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DREAMSTIME 38 Melh res Práticas >> GESTãO DA ASSISTêNCIA O orquestrador da internação CONCEITO QUE COMEçA A SER IMPLANTADO NO BRASIL, “HOSPITALISTA” é O MéDICO QUE COORDENA EQUIPES PRATICANDO MEDICINA BASEADA EM EVIDêNCIA E EM CUSTO-EFETIVIDADE, VISANDO SEGURANçA DO PACIENTE E OTIMIZAçãO DE CUSTOS Françoise Terzian Criação de Time de Resposta Rápida (como ilustra a cena) costuma ser primeiro passo rumo à medicina hospitalar

Revista Melhores Práticas - Medicina Hospitalar

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Reportagem da Revista Melhores Práticas em Saúde, edição nº 2.

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O orquestrador da internação

ConCeito que Começa a ser implantado no Brasil, “hospitalista” é o médiCo que Coordena equipes pratiCando medicina baseada em evidência e em Custo-efetividade, visando segurança do paCiente e otimização de Custos

Françoise terzian

criação de Time de Resposta Rápida (como ilustra a cena) costuma

ser primeiro passo rumo à medicina hospitalar

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Cardiologia? Radiologia? Psiquia-tria? Nenhuma dessas. A espe-cialidade médica que cresce a

maiores taxas nos Estados Unidos é a medicina hospitalar: em torno de 15% ao ano. Índice tão expressivo fez com que o número de médicos hospitalistas, nome do especialista da área, saltasse de menos de mil, em 1997, para mais de 20 mil, dez anos depois. Hoje, são mais de 30 mil. Mas a chegada da medicina hospitalar e do hospitalista ao mercado da saúde (mundo afora em ritmo menos galopante) promete representar muito mais do que uma nova especialidade apenas. Em vez disso, quer mudar a forma de pensar a medicina praticada nos hospitais.

Isso porque o hospitalista introduz uma nova e central função no dia a dia da enfermaria: de um médico que agrega, à sua expertise como clínico geral, conhe-cimentos de gestão e qualidade voltados a alinhar condutas de equipes multidis-ciplinares e de múltiplas especialidades, tendo em vista a medicina baseada em evidências e o custo-efetividade. Na prá-tica, é um orquestrador da internação, que pondera qual medicamento ou exames indicar para o paciente internado, obser-vando a interação das drogas ou procedi-mentos prescritos pelas diferentes equi-pes, checando sempre o custo-benefício dessas ações em termos financeiros, de resultados e de riscos ao paciente. Vale a pena administrar esse remédio com tal custo ou há outro mais vantajoso com os mesmos resultados?; vale submeter o pa-ciente a nova carga de radiação já que on-tem outra especialidade médica pediu um procedimento radiológico também com altas doses? – são perguntas que ele tem propriedade para responder.

Outro aspecto que diferencia a atuação desse profissional e impacta nos resulta-dos é o tempo de permanência desse mé-dico na instituição. Idealmente, o hospita-lista fica pelo menos de 6 a 8 horas diárias

e consecutivas no hospital (a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos). Nesse período, fica disponível para coordenar as ações dos pacientes internados, o que garante agilidade no processo decisório, sistematização do cuidado, cumprimento dos protocolos pensando na segurança, criação de canal de comunicação sólido com a família do doente, discussão de erros e medição de desempenho. Estar presente nas unidades de internação per-mite, especialmente, que o médico tome decisões em tempo real (que, sem o hospi-talista, são frequentemente deixadas para o dia seguinte). É a velocidade do ciclo “avaliação-exame-reavaliação” que garan-tiria tempo de internação mais breve.

“O atendimento pode virar uma torre de Babel caso não haja um líder assisten-cial capacitado para orquestrar as inte-rações da equipe multidisciplinar e das especialidades médicas, como também todos os processos relativos ao fluxo da internação”, explica o cardiologista An-tonio Laurinavicius, referência quando o assunto são os hospitalistas por ser secre-tário-geral da Sobramh (Sociedade Brasi-leira de Medicina Hospitalar), diretor mé-dico do Instituto de Medicina Hospitalar e coordenador da equipe de hospitalistas do Hospital Bandeirantes.

AdesãoSegundo a experiência norte-ameri-

cana, compilada em pesquisas, a atua-ção do hospitalista pode reduzir o tem-po médio de permanência do paciente no pronto socorro em mais de uma hora. O número ganha peso se for observado o impacto disso no orçamento. Segun-do dados coletados por uma operadora de saúde brasileira com rede própria de 1.200 leitos, a redução de 0,1 dia (cerca de duas horas e meia) no tempo médio de permanência hospitalar gera economia de R$ 11 milhões em um ano. E, nessa mesma operadora, a equipe de hospita-

Hospitalista coordena equipes

multidisciplinares e de especialistas, somando

expertise de clínico geral e saberes de gestão

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Hospitalistas fariam tempo médio de internação ser otimizado. Pesquisa

mostra que uma redução de 2,5 horas gera economia de R$ 11 milhões/ano

listas de uma das instituições conseguiu baixar a média de permanência em 0,9 dia. Calcule a economia.

A implantação de uma equipe de hos-pitalistas também traria melhor gestão da equipe médica. Nos casos de instituições com corpo clínico aberto (que não inte-gram quadro fixo do hospital e que in-ternam pacientes apenas para cirurgias), o hospitalista ajudaria a elevar a taxa de adesão a protocolos e ofereceria apoio às equipes externas, não familiarizadas com os procedimentos institucionais.

Vantagens como essas poderiam esti-mular a adesão em massa das instituições ao sistema. Mas o processo não é simples assim. O corpo clínico pode resistir à me-dicina hospitalar por achar que pode per-der o paciente para o hospitalista, com o qual o doente teria mais contato. “O hos-pitalista não supre todas as necessidades de atendimento contempladas pelo espe-cialista. Além disso, há o compromisso ético em devolver o paciente ao seu médi-co após a alta hospitalar”, explica Carlos Aurelio Schiavon, presidente da Socieda-de Brasileira de Medicina Hospitalar.

O Hospital Mãe de Deus, no Rio Grande do Sul, começou o processo de implantação da medicina hospitalar em 2005, motivado pela necessidade de obter mais leitos na UTI, otimizando o tempo de permanência na unidade. O processo evoluiu e hoje já são nove hos-pitalistas que, já há cinco meses, fazem atendimento nas 24 horas diárias. No início, no entanto, a instituição também sentiu essa resistência do corpo clínico. “Nos primeiros três meses, sentimos que os médicos temiam que os pacientes pas-sassem a preferir os hospitalistas. O que

ajudou a minimizar isso foi o firme apoio da direção do hospital, que apostava no hospitalista para a melhoria da qualida-de assistencial”, explica Josué Almeida Victorino, chefe do serviço de medicina hospitalar. Ao longo dos anos, o hospital conseguiu reduzir o tempo médio de in-ternação em 12 horas.

O termo hospitalista foi mencionado pela primeira vez na literatura médica internacional em 1996, quando o médi-co Robert Wachter publicou um artigo na revista The New England Journal of Me-dicine, no qual antecipava que o modelo assistencial, em vigor desde meados dos anos 1970, apresentaria um crescimento exponencial nos anos seguintes.

Por lá, o hospitalismo já avançou fron-teiras: já são encontrados hospitalistas pediátricos e até neurologistas. Assim, gestores antenados no desenvolvimento estratégico cada vez mais devem ouvir o termo “managed care”, referindo-se à gestão da internação hospitalar.

Fase de transiçãoEm São Paulo, onze hospitais ado-

taram o modelo de assistência com hospitalistas – ou, pelo menos, a no-menclatura. É o que explica Schiavon, da Sobramh: “Nem todos efetivamente aderiram ao modelo completo de medi-cina hospitalar”, analisa. Isso acontece porque, enquanto a figura do hospita-lista gradualmente ganha notoriedade no Brasil, diferentes interpretações do termo foram se estabelecendo nas ins-tituições de saúde. Algumas chamam de hospitalistas aquilo que, na prática, seria uma equipe fixa para atendimento de emergências ou mesmo uma equipe meramente administrativa de gestão do paciente. Para os especialistas, chegou a hora de fechar esse conceito conjun-tamente, para que a discussão avance para as melhores práticas de medicina hospitalar a adotar, e as estratégias para chegar lá.

schiavon, da sobramh, diz que hospitalistas não concorrem com especialistas: ”há compromisso de devolver o paciente”

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Uma oportunidade para essa discussão será em 12 de agosto, quando acontecerá, em São Paulo, o II Simpósio de Medicina Hospitalar, reunindo médicos e gestores com diferentes experiências na área. Outra iniciativa para alinhar conceitos vem da Sociedade Brasileira de Medicina Hospita-lar, que vem desenvolvendo um guia cha-mado Diretrizes Brasileiras de Medicina Hospitalar para orientar os hospitais quan-to à melhor forma de implantar o modelo.

É natural, no entanto, que a implanta-ção da medicina hospitalar seja gradual. No Hospital Bandeirantes, por exemplo, um dos primeiros a adotar o sistema no Brasil, o trabalho começou com a im-plantação de um Time de Resposta Rá-pida (TRR), para otimizar a velocidade de atendimento de intercorrências na unidade de internação e melhorar os in-dicadores de segurança do paciente. Aos poucos, esses médicos foram incorporan-do competências de gestão, assumindo o compromisso de coordenar protocolos e autonomia para a tomada de decisões. Passados três meses após o início do ge-renciamento do protocolo de sepse pela equipe de hospitalistas, o Bandeirantes registrou queda de 50% dos índices de mortalidade dos pacientes.

Nesse caminho rumo à medicina hos-pitalar, à semelhança da experiência do Bandeirantes, outros hospitais começam atribuindo competências estratégicas, como o gerenciamento de protocolos de segurança do paciente e o gerenciamen-to de leitos, a equipes médicas de apoio – que nesses hospitais são chamados de hospitalistas. Essas equipes, no entanto, não têm a responsabilidade integral pela assistência do paciente, mas atuam em sinergia com os médicos assistentes, res-ponsáveis pelos pacientes. A polêmica está em saber se esse modelo já pode ser considerado um novo e legítimo modelo de medicina hospitalar.

Na opinião de Antonio Laurinavicius, esse sistema deveria ser considerado

apenas um modelo de transição para o hospitalismo em si – e não um formato alternativo de prática de medicina hospi-talar. Já aqueles que são designados para funções meramente burocráticas, conhe-cidos como médicos da prancheta, não deveriam ser chamados de hospitalistas, ele defende: “É legítimo ter um modelo de transição e já chamar esses profissio-nais de hospitalistas, desde que exista um compromisso institucional para gra-dualmente progredir para o modelo ge-nuíno de medicina hospitalar e que esses profissionais não se atenham apenas às funções de prancheta”.

O equívoco estaria em estacionar o processo de implementação, consideran-do, por exemplo, que a atuação de médi-cos plantonistas dos TRRs já equivale à medicina hospitalar. Diz o conceito que, embora hospitalistas possam assumir o papel de TRR, suas funções devem ir além dessa atividade.

A especialização formal em medicina hospitalar ainda é oferecida apenas fora do Brasil. Nos Estados Unidos, 82% dos hospitalistas são clínicos com especiali-zação em Medicina Interna e pelo menos um ano em Medicina Hospitalar.

O número de hospitalistas da equipe pode ser calculado com base na literatu-ra: cada um deve cuidar diretamente de 12 a 15 pacientes/dia. O cálculo, porém, depende da complexidade do perfil epi-demiológico da instituição.

Enquanto formatos e conceitos ama-durecem, a medicina hospitalar promete trazer muita reflexão sobre as formas de aplicar o cuidado médico com mais segu-rança e foco no paciente.

Para especialistas, algumas instituições chamam de hospitalistas profissionais da equipe de emergência, o que seria considerado um “modelo de transição”

Para Laurinavicius, é legítimo chamar

de hospitalistas equipes no modelo

de transição “desde que haja compromisso

de evoluir para medicina hospitalar”