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174 » Santo Daime: expedição Mapiá - Vida, modos e costumes da comunidade daimistas no coração da floresta Cadernos Teológicos · Ano 01 · N° 01 · Jul/Dez 2014 A TRANSPLANTAÇÃO E A ADAPTAÇÃO DA IGREJA MESSIÂNICA MUNDIAL EM PORTUGAL 162  The transplantation and the adaptation of the Church of World Messianity in  Portugal Waldemar Rodrigues Pereira 163  Resumo: Este trabalho visa mostrar como uma religião de origem oriental entra num país europeu recém saído de um regime ditatorial, e se adapta com facilidade a sociedade local. Para tanto, analisamos o contexto político do país recebedor, a chegada da Igreja, o papel da mulher em seu desenvolvimento, o sincretismo litúrgico e filosófico, e as relações interpessoais. Palavras-Chave:  Johrei, mundial, democracia, sincretismo Abstract : This work aims to show how a Oriental religion enters in an European country coming from a recent dictatorial regime and easily adapts to the local society. To do so, we analyze the political context of the recipient country, the arrival of the religion, the role of women in its progress, liturgical and philosophical syncretism, and interpersonal relationships. Keywords: Johrei, global, democracy, s yncretism INTRODUÇÃO O presente artigo visa apontar elementos da análise sobre a história da Igreja Messiânica Mundial de Portugal, desde o momento em que ela surge transplantada do Brasil. Por este motivo analisamos inicialmente o contexto político do país recebedor, nos anos 70, quando isso aconteceu, em que o país se voltou para a democracia, e em seguida relatarmos sua chegada. Foi fundamental em seu desenvolvimento o papel da mulher, não apenas no  período inicial dessa implantação, como posteriormente no seu desenvolvimento. Paralelamente abordamos o sincretismo religioso e teológico com que a nova religião se insere no contexto da cultura recebedora com a religião e sociedade locais. Os recursos metodológicos utilizados nesta pesquisa foram: consultas realizadas no Jornal Messiânico 164 , e no relato escrito pelo primeiro ministro que lá atuou como 162  O presente texto foi elaborado sob orientação do prof. Claudio Moreno Domingues 163  Bacharel em Teologia pela Faculdade Messiânica: Contato:  [email protected] 164  Publicação da Igreja Messiânica, visando atingir a sua membresia e também a sociedade no geral. O Jornal Messiânico circulou de 1972 até 2007. Sendo substituído a partir de janeiro de 2008 pela Revista Izunome  ARTIGO

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A TRANSPLANTAÇÃO E A ADAPTAÇÃO DA IGREJAMESSIÂNICA MUNDIAL EM PORTUGAL162 

The transplantation and the adaptation of the Church of World Messianity in

 Portugal

Waldemar Rodrigues Pereira163 

Resumo: Este trabalho visa mostrar como uma religião de origem oriental entra num paíseuropeu recém saído de um regime ditatorial, e se adapta com facilidade a sociedadelocal. Para tanto, analisamos o contexto político do país recebedor, a chegada da Igreja,o papel da mulher em seu desenvolvimento, o sincretismo litúrgico e filosófico, e asrelações interpessoais.

Palavras-Chave: Johrei, mundial, democracia, sincretismo

Abstract: This work aims to show how a Oriental religion enters in an European countrycoming from a recent dictatorial regime and easily adapts to the local society. To do so,we analyze the political context of the recipient country, the arrival of the religion, therole of women in its progress, liturgical and philosophicalsyncretism, and interpersonal relationships.

Keywords: Johrei, global, democracy, syncretism 

INTRODUÇÃO

O presente artigo visa apontar elementos da análise sobre a história da Igreja

Messiânica Mundial de Portugal, desde o momento em que ela surge transplantada do Brasil.

Por este motivo analisamos inicialmente o contexto político do país recebedor, nos anos 70,

quando isso aconteceu, em que o país se voltou para a democracia, e em seguida relatarmos

sua chegada. Foi fundamental em seu desenvolvimento o papel da mulher, não apenas no

 período inicial dessa implantação, como posteriormente no seu desenvolvimento.

Paralelamente abordamos o sincretismo religioso e teológico com que a nova religião se

insere no contexto da cultura recebedora com a religião e sociedade locais.

Os recursos metodológicos utilizados nesta pesquisa foram: consultas realizadas no

Jornal Messiânico164, e no relato escrito pelo primeiro ministro que lá atuou como

162 O presente texto foi elaborado sob orientação do prof. Claudio Moreno Domingues163 Bacharel em Teologia pela Faculdade Messiânica: Contato: [email protected]  164 Publicação da Igreja Messiânica, visando atingir a sua membresia e também a sociedade no geral. O JornalMessiânico circulou de 1972 até 2007. Sendo substituído a partir de janeiro de 2008 pela Revista Izunome

 ARTIGO

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missionário, e que consta na Secretaria de Teologia Histórica da Igreja Messiânica Mundial

do Brasil165. Foram realizadas pesquisas com base na filosofia de Mokiti Okada, Fundador da

referida Igreja Messiânica no Japão, e do estudioso das religiões, o professor inglês Dr.

Michael Pye.

Segundo o Dr. Michael Pye, em seu livro The Transplantation of Religions, de 1969,

quando pretendemos analisar a transplantação de um sistema religioso, de um espaço sócio

cultural para outro, geográfica e culturalmente diferente, devemos ter em mente três aspectos

de análise: contato, ambivalência e recuperação. Aqui abordaremos estes três elementos para

tratarmos do relacionamento religioso Japão, Brasil e Portugal, pois a IMM saiu do Japão para

a América Latina na década de 50 do século XX, e fundou a IMMB. Na década de 70, deixou

a realidade social, cultural e religiosa brasileira, para seguir o caminho do velho mundo.

Em sua concepção, Pye identifica a fase contato, como sendo aquela em que a religião

entrante busca o seu espaço na sociedade anfitriã, procurando estabelecer o seu espaço,

 passando a buscar meios de compreender e ser compreendida pelo solo anfitrião. A

ambivalência ocorre quando certos elementos da religião fornecedora sofrem modificações

 pontuais para efetivar o processo de adaptação. E a recuperação se dá quando ela já importou

e exportou conteúdos para a sociedade anfitriã, e vai fortalecer pontos que lhe são básicos e

estruturais, para não perder a sua originalidade.

Quando acontece a transposição de uma religião, de um local para outro, trabalha-se

com a questão da relação entre o conteúdo da religião entrante com o da religião local. Neste

caso os processos podem ser harmônicos, conflituosos ou somatizadores - o sincretismo. Pode

ocorrer a sobreposição de uma sobre a outra ou alterações mútuas entre as experiências

religiosas em questão, que podem inclusive gerar produtos religiosos inovadores.

Adotaremos nesta pesquisa, quatro abordagens: transposição e sincretismo religioso, o

 processo de mundialização e aspectos de estudo de gênero. Transposição porque a religiãomessiânica se transplantou de um país para outro, sincretismo porque se adaptou e moldou

sistematicamente à sociedade local, mundialização pelo seu caráter abrangente (universalista),

e estudo de gênero, pois observamos que no início da atividade messiânica em portugal, o

 papel das mulheres foi fundamental.

165 Para simplificar a exposição do tema, a partir e agora quando nos referirmos a Igreja Messiânica Mundial doBrasil, utilizaremos a sigla IMMB, e quando nos referimos a Igreja Messiânica Mundial do Japão, a sigla IMM,

 bem como para a Igreja Messiânica Mundial de Portugal, a sigla IMMP.

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O CONTEXTO POLÍTICO DE PORTUGAL NOS ANOS 70

 No final da década de sessenta, a Europa enfrentava uma situação extremamente

difícil. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, ocorrida de 1939 a 1945, que dizimou

milhões de vidas, e devastou países inteiros, dois blocos de países emergiram em evidência: o

capitalista, liderado pelos Estados Unidos e o comunista, composto pela União Soviética e os

 países da Europa Oriental que faziam parte da chamada “cortina de ferro”, delimitados

simbolicamente pelo Muro de Berlim. Começava aí a chamada Guerra Fria.

Em diversos países europeus, o sistema de governo era de base autoritária, tanto de

direita quanto de esquerda. No geral, não havia liberdade de expressão e qualquer pessoa que

fosse contra o regime, era perseguida e presa.

O ano de 1968 tornou-se um marco na história mundial, quando na França, grupos

estudantis fizeram manifestações, exigindo direitos iguais para ingressar nas escolas, e maior

liberdade de expressão. Espelhando-se neste exemplo, jovens de diversos lugares do mundo

fizeram o mesmo.

Portugal que vivia uma ditadura de direita há trinta e seis anos, tinha em seu Primeiro

Ministro, Antônio de Oliveira Salazar (1889-1970), um governante extremamente autoritário,

de tal forma que se houvesse um grupo de pessoas conversando na rua, já logo chegava a

PIDE (Polícia Interna de Defesa do Estado), para investigar o que estava acontecendo. Havia

o receio de que estivessem conspirando contra o Estado, ou falando sobre o comunismo.

Consequentemente a liberdade religiosa inexistia. Somente uma religião era permitida, a

católica, que sempre esteve ao lado do poder. Outras religiões atuavam sob a égide da

clandestinidade.

 No ano de 1968, Salazar fica gravemente doente, e assume em seu lugar, Marcelo

Caetano (1906-1980), inicialmente com uma proposta de promover uma abertura política.

Porém a sua resistência em não abrir mão das colônias portuguesas na África, acaba pordefinir o continuísmo do regime. Assim chegamos ao ano de 1974, com o governo já não

suportando mais os gastos com as guerrilhas separatistas africanas, que eram altos, e o

descontentamento interno decorrente desta situação. No dia 25 de abril, um golpe militar de

Estado tira o governo do poder, e estabelece as liberdades democráticas, consolidadas com a

Constituição promulgada em 25 de abril de 1976.

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A CHEGADA DA IGREJA MESSIÂNICA MUNDIAL EM PORTUGAL

Falar em igualdade de condições para todos, em seus diversos níveis, era impensável

no regime anterior. Porém, com a abertura política, isso começou a ser possível. No campo

religioso, as entidades que atuavam na clandestinidade, puderam ser oficializadas, e tiveram

um grande crescimento, com isso a entrada de novas religiões foi possível. E é nesse âmbito

que entra em Portugal, em 1977, a Igreja Messiânica Mundial, atuante no Brasil, desde 1955.

 No entanto, para podermos entender o processo de transplante, a consequente

sincretização e a aceitação desta religião em Portugal, é necessário que entendamos como isso

aconteceu no Brasil, visto que é a partir do Brasil que ela entra em solo lusitano.

Criada em 1935 em Tóquio, por Mokiti Okada um religioso japonês, a IMM tem como

foco fundamental a trilogia Verdade, Virtude e Beleza. Para isso, ela atua com base em três

colunas salvíficas: Johrei166, Belo, e Agricultura e Alimentação Natural. Ela chegou ao Brasil

em 1955, e até por volta de 1960, permaneceu atuante apenas dentro da colônia japonesa e

seus descendentes. As orações e salmos eram entoados somente no idioma japonês. No

entanto, ela não viria para cá, para ficar no âmbito da comunidade nipônica, logo, ela

ultrapassou essa fronteira, ou seja, passou a penetrar no povo brasileiro. Para isso, várias

adaptações se fizeram necessárias: brasileiros foram incorporados em seus corpos dirigentes,

salmos e hinos foram criados em português, as palestras tiveram tradução, o que antes não

havia, e, principalmente os ensinamentos escritos por Mokiti Okada, foram traduzidos do

 japonês para o português. Esta é a etapa contato, em que a religião entrante busca meios de

compreender e ser compreendida pelo meio religioso anfitrião, exportando e importando

conceitos, adaptando-se a sua nova realidade. Os cultos passaram a ser realizados totalmente

na língua portuguesa. Houve a apropriação do Pai Nosso católico, conhecida entre os

messiânicos como ‘Oração do Senhor, Como podemos observar neste texto do professor Me.

Claudio M. Domingues.

Para aproximar os membros brasileiros da doutrina e da liturgia messiânicaem um processo intencional de inclusão, os líderes da IMMB optaram porassimilar em seus cultos, além da tradicional oração japonesa Amatsu- Norito, entoada em japonês, uma oração tradicional e conhecida dos brasileiros, própria da sua composição cultural religiosa católica  –  a Oraçãodo Senhor ou Pai Nosso, por ser uma invocação ao Sagrado, cultural esocialmente aceita por grande parte dos brasileiros quase sem restrições.Aproximando em termos litúrgicos e conceituais o oriente e o ocidente esimbolicamente, unindo povos e culturas diferentes em um só sentimento,

166  Termo que designa a canalização, pela imposição de mãos, da energia da Luz Divina, praticada pelosmembros da Igreja Messiânica Mundial.

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criando uma cultura ecumênica ou cultura cruzada (Izunome) como ofundador afirmou, para a edificação do paraíso Terrestre. (DOMINGUES,2012, p.24) 

Após estas adaptações, o crescimento no Brasil foi expressivo, pela rápida adaptação e

sincretização com as religiões locais, e com a cultura brasileira.

Quanto à ambivalência,  certos elementos da religião entrante sofrem modificações

 pontuais para o processo de adaptação, neste caso temos o fato do Johrei, ter sido associado

ao conceito de ‘oração em ação’, para que se pudesse ser compreendido em sua dimensão não

só como um invocação do Sagrado, mas também a noção de ação de purificação espiritual que

ele envolve e o respeito ritual que se deveria ter (DOMINGUES: 2012,19).

 No tocante a recuperação, Pye explica que após os processos de contato e

ambivalência, a religião entrante recupera aspectos de seus fundamentos, para manter a sua

originalidade. No caso da Igreja Messiânica, o que acontece em 2000, é uma mudança de

sistema de atuação, onde se desenvolve um processo de mundialização da liturgia messiânica,

 para que ela se adaptasse em diversos países. É neste momento em que se recupera o Johrei e

a Oração Amatsu Norito167, como pontos básicos a permanecerem inalterados na fé

messiânica.

O fato de se fazer todos os rituais na língua do país recebedor, mantendo-se algunsitens fundamentais para não perder a sua originalidade, foi muito importante. A IMM é

suficientemente abrangente e respeita as outras religiões, como preconiza o seu fundador

Mokiti Okada (OKADA, 2005, v.5, p.162), entendendo mesmo que cada expressão religiosa

cumpre uma missão designada por Deus, em cada momento da história, foi muito útil para o

seu rápido crescimento no Brasil. Ela se transplantou para o nosso país, e pelos motivos acima

expostos, sincretizou-se com as demais religiões aqui existentes, e obteve a sua expansão em

curto espaço de tempo. Para se ter uma ideia, no ano de 1974, ela já contava comaproximadamente 40.000 membros168.

Pela sua postura ultrarreligiosa e universalista, o próprio Japão percebeu que a religião

messiânica poderia sair do Brasil, para diversas partes do mundo, por haver aqui povos

representantes de todos os países, assim ela começa no final dos anos 60, a pensar em

expandir a sua atuação para o exterior, além de, é claro, para o interior do próprio país. Do

Rio de Janeiro, por exemplo, ela saiu para as regiões norte, nordeste e centro do Brasil. E

atravessou fronteiras internacionais. No caso de Portugal, em 1970, um marinheiro mercante

167 Oração milenar do Xintoísmo, adotada pela IMM e transferida para a liturgia da IMMB.168 Secretaria de Teologia Histórica da Igreja.

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reunia as pessoas, que durante quase meio século da ditadura salazarista isso fora proibido.

Eles ainda não estavam adaptados a nova realidade do país. Por este motivo o ministro logo

entrou com o pedido de oficialização da Igreja, e a partir daí essa preocupação cessou.

Outro ponto era com relação a Igreja Católica, até então única religião legalizada no

 país. Mas aqui também é importante salientar que a sincretização acontecida no Brasil, fora

fundamental, sem ela, não seria possível a harmonização com a realidade portuguesa. A

‘Oração do Senhor’, mais conhecida como ‘Pai Nosso’, passou a ser de fundamental

importância no dia a dia messiânico em terras lusitanas, o que caracterizou muito a fase de

‘contato’, possibilitando que a Messiânica fincasse raízes no território português. Além disso,

a maioria das orações entoadas pela Igreja, como já acontecia no Brasil, eram no idioma

 português, o que se tornou um facilitador. Há ainda o fato de Portugal abrir as suas portas

 para o mundo, promovendo a abertura política e por consequência a religiosa, que contribuiu

muito para a boa aceitação pela população.

Tudo era novidade, então o povo, ávido por mudanças e novidades, no domingo pela

manhã ia a missa, e a tarde ia a Igreja Messiânica, enchendo as dependências da mesma. Com

isso no início tivemos o fenômeno sociorreligioso da multifiliação, quando uma pessoa

 pertence a uma religião, mas frequenta outra ao mesmo. A religião entrante tende a se mostrar

aberta a novas culturas, o que acontece na etapa de contato, como orientou Pye. Muitas

 pessoas tornaram-se membros, mesmo sendo praticantes da religião católica.

Havia muitas religiões que antes não estando legalizadas, funcionavam na

clandestinidade, e com essa abertura, vieram a tona, e puderam funcionar normalmente. Foi o

caso de algumas protestantes, e de outras provenientes da África. Foi nesse emaranhado

sociocultural que a Igreja Messiânica se estabeleceu em Portugal, fundada oficialmente em 23

de dezembro de 1977, dia do aniversário do Fundador Mokiti Okada.

Outro ponto a ser considerado é que com a independência das colônias portuguesas naÁfrica, e a sequente instauração de regimes autoritários por lá, muitas pessoas foram

 perseguidas, torturadas, etc. Em consequência, muitos cidadãos fugiram desses lugares e

foram para Portugal onde foram chamados de retornados. Eram proprietários de terras ou de

empresas que, não encontrando o mesmo tipo de emprego no país que os recebeu, passavam a

trabalhar até mesmo como auxiliar de escritório. Muitos conheceram a Igreja Messiânica

nessas circunstancias e conseguiram equilibrar-se espiritual e materialmente. Tornaram-se

fieis dedicados e fervorosos. Muitos iam diariamente a Igreja, faziam oração, ministravamJohrei e participavam das diversas atividades na igreja.

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A noção ultrarreligiosa e o universalismo da IMM talvez tenha sido a mola mestra

 para essa convivência harmoniosa que acolheu igualmente pessoas e raças diversas. É de se

registrar que os negros sempre foram alvo de preconceitos, e pouco ou nada se conhecia da

raça amarela. A própria estrutura da IMMP, era um exemplo disso: o presidente era um

 japonês, o vice-presidente um brasileiro, e a maioria dos membros eram portugueses ou

africanos. Nas cerimônias litúrgicas podia ver-se a participação dessas raças em perfeita

harmonia.

O povo português também é muito atento a arte. A Igreja Messiânica conseguiu entrar

com sucesso, através da Academia Sanguetsu171. Isso aconteceu com a atuação da Prof a.

Emiko Taniguchi, que morou um ano em Portugal para estabelecer as bases da arte como

coluna de salvação, segundo as ideias do fundador, como podemos inferir, a partir do trecho

abaixo do livro Alicerce do Paraíso, escrito pelo fundador da IMM:

Dispenso maiores explanações sobre o Belo, por ser assunto do domínio detodos, mas, como temos dito, a condição fundamental para transformar estemundo num paraíso está na concretização da Verdade, do Bem e do Belo.Assim, tanto a eliminação das máculas causadoras das doenças, como areformulação dos métodos agrícolas, são, logicamente, artes. A primeira e aArte da Vida, e a segunda a Arte da Agricultura. Acrescentemos, ainda, a

construção do protótipo do Paraiso Terrestre, que é a Arte do Belo. Com a junção das três, construiremos o Mundo da Luz, consubstanciado na trindadeVerdade-Bem-Belo. É o Paraíso Terrestre, ou a concretização do Mundo deMiroku.(OKADA, 2005, v.5, p.61)

 No final de 1980, junto com a Prof.ª Emiko, chega a Lisboa, o ministro Yoshikatsu

Inoue (1951-2002), brasileiro, que lá permaneceu por longos anos. Fortaleceu a base para as

atividades religiosas, culturais e também da Agricultura e Alimentação Natural, que também

foi muito trabalhada pelos membros, com força no norte do país.

 Neste ano foram inauguradas as instalações próprias da Igreja. O presidente da IgrejaMessiânica Mundial do Brasil esteve presente, e sobre esse evento, disse:

Foi muito bonita a inauguração da Igreja Messiânica e da Associação MokitiOkada (M.O.A.) em Portugal. Mais de 600 pessoas lá estiveram, entremembros e seus familiares, convidados especiais e autoridades do governo português. (WATANABE, 1981, p.5)

171 Academia de Ikebana, arte japonesa de arranjos florais, fundada pela Igreja Messiânica Mundial no Japão em1972 e no Brasil em 1974.

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Junto com a Igreja Messiânica Mundial em Portugal, em suas novas instalações, foi

também inaugurada a Associação Internacional Mokiti Okada de Portugal, que possibilitaria

as atividades ultrarreligiosa da Messiânica. A seguir podemos vislumbrar como era a fachada

e o Altar dessas novas instalações.

A fachada da Igreja Messiânica Mundial de Portugal,

onde também funcionava a Associação Internacional Mokiti Okada.

Acervo pessoal do autor

O Altar da Igreja Messiânica Mundial de Portugal

Acervo pessoal do autor

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Assim, em 1982, as três colunas da entidade, Johrei, Belo e Agricultura e Alimentação

 Natural, já estavam fixadas. A instituição já contava com 300 membros e instalações próprias.

O PAPEL DA MULHER NO DESENVOLVIMENTO DA IGREJA EM PORTUGAL

Um dos pontos propostos em nossa pesquisa é um olhar sobre gênero. Ao observarmos

a história da IMM em Portugal, veremos que ela foi desenvolvida, em grande, parte com o

esforço e determinação das mulheres.

Em 1972, ao conhecer a Igreja no Brasil e se tornar membro, Mercedes Vieira de

Oliveira, retornou para Portugal, levando consigo dois Ohikari, para um casal de amigos. Ela

havia sido especialmente autorizada a fazer isso pelo reverendo Watanabe. No ano seguinte, a

senhora Maria Eugênia Ribeiro de Almeida, veio ao Brasil e teve os primeiros contatos com a

Igreja, no Rio de Janeiro, através de sua irmã, que era membro. Voltou para Portugal sem ter-

se outorgado, e sem conhecer Mercedes. A única noticia que tinha era do comandante da

marinha mercante que quando viajava para Portugal, ministrava-lhe Johrei no porão do navio.

Desejosa que o Johrei se expandisse em seu país, retornou ao Brasil em 1975, desta

feita para receber a permissão de ministrar o Johrei, foi ai que ficou sabendo de Mercedes. As

duas juntaram forças e desenvolveram atividades religiosas em casa de amigos, até a chegada

do ministro Waldemar, em março de 1977.

Ao longo do tempo, o que se verificou na evolução da entidade naquele país, é que foi

movida pela força das mulheres, presentes nas principais atividades, tais como ensino, e na

Academia Sanguetsu, bem como na quantidade de membros. As primeiras lideranças: no

ministério e na Ikebana, foram mulheres. A difusão na cidade do Porto, também teve início

 por uma mulher, a senhora Maria Tereza Silva, uma brasileira, também outorgada no Rio de

Janeiro, casada com um português, que havia morado em Angola, e que havia retornado a

Portugal pelos problemas políticos já citados. Sobre este assunto a estudiosa LindaWoodhead publicou na revista de Estudos da Religião:

A participação religiosa das mulheres deve ser entendida em relação àhabilidade das religiões em lhes prover um espaço social que não seriadisponível para elas de outra maneira. Este ponto de partida tem a vantagemde: (a) ser óbvio e (b) tratar as mulheres como agentes racionais ao invés detratá-las como marionetes do patriarcado. As mulheres podem ocupar estesespaços por várias razões: porque eles provêm um capital social e cultural, permitem formação de identidade, oferecem formas particulares de

 permissão e porque eles permitem às mulheres articularem suas esperanças,medos desejos e convicções morais  –   entre outras coisas. (WOODHEAD,2002, p.2)

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O SINCRETISMO LITÚRGICO

Ao mesmo tempo que a Igreja Messiânica se expandiu pelo mundo, adaptando-se as

culturas e sociedades locais, orações e costumes a sua linha de atuação, mantém a sua

originalidade e essência. Um dos pontos mais marcantes disso é o Altar, composto por um

 pergaminho onde há uma caligrafia em kanji172:  Dai Komyo Shin Shin (Deus Verdadeiro de

Luz Muito Intensa). Do lado direito do observador fica uma fotografia do Fundador Mokiti

Okada, que tratam pelo título honorífico de Meishu-Sama (Senhor da Luz). Do lado esquerdo

é sempre colocado um arranjo de Ikebana, como expressão do Belo. É diante deste altar que

os fiéis entoam a Oração Amatsu-Norito em japonês. Depois rezam a Oração Messiânica.

Mokiti Okada ensinava que os fonemas dessa oração, pronunciados em sua forma original,

emitem vibrações que elevam e purificam o ambiente. Em diversos cerimoniais a Oração do

Senhor (Pai Nosso), é entoada. É o caso das cerimônias de enlace matrimonial, apresentação

de criança e funeral.

Isso já acontecia há muitos anos no Brasil, as pessoas já estavam adaptadas a este

formato, Portugal seguiu o mesmo exemplo, facilitando muito a penetração messiânica. Isso

aconteceu porque o desenvolvimento da Igreja no Brasil foi muito grande, e os portugueses

admiraram muito isso. Por outro lado a facilidade da língua ser a mesma com poucas

variações gramaticais, e a herança de cultura também foi um facilitador. As práticas litúrgicas

no Brasil tornaram-se modelo que Portugal segue até hoje.

Outro fator a ser levado em consideração no que diz respeito a liturgia, diz respeito a

forma de se realizar os cultos. Na Messiânica realiza-se primeiro a cerimônia litúrgica

 propriamente dita, e em seguida a parte oratória, com experiências de fé e orientações pelo

ministro. Na Igreja Católica acontece algo semelhante, com a parte litúrgica sendo realizada

 primeiramente, e em seguida a orientação do sacerdote. Difere apenas pela realização dacerimônia da eucaristia. Isso também auxiliou muito na questão da penetração da Igreja

Messiânica no Brasil e a sua sequente transplantação para Portugal. As pessoas que

frequentam uma determinada religião, ao migrarem para outra, encontram maior facilidade de

adaptação se a liturgia de cultos, tiver uma formato semelhante da religião anterior.

Com relação as cerimônias litúrgicas, podemos notar que são extremamente idênticas

as do Brasil. Isto porque quando a Igreja Messiânica se transplanta para Portugal, mantém

todos os cerimoniais realizados no Brasil. Algumas pequenas alterações são observadas na

172 Alfabeto japonês.

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Oração Messiânica. No Brasil reza-se: “Oh! Supremo Deus, Criador e Doador de toda a

vida”.  Em Portugal: “Oh! Supremo Deus, Criador e Doador da vida”. Entendendo desta

forma que o termo “da vida”, já se subentende abranger “toda a vida”. Aqui encontramos, na

teoria de Pye, um aspecto ao mesmo tempo de contato, onde a religião entrante busca o seu

espaço, colocando uma oração na língua do país recipiente, e ao mesmo tempo uma

ambivalência, pois sofre uma ligeira alteração, para a sua adaptação.

Uma mudança mais significativa pode-se perceber na Oração do Culto Mensal. No

Brasil faz-se uma alusão mais genérica, do agradecimento pelo mês que findou, e renovando o

compromisso para o mês que se inicia. Em Portugal, essa alusão é mais detalhada. Por

exemplo: Os ministros, membros e frequentadores reúnem-se para louvar-Vos e agradecer-

Vos as bênçãos e proteções recebidas. Em seguida elencam as práticas a serem desenvolvidas:

estudo e prática dos ensinamentos de Meishu-Sama, fundador, de Nidai-Sama, Segunda Líder

Espiritual, e das orientações de Sandai-Sama, Terceira Líder Espiritual, e Kyoshu-Sama,

Quarto líder Espiritual; empenho de todos na construção dos Solos Sagrados; expansão da

difusão mundial; formação de um Johrei Center repleto de alegria, onde os amigos se reunam;

expansão da obra de salvação por meio do Johrei, Agricultura e Alimentação Natural, Horta

Caseira e Belo. Isso denota uma necessidade de se particularizar nas práticas, o que é uma

característica do povo português. Foram estas as únicas mudanças observadas na liturgia.

Aqui também encontramos um aspecto da teoria de Pye (1969), onde em seu teor ambivalente

a religião entrante sofre alterações, para uma adaptação a cultua recipiente.

O SINCRETISMO TEOLÓGICO

Temos aqui alguns pontos significativos a serem analisados. No caso de Portugal, a

religião predominante ainda é a católica. E não se pode analisar o sincretismo entre as duas

religiões, sem falar de alguns pontos convergentes entre elas. Enquanto uma se refere aomundo ideal como sendo o ‘Reino dos Céus’, a outra fala em ‘Paraíso Terrestre’. O ‘Juízo

Final’ para os católicos pode ser associado a ‘Transição da Noite para o Dia’ dos Messiânicos,

enquanto Cristo ensina: “Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei”  (Jó: 15, 12),

Mokiti Okada ensina: “O meio de se tornar feliz, consiste em fazer a felicidade do próximo.” 

(OKADA, 2005, v.3, p.40), entre outros elementos.

Os objetivos principais são muito próximos, o que possibilita as ações serem aceitas

 pelas pessoas. A caridade cristã, também é muito próxima do amor altruísta messiânico. Tantouma como outra são baseadas em estruturas teológicas trilógicas: Pai, Filho e Espírito Santo,

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coração da floresta

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na Católica a Verdade, Virtude e Beleza na messiânica. Não é simples se estabelecer uma

ligação destes elementos entre si, mesmo porque na religião messiânica, e trilogia Verdade,

Virtude e Beleza não é a única. Além desta há ainda: Johrei, Belo e Agricultura e

Alimentação Natural; espírito, mente e corpo; Fogo, Água e Terra, dentre outras. Esse ponto

também é importante, pois quem procura a Igreja Messiânica, acaba percebendo e aceitando-

a, pela similaridade nestes aspectos.

Há outro aspecto a ser analisado. Em sua própria concepção o termo católico  nos

remete a um significado de universalidade. Católico quer dizer universal173. Mokiti Okada

ensina que:  A verdadeira religião deve fundamentar-se no universalismo  (OKADA, 2005,

v.2, p.20). Daí também ele ter passado a nomear a Igreja Messiânica como Mundial. Surge aí

outra aproximação possível. No próprio nome das duas entidades, há o caráter universal.

Tendo objetivos e ideais baseados no universalismo, e ensinando os seus fiéis a

desenvolverem o amor altruísta, a Messiânica conseguiu no Brasil um amplo

desenvolvimento. A sua transplantação para Portugal, cuja base religiosa é católica, foi assim

facilitada.

Hoje, além de desenvolver o Johrei, a IMM de Portugal divulga e promove o Belo.

Mokiti Okada orienta a sua importância na vida do homem. Para ele o Paraíso é o Mundo do

Belo. Mas ele só conseguirá viver assim se fizer de si mesmo, um paraíso. As atividades neste

sentido como cursos de Ikebana, por exemplo, são abertos à sociedade, e objetivam o

despertar do espírito artístico, o senso estético e a sensibilidade das pessoas, no sentido de

evoluir espiritualmente, e desenvolve ainda a atividade de Agricultura e Alimentação Natural,

com vários membros produzindo em suas próprias fazendas, esse tipo de produtos.

Outro ponto que auxiliou e ainda auxilia na adaptação da Igreja nos diversos lugares, é

a compreensão do termo mundial, presente no nome da entidade. Este não se refere apenas a

uma questão geográfica, no sentido de se expandir para os diversos lugares do mundo, massim, e principalmente, no sentido de cada pessoa tornar-se mundial. E isto, para cada

indivíduo, significa que se torne mais altruísta, ou seja, pessoa que ame verdadeiramente o seu

 próximo, preocupando-se com a sua felicidade e bem estar. A entidade só será mundial se os

seus participantes assim o forem. Isso implica em superar algumas dificuldades para se

apreender o que for necessário, para se internalizar uma nova cultura. Assim o fizeram os

membros portugueses, que venceram a barreira da língua e dificuldades de pronúncia, em

relação ao japonês, para proferirem a oração Amatsu-Norito, como também o fizeram os173  Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues- portugues&palavra=católico Acesso em 05/11/2013.

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ministros japoneses quando vieram para o Brasil. Ou seja, aprender e apreender novas

culturas faz com que o indivíduo se torne mundial. A Igreja só será assim, se os seus

 partícipes assim o forem. Somente amadurecido este sentimento aqui no Brasil, é que ela saiu

 para mais de oitenta países. No sentido dos processos de mundialização, termo utilizado para

a problemática cultural, entendendo-se aqui, como o aspecto de exportação de culturas, a

Igreja não apenas se internacionaliza, mas se conecta e interage com os saberes e culturas

características de cada país, sem perder a sua originalidade (RAFFO, 2010). E as pessoas que

a integram precisam igualmente pensar e agir desta forma. Assim Mokiti Okada fala sobre

esse universalismo religioso:

A nossa religião não nos proíbe contatar com as outras religiões. Aocontrário, esse contato é até motivo de alegria para nós, visto que, pacifista,ela tem por objetivo harmonizar toda a humanidade, fazendo dos sereshumanos uma só família. Sendo assim, consideramos todas as religiõescomo companheiras e queremos dar-lhes as mãos, caminhando lado a ladocom elas. (OKADA, 2005, v.5, p.162)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em seu tempo inicial em Portugal, a Igreja conheceu um espaço que foi abertoexponencialmente pelos contatos sociais, ou seja, pessoas trazendo os seus familiares, parente

e amigos, através das relações interpessoais. Outro fator importante é que, com a abertura

 política do governo português, ao findar a ditadura salazarista em 1974, houve também a

consequente abertura cultural. Assim novas religiões puderam entrar e desenvolver as suas

atividades. Com relação aos contatos iniciais da messiânica com a cultura e a religião local

 predominante, não há registros de conflitos, atritos ou maiores problemas, isso sem dúvida,

 porque a Igreja já saiu do Brasil adaptada a costumes latinos e elementos teológicos e

litúrgicos católicos. A ambivalência religiosa ocorrida no Brasil se processou em Portugal.

Quanto a recuperação, preconizada por Pye, no ano de 2000, a Igreja lançou no

mundo todo o sistema de difusão e gestão interna, nomeado como  Johrei Center , em que

determinava que os locais onde funcionariam as unidades religiosas, seriam pequenos e

estabelecidos basicamente para a ministração de Johrei, orações e cultos. Atividades sociais

diversas e de aprimoramento religioso, bem como cursos em geral se centralizariam em

espaços maiores conhecidos como Centros de Aprimoramento  –   CA(s). Era o retorno ao

 ponto principal, o Johrei, sem deixar de lado a Agricultura e Alimentação Natural. Seguindo

os passos do Brasil, Portugal também adotou esse sistema, sem maiores dificuldades.

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Por outro lado, para se desenvolver em um país diferente, a religião transplantada teve

como opção a sua sincretização com a religião, a cultura e os saberes locais, possibilitando

assim uma interação e consequente aculturação de si mesma, para que pudesse crescer e

difundir-se nesse novo espaço. No caso da Igreja Messiânica de Portugal, esse processo foi

facilitado porque saiu do Brasil, já sincretizada com a religião católica que era predominante

tanto no Brasil quanto em Portugal.

Em um contexto contemporâneo de mundialização, uma religião, ou uma cultura

 poderão se expandir pelo mundo, mas só conseguirão realmente penetrar no âmbito de uma

essência mais pura dos locais que a recebem, se as pessoas que a compõem tiverem

 pensamentos, sentimentos e ações mundiais.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DOMINGUES, Claudio Moreno.  Religiões Orientais no Brasil. O Fenômeno da

Transplantação Religiosa: o caso da IMMB - Igreja Messiânica Mundial do Brasil . SãoPaulo: Digitado, 2012.OKADA Mokiti,  Alicerce do Paraíso. v. 2, 3 e 5. São Paulo: Fundação Mokiti Okada -M.O.A, 2005.PYE, Michael; The Transplantation of Religions. Brill, Holanda: Numen, 1969, vol.16, fasc.3,dez., p. 234-239.

RAFFO, Georgia B. O. A Localização Institucional da Igreja Messiânica Mundial No Brasil,Uma Abordagem A Partir Da Teoria da Mundialização, dissertação de mestrado, São Paulo,2010, USP, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de LínguasOrientais.WATANABE, Tetuso. Jornal Messiânico. São Paulo: Fundação Messiânica do Brasil, 1981.WOODHEAD, Linda. Revista de Estudos da Religião Nº 1, / 2002 / pp. 1-11. Disponível em:<http://www.pucsp.br/rever/rv1_2002/p_woodhe.pdf> Acesso em 15/11/2013.