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EMPRESAS & NEGÓCIOS 50 | Exame | novembro 2012 novembro 2012 | Exame | 51 Saúde dá vida à economia Uma nova vaga de empresas de tecnologias de informação aplicadas à saúde usam Portugal como laboratório e estão a partir à conquista dos mercados internacionais. Texto João Ramos. Fotografia Egídio Santos setores em maior evidência no esforço de inovação. Em 2009, o sector representava 13,2% do investimento total em investiga- ção e desenvolvimento (I&D) em Portugal e 13,6% dos investigadores do país, em- pregando mais de metade dos doutorados a trabalhar em empresas. Nestas, o polo de competitividade da saúde estima que acrés- cimo registado no número de investigado- res, entre 2001 e 2009, foi superior a 1000%. Criado em abril de 2008, o HCP tem 130 associados e tem tido, em articulação com as universidades, instituições de I&D, hospitais e empresas, “transformar Portugal num player competitivo, à escala global, na investigação, conceção, desen- volvimento, fabrico e comercialização de produtos e serviços associados à saúde”. “Esta ambição implica uma aposta forte e concertada, que tem vindo a ser c Há uma nova geração de empresas de elevado perfil tecnológico na área da saúde que está a colocar Portugal no mapa glo- bal dos negócios em áreas de ponta como biofarmacêutica, medicina regenerativa, nanotecnologias e tecnologias de informa- ção, comunicação e eletrónica (TICE) para a saúde. Segundo dados do INE (Instituto Nacional de Estatística), as exportações na área da saúde atingiram os 910 milhões de euros em 2011 e este ano deverá ultra- passar 1000 milhões. Para ilustrar esta tendência, a EXAME mostra quatro casos de empresas que se integram no subgrupo das TICE. Joaquim Cunha, diretor executivo do Health Cluster Portugal (HCP), polo de competitividade da saúde, diz que só não se fala de boom, porque “a conjuntura as- sim não o tem permitido”, mas confirma ( START-UPS ) Z 4 2 1 3 1 GISGEO Cláudia Ribeiro da Silva, Delfim Pereira e Rui Chambel 2 GlyaNet Michaela Simcikova 3 Medipédia João Montezuma de Carvalho e Tiago Pereira 4 YScope Edmundo Nobre nómico e social para o nosso país”, refere Joaquim Cunha. Este é o resultado, segundo este diri- gente, de “Portugal ter sido capaz, ao longo das duas últimas décadas, de desenvolver um ecossistema de inovação que posiciona hoje o país num novo nível de competitivi- dade”. De resto, a saúde tem sido um dos que este tipo de empresas “está a surgir a um ritmo sem precedentes no nosso país”. “Algumas delas têm sido responsáveis pela incorporação de maior valor acrescentado em setores mais tradicionais, como sejam por exemplo o têxtil e os plásticos”, sub- linha Joaquim Cunha. São empresas que partem, tipica- mente, da iniciativa de jovens com ele- vadas qualificações, sobretudo nas áreas das ciências da vida e da saúde ou das engenharias, de investigadores, de acadé- micos, mas também de médicos ou outros profissionais de saúde. “Têm em comum o facto de estarem orientadas à transforma- ção do conhecimento científico em novos produtos, processos ou serviços que deem resposta a necessidades existentes ao ní- vel da saúde humana, gerando também nesse processo um considerável valor eco-

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50 | Exame | novembro 2012 novembro 2012 | Exame | 51

Saúde dá vida à economiaUma nova vaga de empresas de tecnologias de informação aplicadas à saúde usam Portugal como laboratório e estão a partir à conquista dos mercados internacionais. Texto João Ramos. Fotografia Egídio Santos

setores em maior evidência no esforço de inovação. Em 2009, o sector representava 13,2% do investimento total em investiga-ção e desenvolvimento (I&D) em Portugal e 13,6% dos investigadores do país, em-pregando mais de metade dos doutorados a trabalhar em empresas. Nestas, o polo de competitividade da saúde estima que acrés-cimo registado no número de investigado-res, entre 2001 e 2009, foi superior a 1000%.

Criado em abril de 2008, o HCP tem 130 associados e tem tido, em articulação com as universidades, instituições de I&D, hospitais e empresas, “transformar Portugal num player competitivo, à escala global, na investigação, conceção, desen-volvimento, fabrico e comercialização de produtos e serviços associados à saúde”.

“Esta ambição implica uma aposta forte e concertada, que tem vindo a ser

c Há uma nova geração de empresas de elevado perfil tecnológico na área da saúde que está a colocar Portugal no mapa glo-bal dos negócios em áreas de ponta como biofarmacêutica, medicina regenerativa, nanotecnologias e tecnologias de informa-ção, comunicação e eletrónica (TICE) para a saúde. Segundo dados do INE (Instituto Nacional de Estatística), as exportações na área da saúde atingiram os 910 milhões de euros em 2011 e este ano deverá ultra-passar 1000 milhões. Para ilustrar esta tendência, a ExamE mostra quatro casos de empresas que se integram no subgrupo das TICE.

Joaquim Cunha, diretor executivo do Health Cluster Portugal (HCP), polo de competitividade da saúde, diz que só não se fala de boom, porque “a conjuntura as-sim não o tem permitido”, mas confirma

( start-UPs )

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1 GISGEO Cláudia ribeiro da silva, Delfim Pereira e rui Chambel

2 GlyaNet Michaela simcikova

3 Medipédia João Montezuma de Carvalho e tiago Pereira

4 YScope Edmundo Nobre

nómico e social para o nosso país”, refere Joaquim Cunha.

Este é o resultado, segundo este diri-gente, de “Portugal ter sido capaz, ao longo das duas últimas décadas, de desenvolver um ecossistema de inovação que posiciona hoje o país num novo nível de competitivi-dade”. De resto, a saúde tem sido um dos

que este tipo de empresas “está a surgir a um ritmo sem precedentes no nosso país”. “algumas delas têm sido responsáveis pela incorporação de maior valor acrescentado em setores mais tradicionais, como sejam por exemplo o têxtil e os plásticos”, sub-linha Joaquim Cunha.

São empresas que partem, tipica-mente, da iniciativa de jovens com ele-vadas qualificações, sobretudo nas áreas das ciências da vida e da saúde ou das engenharias, de investigadores, de acadé-micos, mas também de médicos ou outros profissionais de saúde. “Têm em comum o facto de estarem orientadas à transforma-ção do conhecimento científico em novos produtos, processos ou serviços que deem resposta a necessidades existentes ao ní-vel da saúde humana, gerando também nesse processo um considerável valor eco-

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dora checa que, após uma permanência em Lisboa no âmbito do Erasmus, esco-lheu a capital portuguesa para fazer o dou-toramento em Bioengenharia, no Instituto Superior Técnico, no âmbito do programa mIT Portugal. Foi esta a circunstância que permitiu a michaela Simcikova lançar o plano de negócios do Glyanet que viria ser um dos finalistas do mIT $100K En-trepreneurship Competition, que é uma das maiores competições universitárias de empreendedorismo para estudantes.

além deste apoio inicial, o projeto pas-sou depois a ter o suporte de 50 mil dólares da incubadora Wayra/Telefónica. a esco-lha da Colômbia para realizar o projeto re-sulta do facto de o mercado-alvo inicial do GlyaNet ser a américa Latina. E pelo facto de, desde o início, estarem associados à ideia três investigadores colombianos nas áreas da saúde e engenharia de software. mas o objetivo de michaela Simcikova é que Lisboa continue a ser a base europeia, tanto no desenvolvimento do projeto como na futura exploração comercial dos mer-cados europeu e africano.

Baseado numa plataforma de cloud computing (computação na nuvem), o GlyaNet foi pensado para reduzir os cus-tos dos cuidados de saúde porque, como refere investigadora, uma parte substan-cial dos custos de saúde estão relacionados com consultas médicas. “O GlyaNet ajuda a eliminar os eventos médicos ambulató-rios e a resolver as dificuldades dos doen-tes através de ferramentas de CRm (gestão do relacionamento com o cliente), pres-crição digital, monitorização de doenças e registos médicos digitalizados.” Uma área de grande pertinência, porque, segundo dados da Panamerican Helth Organiza-tion, 43% dos atos médicos podem ser evitados ou tratados em casa.

Para elaborar o projeto, michaela Sim-cikova destaca o papel desempenhado pelo mIT Portugal e contacto com em-presas portuguesas. “Coloquei em prática o conhecimento adquiridos no doutora-mento de Bioengenharia do programa mIT Portugal, através do qual aprendi os pas-sos essenciais para iniciar uma empresa, como proteger a propriedade intelectual, onde procurar capital e como colocar um produto no mercado”. michaela também destaca o contacto com alguns empresá-rios de sucesso portugueses (Sérgio

plenamente assumida no universo do clus-ter, em áreas como a investigação clínica e de translação, a proteção da propriedade intelectual, a transferência de tecnologia, a qualificação humana e o empreendedo-rismo”, afirma Joaquim Cunha. a estas, juntam-se as mais recentes apostas na promoção da generalização dos chama-dos “ecossistemas de bioengenharia” — que potenciam a articulação entre as áreas das ciências da vida e da saúde, e das engenha-rias. “São as chamadas P4 medicine – uma nova abordagem à medicina no sentido de torná-la cada vez mais preditiva, preven-tiva, personalizada e participativa”, conclui o diretor executivo do HCP.

GISGEO Georreferencia recém-nascidosVai arrancar em breve um estudo que vai procurar identificar como se relacionam em Portugal as características da gravi-dez e das fases precoces da infância com o estado de saúde nas fases seguintes da vida. a iniciativa, envolvendo 8500 re-cém-nascidos, está a ser posta em marcha pelo Ispup – Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, no âmbito do pro-jeto Geração xxI.

mas, esta iniciativa tem uma caracte-rística peculiar: vai fazer uso intensivo da tecnologia de georreferenciação desenvol-vida pela Gisgeo, tecnológica que se está a tornar numa especialista em sistemas de informação geográfica (SIG) na área da medicina. “a capacidade dos SIG para publicar e partilhar informações críticas sobre a dinâmica espacial das doenças faz com que seja atualmente a tecnologia mais adequada para acelerar a deteção de riscos para a saúde, apoiando gestores, profissio-nais de saúde a tomar decisões”, afirma Cláudia Ribeiro da Silva, administradora da empresa.

Criada em 2008 por Delfim Pereira (mestrado em sistema de informação geográfico, ao qual se juntaram mais dois sócios — Rui Chambel (mestrado em En-genharia Geográfica) e Cláudia Ribeiro da Silva (licenciada em matemática apli-cada) — a Gisgeo está sediada no Uptec — Parque de Ciência e Tecnologia da Univer-sidade do Porto.

Com desenvolvimento da solução geo-medicina (informação geográfica para medicina) começou a procurar negócios

no estrangeiro. Esforços que culminaram recentemente com uma vitória no mer-cado brasileiro nas unidades de saúde do município de Linhares, no estado de Es-pírito Santo. “O nosso mercado-alvo pre-ferencial da solução, bem como de outros os produtos do portefólio da Gisgeo, é o Brasil, devido à forte evolução económica e avidez por tecnologias de informação”, afirma Cláudia Ribeiro da Silva.

além do Brasil, a Gisgeo selecionou também como mercados-alvo angola e moçambique pela “facilidade linguística e proximidade cultural, mas também de-vido a fatores comuns ao mercado brasi-leiro, como a forte necessidade de tecno-logias, investimento em infraestruturas”.

Outros países da américa do Sul e África e o mercado europeu também estão no radar de expansão Gisgeo.

GlYANEtMelhorar saúde nos países emergentesmelhorar a relação entre médico, paciente e companhias de seguros, através da di-minuição do tempo de espera pela pres-tação de serviços de saúde, é o objetivo do GlyaNet. Um projeto nascido em Lisboa que está neste momento a ser testado na Colômbia e que deverá ser lançado comer-cialmente em 2013.

“Queremos tornar acessível ao doente a sua própria história médica, dando-lhes um maior controlo sobre a sua saúde”, afirma michaela Simcikova, empreende-

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As empresas partem da

iniciativa de jovens com

elevadas qualificações que

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mão. “as imagens escolhidas podem ser manipuladas através de zoom, rotação, medições, brilho e contraste”, explica Fernando Nabais, gestor de projeto da YDreams. “a interação é feita apenas com uma mão, por uma questão de otimização de usabilidade, permitindo assim que a outra mão possa estar ocupada com outra tarefa”, acrescenta.

Desenvolvido em articulação com ale-xandre Rainha Campos, neurocirurgião do Hospital de Santa maria, o YScope é, segundo Fernando Nabais, “perfeitamente integrável na infraestrutura informática de uma unidade hospitalar, pois permite ao médico carregar os exames adequados”. E acrescenta: “a interação com o YScope é feita através de um conjunto de gestos desenhados para acomodar condicionan-tes ergonómicas, o que permite ao médico executar todo o tipo de operações neces-sárias à visualização e manipulação de exames durante uma cirurgia, mantendo a esterilização.”

até agora, os sistemas disponíveis obri-gavam sempre à utilização de um teclado ou de um rato para executar este tipo de processos, o que implicava o recurso a ou-tro profissional para executar a função, ou à esterilização do médico de cada vez que ele precisasse de consultar um exame. O YScope também representa um passo em frente em relação aos sistemas de manipu-lação por gestos que já eram usados expe-rimentalmente nalguns hospitais, mas que têm o inconveniente de obrigar ao carre-gamento prévio da informação a usar na cirurgia, mas sem permitir carregar novos exames em tempo real. “Com o YScope, o cirurgião tem acesso a exames e outras imagens que ache necessárias para uma operação, sem que o ambiente esterilizado fique comprometido”, diz Fernando Na-bais. Ou seja, o médico “não perde tempo a abandonar a sala de operações” ou precisa de “criar um ambiente assético de cada vez que o mesmo médico cirurgião precisa de consultar um exame”. Em suma. realça o mesmo responsável, “o médico fica livre para se focar no seu trabalho”.

Quanto à replicação do YScope, Fer-nando Nabais adianta que está a ser ana-lisada a adoção por outros departamentos dentro do Hospital de Santa maria. E diz “acreditar piamente que esta tecnologia que irá ser vendida além-fronteiras”. E

Simões, da Bluepharma, e Helena Vieira, da Bioalvo).

MEdIPédIAOutra forma de marcar consultas médicasFazer marcações de consultas on-line através do acesso direto às agendas dos profissionais de saúde é o principal obje-tivo da medipédia. Disponibiliza também conteúdos de saúde dirigidos ao público em geral sobre doenças, sintomas, trata-mentos e prevenção. “a medipédia está a funcionar atualmente em todo o terri-tório português e na cidade de São Paulo no Brasil e conta já com mais de 2 mil mé-dicos em Portugal e 5 mil em São Paulo”, afirma João montezuma de Carvalho, pre-sidente executivo da empresa, referindo que, até ao final do ano, o serviço será estendido a outras zonas do Brasil como Rio de Janeiro, Brasília e minas Gerais e que no próximo ano deverá estar a fun-cionar em Espanha e Hong-Kong.

Fundada, em 2009, por iniciativa de dois amigos, João montezuma de Carva-lho e Tiago Pereira (diretor comercial), a medipédia começou por ser um portal de conteúdos, a funcionar em modelo de autopublicação pelos médicos e outros parceiros registados. Em 2011, recebeu financiamento de business angels e do investidor Rafael Sousa Fernandes (mé-dico) que permitiu iniciar a internacio-nalização.

“O serviço visa responder uma neces-sidade identificada tanto da Organização mundial de Saúde”, refere o fundador da medipédia. “Constatámos que a forma mais comum de utilização da internet em matéria de saúde é ler a informação e em segundo lugar, o cibernauta decide se consulta um médico.” Na prática, com este serviço, sublinha João montezuma de Carvalho, “os pacientes encontram fa-cilmente um médico perto de si, com o seu acordo ou plano de saúde e evitam o aborrecimento e as demoras de uma mar-cação tradicional”. E para os médicos há o benefício da “atração de novos pacientes” e é aliviada “a perda de produtividade dos cancelamentos de última hora, uma vez que o tempo disponível é preenchido com os pacientes da medipédia.

Com mais de meio milhão de páginas vistas todos os meses, a medipédia, na opi-nião do seu fundador,”tem vindo a ganhar

uma posição de destaque entre principais fornecedores de conteúdos e serviços de saúde em Portugal”. Recentemente ade-riu o maior Hospital da Região Centro, a Idealmed — Unidade Hospitalar de Coim-bra que dispõe de 52 camas, cinco blocos operatórios e mais de 500 profissionais de saúde.

O modelo de negócio da medipédia é pay as you go (paga-se em função da utilização). É inteiramente gratuito para os pacientes, mas é pago por médicos e clínicas aderentes através de um pequeno montante (1,5 euros) por cada consulta que seja marcada e confirmada. “Para permitir oferecer um serviço de qualidade por um baixo valor, há patrocinadores que anunciam na página da medipédia”, revela João montezuma de Carvalho.

Y SCOPEO gesto é tudo na sala de operaçõesInteragir com ecrãs numa sala de opera-ções através de gestos parece uma cena de um filme de ficção científica. mas agora já é uma realidade em Portugal, graças ao sistema YScope que acaba de ser instalado no Hospital de Santa maria e que resultou de uma parceria entre o departamento de neurocirurgia deste hospital de Lisboa e a YDreams.

através desta tecnologia, made in Por-tugal, um cirurgião pode carregar exames em formato digital em qualquer momento da cirurgia. Basta fazer um gesto com a

Z YScope permite ao médico manipular

exames médicos com um gesto de uma mão, quando está

numa sala de cirurgia