto, não quer isto também significar uma ideia totalizadora, algo a tolher as liberdades individuais. Se um dos ONP propugnados pela ESG é a democracia, o sentido de vontade nacional só tem lugar dentro de um enfoque em que todos os grupos, classes, segmentos, instituições que integram a comunidade nacional tenham um espaço definido, e do entrechoque das vontades desses grupos, segmentos, classes e instituições é que surge uma nova realidade, a Vontade Nacional.

A Vontade Nacional vincula-se necessariamente aos Objetivos Nacionais, sejam permanentes ou atuais. Aí se encontra um aspecto importante da doutrina da ESG, o sentido da participação, ou seja, a origem e a essência do Poder Nacional repousam na Vontade Nacional, sendo o Governo e o Estado de instâncias de intermediação para o exercício de parte dessa Vontade Nacional.

A estrutura do Poder Nacional, segundo o enfoque da ESG, é a seguinte:– Quanto à natureza ou dimensões em que atuam os seus meios surgem as

expressões: política, econômica, psicossocial e militar; e – Quanto aos elementos constitutivos em si mesmos:

os fundamentos – bases substantivas de sua composição – Homem, Terra •e Instituições;

os fatores – elementos adjetivos dos fundamentos; •

os componentes, que são formas institucionais integradas; e•

os órgãos, entidades que desempenham as funções de emprego do Poder •Nacional.

Costuma-se dizer que os fundamentos do Poder Nacional – Homem, Terra e Instituições – são as bases da nacionalidade. Assim, cada fundamento pode ser visualizado de um prisma diferente a partir das dimensões do Poder Nacional, ou seja, as Expressões.

Vejamos como esses fundamentos são enfocados a partir de cada uma das expressões do Poder Nacional.

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Quadro 1: Expressões e Fundamentos

EXPRESSÃOFUNDAMENTOS

Homem Terra Instituições

PolíticaEconômicaPsicossocialMilitar

PovoRecursos HumanosPessoa HumanaRecursos Humanos

TerritórioRecursos NaturaisMeio AmbienteTerritório

Instituições PolíticasInstituições EconômicasInstituições SociaisInstituições Militares

Fonte: O Autor

Mesmo que, esquematicamente, o Poder Nacional seja analisado em termos de sua estrutura, não se pode perder de vista a sua integralidade, a sua unicidade, a sua instrumentalidade e a sua indivisibilidade.

Não há por que se falar em emprego de uma ou outra expressão, uma vez que os elementos que constituem o Poder Nacional interagem de forma dinâmica.

Por exemplo, costuma-se dizer que o Homem é o fundamento maior do Poder Nacional, uma vez que é ele quem possui os atributos da consciência, da racionalidade e da liberdade. É este homem assim conceituado quem interage com os seus semelhantes formando grupos e criando instituições. É este homem, individual e coletivamente, quem se relaciona com a natureza, transformando-a, criando bens e riquezas para atender às suas necessidades, aos interesses e às suas aspirações. Enfim, este homem em sua integralidade é a um só tempo o pro-dutor e o consumidor, o cidadão, o soldado, o operário, a dona de casa, o chefe de família, o político, o religioso.

Foi mencionado anteriormente que o Poder Nacional possui uma dimensão de instrumentalidade, isto é, está a serviço da comunidade nacional para que esta conquiste e mantenha os seus objetivos.

Para aquilatar a eficácia e a eficiência deste instrumento, necessário se tor-na a sua avaliação. Essa avaliação se processa levando em conta os obstáculos, as barreiras ou os óbices que se interpõem ao esforço da comunidade nacional para atingir e manter os seus objetivos. Além dos óbices, a avaliação deve também le-var em conta a natureza dos objetivos a serem atingidos. Somente através desse enfoque é possível avaliar a capacidade do Poder Nacional.

Como a realidade é dinâmica, costuma-se dizer que outra característica do Poder Nacional é a relatividade, ou seja, há uma variação no tempo e no espaço.

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Assim, em face dessa característica, a avaliação da capacidade do Poder Na-cional deve também levar em conta os meios que, em um determinado momento, não estejam sendo utilizados de forma plena. Surgem, então, os conceitos de Po-tencial Nacional e Potencial Nacional Utilizável, como que a indicar aqueles meios existentes em forma latente, mas que, diante de um desafio maior, podem ser transformados em poder.

O Manual Básico-86 da ESG traz, na seção correspondente ao Poder Nacio-nal, uma análise exaustiva do assunto, recomendando-se ao leitor interessado con-sultar essa fonte para uma melhor compreensão desse conceito e das ideias a ele correlatas.

4.3 POLÍTICA NACIONAL

O homem, ao conviver em sociedade, é, por essência, um ser político, razão pela qual se afirma que a política é algo natural à convivência humana.

A racionalização das atividades humanas pressupõe, de um lado, a identifi-cação e o estabelecimento de objetivos e, de outro, a disponibilidade de meios e a vontade de empregá-los no sentido de atingir aqueles objetivos.

Assim, a identificação e o estabelecimento de objetivos passam a ser uma verdadeira arte, no sentido de uma concepção harmônica, clara, precisa. A este exercício, denomina-se política.

Todavia, como os objetivos não são estabelecidos no vácuo, mas devem levar em consideração um meio social concreto, a política vincula-se, ao mesmo tempo, à dimensão de poder, seja este entendido como uso da força para impor a vontade, seja como capacidade de influenciar, seja, enfim, como exercício da autoridade em quaisquer de suas formas ou manifestações.

A ideia de uma Política Nacional surge na formulação doutrinária da ESG como decorrência dos estudos que têm sido elaborados com vistas à construção de um método capaz de se constituir a um só tempo em instrumento de análise da realidade e de transformação dessa mesma realidade.

Quem analisa, retrospectivamente, o processo histórico-cultural brasileiro identifica um fio condutor ao longo de sucessivos períodos, como que a indicar certa continuidade nas ações de governo. Não quer isto dizer que exista alguma instância supranacional ou supragoverno a determinar como as ações dos agentes históricos – o povo em seu sentido genérico – devam realizar-se.

No entanto, longe está a ideia de que haja uma força estranha, agindo para além do processo histórico-cultural a determinar-lhe os rumos, enfim, o seu próprio curso. Da mesma forma, não se imagina que os fatos e o processo histórico sejam obra do acaso ou de forças cegas da natureza.

À vista da concepção que se tem do homem como ser dotado de consciência, de racionalidade e de liberdade no plano individual, chega-se à conclusão de que o

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seu agir em nível coletivo também deve resultar em algo coerente com a dimensão de racionalidade que lhe é inerente.

O conceito atual de Política Nacional na ESG é “a arte de identificar os Obje-tivos Nacionais Permanentes, mediante a interpretação dos interesses e das aspira-ções nacionais, e de orientar e conduzir o processo global que visa à conquista e à manutenção daqueles Objetivos”.

O primeiro destaque a fazer é a dimensão de arte, ou seja, para a ESG, a Política Nacional é uma arte, no sentido de concepção, voltada para os grandes rumos da comunidade nacional. O segundo destaque é a dimensão interpretativa, o debruçar-se sobre o processo histórico-cultural brasileiro e por meio de uma aná-lise objetiva identificar quais são os reais e verdadeiros interesses e aspirações que, ao longo de sucessivas gerações, têm contribuído para plasmar a nossa identidade nacional. Mediante essa análise, procura-se compreender o nosso passado e dele retirar ensinamentos que nos conduzam a um futuro de Nação livre, soberana e democrática.

Aí se insere o exercício da Política Nacional como forma de identificar os Ob-jetivos Nacionais Permanentes.

Todavia, se a Política Nacional ficasse circunscrita tão somente ao exercício interpretativo de nossa história, com a finalidade de identificar, ao longo desse pro-cesso, os objetivos vitais da Nação brasileira, sua dimensão estaria limitada ao cam-po do conhecimento, pouco tendo a ver com a transformação da realidade.

O que se propõe no conceito de Política Nacional é que a orientação e a condução do processo global que visam à conquista e manutenção dos ONP sejam realizadas consentâneas e coerentes com o nosso passado histórico-cultural.

Isso significa que cabe à Política Nacional identificar o fio condutor desse pro-cesso a fim de que as ações de governo e do restante da comunidade nacional es-tejam coerentes com o nosso passado, com as nossas tradições, nossos costumes, nossos valores, enfim, nossa herança cultural. Isso não significa a defesa da ideia de imobilismo, de apego às formas arcaicas em termos de relações de trabalho e de produção ou justificativas de formas desumanas de relações sociais, mas que toda e qualquer ação individual e coletiva que vise à transformação social ou à acelera-ção do ritmo da própria história só tem lugar se levar em conta a nossa realidade. Tem o sentido de compreender o passado para agir corretamente no presente com a finalidade de construir um futuro melhor para todos os brasileiros. Não se busca a construção de ilhas de privilégios e de injustiças, mas uma ordem social na qual todos os seus integrantes tenham condições de atender às suas necessidades, aos seus interesses e às suas aspirações, na plenitude de suas potencialidades e capaci-dades. Vale dizer, uma ordem social justa e progressista.

Pelas razões expostas, a Política Nacional comporta desdobramentos. Como atividade e levando-se em consideração os campos de ação do Poder Nacional, sur-ge o primeiro desdobramento em Política Nacional de Desenvolvimento e Política

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Nacional de Segurança. A ESG conceitua Política Nacional de Desenvolvimento como “a arte de esta-

belecer objetivos que reflitam os anseios nacionais de evolução, bem como a ne-cessidade de fortalecer e aperfeiçoar o Poder Nacional e de orientar e conduzir o processo global que visa à consecução do Bem Comum”.

Para que tal ocorra, a Política Nacional de Desenvolvimento deve apresentar as seguintes características: integralidade, realismo, flexibilidade, autenticidade, unidade de direção, valorização do homem e consenso da sociedade. Dada a íntima relação entre Política Nacional de Desenvolvimento e Política Governamental de Desenvolvimento, também esta última deve atender a essas dimensões ou carac-terísticas.

Enquanto a Política Nacional de Desenvolvimento se vincula mais à dimen-são de evolução e transformação da sociedade, a Política Nacional de Segurança volta-se mais para a preservação, para a manutenção do equilíbrio, para a busca de condições necessárias à harmonia e coesão sociais.

Assim, o conceito de Política Nacional de Segurança passa a ser “a arte de estabelecer um conjunto de opções, princípios, normas e diretrizes com vistas a assegurar a conquista e a manutenção dos Objetivos Nacionais Permanentes”.

Ao vincular-se aos ONP, a Política Nacional de Segurança volta-se, de fato, para os referenciais maiores que norteiam os rumos da vida nacional.

O binômio Desenvolvimento e Segurança será objeto de discussão posterior. Quando o referencial é o âmbito de ação do Poder Nacional, a Política Na-

cional desdobra-se em política interna e política externa, abrangendo, ambas, os campos do Desenvolvimento e da Segurança.

É na dimensão temporal que a Política Nacional adquire o sentido de conti-nuidade das ações com vistas à conquista e manutenção dos Objetivos Nacionais. Considerando que os ONP se constituem em referenciais a nortear toda a caminha-da da comunidade nacional, o sentido de processo rumo a um destino comum, en-volvendo tanto os esforços do governo quanto da sociedade civil, ganha destaque.

Isto significa que o princípio da racionalidade deve presidir todo esse esforço nacional. Aí tem sentido falar em projeto nacional, como construção de um tipo ideal a orientar os destinos nacionais.

No desdobramento da Política Nacional ao longo do tempo, merece realce a Política Governamental, que deve estar coerente com a Política Nacional.

Assim, a fixação dos Objetivos Nacionais Atuais (ONA), ao mesmo tempo em que reflete as opções de governo quanto ao rumo que deseja imprimir a suas ações, representa também uma dimensão nacional pela própria abrangência das ações governamentais que devem estar coerentes com os interesses e aspirações de toda a coletividade, vale dizer, consentâneas com os Objetivos Nacionais Permanentes.

A doutrina da ESG apresenta três acepções para o conceito de Política Gover-namental:

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“Política Governamental é a efetivação da Política Nacional em determinada conjuntura”, ou,

“Política Governamental é a opção do governo quanto à melhor forma de efetivar a Política Nacional em determinada conjuntura” ou, finalmente,

“Política Governamental é a arte de estabelecer, conquistar e manter os Ob-jetivos Nacionais Atuais”.

Assim, a Política Governamental não se circunscreve apenas às ações de go-verno. Além de disciplinar as ações do Poder Público, pela sua natureza, interfere no domínio privado, seja pelos estímulos ou desestímulos concedidos, seja, enfim, pelo poder que a própria sociedade (fonte última do Poder Nacional) concede e outorga ao Governo e ao Estado.

Não se pode perder de vista que a essência de um Estado democrático está exatamente na possibilidade que o cidadão tem, individual e coletivamente, de ser o sujeito e não o objeto das ações do Governo e do Estado. Estado e Governo são criações do povo, jamais se podem constituir em instâncias que o venham oprimir. Em tal ocorrendo, passa-se da democracia para o totalitarismo, para a ditadura, qualquer que seja o seu matiz ideológico, pois fere um dos atributos básicos do homem, que é a liberdade.

A Política Governamental, assim entendida, deve abranger os campos do de-senvolvimento e da segurança e é realizada nos âmbitos interno e externo. Quando se fala em Política Governamental não se pode também perder de vista que ela é efetivada a partir de políticas setoriais, regionais e específicas, abrangendo pela sua natureza todas as Expressões do Poder Nacional – Política, Econômica, Psicossocial e Militar.

As dimensões de espaço e tempo conjugadas com os interesses e aspirações de regiões, classes, segmentos e grupos diferenciados que integram uma Nação exi-gem a fixação de objetivos consentâneos com uma ordem social pluralista e aberta, vale dizer, com uma democracia. Só assim, pode o governo ter legitimidade, pau-tando o seu agir pelo querer da comunidade nacional. Em tal ocorrendo, a identifi-cação entre povo e governo é estreita, podendo este acenar àquele com ações que o conduzam a um patamar superior de realizações, mesmo que isto, conjuntural-mente, possa representar sacrifícios e dificuldades.

4.4 ESTRATÉGIA NACIONAL

O exercício da política como arte de governar envolve, de um lado, a fixação de objetivos e, de outro, o emprego de meios disponíveis para atingir aqueles ob-jetivos.

Todavia, as ações humanas não se realizam no vácuo, mas têm lugar em um meio social concreto, sujeito a dificuldades e barreiras. A necessidade de superar barreiras e dificuldades não é exclusiva da arte de governar. Remonta

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à própria origem do homem que, ao longo de sua existência, empreende esfor-ços para conseguir atender às suas necessidades, aos seus interesses e às suas aspirações.

Em que pese o seu significado original como a arte do General ou mesmo a arte da guerra, o conceito de estratégia tem evoluído, espraiando-se para além das lides militares. O conceito passa a ser de largo uso no domínio da política, da economia, da administração, das comunicações, enfim, identifica-se com todas as formas de luta, no sentido estrito ou figurado, que o homem empreende no seu dia a dia.

O uso do conceito de Estratégia na ESG, em seu início, vinculava-se quase que exclusivamente à dimensão de segurança. Possivelmente isto se deve às origens da Escola e às influências de pensadores militares como Edward Earle, Clausewitz e outros tantos, sobre cujas ideias foram construídas na ESG as reflexões iniciais em torno da estratégia.

Todavia, o próprio exame da realidade nacional e a necessidade de elabora-ção conceitual que viesse a ser operacionalizada quando da aplicação do Método determinaram o surgimento e aperfeiçoamento de novos conceitos como os cons-tantes da atual versão da Doutrina da ESG.

O conceito de Estratégia pressupõe três elementos básicos: objetivos a se-rem atingidos; meios a serem empregados; e obstáculos a serem transpostos, su-perados ou vencidos.

No caso da Estratégia Nacional, estes três elementos são: Objetivos Nacio-nais, Poder Nacional e Óbices.

Na concepção da ESG, “óbices são obstáculos de toda ordem, existentes ou potenciais, materiais e imateriais, representando condições estruturais ou conjun-turais resultantes de fatos naturais ou sociais, ou da vontade humana, que dificul-tam ou impedem a conquista e manutenção dos Objetivos Nacionais”.

Em decorrência da ausência ou presença de intencionalidade, os óbices se caracterizam como Fatores Adversos e antagonismos, assim conceituados: “Fatores Adversos são óbices de toda ordem, internos ou externos, que, destituídos de senti-do contestatório, se interpõem aos esforços da comunidade nacional para conquis-tar e manter os Objetivos Nacionais”.

Quando os óbices representam atitude deliberada e vontade de barrar a ca-minhada nacional rumo aos seus Objetivos vitais, surgem os antagonismos, concei-tuados como “óbices internos e externos que, manifestando atitude deliberada e contestatória, se contrapõem à conquista e manutenção dos Objetivos Nacionais Permanentes”.

Em algumas situações se torna difícil a separação entre Fatores Adversos e an-tagonismos, dado o caráter subjetivo do fator intencionalidade que move as ações humanas. Neste caso, somente uma análise da realidade, a mais objetiva, precisa e coerente, torna possível identificar se um óbice pode ser classificado como fator

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adverso ou antagonismo. Situações existem em que se forma uma faixa de recobri-mento, tornando-se quase impossível essa distinção.

Os antagonismos possuem gradações em função do risco que representam à Nação e da capacidade que têm de produzir efeitos, seja pelo uso da força , seja pela ameaça. Em decorrência, surgem os conceitos de Pressões e Pressões Domi-nantes, assim entendidos pela ESG:

– “Pressões são antagonismos em que a vontade contestatória se manifesta com capacidade de se contrapor à conquista e manutenção dos Objetivos Nacionais Permanentes”;

– “Pressões Dominantes são antagonismos que, por sua importância e na-tureza, constituem ameaça ponderável à conquista e manutenção dos Objetivos Nacionais Permanentes”.

Esses conceitos são importantes e desempenham um papel relevante no sentido de orientar o emprego do Poder Nacional, condicionando, mesmo, a desti-nação dos meios em função dos objetivos a serem atingidos e dos óbices a serem superados.

Por exemplo, se da Avaliação da Conjuntura, como se verá posteriormente, quando da discussão sobre o Método, houver a indicação da existência de Pressão Dominante, conclui-se pela existência de um óbice de grau extremo que poderá exigir o emprego violento do Poder Nacional. Ora, esse emprego violento do Po-der Nacional significa a eclosão da guerra em um quadro conjuntural interno ou internacional. Diante de tal quadro, tanto o preparo quanto a aplicação do Poder Nacional devem ser realizados a partir de uma situação hipotética.

Surgem, assim, os conceitos de Hipótese de Guerra, que a ESG postula em sua Doutrina das seguintes maneiras: “Hipótese de Guerra constitui uma suposi-ção de eclosão de guerra em um quadro conjuntural nacional e internacional. É a denominação dada a um quadro que configura uma determinada conjuntura capaz de, por si só, levar a Nação ao emprego violento do Poder Nacional, com predomi-nância da Expressão Militar”. Ou, de maneira mais simplificada: “É a antevisão da possibilidade de ser necessário o emprego violento do Poder Nacional como último recurso para a superação de Pressões Dominantes”.

Em termos de preparo e aplicação do Poder Nacional, isto significa que a Avaliação da Conjuntura deve ser realizada da maneira mais objetiva e correta possível, a fim de evitar duas situações extremas, ambas altamente prejudiciais à comunidade nacional. De um lado, uma avaliação que indica incorretamente a existência de um universo antagônico em que se destacam as pressões dominan-tes, que, por sua vez, induzirá a Nação a preparar-se para uma guerra que jamais venha a ocorrer. Recursos e meios passam a ser mobilizados para fazer face a hipóteses de guerra pouco subsistentes, prejudicando outros campos, âmbitos, setores e áreas de ação do Poder Nacional. De outro lado, pode ocorrer também uma avaliação incorreta que não identifique universo antagônico e nem situações

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que se caracterizem como pressões dominantes. Tal falha também induz a um descuido no preparo e na aplicação do Poder Nacional, levando a Nação a ser surpreendida por situações que exijam, de fato, o emprego violento do Poder Nacional. Neste caso, também os danos à comunidade nacional são desastrosos, uma vez que a Nação pode defrontar-se com uma guerra para a qual não esteja devidamente preparada.

A solução é evitar tais extremos através de uma correta e adequada Avaliação da Conjuntura, a fim de que as instâncias decisórias possam exercitar-se da melhor forma possível nas artes da Política e da Estratégia Nacionais.

Feitas essas considerações sintéticas em torno dos óbices, pode-se, então, apresentar o conceito de Estratégia Nacional e os seus vários desdobramentos.

Antes, porém, cabe ressaltar que a ESG, ao longo de sua existência, vem pro-curando aperfeiçoar a sua elaboração conceitual, de forma a torná-la mais clara, coerente e objetiva. Todavia, isto não significa que os conceitos anteriores sejam incorretos. O sentido de aperfeiçoamento orienta-se fundamentalmente para a di-mensão da coerência interna e unidade conceitual.

O conceito atual de estratégia nacional guarda uma estreita relação com o de Política Nacional em que ambos se vinculam aos Objetivos Nacionais Permanentes. A atual versão do Manual Básico assim conceitua: “Estratégia Nacional é a arte de preparar e aplicar o Poder Nacional para, superando os óbices, conquistar e manter os objetivos nacionais permanentes, de acordo com a orientação estabelecida pela Política Nacional”.

Neste conceito cabe ressaltar alguns aspectos significativos para a sua cor-reta compreensão. Primeiro, Estratégia Nacional como arte, ou seja, com o sentido de concepção, fruto de ato criativo, e não apenas como a técnica de emprego dos meios. Segundo, a vinculação com os Objetivos Nacionais Permanentes em termos de sua conquista e manutenção. Terceiro, o seu caráter de superação dos óbices e não apenas antagonismos, dando-lhe um sentido amplo, envolvendo luta e es-forço continuado com vistas ao desenvolvimento e à segurança nacionais. Quarto, o sentido de emprego do Poder Nacional de acordo com a orientação da Política Nacional.

Neste sentido, a Estratégia Nacional instrumentaliza as decisões da Política Nacional. Por esta razão, os seus desdobramentos são similares aos da Política Na-cional, segundo os campos e âmbitos de ação do Poder Nacional, além da dimensão temporal das ações estratégicas.

Surgem, então, as Estratégias Nacionais de Desenvolvimento e de Segurança, abrangendo tanto âmbito interno do país quanto domínio das relações internacio-nais. No que concerne à dimensão temporal, as diferentes e sucessivas etapas indi-cam a estratégia governamental.

A Doutrina da ESG assim conceitua esses desdobramentos da Estratégia Na-cional:

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– “Estratégia Nacional de Desenvolvimento é a arte de preparar e aplicar o Poder Nacional para conquistar e manter os objetivos estabelecidos pela Política Nacional de Desenvolvimento, a despeito dos Fatores Adversos existentes, inclusive aqueles com potencialidade de gerar antagonismos”;

– “Estratégia Nacional de Segurança é a arte de preparar e aplicar o Poder Na-cional para, superando Antagonismos, Pressões e Pressões Dominantes, conquistar e manter os Objetivos Nacionais Permanentes, de acordo com a orientação estabe-lecida pela Política Nacional de Segurança”.

Percebe-se que a Estratégia Nacional de Desenvolvimento vincula-se aos objetivos estabelecidos pela Política Nacional de Desenvolvimento e aos Fatores Adversos, inclusive a faixa de recobrimento compreendida como parte do universo antagônico.

De outro lado, a Estratégia Nacional de Segurança vincula-se ao universo an-tagônico e aos Objetivos Nacionais Permanentes, além da orientação estabelecida pela Política Nacional de Segurança.

Tanto a Estratégia Nacional de Desenvolvimento quanto a Estratégia Nacional de Segurança devem ter, entre outras, as seguintes características: realismo, inte-gralidade, flexibilidade, unidade de direção, consenso da sociedade e valorização do homem.

A Estratégia Nacional em seus desdobramentos (Desenvolvimento e Segu-rança, Interna e Externa) é de fato implementada ao longo do tempo através de sucessivos períodos governamentais. Surge, então, o conceito de Estratégia Gover-namental como “a arte de preparar e aplicar o Poder Nacional para, superando os óbices, conquistar e manter os Objetivos Nacionais Atuais, de acordo com a orien-tação estabelecida pela Política Governamental”.

Nota-se que é da responsabilidade da Estratégia Governamental o preparo e a aplicação do Poder Nacional. No entanto, essa responsabilidade, à semelhança do que ocorre na política governamental, é outorgada ao governo pela sociedade, fonte última do Poder Nacional. É sempre bom enfatizar que em uma sociedade democrática, cuja essência é ser pluralista e aberta, Governo e Estado são instâncias de intermediação criadas pela própria sociedade, jamais podendo constituir-se em instrumentos de opressão.

Particularmente quanto à Estratégia Governamental, além dos desdobra-mentos relativos aos campos e âmbitos de ação do Poder Nacional, há que se men-cionarem as Estratégias Setoriais, Regionais e Específicas.

Finalmente, deve-se destacar o fato de que a estratégia se concretiza por meio das ações que empreende. Desse fato decorre que “Ações Estratégicas são as medidas, de natureza e intensidade variáveis, voltadas para o preparo e a aplicação do Poder Nacional”.

As Ações Estratégicas, de acordo com a natureza e destinação, podem ser ações correntes e ações de emergência.

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5 COnCLUSAO PARCIAL

Ao longo desta reflexão, procurou-se sintetizar os conceitos básicos so-bre os quais se assenta a Doutrina da ESG.

A racionalização da ação política de modo geral e da ação governa-mental em particular indica, de forma clara e precisa, que alguns elementos são essenciais a qualquer processo que se pretenda racional.

O primeiro desses elementos é a identificação e a fixação de objetivos, claramente concebidos e definidos, como forma de orientar toda e qualquer ação humana. Isto é fundamental tanto no plano individual quanto no nacio-nal. Surgem então os Objetivos Nacionais Permanentes e Atuais.

O segundo elemento é a existência de meios e a vontade de empre-gá-los de forma eficaz e correta com vistas a conquistar e manter aqueles objetivos. Surge, assim, o Poder Nacional, como instrumento a serviço da comunidade nacional orientado para os Objetivos Nacionais.

O terceiro elemento é a arte de governar, compatibilizar interesses e aspirações diferentes ou às vezes até conflitantes, vale dizer, ordenar os objetivos nacionais de acordo com a vontade nacional. implica perscrutar os horizontes nacionais e buscar os rumos que conduzam a Nação ao seu verdadeiro destino, tendo como senda a palmilhar os Objetivos Nacionais Permanentes e o Bem Comum. Este é o domínio da Política Nacional.

O quarto elemento é a arte de preparar e empregar os meios, geral-mente escassos em face das crescentes necessidades, interesses e aspirações nacionais. É o domínio da Estratégia Nacional, que também deve preocupar-se com as dificuldades e as barreiras a vencer, representadas pelos óbices que surgem na caminhada da comunidade nacional.

Assim, Objetivos Nacionais, Poder Nacional, Política Nacional e Estraté-gia Nacional formam um universo conceitual coerente e lógico, oferecendo suporte doutrinário à construção de um método como instrumento analítico e de intervenção na realidade.

Não se pode perder de vista a dimensão axiológica na qual se insere toda essa construção doutrinária.

Ao falar em Objetivos, Poder, Política e Estratégia, principalmente em sua dimensão nacional, o referencial constante é o homem, figura central de todas as preocupações de quem pretende elaborar uma doutrina. É bom enfatizar a concepção que se tem do homem, como ser situado, dotado de consciência, racionalidade e liberdade. Vale dizer, sujeito de seu próprio des-tino e jamais objeto em qualquer instância.

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PARtE II -MétODO PARA O PLAnEjAMEntO DA AçãO GOvERnAMEntAL

A ideia de racionalizar a ação política, particularmente a ação de gover-no, não pode ser considerada como algo recente no Brasil. Desde meados do século passado, uma série de tentativas vem ocorrendo no país.

Todavia, há que se destacar a evolução ocorrida com esse estorço de racionalização ao longo de mais de um século de vida política brasileira.

Nessa tentativa de sintetizar os principais momentos que marcam a evolução da ideia, do surgimento e implantação do planejamento como ins-trumento que propicia uma maior racionalidade e eficiência às ações de go-verno, necessário se torna situá-lo no contexto histórico-cultural do país.

Não tem sentido falar a respeito ou tratar de planejamento como um instrumento mágico, cujo poder, por si só, seja suficiente para mudar a rea-lidade, como algo desligado de um contexto onde as pessoas, os grupos, as classes, as diversas categorias, as instituições, enfim, os atores e os agentes de um processo macrossocial interagem e criam a própria realidade.

Discutir planejamento, principalmente quando se trata das ações de governo, exige, de quem se dedica a semelhante desafio, um exame pro-fundo da própria história nacional. Desse exame surgem as respostas para indagações, como as seguintes:

– Em sendo o planejamento um instrumento que conduz as ações humanas em geral e as de governo em particular para patamares superiores, por que tardou a surgir entre nós? Por que ocorreram e continuaram a ocor-rer tantas resistências à ideia e à prática do planejamento?

– Quais as razões que levam os agentes sociais a aceitarem a ideia de planejamento, a elaborarem planos e a continuarem gerindo, empiricamen-te, seus interesses e aspirações, tanto no plano individual quanto coletivo?

– Quais as razões que levam alguns governantes a aceitarem ou a re-jeitarem o planejamento como técnica para otimizar decisões e tornar mais eficiente a administração pública?

– Existe alguma relação entre planejamento e a evolução histórico-cultural de um povo?

Somente mediante uma análise sintética do processo histórico-cultu-ral brasileiro, a partir de meados do século passado, quando se destacam as experiências e tentativas de planejamento, os êxitos e fracassos ocorridos e suas razões, torna-se possível compreender as origens, a evolução e o está-gio atual da proposta da ESG, denominada de Método para o Planejamento da Ação Governamental, inserindo-a em um contexto de realidade.

Este, o desafio que ora se nos apresenta e que tentaremos levar a cabo, tendo a consciência das limitações e dos riscos inerentes a tal exercício.

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1 A MEtODOLOGIA DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

Por força de sua destinação legal, a ESG desde o seu início procurou lançar as bases que viessem a nortear os seus estudos voltados para a segurança.

A ideia de planejamento, de início, em pleno período da Guerra Fria, aparecia a muitos como algo associado a dirigismo estatal, a socialismo, a planificação da economia, enfim, algo que afrontava a liberdade individual.

Coube à ESG iniciar a desmistificação dessas falsas concepções e demonstrar que o planejamento em si é um instrumento “neutro”, que visa, em sua essência, à racionalização das ações humanas e, quando aplicado às atividades governamen-tais, possibilita otimizar decisões.

Assim, os estudos da ESG, inicialmente voltados para a segurança nacional e, posteriormente, estendendo-se para o desenvolvimento, sempre estiveram asso-ciados à ideia e à prática de planejamento como forma de tornar mais efetivas as ações de governo em ambos os campos do Poder Nacional.

Diferentes denominações e configurações gráficas foram apresentadas ao longo dos últimos trinta e cinco anos, como que a indicar a evolução conceitual e de abrangência em torno do assunto.

O ponto básico foi o Conceito Estratégico Nacional (CEN), considerado o nú-cleo inicial do planejamento da Escola e de sua própria doutrina.

Segundo o Desembargador Antonio de Arruda, ilustre membro da Junta Con-sultiva e pesquisador da evolução doutrinária da ESG, coube ao General Cordeiro de Farias explicitar, em sua conferência na Escola, o conteúdo e a articulação do CEN em relação ao planejamento da segurança nacional.

Além do Conceito Estratégico Nacional, a noção de planejamento permane-ceu explícita através das várias denominações dadas à proposta da ESG, entre 1951 e 1955, tais como: planejamento do fortalecimento do potencial nacional e plane-jamento de guerra.

Entre 1956 e 1959, surge a ideia de uma metodologia, tornando, assim, explí-cita a configuração do planejamento como método. Merecem destaque as denomi-nações utilizadas nesse período: Metodologia para a Formulação duma Política de Segurança Nacional e Planejamento do Potencial Nacional.

No decorrer do período que vai de 1960 a 1978, três foram as denominações utilizadas para indicar a proposta metodológica da ESG: Metodologia para a for-mulação e desenvolvimento de uma política de segurança nacional; metodologia para o estabelecimento da política nacional (especialmente em relação à política de segurança); e formulação da política nacional e planejamento de ação governa-mental.

Somente a partir de 1979, o termo método surge de forma explícita e tem evoluído da seguinte maneira: em 1979, Método de Ação Política; em 1986, Méto-do para o Planejamento da Ação Governamental.

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Além da denominação, também o conteúdo, as fases, as etapas e os estágios têm sofrido mudanças.

Por exemplo, o Conceito Estratégico Nacional, que de início se apresentava como o “carro-chefe” dos trabalhos e formulações na ESG, altera a sua posição em relação à fase política, onde se situava até 1981, em 1982 cede lugar à Concepção Política Nacional, passando à fase estratégica com a mesma denominação, sendo substituído, na proposta atual, respectivamente, pelas Concepções Política e Estra-tégica Governamentais, a primeira na fase política e a segunda na fase estratégica.

Outro exemplo, o Manual da ESG de 1976 indicava duas fases: a de Formula-ção Política e a de Planejamento Governamental. Situando-se na primeira, a Política Nacional, a Estratégia Nacional, a Estratégia Governamental e as Diretrizes de Pla-nejamento e, na segunda, os Exames Estratégicos (análise), a Decisão e os Planos (PNS, PND, PNI e PNM) e a Execução.

Já o Manual de 1977 destacava quatro momentos: Avaliação da Conjuntura, Conceito Estratégico Nacional, Diretriz de Planejamento e Exame Estratégico, se-guindo -se a Decisão Final, a Elaboração de Planos Nacionais (PNS, PND, PNI, PNM), elaboração de orçamentos, planejamento setorial e ação.

Em linhas gerais, esse ordenamento é mantido nos Manuais de 1979 e 1981, explicitando-se que a Diretriz de Planejamento significa DEG, Diretriz Estratégica Governamental.

Com a revisão de 1982 e o surgimento do Manual de 1983, altera-se, não apenas o ordenamento das partes, como também o conteúdo e as denominações.

As grandes “novidades” são as seguintes: – surgimento da Concepção Política Nacional (CPN) em substituição ao con-

teúdo do Conceito Estratégico Nacional (CEN); – deslocamento do CEN para a fase estratégica, dando maior consistência e

coerência conceitual, uma vez que sempre era difícil explicar algo denominado de estratégico, localizado em uma fase dita política.

– surgimento, na Etapa da Análise (Avaliação da Conjuntura), de uma apre-ciação da capacidade do Poder Nacional e, na Etapa da Síntese, de uma listagem preliminar de ONA.

A par dessas alterações, inúmeras dúvidas e críticas permaneciam, tais como:

– qual a razão de existir uma Concepção Política e um Conceito Estratégico? – como distinguir com profundidade a Apreciação do Poder Nacional realizada

na Análise, da Avaliação da Capacidade do PN, constante da Síntese? – qual a razão da existência de uma listagem preliminar de ONA na Síntese da

Avaliação, quando esta é uma etapa cujo nível é de assessoria, enquanto a instância decisória quanto à fixação ou estabelecimento dos ONA era a CPN?

– qual a razão da não existência da Diretriz Estratégica como marco orienta-dor para a elaboração de planos?

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Finalmente, a questão maior: se todas as preocupações metodológicas da ESG de fato giram em torno das ações de governo, por que não deixar isto clara-mente definido na própria denominação de sua proposta?

Foi em torno dessas e de várias outras dúvidas, críticas e sugestões que se processou a revisão de 1985, cujos resultados estão contidos no Manual Básico de 1986, a começar pela própria denominação: Método para o Planejamento Gover-namental.

2 A PROPOStA AtUAL

Coerente com suas características doutrinárias, a proposta atual da ESG, em termos de método, representa a culminância de um processo evolutivo, sujeito sempre a aperfeiçoamentos.

O arcabouço das ideias que presidem à elaboração metodológica não tem sofrido transformações radicais. Todavia, as mudanças, quase imperceptíveis, só passam a ter significado quando comparadas sob a ótica temporal. Assim, ao ser comparada a atual proposta do método ou mesmo a sua representação gráfica com a apresentada nos primeiros anos da Escola, certamente que ambas possuem al-guns aspectos em comum e também aspectos bastante diferentes.

Vejamos a proposta atual em suas grandes linhas. O foco inicial é o de que o método proposto pela ESG se aplica ou pode se

aplicar ao planejamento. Não é um método qualquer. Visa, de um lado, raciona-lizar o processo de tomada de decisões e, de outro, tornar mais eficiente certo tipo de ação política, no caso a ação governamental. Enquanto tal, a sua aplicação escuda-se em um conjunto de conceitos, normas, processos e valores, isto é, tem a orientá-lo uma doutrina. Em decorrência, o Método para o Planejamento da Ação Governamental não se constitui em um instrumento frio a ser manipulado por bu-rocratas e técnicos, cujas preocupações estejam alheias aos destinos da comunida-de nacional.

Da mesma forma, não se constitui em instrumento para atender aos desíg-nios de demagogos em sua senda de engodo e mistificação. Constitui, de fato, uma proposta que possibilita ao governo, como legítimo representante do povo, nortear as suas ações para o atendimento das necessidades, interesses e aspirações da Na-ção.

Nessa faina de nortear as ações de governo, pressupõe o método, coerente com a construção doutrinária que lhe embasa, dois grandes referenciais. O refe-rencial maior é o Bem Comum, no sentido de um tipo ideal, um modelo de or-dem social em que todos os seus integrantes tenham condições de atender às suas necessidades primárias e derivadas, realizar os seus desígnios de uma convivência harmônica, dando curso às suas potencialidades, isto é, realizar-se na dimensão da integralidade da condição humana. Assim, o farol maior, que deve orientar tanto as

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ações de governo quanto as de todos os integrantes da comunidade nacional, é o Bem Comum.

No entanto, para que tal propositura não venha a se inscrever no reino da utopia, em que pese o fato de que todas as utopias trazem em si uma dimensão de esperança, portanto um valor positivo, o Método para o Planejamento da Ação Governamental, proposto pela ESG, insere outros referenciais mais próximos à realidade social, que são os Objetivos Nacionais Permanentes, a indicar a destinação maior das ações de governo e do restante da sociedade.

Os ONP e sua caracterização, conforme já assinalado anteriormente, reves-tem-se de duplo significado. De um lado, orientam as ações, ou seja, colocam como referenciais a serem atingidos, na linha do horizonte temporal. De outro, colocam como uma pauta de valores a condicionar a própria caminhada da comunidade na-cional, parâmetros para as ações de governo de forma particular e, dentro de uma dimensão sinérgica e dialética, para todas as demais ações que ocorrem na socie-dade, de forma abrangente.

Aí reside o sentido do planejamento governamental como algo impositivo à condução da Coisa Pública, em decorrência da outorga que o povo faz ao governo para representar e defender os interesses e aspirações coletivos. Esta outorga pres-supõe que o povo, vale dizer, a sociedade, cobra dos governantes a gerência da Coi-sa Pública dentro do espírito de justiça, de honestidade, de eficiência e de eficácia.

Por essa razão, o governo deve gerir com dinamismo, eficiência e racionali-dade a parcela do Poder Nacional sob sua responsabilidade e, ao fazê-lo, não está prestando nenhum favor, nenhuma benemerência e muito menos magnanimidade, pois está, de fato, gerindo os meios e recursos que a Nação o constitui para fazê-lo da melhor forma possível. Este o verdadeiro sentido de governo como represen-tante da comunidade nacional. O contrário é que deveria causar espécie, ou seja, como outorgado, o governo deixar de representar condignamente a comunidade nacional ou pautar a gestão da Coisa Pública por parâmetros que não os anterior-mente referidos, frustrando as aspirações do povo ou voltando-se contra os inte-resses nacionais.

Assim, os referenciais básicos do Método para o Planejamento da Ação Go-vernamental são o Bem Comum e os Objetivos Nacionais Permanentes. A imagem que se forma é a de que o método, a par de ser um instrumento voltado para a bus-ca de maior racionalidade das ações de governo, vincula-se a uma dimensão ética a nortear a sua aplicação.

Após essas considerações gerais, torna-se possível uma explicitação da atual proposta metodológica da ESG.

Consentâneo com o embasamento teórico-doutrinário que lhe dá suporte, o Método para o Planejamento da Ação Governamental comporta duas fases: política e estratégica e diversas etapas, situadas em distintos níveis decisórios.

A fase política possui duas etapas: a Avaliação da Conjuntura, situada em

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nível de assessoria, e a Concepção Política Governamental (CPG), representando o mais alto nível decisório.

A Fase Estratégica inicia-se com a Concepção Estratégica Governamental (CEG) e a Diretriz Estratégica Governamental (DEG), ambas também situadas no mais alto nível decisório. A conjugação da CPG com a CEG e a DEG conformam o nú-cleo de decisões político-estratégicas do mais alto nível governamental, a indicar as opções, as orientações e as propostas que o governo apresenta como balizamento às suas próprias ações e indicativo para a comunidade nacional.

A ESG não imagina que as fases e as etapas do método proposto venham a se constituir em realidades estanques. De um lado, o que se ressalta é que estes são momentos distintos no implementar de qualquer ação. De outro, nada impede que as ações se processem de forma harmônica e integrada, uma vez que a responsabi-lidade decisória, no caso da CPG, CEG e DEG, se situa em um mesmo nível.

A aplicação do método pode ser visualizada a partir de duas situações. A pri-meira refere-se a um governo que está para se instalar. A segunda, a de um governo já instalado.

No primeiro caso, a de um governo prestes a se instalar, imagina-se que o emprego do método contribui para a formulação de sua proposta. No segundo caso, a de um governo cujas ações já estejam em curso, o emprego do método ser-ve para corrigir rumos e manter o governo sempre em sintonia com as aspirações nacionais.

Vejamos o conteúdo de cada fase e etapa do método, para o planejamento da ação governamental. A sua aplicação inicia-se na fase política com a etapa da Avaliação da Conjuntura, que se compõe de dois estágios: o da Análise e o da Sín-tese.

De acordo com a ESG, a “Avaliação da Conjuntura é o processo de conheci-mento da realidade do país, nos âmbitos interno e externo, consideradas as situa-ções atual e futura, com vistas ao emprego do Poder Nacional, para a conquista e manutenção dos Objetivos Nacionais”

Este é um trabalho de assessoria a ser desenvolvido por equipes do mais alto nível de competência, a fim de fornecer com presteza e objetividade um quadro geral da situação como suporte para as decisões de governo.

Deve partir de um exame do estágio de conquista e manutenção dos ONP e considerar os resultados de avaliações da conjuntura, levantamentos e exames estratégicos realizados anteriormente, a fim de evitar desperdício de recursos.

O primeiro estágio da Avaliação da Conjuntura consiste na Análise da Situa-ção Internacional, da Situação Nacional, da Política Governamental em curso e da Situação do Poder Nacional.

A Análise da Situação Internacional deve ser realizada segundo a ótica dos interesses nacionais, buscando conhecer a teia de relações internacionais e quais os aspectos que nos afetam de maneira positiva ou negativa. Para tanto, somente

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o conhecimento de fatos passados e presentes não é suficiente, necessária se tor-na a análise prospectiva, com vistas a compreender a evolução e as tendências do cenário internacional.

O método preconizado pela ESG enfatiza que a Análise da Situação Inter-nacional, à semelhança dos demais estágios da Avaliação da Conjuntura, deve se processar considerando-se todas as Expressões do Poder Nacional (Política, Econô-mica, Psicossocial e Militar).

Entre os fatos que merecem atenção, são destacados os seguintes: áreas de tensão e de cooperação existentes ou potenciais; Fatores Adversos, antagonismos, pressões e pressões dominantes; medidas previstas ou em execução; e acordos, tratados, alianças e outros instrumentos diplomáticos.

A ênfase quanto à importância da Análise da Situação Internacional é a ex-trema interdependência entre o que ocorre no cenário internacional e a dinâmica interna de cada país. Cada vez mais se estreitam os laços entre as políticas externa e interna, razão pela qual não se pode imaginar uma correta condução das ações governamentais em nível interno, ignorando-se o que acontece além das nossas fronteiras. Pode-se mesmo afirmar que, à medida que uma Nação cresce em sua estatura política e estratégica, mais importante se tornam os laços que a vinculam ao cenário internacional.

A Análise da Situação Nacional significa um exame exaustivo da realidade interna do país, tanto em termos de presente, quanto uma visão retrospectiva, com a finalidade de compreender as tendências de evolução.

Essa análise deve orientar-se com vistas a identificar os aspectos positivos e negativos e as causas prováveis dos fatos observados. Da mesma forma, deve buscar-se uma visão de conjunto, procurando evitar a setorialização ou regionaliza-ção dos enfoques.

Todavia, não se pode perder de vista que a análise da situação nacional deve cobrir todas as Expressões do Poder Nacional.

Quanto à Análise da Política Governamental em curso, esta deve cobrir as políticas consideradas básicas, de desenvolvimento e de segurança, as Políticas Se-toriais, Regionais e Específicas.

Segundo a ótica da ESG, nesse estudo, busca-se conhecer fundamentalmente o seguinte: objetivos visados e sua prioridade; estratégias propostas ou em execu-ção; planos, programas e projetos propostos e em curso; resultados obtidos; de-sempenho da administração; grau de confiança que a Nação deposita no governo; relacionamento entre os poderes constituídos e entre a União, os Estados e os Mu-nicípios.

Mediante essa análise, torna-se possível dar continuidade às ações de gover-no quanto aos acertos e corrigir rumos em relação ao que se mostra distanciado das aspirações nacionais.

Um governo que não se autoavalia corre um sério risco de distanciar-se dos

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objetivos nacionais, perdendo, mesmo, a sua própria legitimidade. Por essas ra-zões, a Análise da Situação Nacional e da Política Governamental em curso deve ser realizada de maneira correta e eficiente, escoimando-a de qualquer viés de nature-za ideológica, político-partidária, regional ou setorial.

Decisões tomadas com base em análises incorretas podem conduzir não ape-nas o governo, mas também a comunidade nacional para verdadeiros desastres. Inúmeros são os exemplos que a história nos oferece nesse sentido.

Concluída a Análise da Situação Internacional, da Situação Nacional e da Política Governamental em curso, torna-se possível realizar um exame quanto à Situação do Poder Nacional.

Este é o momento de identificar as possibilidades e limitações do Poder Na-cional, suas causas mais prováveis, as medidas em execução ou previstas para o seu fortalecimento. Segundo a proposta da ESG, “é imprescindível que, ao final da Análise, sejam aferidos ou mensurados os níveis de conquista e manutenção dos ONP”. Tal fato significa que os ONP devem estar continuamente como referenciais quando da Aplicação do Método.

O segundo estágio da Avaliação da Conjuntura é representado pela Síntese, que compreende: Determinação das Necessidades Básicas; Levantamento dos Óbi-ces; e Avaliação da Capacidade do Poder Nacional.

Quando se apresenta a questão da mensuração dos níveis de conquista e manutenção dos ONP, o que de fato está sendo realizado é a determinação das necessidades básicas, porquanto estas representam “as carências que devem ser atendidas para que se concretize a conquista e manutenção dos Objetivos Nacio-nais Permanentes”.

O método preconizado pela ESG sugere que essas Necessidades Básicas se-jam ordenadas em hierarquia de prioridade.

Ainda nesse estágio, ao examinar cada necessidade básica levantada, deve-se identificar os óbices atuais e potenciais.

Assim, no levantamento dos óbices, deve-se classificá-los segundo a sua na-tureza: Fatores Adversos, Antagonismos e, entre estes, Pressões e Pressões Domi-nantes.

Procedidos a Determinação das Necessidades Básicas e o Levantamento dos óbices, o estágio da Síntese deve ser concluído pela Avaliação da Capacidade do Poder Nacional. Essa avaliação deve levar em consideração a natureza dos óbices e os objetivos nacionais, além dos próprios meios que integram o Poder Nacional, concluindo-se por um juízo de valor.

Encerrada a Avaliação da Conjuntura, trabalho de natureza essencialmente técnica em nível de assessoria, o governo está em condição de tomar as suas deci-sões, tanto de natureza política quanto estratégica.

Ainda na fase política surge a Concepção Política Governamental (CPG), em que são estabelecidas as opções e as orientações do mais alto nível decisório. Essa

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concepção está sujeita a uma série de condicionantes que limitam e moldam as de-cisões de governo. Entre esses se destacam os Pressupostos Básicos e as Hipóteses de Guerra.

Quanto aos Pressupostos Básicos, classificam-se em duas categorias: os de natureza ética e os de natureza pragmática. Os primeiros representam condicio-nantes que derivam da própria evolução histórico-cultural da comunidade nacional, são os valores, as tradições e os costumes, que nenhum governo tem o direito de afrontar, sob pena de nortear suas ações contrariamente aos ditames da vontade nacional. Além desses, devem ser levados em conta aqueles que emergem da ética e da moral, representando condicionantes universais, cujo desrespeito repugna a consciência humana.

Esses pressupostos podem ou não estar inseridos em textos legais ou outros documentos, mas, independente disso, mantêm-se na consciência do próprio povo. Em sendo o governo legítimo representante da comunidade nacional, não há por que frustrar as aspirações de quem se afirma representar.

Em relação aos pressupostos de natureza pragmática, pode-se afirmar que representam os compromissos assumidos pelo próprio governo quando da postu-lação junto à comunidade, seja nas campanhas políticas ou nos programas partidá-rios.

Em um regime democrático, imagina-se que as propostas apresentadas pelos partidos políticos e pelos candidatos sejam, de fato, compromissos solenes assumi-dos junto à comunidade e representem uma pauta de propósitos a serem realiza-dos ao receberem a adesão popular e assumirem as funções de governo. Se tal não ocorrer, o cenário político se transforma em um imenso palco, onde a comédia e a tragicomédia, a demagogia e o simulacro tomam lugar da seriedade.

Além desses, outros compromissos já assumidos pelo governo em curso, seja no âmbito interno, seja no âmbito externo, se assumidos em nome da Nação e con-soante seus legítimos interesses, devem ser cumpridos e representam, também, condicionantes considerados pressupostos pragmáticos.

Quanto às Hipóteses de Guerra, elas surgem em função da Avaliação da Con-juntura, no estágio da Síntese. Se, ao serem levantados os óbices forem identifica-das Pressões Dominantes, ou seja, um óbice de grau extremo, que exige o emprego violento do Poder Nacional, seu preparo e emprego, deve ser orientado pelo que se denomina de Hipóteses de Guerra.

Assim, a par de sua natureza de condicionante da decisão política, as Hipó-teses de Guerra também desempenham uma função norteadora para o preparo e aplicação do Poder Nacional.

Em função da Avaliação da Conjuntura, pode surgir a necessidade de serem formuladas Hipóteses de Guerra. Nesse caso, estas devem ser objetivas, realistas e conter um grau de detalhamento compatível com as exigências de preparo e em-prego do Poder Nacional.

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Pela gravidade que representa a situação, a formulação de Hipóteses de Guerra deve levar em consideração os seguintes aspectos: definição; variantes; pra-zos; probabilidade de ocorrência; áreas envolvidas; possibilidades do inimigo; grau de ameaça; e prioridade.

Pela sua natureza e pelas repercussões que podem acarretar à Nação, as Hi-póteses de Guerra devem ser formuladas com seriedade, a fim de evitar duas situ-ações extremas. A primeira é a sua formulação como decorrência de uma avaliação incorreta da conjuntura em que tenham sido erroneamente identificadas pressões dominantes. Tal fato acarretará sérios prejuízos à comunidade nacional, porquanto recursos e meios passam a ser mobilizados visando preparar a Nação para uma guerra que talvez jamais venha a ocorrer. A segunda é quando também, na Avalia-ção da Conjuntura, não são identificadas pressões dominantes. Caso elas existam, estejam manifestas ou latentes, a Nação poderá ser colhida de surpresa por uma guerra para a qual não estava preparada. Certamente que o desastre será grande, correndo-se o risco da perda da soberania e da identidade nacionais.

Exatamente na confluência entre esses dois extremos se situa a decisão po-lítica, em nível de CPG, como a arte do estadista, sabendo ponderar todas as vari-áveis e tomar as decisões acertadas que atendam aos interesses e às aspirações nacionais.

Considerados os Pressupostos Básicos e as Hipóteses de Guerra como filtros e calcada na Avaliação da Conjuntura, principalmente na Síntese, a instância go-vernamental do mais alto nível está em condições de indicar à Nação quais são os rumos propostos em termos de desenvolvimento e de segurança nacionais.

A CPG culmina com o estabelecimento dos Objetivos Nacionais Atuais, que, de forma articulada, conformam as diferentes políticas de governo nos campos do desenvolvimento e da segurança; nos âmbitos interno e externo; nos diferentes setores e regiões em que atua o governo.

Elaborada a Concepção Política Governamental, ainda no mesmo nível deci-sório, inicia-se a fase estratégica do Método, relativa ao preparo e ao emprego do Poder Nacional, representada pelos estágios da Concepção Estratégica e da Diretriz Estratégica Governamentais.

Enquanto na CPG são estabelecidos os ONA e formuladas as políticas gover-namentais, a CEG constitui-se na grande opção estratégica do governo quanto ao preparo e aplicação do Poder Nacional com vistas à conquista e manutenção da-queles objetivos.

A formulação da CEG deve atender às dimensões consideradas na CPG, isto é, vincular-se aos campos de ação do Poder Nacional (desenvolvimento e seguran-ça), levar em consideração os âmbitos interno e externo e os diferentes setores e regiões.

Da mesma forma, devem ser considerados e estabelecidos claramente: as estratégias; as prioridades; os prazos; os recursos; e as atribuições de encargos.

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Concluído o estágio de formulação da CEG, cabe ao governo, ainda no mesmo nível decisório, proceder ao detalhamento, indicando aos níveis hierarquicamente inferiores e ao restante da comunidade nacional os rumos a seguir.

A rigor, a Diretriz Estratégica Governamental (DEG) representa um conjunto de diretrizes coerentes e harmônicas, atribuindo, assim, um sentido de globalidade, unidade e integralidade às ações governamentais.

O primeiro detalhamento deve contemplar os campos do desenvolvimento e da segurança, abrangendo os âmbitos interno e externo. Segue-se, então, o deta-lhamento setorial, regional e específico e, quando for o caso, as diferentes Expres-sões do Poder Nacional.

A DEG deve conter os elementos necessários à elaboração dos diferentes pla-nos de governo, objeto de consideração do estágio seguinte da fase estratégica.

A elaboração de planos representa a operacionalização das decisões políticas e estratégicas consubstanciadas na CPG - CEG e DEG. É o detalhamento maior que norteia o desencadear das ações de governo.

O método proposto pela ESG sugere dois planos básicos, macroabrangentes e articulados entre si: Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) e Plano Nacional de Segurança (PNS). Os outros planos derivam desses, mantendo-se, também, as articulações como forma de atingir a coerência e a unidade necessárias às ações governamentais.

Pela natureza e importância para o desenvolvimento e para a segurança, me-recem destaques: Plano Nacional de Informações (PNI); Plano Nacional de Mobili-zação (PNMob); Plano Nacional de Defesa Interna (PNDI); Plano Nacional de Defe-sa Externa (PNDE); Planos Nacionais de Guerra (PNG) ou planos de guerra, tantos quantos sejam as Hipóteses de Guerra; Planos Setoriais, Regionais e Específicos, estes relativos, mais diretamente, ao campo do desenvolvimento, mas com reper-cussão no campo da segurança.

Os dois últimos estágios da fase estratégica compreendem a execução dos planos, vale dizer, o desencadeamento das ações de governo, propriamente dito, e o controle e acompanhamento dessas ações.

A aplicação do Método está efetivamente orientada para as ações de gover-no, como forma de atingir e manter os ONA, estabelecidos na CPG, como etapa intermediária em relação aos ONP.

Em se tratando de algo vinculado à realidade, não deve ser concebido herme-ticamente, deve contemplar mecanismos de realimentação do processo. Essa reali-mentação é realizada através dos Exames Estratégicos e pelo papel desempenhado pelas informações.

Desde a identificação dos ONP, passando pela Avaliação da Conjuntura, Con-cepções Política e Estratégica Governamentais, Diretriz Estratégica Governamental, atingindo a Elaboração de Planos, a execução e o controle, as informações reves-tem-se do mais alto significado.

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Não se pode imaginar que o governo venha a tomar decisões que envolvam os interesses nacionais sem o pleno conhecimento da realidade, sob pena de levar a Nação ao caos.

Não se pode imaginar que a mais alta instância decisória governamental indique opções e rumos que envolvam os destinos nacionais desconhecendo os fatos políticos, econômicos, psicossociais e militares nos âmbitos interno e exter-no.

Não se pode imaginar a elaboração de planos desligados de uma base de realidade, sob pena de permanecer em nível da intencionalidade, jamais tendo um compromisso com a ação.

Não se pode imaginar o acompanhamento e o controle do curso das ações de governo que não tenha por base as informações.

Assim, as informações integram o Método para o Planejamento da Ação Go-vernamental como instância de racionalidade no processo de planejamento.

3 COnCLUSãO

O Método para o Planejamento da Ação Governamental preconizado pela ESG, conforme a versão do Manual Básico-1986, representa um processo evolutivo de aperfeiçoamento ocorrido ao longo de mais de três décadas.

As denominações, as fases, as etapas, os estágios e as representações gráfi-cas não são as mesmas. Muita coisa tem mudado. Basta confrontar as propostas do início da década de 1950 com a atual.

Todavia, as mudanças têm-se orientado no sentido de uma busca constante de maior precisão conceitual, maior unidade e coerência teórico-doutrinária e maior aplicabilidade. Nesse sentido, mantém-se em constante confronto com a realidade, seja com vistas à sua melhor compreensão, seja com a finalidade de transformá-la.

A ESG, ao formular uma doutrina e um método, não tem a pretensão de impor um modelo, nem a veleidade de imaginar-se como instância de tutela do governo e da sociedade brasileira.

As suas formulações, a par das dimensões escolares, são postas, à semelhan-ça de tantas outras, à consideração da inteligência brasileira, principalmente aos homens de governo, cuja responsabilidade para com os destinos nacionais torna-se, a cada dia, mais incompatível com as improvisações e as descontinuidades nas ações governamentais.

Acredita-se, pois, que a formulação de um método que venha a racionalizar as ações de governo, tendo o planejamento participativo como o seu instrumento maior, inscreve-se como dever de todos quantos se preocupam com os destinos nacionais.

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REFERênCIAS

ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (Brasil). Manual básico. Rio de Janeiro: ESG, 1986.

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COnSIDERAçõES PROPEDêUtICAS SOBRE A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA*

Jorge Calvario dos Santos **

A Escola Superior de Guerra tem uma grande missão a cumprir, e, cumprindo-a, facilitará a tarefa do governo. Essa missão é a de formular, pela conjunta aplicação do talento civil e militar, uma doutrina permanente e coerente de Segurança Nacional e a de combater os vários ‘pseudos’ irracionais e ineficazes – o pseudo-nacionalismo, o pseudo-desenvolvimento, o pseudo-humanismo, a solução pseudo-criadora.

Castelo Branco

RESUMOA Escola Superior de Guerra comemora, em 2014, 65 anos de vida, de um longo tempo de contribuições à sociedade e ao país, herdeira de uma tradição como raras instituições nacionais. Este artigo pretende mostrar um pouco da sua história, bem como a de seu Centro de Estudos Estratégicos (CEE) e suas atividades. Por estar defasada, em termos acadêmicos, do momento histórico atual, são propostas algu-mas sugestões, visando contribuir para que seja atualizada tanto pedagogicamente como em gestão acadêmica, sem abandonar sua tradição.Palavras-chave: Escola Superior de Guerra. Centro de Estudos Estratégicos. Conhe-cimento.

ABStRACt

PROPEDEUTIC CONSIDERATIONS ABOUT THE SUPERIOR WAR COLLEGE

The Superior War College1 celebrates in 2014 its 65th anniversary, a long time of contributions to society and to the country, heir to a tradition which is rare amongst national institutions. This article intends to show a little of the history of ESG as well

* Este artigo é uma homenagem a Amerino Raposo Filho, veterano da Segunda Guerra Mundial, um dos mais antigos e destacados membros do Corpo Permanente da ESG e renomado pensador e conhecedor de Estratégia e de História Militar, além de autor de vários livros importantes, com quem muito aprendi e por quem tenho elevada consideração e respeito.

** Coronel aviador R/1 da Aeronáutica, Doutor em Ciências de Engenharia pela COPPE/UFRJ, assessor do Centro de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra e Professor do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense (UFF). Contato: <[email protected]>.

1 Known by the acronym ESG in Brazil.

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as its Center for Strategic Studies2 and activities. Because it is lagging academically behind the current historical moment, some suggestions are proposed, aiming to contribute to update pedagogically as well as its academic management, without leaving its tradition behind.Keywords: Superior War College. Center for Strategic Studies. Knowledge.

RESUMEn

CONSIDERACIONES PROPEDÉUTICAS SOBRE LA ESCUELA SUPERIOR DE GUERRA

La Escuela Superior de Guerra celebra, en 2014, sus 65 años, de un largo tiempo de contribuciones a la sociedad y al país, heredera de una tradición como pocas instituciones nacionales. Este artículo pretende mostrar un poco de su historia, así como a de su Centro de Estudios Estratégicos (CEE) y sus actividades. Como está desactualizada, desde el punto de vista académico, en el momento histórico actual, se proponen algunas sugerencias con el objetivo de contribuir para que la actualice tanto pedagógicamente como en gestión académica, sin abandonar su tradición.

Palabras clave: Escuela Superior de Guerra. Centro de Estudios Estratégicos. Cono-cimiento.

1 COnSIDERAçõES PREAMBULARES

Desde que teve consciência de si, e consciência de que tem consciência, o homem adquiriu a capacidade de pensar e agir estrategicamente. Isso porque pas-sou a pensar sobre o outro, e esta é a base do pensar estrategicamente. Para pensar estrategicamente é necessário adotar o conceito de Estratégia que, por assim o en-tender, proponho: estratégia integral é a articulação de meios com relação aos fins, considerando os outros, de toda ordem, para superar a determinação, as certezas e as incertezas dos oponentes; alcançar objetivos pretendidos, cujas consequências predominem no tempo.

A partir daí, verificamos que os processos com os quais o homem tem se envolvido apresentam dimensões mais complexas. Algumas questões passam a ser identificadas. Quem conduz o processo histórico? É o processo histórico uma dialé-tica de classes, como afirmou Marx? É, segundo Toynbee, uma sucessão de desafios seguidos de respostas? É o processo histórico uma dialética de culturas3?4(COELHO DE SAMPAIO, 2000).

2 Known by the acronym CEE in Brazil.3 Cultura entendida como o modo de ser, de ver o mundo, de se fazer presente no mundo, que é

responsável pela unidade e identidade da Nação.4 Sampaio não menciona nas referências as obras de Marx e Toynbee; daí elas não terem sido aqui

especificadas, como ensina a ABNT.

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Ao iniciar-se o século XIX, essas questões haviam transmudado em uma dua-lidade mais elaborada, que opunha a ordem racional à lei natural. A ordem racional resultava da lógica dos predicados de Aristóteles, a qual fora retomada por iniciativa de Abelardo, ainda na Idade Média, para ser desenvolvida a partir dos séculos XVII e XVIII, inicialmente pelos pensadores franceses, em especial, Descartes. O problema estava em como apresentar à natureza, por meio da matemática, uma descrição intelectualmente satisfatória.

Grotius (apud DOWS, 1969) mostra em sua obra a convicção de que o mundo se divide em estados separados e independentes, cada qual absoluto dentro de seus limites territoriais, e todos iguais, pelo menos teoricamente. Apresenta, como problema básico, regulamentar as relações entre as nações independentes. Julgava que a única solução possível era a aplicação da antiga doutrina da lei natural ou lei da natureza. Uma sociedade de nações, assim como as sociedades locais, deve re-conhecer as eternas regras morais da lei da natureza vigentes em tempos de paz e de guerra. Ao contrário da lei dos homens, a lei da natureza é inalterável.

O relacionamento entre os Estados nacionais e entre culturas se processa segundo uma ou mais das cinco modalidades de interação social (SANTOS, 2000): Cooperação – quando dois ou mais homens se unem em busca do mesmo objetivo; Competição – quando dois ou mais homens buscam o mesmo objetivo, preservan-do nessa busca algumas regras acordadas; Conflito – quando dois ou mais homens buscam o mesmo objetivo, não se prendendo a nenhuma regra previamente acor-dada; Acomodação – ocorre, normalmente, após o encerramento do conflito, por coerção, tolerância ou exaustão de um ou mais homens; Assimilação – quando na interação os envolvidos adquirem formas exteriores de comportamento, de ma-neira de pensar, agir e mesmo sentir, e os conteúdos culturais migram para o outro envolvido. Assim, o relacionamento entre os indivíduos pelas cinco modalidades de interação acima expostas foi mediado pelo que veio a se denominar Estratégia. Por isso, as ações estratégicas são desenvolvidas por meio de formas de relacionamen-to entre os Estados e os homens.

A Escola Superior de Guerra (ESG), por ser uma instituição que preconiza es-tudar o Brasil, precisa estudar o cenário internacional e as relações entre Estados. Com base nessa concepção, este texto tem como objetivo apresentar uma visão pessoal sobre a Escola Superior de Guerra e seu Centro de Estudos Estratégicos (CEE), no contexto em que desenvolve seus estudos, suas pesquisas e o seu âmbito de atuação. Mesmo sendo a Escola Superior de Guerra propriamente um Centro de Estudos Estratégicos, como relacionada no World Survey of Strategic Studies Cen-ters, editado por The International Institute for Strategic Sudies, desenvolve suas atividades por intermédio de suas Divisões de Estudos e do Centro de Estudos Es-tratégicos.

Ao falar da Escola Superior de Guerra surgem algumas questões. O que nos

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motiva a procurá-la? O que nos une? O que temos em comum? Certamente, temos um profundo sentimento de amor, de dedicação e de compromisso com o nosso Brasil.

2 A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

Valendo-se dessas considerações e seguindo essa linha de pensamento, ini-cio tratando da existência da “Escola Superior de Guerra” com a configuração com que foi criada. A Escola Superior de Guerra completará, em 20 de agosto de 2014, sessenta e cinco anos de existência, e é mais bem conhecida pela camada social de maior nível de escolaridade e pelos vários países com os quais o Brasil mantém relações.

As razões pelas quais foi criada permanecem válidas, talvez mais atuais e adequadas para os dias de hoje do que propriamente para aquela época. Uma vez que, embora o quadro conjuntural internacional atual seja diverso do encontrado no pós-guerra, as novas modalidades de conflito procuram, tal como antigamente, o controle progressivo da Nação pela destruição sistemática dos seus valores, das suas instituições, do seu moral. As atividades levadas a efeito nesta Escola buscam oferecer às elites brasileiras os instrumentos hábeis para o entendimento dessa questão, tornando-as aptas a superar os óbices existentes no relacionamento en-tre as nações que procuram impedir o Brasil de alcançar seus Objetivos Nacionais Permanentes.

A respeito das atividades desenvolvidas na ESG, assim expressou-se o então Contra-Almirante Benjamin Sodré, cuja visão da ESG seguia os princípios funda-mentais da proposta de Humboldt (CASPER; HUMBOLDT, 1997, p. 20): “a unidade entre pesquisa e ensino; a autonomia da ciência; a interdisciplinaridade; a autono-mia administrativa, à luz das circunstâncias que definem nosso fim de século, isto é, de fim de milênio”.

Em conferência no ano de 1952, intitulada A educação e a segurança nacio-nal, frisou que “a segurança nacional não repousa somente nas forças militares, mas em todos os fatores econômicos, ideológicos, demográficos, geográficos, polí-ticos que a refletem na vida nacional, fortalecendo-a ou enfraquecendo-a.” (apud ARRUDA, 1983, p. 3). Tal enfoque enfatiza que, já no passado, havia o entendimento de que a Escola não era destinada aos estudos de defesa militar, mas, sim, uma ins-tituição de pensamento sobre o Brasil.

Com relação ao nome sugerido – Escola Superior de Guerra – ocorreram de-bates com o objetivo de substituí-lo por aquele que melhor se adequasse às suas atividades; entretanto, por falta de consenso, o nome foi ratificado.

O General Augusto Fragoso (apud ARRUDA, 1983, p. xxxvii) comentou sobre a não adequabilidade do nome outorgado à ESG, bem como sobre propostas para modificá-lo. O Almirante Ernesto Araújo declarou que a ESG “não é uma

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escola no sentido usual que se confere ao vocábulo, nem o objeto primordial de seus estudos é a guerra”; O Brigadeiro Ajalmar Mascarenhas frisou que “a ESG é mais de preservação da paz que um instituto de preparação para a guerra”. Em sua opinião, o nome poderia ser “Instituto de Altos Estudos para a Segurança Nacional”; o General Lira Tavares opinou por “Instituto Brasileiro de Estudos da Segurança Nacional”; o General Fragoso, em discurso de 1967, sugeriu “Instituto de Altos Estudos”, tal como a lei que o criou; o Presidente Costa e Silva entendia que poderia ser denominada “Instituto de Estudos Superiores da Política Nacional”; e, Gilberto Freire aventou “Escola de Estudos Superiores Brasileiros”.

A esse respeito, o então Comandante da ESG, Almirante Ernesto Araújo assim declarou:

Há, porém, nesse juízo, uma distorção que deve ser retificada e um exagero que é necessário desfazer para que não se consolide a mística de que a Escola é um órgão governamental com a finalidade e a capa-cidade de decidir, com acerto, sobre todos os problemas políticos, eco-nômicos, sociais e militares dos quais depende a Segurança Nacional. (FRAGOSO, 1971, p. 9).

As origens da ESG remontam à criação de um curso de Alto Comando, pela Lei do Ensino Militar, de 1942, o qual se destinava a oficiais generais e coronéis. Dois são os atos governamentais do Governo Dutra para a criação da ESG: um decreto executivo e uma lei decretada pelo Congresso. O primeiro ato oficial mencionando a ESG é o decreto 22.705, de 22 de outubro de 1948 (FRAGOSO, 1971), que determinou ao então Estado-Maior Geral que a organizasse. Essa instituição teria a função de ministrar aos oficiais das Forças Armadas o curso de Alto Comando, amparada pela Lei do Ensino Militar, de 1942. O curso foi ampliado ainda em sua fase de organização, a fim de se tornar a ESG atual (FRAGOSO, 1971). Arruda (1983, p. xxi) nos lembra que o curso ficou em espera até que foi organizada a Escola Superior de Guerra, que deveria ministrá-lo, agora com a participação de oficiais das três Forças Armadas. A esse respeito, o Presidente Médici afirmou ser “instrumento dos mais efetivos da integração das Forças Armadas e de identificação entre civis e militares.” (FRAGOSO, 1971). Meses depois de expedido o decreto de criação desta escola, o EMFA iniciou um processo para a efetivação da medida, ao nomear uma comissão presidida pelo General Cordeiro de Farias, com a intenção de elaborar o anteprojeto do Regulamento da Escola.

A ESG foi criada pela lei de nº 785, de 20 de agosto de 1949, pelo então Presi-dente Eurico Gaspar Dutra. Desde então, formou aproximadamente 8 000 cidadãos em seus cursos. Em 7 de dezembro de 1951, os formados pela ESG criaram a Asso-ciação dos Diplomados pela Escola Superior de Guerra (ADESG). Trata-se de uma sociedade civil, sem fins lucrativos, de duração ilimitada, considerada de utilidade

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pública, pelo Decreto nº 36.359, de 21 de outubro de 1954 (BRASIL, 1954). Dispõe de delegacias em todas as capitais, bem como representações em inúmeras cidades do país.

Sessenta e cinco anos formam uma tradição. “ESG” já é um ícone, um sím-bolo. Seu nome tornou-se uma expressão mítica, no que se refere ao trato dos assuntos de interesse nacional e do pensamento político, geopolítico e estratégico. O simbolismo mítico leva a uma objetivação de sentimentos. É uma objetivação da experiência humana. Assim, a expressão é referenciada em função do mito, tal é o aspecto objetivo, e sua função objetiva definida e constituída ao longo do tempo. No seio da sociedade, assim como os indivíduos, as instituições são reconhecidas pela assinatura que lhes confere identidade, personalidade e representatividade. É necessário conciliar a rica herança cultural do passado com os valores da sociedade contemporânea, para evitar uma crise de identidade. É fundamental conscientizar-se de que as tradições, entre as quais se inclui o nome Escola Superior de Guerra, devem encarnar-se nas novas criações firmemente dirigidas ao futuro.

A ESG é uma instituição elaborada para adequar os rumos do Brasil em dire-ção ao seu lugar de direito no seio das nações; fez e faz parte da história do Brasil. Esse fato é profundamente relevante porque, graças à sua tradição e à sua atuação no cenário político e estratégico nacional, tornou-se conhecida e emblemática. Por suas atividades, por sua expressiva e ativa participação no cenário político-estraté-gico nacional, também é reconhecida como depositária fiel do sentimento patrió-tico da Nação brasileira. Quando se fala em Brasil, a camada social de maior esco-laridade referencia automaticamente a ESG, seus estudos sobre poder, geopolítica, segurança, desenvolvimento, entre outros.

Em seu livro Problemas de governo, Pandiá Calógeras (1936, p. 238) defendia a tese de que a Nação necessitava de uma instituição destinada a estudar as grandes questões nacionais. Em suas palavras “enquanto se não vulgarizarem conhecimen-tos militares nos homens públicos capazes de serem membros dos gabinetes, tal penúria de competências civis será uma fraqueza para nós.” Assim se manifestou:

A orientação de nossa política quanto às forças de terra e mar decorre de todos esses antecedentes históricos, e da lição dos fatos. Integrar a Nação com a incorporação das classes arma-das. Unir intimamente civis e militares; intimidade não imposta; nascida, ao contrário, da convicção profunda de que a pátria não pode viver, nem garantir seu surto pacífico e progressista sem assegurar os meios de manter a paz. Si vis pacem, para pa-cem, no domínio internacional; mas, possuindo os elementos para tornar respeitável nossa ânsia apaixonada pela concórdia, que se não possa nunca acoimar de fraqueza, e tendo sempre recursos para que seja ouvida e exerça plena eficiência nossa palavra de cordura. (CALÓGERAS, 1936, p. 238- 239).

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Em dezembro de 1948, o General Oswaldo Cordeiro de Farias foi colocado à disposição do Estado-Maior das Forças Armadas para elaborar o anteprojeto do regulamento da ESG. Da sua equipe faziam parte o Coronel Sady Folch, o Coro-nel aviador Ismar Penha Brasil, o Tenente Coronel Affonso Henrique de Miranda Correa, o Capitão de Fragata Celso A. de Macedo Soares Guimarães e o Tenente Coronel Idálio Sardemberg (ARRUDA, 1983, p. xxi).

Em 4 de abril de 1949, o então Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, General Salvador César Obino, na exposição de motivos n. 13-C (BRASIL, 1949), ao Presidente da República, argumentava sobre a necessidade de se criar um Instituto Nacional de Altos Estudos, destinado a desenvolver e consolidar conhecimentos relativos ao exercício de funções de direção ou planejamento de segurança nacio-nal, que funcionasse como um centro permanente de pesquisas e admitisse civis e militares.

Em 1949, o General César Obino foi aos Estados Unidos. Em visita ao Na-tional War College, comentou que o Brasil estava elaborando uma instituição que se assemelhava àquela em alguns aspectos. Os estadunidenses ofereceram uma missão militar, composta de três oficiais, sendo um de cada Força, para acompa-nhar a instalação da instituição brasileira: a Escola Superior de Guerra. Daquela missão participavam o Coronel William J. Werbeck, o Coronel aviador Alvord Van Patten Anderson Jr. e o Comandante Lowe H. Bibby (ARRUDA, 1983, p. xxii). Em 20 de agosto de 1948, o Congresso Nacional decretou a criação da Escola Superior de Guerra.

À procura de um modelo preliminar para a ESG, seus fundadores não se esqueceram de estudar a Escola criada na França, em 1936, por proposta do conhecido Almirante Castex. A ESG estava sendo elaborada com a missão prio-ritária de formar elites para a solução dos problemas nacionais. Houve discus-sões e desaconselhou-se que se copiasse o modelo do National War College. Esse modelo serviria como inspiração, mas, não o único nem o principal. Das discussões surgiu um documento de autoria do Tenente Coronel Idálio Sardem-berg, com o título “Princípios Fundamentais da Escola Superior de Guerra”. São sete esses princípios5, até então inéditos no país, que exerceram fundamental influência na gênese e na evolução da ESG, formando as bases para o exercício de suas atividades e sendo, ainda, bem atuais em tempos hodiernos. São eles (ARRUDA, 1983, p. xxii):

A Segurança Nacional é uma função mais do potencial geral da Na-ção do que seu potencial militar. 2. O Brasil possui os requisitos bá-sicos (área, população, recursos) indispensáveis para se tornar uma

5 Documento redigido pela Comissão designada pelo EMFA, em janeiro de 1949, para elaborar o anteprojeto de Regulamento da Escola. Presidia a Comissão o então gen. div. O. Cordeiro de Farias. O relator foi o então Tenente Coronel Idálio Sardemberg. (FRAGOSO, 1971).

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grande potência. 3. O desenvolvimento do Brasil tem sido retarda-do por motivos suscetíveis de remoção. 4. Como todo trabalho, a obtenção dessa aceleração exige a utilização de uma energia motriz e de um processo de aplicação dessa energia. 5. O impedimento até agora existente contra o surgimento de soluções nacionais para os problemas brasileiros é devido ao processo de aplicação de ener-gia adotado e à falta de hábito de trabalho em conjunto. 6. Urge substituir o método dos pareceres6 por outro método que permita chegar-se a soluções harmônicas e equilibradas. 7. O instrumento a utilizar para a elaboração do novo método a adotar e para a sua di-fusão consiste na criação de um Instituto Nacional de Altos Estudos funcionando como centro permanente de pesquisas. (FRAGOSO, 1971, p. 5).

Complementando suas considerações, o documento escrito pelo Tenente Co-ronel Idálio Sardemberg enfatizou que o Instituto a ser criado convergiria esforços no estudo e na solução dos problemas de Segurança Nacional mediante:

Um método de análise e interpretação dos fatores políticos, econômi-cos, diplomáticos e militares que condicionam o conceito estratégico nacional. 2.Um ambiente de ampla compreensão entre os grupos nele representados, de forma a desenvolver o hábito de trabalho em con-junto e de colaboração interdepartamental. [...]Um conceito amplo e objetivo de Segurança Nacional que servisse de base à coordenação das ações de todos os órgãos civis e militares responsáveis pelo desenvolvimento no potencial e pela segurança do país. (ARRUDA, 1983, p. xxiii)

A ideia central contida nesses princípios era a de que o desenvolvimento não depende apenas de fatores naturais, mas principalmente de fatores culturais, do modo de ser do brasileiro. Essa ideia reside, sobretudo, na capacidade dos homens que viessem a exercer funções de direção, mudados, porém os hábitos de trabalho então vigentes (ARRUDA, 1983, p. xxiii).

Fragoso (1971) em conferência na Fundação Getúlio Vargas - Rio de Janeiro (FGV-RJ) declarou:

Não seria objetivo da Escola ensinar a solução dos problemas nacionais e sim estabelecer e difundir um método de solução desses problemas e criar, não só um ambiente de compreensão entre os diferentes gru-pos nacionais, como uma Doutrina que promovesse o Desenvolvimen-to do potencial nacional, mediante a aplicação coordenada daquele método, por todos os órgãos responsáveis, civis e militares.

6 Método segundo o qual os processos recebiam pareceres dos envolvidos e assim poderiam continuar circulando entre pessoas por tempo indeterminado sem que qualquer solução viesse a ocorrer.

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A ESG afastava-se do National War College, que, em função de características culturais estadunidenses, atuava para a preparação para guerra. A ESG viveria em ambiente diferente, com o objetivo de tratar da vida nacional em tempo de paz, considerando fundamentalmente os defeitos do sistema educacional (FRAGOSO, 1971).

Em 1949, o General Cordeiro de Farias expôs em palestra as razões que moti-varam a criação da Escola Superior de Guerra. Assim se manifestou:

A Escola Superior de Guerra é bem um espelho do conceito moder-no de Segurança Nacional: ela não é um instituto militar apenas, nem tampouco uma organização civil, é, isto sim, um centro misto de estu-dos – militar e civil – e onde, em última análise, se vai tratar da defesa do cidadão. (ARRUDA, 1983, p. xxv).

Por ocasião de comemoração dos sessenta e cinco anos da Escola Superior de Guerra, cumpre falarmos um pouco sobre esta tão comentada, mas nem sempre bem conhecida e entendida instituição. É importante sabermos um pouco do que há meio século tem sido o único fórum destinado, exclusivamente, à discussão das questões nacionais.

A ESG é uma das mais antigas instituições do mundo em sua área de ativida-des. Atua como um laboratório de estudos brasileiros, oferecendo análises, diag-nósticos e também sugerindo soluções para problemas nacionais, predominando os estudos pertinentes ao desenvolvimento e à segurança nacional, necessários a um país emergente. Para viabilizar e contextualizar seus estudos, dedica-se, tam-bém, à Ciência Política e às Relações Internacionais.

A fim de conduzir suas atividades, a ESG define que, na consolidação dos va-lores atinentes à nacionalidade, à cultura, à unidade e às instituições que os corpo-rificam, como é o caso desta Escola, sejam preservados seus elementos essenciais e que lhes conferem identidade.

A ESG, concebida como um centro de estudos e pesquisas para difundir e consolidar o conhecimento necessário ao exercício de funções relevantes, tanto na esfera pública quanto na esfera privada, consagrou-se como um dos centros da vida cultural brasileira pela qualidade de seus estudos, pelo nível de seus docentes e discentes, bem como por se dedicar ao estudo de temas brasileiros, por realizar diagnósticos e sugerir possíveis soluções.

Seu corpo docente é constituído de militares escolhidos pelas três Forças Ar-madas, civis de elevada qualificação, constando, entre seus componentes, vários com a titulação de Doutor e de Mestre, bem como especialistas em temas de in-teresse da Escola. Docentes da ESG também atuam como professores e pesquisa-dores em universidades. Seus estagiários, assim denominados por terem elevado nível de conhecimento, de experiência e de vida pública, distinguem-se e, por isso, desenvolvem trabalhos junto com os docentes.

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Seu pioneirismo atribuiu-lhe a responsabilidade de preparar cidadãos para atuarem nas diversas instâncias e instituições nacionais e, assim, contribuírem para o desenvolvimento, a segurança e a integração, bem como pensar sobre o futuro do país. Os trabalhos desenvolvidos pelos estagiários e pelos docentes têm como característica serem pertinentes aos estudos brasileiros.

Em meio às peculiaridades da ESG, historicamente, seu efetivo docente e discente, até recentemente, era constituído de dois terços de civis e um terço de militares, estagiários provenientes das diversas regiões do país e de várias profissões e instituições privadas e públicas. A ESG, tradicionalmente, não im-põe, mas discute os variados temas em questão no decorrer dos cursos. Não molda consciências, não dita regras infalíveis, não é dogmática, não pretende ser exclusiva nem deter nenhum monopólio. O diálogo é seu maior instrumento para as atividades. Mantém um diálogo aberto com centros de estudos e com universidades, como recurso para permanecer atualizada em seus estudos e em sua visão de mundo.

Entre as atividades dos corpos discente e docente estão os debates e os trabalhos em grupo. A Escola tem como premissa não ser ideológica e ser apar-tidária. Procura a autenticidade em suas atividades. Liberdade de pensamento e de expressão faz parte de sua rotina. O Coronel Augusto Fragoso, em texto, apresenta estudo do Coronel Nemo, publicado na França, na Revue Militaire Générale, de março de 1958, em que afirmara “É preciso abandonar com reso-lução a Doutrina Dogma. A doutrina não pode ser considerada como se fosse um monumento edificado para durar” (ARRUDA, 1983, p. xxxi). O respeito pela doutrina não deve chegar ao fetichismo. Assim sendo, foi determinante que, na ESG, não houvesse dogmas nem princípios a serem seguidos sem profunda crí-tica. A liberdade de expressão é a referência maior, e o pensamento estratégico é predominante.

A esse respeito, o General Lyra Tavares assim se manifestou:

A grande benemerência da Escola Superior de Guerra está em que de nenhum outro modo mais adequado seria possível realizar, tanto no campo de estudo, como, até mesmo, no das relações humanas, esta obra de integração e de intercâmbio livre, de ideias, dos que lidam em setores diferentes da organização nacional, com questões que se en-trosam e se intercomunicam para a mesma finalidade principal a que todas elas se subordinam: a da adequação recíproca do poder e dos objetivos da Nação, tendo em conta os condicionamentos que devem intervir na sua Política de Segurança. (ARRUDA, 1983, p. xii).

Os seres humanos – quer no plano individual, para conseguir um posto, uma vantagem ou um prazer, quer no plano das empresas, partidos, sindicatos e Estados Nacionais – usam estratégias mais ou menos refinadas, isto é, imaginam ações em

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função das certezas (ordem), das incertezas (eventualidades) e das aptidões para organizar o pensamento (estratégias cognitivas, roteiro de ação), e age, modifican-do, ocasionalmente, decisões ou caminhos de acordo com as informações que sur-gem durante o processo.

3 SOBRE O MAnUAL BÁSICO

A ESG possui dois documentos basilares: o “Método de Planejamento Es-tratégico”, originalmente denominado “Método de Planejamento da Ação Polí-tica”, que serve de referência para os planejamentos que possam vir a ser reali-zados na Escola; e o “Manual Básico”, que tem uso como referencial maior para o entendimento comum dos conceitos utilizados pela ESG em suas atividades acadêmicas.

Antes do surgimento da ESG, seus idealizadores entendiam que havia a neces-sidade de um documento que pudesse uniformizar os conceitos e o entendimento dos significantes utilizados na Escola. Tais conceitos, formulados pelos idealizadores da ESG, estavam contidos em um documento intitulado Princípios Fundamentais (MACEDO, 1984). Nesses princípios constava a ideia de que a Segurança Nacional é um conceito mais amplo do que o de Defesa Nacional, este vinculado à defesa de uma agressão externa. Com os conceitos tornaria possível a adequada raciona-lização da Ação Política e da Ação Governamental. O planejamento seria facilitado com o entendimento dos conceitos por parte dos planejadores. Com tal medida, o documento básico da ESG seria um instrumento para estudo, análise e propostas de modificação de realidades que precisavam de transformações.

O Manual Básico tem seus fundamentos embasados na transcendência e hu-manismo constituintes do pensamento ocidental. É fundamentado por quatro con-ceitos centrais: Objetivos Nacionais, Poder Nacional, Política Nacional, Estratégia Nacional. Nesses fundamentos o referencial central é o ser humano.

Macedo (1984) rebate vários argumentos que defendiam que a então Dou-trina da ESG teria origens estadunidenses, como o Padre José Comblin em A ideo-logia da Segurança Nacional, editada em 1977, que atribui à cópia de documento norte-americano o ensino na ESG. Tal livro, afirma Macedo, não identifica as origens da tese de Comblin por, principalmente, citar fundamentalmente documentos bra-sileiros e não explicar as divergências entre o National War College e a ESG. Wilson Martins, em sua História da Inteligência Brasileira, atribui sua origem ao defendido por Góis Monteiro em seu “A revolução de 30 e a finalidade política do Exército”, em 1934. Edmundo Campos Coelho, em 1976, em sua tese “Em busca de Identidade: o Exército e a Política na Sociedade Brasileira” afirma que a doutrina militar de Góis Monteiro é essencialmente idêntica à doutrina de segurança nacional formulada pela ESG. Isso significa uma antecipação de duas décadas à doutrina militar que surgiu com o regime militar de 1964.

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Macedo (1984) entende que o livro de Michel Schooyan, de 1973, Destin du Brésil, sugeria que o positivismo e o integralismo seriam antecessores da “Doutri-na”. Defende a tese de que o Manual Básico enquanto “Doutrina” é produto de demorada elaboração ao longo de cerca de trinta anos por docentes e discentes da ESG. Para ele, a “Doutrina” representa a evolução do pensamento nacionalista de Alberto Torres e de Oliveira Vianna. Macedo entende, ainda, que o positivismo não teve relevância na ESG. A teoria positivista opunha-se ao que foi proposto por Góis Monteiro. Antônio Paim desenvolveu síntese da contribuição da “Doutrina” ao país quando afirmou:

A Escola Superior de Guerra desenvolveu com êxito uma significati-va elaboração teórica, notadamente no que respeita à delimitação daquela esfera de atuação do poder... Essa esfera denominou-se de objetivos nacionais permanentes, isto é, o conjunto de pressupostos que devem constituir o patamar superior da política, no ponto de sua confluência com a moral... A Escola difundiu o entendimento de que as formas de agressão insufladas do exterior somente encontram campo propício para vicejar em face das condições materiais adversas e do atraso cultural. Afora isto, o ciclo de evolução do Ocidente, em que vi-vemos, em resultado da evolução tecnológica, também se constitui em fonte de perplexidades. Em vista do reconhecimento dessa amplitude dos focos de insegurança, a segurança nacional é afirmada como con-dição para o desenvolvimento, mas igualmente dependente dos êxitos desse último. Além disso, não é função do Estado isoladamente, mas responsabilidade coletiva. (PAIM, 1979, p. 118).

4 A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA E A QUEStãO DO COnhECIMEntO

Deixando o âmbito maior e de longo curso das culturas para considerar as circunstâncias e as pressões apenas conjunturais do presente, defronta-se com o fenômeno da força crescente do conhecimento científico que já operava constituti-vamente desde as origens da modernidade, que é tecnocientífica em sua essência mais profunda. Ela é impactante, portanto, desde os tempos de Copérnico, Des-cartes, Bacon e Galileu, porém somente agora a ciência mostra a todos seu sorriso ambíguo, suas garras e suas verdadeiras pretensões.

Nos muitos fóruns em que o estudo é objeto de trabalho, consequentemente, de interesse, ficam todos obrigados a harmonizar sutilezas, conveniências, inconve-niências e, como habitual, o discurso proporcional ao peso do desejo de estudo e à falta dele. Não há como se omitir sobre esse tema. Neste século, o conhecimento é centro irradiador das sociedades em benefício de um futuro melhor que o presen-te. Desse modo, a educação superior e a pesquisa são fatores fundamentais para o desenvolvimento cultural e a evolução das nações. Não há futuro sem educação.

Não se pode negar que, no atual momento histórico, impera uma correlação

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entre a dependência científico-tecnológica, a restrição, o direcionamento e a unifor-mização do pensamento; e uma economia desvinculada do atendimento às necessi-dades da sociedade. Essa tendência tem afastado qualquer possibilidade de desen-volvimento. Assim, a sociedade fica restrita ao esforço para sobreviver e termina por renunciar ao que lhe resta de pensamento. Surge um mundo pragmático.

O entendimento da existência de vínculo da cultura com o pensamento estra-tégico é de suma relevância, sobretudo porque evidencia um aspecto que pouco é tratado nas discussões político-estratégicas: a cultura. Isso é um assunto de impor-tância vital para todos os brasileiros, em especial para a Escola Superior de Guerra, pois é uma instituição destinada a tratar da política e do pensamento estratégico brasileiro. Como uma instituição de cultura, foi sabiamente criada para privilegiar, em profundidade e em amplitude, o pensamento e a reflexão. Introduz os aprendi-zes no mundo das ideias, do saber vivo. Isso significa iniciá-los na atividade profícua e criadora da reflexão e da pesquisa. Por essa razão, seu Corpo Permanente vive e deve viver no mundo das ideias. Deve viver uma vida sustentada pelo conhecimen-to e sempre se projetando à frente do tempo presente.

Esse comportamento é essencial, porque a missão de uma instituição de cul-tura, de estudos aprofundados, não é meramente a de repassar conhecimentos: a missão é, acima de tudo, a de criá-los. Só assim, com novas ideias e novos conheci-mentos, é possível crescer e se aperfeiçoar.

Entre os aspectos expressivos dessa questão, dois merecem destaque: o pri-meiro é que a cultura vem moldando os padrões de coesão, integração, desintegra-ção e conflito no mundo, especialmente no mundo após a Guerra Fria. O segundo é o fato de que a política mundial vem sendo configurada, seguindo linhas culturais, ainda que se proclame econômica.

Torna-se imperativo ressaltar as pretensões universalistas da cultura anglo-saxônica, que, no último século, incita o mundo ocidental cada vez mais ao conflito com outras culturas. Isso é fato fundamental para qualquer instituição que se dedi-que ao conhecimento e aos estudos estratégicos.

Com relação à Academia, Schneider (2005, p, 49) esclarece que, nas palavras de Heidegger:

[...] as Universidades, como “lugares de pesquisa e do ensino científi-co” convertem-se em centros de empresamento “sempre mais próxi-mos da realidade”, nas quais nada mais chega a ser decidido... O últi-mo resto de uma decoração cultural, elas vão manter [...] e vão perma-necer como meios de uma propaganda “político-cultural”. Nenhuma essência de “universitas” se poderá jamais desenvolver a partir delas: de um lado, o empresamento científico mesmo consegue manter-se sem o elemento “universitário”, o que significa aqui sem a vontade de reflexão [...] A filosofia, aqui entendida como reflexão pensante sobre a verdade, e isto quer dizer sobre a problematicidade do ser, não como erudição histórica e produtora de “sistemas”, não tem lugar na “uni-

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versidade [...] Pois ela não ‘tem’ lugar algum, a não ser aquele que ela mesma funda, mas para onde é incapaz de conduzir, imediatamente, a [algum] caminho de qualquer instalação fixa”.

Assim, tanto a Universidade como a ESG precisam repensar a qualidade de excelência como recurso para manter a reflexão. Em 1932, alguns intelectuais, pre-ocupados com os rumos da educação no Brasil, demonstraram essa apreensão em um documento intitulado “O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”7. Assi-naram esse manifesto personalidades como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Afrânio Peixoto, Roquette Pinto, Júlio de Mesquita Filho, Delgado de Carvalho, Her-mes Lima, Cecília Meirelles e tantos outros cidadãos de relevância para o país.

No manifesto, pretendiam que os diversos níveis de ensino básico pudessem contar com um processo educativo continuado e ininterrupto. Observação, pesqui-sa e experiência fariam parte do exercício acadêmico. O ensino universitário teria a função de atender à formação profissional e técnica, bem como à formação de pesquisadores em todos os ramos do conhecimento humano. O ensino e a pesquisa caminhariam juntos. Na Universidade, encontra-se o ápice de todas as instituições educativas. Ela é destinada a desenvolver uma função cada vez mais importante na formação da elite de pensadores, sábios, cientistas, técnicos e educadores de que um país precisa para construir seu futuro, e para a humanidade desenvolver-se. Pretendiam, também, que os princípios humboldtianos (READINGS, 1996) fossem adotados pela educação brasileira.

5 nA UnIvERSIDADE tAL COMO nA ESCOLA SUPERIOR GUERRA

Um exame dos mil anos de existência da Universidade e do que tem lega-do à humanidade é importante para a compreensão dos desafios com os quais convivem os homens. As dificuldades bem como as incertezas decorrentes da ins-tabilidade existente no universo das nações não possibilitam a visão adequada do presente. As culturas caminham em um rumo que se faz sem rumo por não se saber para onde seguir. Os meios de comunicação utilizados como recurso po-lítico, como instrumentos de controle e mesmo de dominação, banalizam a vida humana igualando a vida com a morte, a esperança e o sofrimento, retiram o passado privilegiando apenas uma vida presente que ocorre sem qualquer ob-jetivo. Nesse quadro, a Universidade assim como a ESG têm compromisso com o futuro e representam a força que rejeita e procura impedir a anestesia do objeto do pensar e a construção de um futuro melhor. Nesse contexto Ortega y Gasset (1962, p. 42) nos lembra que:

7 O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, difundido em 1932, propunha uma nova educação que de fato trouxesse benefícios para a sociedade na formação acadêmica e na personalidade do indivíduo.

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A missão do ‘intelectual’ é, em certo modo, oposta à do político. A obra intelectual aspira, com frequência baldada, a esclarecer um pouco as coisas, enquanto a do político sói, pelo contrário, consistir em confundi-las mais do que estavam. Ser da esquerda é como ser da direita, uma das infinitas maneiras que o homem pode escolher para ser imbecil: ambas, com efeito, são formas da hemiplegia moral.

Quando se trata de cultura, convém lembrar Joseph Nye (1990) quando afir-ma a existência de um forte vínculo entre cultura e poder. A cultura segue o poder e o poder a segue. Para Nye8 (1990), o vínculo entre eles é ignorado de forma quase universal, sobretudo pelos que acreditam no surgimento de uma civilização que se estenda a todos, como deveria ser e, também, pelos que acreditam que a ocidenta-lização é condição fundamental para a modernização. Os que ignoram esse vínculo não admitem que a lógica de sua argumentação os conduza a apoiar a expansão e a consolidação do domínio do mundo pelo Ocidente e que se outras culturas forem deixadas livres para traçar seus próprios destinos, elas resgatarão sua cultura recal-cada e manterão sua dignidade e identidade cultural e nacional. Esse é um aspecto que envolve a questão do conhecimento e um profundo pensamento estratégico, visando buscar melhores opções de existência.

Vivemos hoje na era do conhecimento. Como desprezar seu valor e o das ins-tituições que o preservam e o difundem e que devem necessariamente produzi-lo? Cremos que até aqui não exista qualquer desacordo, porém, quem estaria disposto a, ao menos, identificar as reais consequências? Francis Bacon também observara que “Conhecimento é poder” (PORTELLA apud PEREIRA et al., 1999, p. 46).

É notório que, neste início de século, a Universidade passa por um processo de transformação, deixando de ser a instituição do Estado, destinada a preparar o futuro, para tornar-se uma instituição burocrática, organizada e orientada, tendo em mira a sistematização e o desenvolvimento insuficiente de novos conhecimen-tos. Por essa razão, vemos a Universidade aproximar-se do mercado e gerir o ensino e a pesquisa como um negócio. A instituição de ensino superior, portanto, busca a excelência, cujo índice procura representar o nível de eficiência. Como medir, quan-tificar ou qualificar esse nível na Universidade? Como afirmar que uma determina-da Universidade é excelente? Sobre excelência, Aristóteles, em Ética a Nicômaco, observou que “é árduo trabalhar para ser excelente, já que em cada caso é difícil trabalhar para encontrar o que é intermediário” (apud READINGS, 1999, p. ix). Re-adings (1999, p. 29) entende que “excelência universitária é a estrutura acadêmica

8 Para Nye, o poder pode ser dividido em poder duro e poder suave. O poder duro significa que é possível conseguir com que outros queiram o que se quer, apoiado na força econômica e militar. O poder suave manifesta-se através de apelo à cultura e ideologia. Nye enfatiza que o poder duro e o poder suave são extremamente importantes, podendo se complementar.

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gerencial que possibilita conhecer a si mesma apenas em termos de estrutura cor-porativa administrativa”.

O entendimento das mudanças estruturais pelas quais passa a Universidade, bem como sua função, é fundamentalmente necessário para que seja possível ar-gumentar que a ampla função social da Universidade, como instituição nacional, é agora alcançada.

Essa transformação no papel da Universidade é, acima de tudo, determina-da pelo declínio da função da cultura nacional que tem até agora sido sua razão de ser. Em resumo, a Universidade tem se tornado um tipo de instituição que deixa de estar vinculada ao destino da Nação, pela virtude de seu papel como pro-dutora, protetora e apregoadora da ideia de cultura nacional (READINGS, 1999, p. 1-3). Entretanto, é preciso ter em mente que a Universidade deve preparar o jovem para que venha a “viver à altura do seu tempo”. Para isto, não basta a sim-ples formação de profissionais nem a dedicação exclusiva à pesquisa. Para tanto, a Universidade não se limita a apenas uma missão, mas a todas que se somam e se integram na função de impulsionar a cultura à altura do seu tempo visando ao tempo futuro. Daí a importância da visão de Humboldt e de Ortega y Gasset (1962) sobre a Universidade.

Na década de 1990, temas pertinentes à identidade nacional foram inten-samente discutidos nos Estados Unidos, como observou Huntington (2004). Ge-rald Graff (1992) denominou “guerras de cultura” e considerou saudável o debate sobre a cultura nacional, que mais uma vez está ocorrendo no local onde deveria: na Universidade (READINGS, 1999, p. 112). Debate sobre a identidade nacional é a característica predominante do nosso tempo. Esse debate é fundamental para a unidade e o futuro da Nação, pois os interesses nacionais decorrem da identidade nacional. É necessário saber quem somos antes de podermos saber quais são os nossos interesses e, assim, melhor preparar as Forças Armadas e a Nação para garanti-los.

Essa preocupação não é produto do atual momento histórico, mas surge com Humboldt 9 (READINGS, 1999), para quem a cultura é pensada em termos indis-sociáveis da identidade nacional. A forte ideia de “cultura” vincula-se ao Estado

9 Wilhelm von Humboldt (1767-1835), o Ministro da Prússia que, em 1810, pode concretizar uma nova ideia de Universidade com a fundação da Universidade de Berlim. A ideia central humboldtiana de Universidade é a de unidade indissolúvel do ensino e da investigação: uma Universidade de cultura. Só o docente que tiver tempo para investigar, e para se informar do estado da arte na sua área, terá melhores condições desenvolver a atividade acadêmica de caráter verdadeiramente universitário. Dois outros princípios importantes deste modelo de Universidade são o da liberdade do ensino e da aprendizagem e o da necessária maturidade e autonomia do estudante universitário. Surgia uma Universidade de cultura. A Universidade deve promover o desenvolvimento científico e a formação intelectual e moral. Deve haver a combinação de ciência objetiva e formação subjetiva.

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nacional. No contexto em que vivemos, preocupamo-nos, pois presenciamos o de-saparecimento da cultura enquanto locus do sentido social.

A Universidade de Humboldt (READINGS, 1999), de certa forma, apoia-se na visão kantiana, na razão prática, o saber caminharia pelo observar – o velho episte-ma grego – pelo comparar, combinar, distinguir, derivar, falsificar (submeter sobre a prova do falso) e, finalmente, pelo Generalizar, considerado a grande tarefa da cons-trução do conhecimento; o programa, as operações da produção do conhecimento. Adotava também algo que vinha da escolástica anterior, que preservava a ideia de ratio como lógica, como caminho para construir o conhecimento e o intelectus que era, por São Tomás de Aquino, a percepção, a intuição genial, a percepção da pista, a centelha de inspiração.

O programa, proposto por Humboldt como uma nova ideia de Universida-de, nasce em 1809, em Berlim, e combina, de maneira absolutamente íntima, sis-têmica e orgânica, com a ideia de ensino e pesquisa. Qual é a ideia central desse casamento pensado por Humboldt? É a de que só é possível ensinar pesquisando. Os dois atos são simultâneos. Se ensinar for apenas repetição do já conhecido, está-se lançando mão da memória e se está caindo na fórmula jesuítica, do pa-lácio da memória, estereotipada e congelada. Como se cria o criador? A visão de Humboldt é uma visão que combina de modo sistêmico o ato de criar com o ato de aprender o conhecimento. Ambos estão destinados a quem está estudando. Quem estuda deve ser capaz de reproduzir de forma ampliada e de transmitir conhecimento com outras palavras. Todo e qualquer estudante deve ser poten-cialmente um criador de futuro. Essa proposta contém a ideia de que a Nação é eterna. A Universidade é o espaço em que o espírito da Nação se preserva e se reproduz. O programa de Humboldt é curioso e denso (READINGS, 1999).

Isso nos conduz a pensar sobre “a missão da Universidade ou aceitar que a identidade nacional perdeu seu valor, o que leva à fragmentação da nacionalidade” (READINGS, 1999, p. 73, 112). Como observou Rousseau, “se Sparta e Roma perece-ram, que Estado pode desejar durar para sempre?” (HUNTINGTON, 2004, p. 11).

O debate sobre cultura nacional é uma atividade saudável. Por que no Brasil isso não ocorre? Por que a ESG não tem essa preocupação? O que isso significa? Esse debate é importante. Cabe ao Estado preservar a cultura nacional, evitando, assim, possibilidades de fragmentação da sociedade.

O papel da Universidade moderna (de excelência) tem procurado fixar-se em si mesma. Desse modo, a história dos caminhos prévios de entendimento da função da Universidade pode ser, grosso modo, sumarizada com base em três funções: pesquisa, ensino e administração, em que a administração prepondera sobre as outras. A visão de Kant10 é seguida pelas ideias de cultura de Humboldt, e, mais

10 Para Kant a Universidade é moderna quando suas atividades são organizadas em uma perspectiva da existência de uma ideia regulatória, que requer como sendo o conceito de razão.

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recentemente, a ênfase tem sido na postura tecnoburocrática de excelência.Na Universidade humboldtiana, estruturada na cultura, o reitor encarna o

ideal pandisciplinador da orientação cultural geral, tornando-se figura da Universi-dade em si mesmo. A verdadeira ideia de um reitor é de que um simples indivíduo pode manter metaforicamente a Universidade aos olhos do mundo enquanto per-manece metonimicamente11 conectado ao resto da faculdade. Primus inter pares12, tal como um Presidente figura a função dupla de cultura como o princípio animador da Universidade.

Readings entende que, “na Universidade de excelência, o reitor é o admi-nistrador burocrático que se move do salão de leitura para a praça de esportes ou para o salão executivo. Observa que a excelência funciona como unidade monetá-ria em um universo fechado.” (1999, p. 54-57). O que nos assusta é que todos são adeptos da excelência. Assim, quem poderia ser contra isso? Sendo, de modo geral, o conceito e o significado de excelência diferente para cada indivíduo, a questão central não é que não se saiba o que seja excelência, mas que cada um tenha a sua própria ideia a respeito do que ela seja, e, uma vez aceita por todos como princípio organizativo, não há razão para se perguntar sobre definições diferenciadoras. Cada um é excelente em seu próprio pensar e, por isso, participa do processo burocrático mercadológico.

Nesse processo, por causa da excelência, com a Universidade entrando no mercado, poucos reúnem condições de a ela pertencer e nela estudar. O futuro da Nação começa a ficar comprometido. Isso porque o Estado nacional é produto e tem sua existência em função da cultura da sociedade que o constitui. A Universidade de excelência é um simulacro da ideia de Universidade idealizada por Humboldt.

Na caminhada para alcançar a pretendida excelência, a Universidade deixa de pensar em si própria, esquecendo ou abandonando sua característica de ser um lugar de dissenso que elimina o pensamento monolítico, a unidade do saber, a autoridade monolítica do discurso disciplinar, que esconde a intenção de consolidar o consenso final. Dissenso insurgente contra qualquer forma de pensamento totali-tário que se rebela contra formas de fronteiras hierárquicas culturais, criadas como recurso para tratar de uma totalidade homogênea, tais como: culturas, nações, po-vos distintos uns dos outros e que caracteriza uma relação vertical, de valores, entre os povos.

A Universidade, como a ESG, é o espaço da liberdade do espírito, é o espaço da pergunta, é o espaço da dúvida. É o saber firmando-se e questionando-se. A Uni-versidade não busca a mercadoria, mas, sim, o conhecimento pelo conhecimento para o benefício da sociedade. Cerceá-la é cercear o futuro da Nação, da sociedade.

11 Designação de um objeto por palavra designativa de outro objeto que tem com o primeiro uma relação de causa e efeito.

12 Primeiro entre iguais.

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É preciso entender que o dissenso não pode ser institucionalizado, porque a pré-condição para esta institucionalização seria um consenso de segunda ordem, em que fosse considerado certo, bom, fundamentalmente.

Segundo Readings: “Os que se preocupam com a Universidade invocam o retorno aos ideais humboldtianos de comunidade e funcionamento social e exigem que ela abrace sua identidade corporativa e se torne mais produtiva e mais eficiente, atuando na preservação da identidade nacional”. (1999, p. 65-66).

É um desafio a ser enfrentado: a estruturação de uma instituição melhor, a produção de outro modelo de eficiência e de outro projeto unificado e unificador. Que transformação pode sofrer a Universidade quando ela já não mais exerce seu papel de liderar a preservação da cultura nacional, mas ainda não tomou irrevoga-velmente o caminho de uma corporação burocrática?

Sobre a preocupante situação da Universidade, Bill Readings (1999), em seu esclarecedor estudo, diagnostica que as atuais exigências de “excelência” universi-tária acontecem por toda parte, são a contrapartida incontestável do tão decantado processo de esvaziamento dos Estados Nacionais.

Ainda que ela não tenha ainda tomado um rumo definitivo e, em razão disso, como ressaltado por Readings (1999), a academia dispõe de algumas opções quanto ao futuro. Uma delas seria a de abandonar a noção de que a missão social da Universidade está inelutavelmente ligada ao projeto de realização da identidade cultural nacional. Isso equivale a deixar de pensar a articulação social da pesquisa e do ensino em termos de missão. Esta posição é de aceitação consideravelmente mais difícil, por parte dos intelectuais, pois significa abandonar a pretensão dos intelectuais de prestar serviços à sociedade. Essa exigência consiste tanto em conhecer quanto em encarnar a verdadeira natureza da sociedade, o que tem sido mascarada pelos acadêmicos. Essa opção não seria adequada, pois a construção do futuro é atributo da Universidade, e o futuro e a identidade nacional, afastados da sociedade, estariam comprometidos, o que traria consequências negativas à Nação.

No Brasil, toda esta problemática cultural assume características e propor-ções inusitadas; se assim não fosse, não estaríamos lutando apenas pela defesa de um patrimônio acumulado, mas também pela preservação do espaço onde se es-taria processando já há séculos o intensamente doloroso processo de caldeamento de uma cultura nova. A Universidade, como a ESG, precisa assumir um papel de liderança na defesa do espaço cultural da Nação, para que todo esse ebuliente e complexo patrimônio cultural não desande de repente. Ortega y Gasset (1962, p. 26) afirma que a “Universidade pode assumir seu verdadeiro papel, como força espiritual reformadora da sociedade, contrapondo-se ao poder da imprensa, à fri-volidade, estupidez e autoritarismo, assumindo a missão de elevar e enobrecer o destino do mundo civilizado”.

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Todos os grandes pensadores da Universidade – como Gerhard Casper, Wi-lhelm von Humboldt (1997), J. G. Fichte (1999), José Ortega y Gasset (1999), Anísio Teixeira (1998) – atribuem à Universidade um papel crucial na vida cultural das na-ções modernas. Reading (1999), pré-citado, de certo modo, reconhece isso, apenas acredita que este papel fosse hoje declinante. É o mínimo o que nossas “elites” políticas, empresariais e, em especial, intelectuais, podem fazer para colaborar, um pouco que seja, na manutenção cultural brasileira.

Mesmo um fórum internacional burocrático – a UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) –, por isso mesmo obrigada a har-monizar sutilezas, conveniências, não conseguiu se omitir sobre a matéria.

Graças ao alcance e à velocidade dessas transformações, a sociedade vem crescentemente se tornando uma sociedade cujo eixo é o conhe-cimento. Por isso, a educação superior e a pesquisa são hoje fatores fundamentais para o desenvolvimento cultural e socioeconômico de indivíduos, comunidades e nações13. (PORTELLA apud PEREIRA, 1989, p. 57, 58).

A Universidade é uma das mais importantes instituições para as nações, mas, essencialmente, para as não desenvolvidas. Ela é como um templo, o qual abriga o saber, a ciência e o conhecimento necessários ao progresso, a fim de construir o futuro almejado. Mas isso não é fácil. Embora muitos indivíduos não tenham cons-ciência disso, sabemos que somos fortemente influenciados pelas culturas mais poderosas. Essa circunstância não atinge somente a Universidade, mas a todos. Olhamos na direção de onde emanam as ideias principais. Os acadêmicos identifi-cam e sentem esses efeitos, cada vez mais, o que dificulta a participação de modo convergente com os interesses da Nação. Vivemos na época do conhecimento na qual se tem muito a aprender e pouco tempo para viver. É preciso pensar estrate-gicamente, em longo prazo, como se deve proceder a fim de alcançar os objetivos pretendidos. Não se deve viver em função das ideias predominantes, mas, sim, de-senvolver as próprias ideias.

Os pesquisadores e pensadores da Universidade entendem sua importância. A esse respeito, todos concordam que ela é o centro fulcral para a construção do futuro das nações. Uma Universidade medíocre para um país medíocre, uma Uni-versidade boa para um grande país. O destino da Universidade será o mesmo do país, e vice-versa.

É preciso lembrar que os intelectuais e os pesquisadores também sofrem as mesmas influências. Quando se fala das ideias predominantes não se está julgando o mérito, todos sofrem, faz parte da história. Certa época, olhava-se primeiro para a Grécia e, depois, para Roma. Hoje, vemos os resultados do que foi produzido pelo

13 Declaração mundial sobre educação superior no século XXI: visão e ação – Preâmbulo.

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mundo romano em nossas vidas diárias. Nosso direito vem do direito romano, não do direito saxônico, sofremos fortes influências e absorvemos tudo.

Na base de toda a teoria educacional, encontra-se a idealização do ho-mem e, portanto, da sociedade. A Universidade tem a responsabilidade de pen-sar o perfil do homem que quer formar para o benefício da Nação. O ensino militar tem a responsabilidade correspondente de pensar o perfil do homem que quer oferecer à Nação garantias de vida e sobrevivência, quando necessá-rias. O funcionamento e a evolução da vida em sociedade são dependentes do sistema educacional, fundamentalmente da Universidade. Para que haja avan-ço e se tenha uma sociedade desenvolvida com qualidade, é necessário que a Universidade também esteja à altura. Para T. S. Eliot (2002, p. 99), “o sistema de educação de uma Nação é muito mais importante do que o seu sistema de governo; apenas um sistema de educação apropriado é capaz de unificar a vida contemplativa e a vida ativa, ação e especulação, a política e as artes”. A Univer-sidade tem um compromisso permanente com a Nação, com a sociedade e com o futuro do país. Não depende de interesses ou de observações que possam interferir em sua missão fundamental.

Nesse contexto, a educação passa a constituir uma parte essencial da má-quina e, assim, pode vir a ser medida e controlada por técnicas científicas, como o desempenho de indivíduos treinados para sua execução, métodos de condi-cionamento de massa populacional, controle de opinião propiciada por técnicas de propaganda e ideologias oficiais. Controle de comportamento por métodos de repressão social não são restritos à defesa da sociedade, porém, orientados contra opiniões e intenções que possam contrariar o sistema de poder. Essas características passam a integrar o mundo atual, e a América do Sul faz parte de tudo isso.

Considerando o contexto do mundo moderno, a complexidade da con-juntura que antecede a crise e o conflito, a complexidade do conflito armado, é essencial que o militar tenha formação complementar na área de ciências humanas, de ciências exatas, de línguas e de relações internacionais, entre outras – sem esquecer o conhecimento indispensável às suas atividades pro-fissionais específicas. Convém privilegiar a Universidade e valorizar as Forças Armadas, como recurso para garantir um futuro de paz e bem-estar à socieda-de. Sociedade civil e Forças Armadas devem estar sempre unidas em função de defender a sociedade, o território e os valores nacionais. Por essa razão, os acadêmicos e os militares devem estar unidos. Cada qual com suas tarefas que, em termos de construção do futuro do país, se complementam. A união é a garantia para um futuro promissor. Nesse sentido, a ESG é exemplo de que nossa história nos mostra que tem compromisso com a sociedade e com o futuro.

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6 O CEntRO DE EStUDOS EStRAtéGICOS

Em Portaria nº 001/Cmt, de 4 de fevereiro de 1991 (BRASIL, 1991a), o Co-mandante da ESG institui o Centro de Estudos Internos (CEI-ESG) como ente res-ponsável na promoção de palestras visando ao aperfeiçoamento dos docentes da Escola Superior de Guerra. O CEI manteve-se por menos de um ano, pela Portaria nº 022/Cmt, de 10 de julho de 1991 (BRASIL, 1991b), foi revogado o amparo legal que o instituiu. A motivação para a sua criação, entretanto, continuou viva, o que levou à criação do Centro de Estudos Estratégicos (CEE), pela Portaria nº 003/Cmt, de 18 de março de 1992 (BRASIL, 1992). O CEE, por meio de seus membros, concederia uma assessoria executiva, diretamente subordinada ao Comandante e supervisio-nada pelo Subcomandante. A Portaria nº 019/CMT, de 25 de novembro de 1999 (BRASIL, 1999), previu que o CEE teria como finalidade contribuir para o contínuo aperfeiçoamento da cultura e do pensamento político-estratégico brasileiro.

Para o exercício de suas atribuições, o CEE preocupa-se sobremaneira com a preservação da democracia, com a sociedade, com o futuro do país e com assuntos não convencionais ou não discutidos suficientemente. Por essa razão, dedica-se ao estudo e à pesquisa de temas relevantes para o entendimento ou o diagnóstico e para o enfoque de novas visões sobre temas ainda não tratados em profundidade.

É um órgão da ESG dedicado ao estudo e à pesquisa, em sua essência, de ca-ráter científico, sobre temas considerados estratégicos. Esses devem ser objeto de estudo e investigação minudentes e sistemáticos, com a finalidade de descobrir ou estabelecer fatos ou princípios relativos a certa área de conhecimento em questão. Suas atividades supõem a formulação e o desenvolvimento de ideias pertinentes ao pensamento em processo de investigação.

Os estudos e as pesquisas desenvolvidos no Centro de Estudos Estratégicos devem ser, e somente desta forma lhe é possível funcionar, nas áreas de vocação e de interesse dos seus pesquisadores, conciliados com os interesses e necessidades institucionais. Apenas assim, esse Centro consegue elaborar as pesquisas pretendi-das com qualidade e consistência, sob rigor de uma metodologia.

Para o desenvolvimento de suas atividades, o CEE realiza seminários, conferências e reuniões que propiciam subsídios aos trabalhos em desenvolvimento. O Centro conta com a colaboração do corpo de professores da Escola, de seus membros-correspondentes, de assessores especiais e de colaboradores. São convidados representantes da vida intelectual do país para contribuir com estudos escritos, conferências, ou como analistas, comentadores ou debatedores das atividades realizadas. Compete, também, a esta divisão a publicação dos estudos e pesquisas realizados. O resultado de suas atividades não constitui um único documento; os trabalhos são publicados ao longo do tempo e passam a circular no meio acadêmico, em que são submetidos a comentários, críticas, estudos e fomentam a produção de novos estudos. Com o tempo, dependendo da aceitação,

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os resultados adquiridos passam a entrar nas instituições acadêmicas como aula ou curso e, assim, continuam, até que novos conhecimentos superem o existente.

O CEE, para que possa efetivamente exercer suas atividades precípuas, deve ficar à parte das demais atividades da instituição. O afastamento não significa alhe-amento, mas condições para o efetivo exercício do que lhe compete: ser um Centro de Estudos Estratégicos. Cabe observar que um Centro não é e não deve ser apenas um promotor de eventos, tais como seminários, simpósios, debates etc., pois esses encontros são informativos, contribuem pouco para as atividades de um Centro de Estudos Estratégicos.

Para que os seus pesquisadores desenvolvam as atividades, há que se con-siderar que estudo e pesquisa necessitam de longa maturação, recolhimento e mesmo solidão por longo tempo, e requerem meios, tais como livros, periódicos especializados, participação em reuniões com especialistas e eventos dedicados a fornecer elementos à pesquisa e ao estudo que estejam em curso.

No caso da ESG, as áreas de conhecimento ficam restritas às que mantiverem relações ou interesse, direta ou indiretamente, com Política e Estratégia, em âmbitos nacional e internacional. Assim sendo, entre seus propósitos, encontram-se: debater aspectos epistemológicos relativos ao conceito de Estratégia, bem como os de Es-tudos Estratégicos; conhecer o escopo dos estudos que outras instituições voltadas à pesquisa vêm realizando; identificar as condições de fomento para tais estudos; desenvolver estudos e pesquisas em diversas áreas de conhecimento; promover en-contros para que seja divulgado o que é produzido, acompanhar o que vem sendo desenvolvido por outros órgãos e atualizar o conhecimento dos membros da ESG.

O CEE atua como entidade permanente de estudos com a finalidade de pes-quisar, formular, motivar ideias pertinentes ao pensamento político e estratégico brasileiro, possibilitando oportunidades para debates e discussões com a socieda-de, além da produção de trabalhos publicados pela Escola.

Os estudos, as pesquisas e os eventos promovidos pelo CEE visam principal-mente à discussão de questões político-estratégicas de interesse nacional. Propõe também estimular a criação de conhecimentos que possibilitem o desenvolvimento de trabalhos teóricos.

No Centro de Estudos Estratégicos, o objeto de discussão são os temas, em várias áreas do pensamento, pertinentes aos estudos políticos e estratégicos, de caráter nacional e internacional. E, mantendo-se fiel à tradição de sessenta e cinco anos de existência da Escola Superior de Guerra, adota como principal diretriz o completo afastamento de questões político-partidárias.

O CEE é acessível a relacionamentos com instituições acadêmicas, com cen-tros de estudos e com a sociedade em geral, que tenham interesse em desenvolver atividades conjuntas. Atualmente, participa de estudo e exerce atividades de ensino e pesquisa no Projeto de Sistema Brasileiro de Defesa e Segurança (SISDEBRAS), selecionado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

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(CAPES), no Edital Pró-Defesa 1/2008, em parceria com a Universidade Federal Flu-minense (UFF). Ainda que o projeto tenha se encerrado formalmente, a cooperação entre as partes continua. Pode-se concluir que todos, virtual e realmente, estão submetidos ao que o Professor, escritor e diretor do Le Monde Diplomatic, Ignácio Ramonet, denominou de “pensamento único14” (BENITZ, 2013), inspirado na termi-nologia cunhada por Schopenhauer15 para definir o pensamento que se sustenta a si próprio, constituindo uma unidade lógica independente, sem ter que se referir a outros componentes de um sistema de pensamento.

Há necessidade de fugir desse pensamento, que remete ao pragmatismo de uma consecução. Como já citado anteriormente, temos pouco tempo para viver e muito para saber. Não se pode viver sem saber e não se pode saber sem viver. Assim sendo, é fundamental publicar as ideias que resultam dos estudos, conferências e pesquisas, sob a coordenação do Centro de Estudos Estratégicos.

Márcio Ferrari (2011), ao citar Michel de Montaigne, lembra que “Uma cabe-ça bem-feita vale mais do que uma cabeça cheia”. Essa proposição motiva disponi-bilizar ao público tudo o que é produzido no CEE, mesmo para aqueles que tenham interesse em outros meios úteis à reflexão e, assim, fugir da repetição do que já foi pensado. A mera repetição pode ser útil aos que optam por não refletir e buscam assim se conduzir, por ser mais fácil ou mais simples, contentam-se em apenas sa-ber da existência do que por outros foi formulado. Ao adotar essa opção, preferem não se aprofundar nas matérias do conhecimento.

É pretensão do CEE preencher uma lacuna que pode abrigar pensamentos originais e estratégicos pouco encontrados na literatura geral. O que for produzido e posto à disposição daqueles que tenham interesse não os conduz ao fazer, mas possibilitam a reflexão. Para isso, têm a responsabilidade de editar duas publica-ções: Revista da Escola Superior de Guerra e Cadernos de Estudos Estratégicos.

A Revista da Escola Superior de Guerra teve seu primeiro número publicado há 30 anos, em dezembro de 1983, e continua atendendo aos que se dedicam aos temas pertinentes à Ciência Política e às Relações Internacionais. Acessível aos au-tores para que submetam seus artigos, tem distribuição nacional gratuita, podendo ser solicitada pelos interessados.

14 O que é o pensamento único? A tradução em termos ideológicos de pretensão universal dos interesses de um conjunto de forças econômicas, particularmente as do capitalismo internacional. Pode-se dizer que está formulada e definida a partir de 1944, por ocasião dos acordos de Breton-Woods. Suas fontes econômicas e monetárias – Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, Comissão Europeia, Banco da França, etc. – que, mediante seu financiamento, colocam a maior parte dos centros de investigação, universidades e fundações a serviço de suas ideias em todo o planeta. Estes se afinam com o dogma e se encarregam de propagar a boa nova (ROMANET, 2012).

15 Expressão citada pelo jornalista francês Ignácio Ramonet e referendada por Benitz (2013) para alertar que vem sendo privilegiada a repetição e que, por isso, as pessoas estão se afastando da capacidade de pensar originalmente.

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Com seus Cadernos de Estudos Estratégicos, cujo primeiro número foi publicado em janeiro de 2006, pretende-se disponibilizar aos leitores mais um instrumento de reflexão e, assim, não se deixar levar pela simples repetição do que já foi pensado. Pretende-se contribuir para que constitua uma civilização original em seu pensamento e em sua cultura. Não se pode aceitar que se deixe de pensar para adotar o pensamento de antecessores. Isso formaria uma civilização obsoleta, sem sentido, sem identidade e, portanto, tornar-se-ia secundária e de curta existência.

Os Cadernos de Estudos Estratégicos e a Revista da Escola Superior de Guerra visam também mostrar o caminho da reflexão, do estudo, da pesquisa, da origina-lidade e do saber. Para Ésquilo [5 a. C.]. “A sabedoria amadurece por meio do so-frimento”. Assim sendo, os membros do CEE entendem que é pelo sofrimento que se chega ao saber, sem esquecer que a aprendizagem é uma longa clausura. E, por essa razão mesma, dedicam o melhor de seus esforços para produzir seus estudos e suas pesquisas, a fim de contribuir para a construção de um mundo mais justo, onde todos os homens possam vir a se entender e ter a certeza de que seus filhos terão um futuro melhor do que o seu. Do leitor, espera-se que medite sobre os tex-tos publicados, frutos de pesquisa, e também busque a reflexão, o saber e alimente a dúvida, pois só assim pode trilhar o caminho da evolução como seres humanos.

Nesses sessenta e cinco anos de vida, a Escola Superior de Guerra obteve a maturidade dos que do alto da experiência, do conhecimento adquirido e, também, produzido, reúnem as condições para continuar a contribuir com estudos de temas políticos e estratégicos de interesse da sociedade.

7 PESQUISA E PEnSAMEntO EStRAtéGICO nA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

Desde a criação do Ministério da Defesa, em 1999, a ESG continua sabendo aonde quer chegar e como fazê-lo. Sua vida e seu passado de dedicação aos estudos direcionados ao país constituem passaporte necessário e suficiente para prosseguir em sua missão. Missão esta definida pelos que a conceberam e, se estivessem vivos, certamente, diriam que os documentos que a originaram estão mais adequados aos dias atuais do que àquela época.

Tudo isso é possível, pois, por ter o privilégio de subir aos ombros daqueles que a criaram, dos que antecederam e aos que a ela se dedicam, pode-se ver além das aparências, além do que os olhos mostram e, assim, tem-se a convicção de que a Escola Superior de Guerra é uma instituição necessária ao Brasil.

Por ser dedicada aos estudos estratégicos, a ESG observa que a Estratégia, ao longo do tempo, tem passado por várias fases. Surgida estritamente no plano militar, evolui para o plano empresarial, educacional, do desenvolvimento e da in-tegração, bem como para todo o modo de tratar de uma questão específica, e fi-nalmente para o plano nacional, em todos os seus aspectos. Ela passou a dominar

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completamente as ações do Estado, de modo geral ou particularizado, por seus diferentes setores, públicos ou privados.

A Estratégia desenvolve-se, sobretudo, onde a incerteza está presente, onde se quer atingir um objetivo em contexto desconhecido ou sem controle, fundamen-tando-se em fatores contraditórios e imperativos. Estão presentes fatores geográ-ficos, tecnológicos, empresariais, variados recursos materiais e humanos. Ela pode decidir o destino de uma empresa, de um povo ou de uma Nação. Sua origem su-bentende, necessariamente, o confronto ou sua possibilidade entre duas ou mais forças.

Para acompanhar a evolução do conceito de Estratégia, a Escola Superior de Guerra abandonou o enfoque puramente militar da Estratégia geral e passou a con-siderar que a Estratégia deve voltar-se, também, para o campo interno, para objeti-vos que não impliquem oposição ou reação de outro poder estatal, sobretudo nos países em desenvolvimento, mas conservando o sentido de dialética de luta, para superar obstáculos à aplicação do poder nacional.

Durante os milhares de anos de vida do homem na Terra, das tribos primiti-vas aos tempos contemporâneos, passando pelos períodos das verdades absolutas, das certezas definitivas para alcançar o período das possibilidades – quando tanta verdade sucumbiu e tanta certeza se desfigurou diante das dimensões da teoria do conhecimento; quando, nesta segunda década do século XXI, a despeito ou em razão do assombroso desenvolvimento científico-tecnológico, esta aldeia global da mãe Terra, de quase vinte dezenas de nações, com distâncias cada vez maiores e menores, com interesses e objetivos diversos e conflitantes, encontra-se perplexa com o fantasma da guerra nas estrelas e da destruição da vida no planeta terres-tre – nesse tempo histórico, vinte e cinco séculos, desde Atenas, no amplo espaço global, o que se observa com o fenômeno estratégico, mais precisamente, com a inteligência do conceito? Permanece sobranceiro, sobrevivente e identificado com a sua origem remota, voltado para a consideração de meios que atendam aos recla-mos do bem comum e da segurança da comunidade.

Embora sofrendo variações semânticas e adjetivadas, no âmago, continua a Estratégia substantiva, traduzida no preparo e na aplicação de meios para colimar objetivos – meios representativos de poder, objetivos indicativos de política. Em função de meios e fins, desfila toda longa temática, de uso e de abuso do conceito, que avulta a importância com o correr dos tempos. Intensa e extensamente em-pregado o termo, muitas vezes confundido com política, Generaliza-se um conceito que encerra problemas e aspectos muito específicos e peculiares, comporta níveis e dimensões variadas e carece de fundamentação doutrinário-operacional.

De acordo com o entendimento sobre o que seja Estratégia, a Escola Superior de Guerra desenvolve estudos, pesquisas e formulação de ideias pertinentes ao contínuo aperfeiçoamento da cultura e do pensamento político e estratégico brasileiro.

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É mister considerar que a vulnerabilidade estratégica das nações é aferida pelo nível de coesão e de preservação cultural, pelo nível de capacitação científico-tecnológica, pelo nível educacional e pelo compromisso de seus nacionais com o futuro da Nação. Com essa referência, a ESG poderia manter os rumos previstos na sua lei de criação, que nos parecem muito mais adequados aos nossos dias do que ao tempo em que foi sancionada.

É do conhecimento comum que a cultura nacional, desde Humboldt, vem sendo pensada em termos indissociáveis da identidade e unidade nacional. Por isso, é fundamental e missão obrigatória da ESG, de acordo com sua destinação de estudar o Brasil, tratar com profundidade a cultura nacional (identidade e unidade nacional), o que significa ser o logos da Nação.

Com o discurso dominante baseado nos países centrais, norteado para os países periféricos sobre o declínio ou o fim do Estado-Nação, como entendido até agora, como instância primária de autorreprodução do capitalismo, sistema de pro-dução da modernidade, as nações periféricas defrontam-se com a possibilidade de seu desaparecimento como tal. Isso porque, uma vez que a identidade e a unidade nacional perdem sua relevância, a noção de cultura torna-se efetivamente impen-sável, deixando de existir o referencial fixo e a unidade nacional.

Em conclusão, a principal missão da ESG seria a de ser o centro de discussão de temas imprescindíveis para que os cidadãos que por ela passem adquiram visão mais focada, para melhor contribuírem com a sociedade, com o objetivo de cons-trução de um futuro promissor para o Brasil. Nesse contexto, a ESG, por ser em si e por si mesma um centro de estudos estratégicos, cumpre a missão impositiva de pensar e discutir temas de interesse nacional. Por isso, não deve olvidar das discus-sões sobre políticas e estratégias nacionais e internacionais.

Numa época de única hegemonia militar e cultural, de um processo conhe-cido como Globalização, que busca consolidar um novo ordenamento mundial, de um discurso predominante de mudança de paradigma, torna-se imperativo buscar a sobrevivência da Nação. O observador mais atento identifica a insistência Gene-ralizada na afirmação de que a modernidade sempre mencionada constituiria para nós, brasileiros, um paradigma novo e promissor.

O entendimento da problemática brasileira e também sul-americana passa a ser possível a partir da real compreensão da modernidade. Assim, essa deve ser, de fato, considerada como um paradigma, entretanto, não como nos é transmitido. Trata-se de algo comprometido não com um paradigma, mas com o seu velamento. A insistência em firmar a existência benéfica do novo modelo esconde aquele que é o verdadeiro. É, na realidade, algo vinculado não a ela propriamente, mas à sua ocultação.

Paradigma esse que se constrói sobre a ciência, afinal, não há quem a rejeite ou a recuse. Todos concordam em buscar o domínio científico e tecnológico que caracteriza a modernidade, em caminhar em sua direção, no sentido da busca do

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domínio do universo científico-tecnológico, em que, se não dispusermos dos meios proporcionados pela ciência e pela técnica, vamos acabar sendo dominados, ainda muito mais do que já somos, pelas nações que compõem e constituem o centro da cultura hegemônica e possuem amplo domínio técnico e científico. Por isso, quere-mos nos modernizar, não há quem não o queira, pois vivemos num mundo no qual a ciência é o centro do processo de desenvolvimento.

Estudos Culturais (HALL, 1980) constituem uma expressão ou uma denomi-nação que deve prevalecer sobre quaisquer outras. Isso porque a abrangência do termo “estudos” reconhece o fato de a profissionalização na Universidade e na ESG não ser mais estruturada pela pesquisa subordinada a uma “ideia” central. Os Estu-dos Culturais não propõem a cultura como ideal regulador do ensino e da pesquisa, tanto que reconhecem a sua incompetência para funcionar como uma “ideia” dessa natureza.

Num mundo que se quer apenas econômico, em que só tem valor o que é quantificável, monetariamente referenciado e lucrativo, prevalece a ideia de que o pensamento é trabalho não produtivo e, por essa razão, é um desperdício. Assim, à Universidade e, mais facilmente à ESG, é colocada a questão de transformá-las de instituições fundamentais à Nação, por serem, entre outras qualificações, refúgio do pensamento, mas, como pensar a instituição cujo desenvolvimento tende a tor-nar o pensamento cada vez mais difícil e menos necessário? A opção que se oferece é o pragmatismo, tão falado e pouco entendido em seus aspectos fundamentais. Pragmatismo, nesse caso, significa a renúncia ao pensamento e a alocação da cópia daquilo que outros já pensaram, cabendo apenas usá-lo. O extremo pragmatismo, predominante em nossos dias, torna o pensamento subordinado ao ato. Ao final, o pensamento é eliminado.

Essa tendência conduz à ruína das instituições destinadas ao pensamento, à reflexão, ao estudo, como as Universidades e a ESG; com posterior ruptura do Estado-Nação, soberano como tal, seguindo-se da desagregação da Nação.

8 A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA E AtUALIDADE DE hUMBOLDt

Espaço e política são fortemente ligados entre si. A firme e definida relação entre eles está presente na evolução dos estados, dos povos e no relacionamento entre os diversos estados.

No espaço reside a condição básica da nacionalidade e da realidade bra-sileira. O Brasil é único país de língua e civilização portuguesas no continente americano e detentor de grande espaço geográfico. Os estados com grandes ter-ritórios têm vantagens privilegiadas, ainda que essas lhes acarretem sérias difi-culdades. Apenas os países de grande extensão territorial têm condições de, pelo desenvolvimento, alcançar posição de grande potência. Entre suas dificuldades, encontra-se a sua defesa do território e do patrimônio. A manutenção da sobe-

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rania territorial e patrimonial sem um adequado Poder Nacional é inviável, talvez impossível.

O estudo das Relações Internacionais, das relações de poder e da cultura na-cional é fundamental no atual momento histórico, em face das grandes transforma-ções que ocorrem no mundo. É também necessário estudar os conflitos, ainda que para evitá-los, esses devem estar especialmente relacionados com os mais elevados temas políticos, concepções políticas e estratégicas nacionais, devem ser úteis ao planejamento de mais alto nível de uma Nação, à determinação dos objetivos po-líticos e, por conseguinte, à planificação e à direção do Poder Nacional, de modo a atingir os Objetivos Nacionais.

Em discurso de saudação aos estagiários da turma Monteiro Lobato, por ocasião de sua apresentação, em 1994, no Palácio do Planalto, o então Presidente Itamar Franco afirmou “As nações necessitam, para preservar a sua identidade e caminhar com segurança em seu futuro, de centros de reflexões e estudos como a Escola Superior de Guerra”.

A Escola Superior de Guerra é uma instituição destinada à reflexão e ao estudo; é, portanto, destinada a pensar e a estudar profundamente as questões nacionais. Aqui, o Presidente Castelo Branco afirmou que “Nesta casa se estuda o destino do Brasil”, lema exposto à entrada do saguão principal. Acima de tudo, a Escola Superior de Guerra é destinada a ser a fiel depositária do sentimento patriótico dos brasileiros.

Aqui convivem lado a lado, ombro a ombro, militares e civis, homens e mulheres, brasileiros de todos os recantos, de todos os credos e de todas as raças, irmanados em busca do caminho que leve nosso Brasil à posição de destaque que Deus lhe reservou. Temos lugar relevante no seio das nações. Haveremos de ocupá-lo.

Quando o assunto é o Brasil, não há como resistir à tentação de recordar a Oração aos moços, proferida por Rui Barbosa, ao paraninfar a turma de 1920, da Faculdade de Direito de São Paulo, da qual seleciono este trecho:

Agora, o que a política e a honra nos indicam é outra coisa. Não bus-quemos o caminho de volta à situação colonial. Guardemo-nos das proteções internacionais. Acautelemo-nos das invasões econômicas. Vigiemo-nos das potências absorventes e das raças expansionistas. Não nos temamos tanto dos grandes impérios já saciados, quanto dos ansiosos por se fazerem tais à custa dos povos indefesos e mal gover-nados. Tenhamos sentido nos ventos que sopram de certos quadran-tes do céu. O Brasil é a mais cobiçável das presas; e, oferecida como está, incauta, ingênua, inerme, a todas as ambições, tem, de sobejo, com que fartar duas ou três das mais formidáveis. Mas o que lhe im-porta é que dê começo a governar-se a si mesmo; porquanto nenhum dos árbitros da paz e da guerra leva em conta uma nacionalidade ador-mecida e amenizada na tutela perpétua de governos, que não escolhe.

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Um povo dependente em seu próprio território e nele mesmo sujeito ao domínio de senhores não pode almejar seriamente, nem seriamen-te manter a sua independência para com o estrangeiro. Eia, Senhores! Mocidade viril! Inteligência brasileira! Nobre Nação explorada! Brasil de ontem e amanhã! Dai-nos o de hoje, que nos falta. Mãos à obra da reivindicação de nossa perdida autonomia! Mãos à obra de reconci-liarmos a vida nacional com as instituições nacionais! Mãos à obra de substituir, pela verdade, o simulacro político de nossa existência entre as nações! Trabalhar por essa, que há de ser a nossa salvação. Mas não buscando salvadores. Ainda nos poderemos salvar a nós mesmos. Não é sonho, meus amigos. Mas sinto nas pulsações do sangue essa restauração ansiada. Oxalá não se me fechem os olhos, antes de lhe ver os primeiros indícios no horizonte, assim o queira Deus. (BARBOSA, 1959, p.114-116).

Essas palavras se constituem em uma série de advertências que visam res-guardar a soberania nacional. Com a vontade progressivamente motivada, com in-teligência e com astúcia, saberemos avançar, como povo unido, como Nação, para assumir definitivamente o controle do nosso destino.

Não se conhece experiência histórica que tenha permitido a qualquer povo superar suas dificuldades básicas de sobrevivência e bem-estar que não fosse por meio do controle de seu destino. Só é possível construir uma Nação livre e soberana quando seu povo decide seu próprio destino, quando compartilha da lealdade aos interesses nacionais dessa Nação. O amor à Nação brasileira e o grande espírito patriótico são a síntese daquilo que a Escola Superior de Guerra nos legou, daí a sua relevante função na vida nacional.

A contemplação estática da realidade imediata pode conduzir ao adiamento de ações políticas aparentemente inviáveis. Não se pode perder de vista que a reali-dade imediata não se constitui apenas dos fatos que nos são perceptíveis, constitui-se, também, da capacidade de procurar a liberação de qualquer tipo de restrição aos propósitos nacionais.

9 nOvOS PARADIGMAS E IDEntIDADE nACIOnAL

Cabe ressaltar que a ideia de identidade nacional se desenvolve e se conden-sa de maneira extremamente expressiva no espaço da Universidade, que é a porta aberta pela sociedade nacional para o diálogo mundial.

Muito graves são as deficiências acadêmicas da ESG, sobretudo porque as políticas e as ações, ao invés de tenderem a equalizar as oportunidades, atuam justamente no sentido contrário, de mais acentuar a defasagem do universo do conhecimento no atual momento histórico. Desta sorte, tudo deve ser aproveitado como pretexto para atacar com vontade este sério problema. Uma instituição como a Escola Superior de Guerra poderia e deveria voltar a ser referência para os temas

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centrais de política e estratégia de interesse do país, contudo, a ESG parece ter se afastado de sua destinação. A vontade política não se tem mostrado favorável a uma escola pensante e criadora. As novas referências são, portanto, um excelente pretexto que têm conduzido à uniformização do pensamento, sendo por isso fiel partícipe do pensamento único ramoniano, citado por Benitz (2013).

Essa não é uma questão ideológica, essencialmente, não é de esquerda ou de direita, mas de sociedade mais ou menos desviada do seu futuro como sociedade autônoma, desenvolvida e evoluída. Que venham os novos paradigmas, que inter-firam nas metodologias de ensino, mas que não se fechem as portas ao estudo e à pesquisa, fundamentais a uma instituição como a ESG, que não pode desperdiçar a competência restante nem perder seu nicho de atuação.

Não podemos aceitar que a Escola Superior de Guerra venha a ser refém do processo que todos vivemos e sofremos no atual momento histórico. Não é possí-vel negar, hoje, a força do processo de globalização, frequentemente qualificado como de natureza econômica (tecnológica), mas cuja dimensão cultural se torna cada vez mais difícil de elidir. Um razoável conhecimento histórico leva-nos facil-mente a concluir que, considerado o longo ou mesmo o médio prazo, o que está verdadeiramente em curso é um gigantesco esforço de universalização que, se vier a ser totalmente realizado, significa o fim da história; em suma, ele é o empenho delirante de transformação de uma hegemonia histórica (circunstancial) numa he-gemonia absoluta. Chegando-se ao pensamento (paradigma) único, que poderia mais acontecer senão a eterna repetição de si mesmo?! Não estamos diante de um processo sem “sujeito”, como tanto se propala, mas sim diante do feroz empenho na consecução de uma missão, pretensamente civilizadora, com todo o esplendor sacro que este tipo de autoimputação coletiva sempre suscita?

Nessas circunstâncias, se aquela missão não é totalmente a nossa, será pre-ciso, de um lado, aceitar o desafio da modernidade como se fora ele apenas de na-tureza econômica, mas, de outro lado, preservar a todo custo nosso acervo cultural vivo em que repousam nosso modo de ser, nossas características, a integridade e as potencialidades afirmativas futuras da Nação.

Nesse contexto, cabe lembrar o valor da cultura, conceituada16 como o modo de ser-consigo-mesmo, ser-com-o-outro, ser-no-mundo, ser-com-o-absoluto (COE-LHO DE SAMPAIO, 2000, p. 138), que significa identidade, nacionalidade e unidade nacional, que constitui a base estrutural de um povo. É importante lembrar o que tem ocorrido nos Estados Unidos da América, onde esse debate retornou à Univer-sidade, lá considerada o logos da Nação. A ela é dado o devido valor e incentivo para o exercício de suas atividades acadêmicas de estudo e pesquisa. No Brasil, a

16 Este é um conceito expandido com “ser-consigo-mesmo” do conceito formulado por Coelho de Sampaio em O futuro da Psicanálise. Palestra realizada na série de eventos, promovido pela UERJ, FINEP e estudos transitivos do contemporâneo. Rio de Janeiro.

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Universidade não é valorizada, assim como a Escola Superior de Guerra. Não há o entendimento de que a missão da Universidade seja a de preparar e construir o futuro do país. Com a ESG ocorre o mesmo, o que a faz ficar muito defasada no tempo e no conhecimento existente, discutido em outros fóruns. A Universidade e a ESG não são instituições destinadas a proporcionar condições para que as pessoas possam vir a ter uma vida melhor, mas para a construção de um futuro promissor, em função de suas atribuições.

Os Estados Unidos não têm uma Escola Superior de Guerra com a mesma proposta da nossa; há escolas que não admitem civis e militares de todas as pro-fissões e regiões, do aparelho de Estado e da iniciativa privada. À semelhança do que ocorre em outros países, a ESG e a Universidade brasileira também deveriam ser o logos da Nação, faz-se urgente e imperativa a existência de discussões sobre a cultura nacional, ou seja, sobre a identidade e unidade nacional brasileira e sobre a nacionalidade. É preciso saber o que somos, quem somos, como somos; o que queremos, aonde queremos ir, aonde estamos indo; que futuro queremos ter como Nação, como povo num mundo que se configura particular ou a serviço de poucos para muito poucos. Assim sendo, o principal fórum para essas longas, profundas e intermináveis discussões é, por destinação, por opção e por adequação a Escola Superior de Guerra.

J. G. Jung (1999)17, em nota preliminar do seu dogma da Trindade,18 mostra-nos que o homem que apenas crê e não procura refletir termina por esquecer que é um ser exposto à dúvida – que se coloca como sua inimiga íntima –, porque está à espreita onde a fé domina, entretanto, para aquele que pensa e que possui bons propósitos, a dúvida deve ser sempre bem aceita. Ela é um importante passo para a consolidação de um saber mais seguro. Assim, pode o homem de fé, submetido à dúvida, ser abraçado por permanente reflexão e, então, evoluir, entendendo o que ocorre no processo geral da evolução humana e evoluir como ser num mundo em

17 Em nota preliminar do seu livro “Interpretação psicológica do dogma da trindade”, na segunda página, 5. Vozes.

18 Sobre o Dogma da Trindade: a Fórmula platônica da Trindade colide com a Trindade cristã num ponto essencial: enquanto a primeira resulta de uma antítese, tal não se dá com a segunda; pelo contrário, ela é totalmente harmônica em si mesma. As Três pessoas da fórmula cristã são caracterizadas de um modo que não pode originar-se do pressuposto platônico, isto é, as denominações “Pai”, “Filho”, “Espírito Santo” não derivam absolutamente do numero três. No máximo, o que a fórmula platônica poderia constituir seria o arcabouço mental para determinados conteúdos provenientes de fontes inteiramente diversas. Formalmente, a Trindade poderia ser expressa em linguagem platônica, mas em relação ao conteúdo precisamos recorrer a dados psíquicos, isto é, não racionais, impossíveis de serem definidos a priori, em termos lógicos. Em outras palavras: é preciso distinguir a ideia lógica da Trindade de sua realidade psicológica. Esta última reconduz-nos diretamente às concepções egípcias, vários séculos anteriores a ela e, consequentemente, ao arquétipo, isto é, à legitimação da existência específica eterna da ideia trinitária (JUNG, 1999, p. 19, 20).

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que o ser deixa de ser o próprio ser. A dúvida é início do processo que busca o saber que significa a intelectualização progressiva. Em si própria, a dúvida não deve ser temida, pois não é elemento subversivo, mas construtivo da vida intelectual.

Para os homens que creem e dialogam com a dúvida, nenhuma explicação é necessária. E para os que não creem, consequentemente não a aceitam, nenhuma explicação é possível, como nos ensinou Santo Inácio de Loyola. Por isso, faz parte do credo dos que se dedicam ao pensar o esforço para aumentar o universo dos que creem e se submetem à dúvida para, assim, poderem, com os que acreditam, ajudar a construir um mundo melhor.

Nesse sentido, não podemos construir uma nova civilização que venha a se consumir dedicando-se primordialmente à proposta exclusiva de fazer o que já fora pensado, em vez de pensar para compreender, pois se tornará obsoleta ou sem sen-tido e terá curta existência. Há que se promover o estudo, a conversa, as discussões com vistas a sobreviver no mundo atual e a construir um mundo melhor. Essa é a obrigação de todos os brasileiros, e esta Escola não pode se afastar dessa missão.

As discussões sobre a cultura nacional e sua preservação a qualquer custo é fundamental, porque no atual momento histórico os países ou, melhor dizendo, as culturas mais frágeis, e mormente o Brasil, são objeto de planejado e forte conflito cultural. Não existe qualquer resistência à eficiente e até agora vitoriosa interferên-cia cultural que nos tem atingido. Não há sinais de interesse em preservar a cultura, a identidade e a unidade nacional. A forte interferência cultural à qual estamos sub-metidos, com sucesso e sem nenhuma resistência, poderá levar o Brasil à desagre-gação. A ESG tem uma função fundamental nessa questão e, ao que parece, ainda não a identificou. Apenas o CEE, com limitações, esforça-se nesse sentido.

Trata-se aqui, pois, de uma proposta de visão estratégica, com o fito de per-seguir a preservação, a longo curso, de nossa sensibilidade, dos nossos esquemas interpretativos e parâmetros valorativos, enfim, de nossas experiências e tradições histórico-culturais. Sem a justa valorização de nossas raízes, do nosso particularíssi-mo processo de formação social e de nossas especificidades culturais já afirmadas, a Nação correria sério risco de ser arrastada à desfiguração, à dissolução de seus ainda frágeis laços de solidariedade social, ou seja, à perda de sua dignidade ou, até mesmo, tragicamente, de sua existência. Onde discutir com profundidade e abran-gência as questões nacionais e da preservação da cultura nacional como necessá-rias à sobrevivência da Nação, senão na ESG?

10 ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA EntRE O PASSADO E O FUtURO

A Escola Superior Guerra, em tempos hodiernos, encontra-se em um mo-mento difícil para projetar-se como uma instituição que inegavelmente se mostre, isto é, seja reconhecida por competente e imprescindível ao país. Para alcançar o

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nível desejado precisa, ao menos, começar a discutir, pensar e mesmo fazer uma autocrítica ou uma crítica analítica, de modo a procurar o indispensável a fim de ser efetivamente uma renomada instituição de fundamental importância e essencial à Nação.

Como qualquer instituição privada ou pública, de ensino ou não, convém à Escola pôr em prática e adequar-se às novas técnicas, métodos, instrumentos e pro-cessos atualmente disponíveis e testados, que lhe sejam apropriados e que possam ser úteis para otimizar suas atividades, de modo a adquirir benefícios institucio-nais.

A ESG precisa capacitar-se, a fim de lidar com os complexos problemas atuais, de modo a ter mais condições de aproveitar as oportunidades de estudo, pesquisa e, consequentemente, poder, com mais perfeição, pensar o Brasil. Assim, é funda-mental que a Escola se torne uma instituição que todos ouçam, da qual falem e que seja capaz de aplicar novos recursos e metodologias, no sentido de gerar ideias, conhecimentos e pensamentos; assimilar e desenvolver adequados e pertinentes paradigmas, ou seja, acompanhar a evolução naquilo que possa beneficiá-la. A Es-cola disporia, dessa forma, das condições fundamentais para funcionar como uma instituição em que todos os seus membros, por opção e crença nos objetivos a al-cançar, assumiriam o compromisso de caminhar como um grupo unido e coeso no mesmo rumo. Todos se empenhariam em aprofundar e expandir suas capacidades como grupo, com os mesmos propósitos, aumentando a competência e a capaci-dade individuais.

Com a tradição de sessenta e cinco anos, a Escola Superior de Guerra foi construída e sustentada por ideias e estudos relevantes à política nacional. No momento, parece faltar ou, talvez, não sejam explicitadas novas ideias e estudos. Considerando as atuais características históricas, as dificuldades hodiernas vividas pela Escola e a incerteza dominante quanto às suas atividades, função e, mesmo, destino que também representam a oportunidade de sugerir nova configuração no que se refere àquilo que possa ser imprescindível para a construção de um futuro promissor.

Não é fácil manter a ESG num nível de excelência nestes dias, mesmo nas áreas em que sempre demonstrou notória e reconhecida competência, nacional e internacional, que são o tripé de sustentação de sua reconhecida atuação: Praxio-logia, Cratologia e Cultura, entretanto, os benefícios de uma profunda e continuada discussão interna na ESG, como ocorre no Centro de Estudos Estratégicos, seriam surpreendentes.

Vivemos em um mundo do conhecimento. Apenas as sociedades que o possu-am e se dediquem a ele conseguem espaço para evoluir. Para continuar a estudar o Brasil e a pensar sobre o futuro, a ESG precisa considerar o conhecimento como seu maior recurso. No mundo contemporâneo e no contexto atual, o conhecimento é primordial para que se possa sobreviver como seres humanos em sua essência e evo-

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luir como tais. A relação do pensamento com os objetos é objeto formal da teoria do conhecimento, sendo que ele se constrói na relação do sujeito com o objeto.

Zagzebski (2008, p. 183) entende que conhecimento é “O contato cognitivo com a realidade resultante de atos de virtude intelectual”. Por essa razão, para con-tinuar estudando o Brasil, a ESG deve privilegiar o conhecimento como elemento mais relevante e objeto de atenção institucional e individual.

Relativamente ao mundo em que vivemos neste momento histórico, em que a racionalidade parece tornar-se irracional, é necessário cautela com o conhecimen-to. Isso, considerando o que nos afirmou T. S. Eliot (apud MORIN, 1996, p. 98-100), que há uma relação entre sabedoria, conhecimento e informação que exige trata-mento para não inviabilizar o conhecimento. Afirma “que conhecimento perdemos na informação e que sabedoria perdemos no conhecimento?” Eliot quis mostrar que conhecimento não é um ente harmônico que comporte diferentes aspectos passíveis de se refutar, questionar e mesmo contradizer.

Conhecer implica ter informação, ainda que não se restrinja a ela. Requer es-truturas teóricas que deem sentido a informações. Quando ocorre uma quantidade considerável de informações, sem que haja estrutura mental adequada e suficiente, podemos entrar em um caminho de desconhecimento, por excesso de informação. Isso nos remete mais uma vez à prudência na escolha de fontes para os estudos e pesquisas.

Isso não significa que o excesso de informação iniba o conhecimento, apenas demanda tratamento adequado. Nesse quadro, surge a questão: como fica a sabe-doria se o conhecimento se torna predominantemente dominador?

Cumpre lembrar as palavras de Morin (1996, p. 104), quando declara que “os progressos do conhecimento não devem ser identificados com a eliminação da ignorância”. O conhecimento pode produzir certo nível de desconhecimento e incerteza, mas isso é benéfico, pois estimula o aprofundamento do pensamento sobre o objeto do conhecimento e assim elimina qualquer dúvida. Não devemos esquecer a relação informação, conhecimento e sabedoria, ela pode ser a razão para nos afastarmos da ignorância. Muito temos a aprender e pouco tempo temos para viver. Esse é um princípio que nos ajuda a ser prudentes no trato com o objeto do conhecimento.

Os que se dedicam a atividades intelectuais, notadamente os professores e pesquisadores, nas palavras de Benda (2007, p. 105), possuem como principais va-lores intelectuais a justiça, a verdade e a razão, que se destacam por serem estáti-cos, desinteressados e racionais. Desses três valores universais a razão transcende as outras duas. Apenas esta permite distinguir entre a verdade e o erro, entre o justo e o injusto. Kant endossa esse fundamento quando reconhece “a crítica da razão como o preâmbulo obrigatório e a fundação de todo julgamento, de toda de-monstração possível de verdades que tem a razão por fundamento”. (apud BENDA, 2007, p. 18).

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11 CARACtERíStICAS DO PROCESSO DE EnSInO nA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

A seguir, pretende-se apresentar e sugerir proposta para a ESG, como uma possibilidade de adequação às necessidades atuais, em função de como a vemos nesta época e o que se considera desejável. Uma análise desse quadro pode ser be-néfica para identificar rumos, deficiências, efetivar novas definições e providências, de modo a melhorar seu desempenho acadêmico, naquilo que se refere às suas atividades institucionais, em especial à elaboração de estudos aprofundados. Isso requer uma volta ao passado sem, no entanto, conservá-lo, mas resgatar a esperan-ça, para que se possa construir uma ESG mais adequada a este momento histórico. Hoje, porém, o passado prolonga-se em detrimento do presente e da determinação de um futuro planejado, por manter um presente permanente, o que se deve pro-curar evitar, ainda que isso venha ocorrendo em diversas nações.

A ESG tem existido, aproximadamente, nos últimos dez anos, como uma ins-tituição de vida endógena, fortemente presa ao seu passado, caminhando sem ob-jetivo bem definido, por si e para si. O que se pode ter como pensamento é algo setorizado, realizado por esforço de alguns de seus membros e, de certa forma, me-canicista, na maioria das vezes, para desenvolver algum trabalho, por determinação e um pouco por iniciativa própria, em alguma área de conhecimento. A visão de mundo pela ESG, por experiência individual não institucional, deveria ser adequada ao mundo real. É distante do momento histórico em que se vive e, nem sempre, no contexto vivenciado.

Com a maturidade de uma Instituição que está completando 65 anos, a ESG mostra essas características. No quadro cultural brasileiro, é uma instituição que estabelece – e deve continuar estabelecendo – no estudo dos problemas brasileiros o primado do interesse nacional, nem sempre correta e legitimamente interpretado nas chamadas ações governamentais; portanto, é prudente não confundir interesse nacional com interesse governamental.

Por meio de seus estudos e de seus cursos, exemplo incomum da união de civis e militares para estudar o destino do Brasil, permite a compreensão crítica da realidade brasileira, elaborando instrumentos teóricos promotores do desenvolvi-mento nacional. Auxilia na organização recíproca da sociedade e do Estado, num processo de trocas mútuas de formação e de educação, materializado numa Política Nacional.

A ESG é o único órgão existente no momento capaz de aglutinar a sociedade brasileira, civis e militares, em torno de um projeto comum e consensual, sensibili-zando as elites de todos os segmentos nacionais.

Não se pode abandonar toda essa experiência acumulada ao longo de ses-senta e cinco anos. É o único patrimônio cultural dessa natureza ainda existente no país. Ainda que em nome de um falso modernismo, ou pós-modernismo, como apregoam alguns, é necessário preservar a experiência acumulada, visto que o apri-

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moramento e as mudanças não devem incidir nos princípios, valores, conceitos e fundamentos, pois esses não mudaram e continuam fazendo parte da cultura – do modo de ser brasileiro –, mesmo porque ser e pensar são de igual significado. Ao contrário, para todos os que se dedicam aos estudos estratégicos, para os que pen-sam o Brasil, as características do ser brasileiro nunca foram tão relevantes. Não há como desenvolver estudos estratégicos brasileiros sem considerar o modo de ser brasileiro.

Modernizar métodos, processos e técnicas, racionalizar procedimentos, di-namizar o planejamento, rever estruturas e adaptar-se a uma nova subordinação institucional são implicações naturais, lógicas, necessárias e unânimes, mas, em nome desse aprimoramento, não se deve descaracterizar o fundamental enfoque e o extraordinário acervo já acumulado pela ESG.

Como uma instituição destinada a pessoas de elevada qualificação profis-sional, vasta experiência funcional e comprovada maturidade é, mormente, uma instituição humboldtiana (READINGS, 1999), que se caracteriza pela fundamental troca de conhecimentos e não por uma simples transmissão de Professor para alunos.

A instituição acadêmica, desde sua origem, há cerca de dez séculos, dedica-se à formação intelectual e moral dos homens, por meio do estudo, do cultivo do saber, da reflexão. Por cerca de um milênio soube consolidar-se e ser responsável pela construção dos Estados Nacionais e de toda a estrutura que tem possibilitado o bem-estar do ser humano e sua evolução. A ESG do passado, ainda que jovem, possui tradição, acúmulo de conhecimento e experiência no trato dos temas estra-tégicos.

Enfatizo as palavras de Confúcio, que nos ensinou que “Saber e não fazer, ain-da é não saber”. Esta é mais uma razão para que a ESG, como instituição de Estudos Estratégicos, viabilize os estudos, pesquisas, seminários e reuniões que venham a subsidiar suas atividades e que sejam fontes permanentes de ideias úteis para que conhecimentos possam ser criados.

Devemos fugir do pensamento único, que remete ao pragmatismo de uma consecução. É fundamental nos lembrarmos dos ensinamentos de Confúcio. Por isso, o CEE tem suas duas publicações destinadas a divulgar o resultado dos seus estudos e pesquisas realizadas pelos seus membros e assessores, bem como dos que, direta ou indiretamente, participam de suas atividades.

Como sugestão para desenvolver suas atividades acadêmicas, a ESG poderia voltar a ser uma instituição de elevado prestígio, participar de atividades acadêmi-cas e se adequar aos tempos atuais, mas, sem se esquecer de que, como a acade-mia tem a missão de preparar o futuro, a ESG também deveria assumir esse com-promisso; dedicar-se mais ao pensamento e menos à conjuntura, ainda que seja importante. Para isso, deveria enfatizar o estudo e estar sempre preparada para o futuro, mantendo relacionamento com instituições acadêmicas.

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Deveria priorizar e aprimorar o pensamento, assim como nos lembra Pascal (apud MORIN, 1996, p. 168-169) quando afirmou:

Sendo, portanto, todas as coisas causadas e causantes, ajudadas e aju-dantes, mediatas e imediatas e mantendo-se todas por vínculo natural que liga as mais afastadas e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, como também conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes.

É desejável que as atividades acadêmicas sejam sempre dinâmicas, criativas e atuais. As decisões nesta área precisam ser analisadas e deliberadas por um Conselho de Ensino para, posteriormente, serem submetidas à homologação pelo Comandan-te. Decisões compartilhadas por deliberação de professores e criação conjunta trazem benefícios permanentes à instituição. A administração não deve ser centralizada, mas sistêmica. É necessário promover a confiança e a coesão entre os docentes no exercício de suas atividades a fim de formar, naturalmente, um espírito de corpo na Escola.

As atividades acadêmicas poderiam espelhar-se na escola humboldtiana (READINGS, 1999), para que houvesse a possibilidade de uma relação de aprendizado e ensino otimizada e de elevação cultural. A convivência comum de estagiários e professores é saudável e produz profícuos resultados. O processo de aprendizagem seria pelo estudo, pela troca de conhecimentos e de experiência, sempre fazendo acontecer, e atividades conjuntas docentes e discentes. Convém que haja aprendizagem do que é fundamental e necessário, após prévia e profunda discussão entre docentes. Tal como uma Escola humboldtiana (READINGS, 1996; CASPER, HUMBOLDT, 1997), deveria haver trabalhos conjuntos entre docentes e discentes, o que teria melhor aproveitamento da experiência de ambos.

Imprescindível é a total liberdade de pensamento, para viabilizar a criativida-de, a elaboração de estudos aprofundados e a formulação de ideias, o que carac-teriza uma instituição acadêmica. Privilegiar o estudo, a pesquisa em benefício da evolução e produção de ideias é essencial para que a instituição seja bem conside-rada e respeitada.

Favorecer a atividade intelectual é obrigação de toda instituição dedicada ao conhecimento, ao saber. Sem ela não há evolução, e os docentes e alunos passam a pensar o que já fora pensado por outros. É um processo de retorno ao passado primário. Por isso ela deveria ser continuadamente privilegiada e estimulada.

Analisar as atividades da ESG de modo a reduzir ao mínimo a burocracia. Esta é impeditiva de qualquer processo acadêmico de desenvolvimento. Assim, as atividades acadêmicas teriam funcionamento flexível, rápido e mais eficiente, pos-sibilitando maior criatividade e produção intelectual.

Criar um ambiente de maneira a proporcionar condições adequadas de estu-do e pesquisa, como convém a uma instituição acadêmica. Nesse sentido, é oportu-no haver um ambiente sem dogmas.

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O pensamento, a reflexão e a pesquisa deveriam ser o foco, como resultado do pensamento, da reflexão e do livre estudo na área de interesse e vocação de cada um dos professores. Nesse contexto, os membros do corpo permanente deve-riam exercer suas atividades acadêmicas em suas áreas de interesse pessoal. A ESG, como uma Escola humboldtiana, deveria não apenas transmitir, mas fundamental-mente criar conhecimento nas áreas de atuação de seus docentes.

Nesse sentido o General Augusto Fragoso (1971), ex-Comandante da ESG, afirmou em conferência na Fundação Getúlio Vargas, em 30 de setembro de 1970:

Tendo sido, em toda sua vida, fiel – rigorosamente fiel – aos límpidos e atilados princípios que orientam a sua criação, está hoje a Escola, sem falsa modéstia, plenamente convicta de que muito realizou espe-cialmente no aprimoramento das elites nacionais, tornando-as mais idôneas para o exercício da arte política; tornando-as mais capazes de se ‘dedicarem ao bem de todos, ao bem comum, com sinceridade e retidão, com amor e com coragem; capazes de lutarem, com integrida-de e com prudência, contra a injustiça, a opressão, o absolutismo e a intolerância’ para usar as palavras de luminosa Pastoral do Vaticano II. (FRAGOSO, 1971 p. 38).

A ESG tem trabalhado demais e pensado de menos. Não se consegue pro-priamente pensar quando se extrai o que deve ser pensado. O objeto de pensa-mento não deve ser perdido. Assim sendo, o conhecimento não se acumula, não se desenvolve, não evolui. A criação de conhecimento requer continuidade no pensar e liberdade daquilo que se quer pensar.

Segundo Max Weber (apud HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009), não devemos confundir o objeto real e o objeto de conhecimento: só aprendemos o primeiro por meio de uma construção, que é o trabalho do pesquisador, sempre passível de revisão e de aperfeiçoamento; pode-se ter diversos pontos de vista sobre um mesmo objeto. Além desse aspecto, “a construção do tipo ideal como operação de estilização da realidade social para melhor compreendê-la” não é, como relembra Dominique Schnapper, “apenas características da sociologia em geral, mas também do conjunto das ciências humanas” (apud HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 81 - 83). A ESG do mundo real (pensamento) com o real (pragmatismo) constitui a marca do pragmatismo do não pensar. Perde-se no pensado e dele se afasta, o que é mais difícil do que encontrar o que pensar. Perder o que deve ser pensado tem consequências desagradáveis para a Escola. Não se deve perder essa liberdade de escolha. Quando não pensamos passamos à repetição, o que nos faz caminhar rumo a uma sociedade de segunda classe, que procura ou aceita a colonização, ao menos intelectual. Importante lembrar as palavras do Presidente Castelo Branco “para a Escola Superior de Guerra cumprir a tarefa que lhe é devida é considerar o lema orientador: repensar conceitos e inovar soluções, à luz das novas realidades (FRAGOSO, 1971).” Urge voltarmos ao

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presente do passado que era pleno de futuro, para que o resgatemos, pois, hoje, o presente não consegue antever o futuro e caminhar em sua direção. O mundo é dinâmico, nada é perene, e a vida é um longo processo de aprendizagem para cada um de nós. Tudo nasce, cresce e fenece. Entretanto, tal como entende Pascal (2005, p. 86)19:

O homem não é senão um caniço pensante, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se arme para esmagá-lo; um vapor, uma gota de água basta para matá-lo. Mas, ainda que o universo o esmagasse, o homem seria ainda mais nobre do que aquilo que o mata, pois ele sabe que morre e sabe a van-tagem que o universo tem sobre ele. O universo de nada sabe.[...]Toda nossa dignidade consiste, pois, no pensamento. É daí que temos de nos elevar, e não do espaço e da duração que não conseguimos preencher. Trabalhemos, pois, para pensar bem; eis aí o princípio da moral.

Assim sendo, é necessário seguir e contribuir para o progresso e desenvolvi-mento da humanidade. Nessa caminhada, o conhecimento é fundamental. Sem ele regrediremos e de nada nos serviriam os milênios de vida sofrida dos seres huma-nos. A mitologia grega mostra-nos que Dédalo escapa de Creta com o filho Ícaro, cujas asas eram formadas de penas e cera. Ignorando os alertas do pai, Ícaro voa em direção ao Sol até suas asas se desfazerem e ele se precipitar no mar. Foi o fim do mito, ainda assim, permaneceu vivo; outros vieram e, com sua determinação, ensinaram o caminho do voo aos homens.

O ilustre astrofísico Subrahmanyan Chandrasekhar homenageou o espírito de seu mestre, o famoso Sir Arthur Eddington, ao declarar “vejamos quão alto con-seguimos voar antes que o Sol derreta a cera de nossas asas” (WILSON, 1999, p. 5). Seguindo seu exemplo, entendo que os docentes da ESG poderiam assim se condu-zir a fim de contribuirmos todos para o progresso do conhecimento, tão necessário e indispensável ao futuro da sociedade brasileira.

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O PRIMEIRO CURSO AvAnçADO DE DEFESA SUL-AMERICAnO (CAD-SUL): REFLExõES SOBRE A DEFESA DA AMAzônIA

Heleno Moreira*

RESUMOO primeiro Curso Avançado de Defesa Sul-Americano (CAD-SUL), em conformidade com o Plano de Ação 2012 do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS), foi realizado no segundo semestre daquele mesmo ano, durante dez semanas, nas instalações da Escola Superior de Guerra (ESG), localizada no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro. Esse curso foi destinado aos altos funcionários de defesa, civis e militares, dos países-membros da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), contando com a participação de representantes de onze países, sendo que oito destes integram a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA): Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Tal iniciativa representa um esforço no âmbito da região para desenvolver um pensamento sul-americano de defesa baseado na integração, na cooperação e na confiança mútua, por meio de capacitação e formação de pessoal. Partindo dessa inédita experiência adquirida, o presente trabalho tem por objetivo apresentar algumas reflexões sobre como o processo de integração sul-americana pode contribuir para a defesa da Amazônia, ao considerar que a Amazônia brasileira estará mais bem defendida se toda a região amazônica também estiver. Afinal, defesa está diretamente relacionada com desenvolvimento. O trabalho aborda, especialmente, a importância de um curso desse nível para a defesa e para o desenvolvimento regional. Palavras-chave: Integração Sul-Americana. Defesa. Desenvolvimento. Formação e Capacitação de Pessoal.

thE FIRSt SOUth AMERICAn DEFEnSE ADvAnCED COURSE (CAD- SOUth): REFLECtIOnS On thE DEFEnSE OF thE AMAzOn

ABStRACtThe first South American Defense Advanced Course1 ( in accordance with the South American Defense Council2 2012 Plan of Action took place in the second semester

* Doutor em Ciências Militares (ECEME), possui o Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE) e o Curso Avançado de Defesa Sul-Americano, ambos da ESG, onde é membro do Corpo Permanente. Contato: < [email protected]>

1 Known by the acronym CAD-SUL in Brazil.2 Known by the acronym CDS in Brazil.

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of 2012 for 10 weeks in the facilities of the Superior War School 3, which is located in Brazil, in the city of Rio de Janeiro. This course was designed for senior defense offi-cials, civilians and military personnel from member countries of the Union of South American Nations (UNASUR)4, counting on the participation of representatives from eleven countries, considering that eight of these countries take part of the Organiza-tion of the Amazon Cooperation Treaty 5: Bolivia, Brazil, Colombia, Ecuador, Guyana, Peru, Suriname and Venezuela. This initiative represents an effort within the region to develop a South American defense thought based on integration, cooperation and mutual trust through capacity building and training staff. Departing from this unique acquired experience, the present paper aims to present some reflections on how the process of South American integration may contribute to the defense of the Amazon, considering that the Brazilian Amazon will be better defended if the entire Amazon region is defended as well, After all, defense is directly related to development. This paper highlights chiefly the importance of a course of this level for the defense and regional development. Keywords: South American Integration. Defense. Development. Education and Personnel Training.

EL PRIMER CURSO AvAnzADO DE DEFEnSA SURAMERICAnO (CAD-SUR): REFLExIOnES SOBRE LA DEFEnSA DE LA AMAzOníA

RESUMEnEl primer Curso Avanzado de Defensa Suramericano (CAD-SUR), en conformi-dad con el Plan de Acción 2012 del Consejo de Defensa Suramericano (CDS), ocur-rió en la segunda mitad del año, durante diez semanas, en las instalaciones de la Escuela Superior de Guerra (ESG), ubicado en Brasil, en la ciudad de Río de Ja-neiro. Este curso se dirige a altos funcionarios de defensa, civiles y militares, de los países miembros de la Unión de Naciones Suramericanas (UNASUR), con la participación de representantes de once países, y ocho de estos forman par-te de la Organización del Tratado de Cooperación Amazónica (OTCA): Bolivia, Brasil, Colombia, Ecuador, Guyana, Perú, Surinam y Venezuela. Esta iniciativa representa un esfuerzo en el ámbito de la región para desarrollar un pensa-miento suramericano de defensa basado en la integración, la cooperación y la confianza mutua, por medio de capacitación y formación personal. A partir de esta inédita experiencia adquirida, este trabajo tiene como objetivo pre-sentar algunas reflexiones sobre cómo el proceso de integración suramericana puede contribuir para la defensa de la Amazonía, teniendo en cuenta que la

3 Known by the acronym ESG in Brazil..4 Acronym for Union of South American Nations.5 Known by the acronym OTCA in Brazil.

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Amazonía brasileña estará mejor defendida si toda la región amazónica tambi-én está. Al final, la defensa está directamente relacionada con desarrollo. Este trabajo aborda especialmente la importancia de un curso de este nivel para la defensa y para el desarrollo regional.Palabras clave: Integración Suramericana. Defensa. Desarrollo. Formación y Capa-citación de Personal.

1 IntRODUçãO

O Parágrafo único do art. 4º da Constituição Federal de 1988 cita que: “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunida-de latino-americana de nações”. Na última década, a cooperação e a integração sul-americana têm sido muito debatidas. Tais discussões culminaram em 23 de maio de 2008 com a aprovação do tratado constitutivo da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL, 2008), que compreende nove conselhos, entre eles o Con-selho de Defesa Sul-Americano (CDS, 2011), cujos objetivos gerais são: consolidar a América do Sul como uma zona de paz, base para a estabilidade democrática e para o desenvolvimento integral dos nossos povos e contribuir para a paz mundial; construir uma identidade sul-americana em matéria de defesa, que considere as características sub-regionais e nacionais e que contribua para o fortalecimento da unidade regional; e gerar consensos para fortalecer a cooperação regional em matéria de defesa.

As principais atividades do CDS constam de Plano de Ação Anual, constituído de quatro Eixos de atuação (áreas temáticas), assim distribuídos: Políticas de Defesa; Cooperação Militar, Ações Humanitárias e Operações de Paz; Indústria e Tecnologia de Defesa; Formação e Capacitação.

O terceiro plano, elaborado para o ano de 2012, foi aprovado na Reunião Extraordinária do CDS, na cidade de Lima, no Peru, nos dias 10 e 11 de novembro de 2011, com 27 iniciativas. Entre estas, o Brasil propôs a atividade 4.a: “Realizar um Curso Avançado de Defesa na Escola Superior de Guerra do Brasil, destinado aos Altos Funcionários de Defesa dos países sul-americanos, civis e militares, durante o ano de 2012”.

O presente artigo relata essa experiência, fruto de participação e de estudos, como planejador, discente e Adjunto do Diretor do primeiro Curso Avançado de Defesa Sul-Americano (CAD-SUL), realizado no segundo semestre de 2012, nas ins-talações da Escola Superior de Guerra (ESG), no campus Rio de Janeiro.

O objetivo deste texto é apresentar algumas reflexões sobre como o pro-cesso de integração sul-americana pode contribuir para a defesa da Amazônia, ao considerar que a Amazônia brasileira estará mais bem defendida se toda a região amazônica também estiver. O trabalho aborda, principalmente, a importância de

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um curso desse nível para a construção de um pensamento de defesa e para o de-senvolvimento regional.

2 O CURSO AvAnçADO DE DEFESA SUL-AMERICAnO (CAD-SUL)

O CAD-SUL destina-se a capacitar civis e militares que atuam na área de defesa dos países da UNASUL, proporcionando-lhes conhecimentos que possibi-litem o desenvolvimento de um pensamento sul-americano de defesa, com base na cooperação e integração regionais. Para a consecução do objetivo geral do curso, a estrutura curricular foi desenvolvida ao longo de dez semanas, com uma carga horária de 327 horas/aula, reservadas às atividades de estudo e comple-mentares.

Essa estrutura curricular amparou-se em estudos teóricos e em aplica-ções práticas do conteúdo programático, estabelecido por meio de estudos e disciplinas, ministrados de modo a integrar diversos conhecimentos, tendo em vista que o tema defesa é um conceito bem amplo, além de estar ligado de modo inseparável ao conceito de desenvolvimento e de Estratégia Nacional de Defesa (END) (2008).

O corpo discente contou com a participação de representantes de 11 países – Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. O curso foi construído também buscando propiciar uma salutar troca de experiências e de conhecimento entre futuros líderes na área de defesa e even-tos importantes para o aprofundamento da cooperação, além do fortalecimento da confiança entre os países integrantes do citado bloco regional.

Faz-se oportuno destacar aqui que a abordagem metodológica desenvolvida pela ESG propicia aos discentes a aplicação prática dos conteúdos analisados em di-versos níveis de complexidade, configurando-se como um sistema de estudos, pes-quisas e atividades que requerem tanto desempenhos individuais como em grupo. Por esse motivo são privilegiadas técnicas de ensino que tornam as atividades mais produtivas e dinâmicas, de modo a favorecer a participação, a troca de experiências e o desenvolvimento dos discentes.

Os docentes foram representantes do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério da Defesa, professores doutores acadêmicos e da própria ESG. Também foram convidados palestrantes da Argentina, do Chile e do Equador. O argentino Doutor Alfredo Forti, Diretor do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa da UNA-SUL (CEED), para falar sobre “Geopolítica da América do Sul”. O Chile indicou o Ex-chanceler Juan Gabriel Valdez para transmitir sua experiência no comando da Missão das Nações Unidas para a estabilização do Haiti (MINUSTAH) – “Estudo de caso nas operações de paz”. O Equador indicou o Dr Maximiliano Donoso e o Co-ronel Napoleón Alvarado para fazer conferência sobre “Aspectos de segurança e defesa da América do Sul”.

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Ao longo do curso foram realizadas visitas às Escolas de Formação de Ofi-ciais das Forças Armadas Brasileiras6 e aos seus Órgãos de Ciência e Tecnologia7, incluindo-se também nesse expediente o Comando Militar do Leste, o Comando da Divisão Anfíbia da Marinha, o Navio-Aeródromo São Paulo (Porta-aviões), todos situados na capital carioca, além da EMBRAER (São José dos Campos – SP) e do Co-mando de Aviação do Exército em Taubaté, São Paulo.

O curso foi composto pelas seguintes disciplinas: I - Caracterização dos Países da UNASUL; II - Organismos Internacionais; III - Geopolítica e Geoestratégia; IV - Segurança e Defesa; V - Base Industrial de Defesa; e VI - Logística em ambiente estratégico.

Essas disciplinas possibilitaram discussões que conduziram a alguns ensina-mentos e conceitos, que serão vistos a seguir.

3 LIçõES APREnDIDAS

A América do Sul foi considerada, por muito tempo, como um continente distante, separado; hoje se projeta internacionalmente pela autossuficiência em energia, por extensos reservatórios de água doce e pela exuberante biodiversidade. Portanto, um patrimônio que merece ser preservado e defendido.

As fronteiras devem ser espaço de cooperação e não de separação. No entan-to, os principais obstáculos da UNASUL / CDS são as diferentes características dos países e suas consequentes assimetrias.

A falta de conhecimento na América do Sul sobre as diferentes regiões que compõem o continente é muito grande, não só entre o Brasil e seus vizinhos, como entre estes e o Brasil ou entre eles mesmos. O grande desafio, no contexto do 1º CAD-SUL, foi cada um dos representantes desses territórios apresentarem suas vi-sões para os outros, tendo em vista as muitas diferenças culturais.

As aulas no referido curso eram ministradas, na sua grande maioria, no idioma português, fato este que, no início, dificultou de forma considerável, pois a maioria dos discentes era de língua espanhola. A Guiana usa o idioma inglês, e o Suriname, o holandês. Este último foi atenuado, uma vez que seus representantes entendiam e falavam português e espanhol. Após cerca de trinta dias, a comunicação tornou-se mais dinâmica, pois o português começou a ficar mais fácil de ser entendido.

A avaliação do ensino, conduzida por intermédio de pesquisas realizadas ao fim de cada disciplina, foi fundamental para o aprimoramento e aperfeiçoamento do curso, que terá sua segunda edição no ano de 2013. Depois de planejado, a exe-

6 Escola Naval (Rio de Janeiro – RJ), Academia Militar das Agulhas Negras (Resende – RJ) e Academia da Força Aérea (Pirassununga – SP).

7 Instituto de Pesquisas da Marinha e Centro Tecnológico do Exército, ambos situados na cidade do Rio de Janeiro – RJ. E o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (São José dos Campos – SP).

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cução foi criticada e foram sendo levantados os pontos positivos e as necessidades de melhoria.

Como exemplo, pode ser citado o Laboratório de Simulação de Cenários, fer-ramenta de extrema importância, mas, por ter sido utilizada na segunda semana do curso, foi avaliada de maneira negativa, uma vez que exigia muitas regras a serem assimiladas e pouco tempo disponível para aprendê-las, aliada à dificuldade com a compreensão do idioma português, ainda pouco dominado pelos discentes. Tal análise resultou na revisão dessa atividade para os próximos cursos.

Outra crítica negativa é que público-alvo era sul-americano, e a maioria dos docentes era brasileira, os quais, apesar de orientados a falar sobre a América do Sul, tendiam a transmitir conhecimentos, em maior quantidade, do Brasil. Para ate-nuar essa situação, para o próximo curso, foram convidados palestrantes de seis países estrangeiros – Argentina, Chile, Equador, Peru, Uruguai e Venezuela.

As dificuldades de integração são muitas, destacando-se, entre essas, as dire-trizes das ações governamentais de cada região que adotam padrões diferenciados na ocupação de seus territórios. O Brasil, por exemplo, prioriza a parte litorânea, não dando a devida atenção à sua região centro-norte, fato esse que dificulta a ocupação do interior. Outra questão a se ressaltar é a deficiência de transporte aé-reo com poucos voos diretos entre as capitais dos países da América do Sul. Existe, dessa forma, uma enorme carência de infraestrutura.

De acordo com Pinto (2012), construir uma hidrovia não é caro - cerca de R$ 30 milhões de reais. Há muitas bacias fluviais, com destaque para as do Araguaia, do Tocantins, do Amazonas e do Prata. Mas os óbices são muitos: questões am-bientais e indígenas e, principalmente, falta de vontade política, além de excessivos procedimentos administrativos e burocráticos, que acabam propiciando, em várias oportunidades, a divergência entre leis federais, estaduais e municipais, contribuin-do para a insegurança jurídica.

Para um projeto de integração e de defesa da Amazônia, há necessidade de aplicar medidas para tornar fácil o acesso físico e cultural. A região é considerada despovoada e tem escassez de conexão nos setores de energia, transporte e comu-nicações, apesar das grandes potencialidades que até hoje não foram aproveita-das.

Como exemplo de iniciativa de cooperação, a Organização do Tratado de Coo-peração Amazônica (OTCA, 1978) é constituída por oito países amazônicos: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Tem os seguintes objetivos: desenvolver de modo harmonioso e integrado; elevar a qualidade de vida; integrar a região amazônica às economias nacionais; trocar experiências; fo-mentar o crescimento econômico e a preservação do meio ambiente.

Silva (2012) aponta que: 1) na América do Sul deve haver clareza das esfe-: 1) na América do Sul deve haver clareza das esfe-na América do Sul deve haver clareza das esfe-ras políticas e estratégicas dos conceitos de “Defesa” e de “Segurança”. Existe uma enorme dificuldade em distinguir esses dois conceitos; 2) a Amazônia, com seus

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recursos e soberania, é uma área vulnerável brasileira, sendo assim também para a América do Sul; e 3) a Estratégia brasileira decorre de algumas constatações, entre elas o desenvolvimento da Amazônia. E, portanto, a necessidade de desenvolver toda a região, e não somente a parte situada em território nacional.

Conforme aponta Silva (2010, p.65), as questões capazes de gerar crises e impor situações de insegurança para a comunidade das nações centram-se, agora, largamente em ações intraestatais (ecologia, direitos humanos) e transfronteiriços (máfias variadas). A disciplina, ministrada durante o curso, “Segurança e Defesa” ressaltou a importância da integração sul-americana, uma vez que esse tema entrou na agenda das relações internacionais, exigindo novos estudos, análises e debates, com o surgimento de novos atores e, como consequência, novas ameaças.

A Declaração sobre Segurança das Américas, ocorrida na cidade do México, em 2003, descreve como Novas Ameaças: pobreza extrema, terrorismo, crime transnacional, armas de destruição em massa, drogas, corrupção, tráfico de armas, lavagem de ativos, desastres naturais, tráfico ilícito de pessoas e ataques à segurança cibernética.

Lima (2012) mostrou que não se vislumbra uma ameaça comum. As dificulda-des são os problemas logísticos, financeiros e das legislações de cada país, indican-do necessidade de intercâmbio de estudos e de pessoal; manutenção e, se possível, ampliação dos exercícios militares entre os países; e integração da logística militar (pesquisa, desenvolvimento e produção).

Gonçalves (2012) aponta a integração como um meio, uma ferramenta para gerar mais desenvolvimento e seu argumento central baseia-se na tese que o avan-ço desse processo depende da convergência dos modelos de desenvolvimento em longo prazo.

Com a finalidade de atenuar a ligação física entre os países da UNASUL, a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) nasceu no ano 2000 sob o signo da inovação, com ideias para a construção de uma visão comum da infraestrutura, trabalhando sinergicamente com três setores – transpor-tes, energia e comunicação. A utilização do conceito de Eixo de Integração e Desen-volvimento (EID) permitiu aos governos sul-americanos o planejamento para além das suas fronteiras.

Um dos maiores desafios da IIRSA consiste em realizar a conexão territorial entre os países e possibilitar sua operação eficiente: infraestrutura construída, re-gulações adequadas e operação otimizada.

4 REFLExõES SOBRE DEFESA DA AMAzônIA

Para este estudo deve-se ressaltar que a Política de Defesa Nacional (PDN) do Brasil (BRASIL, 2005) é o documento condicionante de mais alto nível do planeja-mento de defesa do país, o qual define uma política de Estado voltada para amea-

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ças externas que fixa os objetivos nessa direção e orienta o preparo e o emprego da capacitação nacional. Esse Decreto Presidencial explica os conceitos de segurança e defesa adotados no Brasil, estabelecendo a diferença entre ambos, conforme ado-tado abaixo:

I - Segurança é a condição que permite ao País a preservação da soberania e da integridade territorial, a realização dos seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de qualquer natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e deveres constitucionais;II - Defesa Nacional é o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas.(PDN, 2005, p.2).

A Estratégia Nacional de Defesa (BRASIL, 2008) trouxe esse debate para a agenda nacional. Mas é uma tarefa de difícil execução, pois como envolver a so-ciedade de um país pacífico como o Brasil, que tem carências de várias ordens, em assuntos como o desenvolvimento do território brasileiro?

O desenvolvimento de mentalidade de defesa no seio da sociedade brasileira é fundamental para sensibilizá-la acerca da importância das questões que envolvam ameaças à soberania, aos interesses nacionais e à integridade territorial do País. (BRASIL, PDN, 2005, ORIENTAÇÃO ESTRATÉGICA, 6.20).

A PDN (BRASIL, 2005) e a END (BRASIL, 2008) estabeleceram que: “a Amazô-nia, considerando a cobiça internacional e as vulnerabilidades nacionais, é a área estratégica prioritária, sendo a sua integração o fator de maior impacto na redução das vulnerabilidades naquela região”.

De acordo com Neves Neto (2011, p.19), a grande bacia fluvial do Amazonas possui 1/5 da disponibilidade mundial de água doce. Os rios são as verdadeiras “estradas líquidas” que alimentam a vida da região. A maioria dos povoados, vilas e cidades está situada ao longo dos cursos de água.

Smith (2011, p. 80) cita: “Está na moda dizer que a água é o “petróleo do fu-turo”, pelo qual o mundo estaria disposto a entrar em guerra no século XXI”.

Os países desenvolvidos e os em desenvolvimento necessitam cada vez mais de fontes de energia para manter ou mesmo conquistar seus objetivos, aí incluído o desenvolvimento. O Ministro da Defesa brasileiro declara sobre a questão:

Não me canso de dizer: ser país pacífico não é sinônimo de estar desar-mado. A dissuasão é a Estratégia primária da política de defesa brasileira. E defesa, volto a repetir, não se delega. Seu objetivo é evitar, por meio da posse de adequadas capacidades militares, agressões ao patrimônio brasileiro ou ações que afetem, ainda que indiretamente, interesses na-cionais. (AMORIM, 2012, p. 8).

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Segundo Santos (2004, p.17), “A questão energética é muito séria, pois sem energia a Nação não pode produzir ou desenvolver-se. Uma Nação dependente em seu próprio território, naquilo que lhe é mais estratégico, não tem condições de manter sua soberania. Tende, sim, a ser colonizada ou controlada por nações mais poderosas”.

Essas ideias iniciais mostram que não há inimigos declarados, mas há rique-zas, patrimônios nacionais que necessitam de defesa.

De acordo com Neves Neto (2011, p.12), a END, estabelecendo a Amazônia como área prioritária para a defesa, busca conciliar exploração e preservação, per-mitindo visualizar a necessidade de um maior comprometimento da classe política na manutenção, desenvolvimento e povoamento da área. Ou seja, só corrobora a noção de que a melhor defesa é o desenvolvimento do país.

A região amazônica, com sua flora, fauna, minerais e biodiversidade, por exemplo, torna-se uma das regiões mais ricas do planeta, e, de acordo com Neves Neto (2011, p. 9), os óbices que dificultam a conquista desse objetivo podem ser listados como crimes transnacionais, narcotráfico, corrupção, depredações do meio ambiente, em cerca de 11.000 km de fronteiras, caracterizando-se assim as “Novas Ameaças”.

Fregapani (1995) aponta que segurança se obtém pela ocupação e pelo de-senvolvimento8, mas a capacidade militar não pode ser esquecida.

Em muitas localidades estratégicas da Amazônia, o Estado brasileiro se faz presente apenas com as Forças Armadas, ou seja, com a expressão militar do poder nacional9, notando-se a falta das outras quatro expressões, já que esse poder é uno e indivisível. Assim, há um desequilíbrio que necessita ser corrigido.

A ausência de instituições governamentais traz como consequências, entre outras, ações negativas de Organizações Não Governamentais (ONG)10 e de missões religiosas, que usam o índio como ser indefeso para conquistar seus interesses.

Segundo Villas Bôas (2013), atualmente, o atendimento às necessidades bá-sicas na Amazônia fica cada vez mais precário, em virtude da pouca presença de instituições estatais. Da mesma forma, as questões ambientais e indígenas, junta-mente com os ilícitos, estão se agravando. Vive-se, no momento, o dilema do de-senvolvimento versus o ambientalismo, em que o desmatamento da floresta ama-zônica representa a prática mais condenável por todas as organizações nacionais e

8 Desenvolvimento é o processo global de aperfeiçoamento do homem e o aprimoramento dos sistemas sociais (ESG, v 1, p. 53).

9 Poder Nacional é a capacidade que tem o conjunto de Homens e Meios que constituem a Nação para alcançar e manter os Objetivos Nacionais, em conformidade com a Vontade Nacional (ESG, 2013, v 1, p. 31). Para fins didáticos é dividido em cinco expressões: política, econômica, psicossocial, militar e científico-tecnológica.

10 Há um estudo feito sobre as ONG e seus países patrocinadores; entretanto, esse assunto seria tema de outro artigo.

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internacionais, pois traz danos irreparáveis ao ecossistema. Portanto, o importante é fazer dela, a terra, um dos fundamentos do poder nacional, transformando seus recursos naturais em riquezas para o Brasil, para a América do Sul, agregando valor. Afinal:

Um dos grandes desafios do desenvolvimento é promover o cresci-mento econômico sem agredir os valiosos ativos ambientais do país e, ao mesmo tempo, recuperar os que foram depredados, preservando-os para o usufruto tanto das gerações atuais quanto das futuras. (SA-LOMÃO, 2010, p. 393).

Quando se discutem temas amazônicos, as questões tomam um vulto maior devido às distorções propagadas na comunidade internacional, por intermédio de algumas ONGs, visto que alguns países ricos querem ensinar como o Brasil deve proteger o ambiente e os índios. E frequentemente essas interferências externas têm a capacidade e o poder de potencializar problemas, de inventar e agravar crises com o intuito de impor aos brasileiros a vontade dos países de primeiro mundo, seus objetivos políticos, sob a fachada de proteção ambiental e de minorias, sendo estes tão importantes quanto o atendimento às necessidades básicas da população. Derrubar árvores é crime, mas também o é negar atendimento às necessidades básicas de seres humanos.

Cabe ressaltar que a história mostra que esses mesmos países não resolve-ram situações parecidas. Mataram seus indígenas e destruíram seus ambientes na-turais.

E como desenvolver a Amazônia? Becker (1982), Pereira (2007) e Mattos (2007), com seus trabalhos geopolíticos, já indicavam a necessidade de ocupação e desenvolvimento diante da comprovação da existência de muita riqueza em recur-sos naturais, ou seja, um potencial econômico.

A fraca presença do Estado agrava a situação, uma vez que há muita regula-mentação e pouca fiscalização por parte dos órgãos governamentais, especialmen-te nas questões indígenas e ambientais, exceto em algumas ações fracionadas, não havendo qualquer tipo de integração; potencializa outros problemas, uma vez que não há fiscalização constante. E, sendo assim, todas as providências públicas em relação à Amazônia acabam tendo um viés repressivo, o que, consequentemente, impulsionam as pessoas, naturalmente, para o ilícito. Entretanto, há alguns progra-mas e projetos para aquela região, com objetivos de atender essa demanda. Como exemplo, pode-se citar o Programa Calha Norte (BRASIL, 2013 a) e o Projeto Rondon (BRASIL, 2013 b).

É necessário, portanto, oferecer alternativas à população local, pois são cerca de 16 milhões de habitantes (WIKIPÉDIA, 2013) esquecidos. Os índios, por serem mais facilmente manipulados por órgãos não governamentais e normalmente es-quecidos pelas autoridades competentes da urgência de sua inclusão aos demais

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brasileiros, deixam-se conduzir a quem lhes ofereça algo positivo. Eles carecem de elementos básicos à sobrevivência, ou seja, hospitais, escolas, transporte, energia, lazer. Existem ainda outros aspectos de ordem humana, econômica, ambiental e social. É necessária a presença do Estado, do poder nacional, pois são brasileiros que têm necessidades básicas não atendidas.

As decisões são tomadas em uma esfera que parece desconsiderar as reais necessidades dos brasileiros daquela região. É o caso, por exemplo, da sede da Se-cretaria da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA, 1978), que está localizada em Brasília, Capital Federal, quando o mais correto seria estar situa-da em Manaus para vivenciar a realidade e o espírito amazônico.

Além da ocupação, para o desenvolvimento é necessário um forte e expres-sivo investimento em educação, base de tudo, pois permeia as demais áreas. A educação não resolve todos os problemas, mas todos os problemas se resolvem com um mínimo de educação. Educação transmite o patrimônio cultural. Uma so-ciedade mais culta cuida melhor de sua saúde, valoriza o ensino, trabalha melhor, tem mais consciência ambiental e conduz a um melhor comprometimento com sua Nação, com o civismo. Como aponta Santos (2006, p.37), “a cultura é a base funda-mental para a manutenção da unidade nacional, da nacionalidade, da soberania e condição fundamental para a construção de um futuro comum. Entretanto a cultura só terá condições de sobreviver, se o Estado atuar no sentido de preservá-la”, um pouco antes, o autor ressalta que:

A cultura é essencial para a manutenção da integridade territorial, o que, em parte, possibilita seu vigor e sua criatividade. Podemos con-siderar a interferência cultural como instrumento da Estratégia. Con-siderando Estratégia uma arte, a interferência cultural é uma arma. Uma arma silenciosa e eficiente (SANTOS, 2006, p.19).

Uma das alternativas para atenuar tais adversidades é a criação de polos universitários, com esforço na Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I), em torno de Manaus, que tem uma posição central. Urge conectar a Amazônia aos outros centros de desenvolvimento. Vieira (2005) e Moreira (2008) corroboram a ideia de aplicação de fortes investimentos e incentivo de C, T& I na Amazônia, propon-do a criação de universidades públicas e Institutos científico-tecnológico voltados à pesquisa, com prioridade para recursos florestais e da biodiversidade, aquáticos e minerais.

A Amazônia é uma das regiões mais ricas do planeta, com a maioria do seu território no Brasil, mas também com mais sete países signatários da OTCA. Dois terços dos países sul-americanos possuem território na Amazônia. Por isso, é fun-damental sua defesa. Essa floresta toda protegida irá trazer benefícios não só ao Brasil, mas para toda a América do Sul. Assim, a integração regional deve ser consi-derada primordial para a defesa do continente e, em consequência, para a Amazô-

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nia, não se pode, também, deixar de mencionar a valiosa contribuição do CAD-SUL para essa integração, cujo objetivo principal se concentra no desenvolvimento de um pensamento sul-americano de defesa.

Dessa forma, o CAD-SUL contribui de modo significante, não só para a de-fesa da Amazônia, mas para a defesa de toda a América do Sul, colaborando com a integração regional, uma vez que possibilita destacar a sua importância política e estratégica, despertando o interesse de toda a UNASUL por aquela região, além de permitir o fortalecimento das instituições, como a OTCA, por exemplo.

5 COnCLUSãO

O CAD-SUL, curso inédito nas áreas de integração sul-americana e de defesa, com sua estrutura curricular própria, demonstrou a eficiência da cooperação como o melhor instrumento da dissuasão. Políticas de defesa e políticas de desenvolvimento são inseparáveis, uma dando suporte à outra.

Paralelamente, evidenciou a necessidade do equilíbrio do poder nacio-nal de cada país, pois a expressão militar é tão importante quanto as demais expressões. Compreender a geopolítica torna-se fundamental, dado que fatos ocorridos em outros continentes poderão trazer consequências para a América do Sul.

Não se pode desconhecer a importância estratégica da Amazônia, não só para o Brasil, mas também para os países membros da OTCA. Suas riquezas inco-mensuráveis, suas fontes de água doce, seu banco genético, entre outros, são alvo de cobiça por parte de nações desenvolvidas. E cabe aos brasileiros e a todos os povos que integram o território sul-americano se unirem, consolidando essa inte-gração, para juntos, proporcionarem a devida defesa à região, com a finalidade de manter a paz e nunca causar a guerra. Essas propostas devem começar com fortes projetos de desenvolvimento e de uma cultura sul-americana como poderosa arma de sua população.

A integração da América do Sul irá contribuir para a defesa de todos os países da UNASUL, e, como consequência, a região mais rica do planeta estará inteiramen-te defendida, já que é um patrimônio dos países amazônicos.

REFERênCIAS

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DEPOIS DA GUERRA FRIA: A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

Luiz Claudio Duarte*

RESUMOO texto analisa as posições adotadas pelos intelectuais da Escola Superior de Guer-ra (ESG) em relação à constituição de uma nova orientação para as Forças Armadas brasileiras diante da realidade geopolítica decorrente do final da Guerra Fria e das ações unilaterais dos Estados Unidos (EUA). Demonstra também como os esguianos repensaram, no período entre 1989 e 2006, a ligação militar e doutrinária com os EUA, questão presente na Escola desde a sua fundação. E assinala ainda como estes pensadores passaram a considerar a ameaça de uma intervenção estadunidense em território brasileiro e como defender soberania nacional diante desse risco po-tencial.Palavras-chave: Escola Superior de Guerra. Estados Unidos da América. Alinhamen-to. Autonomia.

AFtER thE COLD wAR: thE SUPERIOR wAR COLLEGE

ABStRACtThe paper analyzes the positions adopted by the intellectuals of the Superior War College1 in relation to the constitution of a new orientation for the Brazilian armed forces given the new geopolitical reality brought by the end of the Cold War and the unilateral actions of the USA. It also demonstrates how the esguianos2 rethought, in the period between 1989 and 2006, the question of the military liaison and doctrine with the USA, a present issue at ESG since its founding. It also points out how these intellectualshad considered the US intervention threat in the Brazilian territory and how to defend the national sovereignty in the face of this potential risk.Keywords: Superior War College. United States of America. Alignment. Autonomy. War College. United States of America. Alignment. Autonomy.

* Mestre em História pela UFF. Doutor em Educação pela UFF. Professor do Curso de História do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional, da Universidade Federal Fluminense. Contato: [email protected] e [email protected]

1 Known by the acronym ESG in Brazil.2 Name applied to those who accomplished the courses at ESG.

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DESPUéS DE LA GUERRA FRíA: LA ESCUELA SUPERIOR DE GUERRA

RESUMEnEl texto analiza las posiciones adoptadas por los intelectuales de La Escuela Su-perior de Guerra (ESG) con respecto a la constitución de una nueva orientación para las Fuerzas Armadas brasileñas frente a la realidad geopolítica derivada del final de la Guerra Fría y de las acciones unilaterales de los Estados Unidos (EE UU). También demuestra cómo los integrantes de la ESG repensaron, en el período 1989-2006, la conexión militar y doctrinaria con los EE UU, cuestión presente en la Escuela desde su fundación. Y aún marca cómo estos pensadores empezaron a considerar la amenaza de una intervención estadounidense en territorio brasileño y cómo defender la soberanía nacional frente a ese riesgo potencial.Palabras clave: Escuela Superior de Guerra. Estados Unidos de América. Alineación. Autonomía.

1 IntRODUçãO

Se não consensual, ao menos é prevalecente na historiografia brasileira que o regime militar, inaugurado em abril de 1964, adotou, em termos de polí-tica externa, uma posição clara de alinhamento com os Estados Unidos (EUA), a exemplo do que ocorrera durante o Governo do Marechal Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), só que por um período bem mais longo e com consequências mais profundas3.

Esse ordenamento das Forças Armadas brasileiras em relação aos EUA foi favorecido pela ação intelectual da Escola Superior de Guerra (ESG) na propagação entre as elites brasileiras, incluindo a militar, da Doutrina de Segurança Nacional (DSN) e sua tese do alinhamento dos países ocidentais, democráticos e cristãos em contraposição aos países comunistas. Certamente contribuía, para tal, a percepção positiva do comando militar a respeito do papel desempenhado pelos EUA na geo-política internacional nos tempos da Guerra Fria.

Este artigo visa mostrar que a década de 1990 trouxe uma conjuntura inter-nacional que afetou negativamente a percepção, até então essencialmente positi-va, que os esguianos em geral tinham da geopolítica estadunidense.

A pesquisa que originou este estudo foi motivada pelo interesse em conhe-cer as mudanças doutrinárias e ideológicas do pensamento militar brasileiro, a partir da documentação produzida na ESG ou por esguianos, na nova conjuntura mundial inaugurada com o fim da bipolaridade e da Guerra Fria, e em face das recentes orien-tações geopolíticas implementadas pelos EUA em termos de política internacional e

3 Foi no Governo do Presidente Dutra que ocorreu a fundação da Escola Superior de Guerra.

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de segurança4. Entretanto, não apenas as diretrizes geopolíticas do Governo norte-americano sofreram avaliações negativas dos pensadores da Escola Superior de Guer-ra no período analisado (1989-2006), como também os impactos na economia e no Estado da chamada globalização e das políticas neoliberais, mormente nos Governos do Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), influenciaram no aparecimento de uma produção intelectual esguiana crítica e mesmo hostil.

Com essa mudança de orientação da Escola, tornam-se frequentes os chama-dos, nos manuais e em outros textos da ESG, para que a sociedade se envolva nas discussões sobre defesa e segurança. O entendimento é de que a defesa nacional não deve ser considerada uma tarefa exclusiva das Forças Armadas (FA), ainda que sejam os militares os especialistas no assunto (LEONEL, 1997). E mais, detectam-se esforços no sentido de uma revisão doutrinária visando conseguir uma base social de apoio mais ampla do que tradicionalmente se fazia ao se dirigir o diálogo somen-te às elites políticas e às elites empresariais.

Isso, talvez, ajude a entender a posição do ex-Comandante da ESG, Tenente Brigadeiro do ar Sérgio Xavier Ferolla que, em março 1994, fez declarações elogio-sas às lideranças dos movimentos sociais, inclusive ao Movimento dos Trabalhado-res Rurais Sem Terra (MST) (FEROLLA, 1994, 2006), assim como a atitude de outro ex-Comandante da Escola, o General de Exército José Benedito de Barros Moreira que, em 2006, convidou para proferir palestra para os colaboradores e estagiários da ESG o principal dirigente do MST: João Pedro Stédile5. Tais atitudes indicavam mudanças nas diretrizes da organização de ensino.

A Escola Superior de Guerra nasceu inspirada pela íntima relação política e ideológica estabelecida entre os oficiais brasileiros, que a criaram, com os milita-res estadunidenses, a partir da experiência da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Guerra Mundial (ARRUDA, 1983). Experiência e identificação político-

4 A pesquisa que originou o presente texto foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.

5 Depois dessa iniciativa, o General passou a ser alvo de críticas em sítios e blogs de direita, sendo inclusive taxado de ser uma infiltração comunista no Generalato. Outra posição do General que lhe rendeu críticas de setores liberais foi sua defesa quanto à necessidade de reservas e apoio do Estado, inclusive fiscal, para que a indústria nacional de defesa pudesse se desenvolver e ser capaz de fornecer os equipamentos necessários às FA (incluindo aviões de caça e VLS) com tecnologia totalmente nacional. Também gerou polêmica quando, em 2007, em entrevista ao programa “Expressão Nacional” da TV Câmara, defendeu que o Brasil desenvolvesse a tecnologia para produzir a bomba atômica (MOREIRA, 2007). Em um dos sítios que acusam o General Barros Moreira de ser comunista (“melancia”, como dizem no jargão direitista), é dito que o referido oficial, quando Comandante da ESG, em 2006, teria afirmado em uma palestra na Faculdade Boa Viagem (Recife) “[...] que era necessário trazer o ‘proletariado’ para dentro das FFAA e acabar com o ‘elitismo’ existente, pois o povo – a massa, o proletariado – precisava participar da defesa e da segurança da Nação ]...]”. Disponível em: <http://infomix-cf.blogspot.com/2006/08/ameaas-difusas.html>. Acesso em: 17 jan. 2012, grifos no original.

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ideológica que foram desenvolvidas e consolidadas nos intercâmbios que se segui-ram através das viagens e estadas de oficiais brasileiros em instituições militares dos EUA, bem como pela presença e assessoria de membros das Forças Armadas dos EUA na constituição da Escola. Como bem revelou um dos seus inspiradores e primeiro Comandante6: “A ESG é filha de americanos, mas naturalizou-se brasilei-ra” (ARRUDA, 1983). A naturalização a que se refere o General Cordeiro de Farias certamente não fez, até recentemente, obliterar os vínculos ideológicos da Escola com sua matriz externa: o Governo norte-americano e sua geopolítica no período posterior à Segunda Guerra Mundial.

Para melhor compreensão das formulações ideológicas, das concepções dou-trinárias e estratégicas, bem como dos posicionamentos políticos da ESG ao longo de sua existência, torna-se importante entender os movimentos da geopolítica es-tadunidense, a qual, salvo dissonâncias pontuais, os esguianos se empenharam em repercutir no Aparelho de Estado (ALTHUSSER, 1989) nacional e difundir junto às elites nacionais e, especialmente, aos militares.

Desse modo, em face da particular relação existente entre a produção intelectual dos membros da ESG e os interesses estratégicos do Aparelho de Estado norte-americano em escala mundial, considera-se que perceber a ESG no contexto histórico de um mundo não mais bipolar, no cenário do pós-Guerra Fria, de ascensão da chamada globalização e dos programas neoliberais, de-manda, primeiramente, entender como ficaram as relações dos esguianos com a geopolítica estadunidense nessa quadra histórica que se abriu a partir dos anos de 1989 (queda do Muro de Berlim) e 1991 (dissolução da URSS) (GÓES, 2007).

Acompanhando a premissa do Comandante Góes quando afirma:

Com efeito, as grandes estratégias norte-americanas transcendem o escopo de sua simples nacionalidade e invadem a territorialidade dos outros países. Na verdade, a superação histórica da predominância do mundo eurocêntrico a partir do fim da Segunda Guerra Mundial abriu espaço para a ascensão da hegemonia norte-americana no mundo oci-dental.E assim é que a tarefa de compreender, em sua inteireza, a nova ordem mundial na Era Pós-Bipolar perpassa, induvidosamente, pelo estudo da evolução do pensamento estratégico daquele País. Nesse sentido, avaliar a conjuntura internacional contemporânea não deixa de signi-ficar investigar os impactos das mudanças estratégicas operadas pe-los Estados Unidos da América em relação ao resto do mundo. (GÓES, 2006, p. 135).

6 A expressão Comandante, quando se referir ao comando da ESG, virá como Comandante da ESG ou redigida de uma forma que permita ao leitor perceber facilmente que se refere ao Oficial-General Comandante da Escola. Isoladamente, ela indica um Capitão de Corveta, um Capitão de Fragata ou Capitão de Mar e Guerra, oficiais superiores da Marinha do Brasil.

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Perscrutar a geopolítica estadunidense torna-se essencial para uma melhor compreensão das relações internacionais, desde que os EUA ascenderam como Na-ção hegemônica no período seguinte à Segunda Guerra Mundial e se transforma-ram na única superpotência nessa era após Guerra Fria, mas também para o enten-dimento da existência e da Doutrina da Escola Superior de Guerra.

Durante o período da Guerra Fria, o olhar dos pensadores da Escola em refe-rência à “América” foi em geral positivo, de um aliado. Mas como ficam esse olhar e as relações ideológicas dos intelectuais esguianos com a “América”, com a sua matriz doutrinária, quando os EUA se tornam a superpotência única e hegemôni-ca e reformula seus objetivos estratégicos e sua geopolítica em função dos seus interesses particulares sem necessariamente considerar ou depender dos antigos “aliados” da luta contra o comunismo?

Certamente por essa determinação que se deve iniciar a análise: a posição dos esguianos frente ao unilateralismo estadunidense a partir dos anos finais do sé-culo XX. Mas essa determinação e seus rebatimentos na produção dos pensadores da Escola Superior de Guerra precisam ser considerados, levando-se em conta uma mediação fundamental: o Ser social dos esguianos como sujeitos do Aparelho de Estado, mais especificamente, de um Aparelho Ideológico do Aparelho Repressivo do Estado (ALTHUSSER, 1989).

2 BORn In thE UnItED StAtES OF AMERICA

Segundo o coordenador da Divisão de Geopolítica e de Relações Inter-nacionais da ESG, Professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), Capitão de Mar e Guerra, Guilherme Sandoval Góes, no período poste-rior à Segunda Guerra Mundial, os Estudos Unidos formularam e praticaram três grandes diretrizes geoestratégicas visando à sua segurança nacional. Entretanto, para os estrategistas norte-americanos, a segurança e consecução dos interesses nacionais dos Estados Unidos demandaram a sua projeção de poder para muito além das fronteiras nacionais, dando-lhe uma dimensão global. As três diretrizes geoestratégicas analisadas pelo Comandante Góes são: a) “A Geoestratégia da Contenção, em vigor durante a Guerra Fria”; b) “A Estratégia do Engagement and Enlargement, engendrada por BILL CLINTON no início dos anos 90 e desenvolvida a partir do colapso geopolítico do Império soviético”; e c) “A Doutrina Bush, con-figuração estratégica pós-11 de Setembro e cuja linha dominante é a imposição da chamada PAX AMERICANA, aqui entendida como unipolarismo geopolítico glo-bal” (GÓES, 2006 e 2007).

Em que pesem as diferenças, as grandes estratégias estadunidenses impli-caram invasões da “territorialidade dos outros países”, expressando a hegemonia alcançada pelos EUA com a superação “da predominância do mundo eurocêntrico” (GÓES, 2006).

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3 A GEOEStRAtéGIA DA COntEnçãO

Para o Comandante Góes, essa estratégia nasceu como resposta ao “expan-sionismo soviético”, foi projetada por George F. Kennan, com base na “ideia-força do confronto indireto entre as duas superpotências, dando origem, por consequên-cia, à famosa Guerra Fria” (GÓES, 2006). Nessa geoestratégia, os conflitos principais ocorreriam no “Rimland eurasiano”: áreas geográficas de grande fluidez geopolítica (Europa Oriental, Oriente Médio, Ásia Central e Sudeste Asiático). Assim, a Guerra Fria caracterizava-se pela ocorrência de conflitos indiretos entre as superpotências no Rimland. Essa formulação estratégica baseava-se em duas premissas: a tese ma-ckinderiana7 do expansionismo soviético e a tese da “contenção spykmaniana8 dos EUA”9.

O Comandante Góes compartilha da premissa estadunidense de que a União Soviética (URSS) se movia no sentido de aplicar o esquema mackinderiano com o objetivo de estabelecer sua dominação comunista mundial. A premissa de que a URSS tinha pretensões expansionistas emerge em 1946 quando se destaca a figura de George F. Kennan10 que, segundo Góes, “abriu espaço para a corrente realista de política externa que não acreditava na perspectiva de cooperação internacional [...], baseada na coexistência harmônica entre o capitalismo e o comunismo. Ur-gia, pois, construir uma estratégia de reação apta a combater o avanço comunista” (GÓES, 2006, p. 142).

7 O geógrafo inglês Halford John Mackinder, considerado um dos precursores da geopolítica e da geoestratégia exatamente por ter formulado, em 1904, a Teoria do Heartland, “propugna que o Estado Nacional que tiver a capacidade de controlar a Eurásia dominará o Coração da Terra. Quem controlar o Coração da Terra governará a Ilha Mundial (Europa, África e Ásia). E quem controlar a Ilha-Mundo comandará o mundo. A sequência mackinderiana para a conquista do mundo é a seguinte: 1. Eurásia, o Heartland, o Coração da Terra propriamente dito; 2. Os três continentes (Europa, África e Ásia), a Ilha Mundial; 3. O resto do mundo, América e Austrália” (GÓES, 2006, p. 143, grifo no original). Cabe destacar que Mackinder, assim como Churchill, foi um ativo defensor do imperialismo britânico e na condição de alto-comissário britânico no Sul da Rússia Soviética atuou, durante a guerra civil, no sentido de tentar unir os “brancos” contra os bolcheviques.

8 Refere-se ao geógrafo holandês naturalizado estadunidense Nicholas Spykman, principal formulador da “Teoria das Fímbrias” (Ibid., p. 145-146).

9 A respeito das práticas imperialistas e belicistas dos EUA, sugerimos ao leitor os documentários: A Batalha do Chile; A Guerra Contra a Democracia; A Guerra Fria na América Latina; A História não Contada dos Estados Unidos (The Untold History of the United States), dirigido por Oliver Stone e Peter Kuznick; Chove Sobre Santiago; Make Mine Freedom. Produção: Universidade Harding & Hanna e Barbera (1948); O Dia Que Durou 21 Anos; Razões Para a Guerra (Why We Fight), dirigido por Eugene Jarcki; e Sob a Névoa da Guerra (The Fog of War), dirigido por Errol Morris. Importante também é ler o depoimento do General Smedley D. Botler sobre as operações que realizou ao longo da carreira (HUBERMAN e SWEEZY, 1961, p. 31-32).

10 Originalmente a Geoestratégia de Contenção denominava-se Kennan’s Containment Strategy. (GÓES, 2006, p. 145).

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Foi para conter o “expansionismo” do “Império soviético” e salvar o Ocidente e o mundo da dominação comunista que os EUA, principal guardião da civilização ocidental, cristã e democrática, aplicaram a estratégia de contenção inspirada na Teoria das Fímbrias, de Nicholas Spykman.

Enquanto matriz antimackinderiana, a Teoria das Fímbrias defende a ideia central de que o Estado nacional que controlar o Rimland domi-nará a Eurásia e quem dominar a Eurásia, controlará o mundo. De inelu-tável evidência, portanto, o sinal trocado entre as teses mackinderiana e spykmaniana, ou seja, enquanto a escola do poder terrestre defende o avanço na direção Coração da Terra-Ilha do Mundo, a concepção das fímbrias propugna a contenção no sentido Rimland-Coração da Terra. Um modelo é a antítese do outro11. (GOES, 2006, p. 146).

Como decorrência lógica da Teoria das Fímbrias, os EUA e seus aliados atuaram para estabelecer regimes solidamente anticomunistas no Rimland enquanto prosse-guia a luta pelo controle do Coração da Terra. Daí, o envolvimento dos Estados Unidos em conspirações e mesmo em ações diretas que impuseram e sustentaram ditadu-ras capitalistas em várias bordas do Heartland. Para tanto, foi necessário estabelecer aliados nos países do Rimland, mormente, militares. Os intelectuais esguianos, em regra, foram exatamente esses aliados diretos da geoestratégia norte-americana de preservação do capitalismo nas fímbrias, como elemento de contenção, e cerco da URSS e seus aliados. Mas, a adesão dos pensadores da ESG à estratégia anticomunista e pró-capitalista (pró-democracia diriam eles) dos EUA respondeu não só às articula-ções levadas a efeito pelo Governo norte-americano e seus agentes no Brasil12, mas também, e sobretudo, à identificação ideológica dos esguianos com o capitalismo, à visão de mundo da burguesia, aos elementos fundamentais da concepção liberal clássica sobre economia, política e o homem:

Com efeito, é a própria letra da Geoestratégia da Contenção que revela a tendência de apoiar os regimes militares na América Latina. Estava escri-to textualmente, não era nem mesmo necessário dissimular. No quadro geopolítico da Contenção, tais regimes eram importantes instrumentos a serviço dos interesses norte-americanos. (GÓES, 2006, p. 151).

Os regimes militares, no contexto da Geoestratégia de Contenção, foram o recurso kissingeriano adotado pelos EUA para cumprirem a orientação estratégica propugnada por Spykman que, segundo Fiori (2011):

11 Por “Rimland” entende-se as “bordas ou fímbrias da Ilha do Mundo” (GÓES, 2006, p. 137).12 Referimo-nos aqui, por exemplo, aos grupos políticos de civis e militares que articularam e

executaram o golpe de Estado de 1964 e participaram ou deram apoio à ditadura empresarial-militar como destacam René Armand Dreifuss (1987a e 1987b), Octávio Ianni (1981), Kurt Rudolf Mirow (1978) e Caio Navarro de Toledo (1984).

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[...] definiu o continente americano, do ponto de vista geopolítico, como primeira e última linha de defesa da hegemonia mundial dos EUA. Ele considerava improvável que surgisse um desafio à supremacia dos Estados Unidos na ‘América Mediterrânea’, onde ele incluía o Méxi-co, a América Central e o Caribe, mas também a Colômbia e a Venezue-la. Mas ele considerava que poderia surgir um desafio desta natureza, na região do ABC, no Cone Sul da América. E, neste caso, considerava inevitável o recurso à guerra. A sigla ABC refere-se à Argentina, Brasil e Chile, mas a região do ABC inclui também o território do Uruguai e do Paraguai, incluindo exatamente os mesmos cinco países que estive-ram envolvidos na Operação Condor. Neste sentido, pode-se dizer que Henry Kissinger seguiu rigorosamente as recomendações de Nicholas Spykman com relação ao controle desta região geopolítica. Sua única contribuição pessoal foi a substituição da ‘guerra externa’, proposta por Spykman, pela ‘guerra interna’ das Forças Armadas locais contra setores de suas próprias populações nacionais [...].

Tem-se, então, que, no período da Guerra Fria e da Geoestratégia de Con-tenção, o aspecto militar (o elemento força) se destacava acima dos demais como o meio pelo qual os Estados Unidos alcançavam ou procuravam alcançar seus obje-tivos geopolíticos de “contenção” do comunismo e do “expansionismo” soviético, através de alianças e pactos regionais (GÓES, 2006). Neste cenário, apenas o temor do extermínio mútuo em uma guerra nuclear estabelecia os limites da Guerra Fria e abria espaços à diplomacia (CAMBESES JÚNIOR, 2002).

Uma observação em relação ao esquema mackinderiano e à estratégia spyk-maniana se faz necessária. Originalmente, nenhuma das duas teve como foco o co-munismo e a URSS. Mackinder, ao anunciar sua “Teoria Heartland”, tinha por preocu-pação os riscos representados pela Alemanha e pela Rússia (este um país eurasiano) para os interesses imperiais da Grã-Bretanha. A estratégia spykmaniana foi, original-mente, pensada para o confronto com a Alemanha nazista, que se apropriara dela e a adaptara aos seus objetivos. Somente depois da Segunda Guerra Mundial, com o crescimento do prestígio internacional da URSS, com a constituição das democracias populares e com a vitória da Revolução Chinesa, os estrategistas norte-americanos, influenciados por George F. Kennan, passam a propagar a ideia de que a União Sovi-ética almejava o controle mundial, utilizando o esquema mackinderiano, assim como fizera a Alemanha hitlerista, e, para lhe contrapor, aplicar-se-ia novamente a teoria spykmaniana das fímbrias que, conforme dito acima, tem relação estratégica direta com as ditaduras capitalistas que os EUA patrocinaram mundo afora.

4 A GEOEStRAtéGIA DO “EnGAGEMEnt AnD EnLARGEMEnt”

Implementada pela gestão Clinton, a partir de fevereiro de 1995, tendo em conta a nova realidade mundial surgida com o fenecimento da URSS, desvia-se en-

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tão “o foco estratégico para a abertura mundial do comércio, em detrimento de uma cosmovisão ideológico-militarista que predominava no período que lhe an-tecedia” (GÓES, 2006, p. 137). A matriz estratégica, afirma o Comandante Góes, foi deslocada predominantemente para os interesses econômicos, e o Presidente Clinton revela uma “crença exacerbada na predominância da dimensão econômica dentro da matriz de segurança nacional” (GÓES, 2006, p. 138)13.

Durante a Guerra Fria, a preocupação central dos estrategistas estaduniden-ses com o risco de uma guerra nuclear e a utilização massiva de mísseis intercon-tinentais contribuiu para que se ocultasse, nos subterrâneos da Guerra Fria, uma série de conflitos regionais. Com o fim da Guerra Fria e a redução significativa do risco da guerra nuclear global com uso de mísseis intercontinentais, surge a Geoes-tratégia do Engagement and Enlargement, que passa a dar destaque aos embates regionais (o risco de guerras nucleares regionais, a exemplo dos conflitos entre a Índia e o Paquistão); às lutas transnacionais (a exemplo do terrorismo, as grandes migrações para os países ricos e do tráfico de drogas): e ao risco da proliferação das armas de destruição em massa que carateriza a atual fase de fragmentação nuclear (casos do Irã e Coreia do Norte) (GÓES, 2006).

A administração Clinton trará, para o centro da problemática estratégica, a busca por ampliar e aprofundar a hegemonia dos Estados Unidos no mundo por meio de um maior controle das economias nacionais e pelo aprofundamento da su-bordinação da economia global aos interesses econômicos das multinacionais nor-te-americanas. Não foi casual o fato de a economia estadunidense ter atingido seu ápice no período da estratégia do Engagement and Enlargement, quando obteve “um crescimento ininterrupto de quase nove anos, o maior de toda a sua história”. Peças essenciais dessa política: a “globalização” e as políticas neoliberais.

Decorrente dessa estratégia surge “um esquema grandioso de áreas super-continentais de comércio. É o próprio texto da estratégia norte-americana que de-nomina tal sistema de Constelação Mundial do Comércio”, a qual “é um mecanismo multilateral com fulcro em três grandes zonas de livre comércio, a saber: 1. Área de Livre Comércio das Américas (ALCA); 2. Mercado Transatlântico (União Europeia); 3. Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico (APEC)”. Essas áreas supercontinentais

13 Martins Filho (2002), ao estudar os vínculos entre a globalização e a geoestratégia estadunidense, mostra que, para os estrategistas norte-americanos, ‘a política dual que visa expandir a cooperação econômica e de segurança continua a ser o principal instrumento das políticas dos Estados Unidos para a construção de uma ordem mundial justa, estável e próspera’. Ou seja, os EUA usam a “cooperação econômica” como uma ferramenta eficiente para alcançar seus objetivos em termos de política de segurança, isto é, de construir e consolidar áreas de influência e, desta maneira, será impulsionada também a globalização. Entretanto, consideramos importante destacar que a segurança nacional estadunidense deve ser entendida como sendo essencialmente a segurança das corporações econômicas e o interesse nacional norte-americano, representando fundamentalmente os interesses das corporações norte-americanas mundo afora.

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são apoiadas pela Organização Mundial de Comércio (OMC), pelo Fundo Monetá-rio Internacional (FMI) e pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvi-mento (BIRD), que atuam em favor dos interesses estadunidenses (GÓES, 2006).

A Constelação Mundial do Comércio tem suas raízes na tradicional Teoria da Tríade, formada, em fins da década de 1960 e início da década de 1970, pelo Clube de Roma e que visou favorecer a recuperação econômica dos EUA, abalada, no iní-cio de 1970, pela crise de sobrevalorização do dólar em relação ao iene e a moedas europeias. A Teoria da Tríade colimou, em plena Guerra Fria, a delinear a economia de mercado em escala mundial e mesmo influir no “bloco comunista”. Ela projetou a Teoria do Trilateralismo Mundial com três centros de poder: o bloco estaduniden-se, o europeu e o asiático (ASSMANN et al, 1990). Nesse esquema, a Alemanha Oci-dental e o Japão figuravam como as megapotências auxiliares dos Estados Unidos. “Em certo sentido, a hegemonia mundial estadunidense seria exercida mediante a atuação de países suseranos, Japão e Alemanha, responsáveis pelo controle direto dos países vassalos no âmbito de seus respectivos blocos” (GÓES, 2006, p. 157-159, 163). O objetivo de dinamizar a economia dos EUA refaz-se na década de 1990, na Constelação Mundial do Comércio, como parte da estratégia da era Clinton, e tam-bém reproduz as relações de vassalagem

[...] dos países periféricos que continuam aceitando tratamento inferio-rizado no âmbito das relações comercias internacionais. Infelizmente, a intelectualidade brasileira ainda não percebeu a sutileza da constru-ção estratégica norte-americana e queda-se inerte, sem talento e sen-sibilidade para mapear um caminho geopoliticamente independente. A luta contra a inferioridade geopolítica será infrutífera se não houver caminhos de integração regional. (GÓES, 2006, p. 158-160).

O sentido da estratégia de Engagement and Enlargement continua sendo o mesmo da antecessora, ainda que em outra realidade histórica: “ampliar, cada vez mais, a esfera de reverberação geopolítica dos Estados Unidos da América dentro da Era Pós-Bipolar” (Ibid., p. 160). Ou seja, por trás dos discursos a respeito da cooperação e multiculturalismo, ou sobre a “globalização” e benefícios mútuos, o que se tem verdadeiramente é a implementação de uma estratégia de dominação tridimensional: econômica (que assume a condição de aspecto principal), cultural (que produz uma submissão mais sólida) e militar (que prevalece no período da Geoestratégia da Contenção) (SANTOS, 2006).

Com rigor, a cooperação internacional sob a lógica multilateral da Ad-ministração Clinton é meramente virtual, na medida em que não há mudança na linhagem estratégica do modelo estadunidense, ao re-vés, sua vocação expansionista e egoística é irrespondível. Destarte, a comunidade internacional deveria rejeitá-la em sua pretensão de se transformar em símbolo universal de desenvolvimento. Sob o manto

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da globalização, ocultava-se, como já visto anteriormente, uma es-tratégia tridimensional de reafirmação hegemônica. (GÓES, 2006, p. 160).

5 A DOUtRInA BUSh E A “Pax americana”

Consagrada como “Doutrina Bush”, a nova estratégia destaca, entre seus pilares, o contraterrorismo e a legítima defesa preventiva [ ] re-presenta uma radical mudança dos conceitos geoestratégicos que vi-goravam no país desde a Guerra Fria, e se justificaria por sua finali-dade, ou seja, criação de instrumentos legais para controle absoluto de todas as atividades individuais, principalmente de imigrantes, e, da mesma forma, de concessão ao Presidente de poderes para ata-car preventivamente, em qualquer parte do mundo, grupos terroristas ou Estados hostis aos norte-americanos. (PEREIRA, 2006, p. 130, apud GÓES, 2007, p. 18-19).

Com os atentados de 11 de Setembro de 2001, teve início a doutrina Bush, “cujo consectário supremo é a tentativa de impor um sistema internacional unipo-lar”, recorrendo, mesmo sem respaldo dos organismos internacionais e do direito internacional, a “ataques preventivos” e ao “protecionismo comercial sem disfar-ce”. Entretanto, o unipolarismo bushniano, com o seu desprezo pela soberania dos Estados mais fracos, dava sinais de sua presença “antes mesmo da fatídica queda das torres gêmeas do World Trade Center” (GÓES, 2006, p. 161).

Para o Coronel Cambeses Júnior, “o Presidente George Bush tem optado por uma estratégia de confrontação violenta que se coaduna perfeitamente com o esti-lo preconizado por Maquiavel, ou seja, de que ‘o fim justifica os meios’. Para tanto, o que conta é o objetivo e os meios e a ética devem necessariamente se ajustar a esses propósitos” (CAMBESES Júnior, 2003a)14. Cabe destacar que essa apreciação nada elogiosa da política externa estadunidense foi, em 2003, publicada pelo mes-mo oficial que, em 2007, ao avaliar o resultado da Guerra Fria frente à “ameaça co-munista”, considerou o mundo afortunado por ter sido o desfecho do embate com a URSS favorável aos EUA, potência que reputará como “democrática”, “corrigível e perfectível” (CAMBESES JÚNIOR, 2007, p. 27). Incongruência? Acredita-se que não. A geração de oficiais à qual pertence o Coronel Cambeses é, em regra, marcada-mente anticomunista. Não se tem como identificar e ponderar exatamente as múl-tiplas determinações capazes de explicar o anticomunismo de cada um desses ofi-

14 O Coronel Cambeses Júnior é um dos mais produtivos intelectuais militares, seus artigos costumam ser publicados em diversos veículos, sobretudo na internet. Entretanto, com o tempo, parte dessa produção deixou de estar disponível no portal da ESG, mas pode ser encontrada em outros sítios e páginas da internet, especialmente no Portal Militar. Disponível em: <http://www.militar.com.br/index.php> e no ReservAer, nas seções Assuntos Estratégicos e Assuntos Militares: <http://www.reservaer.com.br/>.

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ciais, mas é certo que há uma dimensão atávica resultante ou consolidada de uma doutrinação nesse sentido que caracterizou a formação política e ideológica dos militares brasileiros, sobretudo depois da derrota do levante antifascista de 1935 e como reação da cúpula militar à penetração dos ideais comunistas e nacionalistas de esquerda na oficialidade (FERREIRA, 2005).

Certamente, como demonstra Ferreira (2005), a transformação do anticomu-nismo na principal ideologia unificadora dos militares15 alcançou sucesso, sobretudo após a vitória do golpe empresarial-militar de 1964. No entanto, com o fim da URSS, o comunismo já não poderia mais ser considerado como o terrível e principal inimi-go a ser “contido”, ou seja, seus resquícios encontram-se agora em posição estra-tégica claramente desfavorável e sob cerco. Porém, novas ameaças aos “interesses nacionais” – internas, mas, sobretudo, externas – aparecem; neste período em que os esguianos definem como de “transição” entre a realidade bipolar e a multipolar, no qual o antigo “guardião do Ocidente” surge primeiramente com a sua estratégia de Engagement and Enlargement, cujo discurso, em favor da cooperação, encobre práticas voltadas ao controle econômico do mundo.

Em seguida, em decorrência da doutrina Bush, caracterizada pelo empenho em impor uma dominância militar unipolar, ocorre um fato quase impensável se nos reportarmos à época de prevalência da Guerra Fria e da Doutrina de Segurança Nacional: intelectuais esguianos, atavicamente anticomunistas, expressando preocupações quanto às relações dos EUA com o Brasil, quanto aos rumos do capitalismo mundial e quanto à inserção do país nesse capitalismo mundial liberalizado. Com efeito, a estratégia dos Estados Unidos e suas políticas econômica, diplomática, militar e cultural passam a ser percebidas como as grandes ameaças à soberania nacional e à sobrevivência do Estado como ente soberano e pleno. Considera-se que, nessa nova realidade, o nacionalismo moderado – sem qualquer viés de esquerda – tende a ocupar o lugar central que antes era reservado ao anticomunismo, que continua presente, porém não se constitui mais na preocupação central, a não ser para velhos oficiais da reserva que tiveram um papel mais ativo, quer na conspiração golpista de 1964, quer na ditadura.

Se nos anos da Guerra Fria, na luta contra o comunismo, eram consensuais, no Ocidente, o reconhecimento e a aceitação da liderança geopolítica norte-ame-ricana – em que pesem dissensões pontuais –, na época posterior ao conflito mun-dial, apesar dos esforços políticos e diplomáticos, os EUA não conseguiram mais unificar os países alinhados em torno da sua liderança (GÓES, 2006).

O que fica claro, em vários textos publicados por intelectuais esguianos, é o empenho dos Estados Unidos no período pós-Guerra Fria, mormente na admi-nistração Bush, de recompor sua hegemonia na esteira da “guerra ao terror”, sua diligência no sentido de construir alianças militares e a tentativa de envolver em

15 A ESG empenhou-se ativamente nesse objetivo.

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seus conflitos nacionais, como sendo globais, da “humanidade”, as nações do He-artland e do Rimland. Um receio recorrente nos estudos mencionados acima, de forma mais ou menos explícita, está na prática adotada com frequência pelo Gover-no norte-americano de lançar mão de sua supremacia militar para a consecução de objetivos econômicos e estratégicos, a exemplo do controle de fontes de recursos naturais – principalmente as fontes de recursos de energia – presentes nos países que, empregando conotativamente a linguagem spykmaniana, formam as fímbrias do sistema capitalista. E o Brasil é um deles, um dos mais significativos em termos de recursos e um dos mais débeis em matéria de capacidade defensiva.

6 OS EStADOS UnIDOS: “UM AMIGO PERIGOSO”

Segundo o Comandante Góes, “a superação histórica do bipolarismo” e o “fracasso da ideologia comunista abriram caminho para um contexto internacional imprevisível, hipercomplexo e ainda inacabado”, entretanto,

[...] já é possível diagnosticar a natureza híbrida da Era Pós-Bipolar, cujo centro de gravidade gira em torno de três grandes eixos, a saber: a) hegemonia militar inexorável da única superpotência remanescen-te; b) economia mundial tripolar, caracterizada pela disputa comercial entre os EUA e as duas megapotências União Europeia e Japão; e c) geopolítica multifacetada, constituída a partir da postura de potências regionais e em especial Brasil, Rússia, Índia e China (BRIC) na busca de maior qualificação geopolítica no cenário multilateral e na recusa à aceitação da hegemonia norte-americana. (GÓES, 2006, p. 162-163).

Mas nessa nova quadra histórica em que não mais se tem o comunismo como uma ameaça real de amplitude mundial, e não estando o Brasil incluído naquele conjunto de países que a doutrina Bush classificava como “eixo do mal”, existiria alguma ameaça significativa aos “interesses nacionais”, à “segurança nacional”?

O Comandante Góes expressa um ponto de vista que, de uma forma ou de outra, é compartilhado por outros intelectuais esguianos, ainda que não esteja claramente explícito nos manuais da ESG. Segundo o Comandante, os países que formam o grupo conhecido como BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), apesar de ain-da permanecerem em uma situação de dependência “do fluxo de investimentos estrangeiros para financiar seu desenvolvimento sustentável” – constituem-se em potências regionais ascendentes e podem ainda integrar o centro do sistema, “o que, evidentemente, começa a inquietar os Estados Unidos e, em menor grau, os demais países do triângulo econômico mundial” (GÓES, 2006, p. 165-166).

O Tenente Brigadeiro do ar Sérgio Xavier Ferolla, ex-Comandante da ESG, compartilhou também dessa análise e mostrou-se, no mínimo, desconfiado quanto às intenções da geopolítica estadunidense.

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A estratégia política americana para a América Latina tinha e tem como objetivo principal manter e preservar a Doutrina Monroe e estruturar um organismo hemisférico que legitime as intervenções militares ame-ricanas, quando estas se fizerem necessárias. (GUIMARÃES, 1999 apud FEROLLA, 1999, p. 12).

Em relação ao Brasil, a estratégia estadunidense não pode ser considerada, em seu sentido mais geral, diferente.

[...] a estratégia estadunidense geral visa [...] aumentar a sua influência sobre a elite brasileira, convencê-la da inevitabilidade, irresistibilidade e dos benefícios da influência hegemônica e da liderança norte-ame-ricana no hemisfério. Em segundo lugar, cooperar para que o país se mantenha como ponto de equilíbrio ao sul, mas que ao mesmo tempo não se desenvolva, econômica e militarmente, em níveis que possam torná-lo competitivo com os Estados Unidos, em termos de influência econômica e política, na região do Hemisfério Ocidental. (CAMBESES JÚNIOR, 2012).

Percebe-se, nos textos, uma preocupação consensual entre os intelectuais esguianos quanto à política de “ação preventiva” que está na base da doutrina Bush. Ela, ao lado da fragmentação do poder nuclear, é vista como um grande risco, já que os EUA tendem a empregá-la sempre que considerarem ameaçadoras à sua segurança as políticas de outros Estados nacionais. Riscos que podem ser apenas potenciais e, ainda assim, podem servir de justificativa para ações preventivas, isto é, intervenções militares.

Os esguianos têm manifestado oposição e desconfiança em relação aos aspectos gerais da política externa estadunidense no pós-Guerra Fria, especial-mente à doutrina de ação preventiva que, de certa forma, já estava presente na administração Clinton, mas assumiu uma dimensão explicitamente militarista, hegemônica e unipolar na gestão de Bush. E ainda que décadas de identificação política e ideológica com os Estados Unidos na luta contra o comunismo dificul-te uma postura efetivamente hostil em relação à Nação norte-americana, com a responsabilização sendo dirigida mais ao seu governante, ou seja, considerando o unilateralismo como miopia política de um grupo ou somente de um indiví-duo – mesmo que este seja o Presidente da República – e mantendo-se, assim, aberta à perspectiva de que, por ser uma sociedade “democrática”, “maleável” e “perfectível”, possa haver uma correção de rumo. Ainda assim, nos anos finais do século XX e na primeira década do século XXI, as análises dos intelectuais esguia-nos assumem um tom e um sentido crítico e condenatório tanto aos fundamentos da Geoestratégia de Engagement and Enlargement do Presidente Clinton como, com mais ênfase ainda, à estratégia da “Ação Preventiva” do Presidente George W. Bush.

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Se, em princípio, não se coloca no curto prazo a perspectiva de uma inter-venção militar estadunidense em território brasileiro, isto não significa que esteja o país imune ao projeto estratégico global dos EUA. Também aqui o intervencionismo se faz presente, porém por mecanismos não militares.

Segundo o Coronel Cambeses Júnior, os Estados Unidos buscam influir “so-bre a doutrina e o equipamento militar brasileiro”, objetivando criar obstáculos ao desenvolvimento de uma indústria bélica competitiva e, em particular, embargar a aquisição pelo Brasil de tecnologias militares modernas e armas com poder de des-truição em massa. Essa estratégia fortaleceu-se com o fim da Guerra Fria, quando o Estado norte-americano passou a pregar uma política de “desarmamento da peri-feria” frente à inexistência de inimigos (Ibid.). Para tanto, os EUA precisaram contar com aliados internos e com a colaboração dos governos brasileiros.

Uma parte ampla da intelectualidade nacional, aquela que, na visão dos esguianos, aderiu acriticamente à “globalização” e aos preceitos neoliberais, tor-nou-se internamente útil à estratégia estadunidense ao descarregar sobre o país a culpa exclusiva pelos problemas relacionados aos direitos humanos, ao propa-gar a tese da regulação exclusiva ou quase exclusiva pelo mercado como modelo ideal de funcionamento da economia, retirando do Estado praticamente qualquer capacidade de fazer política econômica, controlar e regular as atividades econô-micas e os fluxos de capitais e, com isso, favorecendo a estratégia dos Estados Unidos que:

[...] tem como objetivo máximo assegurar ‘a maior liberdade de ação possível para as empresas americanas, evitar o surgimento de empre-sas competidoras fortes de capital brasileiro no Brasil e, como corolá-rio, reduzir o papel do Estado como investidor, regulamentador e fisca-lizador da atividade econômica. (CAMBESES JÚNIOR, 2012, s/p.).Nesta perspectiva, as políticas focalizadas de “combate à pobreza”, propagadas pelos referidos intelectuais, estariam em consonância com os objetivos do Governo norte-americano à medida que desviam o foco da busca por uma “estratégia de desenvolvimento econômico e social”, capaz de tornar o país uma potência econômica concorrente com os EUA. (CAMBESES JÚNIOR, 2012, s/p.).

Mas, o aspecto essencial da geopolítica estadunidense para o Brasil está na “estra-tégia ideológica”:

[...] que é central para todas as demais, procura convencer a elite e a população brasileira do desinteresse e do altruísmo americano em suas relações com o Brasil, inclusive com o objetivo de garantir o apoio da elite brasileira à ideia de liderança americana benéfica no continen-te e no mundo. Para atingir tais objetivos, a estratégia estadunidense considera como imprescindível garantir o livre acesso dos instrumen-

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tos de difusão do American Way of Life à sociedade brasileira e formar grupos de influência norte-americana no Brasil e, como meio, formar a elite brasileira em instituições americanas. (CAMBESES JÚNIOR, 2012, s/p.).

Está, por exemplo, na Avaliação de Conjuntura produzida em 2006, na qual se pode ler:

Resumidamente, a conjuntura internacional apresenta como caracte-rísticas principais:- em primeiro plano, a hegemonia norte-americana, já desenhada des-de o fim da Segunda Guerra Mundial, mas encontrando na bipolari-dade o contraponto da URSS, apresenta-se agora nitidamente maior, mais individualizada e mais intensa. Busca traduzir esta supremacia na imposição messiânica da unipolaridade ao sistema internacional. Trata-se de marcar a hegemonia impondo o mercado, invadindo a cul-tura, na crença de que a democratização pode ser forçada, sobretudo, à sombra das armas e do poder econômico. Esta política está presen-te no conceito estratégico que propõe a superioridade militar norte-americana, tanto qualitativa quanto quantitativa, em relação a aliados e adversários reais, potenciais ou mesmo àqueles imaginariamente criados com o intuito de mascarar outros interesses, particularmente econômicos, utilizando o direito da força para sobrepujar a força do direito.- uma segunda característica mostra a globalização econômica como fio condutor da crescente e, muitas vezes, desigual concorrência co-mercial entre as nações, promovendo a anarquia financeira e provo-cando forte disputa por mercados entre os grandes blocos econômi-cos, exatamente criados e desenvolvidos numa tentativa de minimizar os efeitos do chamado capitalismo financeiro, com destaque para o especulativo e contrariando a lógica do sistema produtivo. Os Estados perdem sua força e os Comandantes das corporações multinacionais tomaram, na prática, o lugar dos governantes, os seja, o mercado pas-sa a mandar mais que o Estado-Nação. [...] as forças da nova ordem do mercado se sobrepõem às necessida-des particulares dos estados nacionais (ESCOLA, 2006, p. 7-8, 51, grifo do autor).

Dessa citação, destacam-se alguns pontos importantes para compreender os dilemas ideológicos e doutrinários que a nova conjuntura mundial pós-Guerra Fria apresenta para os esguianos. Aqui, os EUA revelam-se como uma Nação que busca impor messianicamente uma unipolaridade à comunidade das nações, determinan-do os seus conceitos de livre mercado e democracia, recorrendo tanto a pressões econômicas quanto militares. A intenção dos Estados Unidos de se consolidarem como poder unipolar é claramente rejeitada pelos esguianos como valor, ainda que a sua realidade militar não seja desconsiderada.

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Essa imagem não corresponde àquela esperada de uma Nação amiga e confi-ável já que tal unilateralismo constitui em um objetivo estratégico e, na condição de única superpotência militar que também goza de supremacia econômica, mostram-se os EUA capazes de fabricar inimigos e ameaças, para alcançar a supremacia nas relações internacionais.

Não precisando mais refrear sua influência ante o desmonte soviético e mo-tivados por seus interesses econômicos – às vezes encobertos – os Estados Unidos não hesitam mais em se colocar à margem do direito internacional para impor sua vontade sobre as demais nações.

Em 2006, a postura do Governo americano no sentido de ignorar o direito internacional e os princípios clássicos de soberania e autodeterminação dos Esta-dos nacionais não constituiu nenhuma novidade para a comunidade internacional. Assim, fizera a “América”, por diversas vezes, em sua história de expansão imperia-lista. O novo estava em: a) não contar mais com nenhum real contrapoder capaz de lhe fazer frente no terreno militar; b) no fato de agora suas imposições messiânicas se dirigirem não somente a conhecidos inimigos ideológicos, mas também contra antigos aliados que agora podem ser descartados; e c) os referenciais ideológicos que servirão de cobertura para as intervenções estadunidenses.

A luta contra o comunismo deixou de ser a justificativa básica para legitimar as intervenções, sanções econômicas e ingerências na vida de outros Estados nacio-nais. Em seu lugar, um conjunto de valores é erigido à condição de universais, cuja proteção e garantia passa a justificar as novas intervenções.

De certa forma, pode-se afirmar que, na verdade, o conflito não de-sapareceu. Apenas deslocou-se do campo político-ideológico-militar para o econômico-científico-tecnológico-cultural-social, com o surgi-mento de novas e variadas motivações – o tráfico de drogas, a narco-guerrilha, a preservação ambiental, o direito das minorias, os direitos humanos, a biodiversidade, a água, os recursos minerais estratégicos, entre outros. (ESG, 2006, p. 7).

Fica evidente que os novos valores erguidos pelos EUA como legitimadores de intervenções ditas humanitárias não ameaçam apenas os países que ainda se apresentam como “comunistas” e nem tão somente àqueles enquadrados no cha-mado “eixo do mal”. A violação de algum ou de vários deles pode ser observada em quase todos, o que pode tornar justificável aos olhos de Washington inter-vir inclusive em nações que compartilhem do mesmo sistema econômico-social norte-americano, mas que, por alguma razão, torne-se alvo de sua cobiça. Ou seja, ter sido aliado dos Estados Unidos na luta contra o comunismo não é agora, no mundo pós-bipolar, garantia de imunidade frente ao unilateralismo estaduni-dense e seus interesses estratégicos de supremacia econômica e militar (AQUINO, [199-?], p. 2 e 3).

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Na Análise de Conjuntura de 2006, os intelectuais esguianos fizeram uma apreciação negativa do papel que os EUA passaram a desempenhar na “Nova Or-dem Mundial”. Para os responsáveis pela análise: “Acontecimentos como as duas guerras do Golfo e o incidente do 11 de Setembro são sintomas da profunda e dra-mática instabilidade da ordem internacional gerada pela política de força de uma única potência […].” (ESG, 2006, p. 10).

Em suma, ao menos desde meados da década de 1990 e mais ainda depois da invasão do Iraque sem a cobertura legal da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2003, aos olhos dos membros da ESG, os Estados Unidos deixaram de ser uma referência positiva, uma liderança inconteste, o modelo de civilização a ser seguido. Vencido o comunismo internacional, é agora o unilateralismo estadunidense o prin-cipal fator de desestabilização da ordem mundial, o grande risco para os “interesses nacionais” dos “países mais fracos” e, sobretudo, das nações com abundância de recursos naturais estratégicos. Os Estados Unidos com a sua “Guerra ao Terror” já não conseguem alcançar o consenso e a liderança que obtiveram na “luta contra o comunismo” nos anos da Guerra Fria. O rei está nu e já não convence os esguia-nos da justeza da sua causa (CAMBESES JÚNIOR, 2010): “Conseguimos sobreviver à ameaça soviética. Ajude-nos Deus a escapar do jugo americano! A Liberdade Não Tem Preço!” (GOMES, 2003).

Esse olhar da Escola Superior de Guerra que não somente critica a geopolí-tica estadunidense do período pós-bipolaridade, mas também desconfia de que a “América” possa se constituir no futuro em uma força invasora, violadora da sobe-rania brasileira, só é compreensível no contexto de dois processos históricos: o fim da Guerra Fria; e a adesão radical do Estado brasileiro à macroeconomia neoliberal da mundialização imperialista.

Este corte histórico nos parece mais claro quando comparamos a Análise da Conjuntura de 2006 – que expressa a tendência que se vai tornando hegemônica a partir dos anos finais da década de 1990 – com o Relatório de Avaliação da Conjun-tura produzido em 1988 por um determinado grupo de trabalho da ESG. Neste, ao analisarem as relações econômicas com os EUA, afirmam seus redatores:

Os Estados Unidos são, de longe, o maior parceiro comercial brasileiro chegando a atingir de 25% a 30% do total de todos os nossos negócios no exterior. As nossas divergências comerciais com os americanos não deixaram sequelas ou ressentimentos que dificultem o relacionamen-to entre as duas Nações. Cultiva-se um respeito mútuo e a identidade das duas levam à aceitação das diferenças econômicas e políticas exis-tentes. O relacionamento bilateral é fluido e maduro superando todos os discursos retóricos e vazios16 (ESG, 1988, p. 6).

16 O Relatório de Avaliação da Conjuntura, datado de 1988 por um grupo de trabalho da ESG, foi produzido antes da queda do Muro de Berlim, da dissolução da URSS e da vitória do bloco neoliberal nas eleições presidenciais de 1989.

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Em 1988, essa posição positiva e tranquila em relação aos Estados Unidos é acompanhada de uma leitura crítica e negativa no tocante à realidade interna em que se desenvolviam os trabalhos da constituinte, em relação à qual, segundo o relatório, era forte “a discriminação pública dos representantes de segmentos partidários e de interesses que contrariam as aspirações da maioria ideológica de esquerda” (ESG, 1988, p. 16), situação que se agravava pela falta de atuação das “elites” que: “[...] no seu vasto aspecto sociopolítico não têm tido na Constituinte uma atuação articulada” (ESG, 1988, p. 17). Ou seja, em 1988, os colaboradores e estagiários da Escola ainda pensavam a conjuntura internacional e nacional através dos parâmetros ideológicos forjados na Guerra Fria.

No decorrer dos anos de 1990 e 2000, a postura expressa na citação acima foi esmaecendo e dando lugar a um olhar desconfiado e preocupado em relação à geoestratégia estadunidense na “nova ordem mundial”. A convicção de que o estreitamento das relações comerciais com os EUA poderia significar uma maior subordinação do Brasil levou os esguianos em geral a se posicionarem contraria-mente à Área de Livre Comércio da Américas (ALCA) (AQUINO, op. cit.; FEROLLA, 2002) e a enfatizarem a necessidade de diminuir a dependência em relação ao país norte-americano, e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) será visto como uma ferramenta nesse sentido (SILVA, 2002).

A ALCA não é um mero projeto econômico e comercial dos Estados Unidos. Ela é parte essencial de sua estratégia global para defender os interesses norte-americanos - econômicos e políticos -, neste mun-do multipolar e conflituoso. A ALCA tem como objetivo incorporar a economia dos países latino-americanos à economia americana […] Na prática, se consolidariam, por tratado, os atuais programas econômi-cos neoliberais e os Estados renunciariam à sua capacidade e ao seu direito de exercer, com eficácia, suas políticas comercial, industrial e tecnológica, para promover o desenvolvimento. (CAMBESES JÚNIOR, 2003b, p. 68-69).

No entanto, a ALCA não iria apenas constituir-se em uma estratégia estadu-nidense de dominação econômica, mas também em uma estratégia de reforço do controle político-militar do Cone Sul da América pelos Estados Unidos.

Na esfera político-militar, a ALCA e a Iniciativa das Américas têm como objetivo desarmar a região, assegurar a sua presença militar direta e assegurar o alinhamento latino-americano com as iniciativas e po-sições políticas americanas em confrontos com outros polos de po-der com os países renegados da periferia. A América Latina e o Brasil passarão, com o advento da ALCA, a ser apêndices, subordinados aos Estados Unidos da América, renunciando a toda expectativa de uma participação mais ativa no sistema internacional em benefício da so-ciedade mundial.

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Assim, as megaempresas norte-americanas estarão em pé de igualda-de com as empresas brasileiras nos mercados do Mercosul, inclusive no Brasil.Diante deste cenário prospectivo nada promissor, podemos inferir que a açodada ativação da Área de Livre Comércio das Américas, a partir de 2005, poderá acarretar sérios transtornos à nossa economia e car-comer as bases em que se sustenta o Mercosul, colocando todo o he-misfério à mercê do usufruto da superpotência hegemônica do Norte. (CAMBESES JÚNIOR, 2003b, p. 68-69).

Depois de apontar as possibilidades positivas que a ALCA poderia trazer para o Brasil e demais países sul-americanos, o Coronel e Professor esguiano Gerardo José de Pontes Saraiva apresenta, em artigo publicado na Revista da ESG, o que seria “a realidade” da ALCA no contexto do “capitalismo neoliberal”.

Muito poucos duvidam, hoje, de que a ALCA seja um projeto hegemô-nico dos Estados Unidos. Todavia, após uma década de dominação ide-ológica neoliberal, diversos posicionamentos idealizam esta dominação. Tradicionalmente, a supremacia de uma grande potência suscitava críti-cas imediatas (imperialismo, colonialismo); hoje, é bastante comum se ouvirem argumentos reivindicando a conveniência deste tipo de domi-nação. A ALCA é uma extensão do neoliberalismo, mas com propósito de dominação política. Na América Latina, já estão ocorrendo lutas sociais que em alguns países já se refletem em levantamentos populares e gre-ves, como consequência do fracasso do modelo econômico neoliberal reinante e do domínio hegemônico dos Estados Unidos. [...] Para melhor entender a ALCA e suas gravíssimas consequências para a nossa região é preciso situar essa iniciativa no marco das prioridades globais dos Esta-dos Unidos. (SARAIVA, 2004, p. 78-81).

E, continua o Coronel Pontes Saraiva:

Bem observado, a Área de Livre Comércio das Américas não é mais que um acordo ultraneoliberal, impulsionado pelas poderosas corporações multinacionais e pelo Governo norte-americano para incrementar os territórios de extração de recursos, suas utilidades e seu poderio em nosso hemisfério [...].A Área de Livre Comércio das Américas implica impor um livre fluxo de capitais entre a economia mais poderosa do planeta, a dos EE.UU, e as economias subdesenvolvidas, dispersas e endividadas da América La-tina e do Caribe, sob a ficção de que se trata de um pacto entre iguais, pondo de lado o óbvio de que o PIB de todas elas, somadas, é quase dez vezes inferior ao do país do norte. (SARAIVA, 2004, p. 78-81).

A percepção de que o antigo aliado do hemisfério Norte tinha como finalida-de a total subordinação da economia brasileira aos interesses das suas megaempre-

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sas e, com este objetivo, procurava, por meio do neoliberalismo, fragilizar o Estado brasileiro e eliminar a capacidade defensiva do país, certamente contribuiu para uma mudança de rumo nas formulações doutrinárias da Escola e seus intelectuais passaram, então, a teorizar e defender a estratégia de dissuasão17, também cha-mada de estratégia de resistência, mas que, independentemente da nomenclatura, expressa a preocupação, a visão prospectiva quanto ao risco de ameaças externas, sobretudo vindas do hemisfério Norte, à soberania brasileira.

A capacidade dissuasória frente às grandes potências é reforçada pela forte reação daquelas sociedades às elevadas perdas humanas […]. A capacidade de impor danos elevados ao agressor, empregando recur-sos escassos, é a essência da estratégia da dissuasão. Os meios empre-gados não visam necessariamente a derrotar o inimigo, mas a levá-lo a desistir da agressão.Definidos na PDN os objetivos de interesse da Defesa Nacional, os prin-cipais riscos e as possíveis ameaças ao País e, considerando, ainda, as vulnerabilidades estratégicas, resta estabelecer os princípios básicos que irão nortear a estruturação do SND:a) Força baseada em capacidades - e não mais em ameaças concretas e definidas - apta para emprego em qualquer das áreas estratégicas;b) Força Naval voltada principalmente para a defesa seletiva do litoral e das águas jurisdicionais, além das hidrovias das Bacias Amazônica e do Prata, mantendo a atual ação de presença na vertente oriental do Atlântico Sul (Países Africanos) e participação em manobras de nível internacional;c) Força Terrestre voltada para defesa do território e vigilância das fron-teiras norte e ocidental, com destaque para a Amazônia, mantendo força de valor compatível para rápida reação e até mesmo para proje-ção no âmbito regional. Embora reduzidos, os efetivos devem guardar a possibilidade de serem rapidamente ampliados;d) Força Aérea voltada principalmente para vigilância e defesa do es-paço aéreo nacional, mantendo adequada capacidade aeroestratégica para atuação no âmbito regional, de modo a reforçar a credibilidade da estratégia da dissuasão, cabendo-lhe, também, além disso, propor-cionar apoio tático às forças de superfície e desenvolver capacidade de transporte suficiente para a projeção da Força Terrestre, no âmbito regional. (ESG, 2006, p. 99-100).

17 Referimo-nos à estratégia de dissuasão conforme apresentada anteriormente em citação do General Meira Mattos (2001, p. 49). A estratégia de dissuasão como a opção a ser implementada frente ao risco potencial de confronto com potências militarmente superiores aparece, no período que estudamos, em escritos e pronunciamentos dos intelectuais esguianos. “...] o problema estratégico é, antes de tudo, um problema de segurança, o que, aplicado aos países emergentes como o Brasil, implica, basicamente, dispor de um poder militar que tenha capacidade dissuasória defensiva, com credibilidade” (FIALHO, 2000, p. 125). Ver também, MOREIRA (2007), LIMA (2003), VIDIGAL (1997) e ESCOLA (2006).

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Tal preocupação, inclusive, remonta ao Governo Geisel, deixada de lado nos anos posteriores, e voltando à pauta das discussões, a partir da década de 1990, entre os esguianos e em outros setores das Forças Armadas. É o que se pode de-preender da entrevista concedida, em 1994, pelo Tenente Brigadeiro do ar Sérgio Xavier Ferolla, então Comandante da ESG, à revista Teoria e Debate, uma publicação do Partido dos Trabalhadores.

Disse o Brigadeiro:

A partir do Governo Geisel, a concepção já começou a mudar. O Governo Geisel, bem ou mal, definiu um projeto nacional. Tínhamos um planejamento macro, coisa que hoje em dia faz falta. Este foi um dos itens que a Escola pregou e foi utilizado [...] e as coisas foram feitas já dentro do novo enfoque de não sermos totalmente dependentes do Hemisfério Norte. Criou-se então uma abertura para a África, uma abertura para a Europa. Tudo isto porque já havia uma grande preocupação com o nosso vizinho do Norte. Com a queda da URSS, a situação evoluiu ainda mais. Os EUA são cada vez mais hegemônicos econômica e militarmente e o Hemisfério Norte hoje considera que o Sul começa a atrapalhar: explosão social, tóxicos e uma série de outros problemas. É uma situação bem diferente. Vejo isto com preocupação, porque estamos muito despreparados para enfrentar uma possível interferência. E elas têm acontecido. Acredito que deveríamos estar preparados para dizer para o fulano: tudo bem, você é mais forte, mas se entrar na minha área, pelo menos alguns caras da tua área vão morrer... Vamos reagir violentamente, vai ter briga. (FEROLLA, 1994, grifos do autor).18.

É importante esclarecer que o aparecimento de um discurso e de posições contrárias à doutrina Bush e às agora reconhecidas pretensões expansionistas esta-dunidenses não significam que os militares, em geral, e os esguianos, em particular, deixaram de ser profundamente anticomunistas. Alguns, como o Brigadeiro Ferolla, mostram até certas simpatias pelos chamados movimentos sociais, os componen-tes justos de suas pautas de reivindicações – ao mesmo tempo em que criticam o que consideram os excessos dos métodos reivindicatórios –, porém, até onde se pode verificar, essas são posições minoritárias. A maior parte abandonou o alinha-mento com os EUA, mas se mantém firmemente anticomunista e, em geral, hostil aos movimentos sociais (FEROLLA, 2006)19.

18 Disponível em: <http://www.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/nacional-o-que-pensam-os-militares-entrevis>. Publicado em: 15 abr. 2006. Acesso em: 13 dez. 2011.

19 Cf. Gomes (2003).

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7 COnCLUSãO

A Escola Superior de Guerra (ESG) é um centro de estudos onde se produz muito sobre os mais variados temas relacionados ao seu principal objeto de pes-quisa: a segurança e o desenvolvimento nacional. Objeto que, de início, – e mui-to por responsabilidade da própria ESG – esteve diretamente marcado pela lógica da Guerra Fria, engendrando um posicionamento retrógrado, antidemocrático e pró-imperialista. Mas a Escola não ficou parada no tempo, ou presa à Doutrina de Segurança Nacional; soube perceber o movimento da geopolítica internacional no contexto posterior à Guerra Fria e tem-se empenhado em repensar os caminhos do seu objeto fundamental nessa nova quadra histórica. Pelo que foi e pelo que está procurando ser, a ESG constitui-se em um fórum rico de ideias e proposições que pode e deve ser reconhecida, e cada vez mais demandada, não apenas como um centro de pesquisas, como também um lugar de interlocução entre acadêmicos civis e militares interessados nas perspectivas e riscos que se apresentam à Nação brasileira nessa era de hegemonia do imperialismo estadunidense, a qual vem so-frendo por todos os cantos contestações, inclusive, como se procurou demonstrar, pelos esguianos.

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RELAçõES SUtIS: ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA, PEnSAMEntO POLítICO BRASILEIRO E POLítICA ExtERnA BRASILEIRA EM DOIS “MOMEntOS

AUtOnOMIStAS”

João Catraio Aguiar*

RESUMO O presente artigo visa analisar as relações entre o pensamento político brasileiro, a Escola Superior de Guerra (ESG) e a Política Externa Brasileira em dois momentos cujo enfoque principal era a “autonomia”: “Política Externa Independente” e “Pragmatismo Responsável e Ecumênico”. A criação da ESG será vista em retrospectiva histórica, associada com a investigação sobre a formação específica de militares e diplomatas, e de “esguianos” (os que cursaram os cursos da ESG) em geral. As políticas públicas serão entendidas como se relacionando com o pensamento político e ações dos “homens de estado”, formuladores das políticas públicas, entre elas a política externa. Ao fim deste estudo, conclui-se que há uma importância da ESG no fomento à coesão entre atores; além de conectar o passado das práticas e pensamentos do/sobre Brasil com o que se quer para o país no futuro.Palavras-chave: Escola Superior de Guerra. Pensamento Político-Social Brasileiro. Políticas Públicas. Política Externa Brasileira. Nacionalismo/Autonomia.

SUBtLE RELAtIOnS: thE SUPERIOR wAR COLLEGE, BRAzILIAn POLItICAL thOUGht AnD FOREInG POLICy In twO “AUtOnOMOUS MOMEntS”

ABStRACtThe present paper aims to analyze the relations between the Brazilian political thought, Superior War College20 , and Brazilian Foreign Policy in two moments whose focus was the “autonomy”: “Independent Foreign Policy” and “Account-able Ecumenical Pragmatism”. The foundation of ESG will be seen through a his-torical retrospective, aligned with the investigation on specific military and diplo-matic formation as well as esguianos’ (name applied to those who accomplished the courses at ESG) in General. The public policies will be understood as related to the political thought and actions of the “men-of-state”, policymakers , such as

* Professor de Relações Internacionais da Universidade Católica de Petrópolis. Mestre em Relações Internacionais (UERJ). Bacharel/Licenciado em Ciências Sociais (UFRJ). Adesguiano do XXXIX Curso de Estudos de Política e Estratégia da Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra, seção Rio de Janeiro. Contato: [email protected].

20 Known by the acronym ESG in Brazil.

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foreign policy. In the end of this study, it is concluded that there is some impor-tance of ESG in fostering cohesion amongst actors; moreover, it connects the past practices and thoughts of/about Brazil to what is desired for the country in the future.Keywords: ESG (Superior War College). Brazilian Political and Social Thought. Public Policies. Brazilian Foreign Policy. Nationalism/Autonomy.

RELACIOnES SUtILES: ESCUELA SUPERIOR DE GUERRA, PEnSAMIEntO POLítICO BRASILEÑO y POLítICA ExtERIOR BRASILEÑA En DOS “MOMEntOS

AUtOnOMIStAS”

RESUMEnEste artículo tiene como objetivo analizar la relación entre el pensamiento polí-tico brasileño, la Escuela Superior de Guerra (ESG) y la Política Exterior de Brasil en dos momentos, cuyo principal enfoque era la autonomía: Política Exterior In-dependiente y Pragmatismo Responsable y Ecuménico. La creación de la ESG será vista en una retrospectiva histórica, junto con la investigación sobre la formación específica de militares y diplomáticos, y de los llamados “esguianos” (los que rea-lizaron cursos en la ESG) en General. Las Políticas Públicas serán comprendidas como relacionándose con el pensamiento político y las acciones de los hombres de Estado, los responsables de las políticas públicas, entre ellas la política exte-rior. Al final de este estudio, se concluye que existe una importancia de la ESG en el fomento de la cohesión entre los actores; además de conectar el pasado de las prácticas y pensamientos del/sobre el Brasil con lo que quiere para el país en el futuro.Palabras clave: Escuela Superior de Guerra. Pensamiento Político y Social Brasileño. Políticas Públicas. Política Exterior Brasileña. Nacionalismo/Autonomía.

1 IntRODUçãO

As invenções são, sobretudo, o resultado de um trabalho teimoso.

Alberto Santos Dumont

Never forget what you are, for surely the world will not. Make it your strength. Then it can never be your weak-ness. Armour yourself in it, and it will never be used to hurt you.

George R. R. Martin

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A melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se.Antonio Francisco Azeredo da Silveira

Com o presente artigo, pretende-se investigar a Escola Superior de Guerra desde o prisma de seu pensamento, relacionando com o pensamento político-social brasileiro, as ações e discursos de estadistas brasileiros, e com as políti-cas públicas nacionais. Para fazê-lo, foram escolhidos dois momentos chamados de “autonomistas” da política externa brasileira: Política Externa Independente (1961-1964); e Pragmatismo Responsável e Ecumênico (1974-1979). Pensou-se na ligação com a ESG destes líderes de duas formas: através dos estudos regulares no Curso Superior de Guerra e através do contato por proximidade ideológica, por condição de palestrante etc. Nos dois casos, há trinca de lideranças, sendo a pri-meira composta por San Tiago Dantas, Afonso Arinos e João A. de Araújo Castro; e a segunda composta por Azeredo da Silveira, Golbery do Couto e Silva e Ernesto Geisel21.

2 PEnSAMEntO BRASILEIRO: QUEStõES hIStÓRICAS E A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

Este pensamento nacionalista esguiano tem uma origem. Ela remonta à própria configuração do pensamento político-social brasileiro, analisada por diver-sos autores. Estudar o pensamento político brasileiro é entender que há diversas “agendas de pesquisa”, diversas linhagens. “O político” pode ser processo que cons-titui a ordem envolvendo associação, participação, distribuição; é também a vida e ação coletiva; e, portanto, “a política” ocorre de forma dinâmica, envolvendo di-versos grupos (ROSANVALLON, 2010). Isso faz com que alguns autores vejam uma dimensão conflitiva d’o político, como entre “amigo” e “inimigo” (SCHMITT, 2007; outros vejam uma dimensão agregadora, como no comunitarismo (ETZIONI, 1993). Recentemente, Gildo Marçal Brandão (2007) argumentou sobre a existência de li-

21 As presenças dos nomes citados podem ser conferidas em: <http://www.esg.br/index.php/2014-02-19-17-51-50/diplomados>. Acesso em: 15 ago. 2014. A turma de San Tiago Dantas teve como patrono Teófilo Otoni, em 1957. A turma de João Goulart teve como patrono Joaquim Nabuco, em 1963; acredita-se que ele esteve na turma de forma menos presente que outros, ou que sua condição foi mais de palestrante que de “estagiário”. Ver o link: < http://www.esg.br/index.php/2014-02-19-17-51-50/diplomados/93-diplomados/102-1963>. Nessa mesma turma (1963), constava a presença do Embaixador João Augusto de Araújo Castro, além de Robert McNamara, pensador da Defesa estadunidense. A de Golbery da Costa e Silva foi a turma cujo patrono foi Barão do Rio Branco, em 1952. A turma de Azeredo da Silveira é de 1974, de nome Eurico Dutra. A turma de Ernesto Geisel teve como patrono Pandiá Calógeras, em 1953. A turma Marechal Juarez Távora, de 1975, foi a de Affonso Arinos; parente próximo de Afonso Arinos de Melo Franco. Ambos são diplomatas da mesma família de Afrânio de Melo Franco, de grande destaque na política externa brasileira da Primeira República.

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nhagens do pensamento político-social brasileiro. Nesse contexto, existiriam pelo menos três grandes grupos: os conservadores, os liberais e os socialistas. Pode-se ir além e ver duas vertentes em cada grupo: os moderados e os exaltados. Essa versão é presente nos estudos sobre o Império Brasileiro. “Luzias” e “Saquaremas” influem em pensamentos e práticas políticas posteriores no Brasil contemporâneo (LYNCH, 2012), mostrando que há um espaço d’o político no país que merece melhor enten-dimento.

Nos dois Reinados, diversos temas surgem. Um dos mais candentes é en-tre a centralização e a descentralização. Isso envolve pensar o país desde um viés d’o político que tendesse para o conflitivo, o que levaria à necessidade de centralização por um lado, ou uma visão que acreditasse no entendimento entre partes, o que viabilizaria maior descentralização. O pensamento político-brasileiro, de acordo com Wanderley Guilherme dos Santos (1978), acaba por produzir dois grandes grupos: os liberais doutrinários e os autoritários instru-mentais. Os segundos acreditam que o Estado deveria ser forte, com uma elite com ética, que implantasse uma nova ordem, e os tomadores de decisão con-duziriam o desenvolvimento da sociedade; para eles, a suspensão das carac-terísticas liberais do Estado seria a forma de criar uma sociedade liberal. Os primeiros defendem reformas para implantar instituições mais liberais e, assim, evitar autoritarismos.

Os pensamentos levam a determinadas práticas, em geral, encarnados em diversas políticas públicas (sociais, de saúde, de defesa, econômicas, urbana, de infraestrutura etc.). É necessário entender que a política externa é uma política pública22, pois envolve decisão, publicização, organização, práticas e regras, com dimensões internas e externas (KESSLER, 2002). Pretende-se com o presente traba-lho mostrar a integração da política externa com pelo menos duas outras dimen-sões das políticas públicas neste trabalho, as políticas de defesa e as políticas de desenvolvimento. A prática/ação da política pública (incluindo a política externa) estrutura-se desde o pensamento/teoria norteador d’o político. Vejamos, portanto, o surgimento do pensamento esguiano. Ele surge associado com tendências con-

22 As políticas públicas seriam, de acordo com Kessler (2002, p. 168): “(...), conjunto de práticas e normas emanando de um ou mais atores públicos (...) [em que] recursos são mobilizados para obter resultados.”. Nesse sentido, a política externa, enquanto “atividade pela qual um Estado estabelece, define e rege suas relações com os governos estrangeiros” (KESSLER, 2002, p. 169), seria uma política pública formulada internamente para o plano internacional. Vale lembrar que há certas ações que são um entrecruzamento ministerial ou ainda um amálgama de grupos de pressão, setores da burocracia, interesses privados de empresas e líderes etc. Um interessante fenômeno que ocorre em diversos países do mundo é a criação de setores internacionais nos ministérios; e, ao mesmo tempo, a criação de setores especializados em temas pertencentes a outros ministérios no próprio ministério das relações exteriores.

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servadoras, mas com traços liberais e autoritários ao mesmo tempo, e desemboca no nacionalismo23.

Isso está ligado com a evolução da doutrina militar no Brasil e com a presença dos militares na política nacional. No caso da época colonial, a coesão interna do país dependia de organizações que detinham a violência legítima para afastar ame-aças: por um lado, de outros Estados europeus; por outro lado, afastar as ameaças internas de grupos hostis, principalmente indígenas. Synesio Sampaio Goes Filho (2000) destaca a função do Estado na ocupação do território e na formação na-cional das fronteiras. Assim, era do interesse do Estado primeiro desbravar, depois ocupar o território, afastando outros países de sua área de soberania nacional, e por fim definir fronteiras. As instituições mobilizadas variaram com o tempo (nave-gantes, bandeirantes, diplomatas).

Já no período imperial, é do interesse da elite política manter as Forças Arma-das sem condição de, por si só, constituir-se em grupo de pressão política. Na Inde-pendência foram mobilizados os grupos que detinham a violência legítima; durante os movimentos que explodiram durante a Regência também; no Segundo Reinado, as Forças Armadas foram mobilizadas em diversos momentos, o mais notório sendo a Guerra da Tríplice Aliança, ou Guerra do Paraguai. A importância de lideranças como Almirante (e Marquês) Tamandaré e Duque de Caxias (ou Marechal Lima e Silva) foi vital; o último inclusive de grande influência na política nacional, dentro do grupo dos conservadores, os “saquaremas”. Desde a Guerra do Paraguai, começam a se delinear dois grupos militares: um grupo mais corporativo e mais ligado à ação da guerra, que eram os tarimbeiros; enquanto, por outro lado, havia os bacharéis, formados oficiais através de estudos em Escolas Militares.

É preciso lembrar que no Império e início da República não havia uma escola militar que trabalhasse com a noção de defesa, o conceito que regia estudos era “guerra”. Muitas escolas militares surgem ainda na Primeira República24; mas em

23 Vale dizer que no Brasil o adjetivo “conservador” e “autoritário” adquiriram sentidos tremendamente pejorativos, porém, em termos de conceituação política, em outros países democráticos é completamente aceitável que existam conservadores. Um exemplo disso é o debate sobre Política Externa e Defesa nos EUA, em que é de uso intenso a metáfora dos “pombos” para os mais pacifistas/progressistas e de “águias” para os mais belicosos/conservadores. A Índia, a Grã-Bretanha, os EUA e outros países exibem culturas políticas em que as divisões entre direita, centro e esquerda são mais bem definidas que no Brasil. Assim BJP na Índia, Partido Tory na Grã-Bretanha e Partido Republicano nos EUA seriam “conservadores”, com grupos internos com pendor mais autoritário, algo que, mesmo que aconteça no Brasil, não é tão aberto/conhecido quanto no exterior.

24 A Escola Militar de Realengo e a Escola Militar da Praia Vermelha foram muito importantes também durante a Primeira República, mas não contam com sítios na rede. Disponível em: < sites http://www.egn.mar.mil.br/; http://www.esao.ensino.eb.br/>; <http://www.eceme.ensino.eb.br/>; <https://www.unifa.aer.mil.br/site/novo_portal/>; <http://www.cporrj.ensino.eb.br/pag_historico.htm>.

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geral não é permitida a entrada de não militares; a mais antiga no Brasil é a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, a Escola Superior de Guerra que havia até 1890 é para a formação do Estado-Maior e de engenharia, muito ligada à concepção de ensino do Exército Brasileiro (MAGALHÃES, 1998). Na virada do século XIX para o século XX, há um projeto de Brasil dos militares, embasado em sua cultura política e institucional, em estratégias e ações políticas bem delineadas, com lideranças sólidas (como Deodoro da Fonseca, Benjamim Constant, Floriano Peixoto etc.) envolvendo diversos grupos de pressão e ideologias (CASTRO, 1995). Tal movimento de militares catalisou a formação da República que se instaurou no país, contando com presença de diversos civis.

Em geral, o contato direto de civis com o poder público é o que gera a am-pliação da cidadania no Brasil, o Estado concedendo direitos, mais que a socieda-de civil os conquistando por si mesma (CARVALHO, 2008). No caso de muitos, a oportunidade de uma vida digna e até de ascensão social ocorre através de uma carreira militar sólida; assim, muitos dos “tarimbeiros” são de origens populares, os mais “bacharéis” são parte da elite que se volta para a carreira militar. Nas Escolas Militares visa-se principalmente à formação dos oficiais e altos postos da hierarquia militar; algo mais ligado à elite econômica e política, porém incluindo parte dos oficiais de maior atividade em teatros de operação.

Durante a belle-époque da República Velha que antecede o movimento de 1930 e o Estado Novo também ocorre a evolução de três ideologias de intervenção dos militares – intervenção reformista, intervenção moderada e não intervenção –; a ascensão política de Vargas marca a aproximação maior dos militares com a presi-dência, afastando-se em 1954 e em 1964; retomada a aproximação com a presidên-cia entre 1964 e 1985 (CARVALHO, 2006). Nesse sentido, por um lado, a tradição li-beral de afastar o poder para torná-lo mais adequado à sociedade e, por outro lado, a tradição conservadora de manutenção do poder para gerar uma sociedade mais adequada aos parâmetros conservadores; embate-se entre si. Os projetos conser-vadores de Alberto Torres e de Oliveira Vianna passaram a ser muito influentes no pensamento brasileiro no contexto da ascensão dos “jovens turcos” (que participa-ram de missões no exterior, tal como turcos fizeram antes) e do Tenentismo. Outra questão que conflui para esse grupo dos “doutos” é a retórica nacionalista, da indi-vidualidade brasileira, que é herdada desde a linhagem romântica. Curiosamente, o Marechal Humberto de Alencar Castello Branco e José de Alencar são da mesma família...

Desde os anos 1940 que começa um debate sobre formação de um Estado-Maior que congregasse as três Forças Armadas (naval; terrestre; aérea); muito as-sociado à participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial e à sua interação com outras estruturas militares, de outros países. Os “tarimbeiros” enfatizam a questão da segurança, enquanto os “doutos” enfatizam o desenvolvimento. Sobre os se-gundos, estão encarnados os “jovens turcos”, e os primeiros trabalharam na revista

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Defesa Nacional, são professores nas Escolas Militares (Praia Vermelha e Realengo), e, portanto, saem do Positivismo para entrar em estudos sobre defesa, sob forte influência europeia (primeiro germânica, depois francesa). O que se coloca no caso da versão romântica é a aversão ao bacharelismo racionalista e às ideologias trans-nacionais; logo, o romanticismo se aproxima do nacionalismo e da versão repleta de subjetividade e excepcionalidade. O General Góes Monteiro, por exemplo, irá reavivar a questão da organização nacional em Torres, afirmando as especificidades das relações entre militares e civis no Brasil e vendo nos militares uma finalidade política. A subjetividade militar vê-se como portadora da missão política, tal como no Positivismo, e encara a situação excepcional no caso do Brasil, tal como no pen-samento romântico. Porém entra, nessa nova linhagem, a ideia nacionalista de re-solver questões brasileiras, tendo em mente a capacidade das instituições militares de representar a nacionalidade com fidelidade e regularidade.

Toda uma geração de pensadores é formada com ideias que são base da criação da Escola Superior de Guerra, assim há um grupo pronto para assumir a instituição e levar adiante uma forma de pensamento. Desde a ação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, momento em que o país trava contato com ideias de países do futuro “bloco ocidental”, há mudanças no pensamento de civis e militares. Nesse período de guerra, Golbery do Couto e Silva trava contato com o pensamento estratégico estadunidense; e o Marechal Castello Branco também o fará, lidando também com o pensamento francês25, além do estadunidense. No meio do século XX, principalmente entre 1945 e 1966, as publicações em Ciências Sociais são expandidas e diversificadas, com grande vocação para estudos de questões brasileiras em uma época de industrialização, urbanização e alfabetização crescentes (VILLAS BÔAS, 2007). É justamente o período de criação da Escola Superior de Guerra e da popularização da missão de ‘pensar o Brasil’, seu lema. Além disso, a especificidade da condução das atividades auxiliava na formação de formuladores de políticas públicas, de socialização de elites, de criação de um método com aplicação prática, e de geração de um esprit de corps que transcendesse o meio militar, gerando uma coesão governativa.

Em agosto de 1949, através da Lei 785 (herdeira de leis de 1942 e 1948, que disciplinam sobre cursos), surge um novo polo de construção de lideranças que sa-bem lidar com segurança, desenvolvimento e defesa. Naquele tempo, tiveram gran-de importância o General Cordeiro de Farias, o General Salvador Obino e o General Juarez Távora; estes implantam o método, os fundamentos e a estrutura da Escola Superior de Guerra. Sabe-se que eles são ativos durante o movimento Tenentista. O General Távora pertence inclusive ao gabinete de Getúlio Vargas após 1930. Sobre

25 No caso francês, destaca-se o incentivo à língua francesa, feita de forma meticulosa através das Alianças Francesas, em que a influência cultural incidia sobre diversas nações, entre elas o Brasil (LESSA, 1994).

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o pensamento de Juarez Távora, erigem-se ideias antiliberais, antirrepresentativas, de reformismo e de nacionalização da política (CARVALHO, 2006), o que influencia a concepção da ESG. Na imediata sequência da criação da ESG, surge um ‘braço avançado’, a Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra, em que têm destaque os nomes supracitados, o Professor Heitor Bonifácio Calmon de Cerqueira Lima e o Almirante Benjamim Sodré, lapidando lideranças. A Associação dos Diplo-mados da Escola Superior de Guerra (ADESG) promove uma capilaridade maior ao método e à formação designada pelo grupo militar aos que se comprometessem com o Brasil, tanto no plano militar quanto no meio civil.

A proposta inicial é refletir sobre o Brasil, desde as bases do desenvolvimento, segurança, democracia. A princípio, a proposta é moderada, conservadora, nacio-nalista; o que pode ser “traduzido” de formas diferentes pelos diversos palestran-tes e estagiários. Aqui cabe uma explicação para os não iniciados na ESG. No caso dos cursos esguianos, central é fazer; a interrelação didática deixa de ser mestre-educando; e passa a ser de palestrantes e coordenadores com estagiários e poste-riormente esguianos. No núcleo-duro dos cursos da instituição estão presentes: a ênfase em atividades em grupo; a criação de um grupo de estagiários formadores de opinião; a constante busca por soluções para problemas brasileiros26; formação de lideranças em contato interpessoal constante etc. (SOUZA, 2011). Frente a isso, interfaces com outros ministérios, principalmente o Ministério da Educação, podem fomentar pesquisas e facilitar equivalência de diplomas. Demais ministérios podem ceder funcionários para que se especializassem e retornassem para as suas funções, após o curso, com maior/melhor capacidade de servir ao país. No pensamento da Escola Superior de Guerra, há a confluência de segurança e desenvolvimento.

Os manuais básicos da ESG apresentam a importância de ambos, como parte de toda uma “herança intelectual” anterior, já vista. Os manuais contêm concep-ções de que a democracia está associada ao par segurança e desenvolvimento. No “Manual Básico”, de leitura obrigatória para os que cursam os cursos da ESG, está a base do pensamento esguiano, que é herdeiro da doutrina militar e de algumas correntes do pensamento político brasileiro. No caso do poder, ele é visto em cin-co expressões: Política; Psicossocial; Econômica; Ciência & Tecnologia; e Militar. As cinco expressões compõem o poder que é uno e indivisível na concepção esguiana e que serve para buscar os objetivos nacionais. Os objetivos são estabelecidos no espaço político, com estratégias específicas.

A política, os objetivos e as estratégias são divididos em três níveis: Nacional, de Estado e de Governo. Logo, percebe-se que há uma concepção que coloca a “Na-ção” acima de governos e da estrutura estatal. Ou seja, mesmo com diversos fatores condicionantes dos objetivos – internos, humanos, fisiográficos, institucionais, ex-

26 Para se ter uma noção geral sobre o pensamento esguiano, ver o Manual Básico da ESG, mormente no seu volume 1, em que aborda o que é considerado fundamental.

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ternos – a Nação é o epicentro dos objetivos nacionais – Fundamentais, de Estado e de Governo. O primeiro é perene, o segundo contínuo, o terceiro, conjuntural. Os formuladores e executores da Política Nacional têm como objetivos fundamentais: Democracia; Segurança; Desenvolvimento; Integração Nacional; Integridade do Pa-trimônio Nacional; Paz Social; Progresso; Soberania. A ESG tem uma abordagem sobre defesa que é plural, envolvendo: inteligência; logística; mobilização; gestão de recursos de defesa; estratégica; operações conjuntas, etc. Este é o escopo que compõe o pensamento esguiano; que se orienta por uma prática chamada de “mé-todo”.

3 ALGUMAS PALAvRAS SOBRE ESGUIAnOS

Se a sociedade é engajada com os problemas nacionais e o sistema político se institucionaliza, a democracia passa por consolidação (DIAMOND, 1994). Algo que se pretendia com o método esguiano de estratégias para que o poder nacional conquiste os objetivos nacionais. A política nacional no regime democrático tem várias camadas. É possível pensar em diferentes modelos de análise de como uma decisão surge, mas são centrais na análise os atores racionais, as organizações e as relações, competitivas ou não, entre instituições (ALLISON; ZELIKOW, 1999). Sob o ponto de vista de um modelo de ator racional, é preciso se confrontar com ameaças e oportunidades que incidem sobre as escolhas. Capacidades geram programas e rotinas, assim como tendências e uma cultura específica com preferências, se en-forcarmos a organização. Centrando-se na análise da competição entre instituições intranacionais e internacionais, pode-se pensar nos jogos de barganha, persuasão, hierarquias, participação e ação conjunta. O lado deliberativo e retórico não deve deixar de lado mudanças, constrangimentos, reações; pois para além da persua-são está todo um conjunto de questões que se apresentam no quebra-cabeça das políticas públicas atuais; ao mesmo tempo em que novas iniciativas são tentadas, há passos futuros marcados pelo que fora feito anteriormente (GOODIN; MORAN; REIN, 2006).

Nesse contexto, é possível compreender um eterno “jogo de dois níveis”, de interdependência entre a política interna e a política externa, em que as coalizões, as instituições e as estratégias definem nos jogos: o tamanho, os custos de oportu-nidade, as sinergias e as interações (PUTNAM, 1988). Além disso, entre os diferen-tes tipos de políticas públicas, Lowi (1964) trabalha com algumas: políticas regulató-rias; políticas distributivas; políticas redistributivas e políticas constitutivas. Ou seja, é possível pensar focos diferentes de ação, e isso exige uma coordenação entre os atores. Espera-se que exista coerência entre política nacional, política de Estado e política de Governo, a fim de alcançar os objetivos fundamentais, assim como os de governo e de Estado. Em geral, uma política pública deve estar ancorada em um planejamento, uma estratégia, e deve ter um corpo de atores dispostos a tocar

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adiante a política, de forma coesa. Para obter a coesão no longo prazo, é preciso criar estratégias que sejam aproveitadas em um planejamento nacional para além de disputas de grupos partidários, grupos de pressão etc.

A agenda política, nesse contexto, pode ser definida, controlada, ou ter prio-ridades estabelecidas por atores diversos, mas principalmente aqueles que têm mais contato com os problemas nacionais. Tendo em vista este princípio esguiano, assim é formado o perfil do corpo de estagiários da ESG. A Escola Superior de Guer-ra, portanto, tem diversos vetores de influência sobre as políticas públicas. Estilos de administração, agendas, atores, ciclos de políticas públicas: tudo está sujeito à mudança. Analisar instituições é complexo, analisar a tomada de decisões e a tra-jetória dos que nele se envolvem também. O foco deste artigo não é esse, está na articulação interinstitucional, através do pensamento e prática dos formuladores de políticas públicas. Vista a interligação da ESG com o pensamento político brasileiro e com a evolução da participação militar na prática e pensamento brasileiros, falta um terceiro elemento em nossa análise: os diplomatas. É preciso, para entender a relação entre militares e diplomatas, compreender primeiro o que é relação civil-militar.

Discute-se a neutralidade essencial versus a impossibilidade de neutralidade dos militares, ao mesmo tempo em que se debate a profissionalização das forças, a agência, a cultura, a organização e a governança ligadas às forças; no Brasil além dessas investigações, pensa-se como fomentar a coordenação/cooperação civil-mi-litar (MIGON, 2013). Com relação ao caso específico da política externa, em geral os trabalhadores ligados a ela que inscritos nos cursos da ESG ocupam altos postos, como o de embaixador. O que se assemelha ao perfil dos militares, oficiais superio-res, que dela participam. A percepção da ação do Ministério das Relações Exteriores entre as Forças Armadas e vice-versa é motivo de controvérsia, por vezes. No caso do Brasil, ela ocupa um espaço unívoco no contexto da relação civil-militar. Na ver-dade, convencer e impor, diplomacia e estratégia são duas faces da mesma moeda, a política que defende os interesses nacionais, usando meios e fazendo cálculos para obter fins (ARON, 1986). Sob essa perspectiva, o primado da política faz da paz e da guerra, e dos atores que as mobilizam, instrumentos de seus fins precípuos. O Executivo é, entre os três poderes, o que parece ter maior peso no sistema político brasileiro, devido às agências públicas, às medidas provisórias e às nomeações; ain-da que a Federação, o Judiciário e a capacidade técnica sejam contrapesos (AMO-RIM NETO, 2007, p. 131-142).

O Executivo é eminentemente, também, o espaço das políticas públicas; en-quanto o Judiciário executa a regulação das políticas públicas e d’o político na prá-tica; e o Legislativo constrói normativas que encaminham quais tipos de política pública devem ser feitas. Logo, os poderes ministeriais são extremamente impor-tantes não só por suas atividades específicas, mas também porque são encargos/postos do primeiro escalão, em que são propostos projetos, programas, estratégias

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etc., que são equivalentes ao que o Executivo (presidência) se propõe em termos de projeto de poder, projeto de governo. Uma estratégia consistente e representa-tiva precisaria da participação maior da sociedade civil, de maior coordenação en-tre instituições, de maior entendimento dos políticos das questões militares; assim como a redução do fosso do modus operandi entre diplomatas e militares (MENE-ZES, 1997). Destacam-se, nesse contexto, certas direções exploradas desde o fim dos anos 1990, como a criação do Ministério da Defesa, a elaboração de documen-tos orientadores de políticas e estratégias (Política Nacional de Defesa, Estratégia Nacional de Defesa, Livro Branco de Defesa Nacional) e atividades conjuntas que congregam ações tanto de diplomatas como de militares (as mais destacadas são as missões de paz).

Todavia, essas ações políticas contemporâneas eclipsam certas realidades. Política externa e poder militar tendem a estar em universos paralelos, pois cada um deles lida com problemas atinentes ao complexo de segurança regional, à re-lação com riscos e hegemonias alheias, de forma diferenciada, ainda que o Brasil tenha tomado uma posição conciliadora e apaziguadora ao assumir a Realpolitik dos tempos de Barão do Rio Branco (ALSINA JR, 2009). Tendo em vista o cenário de amplas mudanças despertando paixões, em que os militares influenciam a política nacional, e os civis tentam conter/reprimir os militares na política após excessos co-metidos, é muito difícil alguém propor articulação entre ambos os eixos. O contexto após a Guerra Fria no Brasil torna as relações civil-militares cobertas de azedume e rancor se levados em conta alguns lados radicais tanto civis quanto militares. Esse não é o contexto nos anos 1950. General Cordeiro de Farias, Almirante Benjamim Sodré, Juarez Távora e demais fundadores da ESG pensaram na criação de um polo que incluísse civis plenamente. A ideia é de ampliação em escala geométrica da presença de civis com o tempo, invertendo uma tendência de mais militares como estagiários nas turmas. O mesmo ocorre no corpo permanente.

Em tempos sombrios, quando parece ser difícil equacionar cooperação, o es-pírito associativo é um alento que confere governabilidade no plano das políticas públicas. A ESG confere, de acordo com Cordeiro de Farias, esse espírito associativo, com integração entre diferentes conhecimentos e práticas; integrando governo e setor privado; oferecendo aos esguianos Fundamentos de Planejamento, Estraté-gia, Política, Poder; proporcionando formação, mais que só informação conjuntural (FARIAS, 1981). Propõe-se a conformação de uma ordem que transcenda os muros ministeriais ou os muros da caserna. Há diferentes momentos históricos que apon-tam para tendências de articulação.

No período inicial, diversos Presidentes marcam sua presença na ESG: Eurico Gaspar Dutra; Ranieri Mazzili; Nereu de Oliveira Ramos; Café Filho; Ernesto Geisel; Humberto de Alencar Castelo Branco; Juscelino Kubitschek; Tancredo Neves; João Goulart; Artur da Costa e Silva; Emílio Garrastazu Médici. Esse período compreende de 1950 a 1970. Em período subsequente, de 1970 a 1985, observa-se um aumento

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de estagiários nas turmas. O que se concretiza em 1985, com a criação do CAEPE e a extinção do CSG (Curso Superior de Guerra). Durante o período dos 20 anos iniciais as políticas públicas (política externa inclusa), são influenciadas pela presença de homens de ação que lidam diretamente com elas. No período subsequente, que segue por volta de meados dos anos 1980, observa-se a ampliação do número de cursos e a presença maior de formadores de opinião que não são necessariamente homens de ação. Amplia-se a presença de funcionários públicos e de pensadores. O perfil das turmas ‘se capilariza’ e sua incidência sobre as políticas públicas nacionais também se diversifica.

Ao longo de todo o período, a presença de diplomatas se faz presente27. Em todos os cursos, desde 1950, até nossos dias – excetuando o Curso de Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (CEMCFA) – há a presença de profissionais de diver-sas áreas civis. De 1953 em diante, há a escolha de patronos, sendo o primeiro o Barão do Rio Branco. Em 1972, o nome da turma é definido, e não só os patronos; tal ano é o da turma Sesquicentenário da Independência, cujo patrono é Dom Pedro I. Em 2012, é destacado o Programa Antártico Brasileiro, uma iniciativa do país que conta com a presença da pensadora esguiana Therezinha de Castro. Assim sendo, pode-se perceber, nesses três momentos, que a filosofia/práxis da ESG não é restri-ta a militares, tampouco o espírito de corpo formado.

Por serem cursos interdisciplinares, a influência dos diplomados em cursos da ESG torna-se difusa28, tendo algumas especificidades. No início, somente o Curso Superior de Guerra (que existe até 1985) é realizado. Com o tempo, porém, surgem diversos cursos: Estado-Maior e Comando de Forças Armadas, Logística e Mobiliza-ção, Inteligência Estratégica, Direito Internacional para Conflitos Armados, Política e Estratégia, Gestão Estratégica de Recursos de Defesa. Algumas razões podem ser pensadas para a pluralização de cursos (de três cursos em 1950 para doze cursos em 2013), dada de forma espontânea, natural. Uma das razões é a necessidade de liberar rapidamente as pessoas de volta às suas funções, reduzindo assim o tempo necessário para integralização de determinados cursos.

Cabe relembrar que o poder na visão esguiana é uno e indivisível, e, como tal, os seus condutores também formam parte de um bloco coerente, o das

27 Estão presentes, nas turmas da ESG, os seguintes Ministros das Relações Exteriores, entre parênteses suas turmas: Mário Gibson Barbosa (1951); Vasco Leitão da Cunha (1953); João Augusto de Araújo Castro (1963); Antônio Francisco Azeredo da Silveira (1974); entre outros. Há diplomatas de especializações diversas, desde a criação da ESG até os nossos dias.

28 O número de pessoas por curso é variado. Foram 139 pessoas no 1º CAEPE, em 1985, e 7 pessoas no CLMN de 2007. Entre os dois extremos há cursos com mais pessoas e cursos com menor número de pessoas. Em geral, uma média bem superior a 100 pessoas por ano tem frequentando os cursos. Os dados aqui apresentados foram extraídos do sítio oficial da ESG, já mencionado, que disponibiliza informações ostensivas sobre seus cursos. É estimado também que o número de adesguianos seja na casa de 80 mil, contando os que integralizaram seus estudos nos cursos da ADESG presentes em todos os estados da federação e no distrito federal.

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lideranças. Pelas analogias existentes entre os poderes das diversas elites, pelas suas interdependências, pelos papéis sociais, necessidades, pode-se pensar que as elites funcionam com certa probabilidade de decisões e com um constante equilíbrio, balanço de forças (MILLS, 1959). O balanço entre os que administram países, fortunas, poderes, famas etc., é longamente documentado em uma perspectiva clássica de análise histórica centrada nos grandes líderes. Essa é uma das bases de muitos tratados de história política (como em Joaquim Nabuco e Afonso Arinos sobre estadistas brasileiros), de história militar (feita por diversos esguianos) e de história diplomática (desde Delgado de Carvalho, passando por José Honório Rodrigues até nossos dias), ou seja, de muitos documentos basilares para o entendimento histórico de fenômenos nacionais e internacionais diversos que envolvem políticas públicas.

Por conta disso, comenta-se o perfil das turmas que são diplomadas na Es-cola Superior de Guerra; afinal, os esguianos podem dar pistas sobre algumas das questões que dizem respeito a esse trabalho. A presença militar é grande em uma instituição voltada para segurança; todavia, a presença de não militares é significa-tiva. Retornamos ao conjunto que conforma as políticas públicas externas, segun-do Aron: políticos, diplomatas e militares. Tal como no caso militar, os diplomatas, analisados por Cristina Patriota de Moura (2007), têm sua hierarquia e socialização específicas, gerando um ethos unívoco em uma carreira totalizante. O Brasil tem desafios enormes no que tange o desenvolvimento, as soluções são internas e ex-ternas, ao mesmo tempo. Quem conduzia as operações internacionais, na maior parte do tempo são os diplomatas, e é por isso que entender essa parte das políti-cas públicas brasileiras depende de entender como é o meio diplomático brasileiro e seus conceitos.

4 POLítICA ExtERnA InDEPEnDEntE, PRAGMAtISMO RESPOnSÁvEL E ECUMê-nICO

Um dos conceitos mais famosos relacionados ao período anterior à Quar-ta República é ‘autonomia na dependência’, criado por Gerson Moura (1982) para analisar como a gestão de Vargas, entre 1935 e 1942, obtém autonomia, fruto de condições conjunturais, ainda que a estrutura seja de dependência de grandes po-tências. A liderança de Getúlio Vargas na política brasileira, ainda, inicia com neu-tralidade para com os Estados Unidos, porém, como a América Latina vira palco de disputas políticas, econômicas e ideológicas, em determinado momento há um equilíbrio pragmático brasileiro, desembocando, todavia, na formação de um siste-ma de poder de hegemonia estadunidense (MOURA, 2012). Esse é um dos grandes momentos em que o desenvolvimento é associado ao nacionalismo, em que a pre-sença do Estado é o norte, articulando o bem-estar social com empresas públicas e iniciativa estatal.

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Sobre a trajetória do nacional-desenvolvimentismo, destaca-se a interpreta-ção de Amado Cervo (2008) que enxerga na história da política externa brasileira29 quatro momentos em ordem cronológica – liberal-conservador; nacional-desenvol-vimentista; neoliberal; logístico. De acordo com Letícia Pinheiro, o Estado brasileiro oscila entre duas duplas de paradigmas: ideológico/grotiano ou pragmático/hob-besiano; globalista ou americanista (PINHEIRO, 2004). Sendo, portanto, a alternân-cia entre os quatro modelos possíveis a marca da história diplomática republicana brasileira. O pragmatismo do barão do Rio Branco, o de Vargas, o de Dantas/Arinos, e o de Azeredo da Silveira são diferenciados; todavia, todos eles visam ampliar a capacidade do poder nacional em alcançar seus interesses nacionais.

É possível dizer que o pano de fundo ideológico, as disputas políticas, as ca-pacidades econômicas e as condições sociais variam com o tempo. Logo, não existe um pragmatismo, existem diversos. Lembrando que o pragmatismo é calcado em antifundacionalismo, consequencialismo e contextualismo (POGREBINSCHI, 2005); pragmatismos têm linhas análogas. Da mesma forma, a desigualdade interna e a desigualdade externa que vicejam sobre o Brasil também são análogas, e diferen-ciadas. Se, por um lado, temos embates para inserção internacional do país; por outro, temos um passivo interno a sanar: o fosso de renda e patrimônio que separa os despossuídos e os donos do poder econômico, político, psicossocial, acadêmico-científico, militar. Não sendo este, porém, problema nacional só do Brasil, pois tal concentração e desigualdade afeta a maioria dos países hoje em dia, fazendo com que Estados repensem dívida pública e impostos, conforme Thomas Piketty (2013) estudou recentemente.

4.1 O GRUPO DA POLÍTICA EXTERNA INDEPENDENTE (1961-1964)

O primeiro grupo é formado por Afonso Arinos de Mello Franco (1905-1990), Francisco Clementino de San Tiago Dantas (1911-1964) e João Augusto de Araújo Castro (1919-1975) principalmente. Juntam-se aos esguianos citados, de certa forma, os Presidentes Jânio Quadros (1917-1992) e João Goulart (1918-1976). Cabe dizer que a proposta que tem início em 1961 vai além de partidos. Goulart e Santiago Dantas eram filiados ao Partido Trabalhista Brasileiro; ainda que Jânio Quadros fosse filiado ao Partido Democrático Cristão, ele era apoiado pela União Democrática Nacional, partido de Afonso Arinos. Os primeiros (petebistas) são politicamente alinhados com o movimento varguista, os últimos (udenistas) propõem romper com o ideário e as ações de Vargas. Ainda assim, tanto udenistas quanto petebistas

29 Sobre a historiografia da política externa brasileira, Paulo Roberto de Almeida (2012) fez uma análise, contextualizando também as relações internacionais e a política externa do Brasil. Muitas das informações factuais usadas no presente artigo foram obtidas na cronologia das Relações Internacionais de Eugênio Vargas Garcia (2005) e em seu trabalho de compilação dos documentos históricos do Brasil (GARCIA, 2008).

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se articulam por uma ação internacional independente. Os consensos políticos da época apontam para um nacionalismo ancorado na busca por autonomia.

A ação lança-se com Afonso Arinos, mas é batizada e mantida por San Tiago Dantas: busca-se evitar a todo custo ser submisso e alinhar-se automaticamente a qualquer país (FRANCO FILHO, 2007). Ou seja, de 31 de janeiro de 1961 a 25 de agosto do mesmo ano, é o bloco político da UDN conduzindo; desse período até 1963, grosso modo, quem conduz é o bloco aliado ao PTB. Vale lembrar que Jânio Quadros é eleito Presidente, em coalizão PDC-UDN; enquanto João Goulart é eleito vice-Presidente, por coalizão PTB-PSD. Goulart goza de prestígio com o PCB e o PSB. Com relação aos que exerceram o cargo de Ministro das relações exteriores no pe-ríodo de 1961 e 1964, há a seguinte cronologia:

− Afonso Arinos de Melo Franco (UDN)30 entre janeiro de 1961 e agosto de 1961;

− Francisco Clementino de San Tiago Dantas (PTB) entre setembro de 1961 e julho de 1962;

− Afonso Arinos de Melo Franco (UDN) entre julho de 1962 e setembro de 1963;

− Hermes Lima (PTB) entre setembro de 1962 e junho de 1963 (da fase parla-mentarista à fase presidencialista, a última desde janeiro de 1963);

− Evandro Lins e Silva (PSB) entre setembro de 1962 e agosto de 1963; − João Augusto de Araújo Castro (diplomata) entre agosto de 1963 e abril de

1964.É preciso agora ver quais são as linhas gerais de pensamento de alguns dos

formuladores dessa política externa, por meio do que escrevem. Primeiro, vejamos a época que o grupo udenista está com maior presença no ministério. Para enten-der as linhas gerais desse momento, dois documentos principais são selecionados: o discurso de posse de Afonso Arinos, em fevereiro de 1961, e a Mensagem ao Con-gresso do Presidente Jânio Quadros, de março de 1961. Quadros destaca 15 pontos para sua política externa:

− Respeito aos compromissos e à posição tradicional do Brasil no mundo livre;

− Ampliação dos contatos com todos os países, inclusive os do mundo socialista;

− Contribuição constante e objetiva à redução das tensões internacionais quer no plano regional, quer no mundial;

− Expansão do comércio externo brasileiro;− Apoio decidido ao anticolonialismo;− Luta contra o subdesenvolvimento econômico;

30 Cabe dizer que Vasco Leitão da Cunha foi interino de Afonso Arinos de Melo Franco, e muitos dos que foram interinos nessa época de 1945 a 1964 teriam destaque entre 1964 e 1985.

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− Incremento das relações com a Europa, em todos os planos;− Reconhecimento e atribuição da devida importância aos interesses e

aspirações comuns ao Brasil e às nações da África e Ásia;− Estabelecimento e estreitamento das relações com os Estados africanos;− Fidelidade ao sistema interamericano;− Continuidade e intensificação da Operação Pan-Americana;− Apoio constante ao programa de Associação do Livre Comércio Latino-

Americano;− A mais íntima e completa cooperação com as Repúblicas irmãs da América

Latina, em todos os planos;− Relações de sincera colaboração com os Estados Unidos, em defesa do

progresso democrático e social das Américas; e− Apoio decidido e ativo à Organização das Nações Unidas para que ela

se constitua na garantia efetiva e incontestável da paz internacional e da justiça econômica.

Essa síntese do programa de Governo de Jânio Quadros é complementada pelo discurso de Afonso Arinos, de 1962, quando, já sob a presidência de Goulart, ratifica alguns princípios. Exalta a gestão anterior, a de San Tiago Dantas, chamado de “moderador e moderado”, que é antecedido pelo próprio Afonso Arinos. Compara San Tiago Dantas a Visconde de Uruguai, um pilar da linhagem conservadora/centralizadora no Itamaraty. Ele afirma que a política internacional é a projeção da personalidade nacional brasileira, reafirmando nesse contexto a democracia, ligada para ele à paz e liberdade. Ressalta, também, que “nessa casa não se trabalha sozinho” e que é necessário patriotismo.

As principais bases seriam os seguintes continentes: África, Ásia, Europa e América. No discurso só não apareceriam a Oceania e a Antártida; portanto, o que se propõe é uma revisão global da política externa. Na prática, isso signi-ficou a abertura das seguintes embaixadas: Gana31, Senegal, Costa do Marfim, Nigéria e Etiópia. Uma Missão Especial é enviada à Europa Oriental, o Brasil restabelece relações diplomáticas com Hungria e Romênia, tendo legações cria-das em Bulgária e Albânia. Durante esse período do Governo Quadros, o Brasil apóia o ingresso da República Popular da China no Conselho de Segurança da ONU, condecora Che Guevara, mas afirma-se como país “ocidental”. Além disso, são estabelecidas Embaixadas em diversos países da África: Senegal, Costa do Marfim, Nigéria, Etiópia. É nomeado o primeiro embaixador negro do país. Du-rante o período da PEI também são criadas Embaixadas em: Polônia, Irã, Togo,

31 Neste país, que ocorre a nomeação de Raimundo de Souza Dantas para assumir a direção da embaixada. Momento tão importante na história do país quanto foi a entrada da diplomata Maria José Mendes Pinheiro de Vasconcelos na carreira diplomática em 1918. Agradeço ao seu filho, Guy Mendes Pinheiro de Vasconcelos pela entrevista concedida em agosto, muito esclarecedora das atividades da diplomacia brasileira e da relação entre militares e diplomatas.

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Mauritânia, Filipinas e Mali.Sai Afonso Arinos, entra San Tiago Dantas. Sob a gestão do último, o Brasil po-

siciona-se no espectro do “neutralismo” e do “pragmatismo”. Pensava-se que o país deveria ter liberdade para relacionar-se com todos os países e que deveria buscar a cooperação principalmente em âmbitos multilaterais, onde havia mais igualitaris-mo entre os países. San Tiago Dantas vê a necessidade de mobilização da sociedade em torno de um projeto nacional, de industrialização, alfabetização e ascensão das classes trabalhadoras e médias e, com isso, da democracia representativa – sempre inserido na legitimidade e na legalidade (MOREIRA, 1981). Pronuncia antes de sua gestão, entre 1951 e 1962, palestras na ESG, principalmente sobre poder e políti-ca nacionais. Com Dantas, o país contrapõe-se às intervenções estadunidenses na América Central e apresenta postura neutra e pragmática com relação a Cuba na OEA. A proposta envolve: ter independência com relação a blocos militares; buscar paz e desenvolvimento; reforçar laços americanos; apoiar independência de países colonizados; defender a autodeterminação; estreitar a relação entre chancelaria e opinião pública (DANTAS, 2009, p. 95-122). Na sua gestão, o Brasil reata as relações com a União Soviética (que estavam rompidas desde 1947). Ele será uma pessoa ativa na política nacional, influente no Plano Trienal (junto com Celso Furtado) e no Acordo Bell-Dantas. Muitas medidas são catalisadoras de críticas em uma socieda-de onde a política está extremamente polarizada e, antes de João Goulart cair, cai San Tiago Dantas.

Volta ao ministério a figura de Afonso Arinos, e o país aproxima-se dos EUA e do México, participa da Conferência de Desarmamento em Genebra, defendendo a proibição de testes nucleares. Com Melo Franco, o Brasil ainda participa da confe-rência preparatória do Acordo Internacional do Café. O país defende internacional-mente a paz, a democracia, o desarmamento etc. Ou seja, os princípios do Governo Jânio Quadros, que depois são mantidos na gestão de San Tiago Dantas, se repe-tem. São eles parte do ideário esguiano: paz (vista no desarmamento); progresso e integração nacional (associados ao desenvolvimento), soberania (associada à auto-nomia, neutralismo, “independentismo”), democracia (na prática, associada com a ampliação de relações diplomáticas). Assim, a leitura do interesse nacional naquele momento está em sincronia entre os “independentistas” e os “esguianos”, princi-palmente em relação aos objetivos e à mobilização do poder nacional.

Sobre isso, vale a pena entender melhor o pensamento de Afonso Arinos, que é plural, lidando com História, Direito, Política, Memórias, Crítica etc. Ele tem um ideal do que deveria ser a política, expresso principalmente na sua análise sobre Rodrigues Alves e na sua análise sobre Afrânio de Melo Franco. Na última, ele apresenta mais informações sobre o que deveria também ser a diplomacia, uma vez que o último foi de grande expressão na diplomacia nacional, além de ter sido estadista (MELO FRANCO, 1955). Em ambos os casos, Melo Franco faz uma biografia dos “estadistas” da Primeira República, e é nítida sua filiação à linhagem liberal

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do pensamento brasileiro. Assim fazendo, ele acaba por inserir-se em um debate historiográfico de forma política, tal como Joaquim Nabuco fizera antes, ao escrever Um estadista do Império. O último debate é sobre José Tomás Nabuco de Araújo Filho, senador no Segundo Reinado, famoso pelo “discurso da ponte de ouro” e por posições conciliatórias.

Conciliação é algo exigido durante a gestão subsequente, de Hermes Lima, quando ocorre a Guerra da Lagosta 32, um dos contenciosos mais excêntricos da história do Brasil. Ainda que as discussões sobre o crustáceo pareçam sem muito sentido, elas guardam conexão com discussões sobre: extensão do mar perten-cente a um país; defesa da soberania marítima e/ou naval; recursos naturais na-cionais. Temas ligados ao pensamento esguiano e aos quase 4 milhões de quilô-metros quadrados que compreendem a zona econômica exclusiva no espaço ma-rítimo brasileiro. Ainda sob sua gestão é criada a Coordenação de Comércio com os Países Socialistas da Europa Oriental (COLESTE), com participação de quatro ministérios, da Confederação Nacional do Comércio de Bens (CNC), da Confede-ração Nacional da Indústria (CNI), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econô-mico e Social (BNDES), em ação coordenada, coletiva, tal como se experimentava no CSG da ESG.

Com a gestão de Evandro Lins e Silva, o Brasil vota no Conselho de Segurança contra a política colonialista de Portugal, defendendo a Soberania das nações afri-canas. No lugar do último, em agosto de 1963, entra João Augusto de Araújo Cas-tro, mais conhecido por sua atuação no âmbito multilateral33. A linha de ação que incluía impulsos a favor do desarmamento, já em diversos momentos da gestão an-terior, se aprofunda e é apresentada através de discurso na ONU de Araújo Castro, em 1963, em que defendia: Desarmamento, Descolonização e Desenvolvimento. O “discurso dos três Dês”34, como é conhecido, torna-se um marco na história da política externa nacional.

Curiosamente, ele está incluindo, de forma implícita, dois pilares da ESG:

32 A Marinha do Brasil flagrou em costas nordestinas (principalmente Pernambuco) a pesca clandestina de lagosta, efetuada por barcos franceses; junto aos pescadores, o destróier francês Tartu fazia a proteção. O Brasil mobiliza em fevereiro de 1963 as três Forças Armadas, e a França se afasta da costa. Discutia-se, na época, se o crustáceo “nadava” ou “andava”, em um dos casos a pesca teria de ser autorizada, no outro, não.

33 A época de San Tiago Dantas era marcada pela minúcia no planejamento e discussão, como prova o Colóquio da Casa das Pedras (FONSECA JR., 2011, p. 303-347). Da mesma forma, os discursos de Araújo Castro são conhecidos por sintetizar de forma elegante e incisiva posições teóricas e brasileiras, como na Conferência na ESG sobre o “Poder Nacional”, em 1958, no “discurso dos 3 Ds”, em 1963, em 1970, condenando o apartheid, como crime contra a humanidade, e no discurso sobre o congelamento do poder mundial de 1971 aos estagiários do CSG da ESG. San Tiago Dantas também teria trabalho na ESG sobre o poder nacional.

34 A documentação sobre a Política Externa Independente está presente nos livros organizados por Álvaro da Costa Franco, listados na bibliografia, ao final do artigo.

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segurança (via desarmamento) e desenvolvimento. A questão do desarmamento significava, em termos de relações internacionais, ser contra a corrida armamentista que acontecia no mundo bipolar e ser contra o uso e teste de armas nucleares. O Brasil seria intermediário na iniciativa global de deter armas nucleares e gerar zonas desnuclearizadas (WROBEL, 1993); anos depois, com o Tratado de Tlatelolco (1967) e com a ZOPACAS (1986), esta ação é contemplada. A Antártida é a primeira zona sem presença de armas nucleares. Sob a gestão de Araújo Castro, o país passa a participar como observador no Movimento dos Não Alinhados, desde 1961. Além disso, no ano de 1964, o país está presente na criação da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento; em junho, já no Governo de Castello Branco, é criado o G-77, coalizão de nações em desenvolvimento formada para defender os interesses desses países na ONU. No contexto histórico do Iluminismo, conceitos político-sociais, campo de experiências e o horizonte de expectativas se modificaram, e a ação política transformou-se (KOSELLECK, 1999). As mudanças dos anos 1960 remetem também a uma mudança de percepção temporal, de expectativas e experiências.

Mudanças que influenciam na própria organização do Itamaraty, além das já mostradas transformações no meio militar. O Brasil herda construção estatal e corpo burocrático de Portugal, tendo consolidado a nacionalidade e as fronteiras posterior-mente, com uma diplomacia nacional, atuando em eixos simétricos e assimétricos, com bilateralismo e multilateralismo, que aprende a liderar e se inserir internacional-mente desde a Escola do Prata, que defendia os interesses nacionais (DANESE, 2009). Contudo, a organização diplomática sofre transformações nessa época “autonomis-ta”; há reformas internas no Itamaraty. Com Afonso Arinos, a seleção e o aperfeiçoa-mento são reformados, ficam estabelecidas as divisões geográficas na administração; com San Tiago Dantas, são criados os cargos de oficial de chancelaria e a Divisão de Propaganda e Expansão Comercial, com Serviços a eles ligados; e, entre 1962 e 1964, a promoção dentro da carreira diplomática é flexibilizada (CASTRO, 2009).

No contexto dos anos 1960, a onda do nacional-desenvolvimentismo é nor-teadora de experiências, expectativas e ações políticas, definindo noções de tempo e espaço, e continua forte nos anos 1970. Tal pensamento materializa-se em outras instituições que não o Itamaraty. Em 1948, é criada a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) da Organização das Nações Unidas (ONU). Ela atua principalmente ligada à expressão econômica do poder e exemplifica o “espírito da época”. A CEPAL critica a ênfase em exportação de produtos primários e a importação de manufaturados na América La-tina, o que acarreta a deterioração dos termos de troca; a solução para o problema é: realizar a industrialização por substituição de importações, primeiro fechando a economia e estimulando as indústrias nacionais e a distribuição de renda e, depois, abrindo e consolidando a economia.

Algo que é seguido, de certa forma, pelo Plano Trienal, formulado por diversos

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homens de Estado, entre eles Celso Furtado, cuja atuação remonta igualmente à CEPAL. O Plano Trienal estabelece como objetivos: promover o crescimento; aumentar salários conforme a produtividade; ampliar o investimento em educação, ciência e tecnologia, saúde; deter a inflação; desenvolver as regiões do país; transformar a ordem institucional para ampliar a produtividade, em especial com relação à estrutura agrária; renegociar a dívida externa; e assegurar unidade de comando ao governo. O crescimento da economia atrela-se ao desenvolvimento social, regional e econômico, algo que atrai a atenção de outros grupos não cepalinos, tais como: Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB); Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES); Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), entre outros.

A proposta dos dois últimos é enfocada quando for analisado o grupo de Golbery do Couto e Silva. Sobre o ISEB, pode-se dizer que trabalham a dimensão histórica para embasar os estudos do presente, ao mesmo tempo em que, sob inspiração mannheimiana, pensam em formas de intervir na realidade, projetando um futuro desejado, de verniz nacional-desenvolvimentista (VILLAS BÔAS, 2006). O ISEB nasce fruto do Grupo Itatiaia de 1952 e do Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política, de 1953, e defende a industrialização, as reformas e o interesse nacional. De certa forma, o nacionalismo desenvolvimentista influi sobre a PEI e seus princípios, mas também é influente nos anos 1950 (VIZENTINI, 1988). As ideias podem servir como visões de mundo, princípios ou crenças causais, atuando na seleção de objetivos, coordenando interações, definindo as políticas externas conforme exista institucionalização (GOLDSTEIN; KEOHANE, 2003, p. 3-30). O que se vê é a quase institucionalização do nacionalismo nessa época, à revelia de pressões para alinhamento, seja a um dos blocos na bipolaridade, seja a outro.

O grupo “independentista” serve a propósito subjetivamente comum (independência) e busca interesse realista comum (ampliar a capacidade de ação, o poder, do país). Nesse sentido, existe uma identidade subjetiva forte e um grau de interdependência, havendo, portanto, uma coesão política (HUDDY, 2003, p. 511-558), em termos de concepção e ação na política pública, que pode fazer com que, ao longo de um período de tempo, a proposta se mantenha intacta. A mesma coesão, guardadas algumas idiossincrasias, apresenta-se no caso do período de 1974 e 1979. No grupo dos “independentes”, a relação sutil com a ESG faz-se presente, como já vimos, algo que se repete no caso dos “pragmáticos”.

4.2 O GRUPO DO PRAGMATISMO RESPONSÁVEL E ECUMÊNICO (1974-1979)

O período de 1974 a 1979 é marcado, tal como na época do “equilíbrio pragmático”, de Vargas, por uma ausência de coesão nos dois blocos hegemônicos. Isso diz respeito a uma discussão amplificada sobre a questão Norte-Sul, mais que sobre a questão Leste-Oeste. Em 1971, o mundo sai do sistema de Bretton Woods e, em 1973, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP)

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triplica o preço do barril de petróleo; há distensão entre as duas maiores potências, mas ocorrem diversas guerras civis e atividades terroristas no mundo; mudam, assim, os desafios em termos de segurança e desenvolvimento. No plano interno, Geisel implementa o II Plano de Desenvolvimento Econômico, uma estrutura de planejamento econômico que tem muitos antecedentes: Plano de Metas, Plano Trienal etc. Sobre o II PND, pode-se dizer que ele luta para manter o crescimento econômico, com câmbio flutuante, generosos gastos governamentais, absorção de empréstimos e baixa emissão de moeda. Ele irá ampliar o emprego, equilibrará as reservas cambiais, revitalizará as exportações agrícolas e gerará crescimento médio anual acima de 10% ao ano; mas há explosão inflacionária.

São dessa época as seguintes ações: extração de petróleo em águas profun-das pela Petrobras; Pró-Álcool, Polos Petroquímicos; Ferrovia do Aço; Cobra Com-putadores; Hidrelétricas (Tucuruí, Balbina, Sobradinho). Ou seja, a ação em infra-estrutura do governo era de grande fôlego e tentava responder à altura os desa-fios estruturais ao desenvolvimento do país, esmagado pelas crises internacionais, mormente a do petróleo. Tendo recebido Jimmy Carter, que cobrava posições em direitos humanos no Brasil, há uma distensão entre governo e opositores, tal como havia uma distensão internacional. O Presidente também se comprometia, já, no início do mandato, a uma abertura “lenta, gradual e segura”, tendo revogado o Ato Institucional número 5 ao final do mandato.

O Brasil é o primeiro país a reconhecer a independência de Guiné-Bissau em 1974, a de Angola e a de Moçambique em 1975. Coerentemente com a diretriz soberanista, é o primeiro país a legitimar o novo governo estabelecido após a Revolução dos Cravos em Portugal, 1974. A atuação do país não seria vibrante só com a lusofonia; seria também de grande expressão na África e no Oriente Médio. Na última região, o Brasil interessava-se em exportar e/ou importar: petróleo, manufaturas, serviços, armas, e bens primários. Entre 1974 e 1979, são inauguradas Embaixadas em: Alto Volta (atual Burkina Faso); Angola; Bulgária; Guiné Equatorial; Hungria; Lesoto; Moçambique; Quênia; Romênia; São Tomé e Príncipe e Zaire.

É época de reconhecimento da República Popular da China, socialista, e de ruptura de relações com Taiwan. Há o reconhecimento da Organização de Liber-tação da Palestina como representante do povo palestino; e há o posicionamento do Brasil na ONU considerando o sionismo como forma de racismo. Ocorrem visi-tas presidenciais à França e à Grã-Bretanha, assim como a visita à Alemanha (Oci-dental), na qual fora assinado o Acordo Nuclear, em 1975. Geisel visita o Japão, a primeira visita de um Presidente brasileiro ao país, para atrair investimentos, o que se traduz no Programa de Desenvolvimento do Cerrado, Albrás, e no Projeto Carajás. Em 1977, o Brasil rompe o Acordo Militar estabelecido com os EUA em 1952. O país assina, em 1978, o Tratado de Cooperação Amazônica, visando ao desenvolvimento regional, com: Bolívia, Equador, Colômbia, Guiana, Peru, Surina-me. Ele pode ser entendido como uma forma de – junto com o Tratado da Bacia

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do Prata, de 1969, e o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata de 1974 –, configurar uma integração regional intergovernamental, sobera-nista, desenvolvimentista.

No segundo caso a ser tratado, da “trinca” dos “pragmáticos”, há uma relação que não é entre políticos de diferentes naturezas, funcionários do Estado (diplomatas) e pensadores. Ou, em outros termos, entre academia, chancelaria e presidência. É uma relação construída entre presidência, chancelaria e inteligência. Nesse caso, há outro fator também. Nos anos 1960, os atores eram não militares, no caso dos anos 1970, os atores eram na maioria militares. O segundo grupo é composto por: Ernesto Geisel (1907-1996); Golbery do Couto e Silva (1911-1987); e Antônio Francisco Azeredo da Silveira (1917-1990). Diferentemente da tendência de outras alas nacionalistas, eles não eram cobertos do romantismo, ao invés, tinham boa dose de pragmatismo e, mais que isso, são mais “realistas” que o grupo dos “independentistas”. Um bom exemplo disso é Azeredo da Silveira, um pouco se assemelhando ao perfil de Araújo Castro, não deixa muitos escritos, livros etc., tendo clássico perfil de excelência de serviço diplomático, habilidade refinada na sua área de atuação. O bom trânsito entre grupos políticos variados, o amplo conhecimento sobre as Américas e sobre Europa, além de ter ocupado cargos de funções variadas, torna-o apto a ser o maestro da nova política externa.

O General de Exército Ernesto Geisel é um Presidente que faz um uso instrumental e pragmático das visitas presidenciais, rompendo tendências prévias de visitas presidenciais burocráticas e discretas, destacando-se as visitas feitas a países europeus (DANESE, 1999). O Presidente Ernesto Geisel faz muitos discursos cobertos pela televisão; muitos deles apresentam análise da conjuntura internacional, com grande enfoque na questão econômica. A própria presidência começa a ter mais facilidade de expandir sua comunicação, tentando voltar aos anos de Jânio e Jango quando o rádio ainda é popular. A televisão começa a se popularizar desde o fim dos anos 1960 e início dos 1970. A luta política passa a ser não só nas ruas, com os comícios, as atividades de grupos favoráveis e opositores do governo, tampouco a mensagem presidencial é veiculada só de forma sonora, adquiria tons audiovisuais.

Os partidos são nacionais desde a Quarta República e continuará assim na Quinta, mesmo no bipartidarismo, mas os movimentos sociais tornam-se nacionais e transnacionais, assim como as empresas internacionais são, cada vez mais, parte da realidade. Tais elementos mostram que a época muda bastante. É preciso entender, porém, algumas transformações que ocorrem nos anos 1970, durante o Governo de Ernesto Geisel. Outra questão interessante é que a administração pública brasileira, desde a Era Vargas, é de administração burocrática; e com reformas em 1967, no Governo anterior ao de Geisel, surge a administração indireta, alguma discussão sobre a administração gerencial. Com o fito de aumentar eficiência e qualidade de serviços, abre-se a participação no governo de empresas, de Organizações não

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governamentais (ONGs), de fundações etc. No espaço esguiano, os empresários e os partícipes de fundações e organizações já convivem com homens de Estado. As reformas facilitam, por exemplo, maiores contratos no exterior da Petrobras.

Uma grande vantagem da concepção de um grupo de formuladores que per-manece junto de 1974 a 1979 – e que já se conhece anteriormente – é que consoli-da e traz estabilidade em um projeto de governo que pode seguir como projeto de Estado. Os desafios conjuntos, de segurança, desenvolvimento, defesa, integração nacional e internacional e demais assuntos tratados e estudados na ESG pelos três esguianos, representantes da ala moderada do movimento civil-militar de 1964, são bem assimilados. A relação entre Azeredo da Silveira e Geisel seria iniciada em conversas sobre energia (como a crise de Jupiá) e sobre a atividade de Azeredo na Argentina. Golbery está presente na maior parte das visitas presidenciais, por exemplo, com grande contato com eminências estadunidenses (exemplos: Carter, Brezinszki, Kissinger), em momentos que Geisel está e Azeredo, também. Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva são grandes mentores da ação de inteligência no Brasil.

Golbery do Couto e Silva é um grande articulador intelectual do movimen-to que vem a derrubar Goulart e instaurar uma nova República, acabando com a ordem política anterior; e pensou bastante sobre a ordem interna brasileira. Ele é da Força Expedicionária Brasileira, ao lado dos aliados, é partícipe no Manifesto dos Coronéis de 1954, é grande nome do SNI, com atividades de inteligência desde antes 1964 e, após esse ano, ganha maior força. Participa do IPES, desde 1962, e também do IBAD. Ambos formam um forte grupo não governamental anticomunis-ta, com financiamento nacional e internacional; além do ativismo de direita, a favor da família e da propriedade, faz pesquisas sobre a sociedade, defende a democracia liberal e faz propaganda em panfletos e documentários.

Realista como o ex-Presidente Geisel e o ex-Ministro Azeredo da Silveira, acredita que o Estado é o meio de assegurar a segurança, poder soberano no meio internacional, e as nações associam-se ao poder estatal. A reação conservadora brasileira às ameaças percebidas nos anos 1930 gera a Lei de Segurança Nacional em 1935; temática revisitada em 1953, 1967, 1969, 1978 e 1983. Além de Góes Monteiro e de Francisco Campos, grandes ideólogos do autoritarismo instrumental, Golbery do Couto e Silva também envereda nas reflexões antiliberais. Todavia, vê o país como parte do Ocidente Democrático Cristão e, dentro desse grupo, segu-rança, desenvolvimento, liberdade e democracia são interligadas. De acordo com Golbery, a sociedade brasileira oscila entre “sístole” e “diástole”, configurando ora uma centralização maior, ora uma descentralização (SILVA, 1981). Seu pensamento geopolítico figura entre os grandes da Geopolítica do Brasil, junto com: Backheuser; Travassos; Therezinha de Castro; e Carlos de Meira Mattos.

Golbery é leitor do Realismo das Relações Internacionais, como em Morgenthau, além de teorias geopolíticas da Escola Possibilista francesa, da Escola

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Anglo-Saxã de Spykman e Kennan. Uma das grandes manobras incorporadas na estratégia dele envolve a ocupação, integração e desenvolvimento do interior do Brasil, encarnada em estratégias como o próprio desenvolvimento do Cerrado, da SUDAM, da SUDECO, Zona Franca de Manaus etc. Outra dimensão interessante do pensamento de Golbery é a sua análise do Planejamento Estratégico; algo que o aproxima da dimensão do “método” esguiano, de análise conjuntural associada a uma prospectiva, que serve aos interesses nacionais.

Vale lembrar que o serviço de inteligência brasileiro começa a se estruturar em 1927, com Washington Luís, tem seu primeiro órgão oficial em 195635, sendo que Golbery tem o comando do SFICI e do futuro SNI (ficará de 1961 a 1967 no comando da inteligência brasileira), a maior inspiração para estruturação do servi-ço secreto seriam as ideias da ESG e incentivo dos EUA (FIGUEIREDO, 2005). Esse intercâmbio auxilia determinadas mudanças nos paradigmas de gestão. As políti-cas públicas da área de inteligência/informação, da política externa e do Executivo, encabeçado pela presidência, desembocam em soluções não ortodoxas na época. Essas soluções só podem ser efetivadas porque os três têm boas relações, liberan-do uma margem de ação dos atores para liderarem seus processos decisórios com menor interferência. A aceitação mínima dos três nos círculos militares auxilia de-terminadas medidas, que não sofrem oposição severa e prática. Uma mudança de percepção ocorre em curso, da projeção do poder nacional para a defesa dos inte-resses nacionais, o que envolve a ação da diplomacia, defendendo cotidianamente a soberania nacional e encaminhando divergências em direção da negociação e da convergência – gerando mudança de opções (SPEKTOR, 2000).

Atualmente, há tendências internacionais de questionamento por parte de grupos e através de organizações (principalmente de integração regional) do mo-delo vestfaliano de Estado, em que há soberania, hierarquia, interesse nacional; e há a ascensão do modelo integrador, com organizações, federações, soberania compartilhada, alianças com interesses transnacionais (SEGELL, 2000). Consequen-temente, tanto a diplomacia quanto a guerra são instrumentos não mais a serviço somente do Estado, pois as linhas que conduzem essas marionetes estão além das visões limitadas pelas fronteiras nacionais. Aliado a isso, estão desafios e riscos que não são mais privilégios de nenhum estado, de nenhum grupo, de ninguém. Na sociedade de risco, as catástrofes, o efeito-bumerangue, o estado de exceção e a distribuição de riscos que atinge a todos estão se sobrepondo ao mundo da socie-dade de classes (BECK, 2010).

As políticas públicas têm desafios complexos, por questões internas às estru-turas de hierarquia e cooperação e, também, por questões externas às estruturas

35 O primeiro órgão de inteligência será criado pela Marinha em 1955, o CENIMAR, porém, o primeiro órgão nacional vinculado foi o SFICI (Serviço Federal de Informações e Contra-Informações), criado no Governo JK.

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de poder, mas que influem a todos. Na ordem assimétrica, não se pode defender os interesses nacionais só com recurso da força, sendo necessário obter legitimidade, ampliando participação em ações que deem mais credenciais ao país e, nesse senti-do, desenvolveu-se em tempos recentes um “pragmatismo democrático”, (PAROLA, 2007). É possível construir uma ordem legítima e segura através de sistemas de Estados regionais, polos de poder atuando em um sistema de governança multiní-vel, e tornando mais igualitária a própria sociedade internacional (HURRELL, 2007). Desde a criação da ESG, há uma discussão de defesa e de desenvolvimento, que se associa com o entorno sul-americano e/ou com aos países americanos em geral. Aqui incidem os projetos nacionais de San Tiago Dantas e de Golbery, que destacam a segurança nacional com influência regional e inserção mundial por desenvolvi-mento, tendo repercussões hoje em uma estratégia de formação de megablocos que podem mexer nas estruturas de poder mundial, através da conexão do Brasil com seus pares ibero-americanos e orientais (CABRAL, 2004).

A forma como a integração será realizada no século XXI depende da dimen-são interna do país, mas também de articulações internacionais. Mais ainda: de-pende da evolução de conceitos que compõem o próprio pensamento político que guia as práticas da política externa. Um bom exemplo disso é a ideia de América Latina, surgida na França, que já mudou bastante ao longo dos anos. A ideia foi as-sociada inicialmente à América Hispânica, não sendo mobilizada pelo Brasil, que se identificava como Atlântico no século XIX, Ibero- América era mais usado; porém, termos “americanos” ganham mais força ao longo do século XX, momento que o “americanismo” ganhou destaque no Brasil, para chegar ao fim do último século como uma ideia eclipsada (BETHELL, 2009). Os dois momentos estudados no arti-go articulam análises sobre para definir as identidade nacional e pautar a política externa por meio dela. Algo que é presente no Brasil, seja através do pensamento institucional, seja através da Academia que pensa diferentes formas de identidade ocidental – pura, qualificada, autônoma – no mundo; conjuntura política interna, momento diplomático, conjuntura internacional, e condicionantes estruturais nes-se contexto influirão sobre a possibilidade de verter a doutrina autonomista e a identidade brasileira em política externa (FONSECA, 2004).

5 COnCLUSãO

A identidade entre grupos formuladores de políticas públicas, a convergência de atores em instituições diferentes e a existência de um mínimo entendimento so-bre os problemas brasileiros gera inovações nos rumos de política externa nos dois “momentos autonomistas” (Política Externa Independente e Pragmatismo Respon-sável e Ecumênico). Além do enfoque da relação entre a formação de uma política pública, mostrando que a formação esguiana pode servir para algum impulso co-mum, é necessário ver outras relações, tão sutis quanto a que já fora demonstrada.

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Se os pilares desenvolvimento, defesa, bem comum e democracia fazem parte do coração da Escola Superior de Guerra desde os anos 1950, eles são conceitos-chave para entender certos temas debatidos desde aquela época, mas presentes até hoje na formação de políticas públicas. Nesse sentido, é vital a preparação de pessoal adequado para liderança em áreas-chave. Analogamente, é preciso preparar o Bra-sil para compromissos internacionais mais amplos e maiores.

A capacidade de análise de conjuntura e a prospecção fazem parte do “mé-todo” esguiano e auxiliam na formação de líderes em suas áreas de atuação. A administração pública precisa de eficiência, eficácia, efetividade, e a formação de pessoas, junto da coesão entre elas, são vitais para obtê-las. Pensar sobre o fazer dos anos 1960 e anos 1970 é análise de uma época que já se foi. Permanecem, po-rém, as linhas gerais do pensamento brasileiro como algo vivo que vibra. Aos que pensam o Brasil é preciso conhecer seu passado e aprender a planejar e a projetar um futuro. O pensamento nacionalista fez parte, foi interseção de outras linhagens do pensamento político-social brasileiro, como os conservadores e liberais. Hoje em dia, há diversas interseções de pensar, relações sutis no agir e possibilidades para o país.

Passado e futuro podem se encontrar em um presente que leve em conside-ração o que já fora feito em políticas públicas e as projeções do possível. Então, os formuladores de políticas públicas devem se aproximar dos diversos polos de solu-ção para problemas brasileiros, e a ESG é um deles. Assim, eles terão a dimensão necessária para realizar um trabalho de gestão eficiente, mais preocupada em ser-vir o coletivo do que em alavancar-se para benefício pessoal. Uma gestão de quali-dade e eficiente começaria com políticas públicas associadas a grupos heterogêne-os aplicando soluções possíveis desenvolvidas dentro de determinadas “escolas”. Isso não é impossível. As relações existem, mas são tênues. Para além do escopo deste artigo, há muitas outras relações sutis, em outras épocas e em outras áreas das políticas públicas, e as quais, infelizmente, ainda não são exploradas. Cabe aos pesquisadores ver sutilezas e transformar o estudo delas em algo que melhore a capacidade do país de se estruturar e criar muitos outros “ciclos virtuosos” evitan-do crises recorrentes. Os “momentos autonomistas” da política externa brasileira são, em certa medida, ligados ao contexto internacional, mas também estão ligados a condições internas, apresentadas no presente artigo. A criação de um ciclo vir-tuoso, de desenvolvimento, democracia, segurança coletiva e integração regional, portanto, passa por sutilezas internas; e o passado pode auxiliar o que se pretende para além da temporalidade do presente.

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MAtRIz SwOt1 EntRECRUzADA: UMA COntRIBUIçãO PARA O APERFEIçOAMEntO DO MétODO DE PLAnEjAMEntO EStRAtéGICO DA

ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

Eduardo Santiago Spiller*

RESUMOEste estudo explora o uso da matriz SWOT entrecruzada, adaptada, de modo a am-pliar o processo de investigação de assuntos correlatos à Defesa Nacional e apro-fundar os resultados alcançados com o uso desta ferramenta, a partir de sua forma original. Foram apreciados diferentes modos de apresentação da matriz SWOT en-trecruzada contidos na literatura, conforme proposto por diversos autores, e rea-lizadas comparações e contrastes entre as distintas abordagens. Considerando o fato de esta ferramenta haver sido concebida com o foco dirigido às organizações privadas, foram promovidas alterações na denominação das variáveis, para facili-tar o entendimento e o uso de cada uma, de maneira a adequar a referida matriz ao Método de Planejamento Estratégico (MPE) empregado na Escola Superior de Guerra (ESG)2, que visa à formulação de políticas e estratégias nos campos da segu-rança, do desenvolvimento e da defesa. Atualmente o método mencionado utiliza, na primeira etapa da Fase do Diagnóstico, a matriz SWOT, sem que suas variáveis sejam entrecruzadas. Nessa fase, é feito o levantamento e a análise dos ambientes externo e interno, segundo cinco diferentes enfoques denominados expressões do Poder Nacional: Política, Econômica, Psicossocial, Científico-Tecnológica e Militar. A adoção do entrecruzamento das variáveis torna a ferramenta mais robusta para o levantamento de informações que inventariam o presente e prospectam o futuro, em comparação com o simples arrolamento de aspectos considerados como opor-tunidades, ameaças, pontos fortes e pontos fracos, pois revela a influência mútua e a dinâmica dos ambientes externo e interno, e possibilita a adoção de condu-

* Engenheiro Mecânico e Advogado, pós-graduado em Engenharia de Transportes, Tecnologia da Informação, M. Sc. e PhD em Administração. Professor Voluntário da graduação em Biblioteconomia e Administração da UFRJ, além de lecionar na Pós-Graduação da Fundação Getúlio Vargas e da Escola Superior de Guerra. Contato: [email protected]

1 SWOT é um acrônimo das palavras, em inglês, Strengths, Weaknesses, Opportunities e Threats É um modelo de análise para a elaboração de planos estratégicos.2 A Escola Superior de Guerra - ESG, organização integrante do Ministério da Defesa, dedica-se

ao estudo de assuntos relacionados à defesa nacional, tomando como pontos de partida a segurança e o desenvolvimento nacionais. Com este propósito, foi desenvolvido o Método de Planejamento Estratégico da ESG, contido nas referências, ao final deste trabalho. Para fins didáticos, a ESG divide o poder nacional em cinco expressões: Política, Econômica, Psicossocial, Científico-Tecnológica e Militar, de modo facilitar o estudo da realidade brasileira.

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tas proativas. Uma vez concluída a revisão do referencial teórico e a crítica ao seu conteúdo, é sugerido o emprego da matriz SWOT entrecruzada, o que faz emergir como resultado, um vetor estratégico em cada expressão, que serve como suporte às etapas subsequentes do MPE, à medida que orienta os esforços, no sentido de aproveitar os aspectos positivos que contêm e apontar a conduta para ultrapassar as dificuldades que pode enfrentar. São apresentados exemplos de situações que correspondem a cada um dos vetores, cuja apreciação do conjunto deverá auxiliar a conclusão do diagnóstico, de modo a subsidiar o processo de planejamento. Ao final, são apresentadas sugestões para futuros estudos, de maneira a aperfeiçoar não apenas o uso da ferramenta em apreço, mas do próprio MPE.

Palavras-chave: Planejamento. Estratégia. Matriz SWOT entrecruzada.

MAtRIz StREnGthS, wEAKnESSES, OPPORtUnItIES, thREAtS (SwOt) CRISSCROSSED SwOt: A COntRIBUtIOn FOR thE IMPROvEMEnt OF

thE StRAtEGIC PLAnnInG MEthOD OF thE SUPERIOR wAR COLLEGE

ABStRACtThis study explores the use of the crisscrossed SWOT tool which was adapted in order to widen the investigation process related to the National Defense issues and deepen the results achieved with the use of this tool from its original form. Differ-ent ways of presenting the crisscrossed SWOT tool according to literature were assessed, as proposed by diverse authors, and comparisons as well as contrasts amongst different approaches were made. Considering the fact that this tool had been designed with the focus aimed at private organizations, changes in the names of the variables were promoted to facilitate the understanding and use of each one in order to suit the referred tool for the Strategic Planning Method (SPM) used in the Superior War College3, which aims at formulating policies and strategies in the fields of security, development and defense. Nowadays, the referred method uses the SWOT tool in the first stage of the Diagnosis Phase without crisscross-ing its variables. In this phase, the survey and analysis of the external and internal environment are done according to five different focus which are named National Power Expressions: Political, Economic, Psychosocial, Scientific-Technologic and Military ones. The adoption of the variable crisscrossing turns the tool stronger for the collection of information which inventory the present and prospect the future,

3 The Superior War College, known by the acronym ESG in Brazil is a member organization of the Ministry of Defense which is dedicated to the study related to national defense issues, taking as a starting point national security and development. For this purpose, its Method of Strategic Planning was developed and it is listed in the references in the end of this work.For didactic purposes, ESG divides the national power in five expressions: Political, Economic, Psychosocial, Scientific-Technological and Military ones so as to facilitate the study of the Brazilian reality.

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in comparison with the simple list of aspects considered as opportunities, threats, strengths and weaknesses since it reveals the mutual influence and dynamics of the external and internal environments as well as enables the adoption of proactive approaches. Once completed the review of the theoretical framework and its criti-cal analysis, it is suggested the use of the crisscrossed SWOT tool which results in a strategic vector in each expression that serves to support the following stages of the SPM since it guides the efforts toward taking advantage of its positive aspects and pointing out the conduct to overcome the difficulties that it may face. Examples of situations that correspond to each vector are presented, whose set appreciation might assist the conclusion of the diagnosis so as to support the planning process. Finally, some suggestions for future studies are presented in order to improve not simply the use of the referred tool, but the SPM itself.Keywords: Planning. Strategy. Crisscrossed SWOT.

DEBILIDADES, AMEnAzAS, FORtALEzAS y OPORtUnIDADES (DAFO) EntRECRU-zADA: UnA COntRIBUCIÓn AL PERFECCIOnAMIEntO DE LA MEtODOLOGíA DE

LA PLAnIFICACIÓn EStRAtéGICA DE LA ESCUELA SUPERIOR DE GUERRA

RESUMEnEste estudio explora el uso de la matriz DAFO entrecruzada, adaptada, con el fin de ampliar el proceso de investigación de asuntos relacionados con la Defensa Nacio-nal y profundizar los resultados obtenidos con el uso de esta herramienta, a partir de su forma original. Se apreciaron distintas maneras de presentar la matriz DAFO entrecruzada contenida en la literatura, según lo que fue propuesto por varios auto-res, y comparaciones y contrastes realizados entre los diferentes enfoques. Tenien-do en cuenta el hecho de que esta herramienta haya sido concebida con el enfoque dirigido a las organizaciones privadas, se promovieron cambios en la denominación de las variables, para facilitar la comprensión y el uso de cada una, de manera a adecuar la referida matriz a la Metodología de la Planificación Estratégica (MPE) empleada en la Escuela Superior de Guerra (ESG) que tiene por objetivo formular políticas y estrategias en los campos de la seguridad, del desarrollo y de la defen-sa nacional. Actualmente se utiliza el método mencionado en la primera etapa de la fase de diagnóstico de la matriz DAFO, sin que sus variables sean entrecruza-das. En esta fase se realiza el levantamiento de los ambientes externo e interno, de acuerdo con cinco enfoques diferentes llamados expresiones del Poder Nacional: Política, Económica, Psicosocial, Científico – Tecnológico y Militar. La adopción del entrecruzamiento de las variables convierte la herramienta en más robusta para el levantamiento de información que registran el presente y prospectan el futuro, en comparación con la simple enumeración de los aspectos considerados como opor-tunidades, amenazas, puntos fuertes y débiles, pues revela la influencia mutua y la dinámica de los ambientes externo e interno, y permite la adopción de un com-

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portamiento proactivo. Una vez que se concluye la revisión del marco teórico y la crítica de su contenido, se sugiere el uso de la matriz DAFO entrecruzada, lo que hace surgir como resultado, un vector estratégico en cada expresión, que sirve de apoyo para las etapas posteriores de la MPE, a la medida que orienta los esfuerzos con el objetivo de aprovechar los puntos positivos existentes y señalar la conducta para superar las dificultades que puedan encontrar. Se presentan ejemplos de situa-ciones que corresponden a cada uno de los vectores, cuya apreciación del conjunto deberá auxiliar la conclusión del diagnóstico, de modo a subvencionar el proceso de planificación. Al final se presentan ejemplos para futuros estudios, con el fin de mejorar no solo el uso de la herramienta en cuestión, sino la propia MPE. Palabras clave: Planificación. Estrategia. Matriz DAFO entrecruzada.

1 IntRODUçãO

A matriz SWOT4 é uma ferramenta frequentemente empregada nas análises competitivas de indústrias, durante o processo denominado como análise do am-biente ou estudo de situação. Uma das razões para isso é sua simplicidade, em termos das variáveis empregadas que emergem espontaneamente do esforço de identificar e qualificar os aspectos inerentes aos ambientes externo e interno, con-siderados em relação a um problema relacionado a um sistema em estudo.

A despeito de sua utilidade e do largo espectro de emprego, a própria origem do modelo é objeto de controvérsias. Segundo Tarapanoff (2001, p. 209), a análise da matriz ultrapassa os dois mil anos. Reforçando seu ponto de vista, destaca um conselho atribuído a Sun Tzu, 500 a.C.: “Concentre-se nos pontos fortes, reconheça as fraquezas, agarre as oportunidades e proteja-se contra as ameaças.” (HANZHANG, 2011, s/p).

De modo amplo, a literatura revela o amplo emprego da matriz SWOT (HAMEL, G.; PRAHALAD, C. K (1995), BETHLEM, A. (1998) MINTZBERG, AHLSTRAND; LAMPEL (2000), GHEMAWAT (2000) THOMPSON JR, STRICKLAND III; GAMBLE (2008)) e in-dica que alguns autores fazem uso do modelo, adotando denominações distintas para as variáveis, cujas iniciais dão nome à matriz. No caso da Escola Superior de Guerra, são adotados os termos Pontos Fortes e Pontos Fracos, em lugar de Forças e Vulnerabilidades, sem que isso modifique o seu significado. Outros autores, como Weihrich (1982), alteram a ordem dos fatores e denominam a matriz como TOWS, modificando a ordem com que os elementos são considerados.

Com frequência, observa-se na literatura que o uso dessa ferramenta parece subutilizado, à medida que autores como Carvalho e Laurindo (2003), Kluyer e Pe-arce II (2007) e Luecke (2008) se limitam a produzir extensas relações de elementos apurados em seus estudos, categorizados de acordo com as dimensões previstas

4 Os termos cujas iniciais dão nome à matriz são: cuja sigla corresponde aos termos em inglês Strengths (Forças), Weaknesses (Fraquezas), Opportunities (Oportunidades) e Threats (Ameaças).

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no modelo SWOT, sem que seja estabelecida conexão entre os resultados apurados nessas dimensões.

Deste modo, como forma de estender a análise e aproveitar o esforço de apuração dos elementos componentes do citado modelo, este estudo propõe o em-prego da matriz SWOT entrecruzada, derivada da original, na qual são contrapostas suas variáveis constituintes, o que faz emergir como resultado, a existência de dis-tintas orientações estratégicas que servem como suporte às etapas posteriores de diferentes processos de planejamento estratégico.

Neste estudo, toma-se como referência o Método de Planejamento Es-tratégico da ESG, o qual, para fins didáticos divide a noção de Poder em cinco variáveis, denominadas Expressões do Poder Nacional. Deste modo, as intera-ções entre as variáveis do modelo SWOT, aos pares, são estudadas a partir de cinco matrizes, cada uma correspondendo a uma das cinco expressões do poder nacional5.

2 DIFEREntES ABORDAGEnS DO MODELO SwOt E SUAS vARIAntES

Para fins de comparação e contraste, são apresentadas algumas formas de elaboração e análise do modelo SWOT, utilizadas no ambiente empresarial, como contraponto à versão aqui apresentada. Vale ressaltar que a despeito do fato de os modelos haverem sido desenvolvidos visando ao ambiente empresarial pri-vado, esses se mostram também adequados ao uso no ambiente público, civil e militar.

Diversos autores tecem críticas à matriz SWOT, devido a limitações e incon-sistências. Stevenson (1976) indica haver inconsistências entre a avaliação realizada por executivos sobre forças e fraquezas, e a situação real de suas organizações, revelando a ocorrência de vieses e desejos. Dess e Picken (1999) consideram que a matriz tem limitado poder prescritivo. Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) cri-ticam a matriz, por julgarem esse tipo de análise simplista e desconectada da re-alidade empresarial, cujos resultados acabam não sendo usados na continuidade dos trabalhos de planejamento pela maioria das empresas que adotam o modelo. (FAHEY, 1999); Novicevic et al. (2004)) apontam a evolução da análise SWOT, tor-nando-se mais abrangente, porém consideram restrita sua capacidade para orien-tar os executivos. Mas apresentam possíveis interpretações da matriz, segundo dois aspectos: descritivo e analítico.

Tomando por propósito os estudos da competição entre organizações, a visão descritiva dos fatores competitivos, segundo o aspecto descritivo, agru-pa as variáveis relativas ao ambiente externo (Oportunidades e Ameaças),

5 As cinco expressões do poder nacional são: Política, Econômica, Científico-Tecnológica, Psicossocial e Militar. Para o aprofundamento acerca destes elementos, sugere-se consultar o Manual Básico da Escola Superior de Guerra.

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consideradas incontroláveis; complementarmente às variáveis consideradas controláveis, relativas ao ambiente interno (Pontos Fortes e Pontos Fracos). Sob o enfoque analítico, as variáveis são agrupadas de acordo com os fatores desejáveis (Oportunidades e Pontos Fortes) e os indesejáveis (Ameaças e Pon-tos Fracos).

A análise da Matriz SWOT, conforme apresentado por Novicevic et al. (2004), ilustrada na Figura 1, considera somente duas combinações de suas variáveis: por linha e por coluna. A combinação por linha permite a análise dos pares Oportunida-des e Ameaças (OT) e Pontos Fortes e Pontos Fracos (SW):

Essa análise é consistente, em termos objetivo e descritivo, uma vez que reúne os fatores incontroláveis e os controláveis. Porém, em ter-mos subjetivo e avaliativo, é inconsistente, pois reúne fatores desejá-veis e indesejáveis. (NOVICEVIC et al., 2004, p. 88)

Quanto à combinação por coluna, a análise dos pares Oportunidades e Pon-tos Fortes (OS) e Ameaças e Pontos Fracos (TW):

[...] se mostra consistente, em termos subjetivo e avaliativo (fatores desejáveis agrupados, porém isolados dos fatores indesejáveis), e inconsistente em termos objetivo e descritivo (fatores controláveis e incontroláveis agrupados uns com os outros). (NOVICEVIC et al.,

2004, p. 89).

Ainda, segundo Novicevic et al. (2004) a categorização utilizada na análise SWOT (objetiva/descritiva, com os fatores agrupados em controláveis e incontrolá-veis) é muito limitada para orientar, de modo prático, executivos, e, de modo teóri-co, pesquisadores. Já a categorização subjetiva/avaliativa, mostra-se mais apropria-da para executivos e pesquisadores, embora seja mais complexa.

Figura 1: Dupla perspectiva para análise SWOT

visão Analítica dos Fatores Competitivos

(Competitive Intelligence Driven)

visão Descritiva dos Fatores

Competitivos(Backend-Planning Driven)

Desejável Indesejável

Incontrolável Oportunidades (O) Ameaças (T)

Controlável Pontos Fortes (S) Pontos Fracos (W)

Fonte: NOVICEVIC et al. (2004).

Weihrich (1982) propõe uma forma alternativa de organização da matriz SWOT, operacionalizada como Matriz TOWS (Threats; Opportunities; Weaknesses;

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Strengths), pois considera que a combinação de análises interna (WS) e externa (TO) não pode ser rígida, pois depende de cada situação específica, que exige esco-lhas estratégicas distintas.

Ruocco e Proctor (1994) revisam o método proposto por Weihrich (1982) e definem quatro atividades: (1) identificar o impacto das mudanças ambientais; (2) fazer um prognóstico para o futuro; (3) avaliar os pontos fortes e fracos da organiza-ção; (4) desenvolver opções estratégicas. As três primeiras atividades restringem-se à análise tradicional da matriz SWOT, porém, a quarta atividade traz à luz o cruza-mento entre as variáveis externas e internas.

A sequência de realização das análises externa e interna não é fixa, depen-dendo do modo de analisar a situação (WEIHRICH, 1982). Johnson, Scholes e Whit-tington (2007) igualmente exploram a matriz SWOT e aprofundam a análise com a matriz TOWS. A contribuição do método TOWS está na maneira de analisar as opções estratégicas, dispostas na Figura 2.

Figura 2: Matriz TOW

Pontos Fortes Pontos Fracos

Oportunidade Maxi-Maxi Mini-Maxi

Ameaça Maxi-Mini Mini-Mini

Fonte: RUOCCO; PROCTOR (1994).

A Matriz TOWS pode ser usada por planejadores estratégicos para tomar de-cisões quanto à forma a ser utilizada para aproveitar as Oportunidades e encarar as Ameaças ambientais, a partir de uma determinada condição interna da organização (RUOCCO; PROCTOR, 1994), de acordo com as quatro opções estratégicas possíveis, propostas por Weihrich (1982), quais sejam:

– Estratégia Maxi-Maxi (OS): Esta combinação implica maximizar Oportunida-des e Forças, condição ideal para as empresas, em que a vantagem comparativa em recursos é tão grande que é possível utilizar suas Forças para aproveitar as Oportu-nidades e transformar as Fraquezas em Forças. Empresas de sucesso possivelmen-te passaram por uma das três opções estratégicas descritas a seguir, até alcançar esta condição.

– Estratégia Maxi-Mini (TS): Neste caso, minimizar Ameaças e maximizar For-ças, pode ser a opção de uma empresa que possui internamente os recursos ne-cessários para “combater” uma ameaça. Isto não significa confrontar diretamente grandes problemas externos e, sim, preparar-se ao máximo para minimizar impac-tos negativos;

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– Estratégia Mini-Maxi (OW): Maximizar Oportunidades e minimizar Pontos Fracos corresponde à situação em que a empresa identifica Oportunidades, mas está submetida a alguma restrição interna para ocupar uma posição de vantagem no mercado. A empresa pode escolher não eliminar seus Pontos Fracos e permitir que um concorrente aproveite as Oportunidades, ou investir para tornar-se compe-titiva, caso disponha dos recursos necessários ou possa obtê-los.

– Estratégia Mini-Mini (TW): Minimizar as Fraquezas, diante de Ameaças, pode ser a opção de empresas em situação precária, que lutam pela sobrevivência. Embora em geral esta não seja uma estratégia recomendada, em alguns casos ela é inevitável, sendo a única opção para evitar a liquidação, por exemplo.

De modo distinto ao exposto por Ruocco e Proctor (1994), este estudo consi-dera não apenas o fato de que pode haver a migração por parte de uma organização entre as quatro situações expostas, em direção à ampliação de forças para aprovei-tamento máximo das oportunidades e superação das ameaças. A rigor, essas quatro distintas situações podem ocorrer simultaneamente em uma organização ou país, es-pecialmente, quando se desdobra a noção de Poder, na forma com que é explorado no modelo da ESG, por intermédio das expressões do Poder Nacional.

Tifany e Peterson (2000) apresentam outra forma de entrecruzar oportuni-dades, ameaças, pontos fortes e pontos fracos, de acordo com a Figura 3. Cumpre ressaltar que os autores fazem uso de nomenclatura distinta daquela adotada por este estudo, conforme será visto adiante.

Figura 3: Matriz SWOT

Forças Fraquezas

Oportunidades

Alavanca

Quando uma oportunidade do ambiente encontra um conjunto de pontos fortes na empresa que podem ajudá-la a tirar o máximo de proveito da situação.

Restrição

Quando uma oportunidade não pode ser aproveitada pela em-presa, devido aos seus pontos fracos.

Ameaças

vulnerabilidade

Quando existe uma ameaça à vis-ta, mas a empresa possui pontos fortes que possam amenizá-la.

Problema

Quando uma ameaça do am-biente torna a empresa ainda mais vulnerável, devido aos seus pontos fracos.

Fonte: TIFANY; PETERSON (2000).

Fleisher e Bensoussan (2003) estudam a matriz entrecruzada e abordam as virtudes e vantagens da ferramenta, assim como suas deficiências e limitações.

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Alertam para o fato de que o modelo é puramente descritivo e, assim, não oferece ao analista recomendações estratégicas e explícitas, nem respostas específicas. Não obstante, é uma forma de organizar informações e atribuir probabilidades a even-tos potenciais6.

Os autores ressaltam que alguns críticos do modelo sugerem que a análise do modelo é limitada em sua habilidade de prescrever ações específicas, e seu foco é orientado a produzir estratégias reativas, em lugar de proativas7. Para superar mui-tas das deficiências, Fleisher e Bensoussan (2003) indicam que o analista deve-se ater aos fatos, e não ser influenciado pelas crenças dominantes nas organizações. Concluem a análise do modelo, sugerindo possíveis enfoques estratégicos para cada uma das quatro formas de entrecruzar as variáveis, não sendo atribuída nenhuma denominação aos quadrantes resultantes das combinações.

Como se pode verificar, cada autor atribui a eixos distintos a disposição das variáveis externas e internas, o que requer redobrada atenção por ocasião da análise do conteúdo, de modo a serem feitas as devidas comparações e con-trastes entre os diversos entendimentos. Quanto à escolha dos eixos, não cabem críticas, pois não há relação de dependência entre as variáveis externas e internas e vice-versa.

Quanto à produção e estratégias reativas, em lugar de reativas esta possi-bilidade parece estar associada ao momento em que a análise SWOT é realizada pelos responsáveis por sua análise. No caso da ESG, tal análise ocorre na Fase do Diagnóstico, há uma fase intermediária, a Fase Política, na qual são realizados es-tudos prospectivos e, somente na terceira fase, a Fase Estratégica, são definidas as estratégias passíveis de adoção. Em caso de adoção da matriz entrecruzada, o mé-todo de planejamento da ESG passaria a contar com vetores ou orientações estraté-gicas, a partir do estudo de situação, composto pela análise dos ambientes externo e interno. Posteriormente, as estratégias a serem definidas terão como suporte os vetores apurados na fase inicial, resultando em uma sequência de estágios dotada de maior fluidez e robustez lógica.

De posse de todas as contribuições apresentadas pelas diferentes visões acerca da ferramenta em estudo, este trabalho avança com o propósito de adaptar o uso do modelo da matriz SWOT, com o entrecruzamento de suas variáveis, duas a duas, resultando em quatro elementos que representam orientações estratégi-

6 Vale ressaltar que, de acordo com o Método de Planejamento Estratégico da ESG, a atribuição de probabilidades a eventos é tarefa a ser executada posteriormente, na Fase Política, quando são realizados estudos prospectivos, com o emprego de técnicas de construção de cenários.

7 No caso do Método de Planejamento Estratégico da ESG, as estratégias, definidas na Fase Estratégica, são proativas, vez que os resultados apurados na análise SWOT não empregados para o estabelecimento de estratégias, mas para indicar a orientação estratégica a partir de orientações ou vetores, que auxiliam o entendimento da situação atual do ambiente, em face do problema em estudo.

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cas ou vetores estratégicos aos quais são aqui atribuídas as seguintes denomina-ções: Crescimento; Reforço; Defesa; Vulnerabilidade. Estes vetores encontram-se identificados nos respectivos quadrantes, apresentados na Figura 4, adaptados aos objetivos de estudos da Escola Superior de Guerra (ESG), cujas características são adiante exploradas. A nomenclatura dos elementos que abordam o ambiente inter-no é adaptada à realidade e à terminologia adotadas pela ESG.

Vale sublinhar que as orientações estratégicas não devem ser confundidas com estratégias, as quais são formuladas posteriormente, na Fase Estratégica, con-forme preconizado no método utilizado pela ESG. Tais orientações servem somente para formar a base que dá suporte à fundamentação das mencionadas estratégias.

Figura 4: Matriz SWOT entrecruzada

Pontos Fortes Pontos Fracos

Oportunidades Crescimento Reforço

Ameaças Defesa Vulnerabilidade

Fonte: TIFANY; PETERSON (2000).

3 AnÁLISE DO EntRECRUzAMEntO DAS vARIÁvEIS ORIGInAIS

Uma vez apresentada a matriz SWOT entrecruzada, conforme exposto na Fi-gura 4, o estudo prossegue com a apreciação dos quatro vetores resultantes dos diferentes cruzamentos, já indicados nos respectivos quadrantes.

No caso da Escola Superior de Guerra, levando-se em conta seu método de planejamento estratégico8, sugere-se que, no decorrer dos estudos lá realizados, passem a ser elaboradas cinco matrizes entrecruzadas. Cada uma corresponden-do a uma das Expressões do Poder Nacional9, de maneira a facilitar, num primeiro momento, a análise de cada macroconstruto em separado. Uma vez concluído este processo, passa-se ao estudo conjunto dos cinco vetores resultantes.

8 O Método de Planejamento Estratégico da ESG, contido nas referências, ao final deste trabalho, foi elaborado para uso como instrumento de apoio ao processo de planejamento estratégico empregado nos estudos lá realizados, relativos a assuntos dedicados à Defesa Nacional.

9 Para fins didáticos, a ESG divide o poder nacional em cinco expressões: expressão política, econômica, científico-tecnológica e militar, de modo facilitar o estudo da realidade brasileira, que corresponde a uma extensão do modelo PEST, sem autoria definida, que é empregado para análise ambiental, na qual utiliza os fatores Políticos, Econômicos, Sociais e Tecnológicos.

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Assim, durante a Fase do Diagnóstico, na etapa da análise do ambiente, é realizada a análise do ambiente externo, quando são identificadas e relacionadas as Oportunidades e Ameaças e a análise do ambiente interno, em que são identi-ficados e relacionados os Pontos Fortes e Pontos Fracos. Feito isso, é construída a matriz SWOT em sua forma original. A evolução aqui proposta corresponde ao entrecruzamento dessa matriz, de modo a permitir o estudo dos resultados das interações entre as quatro variáveis estudadas.

Neste processo em que são entrecruzadas as variáveis externas e inter-nas, duas a duas, é feita a avaliação das respectivas interações, porém, nenhuma estratégia é proposta, haja vista que o foco do método empregado pela ESG é orientado ao futuro, e, assim, considera-se que o futuro não pode ser definido somente a partir da situação presente. Deste modo, em cada um dos quadran-tes formados pelo entrecruzamento das quatro variáveis citadas, é apresentada a descrição da variável resultante, cuja denominação varia de acordo com a prefe-rência do autor e com o propósito de uso. No caso da ESG, como já apresentado, são: Crescimento, Reforço, Defesa e Vulnerabilidade. Essas variáveis resultantes representa uma orientação estratégica ou vetor estratégico e são abordadas em pormenores, a seguir.

4 CRESCIMEntO

As orientações estratégicas emergem naturalmente do resultado dos cruza-mentos observados. Ao serem confrontadas as Oportunidades e os Pontos Fortes, a orientação estratégica adequada deverá ser direcionada ao Crescimento. Este é o ponto focal de todas as estratégias que serão consideradas e estudadas poste-riormente, de acordo com esta conjugação. A visão orientada ao crescimento é a que melhor permite explorar positivamente as condições reinantes. A seguir, são apresentados exemplos para fins de ilustração, que refletem a análise de cada um dos vetores.

– Supondo que o mercado esteja contratando profissionais de variados ramos de engenharia, para dar conta da ampliação de demanda do setor de petróleo, em face da confirmação da capacidade de produção de novas reservas. Se a Economia estiver aquecida, de acordo com a lei da oferta e da demanda, os salários desses profissionais tende a subir. Aqueles que possuem o domínio de conhecimentos de trabalhos offshore, isto é, aqueles serviços dedicados às atividades de exploração e explotação do petróleo no mar são os mais valorizados. É o momento de pensar no crescimento da carreira, no caso dos profissionais habilitados nos ramos da enge-nharia utilizados em plataformas, o que torna atraente a formação acadêmica neste ramo de engenharia.

– Considerando, de outro modo, o ambiente mundial, em que somente conflitos armados de menor vulto estejam ocorrendo, a Economia dos princi-

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pais países tende a dar mostra de vigor, impulsionando o aumento da deman-da agregada, e a disponibilidade de recursos. No caso de haver ampliação da demanda por produtos brasileiros, novas oportunidades surgem e passam a permitir o aumento do leque de ofertas a que o País se interessa e pode aten-der. Em situações assim, pode-se também considerar a ampliação das forças existentes, por intermédio de ações de diversificação de interesses, além da consolidação de posições em que haja vantagens competitivas, diante de outros concorrentes. Nesta situação, diversos indicadores poderão apresentar resulta-dos positivos crescentes.

5 REFORçO

Na confrontação ou no cruzamento, entre Oportunidades e Pontos Fracos, o vetor estratégico é orientado ao Reforço. Regidos por esta ideia-força, os esforços são direcionados principalmente para corrigir as debilidades ou Pontos Fracos, vi-sando aproveitar as Oportunidades emergentes.

O horizonte temporal não deve ser esquecido, pois, quando se dá atenção aos Pontos Fracos, deve-se ter em conta que alguns têm natureza conjuntural e po-dem, eventualmente, ser corrigidos ou superados em um intervalo de tempo mais curto. Já os Pontos Fracos estruturais requerem maior fôlego e, em geral, envolvem mudanças em longo prazo, conforme exemplos subsequentes:

– Supondo que um indivíduo queira vender o imóvel onde mora, estimula-do pela tendência de crescimento dos preços atribuídos a imóveis com caracte-rísticas semelhantes na mesma região e pelo aumento do volume de transações. A despeito desta oportunidade identificada, verifica-se que o imóvel se encontra mal conservado, necessitando de pintura e alguma reforma na rede hidráulica. A estratégia para obter sucesso na tentativa de venda passa pela promoção de re-forços, que eliminem ou minimizem os aspectos que representam pontos fracos do imóvel.

– Com relação ao exemplo do item anterior, referente aos profissionais de engenharia, aqueles que não detêm conhecimentos no ramo de offshore devem suprir essa deficiência, o quanto antes, se quiserem aproveitar a oportunidade que surge no mercado de trabalho, reforçando as suas habilidades.

– Considerando um espaço mais amplo, em que a conjuntura mundial es-teja dando mostras de franco avanço no campo da Economia, o país apresenta debilidades em diferentes áreas que dificultam ou impedem aproveitar as opor-tunidades que se avizinham. Diante do quadro externo favorável, todo o esforço deve ser direcionado à superação dos Pontos Fracos, de modo a aproveitar os ventos favoráveis e migrar para o quadrante do crescimento. Em um ambiente de bonança, o processo competitivo costuma ser menos acirrado, pois as opor-tunidades são mais numerosas e de maior vulto, e nem todos os participantes

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se encontram em condições de aproveitar os ventos favoráveis, ou seja, os que apresentam pontos fortes crescem. Os demais devem promover reforços, antes que o tempo vire.

6 DEFESA

O cruzamento entre Ameaças e Pontos Fortes aponta para o fato de que o vetor estratégico resultante dessa combinação indica que a Defesa é a visão mais apropriada. Os esforços devem ser dirigidos a dar robustez a essa conjunção, de modo a enfrentar, resistir e superar as Ameaças.

De acordo com a capacidade de enfrentamento proporcionada pelos Pontos Fortes, em face das Ameaças identificadas, a defesa pode implicar decisões que levem: ao ataque às Ameaças; a manter-se onde está, a resistir às suas consequências, em termos do impacto e dos efeitos que poderão ocorrer; a buscar desvios das Ameaças.

Ao serem empregados os exemplos anteriores, com as devidas adaptações, para ilustrar este tópico, tem-se que:

– Havendo uma acentuada reversão no valor de comercialização de imóveis, provocada pelo estouro de uma bolha especulativa, aquele mesmo proprietário de-verá suspender a venda do imóvel, para defender o seu patrimônio, considerando ainda que as melhorias promovidas tornaram o imóvel valioso. Poderá, alternativa-mente, alugá-lo, vendê-lo, e investir o resultado em outros ativos que estejam em ascensão, o que também permite preservar a sua riqueza.

– Retomando o exemplo do profissional de engenharia, no caso de haver uma elevada admissão de profissionais oriundos de outros países, o número de va-gas disponíveis será reduzido. Neste caso, ainda que o profissional esteja bem pre-parado, ele enfrentará uma competição acentuada para trocar de posição, e mesmo para manter-se onde está. Mudar de empresa, mesmo diante das habilidades que possui, não parece uma escolha adequada nesse momento. Se não estiver empre-gado, deverá verificar a existência de oferta de empregos em outro ramo, aprovei-tando a sua experiência e habilidades para defender a continuidade do pagamento dos compromissos pessoais já assumidos.

– Investindo na aquisição de novas habilidades, nessas circunstâncias, equi-vale a ampliar os Pontos Fortes, o que auxilia a manutenção da posição. Ao cessa-rem ou serem desfeitas as ameaças e surgindo novas oportunidades, o esforço de defesa e o investimento em Pontos Fortes impulsionarão seu crescimento.

– Supondo a instalação de uma crise de âmbito mundial ou regional, diferen-tes ameaças possivelmente surgirão e poderão afetar o alcance dos objetivos, dian-te da maior dificuldade em cumprir de planos, programas e projetos nacionais, con-forme pretendido. Não obstante, o estudo do ambiente interno revela que o país apresenta forças significativas, em diferentes setores e magnitudes. Neste caso, os

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esforços devem ser dirigidos a promover a defesa de suas posições. Consolidar as forças existentes e reduzir as debilidades são medidas essenciais para enfrentar as ameaças identificadas, tendo-se em vista a possibilidade de que cada ameaça se torne realidade, o grau de seu impacto e a extensão que seus efeitos poderão provocar sobre os interesses nacionais e, por esta razão, devem ser considerados antecipadamente.

7 vULnERABILIDADE

A quarta e última situação surge do cruzamento entre as Ameaças e os Pon-tos Fracos e recebe o nome de Vulnerabilidade. Este vetor aponta para a necessida-de de adoção de medidas firmes e rápidas.

Deve-se considerar que o custo imposto pelo risco que carrega um indivíduo, uma organização ou um país submetido a essa situação é elevado e poderá produzir consequências severas. Neste caso, duas reações se mostram plausíveis: buscar for-mar resistências para sobreviver, na esperança do surgimento de Oportunidades, ou tentar converter os Pontos Fracos em Fortes. A avaliação dos Pontos Fracos pode indicar que a proteção isolada é insuficiente, diante das ameaças identificadas. As-sim, devem ser consideradas possibilidades que contemplem a ajuda de terceiros. Uma saída é a formação de alianças, a outra, numa situação extrema, é a fuga.

A reunião de esforços e a obtenção de apoio podem ser representadas pelo estabelecimento de parcerias, acordos, associações, transferência de titularidade de ativos, fusões, incorporações, patrocínios, acordos, tratados e outros mecanismos que possibilitem resistir ou superar os efeitos das ameaças, caso se concretizem, na busca de minimizar possíveis perdas. Outra possibilidade corresponde à joint ventu-re, descartada nesta conjunção, pois requer a existência de forças a serem somadas às de outro parceiro. Pode-se presumir, diante destas circunstâncias, que o poder de barganha de quem se mostra vulnerável é bem reduzido, o que poderá obrigá-lo a concessões indesejadas, verifiquem-se os exemplos:

– Caso haja uma acentuada reversão no valor de comercialização de imóveis, e diante do fato de que o imóvel se encontra mal conservado, necessitando de pintura e alguma reforma nos sistemas hidráulicos, a estratégia resultante deverá levar em conta que o preço a ser obtido com uma eventual venda, não apenas será reduzido por conta da diminuição da intensidade de negócios, mas agravado pelas condições precárias do imóvel. A venda do bem deve ser descartada por um tempo, e, talvez, deva ser adiada qualquer medida de melhoria, até que o quadro seja mais bem compreendido. Uma possibilidade para levantar recursos pode ser hipotecar o imóvel, outra, alugá-lo.

– No exemplo do profissional de engenharia, no caso de haver uma grave recessão, o número de vagas será reduzido. Considerando esta situação, se o pro-

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fissional não estiver empregado naquele momento, dificilmente encontrará coloca-ção, especialmente se não estiver atualizado ou não detiver experiência e preparo diferenciado, condições que o deixam ainda mais vulnerável. A saída poderá exigir a busca de alternativas drásticas, como mudar de região ou de ramo de atividade, eventualmente tornando-se empreendedor por necessidade10, e não por oportuni-dade, a qual ocorre, quando alguém resolve voluntária e espontaneamente tornar-se independente, iniciando um negócio próprio. A primeira é provocada por sufo-camento, e revela uma conduta de escape, enquanto a segunda é motivada pelo desejo de liberdade e pela oportunidade de crescimento. A formação de alianças, com a criação de uma sociedade, pode ajudar a diminuir a intensidade ou o número de Pontos Fracos. Se estiver empregado, parece ser apropriado investir em proces-sos de aperfeiçoamento profissional, ou começar a preparar-se para uma aventura como empreendedor por oportunidade, quando esta surgir.

– No tocante à suposição, já considerada, de instalação de uma crise de âm-bito mundial ou regional, diferentes ameaças possivelmente surgirão e poderão afetar o alcance dos objetivos, a partir da maior dificuldade em cumprir planos, programas e projetos nacionais, conforme previsto. A situação poderá se agravar, diante da identificação de Pontos Fracos diversos, em diferentes áreas e magnitu-des. É razoável considerar que a competição internacional se acentuará, sem que o país esteja em condições adequadas para disputar as poucas Oportunidades e para enfrentar as Ameaças. Esse é o momento para buscar o apoio interno, promovendo a união nacional de esforços, e apoio externo, para tentar corrigir os Pontos Fracos ou contornar as restrições resultantes desta situação. Tal apoio dependerá, no en-tanto, das alianças feitas anteriormente e da importância geoestratégica do país em dificuldades.

Deve-se ter em conta que os custos, sob tais condições, sejam mais elevados do que o normal, diante do risco evidente. Reverter os Pontos Fracos seria ideal, o que deslocaria o quadro no sentido da orientação estratégica de Defesa, já explora-da no item anterior.

Embora o deslocamento indicado resulte na melhor condição, o ponto focal é a necessidade de sobreviver diante dos resultados latentes sinalizados pelas amea-ças, à medida que se realizem. Assim, deve ser levada em consideração a chance de que cada ameaça se cumpra, o grau de impacto que provoca e a sua extensão sobre anseios, interesses e objetivos nacionais.

Vale ressaltar que as ameaças estudadas são avaliadas, em termos de três aspectos: a probabilidade de sua realização, isto é o risco associado à ocorrência

10 O estudo do empreendedorismo tipifica os empreendedores em duas categorias, aqueles que buscam abrir um negócio visando à sua subsistência, denominados de empreendedores por necessidade, e os que abrem um negócio como forma de diversificação de atividades, diante da disponibilidade de recursos para investir e do vislumbre de uma nova oportunidade de negócios.

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dos eventos que revelam as ameaças; o impacto que estas poderão produzir, isola-damente e em conjunto; a extensão de seus efeitos.

A combinação desses aspectos influencia as decisões a serem tomadas, se-gundo quatro diferentes níveis de criticidade, sendo o mais brando aquele corres-pondente às ameaças com baixa probabilidade de ocorrência e baixo impacto, se-guido pela condição que reúne alta probabilidade de ocorrência e baixo impacto. Os níveis de criticidade mais desfavoráveis correspondem: à baixa probabilidade de ocorrência e alto impacto e o pior deles é caracterizado pela alta probabili-dade de ocorrência e alto impacto. Todos exigem a preparação para a gestão de crises, que impõem a preparação e a adoção de planos de contingência, além do gerenciamento da reação, de acordo com a capacidade existente, inventariada a partir dos pontos fortes e fracos identificados. Em adição, tendo em vista que o foco do método de planejamento da ESG é orientado ao futuro, esses resultados serão acompanhados, até o limite temporal de estudo de um dado objeto de interesse.

A estimativa da extensão dos efeitos é subsidiária às combinações ora rela-tadas e, por conveniência, é feita, em seguida à caracterização dos dois aspectos citados, de maneira a facilitar o estudo de um modelo mais enxuto.

Por todo o exposto, podem ser escolhidas diversas formas para estimar o comportamento das variáveis e dos vetores estratégicos resultantes. Deve-se ter em conta que o aumento do grau de precisão implica: contar com recursos e meios de investigação; a disponibilidade, o domínio e o emprego de modelos matemáti-cos e técnicas apoiadas por recursos de Tecnologia da Informação; disponibilidade de tempo; e maior esforço de investigação, antecipação e velocidade para o prepa-ro e a resposta aos desdobramentos.

Quanto ao fato de o modelo ter características reativas, de acordo com o entendimento de Fleisher; Bensoussan (2003), esse aspecto deixa de ser relevante, quando a ferramenta não é usada de modo isolado, como no caso da ESG, em que serve de base para a continuidade de estudos estratégicos que empregarão outras ferramentas voltadas a estimar o futuro, donde resultarão não mais vetores, mas estratégias proativas.

Para fins acadêmicos e para problemas de menor complexidade, podem ser utilizadas matrizes ponderadas, nas quais a cada oportunidade e ameaça, sejam estimados: o grau de impacto, numa escala de 1 a 10, e a probabilidade de sua ocorrência, expressa no intervalo de 0,1 a 1 em que 1 corresponde à certeza, ou 100% de probabilidade de ocorrência do evento que corresponder à oportunidade ou à ameaça identificada. O intervalo dispensa o zero como extremo inferior, pois, se a probabilidade de ocorrência do evento que corresponde a uma ameaça for zero, não haverá oportunidade, tampouco ameaça. Este processo se mostra útil, ao permitir que seja estabelecida uma sequência de prioridades, que serão confronta-das com os Pontos Fortes e Pontos Fracos considerados, de modo a serem buscadas

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soluções de aproveitamento da oportunidade; de contorno ou de enfrentamento do problema que caracteriza a ameaça considerada.

Ao serem consideradas as Expressões do Poder Nacional, os impactos podem ser estimados, em termos de ganhos e perdas que potencializem ou prejudiquem o alcance ou a manutenção dos Objetivos Fundamentais, Objetivos de Estado ou Objetivos de Governo, em termos de imagem, prestígio, recursos econômico-finan-ceiros, bens materiais, pessoas, poder dissuasório etc.

Por oportuno, cumpre ressaltar a importância do estudo conjunto das matri-zes SWOT entrecruzadas, elaboradas individualmente para explorar a situação geral de cada Expressão do Poder Nacional. Não é o caso de se tentar identificar a matriz resultante desse conjunto, mas dar o tratamento devido, notadamente quanto aos problemas inerentes a cada expressão, cuja relevância e prioridade decorrerão das necessidades e objetivos já definidos, que poderão, a partir daí, sofrer modifica-ções, exceto no que toca aos Objetivos Fundamentais.

Para ilustrar a situação ora considerada, tome-se como exemplo um país fictício que, após a realização do estudo de situação, que abrange as análises do ambiente externo e interno, e, concluída a elaboração das matrizes SWOT entrecru-zadas, apresenta os seguintes resultados para cada uma das Expressões do Poder Nacional, em termos de vetores estratégicos:

– Expressão Política: Vulnerabilidade.– Expressão Econômica: Crescimento.– Expressão Científico-tecnológica: Reforço.– Expressão Psicossocial: Defesa.– Expressão Militar: Reforço.Devidamente ressalvado o fato de que os vetores estratégicos não devem

ser confundidos com estratégias, que serão concebidas em momento posterior, na Etapa da Concepção Política, integrante da Fase Política do Método de Planeja-mento Estratégico da ESG (MPE), tem-se que tais vetores representam elementos norteadores que deverão ser levados em conta, na continuidade do processo de planejamento, à medida que avança o estudo do problema escolhido, levando-se em consideração que as condições representadas pelos vetores ocorrem simulta-neamente, uma vez que fazem parte da realidade, no momento em que ocorre a Fase do Diagnóstico.

Assim sendo, diante desse quadro, em que o vetor de crescimento apura-do em relação à Expressão Econômica se confirme, isto é, que as oportunidades surjam e sejam explorados os pontos fortes, de modo a aproveitar tais oportu-nidades, os resultados eventualmente apurados poderão ser reinvestidos em proveito das demais expressões cujos vetores apontam para situações de refor-ço, de vulnerabilidade e de defesa. Porém, o quantum e a prioridade serão esta-belecidos pelo decisor estratégico, de acordo com os Objetivos Fundamentais, de Estado e de Governo e, ainda, com os compromissos políticos assumidos, ou

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seja, na Fase Política e na Fase Estratégica do MPE, após a escolha do cenário ideal e, durante a concepção das estratégias, serão levados em consideração tais vetores, em conformidade com os Objetivos de Estado e os Objetivos de Governo.

8 COnCLUSãO

Por todo o exposto, uma vez apresentada a revisão do referencial teórico relativo à matriz SWOT em suas formas simples e entrecruzada, segundo a ótica de diferentes autores, foi possível comparar e contrastar as diversas abordagens e analisar a possibilidade do emprego da forma entrecruzada, adaptada ao Mé-todo de Planejamento Estratégico da ESG. Visando demonstrar a pertinência des-sa atualização ao método em apreço, na forma atualmente empregada, foram apresentados exemplos, de maneira a esclarecer o uso e a destacar a utilidade da ferramenta na forma apresentada, como elemento subsidiário ao processo de planejamento estratégico, no caso de eventual utilização pela Escola Superior de Guerra.

Pode-se observar que os denominados vetores estratégicos não entram em choque com as estratégias formuladas em etapa posterior. Ao contrário, pavimen-tam o caminho oferecendo suporte à formulação de estratégias e à tomada de de-cisão em diferentes condições, de modo a reduzir a possibilidade de surpresas que possam comprometer o julgamento do decisor.

Este trabalho é concluído com a sugestão de que, em estudos futuros, seja considerado o uso de métodos qualitativos e quantitativos, notadamente por inter-médio de estudos de casos e pesquisas sobre a percepção de analistas estratégi-cos, de maneira a ser ampliado o grau de conhecimento existente sobre o assunto, acrescentando novas e importantes contribuições ao processo de planejamento e à formulação de estratégias voltadas à Defesa Nacional.

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A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA SOB UM nOvO OLhAR

Dayse Lúcia Alvino Cordeiro*

RESUMOA Escola Superior de Guerra (ESG), Instituição criada em 1949, é uma Escola de Altos Estudos de Política, Estratégia e Defesa. A ESG está subordinada ao Ministério da Defesa e tem por objetivo desenvolver e consolidar os conhecimentos necessários ao exercício de funções de direção e assessoramento superior para o planejamento da Defesa Nacional, incluindo-se os aspectos fundamentais da Segurança e do De-senvolvimento. A Escola funciona como um centro de estudos e pesquisas, cabendo a ela planejar, coordenar e desenvolver os cursos estabelecidos pelo Ministro de Es-tado da Defesa. Atualmente, a ESG realiza seus cursos no bairro da Urca, na cidade do Rio de Janeiro e, em decorrência da Estratégia Nacional de Defesa, iniciou suas atividades em Brasília a partir do ano de 2012. Apesar de seu rico histórico, que de-monstra toda uma trajetória de sucessos na formação de militares e civis, a Escola tem sido alvo de constantes questionamentos acerca de sua real importância, da validade de seus propósitos e missão, bem como da necessidade de sua expansão para a capital brasileira. Nesse contexto, o artigo pretende responder tais questio-namentos a fim de concorrer para a compreensão e reflexão quanto à relevância da ESG para o país e, finalmente, sua contribuição para a disseminação da mentalidade de defesa no meio civil.Palavras-chave: Defesa. Segurança. Desenvolvimento. Ensino. Integração Civil-Militar.

thE SUPERIOR wAR COLLEGE UnDER A nEw PERSPECtIvE

ABStRACtThe Superior War College1 (, institution created in 1949, is a College for High Stud-ies of Politics, Strategy and Defense. It is subordinated to the Ministry of Defense and has the purpose of developing and consolidating the necessary knowledge for the positions of superior direction and advising of National Defense planning, including fundamental issues related to Security and Development. The College works as a center for studies and research, in charge of planning, coordinatiing and developing courses established by the Ministry of Defense. At the moment, the ESG conducts its courses in the county of Urca, in the city of Rio de Janeiro,

* Capitão de Corveta (T), Pedagoga, Coordenadora Pedagógica do Campus Brasília da ESG, Contato: <[email protected]>

1 Known by the acronym ESG in Brazil.

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and because of the National Defense Strategy it started its activities in Brasília in the year 2012. In spite of its rich history, which demonstrates a long line of suc-cess in preparing civilians and military personnel, the College has been a target of frequent doubts about its real importance, the validity of its purposes and mission, as well as the need of extending to the Brazilian Capital . In this regard, this paper intends to answer such questions in order to promote comprehension and reflection on the relevance of the ESG for the country and, finally its contri-bution towards the dissemination of the defense mentality amongst the civilian community. Keywords: Defense. Security. Development. Teaching. Civil-Military Integration.

LA ESCUELA SUPERIOR DE GUERRA BAjO UnA nUEvA MIRADA

RESUMEnLa Escuela Superior de Guerra, institución creada en 1949, es una Escuela de Altos Estudios de Política, Estrategia y Defensa. La ESG está subordinada al Ministerio de Defensa y tiene como objetivo desarrollar y consolidar los conocimientos ne-cesarios al ejercicio de las funciones de dirección y asesoramiento superior para la planificación de la Defensa Nacional, incluyendo los aspectos fundamentales de Seguridad y de Desarrollo. La Escuela funciona como un centro de estudios e investigación, siendo su responsabilidad planificar, coordinar y desarrollar los cur-sos establecidos por el Ministro de Estado de Defensa. Actualmente, la ESG realiza sus cursos en el barrio de Urca, en la ciudad de Río de Janeiro y, como resultado de la Estrategia Nacional de Defensa, inició sus actividades en Brasilia desde el año 2012. A pesar de su rico histórico, que demuestra toda una trayectoria de éxi-tos en la formación de militares y civiles, la Escuela ha sido objeto de constantes cuestionamientos sobre su verdadera importancia, la validez de sus propósitos y misión, así como la necesidad de su expansión para la capital brasileña. En este contexto, este trabajo pretende responder tales cuestionamientos con el fin de competir para la comprensión y reflexión en cuanto a la relevancia de ESG para el país y, finalmente, su contribución para la diseminación de la mentalidad de defensa en el medio civil.Palabras clave: Defensa. Seguridad. Desarrollo. Enseñanza. Integración Cívico Militar.

1 IntRODUçãO

A principal meta da educação é criar homens que sejam capazes de fazer coisas novas, não simplesmente repetir o que outras gerações já fizeram. Homens que sejam criadores, inventores, descobridores. A se-gunda meta da educação é formar mentes que estejam em condições de criticar, verificar e não aceitar tudo que a elas se propõe.

Jean Piaget

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A partir dos esclarecimentos do renomado pesquisador Jean Piaget, pode-se perceber a exata relevância da educação, que transcende a mera instrução. Uma instituição de ensino que não promove a reflexão e, a partir dela, a transformação está fadada ao insucesso ou à insignificância de seus propósitos.

A Escola Superior de Guerra tem sido constantemente questionada em re-lação à sua importância, aos seus propósitos e, atualmente, à sua expansão para Brasília.

Não cabe aqui crítica à metodologia desenvolvida pela Escola para o alcance de seus propósitos, pois o presente artigo não tem a finalidade de abordar esse as-sunto, cabendo apenas a apresentação de argumentos que possam contribuir para a reflexão daqueles que desconhecem o trabalho e a missão da ESG.

Para tanto, o artigo buscará responder às seguintes questões sobre: a finali-dade da ESG; seus objetivos como Escola; sua importância para o país; o que almeja com os Altos Estudos. E ainda: o que justifica a sua existência; o que estuda de re-levante e inovador para o Brasil. E, finalmente: quais benefícios decorrerão de sua expansão para Brasília.

Dessa forma, antes de responder a essas questões, é necessário percorrer um breve histórico.

2 BREvE hIStÓRICO

Segundo sítio institucional da ESG: “A origem da Escola Superior de Guerra se prende ao Curso de Alto Comando, criado em 1942, pela Lei de Ensino Militar, voltado, à época, apenas a generais e coronéis do Exército.”2

Em 1948, alguns militares, entre eles o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, General Salvador César Obino e o General Oswaldo Cordeiro de Farias, dedicaram-se à implementação, nos moldes do National War College (NWC), do Instituto Nacional de Altos Estudos no Brasil, voltado para o binômio segurança e desenvolvimento. O referido instituto deveria atuar como um centro de pesquisas e debates sobre os problemas brasileiros.

Em dezembro daquele mesmo ano, foi elaborado o anteprojeto do regula-mento da ESG. Naquele momento, novas propostas surgiram no transcorrer dos estudos para a redação daquele anteprojeto. O documento criado pelo Tenente Co-ronel Idálio Sardemberg sob o título de Princípios fundamentais da Escola Superior de Guerra preconizava que o desenvolvimento não dependia apenas de fatores na-turais, e sim de fatores culturais, principalmente da capacidade dos homens desig-nados para as funções de direção, transformando os hábitos de trabalho existentes em um ambiente de trabalho conjunto.

Além disso, o referido documento salientava que o Instituto a ser criado en-

2 BRASIL. Ministério da Defesa. Escola Superior de Guerra (ESG). Disponível em: <www.esg.br>. Acesso em: 10 ago. 2013.

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vidaria esforços no sentido de propiciar o estudo e a solução dos problemas de segurança nacional, por meio de um método de análise e interpretação dos fatores políticos, econômicos, diplomáticos e militares, condicionando o conceito estraté-gico nacional em um ambiente de grande entendimento entre os grupos nele re-presentados.

Em 20 de agosto de 1949, por meio da Lei n. 785, foi criada a Escola Superior de Guerra, inicialmente destinada a estudos militares, conforme pode ser percebi-do em seus artigos iniciais:

Art. 1º É criada a Escola Superior de Guerra, instituto de altos estudos, subordinado diretamente ao Chefe do Estado-Maior das Forças Arma-das e destinado a desenvolver e consolidar os conhecimentos neces-sários para o exercício das funções de direção e para o planejamento da segurança nacional.Art. 2º A Escola Superior de Guerra funcionará como centro permanente de estudos e pesquisas e ministrará os cursos que, nos termos do artigo 4º, forem instituídos pelo Poder Executivo. (BRASIL, 1949 p. 3)

A partir de 1999, com a criação do Ministério da Defesa, a ESG, diretamente subordinada ao Ministro de Estado da Defesa, permaneceu com o objetivo de de-senvolver e consolidar os conhecimentos necessários para o exercício das funções de direção e para o planejamento da segurança nacional. A esses conhecimentos acrescentam-se, ainda, os aspectos relativos ao desenvolvimento nacional.

Desde então, a ESG vem diplomando inúmeros militares e civis, entre eles alguns esguianos ilustres, como Presidentes da república, Ministros de estado, se-nadores, diplomatas, oficiais-generais e personalidades do cenário nacional.

Nesse contexto, cabe verificar qual era o cenário educacional vivenciado nas décadas de 30 a 50. Em que contexto educacional a ESG estava inserida? É o que será considerado a seguir.

3 O COntExtO EDUCACIOnAL nAS DéCADAS DE 30, 40 E 50

A década de 30 trouxe inúmeras mudanças de ordem política, econômica e social para o Brasil. Os grupos que apoiavam o Presidente Getúlio Vargas, na Revo-lução de 1930, optaram por um modelo de desenvolvimento industrial de larga es-cala, o que substituiu o modelo de produção agroexportador, o qual sofreu grandes impactos decorrentes da crise do capitalismo do final dos anos 20. (LOPES; FARIA FILHO; VEIGA, 2003, p. 215).

Ainda naquela época, a insatisfação dos diversos setores da classe média crescia compulsivamente, incluindo nessa categoria os integrantes mais jovens das Forças Armadas. O motivo estava no crescimento daquela classe e na cons-ciência do grau de marginalização politica em que as demais camadas sociais se

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encontravam. Cresciam, então, as reinvindicações que acabaram por provocar as diversas revoltas armadas que convergiram para o tenentismo, além da criação do Partido Comunista e do advento da Semana de Arte Moderna. (ROMANELLI, 2005, p. 49)

Tal crise surgiu como uma necessidade de adequar o Estado às novas deman-das da política e da economia, substituindo toda a estrutura do poder político da época, que acabou contribuindo para manter a crise econômica. É o que fica claro na análise de Romanelli:

O movimento resultou de uma coalizão de forças. Era uma coalizão precária, porque composta dos interesses e das camadas sociais mais diferentes. [...] Dessa coalizão podiam distinguir-se duas correntes: a dos que desejavam mudanças apenas no sentido jurídico, ou mesmo, propugnavam por uma troca de pessoas no poder, e a dos que se pro-punham lutar por mudanças mais profundas. No primeiro grupo, alinhavam-se os militares superiores, uma par-cela dos plantadores de café, descontentes com a política econômi-ca do Governo, e a parte da elite política da oposição, que visava à conquista do poder. Estes últimos, políticos frustrados, tanto nos Estados maiores, quanto nos menores, deveriam fornecer a continui-dade indispensável entre a República Velha e os estágios sucessivos da era de Vargas.No segundo grupo, estavam os revolucionários, os que comandaram ou tiveram participação mais efetiva no movimento. Este grupo se subdividiu em duas correntes: uma, mais moderada, preocupada com mudanças de caráter constitucional, com apoio da pequena classe média e que reivindicava eleições livres e honestas, maior garantia de liberdades civis e um governo constitucional, e a outra, mais radical, liderada pela ala jovem das Forças Armadas [...] (ROMANELLI, 2005, p. 49).

Percebe-se, em tal citação, que os militares permaneciam ativos nos enga-jamentos políticos e sociais da época, ainda que seus membros pertencessem às patentes subalternas.

Em 1932, surge o movimento escola-novista, após a divulgação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Tal documento defendia a universalização da es-cola pública, laica e gratuita. O grande nome do movimento foi Anísio Teixeira, futu-ro mentor da Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, e da Universidade de Brasília, da qual foi reitor.

Além desses fatos, o perfil da sociedade brasileira também sofria alterações, uma vez que a população ia se tornando gradativamente mais urbana e ocupando os grandes centros, o que desencadeou um desenvolvimento mais acelerado nos gran-des centros urbanos do país. Dessa forma, as políticas educacionais se voltaram para o atendimento às demandas do processo industrial, e o ensino profissional, conse-quentemente, foi mais consolidado.

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A partir de 1942, foram firmados convênios com o setor industrial para que o ensino tivesse uma formação mínima do operário, com aprendizagem mais rápi-da e prática. Foi, então, que surgiram os profissionais da educação denominados inspetores de ensino, com a finalidade de garantir a fiscalização das escolas e o atendimento à demanda profissionalizante.

O ensino profissionalizante daquela época, como qualquer inovação a ser im-plantada, tinha como aspecto positivo a sua organização e estruturação, entretanto, apresentava diversas falhas, sendo uma das mais assinaladas a falta de flexibilidade entre os diversos ramos do ensino profissional e o ensino secundário, uma vez que os alunos oriundos dos cursos técnicos só poderiam prestar os exames vestibulares para os cursos diretamente relacionados à sua formação profissional (LOPES; FARIA FILHO; VEIGA, 2003, p. 217-218).

Após a queda do Estado Novo, a partir de 1945, os pioneiros da educação re-tomam sua luta para introduzir mudanças na Lei Orgânica do Ensino Industrial. Den-tre os objetivos mais relevantes da luta, destaca-se a equivalência entre os setores do ensino profissional e secundário e a eliminação da dualidade. Tal necessidade se dava pelo fato de o ensino profissional ser marginalizado em relação à educação secundária, visto que o primeiro era direcionado a formar mão de obra e o segundo, a formar as elites.

Em 1946, a Igreja instituiu sua primeira Universidade privada no Rio de Janeiro: a Pontifícia Universitária Católica (PUC). Motivadas pela Segunda Guerra Mundial, as Faculdades Católicas articularam-se para a criação do curso de enfermagem.

Ainda em 1946, inspirada na ideologia liberal-democrática, foi promulgada a Quarta Constituição da República. A União, que recebeu a atribuição de “fixar as diretrizes e bases da educação nacional”, encaminhou uma proposta da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) ao Congresso, que passou por um período de treze anos de tramitação, em decorrência de discussões infindas entre os educadores progressistas, que defendiam a escola pública, e os conservadores, defensores dos privilégios das escolas privadas.

Em 1947, foi criado o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), caracterizan-do uma inovação acadêmica, seguindo os padrões dos Estados Unidos da América. Seu modelo influenciou a modernização do ensino superior no Brasil, principalmen-te para a criação da Universidade de Brasília.

Em 1951, foi criado o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq). A Lei nº 1.310, que criou o CNPq, foi considerada por Álvaro Alberto, - pioneiro nos projetos cientí-ficos da Marinha - como a “Lei Áurea da pesquisa no Brasil”3.

A partir de então, o acesso ao ensino superior passou a ser condição funda-mental para acelerar o processo de modernização do país em desenvolvimento, abrindo novos caminhos para a mobilidade e ascensão social. A Universidade foi se

3 Disponível em: http://www.cnpq.br/web/guest/a-criacao. Acesso em 10 ago. 2013.

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transformando aos poucos em uma instituição de massa no lugar de instituição de elite, tornando-se, assim, uma organização universitária mais complexa.

É nesse contexto que surgiu a Escola Superior de Guerra, Instituto de “Altos Estudos” criado para funcionar como um centro permanente de estudos e pesqui-sas na área do planejamento da segurança nacional. Em consonância com as de-mandas educacionais da época, o instituto ESG propunha-se a promover a reflexão acadêmica e a pesquisa referente aos assuntos de segurança nacional. Mas, enfim, o que é um Instituto de Altos Estudos? É o que se pretende conhecer a seguir.

4 O COntExtO DOS ALtOS EStUDOS nA éPOCA DA CRIAçãO DA ESCOLA SUPE-RIOR DE GUERRA

Para aquele contexto proposto à época de sua criação, o título de Altos Estu-dos era perfeitamente justificável, tendo em vista a função pioneira exercida pela ESG de inovação no que se referia à necessidade de estudos estratégicos de nível elevado, mesmo não sendo considerada uma Instituição de Ensino Superior. Não havia de fato, àquela época, nenhuma Instituição de Ensino Superior capaz de con-duzir essa demanda. Dessa forma, não há como ignorar o mérito da ESG em seu contexto inicial.

Segundo Proença Júnior (2000, p. 12), existem duas fortes tradições de en-tendimento sobre o que sejam “Altos Estudos” no Brasil. A primeira, de origem aca-dêmica, teve início na França, entre os séculos XIX e XX, onde os hautes études – Al-tos Estudos – estavam relacionados aos estudos de pós-graduação. Assim, aqueles estudos que iam além das estruturas disciplinares na graduação eram denominados de Altos Estudos. A segunda nasceu da prática das instituições de Estado. Tal enten-dimento se deve ao fato da atribuição do termo Altos Estudos a uma qualificação específica e necessária para a ascensão aos postos mais elevados de determinadas carreiras. No caso específico dos militares, para ascender ao Generalato, era neces-sário que o oficial realizasse um curso de Altos Estudos. Na ESG, o Curso Superior de Guerra (CSG) seria destinado a esse fim.

O Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931, constituído no Estatuto das Universidades Brasileiras, fixou os objetivos do ensino universitário da seguinte ma-neira:

Art.1.º - O ensino universitário tem como finalidade: elevar o nível da cultura geral; estimular a investigação científica em quaisquer domí-nios dos conhecimentos humanos; habilitar ao exercício de atividades que requerem preparo técnico e científico superior; concorrer, enfim, pela educação do indivíduo e da coletividade, pela harmonia de objeti-vos entre professores e estudantes e pelo aproveitamento de todas as atividades universitárias, para a grandeza da Nação e para o aperfeiço-amento da humanidade. (ROMANELLI, 2005, p. 133).

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Dessa forma, naquela época, não se cogitava a possibilidade de qualquer Ins-tituição Superior arcar com as responsabilidades específicas atribuídas à ESG para funcionar como um centro permanente de estudos e pesquisas na área do planeja-mento da segurança nacional.

Conforme aponta Souza Júnior (2009, p. 70), a ESG foi idealizada, inicialmen-te, para ministrar o Curso de Alto Comando somente para militares e acabou rece-bendo civis, quando foi criado o Curso Superior de Guerra (CSG).

É importante ressaltar que, durante várias décadas, a Escola desempenhou um papel sócio-político-cultural de grande destaque, como afirma o referido au-tor:

Nas décadas de 1950 a 1980, a ESG direcionou a formação de mui-tos profissionais para pensar o Brasil de forma estratégica. Ensinou um método para o planejamento governamental e fez com que seus estagiários se preocupassem com os problemas brasileiros. Identifica-ram óbices, verificaram causas, realizaram diagnósticos, estudaram a conjuntura nacional/internacional, checaram os meios disponíveis e potenciais, elaboraram objetivos, políticas e estratégias. Idealizaram planos, programas, projetos e atividades e metas. (SOUSA JÚNIOR, 2009, p. 71).

Ao longo dos anos, a ESG foi incorporando à sua estrutura curricular os es-tudos sobre Desenvolvimento Nacional, o que deu início ao binômio Segurança-Desenvolvimento, com o objetivo de promover a ordem e o progresso.

Não há como negar que de fato a ESG atendeu ou correspondeu às expec-tativas iniciais de sua criação. E atualmente? Em que contexto é utilizado o termo Altos Estudos?

5 O COntExtO DOS ALtOS EStUDOS nOS DIAS AtUAIS

Atualmente, diversas instituições de Ensino Superior tem-se utilizado desse termo para caracterizar os estudos realizados após a graduação superior, ou seja, para cursos de pós-graduação: especialização, mestrado ou doutorado.

Mas o que a legislação brasileira estabelece?De acordo com o artigo 44 do Capítulo III da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro

de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, a educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:

[...] abrangência, abertos a candidatos que atendam aos requisitos es-tabelecidos pelas instituições de ensino; II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo; III - de pós-graduação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de espe-

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cialização, aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados em cursos de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino; IV - de extensão, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos em cada caso pelas instituições de ensino.

Como se pode verificar, não há qualquer citação na lei que aponte para a denominação de um curso de pós-graduação como Altos Estudos.

Já a Resolução CNE/CES nº 1, de 3 de abril de 2001, que estabelece normas para o funcionamento de cursos de pós-graduação, e a Resolução nº 1, de 8 de junho de 2007, que estabelece normas para o funcionamento de cursos de pós-graduação lato sensu, em nível de especialização, descrevem, especificamente, as regras para a autorização e o reconhecimento dos cursos de pós-graduação stricto sensu e lato sensu, entretanto, também não denominam os referidos cursos como de Altos Estudos.

Em 2006, foi criada a Escola de Altos Estudos por iniciativa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Tal projeto tem o obje-tivo de fomentar a cooperação acadêmica e o intercâmbio internacional em cursos e programas de pós-graduação stricto sensu de mestrado, doutorado e pós-douto-rado. A partir de então, qualquer universidade que ofereça cursos e programas de pós-graduação stricto sensu e que possua, preferencialmente, nota igual ou supe-rior a cinco nos processos avaliativos da CAPES pode se candidatar a participar do referido projeto, encaminhando suas propostas para análise e aprovação.

Cabe ressaltar que não há legalmente nenhuma obrigatoriedade em se atri-buir aos estudos de pós-graduação tal nomenclatura, que passou a ser utilizada comumente pelas instituições por uma questão de marketing.

Já as escolas militares possuem, em suas legislações de ensino, a especifica-ção clara do que seja um curso de Altos Estudos, conforme se verifica, por exemplo, na Lei nº 11.279, de 9 de fevereiro de 2006, que dispõe sobre o ensino na Marinha: “altos estudos militares - destinados à capacitação de oficiais para o exercício de funções de Estado-Maior e para o desempenho de cargos de comando, chefia e direção, possuindo caráter de pós-graduação” (BRASIL, 2006).

Apesar de a referida lei ter sido revisada em 2006, o enquadramento e o re-conhecimento dos cursos de altos estudos militares já eram estabelecidos pela Lei nº 6540, de 26 de junho de 1978, e as escolas militares já ministravam esses cursos desde a década de 40, como é o caso da ESG.

Em que pese o fato de atualmente a nomenclatura Altos Estudos ser utilizada para se referir a cursos de pós-graduação, há décadas ele já é utilizado para a capa-citação/aperfeiçoamento.

Nesse sentido, não se pode desqualificar a ESG com a alegação de que tal Instituição não seja uma Escola de Altos Estudos.

É evidente que o objetivo aqui não é simplesmente ignorar os avanços que a

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ESG pode alcançar, com possibilidade de oferecer até mesmo cursos de especiali-zação ou mestrado, entretanto, não há como negar que a Escola cumpre com o seu objetivo de criação, executando sua missão de desenvolver e consolidar os conheci-mentos necessários para o exercício das funções de direção e para o planejamento da segurança nacional. Se o cumprimento dessa missão não está sendo exercido de maneira adequada, esse já é outro questionamento e será abordado posteriormen-te neste artigo.

6 A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA E O naTiOnaL War cOLLeGe

Conforme já mencionado anteriormente, em 1948, um grupo de militares dedicou-se à implementação, nos moldes do National War College, do Instituto Na-cional de Altos Estudos no Brasil, voltado para o binômio segurança e desenvolvi-mento. O referido instituto deveria atuar como um centro de pesquisas e debates sobre os problemas brasileiros. Tal intenção não se concretizou e, posteriormente, foi criada a ESG, instituição responsável por atender à demanda da época.

Mas por que o objetivo inicial era o de estabelecer uma instituição nos mol-des do National War College? Que instituição é essa e para que serve? Poderia a ESG tornar-se uma instituição similar?

A missão do NWC é:

Educar líderes das Forças Armadas, do Departamento de Estado e de outras agências federais, em política de alto nível, nas responsabili-dades de comando e de Estado-Maior, por meio da realização de um curso superior de estudo em Estratégia Nacional de Segurança.4

Os cursos oferecidos pelo NWC são destinados a militares (oficiais superio-res) e civis do Governo americano e oficiais de nações estrangeiras. O currículo dos cursos enfatiza as atividades de leitura e imersão em um ambiente solidário com-posto por interagências e por convidados de outras nações aliadas. É o único colé-gio focado primeiramente na Estratégia Nacional de Defesa, no emprego integrado de todos os instrumentos do poder nacional – político, econômico, de informações e militar – para atender aos interesses nacionais americanos.

Quatro aspectos do programa do NWC são fundamentais para o cumprimen-to de sua missão:

O primeiro é a responsabilidade de auxiliar a preparar os futuros lí-deres, por meio da realização de um curso de nível superior de estu-do em “Estratégia Nacional de Segurança” [...] Todos os aspectos do

4 Disponível em: < http://www.ndu.edu/nwc/index.cfm>. Acesso em: 12 ago. 2013 (Tradução nossa).

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programa do NWC estão moldados no objetivo de proporcionar aos altos funcionários do governo uma pós-graduação em avaliação, de-senvolvimento, formulação e implementação da Estratégia Nacional de Segurança;O segundo é a tarefa de “educar” [...] NWC não visa reforçar as capa-cidades dos seus alunos para executar funções e tarefas específicas, mas sim promover a sua amplitude de ponto de vista, perspectivas diversas, análise crítica, raciocínio abstrato, segurança ao lidar com ambiguidade e incerteza, e de pensamento inovador, particularmente no que diz respeito a problemas complexos. As principais disciplinas que compõem o currículo incluem Ciência Política, Relações Interna-cionais, História, Economia, Ética, Sociologia e Liderança [...];O terceiro é o encargo de preparar “futuros” líderes para a formu-lação de políticas de alto nível, as responsabilidades do Comando e de Estado-Maior [...] concentrando-se em desenvolver os hábi-tos mentais, fundamentos conceituais e faculdades críticas que se-rão necessários aos líderes estratégicos ou aos estrategistas-chave, planejadores e assistentes executivos no Departamento de Defesa, Estado-Maior Conjunto, Departamento de Estado e outras agências governamentais;Finalmente, o NWC tem a tarefa de preparar oficiais, não apenas das Forças Armadas, mas também de uma grande variedade de outras agências civis [...] O ambiente da Instituição proporciona a todos os graduandos a possibilidade de transcenderem em suas capacidades de referências operacionais, nos serviços ou intelectuais, e poderem operar em uma real perspectiva “conjunta”.5

O programa principal do NWC provê conhecimentos em Política e Estratégia Nacional de Segurança e Operações e Estratégias Militares.

Em sua estrutura curricular, são conduzidas as seguintes disciplinas com seus respectivos objetivos:

1 - Introdução à Estratégia: introduz elementos de estratégia, pensa-mento crítico e análise estratégica para desenvolver e prover habi-lidades estratégicas fundamentais requeridas para o equilíbrio do currículo [...];

2 - Guerra e Governança: analisa os distintos e multifacetados fenô-menos da guerra, inclusive suas características, conduta, natureza, alcance, dimensão militar e não militar e as ramificações no uso de violência para alcançar objetivos políticos [...];

3 - Diplomacia e Governança: analisa as ferramentas disponíveis do Estado para alcançar seus objetivos de segurança nacional [...];

4 - O contexto interno e a tomada de decisão em segurança nacio-nal americana: fornece aos alunos uma compreensão da realidade complexa do contexto doméstico, no qual os estrategistas america-nos devem tomar decisões [...];

5 Disponível em: < http://www.ndu.edu/nwc/index.cfm>. Acesso em: 12 ago. 2013 (Tradução nossa).

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5 - O contexto global: auxilia os alunos a entender o mundo e os desa-fios estratégicos emergentes de uma perspectiva que não a central norte-americana [...];

6 - Aplicações em Estratégia Nacional de Segurança: integra e sintetiza os temas fundamentais de todo o currículo. O curso examina uma série de desafios para a segurança da pátria e para a Estratégia Nacional de Segurança, confrontados pelos EUA de hoje [...]; e

7 - Estudo de campo em Segurança Nacional: combina estudos em sala de aula com viagem internacional para proporcionar aos alunos um exame em primeira mão de um determinado país, região ou ques-tão [...]6 (USA, National Defense University, 2013).

Essa é a estrutura e a missão do NWC. E qual é a missão da ESG? Como se apresenta a estrutura de seus cursos?

A missão da ESG7 é “realizar estudos e pesquisas para compreender a reali-dade nacional e internacional e preparar civis e militares para formular políticas e estratégias relativas ao desenvolvimento, à segurança e à defesa nacionais”.

Para fins de comparação com os cursos ministrados pelo NWC, será utilizado como referência o Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE) da ESG, curso de maior destaque da instituição.

O objetivo do CAEPE é preparar civis e militares do Brasil e das Nações Ami-gas para o exercício de funções de direção e assessoramento de alto nível na ad-ministração pública, em especial na área Defesa Nacional, desenvolvendo planeja-mentos estratégicos nas expressões do Poder Nacional.

A estrutura curricular do CAEPE8 é disposta em duas grandes fases que refle-tem a abordagem metodológica do curso (Fase Básica e Fase Conjuntural), divididas temporalmente de acordo com as Fases de Planejamento Governamental da ESG. Os diversos Estudos estão organizados por meio de disciplinas, pelo critério de afi-nidade e coordenação dos assuntos e áreas de conhecimento. A Fase Básica apre-senta fundamentos e conceitos que servirão de base para os estudos e atividades de alta complexidade que se darão a seguir. A Fase Conjuntural aprofunda e integra conhecimentos que possibilitarão a realização de avaliações conjunturais e a cons-trução de cenários, nacionais e internacionais, elaborados nesta fase. Durante esse período, são estabelecidas condições para que o estagiário complemente os conhe-cimentos iniciais por meio de estudos de problemas conjunturais do Brasil e outros relacionados ao interesse nacional, organizados nas Expressões do Poder Nacional, a saber: Política, Econômica, Psicossocial, Científica e Tecnológica e Militar.

A abordagem metodológica desenvolvida pela ESG propicia aos estagiários a aplicação prática dos conteúdos estudados em diversos níveis de complexidade,

6 Disponível em: < http://www.ndu.edu/nwc/index.cfm>. Acesso em: 12 ago. 2013. (Tradução nossa).

7 Disponível em: www.esg.br. Acesso em: 10 ago. 2013.8 Disponível em: www.esg.br. Acesso em: 10 ago. 2013.

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configurando-se como um sistema de estudos, pesquisas e atividades que requerem desempenhos tanto individuais como em grupo. Para tal, são privilegiadas técnicas de ensino que tornem as atividades mais produtivas e dinâmicas, de modo a favore-cer a participação, a troca de experiências e o desenvolvimento dos estagiários.

Nota-se que o foco do NWC é a defesa, e o foco do CAEPE é a conjuntura nacional. É muito comum identificar autores que afirmam categoricamente que a ESG não estuda a guerra ou não se preocupa em incluir com maior ênfase em seus currículos os estudos mais aprofundados da guerra. Muito constante, também, é a comparação que se faz entre o enfoque dos cursos da ESG e o enfoque dos cur-sos das escolas americanas. Mas de onde vem tamanha distinção? Logicamente da postura e, principalmente, da política de cada país, ou ainda, da política de defesa de cada um.

Analisando a Estratégia Nacional de Defesa dos EUA e do Brasil, pode-se veri-ficar que já na introdução dos referidos documentos os objetivos são bem distintos. Observam-se, na Estratégia Nacional de Defesa dos EUA, os seguintes aspectos:

Na defesa dos interesses vitais dos Estados Unidos, o Department of Defense (DoD) deve fundamentar a resposta aos desafios, antecipan-do-se e preparando-se para aqueles de amanhã. Para a consecução do êxito, é impositiva a aplicação e a integração de todos os campos do poder nacional, bem como trabalhar cerradamente com um amplo espectro de nações parceiras. (PINHEIRO, 2008, p. 63).

Já na Estratégia Nacional de Defesa (END) do Brasil, encontra-se:

O Brasil é pacífico por tradição e por convicção. Vive em paz com seus vizinhos. Rege suas relações internacionais, entre outros, pelos princí-pios constitucionais da não intervenção, defesa da paz e solução pacífi-ca dos conflitos. Esse traço de pacifismo é parte da identidade nacional e um valor a ser conservado pelo povo brasileiro. (BRASIL, 2008, p. 1).

Prosseguindo para o ambiente estratégico da END norte-americana e para a natureza e âmbito da END brasileira, verificam-se aspectos também distintos. Na END americana, encontra-se:

Num futuro em médio prazo, o ambiente estratégico será caracteriza-do por uma luta global contra uma violenta ideologia extremista que procura destruir o sistema estatal internacional. [...] A prevalência dos EUA na guerra convencional trouxe adversários de diferentes matizes, particularmente, atores não estatais e seus estados patrocinadores, uma forte motivação para adotar métodos assimétricos para confron-tar o predomínio norte-americano. Por esta razão, os EUA devem de-senvolver uma capacitação militar específica para a guerra irregular comparável àquela existente para a guerra convencional. (PINHEIRO, 2008, p. 63).

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Na END brasileira, destacam-se:

1. A Estratégia Nacional de Defesa é o vínculo entre o conceito e a po-lítica de independência nacional, de um lado; e as Forças Armadas para resguardar essa independência, de outro. Trata de questões políticas e institucionais decisivas para a defesa do País, como os objetivos da sua “grande estratégia” e os meios para fazer com que a Nação participe da defesa. Aborda, também, problemas propria-mente militares, derivados da influência dessa “grande estratégia” na orientação e nas práticas operacionais das três Forças. [...]

2. A Estratégia Nacional de Defesa organiza-se em torno de três eixos estruturantes. O primeiro eixo estruturante diz respeito a como as Forças Armadas devem-se organizar e orientar para melhor desem-penharem sua destinação constitucional e suas atribuições na paz e na guerra. [...] O segundo eixo estruturante refere-se à reorgani-zação da indústria nacional de material de defesa, para assegurar que o atendimento das necessidades de equipamento das Forças Armadas apoie-se em tecnologias sob domínio nacional. O terceiro eixo estruturante versa sobre a composição dos efetivos das Forças Armadas e, consequentemente, sobre o futuro do Serviço Militar Obrigatório. (BRASIL, 2008).

Fica claro, portanto, que, se as políticas de defesa são distintas, também as-sim serão os objetivos das escolas de defesa dos dois países em questão. Assim, não há como atribuir à ESG uma responsabilidade que não lhe foi conferida, ou seja, os objetivos apresentados pelo CAEPE são perfeitamente compatíveis com a política de defesa do país. Cabe ressaltar que tal constatação não tem o objetivo de validar ou invalidar os propósitos do curso.

Ainda que a ESG não alterasse os currículos de seus cursos, principalmente do CAEPE, mesmo assim, estaria em consonância com os objetivos traçados pela Política Nacional de Defesa, que tem objetivos distintos da política de defesa norte-americana. Por esse motivo, a ESG não pode ser comparada, em seus objetivos pedagógicos, ao NWC.

Assim sendo, o argumento de que o CAEPE é apenas uma versão aperfeiçoa-da da conhecida disciplina “Estudos dos Problemas Brasileiros”, também não proce-de, visto que a estrutura curricular do referido curso contempla apenas os assuntos pertinentes à política de defesa brasileira, com a seguinte abordagem: “estudos de problemas conjunturais do Brasil e outros relacionados ao interesse nacional, organizados nas Expressões do Poder Nacional, a saber: Política, Econômica, Psicos-social, Científica e Tecnológica e Militar.” (BRASIL, ESG, 2013).

7 AFInAL, PARA QUE SERvE A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA?

É muito comum deparar-se com alguns questionamentos acerca da necessi-dade da existência da ESG, uma vez que as três Forças já possuem escolas militares

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de altos estudos, responsáveis pela formação e aperfeiçoamento de seu pessoal.Tal argumento pode parecer coerente; entretanto, a ESG não é uma institui-

ção de ensino das Forças Armadas, mas sim do Ministério da Defesa e sua função transcende a formação militar.

A ESG, como já mencionado e divulgado por meio de sua página na internet, é:

Um Instituto de Altos Estudos de Política, Estratégia e Defesa e des-tina-se a consolidar os conhecimentos necessários ao exercício de funções de direção (conhecimentos esses já obtidos nos cursos desen-volvidos pelas instituições de ensino de cada força) e assessoramento superior para o planejamento da Defesa Nacional, nela incluídos os aspectos fundamentais da Segurança e do Desenvolvimento. (BRASIL, 2013, grifo nosso).

Nesse contexto, cabe à ESG a consolidação dos conhecimentos já obtidos an-teriormente pelos militares (em cada força) e pelos civis (em instituições de ensino superior ou em órgãos da administração pública), cada qual em sua respectiva área de atuação.

Outro aspecto a ser observado é que o objetivo da ESG não é apenas estudar a guerra, mas sim a defesa num contexto mais amplo. O dicionário Aulete Digi-tal9 esclarece: “DEFESA. Conjunto de meios, estratégia, preparação etc. emprega-dos para (se) defender ante ataque: consolidar a defesa de um país contra possível agressão.”.

A Política Nacional de Defesa (PND), item 2.4 subitem II, estabelece: “De-fesa Nacional é o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase no campo militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais con-tra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas.” (BRASIL, 2012).

Como se observa, a Defesa é entendida como um poder de se antepor a uma ameaça, em que a DISSUASÃO é uma prática contribuinte para o seu fortalecimen-to. O conceito de Guerra é mais amplo, pois já subentende o confronto armado, com envolvimento de política (o que fazer) e de estratégia (como fazer).

O item 7.12 da PND10 estabelece:

À ação diplomática na solução de conflitos soma-se a estratégia militar da dissuasão. Nesse contexto, torna-se importante desenvolver a ca-pacidade de mobilização nacional e a manutenção de Forças Armadas modernas, integradas e balanceadas, operando de forma conjunta e adequadamente desdobradas no território nacional, em condições de pronto emprego. (BRASIL, 2012)

9 Disponível em: www.auletedigital.com.br. Acesso em: 12 ago. 2013.10 Conforme a Lei Complementar 136 determina, a PND foi encaminhada ao Congresso Nacional em

2012 para apreciação e, posteriormente, deverá ser publicada em forma de Decreto Presidencial.

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O fato de a ESG ser considerada uma Escola de Altos Estudos não quer di-zer que ela tenha que se ater somente nos estudos da Guerra. Esses altos estudos devem envolver os campos do Poder Nacional: Político, Econômico, Psicossocial, Técnico-Científico e Militar. Neste último, a Defesa teria enfoque preponderante, mas não a Guerra. A “Bíblia” do estudo de Defesa para o país é a Política Nacional de Defesa, pois esse documento estabelece as diretrizes para que o Brasil preserve sua soberania. As cinco expressões do poder nacional deverão convergir para uma política de defesa a fim de se evitar a guerra.

A PND fala em Defesa enfocando o preparo do País para manter sua sobera-nia. Para esse fim contribuem todos os campos do Poder. Sem um parque industrial moderno, sem uma força militar do levantamento do “estado da arte”, sem capaci-dade de mobilização de meios materiais e pessoais, não há como um país enfrentar qualquer ameaça. E esse deve ser o enfoque da ESG.

O célebre Ruy Barbosa já mencionava em 1929: “A fragilidade dos meios de resistência de um povo acorda, nos vizinhos mais benévolos, veleidades inopina-das, converte contra ele os desinteressados em ambiciosos, os fracos em fortes, os mansos em agressivos.” (BARBOSA, 1929, 289)

O Brasil, além de se preocupar com os estudos da guerra, deverá se preparar para ela. Apenas para fim de ilustração, um dos aspectos importantíssimos para a defesa de um país é a mobilização. Em 1982, para se contrapor à invasão argentina nas Malvinas, a Grã-Bretanha convocou, adaptou e empregou em prazo curtíssimo 70 navios mercantes para utilizá-los como embarcação de transporte de tropas. Esse é um ótimo exemplo de emprego do Poder Nacional em defesa da soberania de uma Nação. O campo Político convocou; o campo Econômico patrocinou; o campo Científi-co-Tecnológico adaptou; o campo Psicossocial motivou; o campo Militar executou.

Além de todos esses argumentos, a ESG “funciona como centro de estudos e pesquisas, a ela competindo planejar, coordenar e desenvolver os cursos que fo-rem instituídos pelo Ministro de Estado da Defesa.” 11 Dessa forma, não há como confundir a ESG com qualquer outra instituição, como é o caso do Instituto Pandiá Calógeras (IPC), instituição criada para pesquisa e assessoramento ao Ministro da Defesa, que não tem por finalidade promover o ensino. A ESG é, atualmente, a úni-ca instituição de ensino do MD.

Em última análise, a ESG tem como missão12: “Realizar estudos e pesquisas para compreender a realidade nacional e internacional, e preparar civis e militares para formular políticas e estratégias relativas ao desenvolvimento, à segurança e à defesa nacionais.” Sendo assim, a Escola pode ser considerada um foro democrático e aberto ao livre debate, uma vez que não há respostas prontas e conhecimentos estáticos. E é exatamente essa a sua maior qualidade, especialmente pelo fato de

11 Disponível em: www.esg.br. Acesso em: 10 ago. 2013.12 Disponível em: www.esg.br. Acesso em: 10 ago. 2013.

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reunir em seus quadros de formação um grande número de civis da alta administra-ção pública do Brasil, com o objetivo de disseminar a mentalidade de defesa, pro-porcionando maior integração entre civis e militares. E é nesse contexto que surge a necessidade da expansão da ESG para Brasília, centro do poder político do país. É o que será abordado a seguir.

8 REFLExõES ACERCA DA ExPAnSãO DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA PARA BRASíLIA

Inicialmente, é necessário recorrer ao maior de todos os argumentos, ou seja, o da legislação. A expansão da ESG para a capital federal é mera formalização do que já foi estabelecido pela Estratégia Nacional de Defesa (END), aprovada em dezembro de 2008.

Entre as ações estratégicas previstas na parte II da END, estão relacionadas aquelas referentes ao Ensino com o objetivo de “promover maior integração e par-ticipação dos setores civis governamentais na discussão dos temas ligados à defesa, assim como a participação efetiva da sociedade brasileira, por intermédio do meio acadêmico e de institutos e entidades ligados aos assuntos estratégicos de defesa” (BRASIL, 2008).

De acordo com o referido documento, a expansão da ESG para Brasília objeti-va “intensificar o intercâmbio fluido entre os membros do Governo Federal e aquela Instituição, assim como para otimizar a formação de recursos humanos ligados aos assuntos de defesa” (BRASIL, 2008).

Assim sendo, não há como questionar a expansão da ESG para Brasília, pois não se trata de vontade pessoal e sim de vontade política; é o resultado do cumpri-mento da legislação.

Cabe salientar que praticamente todas as escolas similares do mundo estão localizadas na capital. E, ainda, que há em Brasília uma vantagem em relação ao Rio de Janeiro: a facilidade de acesso aos cursos de mais alto nível por parte dos altos funcionários das agências governamentais, favorecendo a colaboração da ESG com a administração pública em seu poder decisório.

Nesse contexto, o Campus Brasília já é uma realidade e tem direcionado seus objetivos pedagógicos para promover a integração dos setores civis nas discussões acerca dos temas relacionados à defesa, oferecendo o Curso Superior de Política e Estratégia (CSUPE), que tem a finalidade de proporcionar aos recursos humanos civis da administração pública e militares das Forças Armadas ferramentas para a macroanálise dos cenários nacional e internacional, possibilitando a avaliação de políticas e estratégias, principalmente, na área da Defesa Nacional.

Mais uma vez, é preciso admitir que a ESG tem cumprido com os propósitos a ela atribuídos. Ressalta-se, ainda, que não se trata de tecer críticas à metodolo-gia desenvolvida pela Escola para o alcance desses propósitos, pois, conforme já

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mencionado na introdução, o presente artigo não tem a finalidade de abordar esse assunto, cabendo apenas a apresentação de argumentos que possam contribuir para a reflexão sobre seu trabalho, sua missão e sua importância.

Dessa forma, serão descritos a seguir os objetivos mais específicos do CSUPE, sua importância e contribuição para a sociedade brasileira.

9 O CAMPUS BRASíLIA E SUA COntRIBUIçãO PARA A DISSEMInAçãO DA MEntA-LIDADE DE DEFESA nO PAíS

O tema Defesa no Brasil ainda é pouco difundido, estudado e discutido. Tal situação é reflexo da conjuntura atual do país. E não há como tratar de defesa sem abordar o tema PESQUISA E DESENVOLVIMENTO. Uma Nação que não investe em pesquisa não consegue alcançar o desenvolvimento, ou pelo menos terá muito mais dificuldades nesse aspecto. De acordo com informações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Brasil investe apenas 1,5% do PIB em defesa.

Conforme aponta ALMEIDA (2013, p. 34), pesquisador do IPEA, o Brasil ainda tem muito que caminhar, principalmente quanto à realização de investimentos na área de pesquisa e, consequentemente, em relação à defesa. Segundo o autor, o tipo de incentivo à inovação utilizada nos Estados Unidos, por exemplo, por meio da agência de inovação Darpa, é muito distante do que é utilizado aqui no Brasil. A Darpa é uma agência de inovação ligada ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos e “é considerada modelo de gestão e um importante player no desenvolvi-mento de novas tecnologias desde internet, GPS, aviões hipersônicos até próteses inteligentes que recebem comandos do cérebro.” (IPEA, 2013, p. 34).

Quanto ao Brasil, o IPEA destaca que não há nada parecido em termos de pes-quisas tecnológicas, uma vez que não existe no setor público brasileiro um grupo de pesquisadores que possa definir em quais tecnologias o país vai investir. Não existe, ainda, um fluxo constante de pesquisadores de empresas privadas, academias e outros centros de pesquisa que migrem para uma determinada agência pública de fomento à inovação ou vice-versa. Ou seja, não é possível afirmar que o sistema de promoção de CT&I no Brasil esteja inserido num sistema nacional de inovação, como no caso da Defense Advanced Research Projects Agences (DARPA).

Pensar em defesa sem investimento não é possível, pois o Brasil deve estar preparado para defender sua soberania e, para atender a esse propósito, precisa ter Forças Armadas compatíveis com a grandeza de seu território, de seu mar territorial e de seu espaço aéreo. Essas forças precisam estar, pelo menos, no mesmo nível operacional das existentes nos países vizinhos. É necessário preparar-se. Sob esse aspecto, há 2.000 anos, o grande estrategista chinês Sun Tzu (2007) já alertava: “A arte da guerra nos ensina a não confiar na probabilidade de o inimigo não vir, mas sim na nossa própria prontidão para enfrentá-lo; a não confiar na eventualidade de ele não atacar, mas, antes, no fato de que tornamos nossa posição inexpugnável.”.

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A realidade brasileira, como se sabe, está bem longe disso. E, como já men-cionado, não há defesa sem desenvolvimento, sem ciência e tecnologia.

Retomando o caso norte-americano, verifica-se a grande diferença entre a utilização dos recursos para o fim da defesa no país, conforme se observa a seguir:

Por fim, um dos pontos mais importantes no financiamento à CT&I por meio de recursos do Departamento de Defesa dos Estados Unidos é o mecanismo de governança de todo o processo de pesquisa. No caso da Darpa, o diretor da agência tem liberdade de definir novos projetos de pesquisa, mas a continuidade dos recursos para estes novos projetos vai depender do interesse das Forças Armadas (Exército, Marinha e Ae-ronáutica) e/ou de uma revisão periódica do comitê de defesa do Con-gresso Americano. Esse tipo de cobrança efetuada por uma comissão do Senado Federal, por exemplo, faz com que os gerentes de projeto da Darpa justifiquem junto ao comitê do Congresso Americano por que apostar em algumas tecnologias e não em outras. Esta cobrança aumen-ta o controle indireto da sociedade no uso de recursos escassos e, no caso de inovação radical, parece ser muito mais eficiente que as regras adotadas no Brasil: exigências da lei de licitação, prestação de contas das auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) etc. (IPEA, 2013, p. 34).

Infelizmente, como demonstra o IPEA, no caso do Brasil, não existe experiên-cia alguma com relação à gestão ou cooperação entre os setores público e privado com o objetivo de desenvolver novas tecnologias para uso militar ou comercial. Um exemplo destacado pelos pesquisadores daquela Instituição para ilustrar a preca-riedade brasileira quanto ao fomento à inovação é a explosão que destruiu o fo-guete brasileiro VLS-1 V03 (foguete que iria pôr em órbita o satélite meteorológico Satec) e matou 21 técnicos civis no Centro de Lançamento de Alcântara, em 22 de agosto de 2003.

De acordo com informações da comissão que investigou as causas do aciden-te, em 2007, parte da culpa pelo ocorrido estaria ligada ao baixo investimento em segurança, motivo destacado na declaração do ex-Ministro do MCTI, Roberto Ama-ral, quando diretor da empresa binacional Alcântara Cyclone Space (ACS).

Finalmente, o IPEA alerta para a seguinte questão:

Se o programa de lançador de satélites da base de Alcântara tiver sucesso, o Brasil poderá lançar com mais de dez anos de atraso seu primeiro satélite em 2014. A importância do programa é muito mais estratégica, ter o domínio da tecnologia de lançamento de foguetes que nenhum país da América Latina tem, apesar de ter sido constituí-da uma empresa binacional (Alcântara Cyclone Space) que venderá os serviços de lançamento de satélites para terceiros. (IPEA, 2013, p. 35).

Como se pode perceber, um país não deve negligenciar sua ciência e sua tecnologia sob pena de negligenciar sua própria defesa. Um país que abre mão de

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suas Forças Armadas abre mão de seu poder. O custo é realmente alto, entretanto, o risco da falta de prontidão é bem maior. Já dizia Ruy Barbosa: “esquadras não se improvisam...” (CUNHA; AMARANTE, 2011, p.17).

O fundamental, portanto, é proporcionar aos civis que integram os altos car-gos da administração pública e, principalmente, das indústrias de defesa uma inte-gração/reflexão cada vez maior com as necessidades de defesa. É nesse contexto que o Campus Brasília da ESG cresce de importância.

Nesse sentido, verifica-se na END que: “o Ministério da Defesa e a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República estimularão a realização de Encontros, Simpósios e Seminários destinados à discussão de assuntos estratégicos, aí incluída a temática da Defesa Nacional.” (BRASIL, 2008).

E ainda: “O Ministério da Defesa intensificará a divulgação das atividades de defesa, de modo a aumentar sua visibilidade junto à sociedade [...]”.

Para o cumprimento desses objetivos, o Campus Brasília da ESG ministra o CSUPE, conforme mencionado anteriormente, que contempla em sua estrutura curricular temas tais como: Poder Nacional, Planejamento e Estudos Estratégicos, Recursos de Defesa, Meio Ambiente, Áreas Estratégicas, Ciência e Tecnologia na área de Defesa, Defesa Cibernética, entre outros, de forma a proporcionar uma vi-são ampla e atual da conjuntura nacional e internacional, estimulando a capacidade de reflexão e crítica dos participantes.

Além disso, o Campus Brasília tem promovido Encontros Temáticos e Coló-quios sobre diversos temas de interesse nacional com o objetivo de aproximar o pensamento acadêmico das necessidades reais relacionadas à Defesa, levantando conhecimentos atualizados trazidos por professores de instituições como a Uni-versidade de Brasília, UNICEUB, entre outras. Eis alguns temas abordados em tais eventos: A Estratégia Nacional de Defesa e a Coordenação do Desenvolvimento de Brasília (CODEBRÁS); A Emergência da China no cenário internacional: perspectivas, desafios e oportunidades para o Brasil; Novas Ameaças e Concepção de Política de Defesa (História).

Nesse sentido, a ESG tem promovido reflexões junto à sociedade civil e ao meio acadêmico; cumpre assim seus objetivos e consequentemente atinge sua missão, contribuindo ainda para a conquista de sua visão de futuro. Cabe ressaltar que a visão de futuro13 da Escola é: “Ser reconhecida como centro de excelência nacional e de referência internacional nos estudos de desenvolvimento, segurança e defesa.”. Para esse fim, a ESG ainda deve prosseguir caminhando.

Quanto à promoção do desenvolvimento do país, cabe salientar que qual-quer investimento a ser feito deverá passar, prioritariamente, pela educação, uma vez que sem educação e ensino de qualidade não se pode formar pesquisadores e cientistas de alto nível. Como mencionado anteriormente, Jean Piaget salienta

13 Disponível em: <www.esg.br>. Acesso em: 12 ago. 2013.

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que a “principal meta da educação é criar homens que sejam capazes de fazer coisas novas, não simplesmente repetir o que outras gerações já fizeram. Homens que sejam criadores, inventores, descobridores.”14. Dessa forma, cabe à ESG in-vestir na interação civil-militar e na reflexão sobre a conjuntura nacional em busca de melhorias que promovam o desenvolvimento do país nas diversas áreas do poder nacional.

Somente para uma breve ilustração e consequente reflexão sobre a relevân-cia da educação, pode-se apontar, como exemplo de mão de obra altamente quali-ficada, o caso da Mercedes AMG15, empresa especializada em carros de luxo de alto desempenho e subsidiária da fábrica de carros “Mercedes Benz”. O slogan, ou seja, a filosofia da Mercedes AMG é “um homem, um motor” e esta crença é observada em todo o processo de design e de montagem do veículo. Cada motor é feito a mão por uma simples pessoa em Bremen, Alemanha, e inclui uma placa assinada indi-vidualmente. A placa também mostra palavras em alemão: “Leidenschaft, Leistung und Verantwortung”, cujas traduções significam “Paixão, Força e Responsabilida-de”. O que mais impressiona é que o nível de exigência e qualidade é tão alto que o homem que assina a referida placa não é apenas mecânico e sim um engenheiro-mecânico.

Enfim, nada se faz sem as bases de uma educação de qualidade e, sendo assim, a proposta da Escola Superior de Guerra é a busca da excelência e do cum-primento de seu papel político, social, cultural e educacional. Mais relevante do que conhecer defesa é refletir sobre a importância da defesa.

10 COnCLUSõES

Conforme mencionado na introdução, o objetivo deste artigo é simplesmen-te revelar a todos aqueles que apreciam a “marca” ESG os verdadeiros propósitos dessa Instituição. Longe de constituir-se em crítica à sua metodologia, pretendeu esclarecer possíveis dúvidas quanto à existência da Escola Superior de Guerra, qual a sua verdadeira utilidade para o Brasil e os motivos que trouxeram a Escola para a Capital Federal.

Pois bem, após todos os argumentos aqui apresentados, pode-se concluir que o objetivo da Escola não é, inicialmente, o de funcionar como uma Instituição de Ensino Superior, oferecendo cursos de especialização, mestrado ou doutorado. É certo que, futuramente, a ESG deverá até mesmo se preparar para tal situação, uma vez que terá todos os meios necessários para enquadrar-se aos moldes e exigências estabelecidos pelo Ministério da Educação, em sua nova sede em Brasília, que tem

14 Disponível em: www.al.se.gov.br/escola/acoes1.as. Acesso em: 13 ago. 2013.15 Disponível em: http://www.mercedes-amg.com/about_distinction2.php?lang=eng. Acesso em:

13 ago. 2013.

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previsão para ser entregue em 2016. Entretanto, no momento, não há necessidade de se buscar um reconhecimento que poderá, inclusive, distorcer os objetivos reais estabelecidos pela missão da Escola.

Mais relevante do que conceder título de mestre ou doutor em defesa é ga-rantir que civis e militares tenham a oportunidade de realizar um curso na ESG e, consequentemente, haja maior oportunidade de disseminar a importância dos assuntos de defesa para toda a Nação e que os debates promovidos pela Escola possam verdadeiramente fomentar em cada órgão público ou privado a vontade de construir um futuro melhor para todos os brasileiros, com investimentos reais e adequados ao desenvolvimento científico e tecnológico do país.

Percebe-se, enfim, que a expansão da ESG para Brasília é consequência do passo inicial dado pelo Governo brasileiro com o objetivo de incrementar o desen-volvimento do Brasil e proporcionar maior envolvimento da sociedade civil com o tema defesa. E esse é, também, o maior propósito da ESG.

Cabe salientar que a maior de todas as contribuições que a ESG pode ofe-recer ao País é cumprir com o seu papel de Instituição de Ensino e o “ensino” não deve ser negligenciado. Conforme bem argumentou Piaget, “a segunda meta da educação é formar mentes que estejam em condições de criticar, verificar e não aceitar tudo que a elas se propõe16.”. E, nesse aspecto, o Campus Brasília se propõe a oferecer um ensino pautado em debates que gerem a reflexão e consequente transformação do pensar e do agir.

Ainda que se questione a Escola em seus métodos ou objetivos, há décadas a ESG vem promovendo a reflexão acerca dos problemas estruturais do país. Não é por acaso que o lema da Instituição é: “Nesta casa estuda-se o destino do Brasil”. E assim, ela já faz parte desse destino e deverá buscar meios de contribuir para um futuro mais promissor.

Finalmente, fica claro que não basta questionar a relevância da ESG e sim “re-construir” o pensamento acadêmico dessa Instituição, ainda que seja por meio da “des-construção”, buscando assim novos caminhos a fim de garantir que a excelência seja alcançada com bases bem estruturadas num projeto pedagógico moderno e pró-ativo.

REFERênCIAS

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ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2002.

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InStRUçõES AOS AUtORES PARA PUBLICAçãO nAS REvIStAS DA ESG

A Escola Superior de Guerra promove a edição de duas publicações: a Revista da Escola Superior de Guerra e os Cadernos de Estudos Estratégicos.

A Revista da Escola Superior de Guerra tem por finalidade publicar artigos originais sobre Ciência Militar e Política. Os Cadernos de Estudos Estratégicos têm por objetivo publicar artigos originais sobre Cultura, Relações Internacionais, Mo-dernidade, Axiologia, Praxiologia, Polemologia, Cratologia e Segurança.

Todos os textos serão avaliados por pares duplamente cegos e pelo Conselho Editorial para, posteriormente, serem indicados à publicação.

Os autores devem verificar o cumprimento de todos os itens listados a se-guir. Os textos que não estiverem de acordo com as normas serão devolvidos aos autores.

Os artigos devem ser originais, inéditos e não devem estar, concomitante-mente, sendo avaliados para outra publicação.

Recomenda-se observar as normas da ABNT:NBR 6023/2000 - Elaboração de referências;• NBR 6022/2003 - Apresentação de artigo em publicação periódica cientí-• fica;NBR 10520/2002 - Apresentação de citações em documentos;• NBR 12256/1992 - Apresentação de originais; • NBR 5892/1989 - Norma para datar;• NBR 6024/2012 - Numeração progressiva; • NBR 6028/2003 - Norma para resumo de apresentação de trabalhos cien-• tíficos; eNBR 14724/2011 – Formatação de trabalhos científicos, monografias e tra-• balhos de conclusão de curso (TCC). No caso de gráficos, figuras, tabelas, fotos e outras ilustrações, de acordo com o IBGE.

Os arquivos devem obedecer aos seguintes critérios:

Estar no formato Microsoft Word.DOC ou RTF;• Ter entre 10 e 20 páginas com as referências;• Apresentar texto: com espaçamento entre linhas: simples; entre parágra-• fos: 6 pontos depois; do título para o começo do texto: 12 pontos depois; espaço antes e depois da citação: 8 pontos;

- fonte 12, Times New Roman; - margem superior e esquerda: 3 cm; margem inferior e direita : 2 cm;

Empregar itálico em vez de sublinhar (exceto em endereços URL); •

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O texto deve ser precedido do título. Após o título, seguem o nome do (s) autor (es), o resumo acompanhado das palavras-chave (até 5), o título em inglês, o abstract acompanhado das keywords, o título em espanhol e do resumen acompa-nhados das palabras clave.

Em nota de rodapé, sem número e com asterisco, acrescentar titulação, ativi-dade atual, filiação institucional e endereço eletrônico dos autores.

Os artigos devem vir acompanhados de uma autorização para publicação contendo o nome, titulo do artigo, endereço, telefone, endereço eletrônico e um currículo resumido do(s) autor(es).

Nos artigos, devem constar, no final, as referências proporcionais ao número de páginas; portanto entre 10 e, no máximo, 20 autores.

O canal de diálogo entre os autores e a editoração é [email protected] e [email protected]

O ISSN da Revista da ESG é 0102-1788 e o dos Cadernos de Estudos Estraté-gicos 1808-947X.

A ESG reserva-se o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem nor-mativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respei-tando, porém, o estilo dos autores. As provas finais não serão enviadas aos autores.

A ESG cumpre todos os direitos dos autores reservados e protegidos pela Lei n.º 9610, de 19 de fevereiro de 1998. Condiciona-se a sua reprodução parcial ou integral à autorização expressa e as citações eventuais à obrigatoriedade de refe-rência da autoria e da revista.

As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva respon-sabilidade.

A revista é distribuída gratuitamente, e cada autor receberá dez exemplares.

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Esta revista foi impressa na gráfica da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRAFortaleza de São João - Av. João Luís Alves, s/n - Urca - Rio de Janeiro - RJ

CEP 22291-090 - www.esg.br

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