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Informativo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro - IFRJ Agosto de 2015

Revista Informação | IFRJ | Agosto de 2015

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Informativo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro - IFRJ Agosto de 2015Agosto de 2015Informativo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro - IFRJ

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ReitorPaulo Roberto de Assis Passos

ASSESSORIA DECOMUNICAÇÃO

Assessor de ComunicaçãoJorge de Moraes

JornalistasJorge de MoraesLuís Costa

Programadora visualJuliana Santos

Estagiários de Comunicação

Duque de CaxiasTayná Bandeira

MesquitaMarcelle Cristina Lima

NilópolisTamiris Feliciano

ParacambiIgor MedeirosNeuriane Vilela

PinheiralDayane Nogueira

RealengoAny Caroline Pereira

ReitoriaMariana Navarro

Rio de JaneiroBeatriz Silva

São GonçaloMayara Silveira

Editorial

Lançado em junho deste ano, o (inspiração) crônica, pri-

meiro concurso literário da Assessoria de Comunicação do

IFRJ, recebeu mais de 20 trabalhos de alunos e alunas de

todos os níveis de ensino do Instituto. A nossa ideia era

apresentar, por meio de uma edição especial da revista In-

Formação, uma pequena mostra da produção literária dos

nossos estudantes.

Nove crônicas foram selecionadas para fazer parte deste

número. Alunos dos ensinos médios e superior, de 17 a 60

anos, das áreas exatas e humanas, dividem essa publicação

com suas crônicas. Experimentações de linguagem, autor-

refl exões, memórias, humor, entre outras abordagens, for-

maram o quadro heterogêneo de uma escrita que refl ete a

diversidade de uma instituição do tamanho da nossa.

Uma versão impressa desta edição especial, como pre-

visto no lançamento do concurso, será feita tão logo haja

disponibilidade orçamentária. As demais crônicas não sele-

cionadas poderão ser publicadas nos jornais e informativos

internos dos campi. A Assessoria de Comunicação agrade-

ce a todos os participantes do (inspiração) crônica e incen-

tiva os alunos e alunas do IFRJ a continuarem publicando

seus trabalhos.

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Depois de passar quase meia hora parado no chato trânsito, entra um rapaz no

ônibus. Trajava uma bermuda, uma camiseta e em sua cabeça tinha um boné. Seu

visual remetia à pobreza. Ele poderia ser facilmente confundido com um desses

marginais que vemos todos os dias no noticiário. Estamos tão acostumados com

o terrorismo que a mídia apresenta que qualquer pessoa em qualquer lugar nos

parece suspeito. Sem pensarmos duas vezes já o tachamos de criminoso e tiramos

toda a moral que um jovem rapaz poderia ter. Guardei meu celular no bolso, mas

decidi olhar mais uma vez. O rapaz continha um brilho no olhar e abaixava a ca-

beça ao passar por cada pessoa que ali estava. Tanta recriminação o fez se subor-

dinar a todos e sem perceber eu mesmo fi z isso. Pensei uma ou duas vezes, mas

no fi m me senti um idiota por fazer um julgamento tão sumário. Aquele menino

só poderia estar mal vestido por ter trabalhado o dia inteiro embaixo de um sol

intenso. Talvez aquele fosse o seu estilo.

Após pensar em tudo cheguei a uma conclusão: eu estou qualifi cando um ser

humano com base na roupa que ele veste. Infelizmente, muitas pessoas fazem

isso todos os dias e nada muda. Eu não mudei. Não me levantei e fui conversar

com o garoto. Não reprovei os outros por marginalizá-lo. Sequer esbocei um

sorriso quando o mesmo olhou para mim. Essa foi uma das primeiras vezes que

me senti um lixo por não fazer nada. Passei tanto tempo pensando e, fi nalmente,

meu ponto chegou.

Ao andar até a porta pude avistar o garoto acuado no último banco sem nin-

guém sentado ao seu lado. Novamente não fi z nada, mas ele fez, sorriu pra mim

quando ao frear o ônibus quase me derrubou. Aquele sorriso me serviu como

uma punhalada. Mesmo com todas as

difi culdades da vida ele não deixou de sorrir. Eu, possuidor de uma vida relativa-

mente confortável, me pego chorando por banalidades. Desci e segui para minha

caminhada até a minha casa.

O menino continuou sendo o

mesmo, mas eu mudei inten-

samente após sair da-

quele ônibus.

O rapaz do ônibus das 18h

Felipe Soares dos Santos, 17 anos, 3º ano do curso técnico em Meio Ambien-te (Campus Pinheiral)

Foi a primeira crônica de Fe-lipe. Ele soube do concurso por meio de professores de Português, especialmente do professor Anderson, que o incentivou a participar.

“A ideia partiu das minhas observaç õ es, geralmente, quando saio às ruas. Percebi que o problema social retra-tado na crô nica está presen-te na sociedade e precisa ser retratado. Uma maneira de fazer isso é com a Arte que, alé m do seu cará ter de en-tretenimento, é um excelen-te meio para se fazer crí ticas sociais e, a partir destas, ten-tar conseguir alguns avanç os para conter o preconceito”.

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Meu encargo foi observar o céu. Toda minha vida foi passada a descrever para mim mesma suas cores, seus formatos e suas proporções tão imensuráveis. E, por ele, me apaixonei. Como era de se esperar...

Durante minha caminhada, alguns tropeços. Pas-sei muito tempo olhando para o alto e, às vezes, me esquecia de fi rmar meus pés no solo. Certa vez, não me recordo pelo que, fui jogada no chão. Olhando ao redor me assustei, pois nada era como eu imagi-nei que fosse. Gotículas de chuva me convidaram a olhar para o alto novamente, muito embora não me permitissem manter os olhos totalmente abertos, esqueci então das coisas ao redor. E basicamente assim, foram todos os meus dias durante os 14 anos que tive de vida na Terra.

Eu não queria que a vida fosse apenas aquilo. Ti-nha que ter algo a mais! Era tudo tão... limitado. Não bastava o infi nito do céu, menos valiam as viagens que alguém pudesse fazer, os amigos que pudesse ter, ou qualquer coisa terrestre. Eu tinha os sonhos comuns a alguém da minha idade, mas como alguém incomum, eu estava me preparando para algo maior. Algo que eu não conhecia.

Sobre os sonhos terrestres: passageiros, fáceis de roubar.

“E quandotem chacina de

adolescentes, como é que você se sente?”

Em memória às vítimas da chacina de Realengo.Título: Música mais do mesmo – Legião Urbana

Além do céu, meus olhos sempre refl etiam o que estava em meu peito, e os sonhos que ainda mora-vam no futuro. Eu trouxe comigo alguns sorrisos, olhares, e o amor de quem me deu amor. Não trou-xe os sonhos futuros, pois roubaram o meu futuro.

Foi numa manhã, eu estava em aula. Embaixo da mesa da professora, me escondia com mais três amigos de grande valia, e dali mesmo, observava o céu. Observei-o como nunca antes, e vislumbrei de uma beleza nunca antes notada, as cores do céu es-tavam diferentes naquela manhã. E senti a presença dos meus, que não estavam verdadeiramente ali.

Não vi quando ele entrou, ouvi passos acelera-dos ao meu redor, passos que não tinham direção. Apesar do medo, em meu rosto havia o sorriso de quem nota as cores bonitas do céu. E então, senti o chumbo pesar em minha cabeça, e me neguei a ver o sangue que escorria por cima do meu unifor-me. Olhei para dentro de mim, vi lágrimas cristalinas irem de dentro para fora, entreguei meu último sus-piro à Terra e parti para o que era ainda desconheci-do, para algo maior.

Roubaram-me os sonhos, roubaram-me as reali-zações. Não me roubaram o céu, isso não.

Jéssica Cunha de Oliveira, 23 anos, 8º período de bacharelado em Terapia Ocupacional (Campus Realengo)

Autora do blog Sereníssima (jessikac.blogspot.com.br) e colaboradora do blog anotherletterforyou.blogspot.com.br, Jéssica escreveu esta crônica em 2011, no mesmo ano da chacina que matou 12 alunos de uma escola municipal de Realengo.

“No momento em que escrevi a crô nica estava arrebatada pela emoç ã o produzida e por pensar que a vida nã o pode se limitar a acordar e sair de casa para construir alguns sonhos e no caminho ter esses sonhos perdidos. A escrita foi muito para dar conta dessa urgê ncia de expressar aquilo que eu sentia na hora. O cé u nã o pode ser roubado de nó s”.

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João do Mundo

Painho me conseguiu vaga numa escola de gente

abastada e lá ouvi dizer que livros servia pra nos ade-

quar a uma tal de norma culta; fazer ler e escrever

bem, conforme os rico, que é quem faz os dicionário.

Vi que o povo que assim dizia era gente de boa famia,

gente de fala tão bunita que pouco eu entendia - povo

de pouca simpatia. Eu, cabra matuto, pensei: É isso

que a leitura faz? Eu fi cá metido a besta feito esses

cabra falando difi cil? Quero saber de livro não, prefi ro

o meu andar de pião. Foi assim que rejeitei os livros.

Tive que ajuda painho na roça e a escola não vingo.

Na roça encontrei Zé do Mundo, um velho amigo,

lendo um livro de nome esquisito: Vidas Secas, que

conta a história de uns cabra feito nóis, de poucas

palavras e vida sofrida; tinha até uma cachorra na

história, baleia, era o nome do bicho. Comecei a lê

também. Li um, li dois, li três, até entender de vez

que os livros são feito dôces, de mim, e do Zé. Qual-

quer um pode contar causos no paper. Contando os

outro lê e o causos preso no livro pode até ganhar

o mundo. Entendi porque chamam o Zé de Zé do

Mundo, Zé todo mês compra livros e neles encontra

lugares e gente bacana e diferente; aprendeu coisa

que até Deus dúvida mas continua um cabra simples.

A frescura e mitideza de um cabra não é culpa dos

livros, vem da miudeza da mente do próprio cabra.

Aprendi isso.

Hoje sou leitor e se quiser falar bunito eu falo, e

vô: Eu me chamo João do Mundo, ler ajuda na fala,

escrita e compreensão mas tem mil outras funções,

sendo nos adequar a tal da norma culta uma das me-

nores e mais superfi cial delas.

Entendi que lendo é que se entende que o livro é

uma riqueza que nos tira da pobreza da vida peque-

na. Ler é ampliar o espaço e compreender melhor o

tempo. Livros dão a Zés e Marias o sobrenome Mun-

do. Eu sou João do Mundo.

Camila Sales, 28 anos, 2º período de bacharelado em Terapia Ocupa-cional (Campus Realengo)

Camila conta que a crô nica “Joã o do mundo” foi baseada em experiê ncia pró pria – e que, segundo ela, é a de outros também.

“Muitos resistem à leitura quando veem a didá tica da lí ngua elitizada e enxer-gam arrogâ ncia em muitos que se julgam detentores do saber, entã o resistem à literatura como forma de contestarem, nisso perdem. Livros nã o deixam ningué m metido a besta, sã o riquezas”.

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Se alguma coisa alguma vez dera certo na vida de Cláudio, fora mera coincidência. Esse fato transformou--o num homem amargurado, frustrado e sem ânimo. Possuía a incrível habilidade de não permanecer no mesmo emprego por pelo menos seis meses antes de ser demitido por justa causa.

Era teoricamente um especialista em análise e desenvolvimento de sistemas (raramente passava de uma teoria). Certo dia decidiu tirar a própria vida, e por pouco não falhou nisso também – como disse antes, apenas mera coincidência.

- Bom dia, caríssimo irmão – disse-lhe um homem.- Bom... bom... dia... – respondeu Cláudio, meio confuso. Poderia o inferno ser tão belo?- Tu és um bom homem, Ricardo Luiz Amaral – sua voz soava suave, serena e penetrante. - Por ter sacri-

fi cado sua própria vida em prol da vida de uma pequena criança, ganhaste a...- Não – interrompeu Cláudio, cabisbaixo. - Sou Cláudio Tadeu Soares, um homem vil. Tirei minha pró-

pria vida e aqui estou.- Mas como isso é possível!? – falou o homem, perdendo um pouco da compostura e da serenidade. -

Você deveria estar no inferno!- Ah... Então esse não é o inferno – disse Cláudio, agora compreendendo que era com são Pedro que

falava. - Bem que suspeitei- Bom, temos que desfazer esse tremendo mal entendido – disse o detentor da chave do Céu. – Siga à

direita, encontrará o purgatório. Espere até que essa confusão seja solucionada.Enquanto caminhava até o local, Cláudio teve uma ótima ideia:

O inútil

- São Pedro, esse pode não ter sido o primeiro nem o último enga-no. Durante esses milhares de anos, quantas pessoas inocentes podem

ter ido para o inferno? Já parou para pensar? Já imaginou se Adolf Hitler sem querer adentrasse por esses portões enquanto a

madre Teresa não?- Você tem razão, suicida infeliz, mas o que posso fazer? –

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São Pedro era todo nervosismo e pânico. - O acesso ao Senhor está meio complicado ultimamente. Ele está muito ocupado planejando o Juízo Final.

- Bom... Eu sou da área de análise e desenvolvimento de softwares – agora Cláudio tinha esperança, aquela podia ser sua redenção, uma única vez poderia fazer algo dar certo (ele não levava em conta a bem sucedida tentativa de suicídio). – Eu poderia ajudá-lo a desfazer os erros e a evitar os possíveis erros futuros.

- Muito bem – disse o Santo, quase desdizendo. - Aceito sua ajuda.Passaram-se pouco mais de dois séculos quando terminou. O arrebatamento já havia ocorrido (e por

sorte não houve equívoco algum), o anticristo já havia reinado e sido derrotado, e Deus encontrava-se na terra julgando as almas daqueles que haviam restado (algo em torno de quatro bilhões de detentores do pecado original).

- Pronto – disse o suicida ao Apostolo-Que-Negou-Três-Vezes. Estava exausto, mas feliz. – Desfi z os erros cometidos e instalei um software de identifi cação facial. Não haverá mais erros. Os nomes e as fi chas passarão direto para o seu tablet celestial e você poderá dar as boas-vindas com mais segurança.

- Oh, caríssimo, bem a tempo de recebermos as almas julgadas – falou São Pedro, olhando a fi cha de Cláudio em seu tablete celestial, estava esquecido após séculos de trabalho duro; calmo e sereno novamen-te depois de tantos anos em afl ição. – Muitíssimo obrigado, Sr. Luther King! Bons feitos na Terra e agora também no Céu! Entre e viva a eternidade ao lado do Senhor.

“Luther... han?”, pensou Cláudio antes de se mancar.Com um sorriso amarelo, desgostoso por ter falhado mais uma vez e cansado demais para desfazer os er-

ros, seguiu em frente juntando-se a Jim Jones, Pol Pot, Charles Manson, Nietzsche e Raul Seixas no paraíso, ou no seu inferno particular, já que viveria a eternidade culpando-se e sentindo-se mais inútil do que nunca.

Ícaro Silva Tuche, 17 anos, 3º período do curso técnico em Informática (Campus Arraial do Cabo)

Ícaro escreve contos no computador e no celular, mas, segundo ele, nada “ofi cial”.

“Tentei inspirar-me nos contos do Verissimo, que na minha opiniã o sã o geniais. Demorei um pouco para pen-sar na histó ria e ela surgiu na minha cabeç a de repente enquanto eu tomava banho”.

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Sou quilombola, neto de quilombolas, fi lho de quilombolas, a ilha está no meu coração, sinto o cheiro das pitangueiras; ainda com nove anos de idade eu percorria aquela trilha que me conduzia à “Praia Suja”, mas como suja, se de tão alva cheira no ar o perfume do mar ?

Sou pardo, sou quilombola, a minha ilha é linda como a Costa Verde que esbelta a cir-cunda. Nela, um conjunto de matas verdeiam o mar que por vezes tingido de anil rompe o céu com estrondosa voz, a voz das águas do mar de Marambaia.

Majestosa se ergue das águas férteis, a ilha nos convida pra morar, a vida é farta e mesmo sem ouro, é rico o habitante que dela se alimenta.

À noite, lembro-me muito bem, nos reuníamos à beira da praia e o som dos violões se misturava com o vai e vem das ondas e ali fi cávamos até o raiar do dia. Marambaia, morada dos quilombolas, habitação de paz, o trabalho dos pescadores, a vida no mar, isolados de toda a modernidade das civilizações.

Sou menino que brinca no sítio, onde as canoas de pesca repousa a labuta, corro, pesco caranguejos com balde e puçá a me fartar; tatuís tentam se entranhar na areia lavada pelas ondas, sinto-os escorregando em minhas mãos, são muitos e saborosos vão fi car com ar-roz. Sou quilombola, Marambaia é o meu lugar.

Conto os anos, se vão cinquenta e nove anos, não diminui a saudade daquele lugar, as lembranças estão vivas na minha alma, ouço em minhas entranhas um grito, um desejo de voltar. Sentimentos se misturam aos cheiros e sabores, como aquele casamento ao som de acordeões e violões e galinhas assadas na brasa com muita pimenta do reino.

Como eu, há muitos quilombolas espalhados, fora de seu habitat natural; Itacuruçá; Man-garatiba; Itaguaí; Nova Iguaçu; eles estão ali, a esperar que a qualquer momento soem as trombetas com um imperativo chamando pra voltar.

Um clamor quase que tribal me chama, os remanescentes estão lá, ocupando um minús-culo espaço, de uma ilha que lhes foi tomada, mas sabe aquele lugar quem são os verdadei-ros habitantes, não uma base militar, não os soldados que estão lá. Sabem o céu a terra e o mar quem são os verdadeiros habitantes da ilha.

A voz que ecoa em minha alma diz que ainda vou voltar para o meu lugar, viajo em deva-neios, todos vão voltar, a ilha ainda está lá, não mudou, continua lá, parece me dizer: “Sou Marambaia , e você, quem é, quando vai voltar?

Memórias de um Quilombola

Osvaldo Quirino dos Santos, 60 anos, 1º período de bacharelado em Produção Cultural (Campus Nilópolis)

Aos 60 anos, compositor musical, Osvaldo escreveu pela primeira vez uma crônica, incentivado pela professora de técnicas de redação Bárbara Santos.

“Para escrever esta crô nica, tomei como fonte de inspiraç ã o memó rias de minha infâ ncia e o desejo ardente de estar entre meus irmã os quilombolas na Ilha de Marambaia”.

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Um dia desses procurei ajuda na internet:

Ivo TH: Aí galera, estou em dúvida em qual videogame comprar. Playstation 4 ou Xbox One?

Akira B: Compre o PS4. Com a PS Plus você pode ter vários jogos legais de graça.Bob R: Não cara, compre o Xbox One. Com a Xbox Live Gold você tem os mesmos

benefícios da PS Plus e ao contrário dela, os jogos fi cam pra você mesmo no fi m da assina-tura. E só no Xbox que você pode usar o Kinect.

Ivo TH: Hum, legal.Akira B: Hunf, um controle “revolucionário” que só serve pra joguinhos bestas e de

dança, se for assim no PS4 tem o Move que é a mesma coisa. Além disso, com o PS Vita, você pode continuar sua partida fora de casa, isso não tem no Xbox.

Bob R: Grande coisa fazer isso num peso de papel que mal jogo tem. Vamos falar de jo-gos, que é o que importa. No Xbox One você poderá jogar Killer Instinct, Rise of the Tomb Raider e o maravilhoso Cuphead.

Akira B: É, mas só no PS4 que vai ter Street Fighter V e o remake de Final Fantasy VII, além do novo Uncharted. Olhe como os gráfi cos desse jogo estão lindos. Sem falar que o Tomb Raider vai sair pra PS4 algum dia, é só questão de tempo.

Bob R: Não acredite nesse coxinha, ele é apenas um elitista que comprou o Playstation 4 no lançamento por R$ 4000.

Akira B: Olha quem fala, você mesmo tem um iPhone 6 Plus e paga pau pro Starbucks, esquerda caviar. Pelo menos não fui eu que votei na Dilma e coloquei o país na merda.

Ivo TH: Ahn, pessoal?!Bob R: Como se com o Aécio o país fosse melhorar. Ele mesmo fudeu com Minas quan-

do era governador. Muito melhor a Dilma do que aquele drogado.Ivo TH: Galera, tamos saindo do foco aqui ó.Akira B: Existe uma coisa que vocês, comunas, não conhecem chamada alternância de

poder, é pra isso que deveríamos ter tirado aqueles PeTralhas do governo.Bob R: Se é assim, então por que não fazermos o mesmo tirando o Alckmin de São

Paulo, os tucanos já estão governando lá por mais de 20 anos.Ivo TH: …Akira B: Não é a mesma coisa.Bob R: É claro que é a mesma coisa. Vocês ovaletes só pensam no próprio umbigo.

Uma discussão qualquer

Ivo dos Santos Ferreira, 20 anos, 2º período do CST em Jogos Digitais (Campus Eng. Paulo de Frontin)

Ivo já escrevia histórias quando criança e hoje publicas crônicas em um blog pessoal. A inspiração para este texto partiu de uma charge animada a que assistira na internet.

“Desde as eleiç õ es de 2014 o povo tem fi cado mais politizado, ou pelo menos aparenta estar assim. Poré m até hoje se tem muita discussã o polí tica em todo lugar da internet, defendendo ideologias, partidos e personalidades iguais a times de futebol”.

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O dia em que o dia parouA vida anda muito corrida não é meu amigo a gente quase não tem tempo pra mais nada mal nos

falamos e nos encontrarmos é ainda mais raro pra falar a verdade eu nem sei mais como anda a sua

vida são tantos compromissos e tanta correria percebi isso ontem mas eu nem estava pensando em

você em mim na vida no tempo ou nos nossos outros amigos e familiares eu não estava pensando em

nada pra falar a verdade eu estava dormindo eu sei que você também não deve ter muito tempo e

pela nossa distância pode acabar ignorando essa mensagem mas queria te contar sobre algo que me

ocorreu ontem enquanto me fez pensar nisso tudo antes de vir aqui falar com você era mais um dia

ordinário na minha vida e eu estava esperando o ônibus já impaciente assim que ele chegou entrei e

ao me sentar no banco pensei brevemente sobre o tempo que eu não deveria perder no trânsito pois

tinha muita coisa pra fazer lamentei depois pela distância que teria que percorrer mas acabei tirando

vantagem dela também nenhum pensamento dura tanto quando o ônibus começa a andar porque o

sono logo vem você sabe como é com essa vida corrida aquelas poltronas viram nossa segunda cama

vê só como tudo está louco a gente já não nem parar pra dormir mas voltemos eu peguei em um

sono delicioso e depois de um tempo que eu não saberia dizer se foi por algumas horas ou minutos

eu acordei por causa do engarrafamento existe quase que uma magia no sono do ônibus ele só existe

quando o veículo está em movimento e ao acordar olhei pra janela pra saber onde eu estava e calcular

quanto tempo em média eu perderia naquele trânsito ou então eu só queria lamentar mesmo não sei

foi nesse momento que tive uma surpresa ao olhar pro lado eu não tinha a mínima noção de onde eu

estava.

O ônibus estava parado, eu estava parada. Olhei para o letreiro e vi que o nome do ônibus e seu

número estavam certos, as pessoas do meu lado pareciam tranquilas. Me perguntei se o motorista

havia feito outro trajeto enquanto eu dormia, mas parecia improvável. Voltei a olhar pela janela e me

Joyce Willeman Monroe Ri-beiro , 22 anos, 7º perío-

do de bacharelado em Terapia Ocupacional (Campus Realengo)

Aos 10 anos, Joyce viu um poema seu publi-cado no livro da es-

cola em que estudava. Ela conta que a crônica

de agora é uma narrativa exata do que aconteceu e

como aconteceu.

“Quando passo por situaç õ es que me fazem refl etir sobre algum aspecto da minha vida ou sobre minhas opiniõ es gos-

to de escrevê -las como se fossem uma carta para um algué m. Algo que eu poderia contar, mas que é tã o í ntimo e particular que nã o faria nenhum sentido se eu apenas falasse. Gosto de escrever porque, de alguma forma, ler parece ser algo mais sensí vel e particular do que apenas a fala. As palavras escritas sã o neutras de sentido. Apenas o leitor tem o poder de atri-buir signifi cado ao que ele lê e isso depende de vá rios fatores que podem aproximá -lo ou distanciá -lo daquela leitura. No momento em que escrevo, até mesmo sobre algo particular, eu torno meu sentimento algo compartilhá vel à medida que permito que outros també m possam senti-lo e se sensibili-zarem do seu pró prio jeito. Essa é a ú nica parte ‘poé tica’ de toda minha escrita”.

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perguntei onde raios eu estava. Alguns minutos depois, quando o tráfego fi cou melhor e seguimos um

pouco mais à frente, me deparei com um antigo ponto de referência e, enfi m, me achei. Aquilo me

deixou transtornada! Por meses e meses da minha vida eu passei por aquele mesmo lugar e nunca tinha

reparado naqueles prédios enormes, naquela academia ou naquelas muretas e lojas. Eu nunca havia

enxergado nada daquilo. Não porque eu não quisesse. Mas é que quando o ônibus está rápido demais

o caminho passa como um vulto. E foi assim que eu pensei sobre mim, sobre você, a vida, os familiares

e nossos outros amigos. Muitas vezes nós passamos pelo dia como um ônibus na seletiva da Avenida

Brasil numa tarde de domingo, e as pessoas, e a vida passam por nós como um vulto. Então, já não

conseguimos ver ou conhecer mais ninguém e mais nada, até o momento em que algo nos faz parar.

E é nessa hora que nos encontramos perdidos em nosso próprio caminho. Nós seguimos em frente,

mas esquecemos que é olhando para os lados que encontramos nossos pontos de referência para nos

situar durante nosso percurso.

Naquele dia eu passei horas no trânsito, perdi horas do meu dia ali e não havia nada que pudesse

ser feito. Só olhei para os lados e decorei o máximo que eu conseguia da paisagem. De repente, senti

a necessidade profunda de conhecer cada ponto que rodeava aquela estrada.

E seja por bem ou por mal, durante aquelas horas eu tive que parar. E aí, meu amigo, eu decidi que

eu não queria mais correr.

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Mariana Rodrigues Tavares, 18 anos, 4º período do curso técnico em Controle Ambiental (Cam-pus Nilópolis)

Mariana diz que escreve sempre que pode ou quando tem alguma inspiração para isso. Em um blog, ela pu-blica “alguns desabafos”.

“Tem algum tempo que eu escrevi essa crô nica, mas eu a relacionei a algum confl ito que vivia naquele mo-mento. À ansiedade de agarrar o futuro com os braç os e à minha necessidade de evoluir sempre”.

Rascunho novoRascunho novoCorrendo os olhos por aquele quarto vazio vi que pre-

cisaria de um empurrãozinho para preencher as paredes,

assim como para preencher as páginas amareladas do meu

caderninho de confi ssões, do formulário de matrícula para

a faculdade e do cheque para pagar o aluguel. Eu precisa-

ria de mim para enfrentar a vida, agora, uma nova vida.

Há um tempinho atrás estava lendo um livro sobre uma

garota que teve que amadurecer no tranco e encarar as

responsabilidades que ela tinha nas mãos. Agora eu era

aquela garota. Sem saber o que o futuro me reservava,

sem atribuir muita importância àquilo, já que viver um dia

após o outro já fazia parte do futuro, chegando manso e

tímido, com algumas verdades para jogar na minha cara.

Algumas sobre aquele rapaz que eu namorava, algumas

sobre meus reais sentimentos, algumas sobre o quão dura

eu fui comigo.

Aos poucos fui me mudando para a nova casa, o lugar

era legal e eu talvez não precisasse mais me preocupar

com colegas de quarto, já que era só eu e eu mesma ali,

com o esmalte descascado e a minha perspectiva sobre

as coisas.

Eu precisava de um tempo pra mim e ali estava eu …

sozinha comigo, percebendo o quanto culpada eu era por

tudo o que cativei, de bom e de ruim. Sabendo que tudo

o que me incomodava antes me incomodava agora, umas

coisas mais, outras coisas, menos. Eu estava ali, indepen-

dente.

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Chega um momento na vida em que você tem a faca e o queijo na mão e, embora todos a sua volta

esperem que você corte o bendito queijo, você para e pensa a respeito do que fazer. O que seria

melhor? Talvez não cortá-lo agora, quem sabe guardá-lo para mais tarde, ou ainda vai ver é melhor

amolar a faca para precisar o corte fatal. Aquele momento na vida em que o que parece o óbvio, o

natural, o caminho comum a todos, vira só mais uma opção no meio de infi nitas outras nos largos

quilômetros da crosta terrestre.

Quem dera a dúvida girasse somente em torno das metáforas encontradas nos livros de poesia,

pois assim, logo encontraríamos um sentido para ela. Mas não a subestime, meu caro. Logo ela, que

carrega a “vida” em sua alma jamais admitiria ocupar apenas as páginas de um livro. Um espaço tão

pequeno não comportaria tal grandeza. Tanto é que hoje, ontem e provavelmente amanhã ela ocupa,

ocupou e ocupará as mentes, os corações e as almas desses pobres seres mortais que se acham tão

cheios de si e na verdade se veem tão cheios dela.

A dúvida corrói por dentro oferecendo a vertiginosa sensação de ter os seus neurônios esmaga-

dos, fatiados, estraçalhados sem a menor chance de recuperação. Para os que pensam que a malvada

cachaça é a mais bem sucedida responsável por queimar tudo dentro do corpo, desafi o a tomar uma

dose, uma única dose de dúvida e verá como é passar a noite segurando esse porre.

Ela vai te consumindo de tal maneira que, se você der mole, te paralisa mais que um golpe de judô,

te nocauteia mais ferozmente do que todos os nocautes assistidos nas lutas de MMA... Te tira a vida

e guarda só pra ela. Chega, pois, a hora da verdade: ou ela, ou você!

Mas é como dizem por aí, “um novo dia sempre vem e com ele vem também o sol” e, acreditando

fi elmente nisso, acredito ser possível se curar dessa ressaca e tornar-se pleno para, quem

sabe, uma outra dose em um dia desses, até porque somos humanos, somos

falhos e recaídas acontecem. Não podem nos culpar.

O fato é que você não é o único, pois sempre haverá milha-

res de outras pessoas tomando uma, duas ou quem sabe até

três doses da “marvada” dúvida nos bares da vida, portanto,

coragem é preciso, meu caro. Acredite: Toda ressaca se cura,

todo bar fecha e toda pinga seca, e não duvide: a vida é bela!

Nos vemos pelos bares.

E agora?

Vivian Guahy Pitombo, 18 anos, 7º período do curso técnico em Quí-mica (Campus São Gonçalo)

Vivian escreve e arquiva suas crônicas. É a primeira vez que publica.

“Essa crô nica saiu de uma vez só . Escrevi em um dia em que estava com uma dú vida grande a respeito da profi ssã o na qual gostaria de seguir e esse texto foi quase que um desabafo. Achei que as pessoas poderiam se identifi car comigo, pois passamos por muitas dú vidas ao longo de nossas vidas, nã o é ?”

Page 14: Revista Informação | IFRJ | Agosto de 2015

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