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O conto do bairro verde
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1
Unº24
w w w . m e i a u m . c o m . b r
Ano 3 | maio 2013
DO BAIRROVERDE
O CONTO
R E T R A T OIsabel Calaf não se importa com a falta de esquinas
B R A S Í L I AJovem e moderna, mas também muito nostálgica
NEM
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O QU
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índice
Papos da CidadeReflexões, análises e resmungos
de quem vive em Brasília
Fora do PlanoQuem mente na história do
Balão do Aeroporto?
Brasília 61 visõesA cidade pela alma de seus habitantes
CapaO conto do primeiro
bairro verde do Brasil
Charges do GougonJuquinha descreve a flora de Brasília
CrônicaZelão só queria ir de carro da 415 para a 309 Norte
Brasífra-meOs poemas-enigmas
de Nicolas Behr
PerfilKathia Pinheiro só ficaria em
Brasília por dois anos. Já são 33
ArtigoE o mau atendimento nos
restaurantes, como fica?
Crônica Brasília e sua nostalgia juvenil
38
41
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8
12
13
14
23
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26
28
34
36
28 – 33
38 – 40
36 – 37
C a r t a d a e d i t o r a
Opinião Santa Maria ainda parece adormecida
Caixa-PretaAs distorções do imposto de renda
Banquetes e BotecosEm cada edição, Marcela Benet visita um restaurante. E ninguém sabe quem ela é
Me engana que eu gosto
C a r t a d a e d i t o r a
romessas não cumpridas, prazos constantemente desrespeitados, números maquiados, tudo isso parece ser aceitável na política. Evocam-se Platão e Maquiavel para
justificar a mentira nesse meio. Os que não a toleram são logo classificados de ingênuos. Os que a toleram parecem se esquecer de que também são prejudicados por elas. E os que mentem tratam logo de inventar outra mentira para consertar a que veio a público. Uma bem tradicional é culpar outras instâncias de poder. Mas há também os políticos mais tarimbados, com cara de pau suficiente para não admitir a mentira nem para a própria mãe.
O Setor Habitacional Noroeste é só mais um exemplo dessas mentiras, nesse caso de muitos autores, uma vez que foram anos até o projeto ser colocado em prática. É claro que ficava difícil acreditar que seria aquilo tudo que se prometeu em termos de modernidade, uma vez que a cidade nem estrutura tem para isso. Também não deu para comprar a ideia de que os preços seriam razoáveis, pois se tratava da última área para habitação perto do Plano Piloto. Mas a história de “primeiro bairro verde do Brasil” foi demais.
Panfleto divulgado pela Terracap em 2009 anunciava que,
finalmente, o projeto de Brasília estava completo, do jeito que pensou Lucio Costa. Prometia energia solar, gás natural, sistema ultramoderno de coleta de lixo. Dizia que o grande desafio seria “construir prédios sem demolir a natureza”. O desafio era tão grande que, claro, não foi superado. Cidadãos que compraram essa mentira agora têm de lidar com a falta de tudo e precisam ser muito compreensivos. “É preciso entender que o bairro é o nosso grande laboratório e que esse processo de implantações de inovações tecnológicas demanda tempo”, explicou o gerente de Projeto do Noroeste na Terracap, Albatênio Granja, à repórter Paula Oliveira, que assina a matéria de capa.
A mentira também é tema da coluna Fora do Plano, que a partir desta edição fica sob responsabilidade do jornalista Chico Sant´Anna, no lugar de Noelle Oliveira. O assunto é o Balão do Aeroporto. Na coluna Caixa-Preta, Miguel Oliveira discorre sobre a enganação que é o imposto de renda. Como disse Platão, “a mentira é perdoável quando atende a interesses do Estado”.
Anna Halley
P
+ um na meiaum
e mais...
Mateus Zanon pág. 8 Luiz Martins da Silva pág. 8 Cíntya
Feitosa pág. 8 Eleonora Vieira de Mello pág. 10 Miguel
Oliveira págs. 9 e 41 Gougon págs. 12, 23 e 41 Bruno bravo
pág. 13 Daniel Cariello pág. 24 Nicolas Behr pág. 26
Lucas Muniz pág. 34 André Giusti pág. 36 Francisco
Bronze pág. 38 Marcela Benet pág. 42
Rômulo Geraldino pág. 42
(Kátia Marsicano)Carioca e herdeira da desastrada
espontaneidade italiana, é vi-
ciada numa boa roda de samba
e na doçura musical da bossa
nova. Convicta da teoria da
conspiração divina, é ambienta-
lista xiita confessa, filha de São
Jorge e São Francisco e “mãe”
de três gatos e um cachorro. Im-
paciente com a tecnologia, mas
será sempre – irremediavelmente
– apaixonada por livros. Ah! É
jornalista, graças a Deus!
pág. 34
(Iara Lemos)
Formada em jornalismo pela Universidade Fe-
deral de Santa Maria, onde fez especialização
em História do Brasil. Trabalhou no Diário
de Santa Maria e na Zero Hora. Foi repórter
de política do G1 em Brasília. Trabalha com
assessoria de imprensa na Câmara dos Depu-
tados. Venceu o Prêmio Esso, em 2008, com a
série “No Coração do Haiti”. Cobriu o terre-
moto no Haiti, em 2010, a CPI do Cachoeira,
em 2012, e o incêndio da Kiss, em 2013.
pág. 38
Leon
ard
o A
rru
da
Thyago Arruda
(meiaum)é uma publicação mensal da editora meiaum
de circulação digitalconselho editorial: anna Halley, Carlos drumond,
Hélio doyle (coordenador) e Paula oliveira diretora de redação: anna Halley
fotografia: Nina Quintana projeto gráfico e diagramação: Carlos drumond
Publicidade: Sucesso Mídia Comunicações (61) 3328-8046 – [email protected]
Os textos assinados não expressam, necessariamente, a opinião da Editora Meiaum.
Contato: [email protected]
24
CAPA | POR ICO OLIVEIRAIlustração em nanquim
É designer gráfico, ilustrador y otras cositas más. Curte navegar
pelos mares de concreto da capital, pra talvez descobrir o que
vai ser quando crescer.
iSSN 2236-2274
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Lago Norte | Brasília-dF | (61) 3468-1466 www.editorameiaum.com.br
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(Chico Sant’Anna)Jornalista, residente em
Brasília desde 1958, edita
o Blog Brasília por Chico
Sant’Anna. Atuou em
importantes veículos da
cidade, como as TVs Globo e
SBT, a Folha de S. Paulo, as
Rádios Manchete e Capital.
Presidiu o Sindicato dos
Jornalistas do DF.
págs. 9 e 12
(Thales
Fernan
do POMB)
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aleató
rios.
pág. 2
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Nin
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Nin
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tan
a
Thyago Arruda
Folhas urbanasagora, úmidas,
Monturos sépia
Exalando fartum.
Em breve, ocluída
a missão do tempo
o silêncio dos vermes:
na alquimia dos húmus.
Veio a cidade
E seus bueiros.
E as folhas secas,
a caminho do mundo,
na vocação do estrume,
a entupir bocas
De lobos imaginários.
ou a cidade se naturaliza
ou hora dessas o sabiá
assoviará faceiro na varanda.
ou, quando menos se se der
aroma
sairá da tevê o lobo-guará
querendo,
Invejando dolce vita, almofadas,
Enlatados, rações vitaminadas.
E ‘tá pensando o quê?
Que não lhe pegará
n’hora dessas um bicho-de-pé?
É que não se sabe sabedoria
Da terra que foi emprestada
Daí, nas primeiras chuvas,
nas ruas, tanajuras ofuscadas.
I l u s t r a ç õ e s M a t e u s Z a n o n | m o n c a i o z a n o n @ g m a i l . c o m
E as cigarras? ah! serei vivo
Para escutar tão estúrdio trino
Das goelas secas encantando a
Groelândia,
Esse silvo, esse sotaque
candango,
Enquanto, por aqui, derretendo
casquinha esquimó
Clicando no teclado metavocá-
bulos em Msn,
Metassorisos, tipo: he he he! Ka
Ka Ka Ka!
Luiz Martins da Silva
não rEPrEsEnta nInGuÉMsou brasiliense, ocupado, tenho
um monte de coisas para fazer
durante o dia e esse seu cartaz
aí não me representa. aqui no
Conic os cartazes de “compro
ouro”, “chip da tIM”, “atestado
admissional” me representam
muito mais que seu protesto no
Facebook.
Espero que não se incomode,
nem sou muito ligado nessas
coisas de internet, não. Mas
como você diz que se preocupa
comigo se a gente nem tem as-
sunto pra conversar? Você acha
que todo mundo tem as mesmas
conversas que o seu grupo, que
o que é importante para você é
importante para todo o resto e
nem se importa com o que eu
acho. Eu acho mesmo que você
é uma pessoa legal, mas, se está
tão preocupado em melhorar
a vida dos outros, me dá uma
ajuda?
tem como fazer um cartaz
dizendo que o ônibus que atrasa
e vem muito cheio todo dia
não me representa? rapaz, está
uma situação bem complicada
mesmo. todo dia é essa história.
se quiser um vazio, tenho que
chegar à parada bem antes.
tem como falar que essa
propaganda dizendo que a
saúde melhorou muito não me
representa? outro dia mesmo
tive que ir às pressas para o hran
com minha filha e estava cheio
do mesmo jeito, uma confusão.
Qualquer hora dessas você pode
vir aqui almoçar comigo. não
repara, não, que a comida é
simples, mas é uma delícia. se
você não comer muito, fica bem
baratinho. Eu divido a marmita
com o meu amigo ali, e dá
menos de 8 reais para cada um.
Isso, sim, me representa demais.
não dá para ficar gastando o que
eu ganho com café, sorvete e
internet.
P a P o s d a c i d a d e
9
Mas parabéns mesmo pelo
protesto e por se importar com
quem mais precisa. acho que
as pessoas têm que se respeitar
mais. Eu sou de Deus, mas con-
cordo que ninguém tem nada
a ver com as escolhas do outro.
até fiquei impressionado, por-
que ouvi dizer que essa comissão
aí do Feliciano é pras minorias
também. Me confundi um pou-
co, porque o que vocês chamam
de minoria é maioria lá onde eu
moro, que é bem pertinho de
onde você mora. Você conhece?
Depois a gente conversa direito,
que se eu demorar mais aqui
perco esse, e o outro só passa
daqui a uns 40 minutos.
Cíntya Feitosa
CaDê os GrInGos?as Copas do Mundo e das
Confederações estão inseridas
na criação de uma nova imagem
internacional do brasil. Visam
ainda a mudar o patamar de
entrada de turistas estrangeiros.
o brasil não consegue mudar
muito o perfil e a quantidade
de estrangeiros que nos visitam.
a meta é alcançar 8 milhões
de turistas por ano, segundo o
planejamento do governo lula.
não são 8 milhões apenas no
ano da Copa, mas sim estabele-
cer um patamar, para dele não
baixar mais.
Mas onde estão os turistas
estrangeiros?
Em 2012, recebemos 5,68
milhões de visitantes externos,
4,5% a mais do que em 2011.
Faltam semanas para a Copa das
Confederações e cerca de dois
anos para o Mundial. Estamos
30% aquém da meta projetada.
a Copa das Confederações mos-
tra-se mais vantajosa ao caixa da
Fifa do que aos cofres nacionais.
a plateia será brasileira – 98%
dos ingressos comprados foram
para a torcida verde-amarela. os
dólares vão sair, e não entrar.
Poucos serão os turistas que
virão ao brasil para assistir a tal
preliminar. E nós, contribuintes,
pagamos a conta.
Chico Sant’Anna
ParE o MunDo PorQuE sou IMPortantEa cultura da carteirada faz mes-
mo parte da realidade de brasí-
lia. se você não é alguém muito
importante, é filho de alguém
muito importante ou é casado
com alguém muito importante.
Em alguns casos, basta informar
lotadas.
Mas tem uma classe em especial
que é tão importante que não
sabe mais a hora de dar cartei-
rada. na fila do supermercado,
quando faltam caixas abertos,
alguém ameaça o gerente: “sou
advogado”. na discussão na
assembleia do condomínio, a
orgulhosa mamãe enche a boca:
“Meu filho é advogado”. aquela
arranhadinha no carro da vaga
ao lado na garagem, antes um
mal-estar entre vizinhos, ganha
grandes proporções quando uma
das partes afirma que exerce a
nobre profissão.
nem todo advogado banaliza o
ofício dessa forma, mas tem sido
tão frequente que ajuda a crista-
lizar a imagem de prepotência.
Quer saber? Quase todo mundo
em brasília é advogado, é o que
mais tem nesta cidade. no dia
em que você for juiz e decidir
alguma coisa, aí, sim, venha tirar
onda para cima de mim.
Eleonora Vieira de Mello
a DErraManinguém pode alegar o desco-
nhecimento da lei. É o que diz
a lei, e lei é lei. Mas o cidadão
comum não tem o hábito de ler
que trabalha com alguém muito
importante para que as portas se
abram. E há as variantes, muito
usadas pelos adolescentes, como
deixar escapar onde mora ou
onde estuda, desde que seja na
american school of brasilia.
os brasilienses que não têm
carteira para esfregar na cara
de alguém parecem já ter se
acostumado a isso. nem sempre
porque são facilmente intimi-
dados, mas porque preferem
não comprar a briga. seria uma
briga por dia, não compensa. E a
corda arrebenta para o lado mais
fraco mesmo, para que tornar as
coisas piores?
E assim senhoras que não sabem
quando parar com o botox e
com o laquê mandam e des-
mandam. Policiais abusam da
autoridade mesmo quando não
estão trabalhando. Jornalistas
se valem do poder da imprensa
para resolver problemas pessoais.
assessores de parlamentares
comportam-se de forma mais
arrogante que os próprios. Desse
jeito vai faltar espaço para tanta
gente importante numa cidade
só. Deve ser por isso que nos
eventos brasilienses as áreas VIP
(já foi o tempo em que havia
só uma) estão cada vez mais
o Diário Oficial, apenas as leis
com grande repercussão social
são divulgadas pela imprensa
e só contadores e tributaristas
conhecem o emaranhado que
é a legislação tributária, feita
para que poucos a entendam.
ninguém sabia, pois, que doa-
ções estão sujeitas a imposto no
Distrito Federal. azar de quem
não sabia, dirão os tecnocratas
da tecnocrática secretaria de
Fazenda do governo do Distrito
Federal. ninguém pode alegar o
desconhecimento da lei...
E é com base no artigo 142
do Código tributário e na lei
3.804/2006 que a secretaria de
Fazenda está agora cobrando o
ItCD, a sigla (tecnocrata adora
sigla) do Imposto sobre trans-
missões Causa Mortis (o latim é
essencial, para passar seriedade)
ou Doações de bens e Direitos.
E cobrando o que os cidadãos
não pagaram nos últimos cinco
anos, acumuladamente mesmo.
o pai que doou dinheiro aos
filhos, a avó que colocou a casa
em nome dos netos, enfim,
quem doou “bens e direitos”
tem de pagar o imposto. E
com enormes juros e multas,
pois a secretaria de Fazenda
está cobrando o devido desde
2008. no ano passado, cobrou o
referente a 2007. É a lei, alegam
sorridentes os tecnocratas que
vibram a cada real arrecadado,
como vibravam os portugueses
que faziam a derrama e provo-
caram a chamada inconfidência
mineira.
É a lei, tudo bem, e impostos
têm de ser pagos, especialmente
pelos mais abonados, para, em
tese – e só em tese mesmo e na
propaganda governamental –
reverterem em benefício da po-
pulação, especialmente a mais
pobre. Mas um governo que se
diz democrático e popular tinha
a obrigação de tratar o assunto
de outra forma, e não pensando
exclusivamente em encher os
cofres para, quem sabe, diminuir o
impacto da absurda e lesa-brasília
construção de um estádio (arena,
corrigirão os modernosos tecno-
cratas rindo de nossa ignorância
sobre a diferença entre uma coisa
e outra) que custa mais de r$ 1,2
bilhão aos cofres públicos.
um governo realmente preocu-
pado em ser transparente peran-
te a população teria, primeiro,
anunciado que o imposto ape-
lidado de ItCD passaria a ser
cobrado. anunciado amplamen-
te, em todos os meios, como faz
com as obras do governo. Depois,
teria de considerar que o cidadão
não tem culpa – além daquela de
desconhecer a lei -- por não ter
pagado o imposto no ano devido.
a secretaria de Fazenda é que
deveria ter cobrado no devido
tempo, para evitar ao contribuin-
te os ônus das multas e dos juros.
E, finalmente, o governo poderia
fazer a cobrança ano a ano.
ah, e quem já conhecia a lei,
por ter contadores e advogados
à disposição, escapou do ItCD
facilmente: declarou doações
como se fossem empréstimos e
transferiu imóveis por valores
baixos e fictícios.
Miguel Oliveira
tuDo É brasílIaos políticos têm medo de
chamar o Distrito Federal de
brasília. acham que, se falarem
em brasília, parecerá que estão
se restringindo ao Plano Piloto,
excluindo as cidades-satélites de
suas palavras e promessas. Essa
distorção começou quando o go-
verno do DF, em uma gestão de
Joaquim roriz, resolveu chamar
de brasília a região administra-
tiva que engloba parte do Plano
Piloto, especialmente as asas sul
e norte. Com a contribuição de
jornalistas e políticos mal-infor-
mados, brasília passou a ser, para
muitos, apenas a área central do
Distrito Federal.
até hoje há os que pensam assim,
por desinformação ou por achar
que limitando brasília ao Plano
Piloto estão valorizando as cida-
des-satélites. Pois é o contrário:
restringindo a denominação de
brasília ao Plano Piloto, estão é
discriminando as populações das
cidades-satélites, como se não mo-
rassem na capital da república.
brasília é todo o Distrito Federal,
brasilienses são todos os nascidos
no Plano Piloto, nas cidades-
satélites e em cada pedaço do
retângulo que conforma a capital
da república. Faz falta um políti-
co que perca o medo de chamar o
DF de brasília e acabar com essa
bobagem.
Hélio Doyle
notíCIas Do Paraísosempre que acordo com o
humor piorado, indignada com
o que tem sido feito da cidade
que escolhi para viver, triste
com a prevalência da sacana-
gem, da violência e da incúria,
10
recorro a um segredinho que é
tiro e queda. Poderia meditar
na Ermida, mas não é seguro.
Poderia caminhar perto de
casa, mas é perigoso também.
Quando quero fugir um pouco
da realidade, digito o endereço
eletrônico da agência brasília,
o portal oficial de notícias do
governo do Distrito Federal.
ah, como me traz paz ler as
novidades do dia, ver as fotos
do nosso sorridente chefe do
Executivo posando de jaleco
para resolver os problemas da
saúde pública ou apertando a
mão de gente importante para
mostrar como tem prestígio!
sabia que somos líderes em
transplantes de coração? E
penso como somos injustos
com esta gestão, que tanto tem
feito por nós, ingratos cidadãos
que não sabemos nem dar
valor a uma arena de uso múl-
tiplo que insistimos em chamar
de estádio.
Poxa, este governo nos devol-
verá o Planetário de brasília,
fechado há mais de 15 anos,
e promete que será “um dos
mais modernos do mundo”.
o lendário aterro sanitário
vai ficar pronto, sim, deixe
de ser agourento. Em poucos
meses o lixão da Estrutural
será história. se até o banco
Interamericano de Desenvolvi-
mento, segundo um dos textos
da agência, está empolgado
com os projetos, por que você
não pode dar crédito a agnelo
Queiroz e companhia? tenha
paciência, ele já explicou que
quando assumiu “a situação
era de caos” e que teve de colo-
car “a casa em ordem”.
E como me acalma ler que “a
integração das forças de segu-
rança Pública no DF, organi-
zada pelo governador agnelo
Queiroz, reduziu os índices de
criminalidade nos últimos 12
meses”. Caíram sequestros-re-
lâmpago, latrocínios, estupros.
E o melhor: “a maioria dos
assassinatos tinha conexões
criminais e não foi de cidadãos
vitimados por infortúnios, o
que reforça que a qualidade da
segurança no DF é uma das
maiores do país”. Que alívio.
na semana seguinte ao aniver-
sário de 53 anos de brasília,
me emocionei com o artigo
assinado pelo governador
publicado no jornal preferido
dos brasilienses, que sempre
traz boas notícias e lindas fotos
das flores que enfeitam a cida-
de. o texto ganhou destaque
no site da agência brasília.
Descreve o momento em que
uma das artistas contratadas
para se apresentar na festa de
aniversário na Esplanada não
se contém diante da beleza de
“balões cruzando docemente o
céu de brasília ao alvorecer”.
no texto, agnelo reconhece
haver “inegáveis problemas em
vários setores”, mas explica que
“as melhorias em muitos deles
já se fazem sentir concreta-
mente”. Ele poderia discorrer
sobre elas, mas preferiu se
concentrar no fato de “nosso
bom Deus” ter feito com que
todos esses “projetos estrutu-
rantes” tenham coincidido
com a realização das Copas
das Confederações, no mês
que vem, e do Mundo, no ano
que vem. teremos “muitos
legados desses dois grandes
eventos”, segundo ele nas áreas
de mobilidade, segurança e
infraestrutura. Eu sei que você
duvida disso, mas entenda
que legado é aquilo que vem
depois. Enquanto espera, abra
o coração e relaxe com uma
boa leitura:
www.df.gov.br.
Anna Halley
11
sEM rEsPostasO triste fim do Bambolê da Dona Sarah coloca em
xeque a credibilidade do GDF diante da opinião pú-
blica. Quem fala a verdade, quem mente nos infor-
mes do GDF? A Comunicação da Copa, que diz haver
autorização do Ibram, ou este, que nega?
Mais grave do que isso: quem determinou o
abate das árvores foi punido? Abriram sindicân-
cia para apurar responsabilidades? Houve queixa
por crime ambiental? A multa do Ibram será paga
por quem cometeu o erro ou pelo contribuinte?
É cobrada ainda do governo a falta de debate
prévio com a comunidade sobre tal destruição,
classificada na nota do GDF de “legado à cidade”.
Enquanto não há as respostas, o Balão do
Aeroporto vira o Embolado do Aeroporto. Qui-
lométricos engarrafamentos aporrinham os
moradores do Entorno Sul, do Gama, de San-
ta Maria e do Park Way. Todos ainda convivem
com as obras do Expresso DF, pelo menos seis
meses atrasadas.
Para os turistas que vierem assistir à abertu-
ra da Copa das Confederações, restou a paisa-
gem de hecatombe ambiental.
DE olho no trânsIto
Existe um aplicativo de GPS social para te-
lefones e tablets chamado Waze, que informa
como anda o trânsito. Em tempos de Lei Seca,
a garotada o usa para ser alertada de blitze. O
mais novo usuário do Waze é o deputado dis-
trital e corregedor da Câmara Legislativa Cabo
Patrício, ex-policial militar. O GDF já teve seu
secretário da Juventude, Fernando Neto, exo-
nerado por divulgar no Twitter as ações do De-
tran-DF. Mas pode ser que Patrício só deseje
usar o Waze para saber quais são as melhores
rotas para chegar ao poder.
balão Do aEroPorto: QuEM MEntIu?Árvores cortadas, terra arrasada. O estrago está feito. Um caos viário e a
desilusão tomam conta do Balão do Aeroporto, outrora cartão-postal da
capital. Ali surgirá um mergulhão, dividindo em dois o Bambolê da Dona
Sarah. Por não ser obra para a Copa das Confederações, pergunta-se por
que não ter se esperado até 15 de junho, data do único jogo na cidade.
Mais grave é a troca de informações desencontradas no GDF.
Quando da derrubada das árvores, em 8 de abril, a Comunicação para
a Copa se apressou em afirmar que tudo acontecia “com base nas re-
gras impostas pela legislação ambiental. A ampliação da via conta com
estudo de impacto ambiental e licenciamento ambiental emitido pelo
Instituto Brasília Ambiental – Ibram”.
No Ibram, a história é outra. Em 16 de abril, anunciou multa de R$ 150
mil ao DER pela “supressão não autorizada das árvores do Balão do
Aeroporto”. À mídia, o secretário de Meio Ambiente, Eduardo Bran-
dão, afirmou que o certo teria sido solicitar antes a licença de obras e
a autorização do corte das árvores.
F o r a d o P l a n o
P o r C H i C o S a N t ’ a N N a chicosantanna@hotmail . com
13
I s a b e l C a l a f , 9 0 a n o s
Brasília 61 visõesb r u n o b r a v [email protected]
Este retrato é parte do projeto Brasília 61 visões. A intenção do fotógrafo é revelar a cidade pela cara das pessoas, anônimas ou não, e relatar sua relação com a capital.
Venceslau Calaf e Isabel Calaf Clariana eram apenas
crianças quando a irmã dele e o irmão dela ficaram
noivos. Os irmãos mais novos receberam dos pais o
dever de acompanhar o casal nos passeios pelas praças e ruas de
Barcelona, na Catalunha. “E, acompanhando os noivos nos seus
encontros amorosos, acabamos também nós nos apaixonando”,
Isabel conta com seu sotaque catalão, pouco afetado pela língua
portuguesa, embora já esteja no Brasil há 60 anos.
Venceslau Calaf alimentava o sonho de morar no Brasil.
Acompanhava as notícias do País pelos jornais de domingo.
Depois da Guerra Civil Espanhola, com o fascismo de Franco, a
família se muda.
Um dia, já em Bento Gonçalves (RS), Venceslau entra em casa
com a boa-nova: seria construída a nova capital do Brasil. Os
Calaf se mudam mais uma vez.
Chegam por fim à 103 Sul. Os meninos jogam bola nos canteiros
das obras dos prédios residenciais. Os peões compartilham o
racha com os irmãos Calaf.
A situação vai melhorando. Venceslau Calaf chega a trabalhar
na cozinha para Kubitschek. Os filhos entram na UnB, Isabel
se encontra por fim apaixonada por Brasília, e o destino de
Venceslau Calaf parece se cumprir.
Isabel Calaf Clariana de Calaf tem 90 anos. Está sentada à mesa
do restaurante do filho caçula. Vem todos os dias. Prepara até
oitenta cafés nos almoços mais movimentados. Às vezes serve
um biscoito de acompanhamento, às vezes dois. Mas não explica
por quê. Diz que viu Brasília nascer, crescer e envelhecer, e por
causa disso se sente um pouco mãe da cidade também.
“Dizem que Brasília não tem esquinas. Mas quem nesse mundo
precisa de esquinas? As pessoas precisam de amigos.”
15
Era uma vez
o Cerrado
T E X T O P a u l a O l i v e i r a p a u l a o l i v e i r a @ m e i a u m . c o m . b r
Brasília ganhou um setor
habitacional ecológico e
moderno. O Noroeste é
arborizado, o tratamento do
lixo é revolucionário e as
ruas são iluminadas e cheias
de calçadas e ciclovias.
Parece irreal? É mesmo
O Setor Habitacional Noroeste foi vendido à sociedade como o pri-meiro bairro ecológico do Brasil. Os catálogos e os vídeos divul-
gados pelo governo, mais precisamente pela Companhia Imobiliária de Brasília (Terra-cap), e pelas construtoras propõem cenário arborizado, com espaço para pedestres e ci-clistas circularem à vontade – e vista para o Parque Burle Marx. “Um privilégio para pou-cos”, dizia um panfleto da Terracap. Prome-teu-se uma região sustentável e em harmonia com o meio ambiente. A coleta de lixo seletiva e a vácuo tiraria das ruas os incômodos cami-nhões. A rede elétrica subterrânea evitaria a poluição visual. O Cerrado seria preservado e integrado às construções.
A Terracap lançou até mesmo o Manual Verde do Noroeste, em 2009, ano da licitação do primeiro lote de terrenos, com exigências para as construtoras. Janelas grandes, para potencializar o uso da luz natural, sistema de aquecimento dos chuveiros por energia solar e complementado por gás natural. Cada pré-dio deve dispor de sistema próprio de coleta de água da chuva para irrigar os jardins.
Seguir o manual não deveria ser opcional, mas construtoras procuradas pela meiaum reclamaram da impossibilidade de cumprir à risca todos os itens do documento por falta de infraestrutura básica. É o caso do método de coleta de lixo – uma das promessas do governo do Distrito Federal era a instalação de um sis-tema pneumático. As construtoras reclamam, mas não topam se pronunciar oficialmente sobre a inércia do poder público. Talvez se ex-puserem os problemas se deixe de fazer vista grossa para, por exemplo, as coberturas. Os edifícios deveriam ter seis andares, e a cober-
tura poderia ser parcialmente explorada, mas o que se vê nas plantas dos empreendimentos é o sétimo andar quase totalmente aprovei-tado, seja com coberturas privadas, seja com áreas coletivas para lazer. De qualquer forma, a Terracap reconheceu o atraso e condicionou o prazo das construtoras para construir à sua obrigação de fornecer a infraestrutura bási-ca. A decisão foi publicada na edição de 13 de março do Diário Oficial do Distrito Federal.
Em abril, cerca de 40 apartamentos esta-vam ocupados, três prédios prontos para mo-rar e quatro em fase de acabamento. Três edi-fícios comerciais também estavam em obras. Na primeira etapa do Noroeste, prevista para ficar pronta em 2014, estão sendo erguidos prédios de cinco quadras – da 107 até a 111. Em todo o setor, serão 20 quadras.
A veterinária Larissa Vasconcelos Perei-ra é proprietária de um apartamento de três quartos no Noroeste. “Só gostaria de me mudar com a minha família quando houver condição mínima para a gente morar lá, mas também não vale a pena ficar pagando aluguel enquanto tenho um apartamento meu e novo para viver”, pondera. A grande chateação é por se sentir enganada e abandonada. “Paguei caro pelo imóvel, vou pagar caro também para morar em um bairro tão moderno e quero, no mínimo, ter retorno à altura.” Apesar da re-volta, está ansiosa para se mudar. “O fato de ser um sonho ter um apartamento tão bom ofusca esses problemas.”
O advogado Antônio Custódio Neto mudou-se da Asa Sul para o Noroeste em janeiro e está frustrado. Comprou o imó-vel atraído pela proximidade com o Plano Piloto e pela proposta de ser ecológico. “O Noroeste nasceu com o selo ecológico,
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250 hectaresde área rica em lençóis freáticos e em fauna e flora virarão 20 quadras nada sustentáveis.
mas terminou com o estigma de um bairro poluidor”, lamenta. Diz que quase nada do que viu nos anúncios é realidade. Mesmo sem calçadas, ciclovias, transporte pú-blico, escolas, o tempo para o pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) já está correndo. Os proprietários pagam ainda a Taxa de Iluminação Públi-ca, apesar de não receberem o serviço.
Os moradores dos primeiros apartamen-tos entregues queriam viver em uma cida-de-parque, mas por enquanto estão em um canteiro de obras. É natural que haja alguns transtornos em um setor ainda em fase de construção. Porém, a ordem dos fatores, aqui, altera muito o resultado. A Terracap deveria ter providenciado a infraestrutu-ra básica para depois as construtoras en-tregarem os prédios, como prometido. O
compromisso era ter toda a infraestrutura pronta quando o primeiro morador estives-se instalado, declarou o então governador José Roberto Arruda, em setembro de 2009. “As obras começam hoje e não param mais. Aqui não teremos os mesmos problemas verificados no Sudoeste e em Águas Claras.” Só uma das mentiras que compõem a his-tória do setor habitacional que serviria de “modelo para o País”.
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Nobre para uns, valiosa para outros
O Noroeste está em uma área de 250 hectares que an-tes abrigava um grande peda-ço de Cerrado intacto. Lucio Costa, urbanista que dese-nhou o Plano Piloto, abriu a possibilidade, no documen-to Brasília Revisitada (1987), de se construir na área um conjunto habitacional para a classe média, perto da Asa Norte, desde que não inter-ferisse no desenho da cruz.
Ali era uma zona de amor-tecimento do Parque Nacio-nal de Brasília, pertencente à Área de Preservação do Planalto Central. A zona de amortecimento é o entorno de uma unidade de conser-vação. As atividades humanas ficam sujeitas a restrições para minimizar os impactos sobre a unidade. O novo se-tor fica entre o Parque Burle Marx e a Área de Relevante Interesse Ecológico Cruls. A Arie Cruls, com 55 hectares entre a Epia e o Noroeste, foi criada para atender a uma das exigências do Termo de Ajustamento de Conduta 6, de 2008, firmado entre o go-verno do DF, a Terracap e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Na-turais Renováveis (Ibama).
Era condição deste último para liberar a licença de ins-talação do setor habitacional.
O terreno servia como amortecedor das águas plu-viais que naturalmente de-sembocariam no Lago Pa-ranoá. As obras provocaram o assoreamento do lago e o afugentamento de animais. A instalação do setor habi-tacional deve, futuramente, sobrecarregar as galerias de águas pluviais e o trânsito na Asa Norte e ajudar na degra-dação da vegetação que restar.
Começou-se a falar no Noroeste ainda na década de 1980, durante o governo de José Aparecido. Dois projetos para o setor chegaram a ser apresentados quando Cris-tovam Buarque governava o DF (1994 a 1998). O pri-meiro não passou pelo crivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e o segundo teve re-sistência de órgãos ambien-tais, que queriam a redução do número de habitantes. Previa 80 mil moradores.
A Terracap queria lucrar com a venda das terras. O setor imobiliário poderia jo-gar os preços lá em cima, por ser a última área própria para habitação próxima ao Plano Piloto. Em 1999, a própria
Associação de Empreende-dores do Mercado Imobi-liário (Ademi) contratou o arquiteto Paulo Zimbres, o mesmo que havia projetado Águas Claras, para redese-nhar a proposta para a explo-ração da região. Doou o pro-jeto à Terracap pelas mãos de Paulo Octávio, dono da cons-trutora que leva seu nome e agora ex-vice-governador do DF. A gentileza foi aceita pelo então governador Joaquim Roriz, mas não era sua prio-ridade, tanto que só lançou o projeto da “ecovila”em 2005. Era prioridade, no entanto, para José Roberto Arruda, então secretário de Obras.
Em 2006, Arruda foi eleito governador e Paulo Octávio, o seu vice, e o novo bairro sai-ria do papel de qualquer jeito. Era promessa de campanha. O projeto foi adaptado para reduzir a quantidade de ha-bitantes – de 80 mil para 40 mil. Posteriormente, foram acrescentadas novas questões ecológicas, como o aumento do Parque Burle Marx de 250 para 280 hectares.
Para justificar a explora-ção de uma área que ainda mantinha o Cerrado intoca-do, Arruda prometeu tudo o que podia e o que não podia. Funcionou. Na prática, po-
rém, o Noroeste, já habitado, está longe, muito longe de ser verde, ecológico, sustentável ou seja lá qual for a expressão mais apropriada. “O plano era garantir tudo isso antes de abrir para os moradores. Pena que não foi feito confor-me previsto”, afirma Cassio Taniguchi, que era secretário de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente no governo Arruda. Ficou com ele a mis-são de convencer a sociedade de que tudo daria certo. No fim de 2009, ele deixou o car-go por causa do escândalo da operação da Polícia Federal Caixa de Pandora, que poste-riormente abreviou a gestão de Arruda. Quando este dei-xou o DEM, Taniguchi, eleito deputado federal pelo mesmo partido, voltou à Câmara dos Deputados. Hoje é secretário de Planejamento e Coorde-nação Geral do Paraná.
A destruição do Cerrado em uma área rica em lençóis freáticos, fauna e flora pare-cia compensar. Arruda, Paulo Octávio e companhia sabiam que a venda das projeções encheria os olhos das cons-trutoras, tão sedentas por liberação de qualquer área dentro do Plano Piloto ou próxima a ele. A arrecadação da Terracap com o primeiro
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lote de vendas – as projeções das cinco pri-meiras quadras –, em 2009, foi de R$ 1,7 bi-lhão. A Terracap informa que cerca de R$ 400 milhões foram investidos em infraestrutura básica e viabilização do bairro.
Índios ainda brigam na Justiça Além de desmatar uma área de vegetação
nativa, a construção do Noroeste tem outro estigma. Grupos indígenas – fulni-ô tapuya, tuxá e kariri-xocó – se recusaram a deixar a terra por várias vezes, sob o argumento de que lá viviam havia mais de 30 anos e de que a área lhes é sagrada. Nem a Fundação Nacional do Índio nem o governo local reconheceram o lugar como território indígena, uma vez que as comunidades vieram de outras partes do Bra-sil, não eram nativas.
Ainda no primeiro semestre de 2009, o Ministério Público Federal chegou a reco-mendar a suspensão da licença para constru-ção, uma vez que a Terracap não havia cum-prido o compromisso de solucionar a questão fundiária da comunidade indígena – estabe-lecido no Termo de Ajustamento de Conduta 6, de 2008. Com o reforço de apoiadores, na maioria estudantes, os índios entraram em conflito com trabalhadores das construtoras em 2011, quando começaram as obras na área do chamado Santuário dos Pajés, já no gover-no de Agnelo Queiroz. As construtoras só con-seguiram tocar as obras após decisão judicial.
O MPF, por meio de ação civil pública, re-comendou, no segundo semestre de 2011, que a área a ser reservada até decisão judicial para os grupos indígenas fosse de 50 hectares – as quadras 307, 507, 707, 108, 308 e 508, além das comerciais 8 e 9. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região estipulou que o terre-
no preservado temporariamente fosse de 4,1 hectares – parte da quadra 108. Nessa área, as construtoras estão proibidas de vender, construir e desmatar. O processo está em an-damento na 2ª Vara da Seção Judiciária do DF.
Os integrantes da tribo kariri-xocó fizeram acordo com o governo local para serem trans-
feridos para os 12 hectares que lhes foram re-servados no Parque Burle Marx para moradia – de acordo com o termo de 2008 –, mas isso ainda não ocorreu por embargos jurídicos. Eles lutam por moradia. Já os outros querem a preservação da área de 50 hectares por ques-tões religiosas. Segundo o TRF, há outra ação em andamento: o Conselho Indigenista Mis-sionário quer anular a licença ambiental para a construção do bairro.
Os grupos querem manter intacto apenas o Santuário dos Pajés. “São áreas insubstituí-veis e o que a Constituição Federal manda, no caso de ser terra indígena, é que se retire tudo o que foi construído”, diz Ariel Foina, advoga-do do grupo fulni-ô tapuya. Na quadra 108, há prédios em construção e isso aproxima muito os índios das obras. “É complicado porque es-tão a 10 metros dos canteiros”, diz Foina.
R$ 400milhõesfoi o investimento na infraestrutura básica, ainda muito precária.
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Da propaganda à realidade
O governo de Joaquim Roriz foi bastante criticado por ambientalistas por ter anunciado o Noroeste como ecovila. “Realmente não era bem isso. Na verdade, o bair-ro é sustentável”, classifica Albatênio Granja, gerente de Projeto do Noroeste da Terracap. Entende-se por sustentabilidade o equilíbrio entre o avanço econômico, o atendimento às necessidades da população e a preservação do meio ambiente. Para os mais radicais, é preciso ainda reaproveitar o lixo, cultivar o próprio alimento e trabalhar em comunidade.
O Noroeste não será au-tossuficiente em nada. Não há, por exemplo, previsão de hortas comunitárias nem do envolvimento dos moradores em ações sustentáveis, como compostagem do lixo orgâni-co. “Há vários níveis de men-suração da sustentabilidade e estamos trabalhando com o mais baixo”, justifica Granja.
O modelo de sustentabi-lidade eleito pela Terracap é o Leadership in Energy and Environmental Design (Leed), certificação concedi-da por uma organização nor-te-americana. Para conse-
gui-la, o Noroeste precisaria atender a algumas exigências. A primeira, registrada no Manual Verde do Noroeste, é de que o projeto seja elabo-rado para uma comunidade já desenvolvida e com trans-porte público. No Noroeste, não há nem um nem outro. É necessário haver coleta se-letiva de lixo. Também não tem. Os prédios precisam es-tar equipados com mecanis-mos que ajudem os morado-res a economizar água e luz. Isso existe. A distribuição de energia elétrica, no entanto, é improvisada – instalada para abastecer as construções, quebra o galho dos prédios já prontos. O uso do automóvel deve ser desestimulado. Em prédios que têm, no mínimo, duas vagas na garagem para cada apartamento, fica com-plicado. Além das garagens subterrâneas, cada edifício tem estacionamento amplo.
Existem outras certifica-ções para construções verdes. Consideram a quantidade de gás carbônico que os mate-riais utilizados nas obras pro-duziram ao serem fabricados. São avaliados, ainda, o im-pacto social e econômico do empreendimento na região. “O Leed é muito bom e muito moderno, mas leva em conta
só a questão verde, o social e o econômico ficam de fora”, diz Sibylle Muller, engenhei-ra civil e empresária da área de certificação da construção civil em São Paulo.
Sibylle afirma que, para ter qualquer certificado verde na construção civil no Brasil ou em qualquer lugar do mundo, a comunidade precisa parti-cipar e o poder público pre-cisa providenciar a infraes-trutura. “É um contrassenso ecológico, por exemplo, reti-rar a mata nativa para colocar outra no lugar. Ou prometer sistema pneumático de coleta de lixo sem aterro sanitário”, analisa. Para ela, esse sistema é luxo desnecessário, visto que, se houver cultura de se-leção de lixo entre os mora-dores e destinação por parte do órgão público responsável, o processo é bastante eficaz.
A coleta de lixo pelo siste-ma pneumático, subterrâneo e a vácuo funcionaria assim: em cada prédio, seriam ins-taladas três entradas para os dutos de sucção – um para lixo seco, outro para orgâni-co e o terceiro para material não identificado. Os sacos de lixo seriam sugados tão ve-lozmente para essa tubulação que não ficaria nem mesmo o cheiro. Todo o material de-
sembocaria em contêineres nas duas estações previstas para o bairro e de lá seguiria para o aterro sanitário – pro-jeto que se arrasta por mais de uma década e que oti-mistas achavam que estaria pronto antes da instalação do novo setor. Essa é uma reali-dade na Europa e o assunto é discutido em Brasília desde o lançamento do bairro, há oito anos. “Foi um delírio, um modismo, e não daria certo adotar esse sistema aqui em Brasília. E outra, não excluiria a necessidade de caminhões circulando pelo bairro”, diz Francisco Palhares, que era superintendente do Ibama no DF na época da concessão da licença, em 2007, e hoje é assistente da direção-geral do Serviço de Limpeza Urba-na (SLU). Ele confirma que hoje Brasília não tem estru-tura para abrigar um sistema como esse.
Primeiro, o governo errou na modalidade jurídica para a adoção do sistema. Pensava-se em parceria público-pri-vada e chegou-se à conclusão de que o ideal é concessão pública. Decidida essa ques-tão, o governo começou a ela-borar o edital para selecionar a empresa que ficará respon-sável pela instalação da estru-
tura e da coleta. Segundo, os prédios estão tão perto das ruas que isso inviabilizou o planejamento inicial do es-paço que os dutos ocupariam. Um novo projeto precisou ser feito. E, em terceiro lugar, o sistema não faz sentido se o DF não tem aterro sanitário. “Mas vai ter”, diz o gerente de Projeto do Noroeste na Ter-racap, Albatênio Granja. Em janeiro, o Tribunal de Contas do DF suspendeu a licitação do SLU para implementa-ção do aterro sanitário em Samambaia. O SLU prestou esclarecimentos e aguarda a votação em plenário.
O sistema pneumático se-ria a tecnologia mais exclu-
que ecológico para se tornar de uso múltiplo – concomi-tantemente com o parcela-mento urbano e garantir que fossem desmatadas apenas as áreas das projeções. A responsabilidade foi poste-riormente passada ao Ins-tituto Brasília Ambiental. O parque, programado para ter pistas de ciclismo, de corrida e áreas de convivência, ain-da não saiu do papel. Foram feitas duas lagoas para escoa-mento de água.
Não é difícil perceber que o desmatamento para a cons-trução do bairro verde não é diferente do que é feito para erguer qualquer outra coisa. As últimas quadras, as pri-
siva do Noroeste. Ainda não existe no Brasil. “O Noroes-te não tem nada de novo. O que venderam como grande avanço nas construções são tecnologias que existem há 20 anos”, critica a doutora em geologia e especialista em ur-banismo e meio ambiente da UnB Mônica Veríssimo.
Desmatar para preservarAinda em 2007, o Ibama
emitiu parecer para alterar a licença ambiental para a construção dos prédios e da infraestrutura do Noroeste. Estabeleceu 43 condições para o início das obras, como implementar o Parque Burle Marx – que deixa de ser par-
meiras que estão sendo cons-truídas, já estão com cara de quase bairro. Entre um pré-dio e outro, grama dos jardins de cada condomínio, calçadas e estacionamento. Tudo isso extrapola a área da projeção, que seria a única desmata-da. “Se queriam preservar, tinham de deixar a vegetação natural, e não fazer paisagis-mo”, critica Mônica.
Para ela, não faz sentido a captação de água de chuva para irrigar a vegetação. Se fosse para a descarga dos va-sos sanitários, por exemplo, valeria. “Além da gastança de água e energia com piscinas e saunas, querem irrigar o Cerrado, que sobrevive bem
O segundo planoo pretexto para a construção do noroeste é o documento finalizado em 1987 chamado brasília revisitada, assinado por lu-
cio Costa. o urbanista estabeleceu novos setores habitacionais para brasília, que poderiam ser construídos se necessário: asa
nova norte (onde está o taquari), asa nova sul (Jardim botânico), oeste sul (sudoeste) e oeste norte (noroeste). Para este
último, programou dez quadras residenciais e prédios com três pavimentos. nada comparado ao que está sendo construído.
De três pavimentos, os prédios passaram para seis. Com a cobertura, sete. albatênio Granja, da terracap, diz que a exploração
do sétimo pavimento é permitida em parte e que está tudo conforme o planejado.
o que lucio Costa programou como um bairro econômico hoje tem o metro quadrado avaliado em r$ 9 mil. o que pensou
para dez quadras terminou com 20. a preocupação do urbanista era de que o novo bairro não chegasse à beira do Eixo
Monumental e desfigurasse o formato de cruz do Plano Piloto. o sudoeste chegou na calada e está quase lá, mas o noroeste,
não. Cresceu para o outro lado. o terreno em que estão sendo construídas as últimas quadras do setor era, originalmente,
para a construção de um cemitério. Mas agora não vai ter mais jeito de atender a essa especificação do projeto do Plano
Piloto. o negócio já está feito.
22
ao clima de Brasília?” Aqui há outra contradição. O pai-sagismo dos prédios deveria ser feito com espécies nati-vas. Os jardins, no entanto, estão gramados. Uma ou ou-tra muda de planta nativa está sendo usada.
“O Cerrado cresce muito lentamente. Foi falta de in-teligência e de vontade das construtoras retirarem toda a vegetação. Cabia ao enge-nheiro, por exemplo, dizer ao tratorista assim: não der-rube esta e aquela árvore”, raciocina Nicolas Behr, po-eta, ambientalista e dono de um viveiro especializado em espécies do Cerrado. “O po-der público tem de fiscalizar se o desmatamento está sen-do feito corretamente e cabe ao morador cobrar por isso também.” A cada 15 dias, os síndicos dos prédios das pri-meiras quadras do Noroeste têm reuniões com a equipe da Terracap. “Cobramos tudo o que prometeram e tentamos entender, na base da con-versa e da compreensão, mas estamos sendo lesados como consumidores”, diz Antônio Custódio Neto.
Logo que as obras come-çaram, em 2011, ficou cons-tatado pela Caesb que o Lago Paranoá já começava a sofrer
com os efeitos do Noroeste. O escoamento das águas plu-viais da região foi direto para o lago e em menos de um ano foi detectado o seu assorea-mento. A Terracap se defende dizendo que resolveu a ques-tão com a construção dos dois lagos no Parque Burle Marx para conter as águas. O solo do Noroeste será quase to-talmente impermeabilizado. “Na verdade, o parque será o grande lixão do Noroeste. Os lagos que foram feitos lá não serão para o lazer da popu-lação, mas para abrigar toda a sujeira que vier do bairro”, conclui Nicolas Behr.
A impermeabilização do solo vai se tornar um grande problema ambiental confor-me as obras avançarem. As garagens ultrapassam a área da projeção com tutela do Es-tado. São duas, três e até qua-tro vagas por apartamento. O subsolo que não for ocupado por carros será utilizado para a instalação dos dutos do sis-tema de coleta de lixo a vácuo, de energia elétrica, do esgoto.
Outras mentirinhasEnquanto as construto-
ras correm para entregar as chaves, o ritmo do governo é diferente. Não parece haver pressa em instalar ilumina-
ção pública ou rede de ener-gia própria. De acordo com o projeto aprovado, a fiação deverá ser totalmente sub-terrânea.
Não há postes de luz. Há dois anos, o governo do DF, já sob o comando de Agne-lo Queiroz, se encantou pela ideia de adotar lâmpadas só-dio, projeto aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica, e decidiu mudar o planejamento de ilumina-ção do Noroeste, que seria de LED. As duas são eco-nômicas, mas a de sódio é mais moderna e eficiente. A compra foi feita por meio de convênio entre a Terracap e a Companhia Energética de Brasília. Só que as lâmpadas não chegaram e, em novem-bro passado, o governo reto-mou a ideia do LED e reini-ciou o processo de compra.
A promessa é de que a ilu-minação pública comece a ser instalada em maio. “Che-gamos a pensar em adotar iluminação provisória, mas, entre oferecer algo precário e não oferecer nada, optamos por esperar”, explica Granja. Em setembro do ano passado, ele deu a seguinte declaração ao Correio Braziliense: “Que-remos terminar as obras bá-sicas de infraestrutura antes
do período de chuvas. Em de-zembro, só o sistema de dre-nagem não estará concluído”.
Enquanto o governo es-pera, quem tem apartamento pronto que se vire. “De dia tem muita movimentação por causa das obras, mas à noite é deserto. Só não ficamos no breu porque as luzes dos can-teiros ficam acesas”, descreve o pioneiro Antônio Custódio Neto. Não existe transporte público. Também não há co-mércio. A sorte é que ambu-lantes já se instalaram lá para vender marmita e lanche.
Água e esgoto há, mas o gás natural está longe de chegar. Por enquanto, o aquecimen-to de água do chuveiro e o abastecimento dos fogões são feitos por gás de cozinha, o GLP, derivado do petróleo. O desempenho é o mesmo do natural e a produção de gás carbônico também é peque-na, mas, por ser mais pesado, é mais difícil de ser dissipa-do. “É preciso entender que o bairro é o nosso grande la-boratório e que esse processo de implantações de inovações tecnológicas demanda tem-po. Não se deve esperar nada de uma hora para outra”, diz Granja. No entanto, todo esse planejamento tem, no míni-mo, oito anos.
hgougon@
gmail.com
cHarGes do GouGon
c r ô n i c a
25
Parece que o Zelão, que não é de Brasília, perdeu a sanidade
quando tentou ir de carro da 415 para a 309 Norte, passou 11
horas rodando em uma tesourinha e só foi salvo porque a ga-
solina do seu carro acabou. No dia seguinte o Tadeu quis saber
o que havia acontecido.
– Zelão, você seguiu minhas instruções? Eu disse: “Não vai
por dentro, que é bloqueado tanto nas 200 quanto nas 100. O
melhor é fazer a tesourinha e pegar o Eixinho W. Não entra de
jeito nenhum na agulhinha, senão você vai acabar parando na
Saída Sul. Depois, segue reto e vira quando vir a placa indica-
tiva. Aí sobe a comercial, roda à esquerda no balão e chega à
quadra”.
– Segui.
– E o que deu errado?
– Sei não. Fiz exatamente isso. Não fui por dentro e blo-
queei o carro em 100. Depois, agulhei o balão e rodei o eixo
indicado na placa. E aí tesourei à esquerda e enquadrei o cara
do sul.
– Como é que é?
– Não, lembrei. Você falou pra passar de 100 pra 200, e eu
Tesouras e agulhas
c o m o Z e l ã o P e r d e u a s a n i d a d e
D a n I E l C a r I E l l o @ G M a I l . C o M t h a l e s f e r n a n d o b @ g m a i l . c o m
T E X T O D a n i e l C a r i e l l O i l u s T r a ç ã O T H a l e S F e r n a n D O
passei. Aí disse pra pegar agulha e tesoura, e eu peguei. Então
virei na entrada à esquerda do comércio de balões pra buscar o
W, que estava parado na quadra.
– Parece que você se confundiu aí, Zelão.
– De jeito nenhum. Eu cheguei do sul, entrei pela saída e
parei pra indicar as 200 rodas, à esquerda da placa. Aí subi
reto e desci de balão...
– Zelão, por que você está babando?
– ... e foi então que eu fiz um comercial de tesoura, incitado
por um cara da esquerda que queria bloquear o eixo com qua-
dros de agulhas.
– Zelão, Zelão, olha pra mim.
– Não há saída! Tragam 100 comerciantes. Não há saída!
– Zelão!!!
***O Zelão passou uma temporada no hospital e então pôde
voltar à sua cidade. Depois do período de recuperação, voltou
a ficar bem. Seus amigos é que até hoje não entenderam de
onde veio essa fobia repentina a agulhas.
brasífra-me p O r N i c O l a s B E h r
1*orBitam entre
vários anéis v iários
saturados
de distantes
saturnos
engarrafamentos
de foguetes
a paciência
como comBustível
anos-luz de espera
a distância
é mesmo
um muro
intransponível
2*o poema apresenta
as credenciais
para te representar
no reino
das palavras
só não é torre de BaBel
porque a avenida
é longa
p a u b r a s i l i a @ p a u b r a s i l i a . c o m . b r
3*t inha pressa
em virar mito
virou
filho da revolução
geração pepsi
será?
27
pErsONagENs , lugarEs E Ep isód iOs marcaNTEs da h isTór ia da NOssa cap iTal . dEsvENdE EsTEs pOEmas-EN igmas .
5*entre a cruz
e o carimBo
– a nova espada –
a memória seca
e o turista futurista
colhe a flor
que ainda vai ser
inventada pelo sol
4*o rio nilo
deságua
no lago
paranoá
comum lá mais comum aqui
qual peixe
o faraó jotakamon foi pescar?
e se o pescou
como o preparou?
e se o preparou
como o ingeriu?
e se o ingeriu
como o expeliu?
e se o expeliu
poluiu o próprio lago
de onde o consumiu?
respostas:
1 Cidades-satélites *2 avenida das nações *3 renato russo4 Tilápia *5 Flores secas da Catedral
P e r F i l
K a t h i a P i n h e i r o
P e r F i l
Nin
a Q
uin
tan
a
A spalla da Orquestra Sinfônica do Teatro
Nacional conta como veio parar em Brasília e revela que o violino não era seu instrumento favorito.
T E X T O a n n a H a l l e y a n n a h a l l e y @ m e i a u m . c o m . b r
studar piano era obrigatório na casa
da pequena Kathia, no Rio de Ja-
neiro. O pai era cantor do Theatro
Municipal, mas quem exigia mesmo
dos três filhos era a mãe, enfermeira. Ela amava
música e decidiu fazer aulas com as crianças para
delas poder exigir. Era rigorosa. Quando já sabiam
tocar piano, conquistaram o direito de escolher o
instrumento que queriam estudar. O irmão op-
tou pelo oboé, a irmã ficou com o violoncelo. Aos
11 anos, Kathia resolveu que aprenderia o instru-
mento pelo qual havia se encantado em uma série
de TV: a harpa.
A escolha inesperada da filha levou a enfer-
meira a procurar uma harpista do Theatro Muni-
cipal. Em uma conversa rápida, a mãe viu que se-
ria complicado não só pelo tamanho, mas porque
uma harpa custa muito, muito caro. Voltou para
casa com um violino. A princípio, a menina não
viu a menor graça. “Achei que era coisa de velho”,
EB
eto
Mon
teir
o
31
conta. No piano, diz ela, as notas
estão prontas. Mas quem já ou-
viu alguém começando a tentar
tirar som de um violino sabe que
o efeito é de aflição. E a menina
sonhava com a harpa, delicada
e feminina. Perguntava à mãe
quando poderia parar de estudar
o estridente violino: “Ela dizia
que só quando eu estivesse mui-
to boa no instrumento”.
Quando esse dia chegou,
Kathia já fazia parte de uma or-
questra jovem no Rio. Vira que
não havia apenas violinistas ve-
lhos por aí. Tinha 14 anos quan-
do a mãe se foi. “Ela sabia que
morreria cedo, queria nos deixar
encaminhados na vida.” De fato
o instrumento escolhido pela
mãe deu rumo à vida de Kathia.
O que ninguém imaginava era
que a levaria tão longe. Antes a
queridinha do professor, perdeu
parte da atenção para um jovem
aprendiz do violino. A implicân-
cia virou romance. E o violino já
não era tão chato assim.
Dois anos viraram 33Como tanta gente que se es-
tabeleceu em Brasília, o jovem
casal não pensava em ficar. Os
dois estudavam na Escola de
Música da Lapa, subordinada à
Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Souberam do Curso de
Verão de Brasília, na verdade
um festival criado pelo primeiro
diretor da Escola de Música, ma-
estro Levino de Alcântara. Como
não conseguiram informações a
distância, vieram. “Cheguei em
7 de janeiro de 1980.” E aí foram
atrás de bolsa para estudar aqui.
Quando terminaram o curso,
foram convidados pelo maes-
tro Levino para lecionar. “Meu
professor no Rio, José Alves, me
disse para ficar dois anos no má-
ximo, porque Brasília era fraca
na área de música”, diz.
Antes de voltar definitiva-
mente ao Planalto Central, Ka-
thia resolveu levar os violinos
ao luthier Luciano Rolla para
limpá-los e colocar novos cava-
letes. “Eu disse que ia morar em
Brasília e coincidentemente ele
tinha um amigo piloto que tinha
de levar um ministro ao Pará e
depois viria para Brasília. Che-
gamos à cidade de bimotor, em
grande estilo”, conta.
Era março quando vieram de
vez. “Dois anos viraram 33, fui
ficando e tive meus cinco filhos
aqui.” Naquele início de década,
o maestro Claudio Santoro for-
malizava a Orquestra Sinfônica
do Teatro Nacional, e Kathia e o
então marido foram chamados
para integrá-la. “Sempre tive a
vontade de fazer parte de uma
orquestra, meu sonho nunca foi
ser solista, sou muito carente”,
brinca. Kathia deu aulas na Es-
cola de Música de Brasília até
meados dos anos 90, quando os
compromissos com a orques-
tra tornaram difícil conciliar as
duas atividades.
A menina que odiava o vio-
lino tornou-se uma mulher
apaixonada pelo instrumento.
Não consegue nem viajar sem
ele. “Faz parte do meu corpo.”
Entusiasma-se ao falar sobre as
peças. Conta que certa vez na-
morou uma por um longo tempo
e acabou a levando para casa. Ex-
plica que, para músicos profis-
Bet
o M
onte
iro
32
sionais como ela, que tem 42 anos de prática, um bom instrumento
faz toda a diferença para responder a tanta técnica e precisão.
Em 2000, Kathia Pinheiro tornou-se spalla da Orquestra Sin-
fônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, posição que deixou de
ocupar apenas de 2007 a 2010. Na prática, é a segunda na hierarquia
do conjunto de músicos, cujo maestro é Claudio Cohen, violinista
como ela. Fica à esquerda dele e é o último músico a entrar no palco.
O spalla é responsável pela afinação do grupo e sempre tem um solo
nos concertos.
Quando pergunto como é fazer parte de uma orquestra, a resposta
vem fácil. A carioca explica que é mesmo como uma grande família.
Os integrantes passam muito tempo juntos, há grandes amizades e,
claro, desavenças. “Veja o filme Ensaio de orquestra, de Fellini, é aqui-
lo ali”, resume, citando a comédia de 1978.
Os músicos da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio
Santoro são servidores públicos (no fim do ano passado o governo
abriu concurso para preencher 20 vagas). Ensaiam juntos todos os
dias da semana, na sala Villa-Lobos do Teatro Nacional. “O mágico
da orquestra é que, apesar das diferenças, quando fazemos música é
uma coisa só. Parece que você está no céu”, define a spalla.
Dedicação diáriaUma das palavras que Kathia mais usa ao falar do ofício é estudo.
“O músico é como um atleta de alta performance. Violino se estuda to-
dos os dias”, afirma. Mesmo com mais de 40 anos de experiência?
“Claro, ainda mais quando é uma peça nova”, diz, acrescentando que
a última que teve de aprender lhe exigiu 35 horas de estudo.
Ela conta que são muitos livros, muitos cursos, muitas referên-
cias. Pergunto se há algum músico que a inspire. Imediatamente cita
o tecladista e maestro grego Yanni, “porque ele cria música”. O grego
se apresentou pela segunda vez no Brasil no ano passado e esteve em
Brasília, mas justo em um dia que a admiradora tinha concerto.
Nossa primeira conversa foi no começo de abril, no dia seguinte
à apresentação da Orquestra Sinfônica Simón Bolívar, da Venezue-
la, no mesmo palco em que Kathia se apresenta toda terça-feira. Ela
ainda estava sob efeito do que presenciou, admirada com o que viu.
“Foi uma aula.”
Kathia tem muito orgulho de falar da profissão. “Tudo o que con-
segui na vida foi com a música. Dá para viver de música”, diz ela. Na-
Nin
a Q
uin
tan
a
33
turalmente as portas se abrem
a quem faz parte da Orquestra
Sinfônica do Teatro Nacional
Claudio Santoro. E a violinista
também investiu no próprio ne-
gócio. É sócia da Toccata Produ-
ções e Locações, criada em 2001.
“Meu pai me ensinou que o que
se faz benfeito sempre dá certo.
Não falta trabalho, sempre apa-
rece muita coisa”, diz.
Ela deve se aposentar da or-
questra no fim do ano. E o que
não lhe faltam são planos. Um
deles é estudar culinária, que ela
adora. Também tem interesse
em psicologia e quer se dedicar
a projetos sociais mais de per-
to, além de cuidar da produto-
ra. “Tenho muito tempo pela
frente, só quero morrer aos 126
anos. Então há muito que fazer”,
planeja, lembrando que Roberto
Marinho passava dos 60 quando
criou a TV Globo.
E a harpa? Era só paixão de menina?
Que nada. Ela continua encanta-
da pelo instrumento. Conta que,
em 2009, uma cliente lhe des-
crevia como seria o casamento
para que definissem o estilo
musical. Kathia disse que deve-
ria ter harpa de qualquer jeito,
que “ficaria lindo”. A cliente –
que acabou virando amiga – ob-
servou que os olhos da violinis-
ta brilhavam quando falava do
instrumento. Kathia lhe contou
que queria muito ter aprendido
a tocar harpa. “Aí ela me disse:
‘Você já conhece música, já sabe
ler partituras, devia aprender a
tocar então’.”
Aquilo ficou na cabeça da vio-
linista, que em seguida foi lan-
char em um shopping. Encon-
trou lá um amigo que há muito
morava no Rio e era justamente
professor de harpa. Ela falou da
conversa com a cliente, e ele dis-
se que ficaria por um tempo em
Brasília e poderiam começar as
aulas no dia seguinte, antes que
Kathia mudasse de ideia. O pro-
fessor depois ganhou uma bolsa
para estudar em Washington
(EUA) e disse que lhe venderia
a harpa. “Eu falei que era muito
caro, o preço de um flat, não da-
ria para comprar”, conta.
No dia da proposta, chegou
em casa e assistiu à entrevis-
ta de um violinista francês. O
programa se encerrou com a
imagem fechada em uma har-
pa. Aí não teve jeito. Pergun-
tou ao professor se ele dividi-
ria o pagamento em três anos.
Negócio fechado. A harpa fica
à esquerda de sua mesa de tra-
balho na produtora, no mes-
mo prédio em que sua nova
professora tem um compro-
misso semanal. “Não é incrí-
vel como as coisas dão certo
quando têm de ser?”
“O mágico da orquestra é que, apesar
das diferenças, quando fazemos música é uma
coisa só.”
Nin
a Q
uin
tan
a
Imagina na Copa
T E X T O K á T i a M a r S i C a n O i l u s T r a ç ã O l u C a S M u n i z
É evidente o mau atendimento nos restaurantes de Brasília.
Mas não há explicação ou pedido de desculpas
a r T i G o
k a t i a m a r s i c a n o @ g m a i l . c o m l u c a s m u n i Z . a r t s @ g m a i l . c o m
35
Dias desses na mesa da praça de alimentação do Boulevard Shopping, lá estava eu revivendo uma cena recorren-
te pelo menos em quatro dos cinco dias da semana em que almoço lá. Por ser mais perto do meu trabalho e sob
medida para os parcos 60 minutos que tenho para me alimentar, é a alternativa que me resta. Enfim, procuro
variar de restaurante, afinal ninguém merece o mesmo prato fast ser repetido como uma monótona ladainha
gastronômica.
Bem, mas deixemos de delongas e vamos ao lead. Mesmo sendo mais conhecida do que bolacha cream cracker pelos aten-
dentes, raramente consigo que o meu pedido venha igual ao prometido na foto do cardápio e, pior, mesmo sendo o mais
simplesinho. Dentro das limitadíssimas opções light, minha escolha é sempre uma saladinha básica com peixe grelhado.
Resumo da ópera: um dia o peixe vem cru, no outro faltam folhas, no outro o tomate seco está em falta, no seguinte, o
cozinheiro é novato, depois, a desculpa é a quantidade de pedidos e por aí vai... Quem me acompanha nesta saga diária já
aposta no problema da vez...
Mas, para não ficar só com os exemplos do Boulevard e para provar que isso também acontece com os outros, fomos
comemorar o aniversário de uma colega no Deck Norte. No restaurante (por sinal, vazio), fizemos nossos pedidos à la
carte e quem acabou chegando à mesa foi a decepção. Dez minutos depois, a mocinha avisou: “O brócolis está em falta para
o arroz”. Era o prato que meu amigo tinha pedido. Naquele dia, até a aniversariante saiu com gostinho de falafel torrado
(bolinho árabe de grão-de-bico) e uma berinjela tão amarga quanto a conta.
O engraçado é que isso tudo acontece sem qualquer explicação ou pedido de desculpas ao consumidor. E o que fica pa-
tente é o despreparo, não por culpa dos funcionários (talvez), mas de alguém acima deles que desconsidera o fato de que a
atividade transcende o lado comercial: envolve relações humanas. Pode significar um cliente que nunca mais volta.
E aí, não há como evitar o bordão que está na boca do povo: “Imagina na Copa!” No caso de Brasília, a capital do País e
uma das 12 cidades-sede dos jogos, além das melhorias que estão sendo feitas no Aeroporto JK, nas vias de acesso ao ter-
minal e no estádio Mané Garrincha – grandes focos do investimento –, é preciso dar um zoom nos detalhes que não custam
tantos bilhões. Por exemplo, o atendimento nos restaurantes. Afinal é para lá que vão correr os milhares de turistas brasi-
leiros e estrangeiros na hora da fome e, claro, nos momentos de comemoração.
Pesquisa da Fundação Getulio Vargas encomendada pelo Ministério do Turismo estima que 600 mil turistas virão ao
Brasil no ano que vem e Brasília é a cidade que receberá o terceiro maior número. Serão nada menos que 207 mil pessoas
não acostumadas com a rotina brasiliense. Pessoas que vão enveredar perdidas pelos imensos gramadões, que vão querer
pegar um táxi (inexistente) na rua, que vão esperar pelo transporte coletivo escasso e vão contar com a hospitalidade do
cidadão local, a exemplo de outras capitais ha-
bituadas a eventos de grande público.
Na Copa das Confederações da Fifa, que co-
meça em Brasília em 15 de junho, a cidade vai
ter uma prévia do que está por vir no ano que
vem, em proporções muito maiores, claro. E
que haja tempo para corrigir o que for preciso,
pelo menos, até o dia 23 de junho de 2014, no
jogo decisivo da Seleção Brasileira, quando vai
ter gente chegando aqui até a nado pelo Lago
Paranoá.
a atividade transcende o lado comercial: envolve relações humanas. pode significar um cliente que nunca mais volta.
c r ô n i c a
37
Há uma nostalgia em Brasília nada condizente com sua moderni-
dade, menos ainda com seus 53 anos, tão poucos perto dos mais de
quatro séculos atravessados por Salvador, São Paulo e Rio.
Mas, repare se a cidade em forma de avião (borboleta! corrigiria
Lucio Costa) não se assemelha a um jovem ainda imberbe que sus-
pira de saudades de um tempo que não viveu.
Tente encontrar um prédio da época da construção que ainda
mantenha seus pilotis no formato original. Encoste em um deles
numa tarde ensolarada e silenciosa de domingo. É nessa hora sono-
lenta que uma porta do passado se abre e por ela passam apressadas
as sombras dos candangos de braços fortes, erguendo a toque de
caixa a capital do País.
Gire de costas em torno da pilastra redonda, pressione levemen-
te o corpo no concreto viril. Gire, feito uma criança que tem a liber-
dade dos movimentos, proibida aos adultos. Nesse momento, pas-
sarão, barulhentos e em correria, meninos e meninas, um atrás do
outro ou de mãos dadas. São amizades para a vida inteira, namoros,
casamentos ou mesmo amores eternos que nasceram debaixo do
bloco, quando Brasília era livre feito suas primeiras crianças, sem
grades, sem cercas, sem câmeras.
Mesmo sem qualquer registro histórico, não é difícil imaginar que
exatamente onde fincaram o bloco em que moramos poderia haver,
cento e tantos anos atrás, a humilde choupana de um caboclo ou preto
velho que vivia solitário em meio ao nada do Cerrado quase virgem.
Na cidade que abriu mão dos pés para se mover sobre pneus, re-
pare bem se em cada eixo ou em cada avenida W ou L não há um vul-
to colorido de um simpático Fusquinha ou de um imponente Opala
levando toda a família para passear.
E nesta época em que estão pondo abaixo os antigos hotéis da
zona central, para que comece uma espécie de segundo tempo da
modernidade, há um interminável suspiro dos velhos colunistas
sociais pelos bailes e pelas boates de uma época em que a elite do
Planalto buscava o glamour dos seus semelhantes paulistas, cariocas
e mineiros.
Por fim, ainda aproveitando o silêncio, ouça na caixa de som do
tempo: é o Aborto Elétrico se apresentando no gramado de alguma
quadra da Asa Sul.
A nostalgia juvenil de Brasília é a mesma de um país inteligente
que existiu nas letras, na música, na arquitetura, e que deixamos es-
correr pelas mãos, que emburreceu com a anuência da nossa omis-
são. É a nostalgia do seu próprio projeto original de cidade, que hoje
parece nada mais do que uma ideia perdida no passado.
A nostalgia juvenil de
Brasília
d e b a i x o d o b l o c o
G I u s t I a n D r E @ h o t M a I l . C o M f o t o g r a f i a @ m e i a u m . c o m . b r
T E X T O a n D r é G i u S T i f O T O n i n a q u i n T a n a
o P i n i ã o
39
A névoa escura da fumaça que dizimou a vida repleta de sonhos
de 241 jovens que estavam na boate Kiss na madrugada de 27 de
janeiro ainda torna denso o clima em Santa Maria. A cidade, co-
nhecida como “universitária”, agora tem na sua história a marca
de uma das mais grandiosas tragédias que atingiram o País. Por
mais que os dias passem, Santa Maria parece ainda adormecida
em um sonho triste. Acordar para a dolorida realidade, em que
centenas de universitários não vão mais transpirar a alegria típica
da juventude, é uma tarefa que os moradores têm se empenhado
em cumprir.
A tragédia que atingiu a boate Kiss nada mais foi que o resulta-
do de um acúmulo de imprudências típicas do conhecido “jeiti-
nho brasileiro” de organizar tudo da forma mais simples e rápida
possível. A boate era uma das mais novas da cidade e pertencia a
um empresário tradicional do ramo, muito conhecido pelo meio
universitário. Mauro Hoffmann era dono não somente da Kiss
como também do Absinto Hall, a mais antiga boate destinada ao
público jovem em funcionamento em Santa Maria. As casas no-
turnas deram a Mauro o título de homem da noite da cidade. Era
a ele que os estudantes recorriam para organizar as festas que
resultavam na captação de recursos usados pelos universitários
para auxiliar nas festas de formatura, que costumam ter orça-
mento além do que os estudantes têm condições de arcar.
***Ao desembarcar em Santa Maria na tarde daquele domingo
nebuloso, mais do que cobrir a tragédia, revivi de perto o que
aqueles estudantes buscavam em uma festa universitária. Senti
que toda aquela tragédia poderia ter acontecido comigo também.
Entre meados de 1999 e 2003, período em que estudei jornalismo
na Universidade Federal de Santa Maria, muito conversei com
Mauro Hoffmann para organizar festas semelhantes à Agrome-
rados, que acontecia na Kiss no momento da tragédia. Como te-
soureira da minha turma, precisava auxiliar futuros diplomados
Muita gente vem e vai
n e v o e i r o n a c i d a d e u n i v e r s i T á r i a
l E M o s I a r a @ h o t M a I l . C o M b r o n Z e @ g r a n d e c i r c u l a r . c o m
T E X T O i a r a l e M O S i l u s T r a ç ã O F r a n C i S C O B r O n z e
40
como eu na captação de recursos para a formatura. A Agromera-
dos, assim como muitas das festas que fiz há anos sob a organiza-
ção de Mauro, tinha o objetivo principal de captar recursos.
Por esse motivo, as longas filas em frente à boate. Se festa boa
é festa cheia, a Kiss costumava lotar suas dependências e fazer
eventos em que os estudantes mal tinham espaço para dançar. A
regra da superlotação não era aplicada somente por Mauro Hof-
fmann. Qualquer empresário sabe que, quanto mais cheia sua
festa, mais badalada ela será. Mas, ao abrir mão dos limites de
capacidade interna, é preciso saber que os riscos são iminentes.
Na Kiss, a lotação permitida da boate, em torno de 600 pesso-
as, estaria estourada em pelo menos 300 indivíduos na noite da
tragédia. O número real de quantas pessoas estavam na boate
ainda é uma incógnita.
Não bastasse a superlotação, a parte interna da casa noturna
era um verdadeiro labirinto para aqueles que não a conheciam
com precisão. O próprio DJ Lucas Calduro Peranzoni, o Bolinha,
que tocava na Kiss na noite do incêndio, afirmou que só conse-
guiu sair da boate porque a conhecia. “Eu saí porque conhecia
a casa [...] Eu sabia que tinha uma porta, mesmo sem enxergar.
Para quem não conhecia ficava bem mais difícil sair. Ficou extre-
mamente escuro”, contou o DJ dias após o incêndio. Quem estava
lá pela primeira vez ou ficou na parte lateral da pista dificilmente
conseguiu escapar da tragédia.
Extintores de incêndio também eram uma lacuna a ser pre-
enchida na casa noturna. Embora fossem obrigatórios, eles
não estavam funcionando, segundo comprovou a polícia nas
investigações. E mesmo que estivessem, diante da tragédia, fi-
quei perguntando-me se teriam condições de apagar o incên-
dio que rapidamente tomou conta da espuma altamente infla-
mável que revestia a boate. A imprudência dos integrantes da
banda Gurizada Fandangueira ao lançar um sinalizador dentro
da casa noturna foi um triste fator aliado a outra irresponsabi-
lidade: o fato de a espuma de revestimento acústico nada mais
ser do que uma espuma usada para amenizar o desconforto de
pacientes que precisam ficar muito tempo deitados. Era mais
acessível financeiramente, mas não tinha de estar nas paredes
da Kiss, ocupando um espaço que não lhes pertencia e aumen-
tando os riscos de uma tragédia anunciada.
***A soma dessa série de irresponsabilidades resultou na morte
dos jovens que apenas queriam se divertir. Mas, afinal, quem pode
e deve ser responsabilizado pela tragédia que tirou a vida de tantos
jovens? O inquérito policial da Kiss, apresentado em 22 de março,
apontou 35 responsabilizações, sendo que 16 pessoas foram indi-
ciadas criminalmente pelo fato.
Entre os indiciados por homicídio doloso qualificado estão os
sócios-proprietários da casa noturna e os músicos do grupo Guri-
zada Fandangueira, que atearam fogo no sinalizador. Os bombeiros
que realizaram a vistoria na boate e permitiram o funcionamento do
local mesmo sem que estivessem cumpridas todas as regras de se-
gurança também foram responsabilizados. Além disso, secretários
da prefeitura de Santa Maria, que liberaram o funcionamento da
Kiss mesmo com o alvará de combate a incêndio vencido, vão res-
ponder na Justiça pelas mortes dos jovens. Se algum dia vão cumprir
penas pelas vidas que se foram, ainda é algo a se questionar.
Sem esquecer suas dores, aos poucos a cidade que viveu em mi-
nutos sua maior tragédia tenta se reerguer e voltar a sorrir. O clipe
de uma das músicas mais tradicionais da cidade, Santa Maria, gra-
vado em pleno Calçadão, ponto de encontro e de comércio, traz no
sorriso dos músicos e dos moradores a esperança em dias melhores.
Embora os habitantes tentem voltar à rotina que existia antes do in-
cêndio, a tragédia da boate Kiss ainda é assunto principal nas rodas
de chimarrão. Ao passar de mão em mão, a bebida, típica dos gaú-
chos, leva consigo as perguntas sem resposta e a indignação de uma
cidade inteira que só tem um sentimento além de orar pelos seus
mortos: a busca pela justiça, seja ela a quem tiver de ser cobrada.
Logo um novo semestre escolar terá início na cidade e, como
de costume, já registrado na letra da música mais tradicional de
Santa Maria, muita gente “vem e vai”. Vem para a cidade trazendo
sonhos e esperanças em dias melhores. Vai levando conhecimento
adquirido para outros locais, depois de uma passagem pela cidade
universitária. No entanto, uma realidade não mais deixará aqueles
que passarem por Santa Maria. A saudade dos que perderam a vida
na maior tragédia do País registrada nos últimos anos. Santa Maria,
por mais que passe o tempo, será sempre lembrada como a cidade
do incêndio da boate Kiss.
c a i x a - P r e T a
P o r M i g u e L o L i v e i r a carlosmigueldeol ive ira@gmail . com
IntElIGênCIa burraAlém disso, embora o formulário eletrônico
venha evoluindo e facilitando o trabalho dos con-
tribuintes, para muita gente é difícil preenchê-lo,
pela dispensável complexidade. Muita gente é
obrigada a pagar a alguém para fazer o imposto.
O serviço de atendimento da Receita é precário e
o cidadão é forçado a ler os jornais, todos os dias,
para tentar tirar suas dúvidas.
A “inteligência” que define quem vai para a
malha fina é burra. Sabe como pegar tentativas
de sonegação, claro, mas muitas vezes não di-
ferencia erros técnicos, irrelevantes, e comete
alguns absurdos que custam caro. Coitado de
quem cai na malha fina, pois terá muito tra-
balho, perderá tempo e tem boa probabilidade
de ser mal atendido em agências que fecham
15 minutos antes da hora marcada. Há casos de
informações diferentes dadas por atendentes
em uma mesma agência.
boM Para rICosUma senhora de 90 anos que mora em bairro
“nobre” e pagou mais de R$ 6 mil de imposto
de renda teve colocados em dúvida seus reci-
bos médicos, pois a “inteligência” não pensou
que é normal uma mulher com essa idade e
com boa renda frequentar médicos particula-
res e pagar muito pelo plano de saúde. Virou
suspeita e intimada a comparecer à Receita
para apresentar os recibos. Pior: por ordem da
“inteligência”, os recibos colocados em dúvida
só poderiam ser entregues por ela mesma (90
anos...) ou por procurador, o que a obrigaria a
ir a um cartório.
Imposto de renda, do jeito que é, é bom para
burocratas da Receita, contadores e tributa-
ristas. Os ricos o ignoram, a classe média e os
pobres penam – e pagam
a IGnorânCIa Do lEão O imposto de renda é uma das grandes enganações do absurdo, bu-
rocrático, irracional e elitista sistema tributário brasileiro. Esse im-
posto tem um conceito errado, pois salário não é renda. É justo que
quem recebe rendimentos de negócios e aplicações financeiras pague
imposto, mas é injusto que assalariados sejam taxados. Quem pode, e
quem pode é geralmente um profissional liberal, com curso superior e
mais dinheiro, trabalha como pessoa jurídica e paga menos impostos
do que quem tem a carteira assinada.
Outra distorção são as deduções para despesas com saúde e educação,
tão simpáticas para muitos (que ainda querem aumentá-las), mas que
beneficiam os mais ricos e incentivam a medicina e a educação pri-
vada. Quem tem dinheiro para pagar médicos e escolas particulares
paga menos imposto, proporcionalmente e às vezes até em números
absolutos, do que quem recebe salário, é atendido em hospitais públi-
cos e tem filhos em escolas do Estado. As deduções são recursos que o
governo deixa de arrecadar e que poderiam ser investidos na medicina
e na educação públicas.
42
MUDA, GENTE!
Mudas Frutíferas
Mudas Ornamentais
Mudas Florestais
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Adubos, Vasos, etc.
Polo Verde - Saída Norte
(61) [email protected]
QuER COMER uM CREPE NO SuDOESTE? Vá AO CAMON CREPERIA
Vale a pena conhecer o novo
estabelecimento gastronômico
do Sudoeste, que ocupa duas
lojas com letreiro ilegível na
302. Um investimento familiar:
o marido na administração e a
esposa como chef. Ana Beatriz é
autodidata e tanto foi elogiada
por seus crepes que resolveu
montar seu próprio negócio.
Melhorou desde a
inauguração, principalmente
o atendimento e a organização
da fila de espera – a casa é bem
pequena e anda lotada. Da
última vez, porém, o pedido
da minha mesa demorou e,
depois de muito tempo, quando
questionamos, informaram que
foi devido ao aquecimento da
máquina de crepe. Imperdoável!
O ambiente é meio
americanoide, despojado.
Se tem intenção de namorar,
pode esquecer. As mesas ficam
superpróximas. A iluminação
muda de intensidade. Perguntei
à hostess se era um mecanismo
automatizado e ela me disse
que o dono controla o dimmer.
Fantástico!
As combinações são
surpreendentes. De entrada
há um waffle com foie gras e
maple syrup bem interessante
com um vinhozinho. Como
prato principal, opções de
crepes tradicionais, mas os
especiais... hummmmmm. O de
camarão Thai é um espetáculo.
Temperado com curry, é de
comer gemendo. Experimentei
o de vitela com manteiga
de ervas e alho-poró, outro
espetáculo. Não gostei muito do
de espinafre, achei sem graça.
As crianças se deliciaram com o
waffle de pão de queijo.
De sobremesa, o crepe
simples de creme de avelã, o de
chocolate belga com morango e
sorvete, o de queijo coalho com
calda de goiaba, muito gostosos.
A carta de vinhos é legal. Há
cervejas importadas, mas
bem caras, e uma nacional, a
Heineken. Poderia haver opções
mais em conta.
O Sudoeste carece de
ambientes gostosos, e o Camon
veio para preencher um pouco
essa lacuna. Então, se tiver
vontade de comer um crepe
gostoso, vá ao Camon.
C L S W 3 0 2 , B l o c o A , L o j a s 8 e 9 | T e l e f o n e s : ( 6 1 ) 3 0 2 8 - 1 4 1 4 e 3 0 2 8 - 1 4 1 5F u n c i o n a d e s e g u n d a a s e g u n d a , d a s 1 6 h o r a s à m e i a - n o i t e
I l u s t r a ç ã o r ô m u l o g e r a l d i n o | r o m u l o g 2 0 0 0 @ y a h o o . c o m . b r
b a n q u e T e s b o T e c o s
P o r M a r C e L a B e N e t | m a r c e l a . b e n e t @ g m a i l . c o m
NOTA 1 2 3,5 4 5
43
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