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Celebrações do Dia do Transplante; organização de cursos, fóruns abertos de discussão e do Congresso Português e Luso- -Brasileiro de Transplantação; lançamento de uma campanha de sensibilização e forte presença nos meios de comunicação para fazer chegar as mensagens ao maior número de pessoas possível, entre muitas outras atividades. Reveja os momen- tos mais marcantes da vida da Sociedade Portuguesa de Transplantação (SPT) nos últimos seis anos Pág.12-14 Revista oficial da Sociedade Portuguesa de Transplantação | Distribuição gratuita N.º 5 | Ano 3 | Outubro de 2015 | Semestral 2010 - 2016 Atividade da SPT em revista

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Celebrações do Dia do Transplante; organização de cursos, fóruns abertos de discussão e do Congresso Português e Luso--Brasileiro de Transplantação; lançamento de uma campanha de sensibilização e forte presença nos meios de comunicação para fazer chegar as mensagens ao maior número de pessoas possível, entre muitas outras atividades. Reveja os momen-tos mais marcantes da vida da Sociedade Portuguesa de Transplantação (SPT) nos últimos seis anos Pág.12-14

Revista oficial da Sociedade Portuguesa de Transplantação | Distribuição gratuita

N.º 5 | Ano 3 | Outubro de 2015 | Semestral

2010 - 2016Atividade da SPT em revista

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Os espaços que ocupamos na vida não são mais do que pontos de passagem. Cabe-nos a obrigação ou o gosto de desfrutar cada momento da viagem e partilhar a nossa hu-

manidade ao longo do caminho. Assim encarámos os últimos anos de trabalho nos órgãos sociais da Socie-dade Portuguesa de Transplantação (SPT).

Não vejo a SPT dividida em especialidades e gru-pos profissionais, mas sim como um projeto de uni-dade e muito mais democrata do que feudal, numa realidade comum de transplantadores. Foi sempre objetivo da atual Direção envolver todos aqueles que, ao longo destes anos, se mostraram interessados e motivados para participar nas muitas e diversas ações. Cumprimos muitos dos objetivos a que nos propusemos e sentimos o reconhecimento por isso de forma plural e não setorizada, como aprovação de um projeto bem definido de formação e de promo-ção científica e pública da transplantação. Acredito que próximos projetos poderão fazer muito mais e melhor, devendo ter um equilíbrio entre juventude, irreverência e maturidade.

Numa época particularmente difícil para Portugal, para o Serviço Nacional de Saúde e para a trans-plantação, tentámos sempre continuar a promover a partilha de ideias, conhecimentos e experiências nas diversas áreas humanas e do conhecimento do mun-do da transplantação. Através da organização de fó-runs temáticos, simpósios e congressos científicos, lançámos a discussão em quase todos os aspetos fulcrais: coordenação, doação, colheita e transplan-tação dos diferentes órgãos.

A colaboração com outras sociedades científicas nacionais e internacionais esteve sempre presente na nossa agenda. Os congressos e cursos interna-

APONTAMeNTOS4 Nova legislação confere maior proteção aos dadores de órgãos 5 Primeiro transplante renal triplo realizado em Portugal VOZ ATIVA6 Entrevista com o Dr. Ricardo Matos, presidente da Assem-bleia-Geral da Sociedade Por-tuguesa de Cuidados Intensivos e intensivista no Hospital de São JoséIN VIVO8 Reportagem na Unidade de Transplantação Renal do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental/Hospital de Santa CruzTransFORMAR12 Balanço das atividades da SPT nos últimos dois mandatos (2010 a 2015)15 Highlights do XIV Congresso Luso-Brasileiro de Transplan-tes, que decorre entre 24 e 27 de outubro, em Gramado, estado de Rio Grande do Sul, no Brasil16 Resumo do que aconteceu no Dia Europeu para a Doação de Órgãos e Transplantação (10 de outubro), que este ano teve Lisboa como cidade anfitriã 18 7.º Dia do Transplante (20 de julho de 2015) focou importância da atividade física na «nova vida» após este procedimento eM ANáLISe20 Estado da arte da trans-plantação cardíaca em PortugalReTRATO22 Alfredo Mota, o urologista que na alma tem as letras e no coração o transplante

SumáriOPonto de passagem

cionais que organizámos diretamente e outros em que colaborámos foram um sucesso assinalável. A presença junto da sociedade civil, de forma inter-ventiva e construtiva, foi constante e a colaboração com as autoridades de saúde pautou-se por uma participação construtiva e eficiente.

No Congresso Luso-Brasileiro de Transplantação deste ano (24 a 27 de outubro, em Gramado, Brasil), voltamos a ter uma presença forte e plural de por-tugueses e, já nos dias 20 e 21 de novembro, volta-remos a reunir em Fórum Aberto, na Batalha, para discutir as políticas futuras na área da transplan-tação em Portugal. Este novo número da revista TransMissão transmite a força que nos une e a von-tade que sempre tivemos de trabalhar em prol do desenvolvimento da transplantação.

Fernando MacárioPresidente da Sociedade Portuguesa de Transplantação

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DIReÇÃOPresidente: Fernando Macário (Coimbra)Vice-presidente: Susana Sampaio (Porto)Tesoureira: Cristina Jorge (Lisboa)Vogais: André Weigert (Lisboa), Jorge Silva (Porto), Pedro Nunes (Coimbra) e Rui Perdigoto (Lisboa)

ÓRGãOS SOCiAiS DA SOCiEDADE PORTuGuESA DE TRANSPLANTAçãO (2013-2016)

ASSeMBLeIA-GeRAL Presidente: La Salete Martins (Porto)Vogais: Rui Filipe (Castelo Branco) e Manuela Almeida (Porto)CONSeLhO FISCAL Presidente: Alice Santana (Lisboa)Vogais: Nuno Silva (Coimbra) e Lídia Santos (Coimbra)

Sociedade Portuguesa de TransplantaçãoAv. de Berna, 30, 3.ºF 1050 - 042 LisboaTel.: (+351) 217 819 565Fax: (+351) 217 819 783e-mail: [email protected]: www.spt.ptSecretariado: [email protected]

esfera das Ideias, Lda. Campo Grande, n.º 56, 8.º B1700 - 093 Lisboa Tel.: (+351) 219 172 815 Fax: (+351) 218 155 107 [email protected] www.esferadasideias.pt EsferaDasideiasLdaDireção: Madalena Barbosa ([email protected]) Marketing e Publicidade: Ricardo Pereira ([email protected])Coordenação: Ana Rita Lúcio ([email protected])Redação: Ana Rita Lúcio, Luís Garcia e Marisa TeixeiraFotografia: Rui Jorge Design e paginação: Susana ValeColaborações: Ana Sofia Ribeiro

PROPRIEDADE:

APOIOS:

EDIçãO:

esta publicação está escrita segundo as regras do novo Acordo Ortográfico FiChA TéCNiCA

Depósito Legal: 365266/13

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Seis atletas do Grupo Desportivo de Transplantados de Portugal (GDTP) participaram nos XX Jogos Mundiais para Transplantados, que tive-ram lugar em Mar del Prata, Argentina, entre 23 e 30 de agosto pas-

sado, e com boas classificações. Miguel Monteiro, transplantado cardíaco, conquistou a medalha de ouro em ténis; e Filipe Pinto, transplantado renal, levou para casa duas medalhas de prata pela sua prestação em natação, nomeadamente nos 200 metros livres e nos 100 metros costas.

«A principal vitória de todos os atletas que participaram nestes Jogos Mundiais foi exatamente essa – poderem participar, terem uma segunda oportunidade na vida para fazer tudo o que os outros fazem, incluindo des-porto», afirma José Alberto Silva, transplantado renal, que alcançou o 6.º lugar em duas provas de ciclismo (contrarrelógio e a fundo).

O objetivo do GTDP é promover o exercício físico entre transplantados e candidatos a transplante, organizar competições e criar equipas que repre-sentem o grupo no âmbito nacional e internacional. «Atualmente, temos cerca de 20 atletas, na sua maioria transplantados renais, mas também cardíacos e hepáticos. Contamos ainda com algumas pessoas que fazem diálise, enquanto aguardam por novo transplante», revela Maria Cardoso, responsável técnica e sócia-fundadora do GDTP.

A angariação de apoios é um dos grandes desafios e, segundo Maria Cardoso, «muitas vezes, só podem participar atletas que tenham con-dições económicas para suportar as despesas». Este ano, porém, o GDTP contou com a ajuda do instituto Português do Desporto e da Juven-tude, ao abrigo do Programa Nacional Desporto para Todos, que financiou o valor das inscrições e todas as despesas relativas aos seis atletas.

Os atletas José Alberto Silva, Jorge Carreto, Luís Guedes, Miguel Monteiro, José Costa e Filipe Pinto (da esq. para a dta.) representaram Portugal nos XX Jogos Mundiais para Transplantados

SEGURO PARA DADORES VIVOS FINALMENTE REGULAMENTADO

CONGRESSO ESOT 2015

PORTUGUESES DESTACARAM-SE NOS XX JOGOS MUNDIAIS PARA TRANSPLANTADOS

Após mais de 20 anos de indefinição legal, o seguro obrigatório do dador vivo de órgãos para transplantação está finalmente regulamentado. De acordo com a Dr.ª Ana Pires Silva, jurista no instituto Português do Sangue e da Transplantação, o Decreto-lei n.º 168/2015, de 21 de agosto, garante até ao dador vivo «determinados benefícios que, por natureza, o seguro

não poderia cobrir».De acordo com este diploma, os dadores vivos e/ou seus familiares têm direito a receber uma compensação até 200 mil euros

em caso de morte ou invalidez permanente (total ou parcial) decorrente do processo de dádiva e colheita. Estes benefícios são assegurados a partir do momento em que se efetuam exames invasivos e prolongam-se durante cinco anos após a realização da colheita. Outro dos direitos conferidos pela nova legislação é um subsídio diário de 25 euros, com o limite máximo de 1 500 euros, em caso de internamento decorrente de complicações relacionadas com o processo de dádiva e colheita.

Cabe aos hospitais assegurar a compensação conferida por este Decreto-lei, em caso de dano, mas esta responsabilidade deve ser transferida para uma seguradora, mediante a celebração de um seguro de vida a favor do dador. Caso não seja possível transferir parte ou a totalidade da responsabilidade para uma seguradora, os hospitais devem garantir as prestações não cobertas pelo seguro. «Ou seja, a lei diz que tudo aquilo que o seguro não possa cobrir é coberto pelo hospital nos mesmos termos», resume Ana Pires Silva.

Com o novo Decreto-lei, o pagamento da compensação não está condicionado ao apuramento dos danos, uma vez que se trata de um seguro de vida, cujo montante da compensação já está determinado por lei, o que torna esta compensação quase imediata. «Podemos, e devemos, ter orgulho nesta legislação, pois muito poucos países conseguiram, até agora, ir tão longe na proteção do dador vivo», conclui Ana Pires Silva.

Bruxelas recebeu profissionais da transplantação provenientes de todo o mundo no 17.º Congresso da European Society for Organ Transplantation (ESOT), que decorreu entre 13 e 16 de setembro. «A transplantação através de barreiras de

anticorpos», «O aquecimento global na transplantação» ou «Vida depois da transplan-tação: bênção ou maldição?» foram alguns dos temas em foco ao longo desta reunião científica.

A SPT marcou presença com um stand e a distribuição de panfletos informativos. «Os materiais visaram divulgar a SPT e mostrar as atividades que desenvolvemos ao longo do ano. A nossa presença serviu também para estabelecer e reforçar contactos com outras sociedades», explica o presidente da SPT, Dr. Fernando Macário. A presença portuguesa também passou pela apresentação de trabalhos. Foi o caso da Dr.ª Tânia Santos, nefrologista no Centro hospitalar e universitário de Coimbra, e da Dr.ª La Salete Martins, nefrologista no Centro hospitalar do Porto/hospital de Santo António. De frisar que, segundo a ESOT, registou-se, este ano, um número recorde de trabalhos submetidos para apresentação.

DR

DR

4 | OuTuBRO 2015

PONTAMeNTOS

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O European Board of Transplant Medicine (EBTM) tem 16 novos fellows desde o passado dia 12 de setembro. Esta foi a data do quarto exame desta secção da union Européenne

des Médecins Spécialistes (uEMS), realizado em colaboração com a European Sociey of Organ Transplantation (ESOT), em Bruxelas. Este ano, participaram 17 médicos de países europeus como itália, Suíça e hungria, mas também de paragens mais distantes, como o Egito ou o iraque, sendo que nove foram aprovados como fellows.

O Dr. Fernando Macário, presidente da SPT e um dos examinadores do EBTM, lamenta que, até ao momento, não tenha havido candida-tos nacionais a esta prova, que se realiza desde 2011. «Creio que os portugueses ainda não sentiram essa necessidade, porque o mercado interno tem absorvido os médicos que se vão formando, mas este título é a única certificação europeia na área médica da transplantação e constitui um fator de aceitação e uniformização em toda a Europa, o que assume grande utilidade no quadro de acentuada mobilidade de médicos que existe hoje.» Por isso, Fernando Macário convida os colegas nacionais a fazerem este exame, frisando que, desde a primeira prova, se nota uma evolução do nível de conhecimento dos candidatos.

DEBATER POLíTICAS DE SAúDE EM TRANSPLANTAçãO

NOVE FELLOwS CERTIFICADOS PELO EBTM EM 2015DR Grupo de fellows e examinadores

do European Board of Transplant Medicine (EBTM) 2015

PRIMEIRO TRANSPLANTE RENAL TRIPLO REALIzADO EM PORTUGAL

No dia 10 de setembro passado, realizou-se o primeiro trans-plante renal triplo do nosso País,

permitindo transplantar três doentes que, caso contrário, continuariam em diálise.

«Quando alguém pretende doar um rim a um familiar ou amigo e se revela uma incompatibilidade, este par pode inscre-ver-se no Programa Nacional de Doação Renal Cruzada», explica o Dr. Leonídio

Dias, nefrologista na unidade de Trans-plantação Renal do Centro hospitalar do Porto/hospital de Santo António.

No seio dos 17 pares incompatíveis inscritos até à data, verificou-se a pos-sibilidade de criar três novos pares com-patíveis, procedendo-se então a esta troca de rins entre as cidades do Porto e Lisboa (ver esquema explicativo), cujo transporte foi assegurado por militares da Guarda Nacional Republicana, devido à segurança e à celeridade necessárias.

O Dr. Domingos Machado, coordena-dor unidade de Transplantação Renal do Centro hospitalar de Lisboa Ocidental/ /hospital de Santa Cruz, que também participou neste transplante renal tri-plo, não querendo adiantar pormenores sobre o caso em concreto, por questões de confidencialidade, manifesta que a sua equipa está «muito empenhada no desenvolvimento do Programa Nacional de Doação Renal Cruzada, que se encon-tra a crescer em termos de números de pares».

Casal A Casal B

Casal C

BragançaTRANSPLANTe 1

TRANSPLANTe 3 TRANSPLANTe 2

Ponte de Lima

Lisboa

Lisboa - hospital de Santa Cruz

Porto - hospital de Santo António

Da dadora A para o recetor B

Do dador C para o recetor A

Da dadora B para a recetora C

As intervenções cirúrgicas decorre-ram entre as 8 e as 17h30 do dia 10 de setembro

Dadora Dadora

recetora

recetor recetor

Dador

h h

h

M M

M

Nos próximos dias 20 e 21 de novembro, a SPT vai organizar um Fórum Aberto para discutir as políticas de saúde futuras na área da transplantação em Portugal, que terá lugar na Batalha. Segundo o presidente desta sociedade científica, Dr. Fernando Macário, «à semelhança de fóruns anteriores, fomentar discussões abertas entre os profissionais da área da

transplantação considerados de referência no panorama nacional é o principal objetivo». Que estratégias devem ser seguidas para aumentar a colheita de órgãos? é necessário rever o número de unidades de transplanta-

ção de órgãos sólidos existentes? O que é importante na doação em vida? Devem ser aceites os dados altruístas no programa de doação real cruzada? O que há de novo que seja realmente importante em imunossupressão? Estes são, de acordo com Fernando Macário, «alguns dos pontos relevantes a debater no âmbito da política de saúde em transplantação para os próximos anos».

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O Dr. Ricardo Matos, presidente da Assembleia-Geral da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos (SPCI) e intensi-vista no Centro Hospitalar de Lisboa Central/Hospital de São José, considera que a multidisciplinaridade é fundamental para o sucesso da transplantação. em entrevista, fala sobre o contributo da Medicina Intensiva nesta área e os desafios na identificação de potenciais dadores.

Marisa Teixeira

Que papel assume a Medicina Intensiva no contexto da transplantação?Acho que desempenha vários papéis. Os intensivistas lidam com doentes que precisam, muitas vezes, de ser transplantados. A transplantação não é uma especialidade, não é um serviço hospita-lar, nem um departamento, mas sim uma área transversal a várias especialidades e áreas da Medicina. Portanto, de um modo geral, o conhecimento sobre o assunto e a promoção da doação de órgãos é uma função de qualquer médico, nomeadamente daqueles que trabalham nos hospitais e, em particular, com doentes críticos.

Por outro lado, a Medicina intensiva é também muito importante na «manutenção do dador», pois as funções dos diferentes órgãos têm de ser asseguradas para que tenham qualidade quando forem transplantados no recetor. Ressalvo que a legislação portuguesa diz que esta etapa deve ser realizada em unidades de Cuidados intensi-vos (uCi). Além disso, a Medicina intensiva é também determinante nas fases pré e pós-operatória, justificando-se, muitas vezes, um período de monitorização e tratamento na uCi.

Quais os desafios na identificação de potenciais dadores?Temos de ser proativos, no sentido de aumentar a identificação de potenciais dadores e, consequentemente, elevar o pool de órgãos colhidos e, necessariamente, de doentes transplantados. A capaci-dade de identificar os doentes que podem vir a concretizar a doa-

ção relaciona-se com a circunstância de sofrerem de uma patologia progressiva, que evolui para morte cerebral, sendo que, tradicio-nalmente, esses doentes são os politraumatizados, com trauma-tismo cranioencefálico grave.

Entretanto, com a diminuição dos acidentes de trânsito tem decorrido uma redução significativa do dador jovem traumatizado e, em simultâ-neo, um aumento progressivo dos dadores mais idosos, que padecem de doenças cerebrovasculares. Ou seja, o perfil de dador alterou-se significativamente nos últimos anos, o que coloca alguns problemas no que diz respeito à qualidade dos órgãos para transplante.

O paradigma mudou com a possibilidade de colher órgãos em dadores de coração parado?Já fazíamos colheitas em doentes que faleciam por paragem car-diocirculatória, no que se refere a tecidos. Neste momento, em Portugal, está a ser desenvolvido um programa para colheita de órgãos, como os rins ou pulmões, em dador de paragem cardiocir-culatória, que espero que possa ser implementado a curto prazo. Porém, à semelhança do que se passa em outros países que já o fazem há alguns anos, como Espanha, os ganhos em termos de doação deverão rondar os 10%, o que não deixa de ser um acrés-cimo importante. Se pensarmos, por exemplo, nos mais de dois mil doentes em lista de espera para transplante de rim, esse aumento seria fantástico.

«NOS HOSPITAIS, TODOS OS PROFISSIONAIS DE SAúDE DEVEM SABER IDENTIFICAR POTENCIAIS DADORES»

6 | OuTuBRO 2015

OZ ATIVA

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Preservar o órgão que vai ser transplantado sem prejudi-car os restantes é também um grande desafio?Não podemos deixar que um órgão entre em deterioração para conseguir ganhos na qualidade de outros, até porque os órgãos têm interações entre eles. Na minha perspetiva, quando se está a fazer a manutenção do dador cadáver, este deve ser encarado como se de um vivo se tratasse, portanto, a boa manutenção é aquela que se preocupa com todos os órgãos. Mas, logicamente, a necessidade de rins por ano não tem comparação, por exemplo, com a de pulmões. Neste caso, é possível fazer alguma seleção, isto é, escolher os melhores pulmões, e sermos mais criterio-sos para garantir que transplantamos estes órgãos com a melhor qualidade possível, ainda que o pulmão seja o órgão mais proble-mático de manter para os intensivistas, pois é bastante complexo na sua manutenção.

O que deve ser feito para alcançar melhores resultados na transplantação em Portugal?Em primeiro lugar, é muito importante envolver a sociedade civil e a Sociedade Portuguesa de Transplantação é das entidades que mais tem feito nesse sentido. Mas temos de ir ainda mais longe, porque a Medicina não é propriedade dos profissionais de saúde, mas sim de todas as pessoas. Além disso, parece-me que também temos de promover mais esta atividade junto das diferentes popu-lações escolares. Atualmente, os alunos do curso de Medicina da Nova Medical School, por exemplo, numa fase pré-graduada, já têm aulas em unidades de transplantação, o que considero um passo fundamental. E, como já referi, a sensibilização também é muito importante internamente, ou seja, nos hospitais, todos os profissio-nais de saúde devem ter o conhecimento suficiente para identificar potenciais dadores. São também necessários recursos financeiros, para investir na formação, por exemplo. Em Portugal, existem pou-cos intensivistas, estamos na cauda da Europa neste âmbito.

O facto de haver poucos intensivistas é uma preocupação da SPCI?Ao longo dos anos, temos feito um grande esforço para que a Medi-cina intensiva seja reconhecida como especialidade. Tem todas as condições para evoluir nesse sentido, nomeadamente em termos de conhecimentos e de quantidade de estudos publicados. Sendo pragmáticos, a passagem a especialidade reduziria uma forma-ção de cerca de oito anos para cinco. Atualmente, o médico tem de seguir uma especialidade e só depois fazer formação em Medicina intensiva, o que acaba por ser desmotivante para alguns colegas.

A média de idades dos intensivistas portugueses é de 51 anos. Além disso, tendo em conta que a partir dos 50 anos se pode pedir para deixar de fazer urgências, captar mais pessoas para a Medicina intensiva é obrigatório! Saliento que a transplanta-

ção já não é, como no seu início, da responsabilidade de grupos restritos de médicos nos hospitais; transformou-se numa área transversal e multidisciplinar, portanto, todos os profissionais de saúde, nomeadamente os que trabalham em ambiente hospi-talar, são chamados a intervir.

Considera que o trabalho conjunto entre os profissionais das várias especialidades é escorreito no âmbito da trans-plantação?A multidisciplinaridade é fundamental, portanto, tem de continuar a haver um esforço na divulgação de informação. Ainda existem alguns profissionais hospitalares que acreditam que os transplan-tes não lhes dizem respeito, porque não trabalham diretamente nessa área. é uma mentalidade que tem de mudar. Nos últimos anos, têm-se notado mudanças, mas ainda não é suficiente. Os profissionais que integram as equipas de transplantação também têm de perceber que não se podem fechar na sua atividade, pois assumem um papel importante nessa sensibilização. Quando a transplantação passar a ser encarada como outra atividade hos-pitalar qualquer, com certeza que tudo vai correr ainda melhor.

ÁREA EXiGENTE, MAS ENRiQuECEDORA

Além da importância que a multidisciplinaridade assume na transplantação, outro dos aspetos que Ricardo Matos destaca é o leque de conhecimentos necessários para se alcançar o sucesso. «este é um campo da Medicina que abrange desde a investigação em ciências básicas, em ter-mos de imunologia, para compreender a resposta do siste-ma imunitário na rejeição de órgãos; ao desenvolvimento de imunossupressores, até ao ato cirúrgico propriamente dito e ao acompanhamento do doente transplantado.» Por isso mesmo, este intensivista caracteriza a transplantação como «uma área extremamente exigente, mas enriquece-dora».

Ainda existem profissionais hospitalares que acreditam que os transplantes não lhes dizem respeito, porque não trabalham diretamente nessa área. É uma mentalidade que tem de mudarDr. Ricardo Matos

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herdando o nome cirurgião de excecional diferenciação técnica e de invulgares capacidades clínicas, a Unidade de Trans-plantação Renal António Pina do Centro hospitalar de Lisboa Ocidental/hospital de Santa Cruz (hSC) tem procurado manter-se na «linha da frente» da transplantação renal em Portugal. hoje, com 30 anos de existência, mais de 1 300 transplantes realizados e uma relação privilegiada com outras valências hospitalares, entre as quais se destaca a Cardio-logia, o que faz «correr» esta equipa multidisciplinar são as mesmas metas – corresponder às necessidades dos doentes a seu cargo, lutar por cuidados de excelência e permanecer fiel ao desígnio perpetuado no decreto-fundador do hSC: «Tratar casos de maior gravidade nos domínios cardiológico e nefrológico».Ana Rita Lúcio

eQUIPA (da esq. para a dta.): Na fila da frente: Filomena Leal (secretária), Enf.ª Maria João Marques, Dr.ª Rita Birne (nefrologista), Enf.ª Ana Casqueiro (enfermeira-responsável), Enf.ª Casimira Carvalho (enfermeira-chefe do Serviço de Nefrologia) e Dr. Domingos Machado (coordenador da Unidade de Transplantação Renal). Na fila de trás: Dr. Humberto Messias (diretor do Departamento de Cirurgia), Dr.ª Patrícia Matias e Dr.ª Margarida Bruges (nefrologistas), Dora Ramos (secretária), Enf.ª Mafalda Quaresma, Enf.ª Elisabete Oliveira, Prof.ª Teresa Adragão, Prof. André weigert e Dr.ª Cristina Jorge (nefrologistas), Enf.ª Regina Oliveira, Enf.ª Maria Barros Duarte, Cidália Galaio (secretária) e Dr. Paulo Simões (cirurgião).

No dia da nossa visita à unidade de Transplantação Renal António Pina, do Centro hospitalar de Lisboa Ocidental/hospital de Santa Cruz (ChLO/hSC), encon-trámos o seu coordenador, Dr. Domingos Machado, na antecâmara da sala de espera da Consulta Externa,

no piso -1. Este responsável começou por nos explicar o nome da unidade: «é uma homenagem ao Dr. António Pina, cirurgião portu-guês de elite, grande dinamizador do programa de transplantação renal do hSC até ao seu falecimento precoce, em 2008.» A vénia saudosa àquele que, afirma, «foi e continua a ser uma referência», volta a ressaltar quando, cruzadas as portas do seu gabinete, recua até 1994, ano em que a então unidade de Transplantação Renal do hSC estreou o primeiro programa consolidado de transplante renal de dador vivo no nosso País, pelas mãos de António Pina, depois das intervenções pioneiras ocorridas em Coimbra e em Lisboa nas décadas de 1960 e 1970.

À imagem do seu «patrono», a história da própria unidade coloca-a também entre as pioneiras da transplantação em Por-tugal. Criada em 1985, logo nesse ano, foi o primeiro organismo público do Sul do País a realizar um transplante renal, assim como, mais tarde, um transplante renal pediátrico. «Antes disso, só o tinha feito o hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, em Lisboa, que é uma instituição privada», diz Domingos Machado.

Virado já o século XX, tempo para voltar à vanguarda: em 2008, o ChLO/hSC protagonizou o primeiro transplante renal de dador vivo não aparentado, na sequência do enquadramento legal que, a partir de 2007, «libertou a doação da relação de consanguinidade obrigatória». Fazendo jus ao que passou, mas investindo no que está para vir, esta equipa participou ainda, em 2015, no primeiro transplante renal cruzado triplo em Portugal, ao lado da unidade de Transplantação Renal do Centro hospitalar do Porto/hospital de Santo António (ver notícia na página 5).

PRIORIDADe à exCeLêNCIA eM TRANSPLANTAÇÃO ReNAL

8 | OuTuBRO 2015

VIVO

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ACEITAR O RISCO, EM NOME DOS DOENTES

Para compreender o presente e perspetivar o futuro da unidade de Transplantação Renal António Pina é forçoso, no entanto, conhecer um pouco do passado da «casa» que a acolhe. As instalações enve-lhecidas do hSC, que nasceu em 1980 e hoje pertence ao ChLO, abrigaram antes uma clínica privada, que foi desativada após o 25 de Abril. Este hospital teve na sua génese o propósito de «col-matar as carências que se faziam sentir, à época, em termos de procedimentos cardiológicos e nefrológicos diferenciados», lembra Domingos Machado.

Daí que, até hoje, como completa o Prof. André Weigert, nefro-logista nesta unidade, perdure a «tradição de ótimas relações e excelente apoio entre nefrologistas e cardiologistas». Esses laços simbióticos, que facilitam o trabalho em diferentes campos de atuação das duas especialidades, são particularmente profícuos na transplantação renal. «A Cardiologia desempenha um papel de enorme relevo na avaliação, quer de dadores quer de recetores, e no acompanhamento dos doentes com problemas cardiovascula-res», salienta Domingos Machado.

No coração do edifício, circulando em passada larga pelas artérias que o guiam até à unidade de Cirurgia Ambulatória, o Dr. humberto Messias, diretor do Departamento de Cirurgia do ChLO, acrescenta que, «sendo eminentemente multidisciplinar, a transplantação é uma atividade que convoca a colaboração de várias outras especia-

FAzER DO LONGE PERTO NO PÓS-TRANSPLANTE

Procurando estabelecer com os cerca de 1 300 indivíduos aqui transplantados uma relação próxima, a Unidade de Transplantação Renal António Pina faz do longe perto na prestação de cuidados aos doentes no pós-transplante, muito para lá das fronteiras físicas do hospital de Santa Cruz. esse objetivo reflete-se, nomeadamente, no apoio concedido aos serviços de Nefrologia do hospital Cen-tral do Funchal/hospital Dr. Nélio Mendonça, na Madeira, e do hospital de Santo espírito da Ilha Terceira, nos Açores, nos quais são acompanhados doentes transplantados nesta Unidade e residentes em ambas as regiões autónomas.

«Temos uma excelente colaboração, só quando os doentes têm problemas mais difíceis de resolver, ou quando os especialistas desses hospitais o solicitam, é que os doentes são transferidos para cá», explicita Domingos Machado. à medida que os profissionais desses centros apoiados vão acumulando experiência e competências, «essa vinda torna-se mais rara». Isto, claro, sem jamais «que-brar a ligação umbilical com a unidade de base». «Sentimo-nos parte de uma equipa alargada efetivamente virada para o doente.» Segundo o coordenador da Unidade de Transplantação Renal António Pina, esta experiência, «semelhante ao trabalho levado a cabo por outras instituições nacionais», demonstra que o processo de descentralização defendido por diferentes especialistas na área da transplantação em Portugal «é viável».

lidades e subespecialidades». No leque de «colaboradores essen-ciais para o sucesso da transplantação renal», incluem-se ainda «gastroenterologistas, pneumologistas, especialistas em Medicina Nuclear, psicólogos, psiquiatras, anatomopatologistas, especia-listas em Medicina Laboratorial, assistentes sociais e nutricionis-tas». Sem esquecer, claro, os cirurgiões, nefrologistas, urologistas, intensivistas, anestesistas, imagiologistas, imunoterapeutas e infe-ciologistas que participam no conjunto de cuidados prestados na unidade de Transplantação Renal António Pina.

Nesta lista de ordem mais ou menos arbitrária, a infeciologia não é citada em último lugar por acaso. Afinal, esta unidade pri-mou, desde o início, pela aceitação «de candidatos a transplante de maior risco, muitas vezes recusados por outras unidades», nota André Weigert. Assim aconteceu, por exemplo, «com doentes infe-tados pelo vírus da imunodeficiência humana [Vih]», enfatiza este nefrologista, que está a levar a cabo um estudo de revisão da casu-ística nacional neste âmbito. Na década de 1980, o hSC foi também precursor na «transplantação de doentes portadores do vírus da hepatite B», recorda a Dr.ª Cristina Jorge, nefrologista.

Situada no piso 3 do Hospital de Santa Cruz, a Unidade de Cuidados Intermédios de Trans-plantação Renal acolhe os doentes imediatamente antes de serem transplantados, como também no período pós-operatório

10 cirurgiões gerais com experiência em transplantação renal

7 nefrologistas 2 enfermeiras fixas no Serviço de Ambulatório

e 2 em sistema rotativo 1 309 transplantes realizados até 31 de julho de

2015, dos quais 69 em doentes de idade pediátrica 63 transplantes renais por ano, em média,

nos últimos 6 anos 377 transplantes efetuados nos últimos 6 anos,

dos quais 313 de dador cadáver (254 de médio/ /baixo risco e 59 de muito alto risco) e 64 de dador vivo (45 de dador aparentado e 19 de dador não aparentado)

20 transplantes renais preemptive nos últimos 6 anos

637 consultas de pré-transplante realizadas entre 1 de janeiro e 31 de julho de 2015

3 279 consultas de pós-transplante no mesmo período

NúMeROS

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ENFERMAGEM PIONEIRALideradas por Ana Casqueiro, as enfermeiras da Unidade de Transplantação Renal António Pina assumiram um papel igualmente precursor a nível nacional, ao terem instituído a primeira Consulta hospitalar de enfermagem em Trans-plantação, logo aquando da entrada em funcionamento desta Unidade, em 1985. hoje em dia, este é um «cenário comum à maioria dos hospitais», revela a enfermeira-responsável, sublinhando que a equipa de enfermagem do atual ChLO/ /hSC teve um «contributo importante» para a disseminação desta prática. «Ao longo dos anos, vários colegas de outras instituições acompanharam o nosso dia a dia e fizeram forma-ção connosco, para, a posteriori, implementarem consultas próprias nas suas unidades de origem.»

No terreno, o trabalho abrange duas valências. Tudo começa nas consultas pré-transplante, nas quais se faz «a apreciação preliminar dos recetores e a sua preparação para a realidade que vão encontrar depois da transplantação», indica Ana Casqueiro. esclarecer os doentes, nesta fase, «é crucial», visto que chegam, frequentemente, «pouco infor-mados sobre o que os espera». «É por isso que, em paralelo, temos desenvolvido ações de sensibilização e preparação dos enfermeiros dos centros de diálise, dotando-os das ferramen-tas necessárias para que possam elucidar melhor os doentes sobre a transplantação», refere a enfermeira. à semelhança do que acontece no plano médico, o núcleo de enfermagem da Unidade de Transplantação Renal António Pina responsabili-za-se ainda pela consulta de avaliação do dador vivo.

Por outro lado, há que ter em conta as consultas de pós- -transplante, nas quais se assegura o follow-up do doente já transplantado, «não só no período pós-operatório, mas a longo prazo», precisa Ana Casqueiro. Procurando garantir «uma boa adesão ao regime terapêutico», que concorra para a «maior longevidade possível do enxerto», as quatro enfermeiras desta Unidade (duas em regime fixo e duas em sistema rotativo) lamentam por já não poderem proporcionar este acompa-nhamento a todos os doentes. «A falta de recursos humanos obriga-nos a fazer uma triagem, pelo que privilegiamos os transplantados recentes, os menos autónomos e as consultas não programadas», conclui a enfermeira-responsável.

VONTADE DE CRESCER, MANTENDO A QUALIDADE

Prova de que a atividade científica está de boa saúde na unidade de Transplantação Renal António Pina, a Prof.ª Teresa Adragão dá- -nos ainda conta da investigação desenvolvida no âmbito da doença óssea metabólica relacionada com a insuficiência renal crónica, que fez com que o ChLO/hSC e o Centro hospitalar de São João, no Porto, unissem esforços. De acordo com a nefrologista, este «estudo inovador» envolve a realização de biópsias ósseas em doentes transplantados nos quais foram identificados fatores de risco para doença óssea. «Até ao momento, 35 doentes já foram alvo de biópsia, um número muito assinalável.»

A par do interesse pela investigação, a «intensa atividade assis-tencial» desta unidade também não parece estar em vias de abran-dar, o que levanta «entraves» de cálculo fácil. «Se o número de doentes acompanhados cresce e o número de profissionais afetos à transplantação estagna, é natural que o nosso trabalho esteja difi-cultado», reconhece Domingos Machado.

Para os sete nefrologistas que têm na transplantação renal a sua atividade principal, «embora não exclusiva» dentro do Serviço de Nefrologia, assegurando as consultas de pré e pós-transplante, entre as quais se destaca «uma consulta específica para o segui-mento dos dadores», parar não faz parte dos planos. «Quase todos fazemos serviço de urgência ou de prevenção e orgulhamo-nos de proporcionar um acesso facilitado ao hospital, 24 sobre 24 horas, aos doentes que aqui foram transplantados, qualquer que seja o problema de saúde que os afete. E a maioria dos nefrologistas disponibiliza-se para ver, pro bono, os doentes transplantados em sábados, domingos e feriados, o que demonstra a sua dedicação», frisa o coordenador.

Apesar dos desafios enfrentados, estes especialistas, assim como os restantes elementos desta equipa multidisciplinar, lembram que, «nos últimos 30 anos, a transplantação foi sempre uma atividade prioritária nesta instituição». «Sempre que um rim é doado à uni-dade, o hospital mobiliza-se no teu todo, por vezes adiando outras cirurgias, para que ele seja implantado.» A próxima «meta» já está no horizonte: aumentar o número de transplantações renais. «Regis-támos uma média de 63 transplantes nos últimos cinco anos e julga-mos que podemos atingir a centena, sem prescindir do imperativo de qualidade que sempre ambicionamos», traça Domingos Machado.

O Dr. Fernando Abreu, especialista em Medicina Nuclear, analisa os resultados de um renograma, exame que avalia a função renal

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VIVO

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RANSFORMAR

No início de 2016, será um novo elenco diretivo a tomar as rédeas da Sociedade Portuguesa de Transplantação (SPT). É tempo, pois, para apresentar um balanço das principais atividades da Direção presidida pelo Dr. Fernando Macário nos seus dois mandatos (2010-2013 e 2013-2016).

Ana Rita Lúcio

BALANÇO DOS úLTIMOS SeIS ANOS De TRABALhO DA SPT

Celebrar a nova vida após o transplanteinstituído em 2009, ainda pela anterior Direção da SPT, encabeçada pelo Dr. António Morais Sarmento, o Dia do Transplante é uma ocasião por excelência para a celebração da «nova vida» dos doentes transplan-tados. E não é por acaso que o calendário o faz recair, ano após ano, invariavelmente, a 20 de julho. Afinal, foi neste mesmo dia do ano de 1969 que uma equipa dos, à época, hospitais da universidade de Coim-bra, liderada pelo Prof. Alexandre Linhares Furtado, realizou o primeiro transplante de um órgão vital no nosso País (um rim de dador vivo).

Decorrendo, alternadamente, nas cidades de Coimbra, Porto e Lisboa, e culminando com o ato simbólico da plantação da árvore da vida, as comemorações do Dia do Transplante têm-se revelado um momento de reflexão e convívio para os doentes transplantados, seus familiares e amigos, e os profissionais de saúde afetos a esta área. Em 2010, aler-tando para a necessidade de dar a conhecer à generalidade da popula-ção as mais-valias da transplantação, a SPT lançou uma petição pública, solicitando o reconhecimento oficial desta data como Dia Nacional do Transplante. De há dois anos a esta parte, as 6.ª e 7.ª edições do Dia do Transplante tiveram como mote dois temas específicos: «A longevidade do transplante» (em 2014) e «O doente transplantado e o desporto» (em 2015).

Encarando o apoio à formação de internos e jovens especialistas em transplantação como prioritário, nos últimos anos, a SPT viu o Curso de Transplantação Renal afirmar-se como uma referência indubitável na formação pós-graduada para os profissionais desta área. Com um formato que se propõe a revisitar, de forma intensiva, os principais aspetos médicos e cirúrgicos implicados na realização de transplantes renais, esta tem sido uma aposta ganha.

Assim o demonstra a crescente adesão que obrigou, inclusivamente, a organização a alargar o número de inscrições: estreando--se em 2007, ainda durante a Direção liderada pelo Dr. António Morais Sarmento, o i Curso de Transplantação Renal, assim como o ii, em 2011, depois da reativação por parte da atual Direção, estiveram limitados a 40 participantes. A 3.ª edição, em 2013, contou já com a presença de 49 formandos. Finalmente, o IV Curso de Transplantação Renal, levado a cabo em junho deste ano, estabeleceu um recorde, ao atingir a fasquia dos 58 participantes. Esta última edição, que decorreu no Porto, entre 18 e 20 de junho passado, marcou ainda a abertura desta iniciativa formativa à comunidade internacional, com a participação de um leque de preletores estrangeiros de renome mundial e o alto patrocínio científico da European Society for Organ Transplantation (ESOT).

Formação: uma aposta de futuro

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Campanha «Doar um rim faz bem ao coração» Lançada a 20 de julho de 2012, a campanha de sensibilização «Doar um rim faz bem ao coração!» visa consciencializar e esclarecer a população para a importância da doação em vida. Esta campanha tem como propó-sito abranger um público o mais alargado e diversificado possível, sendo difundida a nível nacional através de televisão, rádio, imprensa, panfletos informativos, site institu-cional (www.doaremvida.com) e página oficial no Facebook (www.facebook/doaremvida).

A 13 de março de 2013, o Museu da Ele-tricidade, em Lisboa, acolheu uma sessão solene, que contou a presença de várias individualidades da sociedade civil, médica e política e marcou a entrada numa nova fase da campanha «Doar um rim faz bem ao coração». Entre os presentes, encontrava-se o ator Diogo infante, que apadrinhou e deu a cara por esta iniciativa. intitulada «Passado e Presente da Transplantação em Portugal», foi inaugurada, neste mesmo dia, uma expo-sição de fotografias com o registo de momen-tos marcantes do quotidiano das unidades de transplantação de todo o País.

É impossívelnão ter um papelnesta causa

Todos os dias há portugueses a perder qualidade de vida porque estão à espera de um rim.Ao doá-lo em vida a quem necessita está a decidir por si dar qualidade a essas vidas…e isso faz bem ao coração.

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02/10/13 10:08

SPT nos media: fazer-se ouvir junto do grande públicoCom o intuito de chegar mais perto da sociedade civil, por forma a cons-ciencializar, informar e esclarecer o público em geral sobre as temáticas da transplantação e da doação de órgãos, desde 2013 que a SPT tem apostado na divulgação de mensagens através dos meios de comunicação social, con-tando, para o efeito, com os serviços de uma agência de assessoria mediática.

Ao cabo de três anos de implementação de uma estratégia de presença mediática consolidada, o balanço revela-se amplamente positivo. Em 2013, foram divulgadas 62 notícias em matéria de transplantação e doação de órgãos, através da imprensa, da internet, da televisão e da rádio. No ano seguinte, contudo, esse número mais do que duplicou: em 2014, os leitores, internautas, telespectadores e ouvintes tiveram acesso a 132 notícias. Em 2015, os resultados esperam-se igualmente satisfatórios: até ao final do mês de setembro, foram difundidas 92 notícias através das diferentes pla-taformas de comunicação. Ao longo deste período, os assuntos que geraram maior impacto foram as iniciativas comemorativas do Dia do Transplante de 2013 e 2015 e o Fórum Aberto de Transplantação de 2014.

Tiragem: 44377 País: Portugal

Period.: Diária Âmbito: Informação Geral

Pág: 8

Cores: Cor Área: 26,79 x 30,32 cm²

Corte: 1 de 2

ID: 48839776

20-07-2013Colheita de órgãos em dadores com coração parado avança este ano

Governo prepara novas regras para contrariar a quebra dos últimos anos na transplantação. Propõe-se

uma nova lei e um diploma que vai permitir a colheita de órgãos em caso de paragem cardíaca irreversível

ADRIANO MIRANDA

Os transplantes em Portugal estão em queda desde 2009

O Governo quer avançar até fi nal do ano com várias medidas que visam contrariar a diminuição de transplantações de órgãos em Por-tugal sentida, sobretudo, nos dois últimos anos. Depois do pico de 31 dadores por milhão de habitantes e 928 transplantes realizados em 2009, os números têm vindo a descer e, em 2012, chegaram aos 23,9 dadores por milhão de habitantes e 681 transplan-tes. “A prioridade é conseguir mais e melhor organização nesta área”, resume Fernando Macário, presi-dente da Sociedade Portuguesa de Transplantação (SPT). Na sequência das recomendações

feitas num relatório elaborado por um grupo de trabalho criado para estudar as causas da diminuição das colheitas e transplantação de órgãos, o secretário de Estado adjunto do mi-nistro da Saúde, Fernando Leal da Costa, emitiu um despacho onde dis-tribui responsabilidades a várias en-tidades neste processo de revisão das regras, estabelecendo um calendário para a entrega das propostas. No fi nal deste mês termina o prazo

dado ao Instituto Português do San-gue e da Transplantação (IPST) e à Direcção-Geral da Saúde para apre-sentar uma “revisão de toda a legis-lação actual e preparação de uma Lei Nacional de Transplantação”. Os prazos são para cumprir. “Aguardo, até ao fi m do mês, o

envio do cenário sobre legislação dispersa que possa ser enquadrada numa única lei mais abrangente, e que inclua matérias ainda por regu-lamentar, como o caso do dador em paragem cardíaca”, confi rmou Leal da Costa, em resposta enviada por e-mail ao PÚBLICO. Sobre o processo que irá permitir

a colheita de órgãos em caso de para-gem cardíaca irreversível — que está pronto há pelo menos três anos e es-teve à espera dos critérios defi nidos pela Ordem dos Médicos, que fi nal-mente os apresentou em Abril des-te ano —, o governante avança que, “considerando o andamento normal do processo legislativo”, espera ter o diploma publicado “em fi nais de Setembro ou inícios do quarto tri-mestre”.

Segundo Fernando Macário, no

caso de Espanha estas colheitas representam já 10% do total. Entre outras medidas, o ministério espera também receber até 31 de Outubro da Administração Central do Sistema de Saúde uma “proposta de revisão dos processos de pagamento e dis-tribuição de incentivos” com vista a um “sistema mais justo e equitativo da valorização do esforço das insti-tuições e profi ssionais”. O princípio a aplicar será o de ter regras (e verbas) iguais para todos, de acordo com cri-térios pré-defi nidos, ao contrário do que se passa actualmente. “O mais essencial é que deixe de

ser um processo ‘variável’, com ca-rácter quase discricionário, e passe a ser um processo aplicável com princípios de equidade para todos e valorizando correctamente o papel de cada um na cadeia da transplan-tação, da colheita à implantação do órgão”, esclarece Leal da Costa.

Este mês termina também o prazo dado às administrações hospitalares para a entrega de “um plano detalha-do e calendarizado de implementa-ção” de medidas como a avaliação do desempenho, penalizações e incenti-vos a contratualizar com as unidades de colheita e transplante, a defi nição de normas para maximizar a identifi -cação de potenciais dadores e ainda as soluções para garantir as remune-rações suplementares previstas aos profi ssionais que se dedicam a esta actividade de transplantação.

Comparando o período homólogo de 2012 e 2013, os dados da colheita e transplantação publicados no site do IPST mostram que entre os meses de Janeiro e Maio houve o mesmo número de dadores em morte cere-bral (109) e que a média de idades dos dadores subiu de 51,2 para 55,2 anos. “O facto de os dadores serem mais velhos pode resultar numa di-minuição da qualidade dos órgãos colhidos”, nota Fernando Macário.

De facto, os dados mostram que o número de órgãos com qualidade

Saúde Andrea Cunha Freitas

para transplantação diminuiu em 6% no mesmo período. Sobre as causas de morte dos dadores, o IPST revela que “são principalmente médicas” — 81% são casos de Acidentes Vascu-lares Cerebrais, por exemplo —, “em detrimento das causas traumáticas com morte cerebral por traumatismo crânio-encefálico”. “Este dado deve-rá ser uma realidade que se manterá no futuro, dado que as campanhas de segurança rodoviária e no traba-lho têm resultado em menos aciden-tes com esta gravidade”, sublinha o documento.

Baixa taxa de dadores vivosA Comissão Europeia publicou esta semana um relatório que fornece e compara dados sobre a actividade da transplantação em vários países, entre os quais Portugal. O retrato re-porta a 2011 e mostra que nessa al-tura havia no país uma lista de 1973 doentes à espera de transplante renal (em 2010 eram 1935) e o registo de 86 doentes que morreram à espera de um transplante (rim, fígado, co-ração ou pâncreas), mais dois que em 2010.

Constata-se também que Portugal tem uma das mais altas taxas de da-dores cadáveres mas também uma das mais baixas de dadores vivos. No que se refere ao reduzido número de dadores vivos, o IPST nota que “a transplantação renal com dador vivo aumentou”, tendo sido realizados 21 transplantes nos primeiros cinco me-ses de 2013 comparativamente aos 15 de 2012.

Num comunicado da SPT a pre-texto do Dia do Transplante, que se assinala hoje, Fernando Macário lem-bra que, “apesar de a taxa de dado-res cadáveres e de transplantação em Portugal ser ainda superior à média europeia, a falta de dadores e a dimi-nuição das colheitas de órgãos são as principais difi culdades que a trans-plantação enfrenta” no país. Há ainda muito a fazer nesta área, alerta. “É necessário corrigir assimetrias

entre diferentes regiões do país na colheita de órgãos, é preciso iniciar o programa de colheita em paragem circulatória e é fundamental estimu-lar mais o transplante renal de dador vivo”, defende o especialista. Hoje, a SPT está na Tapada da Ajuda, em Lisboa, a partir das 11h, para lembrar que doar um órgão é “um acto de transferência de vida”.

681 Transplantes feitos no último ano em Portugal. Este número representa uma quebra face ao pico de 2009, quando se fizeram 928 transplantes

Tiragem: 69744

País: Portugal

Period.: Diária

Âmbito: Informação Geral

Pág: 3

Cores: Cor

Área: 16,48 x 12,50 cm²

Corte: 1 de 1

ID: 5336127509-04-2014

SPT tem tentado estimular o transplante

re-

nal de dador vivo com campanhas de s

ensibi-

lização e esclarecimento da popu

lação. ©GETTY

Evitar viagensatravés

de mais transplantes

Saúde. Promover a transplanta

ção, em Portugal, em

particular o transplante renal de

dador vivo, é aforma mais

eficaz de evitaro turismo de tra

nsplante, defende a SPT.

Segundo a Sociedade Portuguesa de

Transplantes(SPT), há portugueses

a deslocarem-se à China e P

aquistão,

para se submeterem a intervenções

cirúrgicas detransplante de órgãos.

Em comunicado enviado ao me-

tro, a SPT revela ter conhecimento

de dois tipos de situações: doentes

portuguesesque se deslocaram ao

estrangeiro para se submeterem ao

procedimento em unidades desaú-

de da sua escolha onde “não houve

lugar a dadores pagos ou coagidos”.

E há outros que se deslocaram

a países “comregras mal definidas

na doação de órgãos para receber

um rim de desconhecidos que po-

dem ter sido pagos para a doação”.

Em qualquer dos casos, defende

o presidente daSPT, “nada justific

a

estes procedimentos”. Ferna

ndoMa-

cário diz que“para a saúde

do dador

as consequências podem ser devas-

tadoras” já que “um processo cirúr-

gico complexo sem as condições exi-

gíveis pode ter complicações cirú

rgi-

cas a curto prazo e médicas a longo

prazo”. Há risco de complicações ci-

rúrgicas, infeciosas e até d

e rejeição

do órgão transplantado”, sustenta.

Para tentar evitar estas situ

ações,

a SPT defende a certificaçãode

unidades privadas com capacidade

de transplante para que haja mais

colheitas deórgãos e o transplante

renal de dador vivo.

Discutir os «temas quentes» da transplantaçãoAssumir uma «intervenção crítica e construtiva» sobre os assuntos que, a cada momento, marcam a atualidade da transplantação, dentro e fora de portas, e chamar os protagonistas desta área para uma reflexão conjunta têm sido princípios orientado-res da ação da SPT, que, nos últimos quatro anos, organizou encontros temáticos para o efeito. Preocupada com a ausência de regulamentação específica na introdução de genéricos imunossupressores, a SPT promoveu, logo em 2010, a Reunião de Consenso sobre a utilização de Genéricos em Transplantação de Órgãos Sólidos, que teve lugar a 19 de março desse mesmo ano, no Porto. No rescaldo desta reunião, foi elaborado um documento no qual constavam recomendações para a utilização de genéricos neste contexto.

A 25 de fevereiro de 2011, foi a vez de Tomar acolher a Reunião de Consenso sobre a Alocação de Órgãos, ao passo que, nos dias 28 e 29 de novembro desse mesmo ano, Lisboa serviu de palco à Reunião Nacional sobre Descentralização no Seguimento dos Doentes Transplantados. Fruto deste encontro, foi emitido um parecer, subscrito pelos especialistas presentes, sobre a necessidade de impulsionar essa mesma política de descentralização. A 6 e 7 de dezembro de 2013, Lisboa voltou a ser anfitriã, desta feita, do simpósio intitulado «Da Doação e Colheita de Órgãos à Transplantação», para fomentar a discussão de estratégias que podem ajudar a contrariar o decréscimo nos resultados da transplantação em Portugal verificado a partir de 2011.

A mesma preocupação presidiu ao Fórum Aberto de Transplantação realizado a 21 de março de 2014, igualmente na capital portuguesa. Já no Fórum Aberto que decorreu nos dias 27 e 28 de março deste ano, no Porto, a comunidade transplantadora foi cha-mada a pronunciar-se sobre o papel que a doação em vida pode desempenhar, tendo em vista o incremento da transplantação em Portugal. A 20 e 21 de novembro próximo, uma nova edição do Fórum Aberto vai decorrer na Batalha, para debater as políticas de saúde futuras em matéria de transplantação, no nosso País.

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RANSFORMAR

NA SESSãO DE ABERTURA DO CONGRESSO DE 2014 (da esq. para a dta.): Prof. Lúcio Pacheco (presidente da

ABTO), Dr.ª Ana França (coordenadora nacional de transplantação no IPST), Prof. Hélder Trindade (presidente

do IPST), Prof. Valentín Cuervas-Mons Martínez (presidente da Sociedad Española de Trasplante) e Dr. Fernando

Macário (presidente da SPT)

Premiar a excelência científicaProcurando reconhecer e fomentar a quali-dade da atividade científica desenvolvida na área da transplantação em Portugal, entre 2010 e 2014, a SPT distinguiu e apoiou uma dezena de trabalhos. À semelhança do que aconteceu em mandatos anteriores, foram atribuídos, anualmente, o Prémio Ana Maria Correia (patrocinado pela Roche), no valor de 5 000 euros, destinado a premiar trabalhos publicados em revistas interna-cionais, bem como a Bolsa de investigação SPT/Astellas, no valor de 12 500 euros, com o propósito de incentivar a investigação no âmbito da transplantação.

Missão de transmitir informação entre pares

A SPT não tem descurado também a comu-nicação dirigida aos próprios especialistas na área da transplantação. Promovendo, desde logo, a renovação do seu website (www.spt.pt), a tomada de posse dos novos órgãos sociais, em 2010, ditou também a criação, em junho desse ano, do boletim trimestral NewSPT, publicado e distribuído online.

Três anos volvidos, em outubro de 2013, este projeto deu lugar à revista TransMis-são, em formato impresso e de periodici-dade semestral. Anunciada, aquando do seu lançamento, como «um meio para transmitir ideias, notícias e proje-tos da SPT e da comunidade transplanta-dora», esta publicação é editada por uma empresa especialista na produção de con-teúdos na área da Saúde. Com um aspeto gráfico moderno e artigos de maior desen-volvimento, que cobrem os principais even-tos e os tópicos de maior atualidade em matéria de transplantação, a revista Trans-Missão conta já com cinco edições publica-das (a contar com esta que está a ler).

OS NOMeS POR DeTRáS De DOIS MANDATOSÓrgãos sociais da SPT (2010-2013)DIReÇÃOPresidente: Fernando Macário (Coimbra)Vice-presidente: La Salete Martins (Porto)Tesoureira: Alice Santana (Lisboa)Vogais: helena Alves (Porto), Susana Sampaio (Porto), Rui Maio (Lisboa) e Cristina Jorge (Lisboa)

ASSeMBLeIA-GeRALPresidente: Rui Almeida (Porto)Vogais: Luís Freitas (Coimbra) e Arnaldo Figueiredo (Coimbra)

CONSeLhO FISCALPresidente: Américo Martins (Lisboa)Vogais: Nuno Silva (Coimbra) e Jorge Paulino Pereira (Lisboa)

Órgãos sociais da SPT (2013-2016)DIReÇÃOPresidente: Fernando Macário (Coimbra)Vice-presidente: Susana Sampaio (Porto)Tesoureira: Cristina Jorge (Lisboa)Vogais: André Weigert (Lisboa), Jorge Silva (Porto), Pedro Nunes (Coimbra) e Rui Perdigoto (Lisboa)ASSeMBLeIA-GeRALPresidente: La Salete Martins (Porto)Vogais: Manuela Almeida (Porto) e Rui Filipe (Castelo Branco)CONSeLhO FISCALPresidente: Alice Santana (Lisboa)Vogais: Nuno Silva e Lídia Santos (Coimbra)

Sinergias entre especialistas dos dois lados do AtlânticoSalvaguardando as particularidades de cada país, a SPT e a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) têm continuado, nos últimos anos, a estimular e a apro-fundar a profícua relação de parceria que une os especialistas portugueses e brasilei-ros na área da transplantação, desde que, em 2002, foi acordada a realização conjunta do congresso anual luso-brasileiro – em anos pares, em Portugal e, em anos ímpares, no Brasil.

Além da participação científica digna de relevo nos eventos levados a cabo em solo brasileiro – em 2011, em Belém do Pará; em 2013, no Rio de Janeiro; e agora, em 2015, na cidade de Gramado, no Rio Grande do Sul, onde se vai realizar o XiV Congresso Luso--Brasileiro de Transplantes, entre 24 e 27 de outubro –, dos últimos dois mandatos da Direção da SPT, ficam na memória as edições que tiveram Portugal como país-anfitrião.

2010 - x Congresso Português de Transplantação/Ix Congresso Luso-Brasileiro de Transplantação - Porto, 2 a 5 de outubro315 inscritos | 201 comunicações livres apresentadas

2012 - xI Congresso Português de Transplantação/xI Congresso Luso-Brasileiro de Transplantação - Coimbra, 4 a 6 de outubro350 inscritos | 228 comunicações livres apresentadas

2014 - xII Congresso Português de Transplantação/xIII Congresso Luso-Brasileiro de Transplantação/I encontro Ibérico de Transplantação - Lisboa, 9 a 11 de outubro469 inscritos | 371 comunicações livres apresentadas

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CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DISCUTE FUTURO DA TRANSPLANTAçãO

Regressando, este ano, ao lado de lá do Atlântico, entre 24 e 27 de outubro, o xIV Congresso Luso-Brasileiro de Transplan-tes tem como palco a cidade de Gramado, no estado do Rio Grande do Sul, no Brasil. O futuro dos regimes terapêuticos de imunossupressão, o desenvolvimento de órgãos artificiais e os desafios que se colocam na alocação de órgãos para transplante são alguns dos tópicos em debate nesta reunião, que volta a proporcionar a aproximação e o intercâmbio entre especialistas portugueses e brasileiros na área da transplantação.

Ana Rita Lúcio

Este ano, o XiV Congresso Brasileiro de Transplantes, organizado concomitantemente com o XiV Congresso Luso-Brasileiro de Transplantes, o Xiii Encontro de Enfermagem em Transplantes e o Fórum da Associação Brasileira de histocompatibilidade, viaja até ao Sul do

Brasil, mais concretamente à pequena cidade de Gramado, para três dias de intensa atividade científica. Especialistas brasileiros e portugueses vão dividir-se pelas oito salas que funcionarão em simultâneo ao longo de todo o evento.

À semelhança do que aconteceu em edições anteriores, nesta reunião conjunta, segundo o Prof. Lúcio Pacheco, presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), «volta a ser dada prioridade máxima à apresentação de temas livres». Para o efeito, foram selecionados mais de 650 trabalhos, sob a forma de comunicações orais ou pósteres. Assim, e considerando que são, sobretudo, os jovens a ter protagonismo neste espaço privilegiado de apresentações, o intuito principal é «estimular o surgimento de novas lideranças académicas e políticas, que possam, gradativa-mente, suceder aos atuais dirigentes e líderes nesta área», adianta Lúcio Pacheco.

Deixando patente que o forte impulso dado à formação é um dos traços distintivos do Congresso Luso-Brasileiro de Transplantes, a edição de 2015 apresenta os seguintes cursos pré-congresso, a realizar no dia 24 de outubro: «iV Simpósio de Reações humorais – uma interação Clínico-laboratorial»; «iii Simpósio de infeção em Transplantes da ABTO»; «Qualidade nos transplantes de órgãos – estratégias para a segurança de candidatos e recetores»; «Odon-

Prof. Lúcio Pacheco,presidente da ABTO

Dr. Fernando Macário,presidente da SPT

tologia no transplante de órgãos»; «Transplante renal pediátrico»; «Desafios futuros e unificação das Ligas de Transplante no Bra-sil» e «Avaliação de potenciais dadores para tecidos: discussão de casos clínicos reais».

Além da miríade de comunicações orais e pósteres, os cerca de 1 500 congressistas esperados poderão assistir a três sessões plenárias, que se debruçam sobre os temas-chave desta edição. Duas delas contam com a participação de especialistas portu-gueses. No dia 25 de outubro, o debate sobre o futuro da imu-nossupressão após a transplantação de órgãos vai ser moderado pelo Dr. Fernando Macário, presidente da Sociedade Portuguesa de Transplantação. No dia seguinte, a sessão dedicada ao tema «Desenvolvimento de órgãos artificiais» vai ter como moderador o Dr. Domingos Machado, diretor da unidade de Transplantação Renal António Pina do Centro hospitalar de Lisboa Ocidental/ /hospital de Santa Cruz.

Ressalvando o «convívio extremamente agradável» que é cos-tume unir os especialistas portugueses e brasileiros, Lucio Pacheco considera que o XiV Congresso Luso-Brasileiro de Trans-plantes se constitui também como uma oportunidade renovada para que estes profissionais possam partilhar experiências. «O Brasil realiza transplantes a uma escala muito maior do que Por-tugal, tendo em vista a extensão do país e a sua população. Portu-gal, por sua vez, apresenta uma das maiores taxas de doação de órgãos do mundo. Será, por isso, muito proveitoso que represen-tantes de ambos os países possam discutir e trocar impressões sobre as suas realidades.»

O NúMeRO

20 especialistas portugueses intervêm no xIV Congresso Luso-Brasileiro de Transplantes, como oradores e mode-

radores de diferentes sessões, além de participarem também na apresentação de comunicações orais de temas livres.

PORTO ACOLhE PRÓXiMA EDiçãO

A cidade do Porto vai receber o xIII Congresso Português/xV Con-gresso Luso-Brasileiro de Transplantação, que decorrerá entre 13 e 16 de outubro de 2016, no Porto Palácio Congress hotel & Spa. Contando com organização portuguesa, como é habitual em anos pares, este Congresso será presidido pela Dr.ª Susana Sampaio, nefrologista no Centro hospitalar de São João, no Porto.

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Catarina Furtado (moderadora), o Prof. Hélder Trindade (presi-dente do IPST), o Dr. Fernando Macário (presidente da SPT), a Dr.ª Bernardette Haase (presidente do European Committee on Organ Transplantation), o Prof. Philippe Morel (chefe do Serviço de Cirurgia Visceral e de Transplantação dos Hôpitaux Universitaires de Genève), o Prof. Karl-Heinz Buchheit (representante do Euro-pean Directorate for the Quality of Medicines and HealthCare) e a Dr.ª Ana França (coordenadora nacional de transplantação do IPST) - da esq. para a dta. - intervieram na sessão solene

Lisboa foi a cidade anfitriã da 17.ª edição do Dia europeu para a Doação de Órgãos e Transplantação, que se assinalou no passado dia 10 de outubro. «Transplantar é uma forma de arte» e «salvar vidas muda a vida» foram slogans que deram o mote a um dia repleto de atividades, com o principal objetivo de sensibilizar a população para este tema.

Ana Rita Lúcio e Marisa Teixeira

CeLeBRAR A ARTe De SALVAR VIDAS

Fortes aplausos a todos os dadores e seus familiares, tal como aos profissionais de saúde, ecoaram no auditório da Câmara de Comércio e indústria Portuguesa. Assim arrancou a sessão solene do Dia Europeu para a Doação de Órgãos e Transplantação. O Prof. hélder Trindade,

presidente do instituto Português do Sangue e da Transplantação (iPST), a instituição organizadora desta iniciativa em parceria com a Sociedade Portuguesa de Transplantação (SPT), frisou a relevân-cia de divulgar informação nesta área, «para que todos possam compreender a importância da transplantação, que salva vidas, e conhecer as dificuldades existentes nesta atividade».

Esta opinião foi partilhada pelo Dr. Fernando Macário, pre-sidente da SPT: «Ainda estamos atrás da média europeia em

termos de transplantes de dador vivo realizados, mas estamos melhor do que a média europeia em termos de transplantes de dador cadáver e, felizmente, os portugueses são altruístas, pelo que penso que estamos no bom caminho.» Quanto a desafios, este nefrologista no Centro hospitalar e universitário de Coimbra revelou que, «apesar de a taxa de colheita de órgãos em dadores falecidos em Portugal ser superior à média europeia, estes são de idade mais avançada, o que pode ser mais problemático».

Ao longo da tarde, realizou-se, no mesmo local, uma sessão científica que debateu temas como a doação de órgãos, o turismo de transplantação ou o transplante para além da imunologia. A Dr.ª Ana França, coordenadora nacional de transplantação no iPST, foi uma das palestrantes, lembrando que, «na Europa,

Várias personalidades associaram-se à campanha do Dia europeu para a Doação de Órgãos e Transplantação,

que teve como mote «Salvar Vidas Muda a Vida», e conce-deram o seu testemunho filmado. Os vídeos foram trans-mitidos ao longo da sessão solene do dia 10 de outubro e tiveram também uma ampla divulgação online e nos media. Celeste Rodrigues, irmã da fadista Amália (que doou um rim); Zé Pedro, dos xutos & Pontapés (que foi alvo de um transplante de fígado); a atriz Cláudia Vieira; o empresário Francisco Pinto Balsemão; intervenientes no transporte rápido dos rins, como um médico do INeM e um major da Força Aérea, foram algumas das pessoas que concederam o seu testemunho a favor da transplantação. estes vídeos podem ser visualizados no website www.eodd2015.pt, que condensa toda a informação sobre as atividades desenvol-vidas a propósito desta efeméride.

OS eMBAIxADOReS

16 | OuTuBRO 2015

RANSFORMAR

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O Dia europeu para a Doação de Órgãos e Transplantação foi também uma ocasião para rever velhos amigos. Ao reencon-trar o Prof. Alexandre Linhares Furtado (na foto, à direita), pio-neiro da transplantação em Portugal, o Prof. Philippe Morel (à esquerda) contou «uma história extraordinária» à TransMissão. O chefe do Serviço de Cirurgia Visceral e de Transplantação dos hôpitaux Universitaires de Genève e vice-presidente da Swiss-transplant recordou o dia em que Linhares Furtado o ajudou na realização do seu primeiro transplante de fígado em dominó, uma técnica concebida pelo cirurgião português em 1995.

«eu estava num congresso, na Bélgica, quando a minha coor-denadora, que se encontrava em Genebra, me ligou a dizer que tinham encontrado um dador cadáver. Naquela cidade, estava também o doente com polineuropatia amiloidotica familiar [PAF] que viria a receber esse fígado e a doar o seu, sequencialmente, a um recetor português, que sofria de outra patologia hepática. No entanto, a minha equipa não estava a conseguir encontrar um cirurgião para implantar o fígado oriundo do doente com PAF no doente português», lembrou Philippe Morel.

entretanto, o cirurgião suíço pensou que, por sorte, tal-vez esse cirurgião português estivesse no mesmo congresso. Perguntou no secretariado e a melhor notícia confirmou-se: Linhares Furtado encontrava-se no local, a assistir à sessão científica na qual também iria intervir, expondo outra técnica inovadora sobre transplante intestinal. «Interpelei-o e expli-quei-lhe rapidamente do que se tratava. Depois da sua apresen-tação, ele veio comigo para Genebra», contou Philippe Morel. este especialista lembra-se com pormenor deste seu primeiro transplante de fígado em dominó, para o qual Linhares Furtado lhe deu importantes indicações, antes de rumar a Portugal com o segundo fígado para transplantar no doente português.

há 68 000 doentes à espera de um transplante». Esta oradora acrescentou que, atualmente, em Portugal, só é possível recor-rer a dadores em morte cerebral ou a dadores vivos que sejam familiares ou próximos do recetor, garantindo a transparência de todo o processo. Daí a pertinência de assinalar esta data, para «alertar as pessoas de que podem salvar vidas depois de fale-cerem, ou doar um rim ou parte do fígado a um ente querido, continuando saudáveis».

No final desta sessão científica, lembraram-se os 35 anos de transplantação em Portugal, com mensagens de vários especia-listas às gerações vindouras. Caso do Prof. Rui Almeida, diretor do Departamento de Transplantação do Centro hospitalar do Porto, que, dirigindo-se aos profissionais envolvidos nesta área, enumerou alguns dos «prazeres incalculáveis» desta atividade: «O reconhecimento da melhoria da qualidade de vida dos vossos doentes depois da transplantação; sereis testemunhas de provas de altruísmo de uma grandeza sem limite (se não perderem a oportunidade de falar com essas pessoas maravilhosas que são os dadores de órgãos em vida); e, se tudo correr bem, o tempo passará depressa e ficareis ligados à transplantação até que “os olhos vos doam”.»

NeM A ChUVA ABRANDOU A SeNSIBILIZAÇÃO

REENCONTRO FELiz E iNESPERADO

Para que as mensagens chegassem mais perto da população, entre as 12h00 e as 19h00 do dia 10 de outubro, realizaram-se vá-rias ações de rua, na Praça dos Restauradores, em Lisboa. O mau tempo não impediu que dezenas de pessoas marcassem presença, até porque São Pedro decidiu juntar-se a esta causa, sendo mais benevolente, e a chuva acabou por abrandar

Parceiros institucionais e patrocinadores marcaram

presença com stands e iniciativas de sensibiliza-

ção à população

A animação não faltou, com divertidos homens- -estátua, que cativavam a atenção dos transeuntes…

…e um DJ, que fez com que este dia acabasse com música e dança

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CAMINhAR POR UM PÓS-TRANSPLANTe MAIS SAUDáVeL

NA SeSSÃO SOLeNe (da esq. para a dta.): Prof. Alexandre Linhares Furtado (precursor da transplantação abdominal em Portugal); Dr. Fernando Macário (presidente da SPT); Prof. Joaquim Curto (vice-presidente da Associação Portuguesa de Insuficientes Renais); Dr.ª Rosa Marques (vice-presidente da Câmara Municipal de Coimbra); Prof. Manuel Antunes (consultor para os assuntos da Saúde na Presidência da República); Dr. José Manuel Tereso (presidente da Administração Regional de Saúde do Centro); Prof. Hélder Trindade (presidente do Instituto Português do Sangue e da Transplantação – IPST); Dr.ª Ana França (coordenadora nacional de transplantação no IPST); Fernando Jorge (vice-presidente da Associação dos Doentes Renais do Norte de Portugal) e Dr. Luís Rocha (representante da Novartis)

As comemorações do 7.º Dia do Transplante tiveram lugar em Coimbra, cidade que fez história nesta área, com a realização do primeiro transplante de um órgão vital no nosso País (um rim de dador vivo), no dia 20 de julho de 1969, pelas mãos do Prof. Alexandre Linhares

Furtado. Mais de quatro décadas volvidas, este ilustre cirurgião, presente nestas comemorações, aproveitou para sublinhar que «o tempo é da nova geração de cirurgiões, que deve lutar por uma transplantação mais segura, embora, nos últimos anos, se tenha atingido já um elevado grau de segurança».

As declarações deste pioneiro da transplantação em Portugal foram bastante aplaudidas pelas cerca de 200 pessoas (trans-plantados, familiares dos mesmos e profissionais de saúde) que encheram o auditório do Pavilhão Centro de Portugal para assistir

à sessão solene. Quem também não faltou à cerimónia foi o Prof. Alfredo Mota, diretor do Serviço de urologia e Transplantação Renal do Centro hospitalar e universitário de Coimbra (ChuC), que, em junho deste ano, ultrapassou a meta dos 2 700 trans-plantes renais realizados desde 1980. «um êxito que é fruto da comunhão entre médicos-cirurgiões e doentes: a síntese perfeita para uma atividade em que todos ambicionamos o mesmo resul-tado», declarou.

O rim é, efetivamente, o órgão mais transplantado, atingindo em Portugal resultados que superam a média europeia, embora fiquem aquém do elevado número de doentes que aguarda transplante. «A recolha de órgãos baixou de 2009 para 2012 e, desde aí, os valores oscilam. Contudo, no primeiro semestre deste ano, pareceu haver alguma recuperação», apontou o Dr. Fernando Macário, presidente

A atividade física deve fazer parte da reabilitação dos doentes transplantados renais. Quem o defende é a Sociedade Por-tuguesa de Transplantação (SPT), que dedicou o 7.º Dia do Transplante, assinalado no passado dia 20 de julho, em Coim-bra, à promoção do desporto e da prática de exercício físico regular, como meios privilegiados para fomentar o sucesso da recuperação após a cirurgia, e a adoção de um estilo de vida mais saudável, a longo prazo.

Ana Sofia Ribeiro

ATiViDADE FíSiCA NA REABiLiTAçãO A atividade física só deve iniciar-se três meses após o transplante;

Recomendam-se os exercícios regulares e progressivos, treinando a flexibilidade, a resistência e a força;

Caminhar, nadar, dançar, andar de bicicleta, praticar remo ou a hidroginástica são exemplos de atividades aconselhadas;

O tempo de exercício ideal é de 30 minutos por dia, cinco vezes por semana.

Informação apresentada pelo Dr. Miguel Mendes, presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, na sessão solene do 7.º Dia do Transplante.

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da SPT. Ainda assim, para incrementar as estatísticas, «é pre-ciso melhorar a estrutura organizacional de procura e colheita de órgãos, aumentar o número de camas afetas aos cuidados intensi-vos e potenciar a doação em vida».

POR UMA RECUPERAçãO DE SUCESSO

Com vista a que o transplante alcance o sucesso desejado, a rea-bilitação é uma fase fulcral, sendo que a sua prossecução escru-pulosa é imprescindível para uma maior longevidade do enxerto. De acordo com os especialistas, essencial nesta fase é a prática de atividade física, que deve iniciar-se três meses após o trans-plante. «Convido os doentes a adotarem uma atividade física mais ou menos formal – na rua, no ginásio, nas tarefas do dia a dia. Tudo serve e tudo se soma para viver melhor e ser mais feliz», disse o Dr. Miguel Mendes, presidente da Sociedade Portuguesa de Car-diologia, que, dirigindo-se aos doentes transplantados, partilhou várias recomendações sobre a prática de exercício físico. Note-se que, neste 7.º Dia do Transplante, todos os presentes tiveram a oportunidade de passar das palavras à ação, participando na cami-nhada que partiu do Parque Verde do Mondego e terminou no Mos-teiro de Santa Clara-a-Velha.

Não obstante os benefícios da atividade física, a adesão à tera-pêutica imunossupressora continua a ser o fator mais determi-nante – e indispensável – para o êxito do transplante, advertiram alguns dos oradores, evocando estudos recentes que mostram que, seis meses após a intervenção, uma parte considerável dos doentes deixa de «cumprir à risca» o tratamento. A esse respeito, a Dr.ª Alexandra Torres, farmacêutica no ChuC, alertou mesmo para a necessidade de «procurar esquemas terapêuticos mais simples, fármacos mais económicos e de facilitar o acesso aos centros hos-pitalares de referência», como meios para combater as falhas na adesão à terapêutica.

Dando eco da importância de seguir meticulosamente a tera-pêutica imunossupressora prescrita, tomou ainda a palavra José Alberto Silva, doente transplantado, que é exemplo de quem «cum-

«TREiNO AFiNCADAMENTE PARA ViVER MELhOR»

José Alberto Silva, 39 anos, recebeu há dois anos um trans-plante de rim, realizado no Centro hospitalar de São João, no Porto. hoje, é exemplo de que o desporto permite alcançar a «meta» de uma mais vida saudável, também para os trans-plantados. Praticante de ciclismo, este atleta treina diaria-mente e participa em provas oficiais de competição, como os Jogos Mundiais de Transplantados, cuja última edição decorreu em agosto passado, na Argentina. Atualmente, José Alberto Silva leva uma vida muito próxima da que tinha antes do transplante e treina com o objetivo de «viver melhor». «Passei dois anos concentrado em sobreviver, até que o rim da minha mulher me salvou a vida», lembrou. e acrescentou: «há uma vida para lá do transplante. Recomendo a todos os doentes transplantados que encarem a vida com vontade de viver e que se “agarrem” à atividade física como forma de ultrapassar as adversidades.»

priu tudo ao milímetro». há dois anos, recebeu um transplante de rim, doado pela esposa, a sua «heroína». hoje, é atleta de alta competição, treina uma média de dez horas por semana e cumpre um horário de trabalho completo (ver caixa «Treino afincadamente para viver melhor»).

INSTANTeS DO DIAO Dr. Fernando Macário, presidente da SPT, plantou e decorou, com a ajuda de vários doentes, mais uma «árvore da vida», que simboliza a nova vida proporcionada aos doentes transplantados

Do Parque Verde do Mondego até ao Mosteiro de Santa a Clara-a-Velha, dezenas de pessoas, entre elas doentes transplanta- dos, caminharam por um estilo de vida

mais saudávelA Orquestra Clássica do Centro (em baixo) e o enfermeiro-can-

tor Jorge Baptista, do Serviço de urologia e Transplantação Renal

do ChuC (em cima), protagonizaram os dois momentos musicais

das comemorações do 7.º Dia do Transplante

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129 transplantes entre 1987 e 2015 52 transplantes entre 2005 e 2015 8 transplantes entre setembro de 2014

e setembro de 2015 5 a 10 corações colhidos por ano 80% dos dadores com morte de causa médica 5 doentes em lista de espera (em média)

Em fevereiro de 2016, vão completar-se 30 anos desde que o Prof. João Queiroz e Melo realizou o primeiro trans-plante cardíaco em Portugal, no hospital de Santa Cruz (hSC). Desde aí, este procedimento cirúrgico foi realizado 229

vezes. Segundo o Dr. José Pedro Neves, atual diretor da Unidade de Transplantação Cardíaca João Queiroz de Melo, no hSC, durante muitos anos, este centro fez uma média anual de entre dez a 15 transplantes. No entanto, com a criação do Programa

de Transplantação Cardíaca do Centro hospitalar e universitário de Coimbra, em 2003, esse número caiu para seis a oito intervenções por ano.

Estamos a operar numa fase avançada da doença cardíaca», afirma José Pedro Neves. Mais de metade dos doentes sujeitos a transplante já estavam internados devido a insuficiência cardíaca, sem possibilidade de ter alta, a maior parte dos doen-tes estavam internados em unidade de Cuidados intensivos e 24 estavam ligados a máquinas de assistência circulatória. «Em Portugal, há cerca de 200 corações de dadores por ano, mas a verdade é que, feita a necessária seleção de qualidade do coração do dador, nem 50 corações estão disponíveis para transplante por ano, para que haja um match perfeito», frisa o responsável.

No entanto, as necessidades de dadores também são muito inferiores às de outros órgãos, como o rim. «uma percentagem altíssima da população com mais de 80 anos tem insuficiência cardíaca, mas nunca será candidata a transplantação. A percentagem de doentes com insuficiência cardíaca elegíveis para transplante, após as novas formas de tratamento, é inferior a 1%, em termos internacionais», sublinha José Pedro Neves.

No Centro hospitalar de Lisboa Central/hospital de Santa Marta (hSM), a evolução da transplantação cardíaca não diferiu muito do que se verificou, de modo genérico, em outras áreas da transplantação. «Em 2012, registou-se uma quebra muito significativa, de cerca de 30%,

da qual se recuperou após algumas medidas governamentais, nomeadamente de incentivo à colheita», refere o diretor da Unidade de Trans-plantação Cardíaca do hSM, Prof. José Fragata. O que mudou foi o perfil dos dadores. «Verificou-se um desvio da idade média de 20 a 25 anos para 50, uma vez que diminuíram os acidentes de viação e passaram a ser utilizados predominantemente dadores de doença médica, sobretudo vítimas de acidente vascular cerebral [AVC]. isto é muito relevante, porque faz com que a qualidade dos órgãos seja pior», sublinha o especialista.

Embora refira que as taxas de sobrevida dos doentes sujeitos a transplante cardíaco no hSM estão em linha com a prática internacional, José Fragata sublinha que os doentes deste centro apresentam um perfil de gravidade superior à média. «A maior parte dos doentes não está à espera da operação em casa; já está internada no hospital, com suporte inotrópico e, numa percentagem importante, ligada a coração artificial.»

Desde 2000 foram também implantados nesta unidade 49 dispositivos de assistência mecânica ventricular, que asseguram a ponte para o transplante. Estes casos revelam muito maior complexidade para transplantação, contudo, atingem uma sobrevida global de 65%. uma nota ainda para a transplantação pediátrica, relativamente à qual se verifica, desde 2005, uma experiência acumulada de 13 casos, muitos dos quais lactentes (o mais jovem com um mês de idade), com uma sobrevida global de 90% aos cinco anos.

Com cerca de 200 transplantes cardíacos no currículo, José Fragata defende que, na região Sul, estas intervenções deveriam ser concentradas num único centro, de modo a que os profissionais, quer da Cardiologia quer da Cirurgia Cardiotorácica, se pudessem focar mais nesta atividade e assim acumular mais experiência.

229 transplantes realizados desde 1986

4 doentes em lista de espera (em média) 6 a 8 transplantes realizados anualmente

82 dias de tempo médio de espera

55 anos de idade média dos doentes sujeitos a transplante 71,4% de sobrevida a 5 anos e 26% a 20 anos 17,5% de rejeição crónica do enxerto a 5 anos e 78%

a 20 anos

CeNTRO hOSPITALAR De LISBOA CeNTRAL/ /hOSPITAL De SANTA MARTA

TRANSPLANTAÇÃO CARDíACA ReCUPeRA FôLeGO

C. h. São João C. h. Universitário Coimbra

0

5

10

15

20

25

30

35

8

28 28

6

3

19

10

20

11

30

TRANSPLANTES CARDíACOS REALizADOS POR CENTRO

CeNTRO hOSPITALAR De LISBOA OCIDeNTAL/hOSPITAL De SANTA CRUZ

20 | OuTuBRO 2015

M ANáLISe

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D esde o início do seu funcionamento, em 2003, a unidade de Transplantação Cardí-aca do Centro hospitalar e universitário de Coimbra (ChuC) estabilizou numa média

anual que ronda os 25 transplantes. Em 2011 e 2012, registou-se uma quebra, com 20 e 19 intervenções, respetivamente, que viria a ser invertida logo no ano seguinte, com 30 transplantes realizados. Em 2014, o número fixou-se nos 26 e, à data de fecho desta revista, tinham sido realizados 19 transplantes em 2015. Deste modo, o ChuC foi, até agora, «o maior transplantador cardíaco nacional, apesar do menor período de atividade».

O diretor da Unidade de Transplantação Cardíaca do ChUC, Prof. Manuel Antunes, considera que se «atingiu um teto que não é fácil superar» nesta área, devido, sobre-tudo, às alterações no perfil dos potenciais dadores, cada vez mais velhos. O problema permanece, ainda assim, na identificação dos dadores. «há hospitais que não deveriam ter tão poucos dadores, o que revela algum desinteresse», refere o especialista. No entanto, a falta de motivação é fácil de compreender, na sua ótica: «Na prática, para um hospital que não tem equipa transplantadora, um dador implica, pelo menos, uma dúzia de horas de trabalho adicional.» A recente alteração na tabela de incentivos, embora muito significativa, não representa, na opinião de Manuel Antunes, um estí-mulo suficiente para os hospitais.

O primeiro transplante cardíaco do Centro hospitalar de São João (ChSJ) remonta a 1987. No entanto, foi em 2007, com a disponi-bilização de novas instalações, que a unidade de Transplantação Cardíaca deu um importante salto de produtividade: nos últimos

oito anos, foram realizados mais transplantes cardíacos neste centro do que nos 20 anos anteriores. Ainda assim, o diretor da Unidade, Dr. Paulo Pinho, considera não estarem ainda reunidas as condições logísticas ideais, face ao elevado número de cirurgias cardíacas realizadas anualmente no ChSJ. «Faltam unidades de cuidados intensivos e recursos humanos, nomeadamente enfermeiros e assis-tentes operacionais.»

De acordo com o responsável, o objetivo deste centro tem sido atingir os dez transplantes por ano, uma meta já alcançada nos anos de 2011 e 2013. uma das principais dificuldades para aumentar estes números prende-se com a colheita. A maior parte dos dadores são de fora do ChSJ e a colheita não é simples, segundo Paulo Pinho. «A oferta regional de dadores é limitada, a sua qualidade é muitas vezes incerta e os hospitais com maior volume e experiência de doação estão relativamente distantes.»

De qualquer modo, apesar de haver a perspetiva de aumentar um pouco o número de transplantes cardíacos efetuados no ChSJ, Paulo Pinho admite que há vários limites a esta atividade, não apenas devido ao número de dadores e à diminuição da qualidade dos órgãos, mas também ao próprio desenvolvimento dos fármacos e de técnicas cirúrgicas e percutâneas alternativas. «A sobrevida da transplantação aos dez anos ronda os 60 a 65% nos registos nacionais e internacionais. E os resultados dos outros tratamentos, seja a cirurgia convencional, os medicamentos ou os dispositivos, que são cada vez melhores, estão a relegar a transplantação para um nicho mais restrito de doentes, sendo que esta deve ser integrada em centros de referência no tratamento da insuficiência cardíaca avançada», defende Paulo Pinho.

26 transplantes em 2014

303 transplantes nos últimos 12 anos

34,4 anos de idade média dos dadores

57,8% dos dadores morreram por traumatismo cranioen-cefálico e 32,9% por AVC

53,3 anos de idade média dos doentes sujeitos a transplante

43,7 dias de lista de espera (em média)

6,5% de mortalidade nos doentes em lista de espera

9 transplantes em 2014

102 transplantes realizados desde 1987, 60 dos quais a partir de 2007

12 meses de tempo de espera máximo para transplante

65% de sobrevida aos 10 anos

Luís Garcia

Font

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4

7 7 710

653

9 8

2009

2011

2013

2010

2012

TRANSPLANTES CARDíACOS REALizADOS POR CENTRO

h. Santa Marta h. Santa Cruz

CeNTRO hOSPITALAR e UNIVeRSITáRIO De COIMBRA

CeNTRO hOSPITALAR De SÃO JOÃO, NO PORTO

Após o decréscimo registado em 2012, a transplantação cardíaca está a recuperar: o primeiro semestre de 2015, com 27 transplantes, já apresentou valores muito próximos aos do período homólogo dos melhores anos da última década – 2010 (30 transplantes) e 2011 (29). Os diretores das quatro Unidades de Transplantação Cardíaca em Portugal analisam esta evolução e avançam outros dados relativos à atividade dos seus centros.

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O percurso profissional de Alfredo Mota fez-se em exclu-sivo na cidade que o viu nascer – Coimbra. Em conversa com os repórteres da TransMissão, o urologista lembra o cenário complexo que Portugal atravessava quando ini-ciou o internato de urologia: «Viviam-se momentos polí-

ticos e sociais complicados. No pós-25 de Abril, havia grande indefini-ção em relação a quase tudo, com sucessivos governos provisórios.» E sublinha um episódio em especial, era na altura José Pinheiro de Azevedo o primeiro-ministro, que muito marcou a história da trans-plantação em Portugal: «Em 1976, ano em que iniciei o internato, foi criado o Decreto-lei que permitiu o início dos transplantes.»

Até então, embora o primeiro transplante renal de dador vivo tenha sido realizado em 1969, por uma equipa liderada pelo Prof. Alexandre Linhares Furtado, não havia um real suporte legal a este procedimento. Com a legislação que foi aprovada, a transplan-tação começou a ganhar estrutura e, aos poucos, foram surgindo as condições existentes nos dias de hoje. Alfredo Mota recorda também outro marco: a criação dos centros de histocompatibilidade – em Coimbra, Lisboa e Porto –, onde os doentes candidatos a transplante e os dadores são estudados sob o ponto de vista imunológico.

Ser médico é o que realmente lhe «enche as medidas», nomeadamente a transplantação renal, mas o Prof. Alfredo Mota confessa-se um entusiasta pela leitura e pela escrita, tendo já publicado, em 2010, o livro Coisas da Medicina. O diretor do Serviço de Urologia e Transplantação Renal do Centro hospitalar e Universitário de Coimbra (ChUC) guiou-nos numa breve incursão pela «biblioteca» da sua vida, folheando algumas das páginas mais marcantes.

«Tudo isto nasceu com a Comissão Nacional de Diálise e Trans-plantação [CNDT], constituída pelos principais atores e interve-nientes em matéria de diálise e transplantação, englobando médi-cos de várias especialidades. Esta era uma comissão composta por pessoas interessadas e dedicadas, que prepararam o caminho para a transplantação», recorda Alfredo Mota. E acrescenta: «Em suma, foram três os aspetos fundamentais que permitiram o início das transplantações de dador cadáver, a partir de 1980: a legislação adequada, os centros de histocompatibilidade e a CNDT.»

VIVER PARA A TRANSPLANTAçãO

«O início da transplantação em Coimbra foi difícil, pois éramos apenas três – o Prof. Linhares Furtado, o Dr. Luís Borges e eu. Foram tempos heroicos, com parcos recursos; tudo era novo e as limitações enormes.» é com um brilho no olhar que o nosso entrevistado viaja por essas memórias, lembrando ainda: «Pas-sávamos a vida no hospital. Sem exagero, vivíamos para a trans-plantação renal, a família era bastante sacrificada, mas sempre muito compreensiva.»

Luís Garcia e Marisa Teixeira

De AlmA NAS LETRAS e cOrAçãO NO TRANSPLANTE

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eTRATO

Page 21: Revista o-cial da Sociedade Portuguesa de Transplantação ...spt.pt › download › transmissao_5_reedicao_spub.pdf · Maria Cardoso, responsável técnica e sócia-fundadora do

Este urologista defende que o Prof. Linhares Furtado foi o prin-cipal protagonista da transplantação em Coimbra e no País, com todo o mérito, pois, apesar de uma organização precária, apoios escassos e promessas nunca cumpridas, sempre foi um homem de ação. «Primeiro fazia e só depois reivindicava… Se assim não fosse, não tínhamos chegado até aqui.» Alfredo Mota considera, porém, que tudo evoluiu e, para tal, foi muito importante a nova legislação da colheita de órgãos e de transplantes, publicada em 1993, e a criação dos gabinetes de coordenação, o que melhorou significati-vamente a organização da transplantação em Portugal.

Com o progressivo aumento da equipa e os avanços científicos e tecnológicos, o número de transplantes renais foi aumentando e, atu-almente, o seu Serviço de urologia e Transplantação Renal é o líder nacional nesta área, com uma média anual, nos últimos 11 anos, de 132 transplantes. Alfredo Mota confessa que, se há uns anos lhe tivessem dito que seriam alcançados estes números, não acreditaria. «Situamo-nos fora das grandes áreas de Lisboa e Porto, por isso, as perspetivas de crescimento eram limitadas. Mas, dada a nossa afir-mação sustentada nos resultados, rapidamente passámos de centro regional a nacional e daí os números que atingimos, cujo exemplo maior foi o ano de 2009, em que realizámos 177 transplantes! Chegá-mos a este patamar devido à organização, à motivação e ao empenho de muitos, que vestiram e continuam a vestir a camisola», sublinha o urologista, adiantando que o principal orgulho da sua carreira é o alcance desta meta e o facto de saber que, quando sair do ChuC, ficará tranquilo, pois sabe que deixa «uma equipa muitíssimo boa e capaz».

AVANçOS NA MEDICINA

Alfredo Mota recorda que, na década de 1980, não havia telemóveis, talvez algo impensável para as gerações mais novas, mas a verdade é que se vivia sem eles. «Com a Medicina, aconteceu o mesmo – já se fazia muito, mas a tecnologia tem contribuído para uma evolução gigantesca», refere. Na investigação farmacológica, os progressos também foram muitos e com repercussões a vários níveis. «Anu-almente, são realizados cerca de dez mil ensaios clínicos e publi-cados três milhões de artigos científicos… Tem sido uma evolução tremenda e nem sei onde vai parar.»

Este médico desabafa que não se admirará se chegar o dia em que a cirurgia acaba e a Medicina fica reduzida aos medicamen-tos. «Por muito hábil que seja o cirurgião e por muito perfeita que seja a técnica, a cirurgia, ao invadir o corpo humano, é um procedimento agressivo que, de alguma forma, vai contra as leis da natureza. No caso da transplantação, esse procedimento antinatural ainda é mais manifesto, porque a invasão do nosso organismo por algo que lhe é estranho é uma violação da nossa imunidade natural e só recorrendo à manipulação farmacológica o enxerto é tolerado.»

Por estas razões, o urologista recorda um dos pioneiros da trans-plantação renal, René Küss, que há 40 anos já defendia que o ideal seria encontrar terapêuticas que impedissem a destruição dos rins e tornassem a transplantação renal desnecessária. «Todavia, no momento atual, não existe alternativa para muitos casos», ressalva este confesso defensor da transplantação de dador vivo. «Embora haja muitos críticos, os resultados são melhores e trata-se de um procedimento com grau de segurança elevado», sublinha.

UM «DEVORADOR» DE LIVROS

Quando questionado sobre a escolha da sua profissão, Alfredo Mota prontamente responde: «A minha grande referência é o meu Pai, Ângelo Mota, que foi urologista e um grande exemplo para mim, a todos os níveis: como Médico, como Pai, como homem…» Com nítida admiração, o entrevistado afirma, no entanto, que nunca foi pressionado a seguir-lhe as pisadas, mas acabou por acontecer. «Fui um privilegiado, pois nasci numa família de classe média, que me pôde dar a oportunidade de estudar. Naturalmente, decidi-me pela Medicina, depois escolhi a urologia e deparei-me com a cir-cunstância feliz de enveredar pela transplantação.»

Alfredo Mota considera que ser médico é uma profissão recom-pensadora do ponto de vista pessoal e na área da transplantação ainda mais. A este propósito, recorda a resposta que Thomas Starzl deu a um jornalista que o entrevistava acerca de um livro da sua autoria – The Puzzle People: Memoirs of a Transplant Surgeon. «Perguntaram-lhe se puzzle people se referia aos doentes sujeitos a transplantes de vários órgãos. Disse que não, porque os doentes não eram os únicos que viam as suas vidas alteradas. Os médicos também mudavam, e muito, porque a vida de outros dependia deles e das suas capacidades na transplantação.»

Ler e escrever são outras das suas grandes paixões. «Sou um “devorador” de livros e também gosto muito de escrever [ver caixa abaixo].» Tendo em conta o ficheiro que guarda, religiosamente, no seu computador, com o nome de todos os livros que já leu, é fácil per-ceber a sua organização exímia e o gosto pela leitura. Assumindo-se um fã do escritor Miguel Torga, que também foi médico e com quem chegou a privar e a «aprender imenso», Alfredo Mota está agora a ler o romance A Blusa Romena, de António Mega Ferreira, mas revela que as biografias e os diários são os seus estilos pre-feridos. «Tenho a aspiração de fazer um diário, escrevo todas as semanas, sempre que tenho vagar.» Depois de rever diversas pági-nas autobiográficas, o urologista remata que a sua carreira tem sido «uma experiência muito cativante», que o realiza e lhe «enche as medidas», só possível pelo apoio familiar que sempre teve, prin-cipalmente da esposa e dos filhos.

DEDiCAçãO À ESCRiTA

A paixão de Alfredo Mota pela escrita já resultou em dois livros. O primeiro, publicado em 2010 e intitulado Coisas da Medicina, é uma súmula de algumas das mais de 100 cróni-cas suas publicadas no jornal A Voz de Trás-os-Montes. Nos 45 artigos selecionados, o autor aborda temas da história da Medicina, mas também alguns aspetos éticos e deontológi-cos, organizativos e relacionados com a cultura e a educação médicas. em 2015, publicou também um opúsculo chamado Transplantação renal – uma história de sucesso. Nesta obra, é traçado um retrato histórico da transplantação renal a nível mundial e da atividade nesta área do ChUC, desde o primeiro transplante, realizado a 20 de julho de 1969, até à atualidade.

DATAS MARCANTES 1972 – Alfredo Mora conclui a licenciatura na Facul-

dade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC); 1991 – Torna-se chefe de serviço de Urologia nos

hospitais da Universidade de Coimbra; 1992 – Integra o european Board of Urology; 1996 – Torna-se membro do Conselho Nacional de

Transplantação; 2003 – Conclui o doutoramento académico na FMUC.

Assume o cargo de diretor do Serviço de Urologia e Transplantação Renal do ChUC.

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