248
Revista SÍNTESE DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL ANO XVIII – Nº 108 – JUL-AGO 2017 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Superior Tribunal de Justiça – nº 45/2000 Tribunal Regional Federal da 1ª Região – nº 20/2001 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – nº 1999.02.01.057040-0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – nº 19/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – nº 07/0042596-9 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – nº 10/2007 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL Milena Sanches Tayano dos Santos COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Simone Costa Salleti Oliveira CONSELHO EDITORIAL Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos Marcato, Araken de Assis, Arruda Alvim, Ênio Santarelli Zuliani, Humberto Theodoro Jr., João Baptista Villela, José Carlos Barbosa Moreira, José Roberto Neves Amorim, José Rogério Cruz e Tucci, Nehemias Domingos de Melo, Ricardo Raboneze, Sérgio Gilberto Porto, Silvio de Salvo Venosa COLABORADORES DESTA EDIÇÃO André Gomma de Azevedo, Camila Biral Vieira da Cunha Martins, Carolina Louzada Petrarca, Clóvis Mendes Leite Reimão dos Reis, Dannúbia Nascimento, Dorgival Viana Jr., Elizabeth Nantes Cavalcante, Erick da Silva Regis, Fernanda Tartuce, Gelson Amaro de Souza, Hugo Nigro Mazzilli, Leila Cristina Calasans Barreto Santos, Lorena Lucena Torres, Marco Aurélio Buzzi, Rebeca Alves de Souza Garcia, Renan Buhnemann Martins, Rodrigo de Oliveira Marques, Silvia Helena de Almeida Stefano ISSN 2179-166X

Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Revista SÍNTESE Direito Civil e ProCessual Civil

ano Xviii – nº 108 – Jul-ago 2017

rePositório autorizaDo De JurisPruDênCia

Superior Tribunal de Justiça – nº 45/2000Tribunal Regional Federal da 1ª Região – nº 20/2001

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – nº 1999.02.01.057040-0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – nº 19/2010

Tribunal Regional Federal da 4ª Região – nº 07/0042596-9Tribunal Regional Federal da 5ª Região – nº 10/2007

Diretor eXeCutivo Elton José Donato

gerente eDitorial Milena Sanches Tayano dos Santos

CoorDenaDor eDitorial Cristiano Basaglia

eDitora Simone Costa Salleti Oliveira

Conselho eDitorial

Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos Marcato, Araken de Assis, Arruda Alvim, Ênio Santarelli Zuliani, Humberto Theodoro Jr., João Baptista Villela,

José Carlos Barbosa Moreira, José Roberto Neves Amorim, José Rogério Cruz e Tucci, Nehemias Domingos de Melo,

Ricardo Raboneze, Sérgio Gilberto Porto, Silvio de Salvo Venosa

ColaboraDores Desta eDição

André Gomma de Azevedo, Camila Biral Vieira da Cunha Martins, Carolina Louzada Petrarca, Clóvis Mendes Leite Reimão dos Reis, Dannúbia Nascimento, Dorgival Viana Jr.,

Elizabeth Nantes Cavalcante, Erick da Silva Regis, Fernanda Tartuce, Gelson Amaro de Souza, Hugo Nigro Mazzilli, Leila Cristina Calasans Barreto Santos, Lorena Lucena Torres, Marco Aurélio Buzzi, Rebeca Alves de Souza Garcia, Renan Buhnemann Martins,

Rodrigo de Oliveira Marques, Silvia Helena de Almeida Stefano

ISSN 2179-166X

Page 2: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

1999 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Civil e Processual Civil.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 5.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

REVISTA SÍNTESE DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL Nota: Continuação de REVISTA IOB DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

v. 1, n. 1, jul. 1999

Publicação periódica Bimestral

v. 18, n. 108, jul./ago. 2017

ISSN 2179-166X

1. Direito civil – periódicos – Brasil 2. Direito processual civil

CDU: 347.9(05) (81) CDD: 347

(Bibliotecária responsável: Helena Maria Maciel CRB 10/851)

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.sage.com

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

Page 3: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Carta do Editor

O Assunto Especial desta edição trata do tema “Mediação e Conciliação – Novo CPC”, e conta com a participação dos brilhantes juristas: André Gomma de Azevedo, Marco Aurélio Buzzi, Elizabeth Nantes Cavalcante, Rebeca Alves de Souza Garcia, Fernanda Tartuce, Camila Biral Vieira da Cunha Martins, Renan Buhnemann Martins, Carolina Louzada Petrarca,e Dannúbia Nascimento.

E, ainda, na Seção “Com a Palavra, o Procurador”, artigo de Dorgival Viana Jr. intitulado “Audiência de Conciliação/Mediação Obrigatória no Novo CPC”.

O novo Código de Processo Civil estabeleceu no art. 334 o que deve ser observado para a realização de audiências de conciliação ou de mediação.

Temos dois lados: um de que a intenção do legislador foi promover a celeridade processual e outro de que o citado dispositivo também se propõe a aumentar o escopo do que pode ser dirimido no âmbito do Poder Judiciário.

Na Parte Geral selecionamos um vasto conteúdo, para mantermos a qualidade desta Edição, com relevantes temas e doutrinas de grandes nomes do Direito, tais como: Rodrigo de Oliveira Marques, Silvia Helena de Almeida Stefano, Gelson Amaro de Souza, Hugo Nigro Mazzilli, Clóvis Mendes Leite Reimão dos Reis, Erick da Silva Regis e Leila Cristina Calasans Barreto Santos.

E, por fim, na Seção Especial “Em Poucas Palavras”, artigo de Lorena Lucena Torres intitulado “O Que Fazer Quando Seu Voo Atrasa ou é Cance- lado?”.

Não deixe de ver nossa seção “Bibliografia Complementar”, que traz su-gestões de leitura complementar aos assuntos abordados na respectiva edição da Revista.

Aproveite esse rico conteúdo e tenha uma ótima leitura!

Milena Sanches Tayano dos Santos

Gerente Editorial

Page 4: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,
Page 5: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ......................................................................7

Assunto Especial

Mediação e ConCiliação – novo CPC

doutrinas

1. Novos Desafios para a Mediação e Conciliação no Novo CPC: Artigo 334André Gomma de Azevedo e Marco Aurélio Buzzi ....................................9

2. Mediação e Composição Amigável: Mudança de Paradigma na Administração da Justiça e a Atuação do AdvogadoElizabeth Nantes Cavalcante e Rebeca Alves de Souza Garcia .................13

3. Mediação no Novo CPC: Questionamentos ReflexivosFernanda Tartuce .....................................................................................29

4. Mediação e Conciliação no Novo CPC e a Tentativa de Tornar Mais Célere o ProcessoCamila Biral Vieira da Cunha Martins ......................................................45

5. Conciliação e Mediação na Ótica do Novo CPCRenan Buhnemann Martins ......................................................................48

6. Audiências de Conciliação e Mediação no Código de Processo Civil: Mudança de ParadigmasCarolina Louzada Petrarca e Dannúbia Nascimento ................................54

CoM a Palavra, o ProCurador

1. Audiência de Conciliação/Mediação Obrigatória no Novo CPCDorgival Viana Jr. .....................................................................................57

Parte Geral

doutrinas

1. A Efetiva Tutela Jurisdicional: Necessidade de um “Sistema Recursal”Rodrigo de Oliveira Marques e Silvia Helena de Almeida Stefano ............62

2. O CPC/2015 e o Devido Procedimento Legal na Fraude de ExecuçãoGelson Amaro de Souza ...........................................................................75

3. Os Precedentes dos TribunaisHugo Nigro Mazzilli ................................................................................94

Page 6: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

4. A Aplicação Supletiva e Subsidiária do CPC/2015 aos Processos Administrativos Estaduais, Municipais e Distritais: Uma Análise Crítica da ADI 5492/DFClóvis Mendes Leite Reimão dos Reis ......................................................96

5. O Novo Código de Processo Civil e o Arrolamento Comum de Bens (Artigos 664 e 665 do CPC/2015)Erick da Silva Regis ................................................................................113

6. A Importância do Seguro para o Atleta, o Acidente de Trabalho e a Responsabilidade Civil das Entidades DesportivasLeila Cristina Calasans Barreto Santos ....................................................128

JurisPrudênCia

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1432. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1573. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1624. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................1785. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................1826. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................1857. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................1908. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................204

ementário

1. Ementário de Jurisprudência Civil, Processual Civil e Comercial ............208

Seção EspecialeM PouCas Palavras

1. O Que Fazer Quando Seu Voo Atrasa ou é Cancelado?Lorena Lucena Torres .............................................................................235

Clipping Jurídico ..............................................................................................238

Bibliografia Complementar ..................................................................................244

Índice Alfabético e Remissivo ...............................................................................245

Page 7: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do

Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publi-cações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Revista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remune-ração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

Page 8: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,
Page 9: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Assunto Especial – Doutrina

Mediação e Conciliação – Novo CPC

Novos Desafios para a Mediação e Conciliação no Novo CPC: Artigo 334

AnDRé GOmmA De AzeveDOJuiz de Direito e Pesquisador visitante da Harvard Law School.

mARCO AuRéLIO BuzzIMinistro do Superior Tribunal de Justiça.

O novo Código de Processo Civil estabelece, no art. 334, os parâmetros a serem seguidos para a realização de audiências de conciliação ou de mediação. De um lado, pode-se argumentar que a intenção do legislador foi promover a celeridade processual. Por outro lado, o citado dispositivo também se propõe a aumentar o escopo do que pode ser dirimido no âmbito do Poder Judiciário.

Isto porque um conflito possui um escopo muito mais amplo do que simplesmente as questões juridicamente tuteladas sobre as quais as partes estão discutindo em juízo. Distingue-se, portanto, aquilo que é trazido pelas partes ao conhecimento do Poder Judiciário daquilo que efetivamente é interesse das partes. A chamada lide processual é, em síntese, a descrição do conflito se-gundo os informes da petição inicial e da contestação apresentados em juízo – analisando apenas os limites dela, na maioria das vezes não há satisfação dos verdadeiros interesses do jurisdicionado. Por outro lado, a descrição do conflito segundo os parâmetros preconizados pelos próprios envolvidos denomina-se de lide sociológica1.

O novo CPC, em seu art. 334, envida esforços para prestigiar a resolução integral do conflito, presumindo que, dessa forma, melhor se proporcionar à sociedade a pacificação efetiva. Não basta resolver a lide processual – aquilo que foi trazido pelos advogados ao processo – se os verdadeiros interesses que motivaram as partes a litigar não forem identificados e resolvidos. Exemplifi-cativamente, em determinada demanda julgada em Minas Gerais (TJMG, AC 408.550-5, 7ª Câmara Cível, DJMG 29.04.2004), na qual se deferiu pedido de

1 BACELLAR, Roberto Portugal. Juizados Especiais: a nova mediação paraprocessual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

Page 10: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

10 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

danos morais a um filho por abandono afetivo de seu pai, houve repercussão significativa após entrevista do autor a um programa de televisão no qual este chorava ao afirmar que não conseguiu o que queria – mesmo tendo lhe sido de-ferido o pedido. O autor afirmou na entrevista que, ao ficar sabendo da referida decisão, seu pai lhe informou que nunca mais lhe dirigira a palavra. Ainda nesta entrevista, o autor chorando disse que “não era isso que queria”. Constata-se que, na lide processual, houve formalmente um vencedor (i.e., o filho) e um perdedor (i.e., o pai); todavia, na realidade (ou na lide sociológica), ambos cer-tamente saíram insatisfeitos do processo de resolução de disputa – neste conflito houve dois perdedores.

O exemplo citado merece ser examinado também da perspectiva do ju-risdicionado. Imagine-se o pai do autor, que regularmente cumpria com seus deveres de prestação alimentar, todavia, praticamente não mantinha contato com o jovem em razão de residir no exterior. O pai recebe uma contrafé indi-cando que “abandonou afetivamente seu filho” – praticamente uma declaração de inaptidão parental ou mesmo uma “certidão de pior pai do mundo”. Essa inicial certamente reverberá na mente do réu por muito anos. Vale destacar que, exatamente por este motivo, o novo CPC estabelece, no § 1º do art. 695, que “o mandado de citação conterá apenas os dados necessários à audiência e deverá estar desacompanhado de cópia da petição inicial, assegurado ao réu o direito de examinar seu conteúdo a qualquer tempo”.

A política pública de resolução apropriada de disputas conduzida pelo Conselho Nacional de Justiça tem refletido um movimento de consensualização do Poder Judiciário, uma vez que passa a estabelecer a autocomposição como solução prioritária para os conflitos de interesse. Isso significa que o legislador crê que a maior parte dos conflitos pode ser resolvida por meios consensuais. O Código de Processo Civil apresenta uma série de indicações nesse sentido, com o conciliador e o mediador sendo auxiliares da justiça (art. 149) e a criação de centros judiciários de solução consensual de conflitos (art. 165). De fato, essas indicações refletem normas infralegais estabelecidas no CNJ, como a Recomen-dação nº 50/2014 e a Resolução nº 125/2010, respectivamente.

Nota-se que o legislador avançou, estabelecendo a regra de encaminha-mento à conciliação ou à mediação no art. 334 do novo CPC, indicando que se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de im-procedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação. O estímulo pretendido foi tão enfático que o § 4º do mesmo artigo estabelece que a audiência não será realizada apenas se ambas as par-tes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual ou quando não se admitir a autocomposição. Ademais, o § 8º desse mesmo artigo estabelece, também, que o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à au diência de conciliação deve ser considerado ato atentatório à dignidade

Page 11: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������11

da justiça e deve ser sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.

O argumento utilizado em algumas decisões recentes de magistrados de que a audiência de conciliação ou de mediação pode ser dispensada pelo ma-gistrado em prol da celeridade processual ou em razão da falta de mediadores ou conciliadores não encontra respaldo no nosso ordenamento processual ou no contexto fático brasileiro.

Inicialmente, merece o destaque que nem toda demanda deve ser enca-minhada à autocomposição. De um lado, se as partes indicarem, de forma unís-sona, que não desejam conciliar ou se, quanto à matéria, não couber ou não se recomendar a autocomposição, caberá ao magistrado seguir com a instrução processual (novo CPC, art. 334, § 4º, I e II).

Por outro lado, o argumento de celeridade processual para evitar a au-diência autocompositiva não encontra suporte legislativo ou mesmo fático. Considere-se que o tempo médio de duração de demandas cíveis no Brasil, da inicial até o trânsito em julgado após o prazo recursal extraordinário (Tribunais Superiores), seja de 10 anos. Para cada demanda que se encerra por conciliação ou mediação economiza-se cerca de 9,5 anos de tramitação (presumindo-se prazo de 6 meses do recebimento da inicial à homologação do acordo – desta-que-se que o prazo estabelecido no art. 28 da Lei de Mediação para a condução do procedimento é de 60 dias). Se cada autocomposição onera o andamento processual em seis meses, pode-se afirmar que cada mediação ou conciliação bem-sucedida justifica cerca de 20 demandas sem acordo. Isto é, para que se justifique o encaminhamento de demandas para a conciliação ou mediação, em razão da duração do processo apenas no primeiro e segundo graus de ju-risdição, basta que haja 5% de sucesso. Em algumas oportunidade em que foi verificado2, o índice de acordo nas conciliações foi de cerca de 70%.

Vale destacar que o magistrado pode também determinar que a concilia-ção ou a mediação poderá ser conduzida entre a data de despacho da inicial e a data estabelecida para a audiência de instrução. Essa prática, denominada de parallel tracking mediation, permite que o procedimento autocompositivo siga paralelamente ao processo judicial.

Outro argumento que atualmente tem sido utilizado para afastar a apli-cação do art. 334 do novo CPC consiste na alegação de que inexistem conci-liadores e mediadores suficientes para atenderem ao número de feitos em juízo. Todavia, o Cadastro Nacional de Mediadores Judiciais e Conciliadores pode e deve ser utilizado para a seleção do autocompositor. De fato, o registro de

2 Dados da Semana Nacional de Conciliação de 2014.

Page 12: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

12 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

atividades dos conciliadores e mediadores judiciais tem demonstrado elevado número de autocompositores com disponibilidade para atuarem em feitos judi-cializados. Ademais, há muitos Cejuscs para os quais os feitos podem e devem ser encaminhados para posterior seleção de conciliação ou mediação.

Em suma, mais do que comprovadamente acelerar o processo de resolu-ção de disputas, a conciliação e mediação judicial permitem dirimir lides socio-lógicas. Essas práticas de consensualização da justiça proporcionam a recontex-tualização do papel do Poder Judiciário, afastando-se de posições singularistas segundo as quais para cada conflito de interesse só pode haver uma solução correta – a do magistrado, que, sendo mantida ou reformada em grau recursal, torna-se a “verdadeira solução” para o caso. A ideia de que o jurisdicionado, quando busca o Poder Judiciário, o faz na ânsia de receber a solução de um ter-ceiro para suas questões vem progressivamente sendo alterada para uma visão de Estado que oriente as partes para que resolvam, de forma mais consensual e amigável, seus próprios conflitos e, apenas excepcionalmente, como última hipótese, se decidirá em substituição às partes. Assim, na autocomposição, po-dem existir diversas respostas concomitantemente corretas (e legítimas) para uma mesma questão. Nessa hipótese, cabe às partes construírem a solução para suas próprias questões e, assim, encontrar a resposta que melhor se adeque ao seu contexto fático.

Page 13: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Assunto Especial – Doutrina

Mediação e Conciliação – Novo CPC

Mediação e Composição Amigável: Mudança de Paradigma na Administração da Justiça e a Atuação do Advogado

eLIzABeTh nAnTeS CAvALCAnTeDoutora em Filosofia de Direito – PUC/SP, Mestre em Direitos Fundamentais, Especialista em Direito das Relações de Consumo – PUC/SP, Professora no Curso de Pós-Graduação em Direito Empresarial – EPD (Escola Paulista de Direito), Professora convidada no Curso de Pós-Gra-duação da Escola Politécnica – USP, Professora Titular nos Cursos de Graduação em Direito e Administração de Empresas – UNIP/SP, Pesquisadora na área de Direitos Fundamentais e Bioética – Unifieo, Membro efetiva e integrante da Comissão de Direitos Fundamentais do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), Advogada, Comediadora.

ReBeCA ALveS De SOuzA GARCIADoutoranda em Direito Previdenciário – PUC/SP, Mestre em Direito Político e Econômico – Mackenzie, Especialista em Direito Público – Universidade Salesianas, Coordenadora Auxiliar do Curso de Direito da Universidade Paulista – UNIP/SP, Professora nos Cursos de Graduação em Direito, Propaganda e Marketing e Ciências Contábeis – UNIP/SP.

SUMÁRIO: 1 O advogado como indispensável à administração da justiça; 2 As atividades de consul-toria, assessoria e direção jurídicas; 3 A função social da advocacia e a legislação atual: cooperação e superação dos conflitos pela composição amigável; 4 O exercício do jus postulandi e a constitucio-nalidade das exceções na Justiça do Trabalho e nos Juizados Especiais Cíveis; 5 A fundamentação principiológica do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015); 6 A Lei de Mediação e a importância da consultoria jurídica na resolução de conflitos; Conclusão; Referências.

1 O advOgadO cOmO indispensável à administraçãO da justiça

A Constituição da República de 1988 dedicou especial atenção ao exer-cício da advocacia no art. 133, ao dispor que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. O Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994) trata da indispensabilidade do advogado na administração da justiça, no exercício de sua atividade, sendo, portanto, considerado um serviço público e uma função social (art. 2º, § 1º).

Sendo o exercício da advocacia (contenciosa ou não contenciosa) uma função de extrema relevância, o Código de Ética profissional do advogado dis-

Page 14: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

14 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

põe sobre sua contribuição na defesa do Estado Democrático de Direito, da cidadania, da moralidade pública, da justiça e da paz social (art. 2º).

Assim, na administração da justiça, os princípios da ampla defesa e do contraditório, ínsitos no art. 5º, LV, e consagrados na Carta Magna como direi-tos fundamentais, instruem a ordem processual como medida legitimadora da construção judicial da decisão. Nesse sentido, à luz da análise hermenêutica, é possível inferir uma interface necessária presente na solução de conflitos judi-ciais: a efetividade da justiça e a garantia do direito de defesa.

O direito orienta/separa a pacificação dos conflitos e o processo judicial possibilita os expedientes jurídicos que devem estar aptos a materializar a solu-ção desses conflitos. É por meio do Estado-juiz que, quando provocado, deve despertar da inércia processual, a fim de prolatar uma decisão; se não a mais justa, a mais razoável.

O novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) expressa, em seu art. 3º, § 2º, que “o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consen-sual dos conflitos”. Nesse mesmo dispositivo, o § 3º aduz a imposição legal de fomentar-se a conciliação, a mediação, bem como outros métodos de solução consensual de conflitos pelos juízes, advogados, defensores públicos e mem-bros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

Sob o aspecto ético-filosófico, é de reconhecer que a administração da justiça não está limitada ao dever legal do advogado em desempenhar suas funções institucionais e técnicas no exercício da atividade profissional. Aliás, é sabido que entre os deveres e as prerrogativas profissionais do advogado estão: a defesa da Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da justiça, o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.

Dessa forma, limitar a atividade da advocacia somente ao universo ad-versarial como medida da boa distribuição de justiça social é desconhecer as funções essenciais à justiça. Essas encontram-se nos mais diversos dispositivos legais que legitimam a capacidade postulatória do advogado sob um novo para-digma jurisdicional, ou seja, de inspiração mais humanista e inovadora. Assim, depreende-se que a administração da justiça envolve direitos de solidariedade, cuja função social deve ser direcionada à promoção do consenso em detrimen-to da litigiosidade.

A administração da justiça é mais do que uma imposição constitucional, é um comprometimento ético e moral de o advogado vincular-se aos deveres de cooperação e de informação contínua e integral para com a justiça, para com os seus colaboradores e para com os jurisdicionados.

Page 15: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������15

Com efeito, os deveres de cooperação e de informação funcionam como conectores lógicos para o exercício do contraditório, de tal forma que atuam como elementos-chave vocacionados para vicejar a composição amigável, no exercício da liberdade de escolha e da autonomia da vontade.

O advogado constitui o elo entre a composição e a decisão conjunta, cuja perspectiva dialógica refuta a perpetuação da diversidade, uma vez que torna inoperante todo o sistema principiológico do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).

2 as atividades de cOnsultOria, assessOria e direçãO jurídicas

O art. 5º, inciso XIII, da Constituição da República assegura a liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, desde que atendidas às qualificações profissionais que a lei estabelecer. Trata-se de norma constitucio-nal de eficácia contida, sendo que a lei infraconstitucional limitará o seu alcan-ce, fixando condições e requisitos para o pleno exercício da profissão.

Dessa forma, o art. 8º do Estatuto da Advocacia – Lei nº 8.906/1994 – de-fine que a aprovação e inscrição junto à Ordem dos Advogados são requisitos imprescindíveis para o exercício da advocacia, regulamentando a profissão nos termos definidos pela norma constitucional1.

O art. 1º do referido diploma legal estabelece que são privativas dos advogados as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídica. Com isso, ressalta a necessidade de acompanhamento técnico do advogado no que con-diz aos atos da vida cotidiana, pois, assim, dificilmente se transformariam em litígios.

A consultoria jurídica consiste em atividade que decorre da provocação do interessado, o qual questiona o advogado sobre determinado assunto. O advogado, assim, realiza uma avaliação acerca do lhe é apresentado e aponta para as possíveis soluções. Sob essa perspectiva, a realização de um parecer pelo profissional do direito destinado a sanar dúvidas, ainda que verbal, é uma atividade de consultoria.

A assessoria jurídica, por sua vez, está relacionada ao desenvolvimento de um projeto jurídico, ou seja, vislumbra a realização de atos supervisionados pelo advogado ou, até mesmo, executados por ele mesmo. Entre as práticas comuns entendidas como assessoria jurídica, pode-se mencionar: a elaboração de um contrato pelo advogado e seu acompanhamento junto ao cartório, a fim de registrá-lo; a elaboração de um termo de transação extrajudicial entre partes em conflito, entre outros exemplos.

1 O art. 8º, IV, da Lei nº 8.906/2004 foi declarado constitucional pela Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 603.583, Relator Ministro Marco Aurélio (J. 26.10.2011, Plenário, DJe 25.05.2012).

Page 16: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

16 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

A consultoria e a assessoria jurídicas são atividades privativas dos advo-gados, conforme teor encontrado no ementário expedido pelo Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP, bem como do Conselho Federal da OAB, respectiva-mente, se não bastasse a expressa disposição legal mencionada:

E-3.279/06 – EXERCÍCIO DA PROFISSÃO – CONSULTORIA JURÍDICA PRES-TADA POR BACHAREL EM DIREITO – IMPOSSIBILIDADE – Não basta cursar a faculdade de direito, obter aprovação e ter expedido seu diploma ou certificado de conclusão do curso, para ser advogado. Para ser advogado é preciso estar inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil. São atividades privativas de advo-cacia a postulação em juízo e as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídica. São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas (arts. 1º e 4º do EOAB). O bacharel em direito não pode sob qualquer hipótese pres-tar consultoria jurídica, que é atividade privativa da advocacia, sob pena de co-meter crime de exercício ilegal da profissão (Regulamento Geral – art. 4º). V.u., em 16.02.2006, do parecer e ementa do Relator Dr. Luiz Antônio Gambelli – Rev. Dr. Fabio Kalil Vilela Leite – Presidente Dr. João Teixeira Grande.2

Advogado. Licenciamento da advocacia. Exercício do cargo de assessor jurídico do Ministério Público. É de ser levantada licença de advogado que exerce cargo de Assessor Jurídico do Ministério Público, vez que a assessoria jurídica é ativi-dade privativa de advocacia e esta é privativa de inscrito no Quadro de Advoga-dos da OAB (arts. 1º e 3º, EAOAB). Recurso que se conhece, mas a que se nega provimento. (Proc. 5.518/2000/PCA-PR, Rel. Leidson Meira e Farias, Ementa 092/2000/PCA, julgamento: 17.10.2000, por unanimidade, DJ 26.10.2000, p. 373, S1e) Similar: Proc. 5.520/2000/PCA-PR, Rel. Fides Angélica de C. V. M. Ommati (PI), julgamento: 17.10.2000, por unanimidade, DJ 20.11.2000, p. 604, S1e.3

A direção jurídica possui previsão no art. 7º do Regulamento Geral da OAB, fulcrado no art. 1º, inciso II, do Estatuto da Advocacia, senão vejamos: “Art. 7º A função de diretoria e gerência jurídicas em qualquer empresa públi-ca, privada ou paraestatal, inclusive em instituições financeiras, é privativa de advogado, não podendo ser exercida por quem não se encontre inscrito regu-larmente na OAB”.

De acordo com o dispositivo, a direção jurídica se refere à atividade de gerência em quaisquer empresas, pública ou privada, significando que possuem um departamento jurídico próprio para tratar das respectivas questões. É impor-

2 Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/tribunal-de-etica-e-disciplina/melhores-pareceres/E327906>. Aces - so em: 23 abr. 2017.

3 Disponível em: <http://www.oab.org.br/jurisprudencia/detementa/1043?title=898&search=ASSESSORIA% 20JURIDICA%20PRIVATIVA%20ADVOGADO>. Acesso em: 23 abr. 2017.

Page 17: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������17

tante frisar que a norma não obriga que as empresas organizem um departa-mento jurídico próprio. Contudo, se houver, o seu diretor deverá ser advogado.

Do mesmo modo, a existência de um departamento jurídico não impede que as empresas contratem outros escritórios para tratar de questões jurídicas específicas ou delegar alguns serviços jurídicos a terceiros especializados. Além de não violar a norma regulamentadora da advocacia, acaba sendo uma prática muito comum e necessária, até por conta das próprias modificações históricas, sociais e culturais que constantemente influenciam o direito. É sabido que há cerca de cinquenta anos não se cogitaria a necessidade de normas específicas para regular questões como cyberbulling, crimes por Internet, relações de con-sumo na Internet, entre vários outros exemplos.

O incessante surgimento de novas situações e, por conta disso, possíveis e inéditos conflitos exigem especialização em determinadas áreas do conheci-mento jurídico, fazendo com que as empresas busquem advocacia especializa-da na respectiva área.

Considerando o método hermenêutico clássico e o elemento sistemático na tarefa interpretativa, é possível concluir que as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas privativas ao advogado, além de constitucionais, também corroboram preceitos éticos e morais de que referidas atividades de-verão ser devidamente prestadas por profissionais regulamentados em norma específica, a fim de manter seus deveres de cooperação para com a justiça, com seus jurisdicionados e, sobretudo, com a administração da justiça.

3 a funçãO sOcial da advOcacia e a legislaçãO atual: cOOperaçãO e superaçãO dOs cOnflitOs pela cOmpOsiçãO amigável

A partir da Resolução nº 125 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) criou-se um programa de resolução de conflitos por vias não judiciais: a me-diação e a conciliação. Essa iniciativa jurídica mudou o paradigma da admi-nistração da justiça e propiciou a mudança da mentalidade contenciosa para a atuação compositiva, em uma nova perspectiva em sede de pacificação social: a solução dos conflitos por meio de uma estrutura dialógica não contenciosa.

O novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) fomenta essa ini-ciativa (art. 3º, § 3º) ao dispor que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual deverão ser estimulados por juízes, advogados, defenso-res públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

Entre os princípios contemplados pelo novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), destaca-se o da cooperação como medida de razoabilida-de satisfativa. Em outras palavras, busca-se a qualidade da prestação jurisdicio-

Page 18: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

18 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

nal de forma a se alcançar a desejada justiça social tão preconizada nas socie-dades modernas. Assim, o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) enfatiza, de forma indissociável, os valores constitucionais da justiça social e das garantias processuais.

Segundo J. J. Gomes Canotilho4, os direitos fundamentais, notadamente no tocante às liberdades e garantias, cumprem, entre outras quatro funções5, a relevante função de defesa dos cidadãos em dupla perspectiva: na esfera jurídico-objetiva e na esfera jurídico-subjetiva, respectivamente, referenciadas como normas proibitivas para o Estado não se insurgir nas esferas individuais, tanto no exercício das liberdades positivas quanto nas liberdades negativas dos cidadãos.

Nesse sentir, impõe-se o dever de cooperação nacional, portanto, ínsito no Capítulo II, art. 67 do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), direcionado aos órgãos do Poder Judiciário, tanto na esfera estadual quanto na federal, na justiça especializada ou comum, bem como em todas as instâncias e os graus de jurisdição, sendo esse dever o de cooperação recíproca, extensivo, inclusive, aos Tribunais Superiores. Note-se que a imperatividade da norma processual dispõe que essa cooperação será incumbida a todos os magistrados, bem como a todos os servidores da justiça.

O advogado, como servidor da lei na busca pela justiça, segundo os termos da Constituição da República, é indispensável para a administração da justiça; logo, tem como dever e encargo envidar todos os meios de cooperação, com vistas a alcançar a melhor prestação jurisdicional aos seus patrocinados.

No tocante às regras deontológicas fundamentais contidas no Código de Ética do advogado6, não obstante os deveres do advogado nas atividades de consultoria e assessoria jurídica, impõem o estímulo à conciliação e à mediação entre os litigantes, de forma a prevenir a instauração de litígios (art. 2º, parágrafo único, VI) e o desestímulo a futuras demandas judiciais, desaconselhando lides temerárias (art. 2º, parágrafo único, VII).

No âmbito da legitimidade postulatória, o advogado, independentemen-te de sua atuação (contenciosa ou consultiva), se compromete a informar o seu cliente, de forma clara e inequívoca, sobre os riscos da pretensão litigante (art. 9º), além de zelar pelos seus interesses na obtenção da justiça e do direito. Nesse sentido, a composição amigável sobressai-se como via alternativa para a

4 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 407-408.

5 As funções dos direitos fundamentais a que J. J. Gomes Canotilho se refere são os direitos de defesa, os direitos prestacionais, a proteção perante terceiros e a não discriminação (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 407-410).

6 Resolução nº 2/2015.

Page 19: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������19

satisfação do direito e a consecução da almejada justiça, não só porque permite às partes decidir por si mesmas colocar um fim às questões controversas, mas também porque substitui o paradigma adversarial do ganha/perde pelo paradig-ma colaborativo do ganha/ganha.

O novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) contemplou a autocomposição ao institucionalizar a mediação e a conciliação como formas de solução de conflitos. Assim, estimula-se o acordo que se deseja alcançar no exercício da autonomia, dimensionando a capacidade comunicativa e dinami-zando a via democrática do consenso.

Ao conferir soberania às partes para que decidam sobre a melhor solu-ção, tanto a Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015) quanto o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) contribuíram para uma atuação mais asser-tiva na construção do consenso, a fim de solucionar os conflitos, conferindo materialidade ao direito por meio de procedimentos não adversariais. Nesse sentido são as palavras de Nehemias Domingos de Melo7:

Reforçando a ideia de que a autonomia da vontade das partes é o que deve pre-valecer nessa fase processual, estabelece ainda o novo CPC que a mediação e a conciliação serão regidas conforme a livre autonomia dos interessados, inclusi-ve no que diz respeito à definição das regras procedimentais.

Com efeito, sob a perspectiva do acordo e do consenso, o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) consolida a ideia de concretizar a com-posição amigável por meio da autonomia da vontade das partes. Assim ocorre no art. 165, § 2º, desse mesmo diploma legal, que confere ao conciliador sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constran-gimento ou intimidação para que as partes conciliem. Ademais, a gestão de conflitos, tanto na mediação quanto na conciliação, deve ser desempenhada sob um enfoque estratégico, em uma genuína negociação integrativa, sempre respeitando a vontade das partes envolvidas.

O novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) teve por escopo assegurar a autonomia da vontade privada, mesmo quando não há interesse na autocomposição consensual, devendo, nesse caso, os interessados fazê-lo por expresso (art. 334, § 4º, II). Em não havendo interesse, não se realizará a au-diência de conciliação.

Embora os papéis do mediador e do conciliador não se confundam, é fato que ambos ensejam a negociação de forma cooperativa e integrativa. Segundo o método de Harvard ou “como chegar ao sim” desenvolvido por Fisher, Ury e

7 MELO, Nehemias Domingos de. Novo CPC – Anotado – Comentado e comparado. 2. ed. São Paulo: Rumo Legal, 2016. p. 161.

Page 20: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

20 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Patton8, são quatro as regras principiológicas que norteiam o processo de nego-ciação: (i) separe as pessoas dos problemas; (ii) concentre-se nos interesses, não nas posições; (iii) invente opções de ganhos mútuos; e (iv) insista em critérios objetivos.

O próprio Código de Processo Civil atual (Lei nº 13.105/2015) admite a aplicação de técnicas negociais com vistas a proporcionar ambiente mais favo-rável à autocomposição (art. 166, § 3º). A opção pelo consenso é a alternativa eleita pelo Código, haja vista a presença deste objetivo em diversos dispositivos da nova lei processual. O respeito à autonomia privada também é relevante em matéria processual, tanto é assim que o art. 319 do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) prevê que a petição inicial indicará a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.

A Lei nº 13.140/2015 dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública e recepciona, no seu art. 2º, os princípios que orientam a mediação de conflitos e prevê a possibilidade de as partes se-rem assistidas por advogados e defensores públicos na mediação extrajudicial (art. 10). No âmbito judicial, as partes deverão ser assistidas por advogados ou defensores públicos, ressalvadas as hipóteses previstas na Lei nº 9.099/1995 e na Lei nº 10.259/2001.

4 O exercíciO dO jus pOstulandi e a cOnstituciOnalidade das exceções na justiça dO trabalhO e nOs juizadOs especiais cíveis

O jus postulandi consiste na faculdade de litigar em juízo sem a neces-sidade de patrocínio do advogado. O Código de Processo Civil de 1973 previa esta possibilidade somente quando o advogado estivesse litigando em causa própria ou quando não houvesse causídico disponível, nos termos do art. 36 do mencionado diploma. Por outro lado, no âmbito da Justiça Laboral, o jus postulandi é uma das principais características no processo do trabalho, confor-me explicita o art. 791 da CLT.

Art. 791. Os empregados e empregadores poderão reclamar perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final.

§ 1º Nos dissídios individuais os empregados e empregadores poderão fazer-se representar por intermédio do sindicato, advogado, solicitador, ou provisionado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil.

§ 2º Nos dissídios coletivos é facultada aos interessados a assistência por advo-gado.

8 FISHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce. Como chegar ao si. Negociação de acordos sem concessões. 2. ed. Trad. Vera Ribeiro e Ana Luiza Borges. Rio de Janeiro: Imago, 1994. p. 33-99.

Page 21: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������21

Nessa esteira, o art. 839, a, da Consolidação das Leis do Trabalho (De-creto nº 5.452/1943) também salienta que a reclamação trabalhista pode ser apresentada tanto pelos empregados quanto por empregadores e, também, pelo sindicato de classe9.

A interpretação teleológica dos referidos dispositivos permite perceber que o jus postulandi foi originalmente proposto para viabilizar o acesso à justiça, em razão de duas especiais circunstâncias. A primeira delas seria a inexistência de advogados em localidades mais distantes. Quanto à segunda circunstância, correspondia ao fato de que a disponibilidade financeira dos empregados era pequena, o que refletia nas baixas pretensões econômicas dos pedidos. Ambas circunstâncias caracterizaram a época em que o texto consolidado foi publi- cado10.

Com o advento da Constituição de 1988 e o reconhecimento do advoga-do como essencial à administração da Justiça, bem como com a promulgação da Lei nº 8.906/1994, que previu a necessidade de advogado para postular em qualquer órgão jurisdicional, houve certa polêmica de que o jus postulandi na Justiça do Trabalho havia caído por terra.

Uma corrente minoritária defendia que, após a Constituição Federal de 1988, em função de o art. 133 estabelecer que o advogado é indispensável à adminis-tração da justiça, o art. 791, CLT não mais estaria em vigor, em face da incom-patibilidade com o texto constitucional mencionado.

Essa corrente ganhou mais força com a edição da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da OAB) que, em seu art. 1º, I, considerava atividade privativa da advocacia ‘a postulação a qualquer portão do Poder Judiciário e aos Juizados Especiais.11

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) firmou jurisprudência no sentido de que o patrocínio do advogado é a regra, porém está sujeita a exceções a serem estabelecidas pelo legislador, a fim de atender situações especiais, como é o caso da Justiça do Trabalho, Justiça de Paz e das causas até 20 salários--mínimos, postuladas perante aos Juizados Especiais – Lei nº 9.099/199512.

Em razão da natureza excepcional do jus postulandi, o Tribunal Superior do Trabalho decidiu pela não admissão do seu uso pelas partes em recursos interpostos perante o TST ou dirigidos à Corte Superior, salvo habeas corpus,

9 Contudo, a atuação perante o Tribunal Superior do Trabalho não segue essa regra, conforme redação definida pela Súmula nº 425 da referida Corte.

10 PEREIRA. Iuri Pinheiro. O jus postulandi e a questão da responsabilidade pelas despesas processuais. In: COLNAGO, Lorena; NAHAS, Thereza. Processo do trabalho atual: aplicação dos enunciados do Fórum Nacional e da Instrução Normativa do TST. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 48.

11 SARAIVA, Renato. Processo do trabalho. Método, 2012. p. 133.12 Esse entendimento restou consolidado com o julgamento da ADI 1.127-8, proposta pela Associação dos

Magistrados do Brasil – AMB, na qual o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a expressão “qualquer”, utilizada no art. 1º da Lei nº 8.906/1994.

Page 22: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

22 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

tendo sido posteriormente publicada a Súmula nº 425 do TST, com a seguinte redação: “O jus postulandi das partes, estabelecido no art. 791, da CLT, limita--se às Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançan-do a ação rescisória, a ação cautelar, o andado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho”.

Portanto, o jus postulandi não prevalece nas instâncias extraordinárias. Assim, no caso de interposição do recurso de revista, por exemplo, ou qualquer outro recurso que tramite na instância do TST, é exigível a subscrição por ad-vogado.

Conforme mencionado, os Juizados Especiais Cíveis também adotaram o instituto do jus postulandi, desde que o valor da causa não ultrapasse o valor de vinte salários-mínimos. Dessa forma, a parte poderá provocar jurisdição e acompanhar todo o processo, sem ter que constituir procurador para sua defe-sa. Essa faculdade esta positivada no art. 9º da Lei Federal nº 9.099/1995, que regula os Juizados Especiais no âmbito estadual.

A intenção da criação dos Juizados Especiais Cíveis foi reunir aquelas causas que dificilmente chegariam ao conhecimento do Poder Judiciário, seja pela simplicidade das pessoas que tinham os seus direitos prejudicados ou pelo valor da demanda, visto que não haveria condições de a parte pagar um ad-vogado. Por isso os fundamentos principiológicos processuais aplicáveis aos Juizados Especiais muito se assemelham a alguns adotados pelo processo labo-ral, quais sejam, oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Diante disso, pode se afirmar que uma das finalidades da criação dos Juizados foi a de viabilizar um maior acesso à Justiça, tendo o jus postulandi exercido papel fundamental dentro dos limites constitucionais que lhe foram atribuídos.

É certo que o jus postulandi é um dos grandes fundamentos dos princí-pios da simplicidade e informalidade do processo do trabalho, consubstancian-do, assim, uma exceção à capacidade postulatória do advogado13. Contudo, em que pese a sua constitucionalidade, sua utilização, na esfera trabalhista, perde cada vez mais força em virtude da necessidade do domínio de regras proces-suais técnicas adequadas a uma eficaz defesa de direitos.

5 a fundamentaçãO principiOlógica dO nOvO códigO de prOcessO civil (lei nº 13.105/2015)

O novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) dispõe, no art. 1º, que “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”. A lei proces-

13 PEREIRA, Leone. Manual de processo do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 61.

Page 23: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������23

sual, ao estabelecer que toda sua disciplina, ordenamento e interpretação serão determinados pelos valores e pelas normas constitucionais, centrou a temática jurídica-processual no entendimento da supremacia dos princípios fundamen-tais como sistemas vetores de toda a dinâmica processual.

Significa dizer que os princípios fundamentais precedem os preceitos normativos, portanto, na razão direta de sua função essencial. Essa função é basicamente vetorizar todos os atos e as relações jurídicas, seja na esfera mate-rial ou processual. Como se vê, os princípios que fundamentam o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) trouxeram uma nova dimensão jurídica valorativa: a constitucionalização do processo.

A proteção em sede de direitos fundamentais enseja a instrumentalização necessária para assegurar e viabilizar a tutela jurisdicional por parte do Estado, no sentido de conferir efetividade ao direito pleiteado. Nesse sentido, o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) estatui princípios processuais, já consagrados na Constituição da República, sendo, portanto, indispensáveis para viabilizar com precisão a tutela preventiva, cautelar ou satisfativa.

Assim, os princípios constitucionais esposados na lei processual perfilam os pilares estruturais para o exercício dos direitos fundamentais. Da leitura que se faz do art. 8º (“Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum...”) depreende-se que o juiz, na sua fun-ção institucional de julgar e aplicar o direito, estará afeito a todo ordenamento jurídico, em um exercício hermenêutico constante e necessário de integração dos princípios, das normas e dos fatos.

No resguardo da dignidade da pessoa humana, segue o referido artigo dispondo que o juiz observará os princípios da proporcionalidade, da razoabi-lidade, da legalidade, da publicidade e da eficiência. A dignidade como funda-mento constitucional de direitos aprofunda a ideia da irredutibilidade da pessoa e das questões humanas que dela não se dissociam. Vale dizer que, genuina-mente, se buscou proteger o ser humano em todas as suas conexões jurídicas, no pressuposto válido de que a dignidade é princípio indissociável de qualquer tipo de categoria de direitos, ou seja, é a partir do reconhecimento da dignidade humana que todos os outros direitos deverão ser interpretados.

O direito de petição ínsito no art. 3º do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) – “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito” – permite ao cidadão valer-se da ação judicial como um direito subjetivo; entretanto, nesse mesmo dispositivo fomenta-se a solução consensual dos conflitos a ser promovida pelo Estado (art. 3º, § 2º). Da mesma forma, os meios alternativos de composição, seja pela instituição da arbitragem (art. 3º, § 1º), seja pela conciliação, mediação ou outros métodos de solução consen-

Page 24: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

24 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

sual (art. 3º, § 3º), foram consagrados como garantia individual e defesa da autonomia privada.

O estímulo à autocomposição abriga a ideia de que o princípio da ina-fastabilidade do controle jurisdicional não impede o empoderamento das partes em participar da solução do conflito, elegendo o método que melhor se adeque às suas expectativas. Os métodos alternativos de pacificação social ganharam corpo no novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015). Esse entendimen-to é corroborado por alguns dispositivos da lei processual: a razoável duração do processo (art. 4º) a privilegiar a solução do mérito na medida em que a qualidade da prestação jurisdicional somente se aperfeiçoa com a satisfação do direito; a cooperação como dever expresso (art. 6º) imposto a todos os envolvi-dos na relação processual (juiz e partes), de forma a legitimar o procedimento na esteira da boa-fé (art. 5º).

A propósito, na esfera da boa-fé objetiva, Nehemias Domingos de Melo14 traz importante contribuição à análise da lei processual ao aduzir que a boa--fé de que trata o Código (art. 5º) consiste na boa-fé objetiva, in verbis: “Só posso entender assim porque a boa-fé contida no dispositivo em comento tem de ser interpretado em consonância com outros elevados princípios inseridos na nova legislação, tais como a celeridade processual e a razoável duração do processo”.

Nesse sentido, o nobre jurista ainda acrescenta que a boa-fé, ínsita no novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/1915), “deve ser vista na atua-lidade como uma cláusula geral, intimamente ligada a questão da segurança jurídica...”. De fato, além da cláusula geral da boa-fé objetiva, o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) instituiu outros princípios não menos importantes para a instrumentalização jurídico-processual, tais como: a publi-cidade (art. 11), o dever de fundamentação das decisões judiciais (art. 489), a uniformização da jurisprudência (art. 926), os princípios informadores da conciliação e da mediação (art.166), a autonomia das partes na escolha do conciliador, do mediador ou da câmara privada de conciliação ou mediação (art. 168), cujos dispositivos, conjuntamente (ou não), evidenciam o princípio da segurança processual.

6 a lei de mediaçãO e a impOrtância da cOnsultOria jurídica na resOluçãO de cOnflitOs

A mediação surge nos Estados Unidos da América na década de 70, sen-do um procedimento obrigatório antes da instauração do procedimento judi-cial. A Lei de Mediação brasileira – Lei nº 13.140/2015 – é orientada pelos seguintes princípios: (i) imparcialidade do mediador; (ii) isonomia das partes;

14 MELO, Nehemias Domingos de. Novo CPC – Anotado – Comentado e comparado. 2. ed. São Paulo: Rumo Legal, 2016. p. 7.

Page 25: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������25

(iii) oralidade; (iv) informalidade; (v) autonomia da vontade das partes; (vi) bus-ca do consenso; (vii) confidencialidade; e (viii) boa-fé.

O advogado desenvolve um papel fundamental no processo de media-ção, cujo dever, no acompanhamento da parte na audiência de mediação, é informar e esclarecer o seu cliente sobre como funciona o processo, qual a finalidade e os princípios que norteiam a mediação, bem como adverti-lo sobre a importância de revelar seus reais interesses ao mediador. No processo de negociação terá o advogado uma postura ativa, no sentido de avaliar todas as possibilidades para o seu cliente de cooperar para uma solução razoável a todos os envolvidos.

No desempenho de sua função integrativa, o advogado tem condições de negociar, junto ao seu cliente, compromissos futuros e obrigações continua-das (como no Direito de Família, por exemplo), esclarecendo-o sobre questões jurídicas que, por suas especificidades, o sujeito leigo não teria condições de compreender.

Ademais, a representação por um advogado é crucial para que não se perfaçam acordos de difícil cumprimento ou sem eficácia prática. A media-ção é preferível diante de uma cultura adversarial, notadamente no tocante às questões que envolvam conflitos empresariais. Tendo em vista o custo finan-ceiro e a demora de um processo judicial, a mediação já se mostra como uma alternativa eficiente para a solução de conflitos e, portanto, apresenta-se como um novo paradigma na gestão de relacionamentos no âmbito da governança corpo rativa15.

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) recentemente divulgou o relató-rio “Justiça em Números” (ano-base 2014)16 com a informação de que foram baixados, em 2014, nada mais nada menos do que 28,5 milhões de processos, número 1,4% maior do que o verificado em 2013. Segundo o relatório do CNJ, em 2014 foram proferidas 27 milhões de sentenças ou decisões, um aumento de 4% em relação a 2013 e 13,9% nos últimos seis anos. Segundo os dados do CNJ, em 2015 houve um crescimento da taxa de congestionamento e índices de atendimento à demanda e de processos eletrônicos17.

15 ESTADO DE SÃO PAULO. Como a mediação de conflitos tem evoluído na gestão das empresas brasileiras? Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/discute/como-a-mediacao-de-conflitos-tem-evoluido-na- -gestao-das-empresas-brasileiras,274>. Acesso em: 31 mar. 2017.

16 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Número de processos baixados no Poder Judiciário cresce pelo 4º ano seguido. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80431-numero-de-processos-baixados-no-poder- -judiciario-cresce-pelo-4-ano-seguido>. Acesso em: 31 mar. 2017.

17 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Departamento de Pesquisas Judiciárias. Justiça em números – 2016 (ano-base 2015). Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/10/b8f46be3dbbff 344931a933579915488.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2017.

Page 26: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

26 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Não obstante o CNJ envidar esforços para diminuir a carga de processos, é de reconhecer que houve um aumento gradual de demandas impactando no congestionamento do Poder Judiciário. Entre os assuntos mais demandados na Justiça Estadual, nos termos do relatório, encontram-se as lides relacionadas ao Direito Civil, notadamente na área de obrigações e contratos (8,16% do total de novos casos).

A mediação é uma tendência mundial que vem se solidificando em di-versos países democráticos. Na Europa, o Conselho Europeu18 aprovou, em 2000, diversas disposições sobre modos alternativos de resolução de litígios, de forma a simplificar e melhorar o acesso à justiça. Em abril de 2002, a Co-missão Europeia apresentou um livro verde contendo os modos alternativos de resolução de litígios em matéria civil e comercial, a serem aplicadas em todos os Estados-membros. Foram realizadas consultas a estes Estados-membros sobre as possíveis medidas a serem implementadas em sede de mediação, tanto no direito comunitário quanto no direito nacional.

A Diretiva Europeia nº 52/CE/200819, relativa aos aspectos que versam sobre a mediação em matéria civil e comercial, prevê a aplicabilidade desta Di-retiva nos casos em que o Tribunal remeta as partes para a mediação ou em que o direito nacional imponha o recurso à mediação. Não obstante, para incentivar esse método de solução de conflitos, esta Diretiva determinou que os Estados--membros promovam a ampla divulgação deste recurso, devendo incentivar os profissionais de direito a informar os seus clientes sobre a possibilidade de utilizarem este método alternativo.

Os Estados Unidos da América uniformizaram a legislação sobre a me-diação em 2001 – Uniform Mediation Act –, tendo em vista que até aquela data havia mais de 2.500 dispositivos legais20. Como recurso largamente utilizado naquele país, os métodos alternativos de solução de conflito, entre eles a me-diação, além dos benefícios diretos que pode acarretar, existem os benefícios indiretos que impactam de forma efetiva no sistema judicial, haja vista que, quanto maior o número de mediações, maior a possibilidade de redução de demandas judiciais, com a consequente diminuição do congestionamento e índices de atendimento21.

18 JORNAL OFICIAL DA UNIÃO EUROPEIA. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32008L0052&from=PT>. Acesso em: 26 abr. 2017.

19 JORNAL OFICIAL DA UNIÃO EUROPEIA. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32008L0052&from=PT>. Acesso em: 19 abr. 2017.

20 UNIFORM MEDIATION ACT. Disponível em: <http://www.uniformlaws.org/shared/docs/mediation/uma_final_03.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2017.

21 VIEW POINT. Settling out of court. How effective is alternative dispute. Disponível em: <http://siteresources.worldbank.org/FINANCIALSECTOR/Resources/282044-1307652042357/VP329-Setting-out-of-court.pdf>.

Page 27: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������27

Em síntese, os métodos alternativos de solução de conflitos apresentam--se não só como instrumentos eficazes de administração da justiça, em termos de celeridade e economia, mas também resgatam a confiança dos jurisdicio-nados na justiça, uma vez que as partes que optam pela mediação e obtém sucesso na composição amigável raramente voltarão a buscar o processo con-tencioso para resolver suas demandas.

cOnclusãO

O exercício da advocacia contribui para o Estado Democrático de Di-reito, para a construção da cidadania e para a pacificação social. Na adminis-tração da justiça, um novo paradigma se descortina com a Lei nº 13.140/2015 e o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), ou seja, a advocacia consultiva na mediação e na conciliação.

Ao incorporar princípios fundamentais em seus dispositivos, ambas as legislações contribuíram para a satisfação do direito dos jurisdicionados. Ao recepcionarem a composição amigável para solucionar conflitos, tanto a Lei nº 13.140/2015 quanto o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) viabilizaram o restabelecimento do diálogo, a construção do consenso e a efe-tivação da autonomia privada na administração da justiça.

Abre-se um novo horizonte para o exercício da advocacia, que, sob uma perspectiva atual, surge na oportunidade da prestação jurídica consultiva que potencializa a comunicação e a construção da cidadania. No âmbito da media-ção, o profissional do direito irá auxiliar o seu cliente tanto na sua preparação, para que possa atuar como construtor da solução de seus conflitos, quanto no aconselhamento, informando-o sobre a importância da boa-fé e da confiança recíproca em todas as etapas da negociação.

Em que pese o reconhecimento legal quanto ao jus postulandi, resta consagrado, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência consolidadas, que essa possibilidade é limitada a determinadas áreas e procedimentos, justificada, sobretudo, em razão da natureza do objeto da lide, da celeridade e do acesso à justiça. Em razão disso, os princípios estruturantes do jus postulandi mais realçam a essencialidade da atuação do advogado – uma vez que o próprio Tribunal Superior do Trabalho (TST) e a Lei nº 9.099/1995 arrolam situações em que sua presença é indispensável – do que a inibem, pois, sem isso, não é juri-dicamente possível a obtenção do provimento jurisdicional final a ser proferido pelas instâncias extraordinárias.

No desempenho desta função, caberá ao advogado encorajar o seu clien-te a expressar seus sentimentos e interesses naquela oportunidade, de forma a construir no consenso a solução mais razoável que contemple a satisfação genuína dos interesses envolvidos.

Page 28: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

28 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

referênciasCANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.

CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Número de processos baixados no Poder Judi-ciário cresce pelo 4º ano seguido. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80431-numero-de-processos-baixados-no-poder-judiciario-cresce-pelo-4-ano--seguido>. Acesso em: 31 mar. 2017.

______. Departamento de Pesquisas Judiciárias. Justiça em números – 2016 (ano-base 2015). Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/10/b8f46be-3dbbff344931a933579915488.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2017.

COLNAGO, Lorena; NAHAS, Thereza (Coord.). Processo do trabalho atual: aplica-ção dos enunciados do Fórum Nacional e da Instrução Normativa do TST. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

ESTADO DE SÃO PAULO. Como a mediação de conflitos tem evoluído na gestão das empresas brasileiras? Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/discute/como-a--mediacao-de-conflitos-tem-evoluido-na-gestao-das-empresas-brasileiras,274>. Acesso em: 31 mar. 2017.

FISHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce. Como chegar ao si. negociação de acordos sem concessões. 2. ed. Trad. Vera Ribeiro e Ana Luiza Borges. Rio de Janeiro: Imago, 1994.

JORNAL OFICIAL DA UNIÃO EUROPEIA. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/le-gal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32008L0052&from=PT>. Acesso em: 19 abr. 2017.

MELO, Nehemias Domingos de. Novo CPC – Anotado – Comentado e comparado. 2. ed. São Paulo: Rumo Legal, 2016.

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Disponível em: <http://www.oab.org.br/jurisprudencia/detementa/1043?title=898&search=ASSESSORIA%20JURIDICA%20PRI-VATIVA%20ADVOGADO>. Acesso em: 23 abr. 2017.

PEREIRA, Iuri Pinheiro. O jus postulandi e a questão da responsabilidade pelas des-pesas processuais. In: COLNAGO, Lorena; NAHAS, Thereza (Coord.). Processo do trabalho atual: aplicação dos enunciados do Fórum Nacional e da Instrução Normativa do TST. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

PEREIRA, Leone. Manual de processo do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2012.

POOLE, Chris. The Future of mediation. Disponível em: <https://www.jamsadr.com/blog/2015/the-future-of-mediation>. Acesso em: 19 abr. 2017.

SARAIVA, Renato. Processo do trabalho. Método, 2012.

VIEW POINT – Settling out of court. How effective is alternative dispute. How Effecti-veIs Alternative Dispute Resolution? Disponível em: <http://siteresources.worldbank.org/FINANCIALSECTOR/Resources/282044-1307652042357/VP329-Setting-out-of--court.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2017.

TRIBUNAL DE ÉTICA E DISCIPLINA DA ORDEM DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/tribunal-de-etica-e-disciplina/me-lhores-pareceres/E327906>. Acesso em: 23 abr. 2017.

UNIFORM LAW COMMISSION. Disponível em: <http://www.uniformlaws.org/shared/docs/mediation/uma_final_03.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2017.

Page 29: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Assunto Especial – Doutrina

Mediação e Conciliação – Novo CPC

Mediação no Novo CPC: Questionamentos Reflexivos1

FeRnAnDA TARTuCeDoutora e Mestre em Direito Processual pela USP, Professora dos Cursos de Mestrado e Dou-torado da Fadisp (SP), Professora e Subcoordenadora em Cursos de Especialização em Direito Civil e Processual Civil, Advogada Orientadora do Departamento Jurídico do Centro Acadêmico XI de Agosto (USP), Membro do IBDFam (Instituto Brasileiro de Direito de Família) e do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual), Mediadora.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Visão panorâmica do novo Código sobre o tema; 2 Notas sobre a dife-renciada lógica consensual; 3 “Estímulo” à mediação; 4 Diferenças entre mediação e conciliação; 5 Confidencialidade como princípio da mediação; 6 Cadastramento como mediador e óbice à atuação advocatícia; Conclusões; Referências.

intrOduçãO

Para assegurar a clareza e evitar confusões conceituais, revela-se impor-tante apresentar a definição adotada para permitir desde o início ao atento leitor a percepção da vertente escolhida.

Mediação é o mecanismo de abordagem consensual de controvérsias em que uma pessoa isenta e capacitada atua tecnicamente com vistas a facilitar a comunicação entre os envolvidos para que eles possam encontrar formas pro-dutivas de lidar com as disputas.

A configuração do título deste artigo se alinha a uma das principais téc-nicas da mediação: ao valer-se do modo interrogativo, o mediador busca, de modo imparcial, promover a reflexão dos envolvidos sobre pontos relevantes da controvérsia, de modo a viabilizar a restauração produtiva do diálogo.

Por limitação de tempo e espaço, não serão analisados em detalhes todos os dispositivos, mas, sim, algumas das inovadoras previsões da projetada codi-ficação que possam ensejar controvérsias; a proposta é ampliar a reflexão sobre seu teor e sobre algumas possibilidades de interpretação.

1 TARTUCE, Fernanda. Mediação no novo CPC: questionamentos reflexivos. In: Novas tendências do processo civil: estudos sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. Org. Alexandre Freire, José Miguel Garcia Medina, Fredie Didier Jr., Bruno Dantas, Dierle Nunes e Pedro Miranda de Oliveira (no prelo). Disponível em: <www.fernandatartuce.com.br/artigosdaprofessora>.

Page 30: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

30 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

1 visãO panOrâmica dO nOvO códigO sObre O tema

Se o leitor buscar o vocábulo encontrará, ao longo do novo Código, 22 (vinte e duas) ocorrências sobre mediação; tal presença revela uma considerá-vel mudança, já que nos Códigos anteriores nenhuma menção era feita.

Segundo a comissão de legisladores envolvida no projeto, a disciplina busca dar aos mecanismos consensuais de resolução de conflitos “todo o desta-que que modernamente eles têm tido”2.

A localização dos dispositivos é bem variada, a revelar a apropriada per-cepção de que a mediação tem potencial para lidar com controvérsias não ape-nas no começo da abordagem do conflito, mas em qualquer momento. Com efeito, desde que haja disposição dos envolvidos, o tratamento consensual é sempre possível: ainda que escolhida inicialmente a via contenciosa, as partes podem, com base em sua autonomia, decidir buscar saídas conjuntas.

Na parte geral, além da previsão no início3 do Código ao abordar a ina-fastabilidade da jurisdição, há toda uma seção4 dedicada ao assunto entre os auxiliares da justiça.

Há ainda capítulo5 dedicado à audiência de conciliação, em que a me-diação vem mencionada em dois parágrafos6.

Ao tratar da audiência de instrução e julgamento, prevê o Código7 que logo após sua instalação “o juiz tentará conciliar as partes, sem prejuízo de en-

2 As principais modificações do PL 8.046, de 2010. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo-de-processo-civil/arquivos/ParecerRelatorGeralautenticadoem18091222h47.pdf>. Acesso em: 13 fev. 2013.

3 Parte Geral – Livro I: Das Normas Processuais Civis, Título Único – Das Normas Fundamentais e da Aplicação das Normas Processuais, Capítulo I – Das Normas Fundamentais do Processo Civil: “Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1º É permitida, na forma da lei, a arbitragem. § 2º O Estado promoverá a autocomposição como meio preferencial para a solução dos conflitos. A realização de conciliação ou mediação deverá ser estimulada por magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.

4 Parte Geral, Livro III – Dos Sujeitos do Processo, Título III – Do Juiz e dos Auxiliares da Justiça, Capítulo III – Dos Auxiliares da Justiça, Seção VI – Dos conciliadores e mediadores judiciais. Tal disciplina se justifica porque, segundo a comissão encarregada do projeto, “a tendência processual hodierna é a da conciliação” e o projeto de lei busca reafirmar esse método de pacificação social (As principais modificações do PL 8.046, de 2010. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comis-soes-tem- -porarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo-de-processo-civil/arquivos/ParecerRelatorGeralautenti- adoem18091222h47.pdf>. Acesso em: 13 fev. 2013).

5 Capítulo V – Da audiência de conciliação: “Art. 335. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação com antecedência mínima de trinta dias, devendo ser citado o réu com pelo menos vinte dias de antecedência”.

6 “Art. 335. [...] § 1º O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na audiência de conciliação, observando o disposto neste Código, bem como as disposições da lei de organização judiciária. § 2º Po - derá haver mais de uma sessão destinada à mediação e à conciliação, não excedentes a dois meses da primeira, desde que necessárias à composição das partes.”

7 Capítulo XII – Da Audiência de Instrução e Julgamento.

Page 31: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������31

caminhamento para outras formas adequadas de solução de conflitos, como a mediação, a arbitragem e a avaliação imparcial por terceiro”.

Mais adiante, a mediação é referenciada no livro de procedimentos espe-ciais, que passa, de forma inovadora, a destinar um capítulo ao processamento das demandas familiares8.

Merece ainda destaque pioneiro dispositivo sobre a criação de câmaras de conciliação e mediação para dirimir conflitos no âmbito administrativo9.

Com a inserção de dispositivos sobre mediação e a ampliação de previ-sões sobre a conciliação, dois modos diferentes de lidar com as controvérsias passam a conviver mais intensamente no Código de Processo Civil: a lógica de julgamento e a lógica coexistencial (conciliatória)10.

Em face das tradicionais previsões sobre conciliação em nossa legislação processual, de alguma maneira a interação entre as lógicas do julgamento e do consenso sempre existiu11. O reforço no estímulo à adoção dos meios consen-

8 Capítulo X – Das Ações de Família: “Art. 709. Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz contar com o auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação. Parágrafo único. O juiz, de ofício ou a requerimento, pode determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar. Art. 710. Recebida a petição inicial, após as providências referentes à tutela antecipada, se for o caso, o juiz mandará citar o réu para comparecer a audiência de mediação e conciliação, observado o disposto no art. 709. § 1º O mandado de citação conterá apenas os dados necessários para a audiência e não deve estar acompanhado de cópia da petição inicial. § 2º A citação ocorrerá com antecedência mínima de quinze dias da data designada para a audiência. § 3º A citação será feita na pessoa do réu, preferencialmente por via postal. § 4º Na audiência a que se refere o caput, as partes deverão estar acompanhadas de seus advogados ou defensores públicos. § 5º O Ministério Público deverá ser ouvido antes da homologação do eventual acordo. Art. 711. A audiência de mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução consensual, sem prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito. Art. 712. Frustrada a conciliação, o juiz intimará o réu, em audiência, pessoalmente ou na pessoa de seu advogado, para que ofereça contestação, entregando-lhe cópia da petição inicial, passando a incidir, a partir de então, as regras do procedimento comum, observado sempre o art. 336. Parágrafo único. Ausente o réu, a intimação dar-se-á por via postal ou por edital, se for o caso”.

9 “Art. 175. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, tais como: I – dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública; II – avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da administração pública; III – promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.”

10 Sobre o tema bem se manifestou André Luiz Faisting (ressalvado o uso indistinto de conciliação e mediação): “Com a instalação dos Juizados no Brasil, criou-se também um processo de dupla institucionalização do Poder Judiciário, no sentido de que há duas formas distintas de prática judiciária, baseadas em lógicas também distintas: uma que visa o acordo entre as partes por meio da conciliação, conduzida por um advogado que desempenha a função de conciliador, e outra que busca a aplicação da justiça por meio do poder de decisão do juiz. Estas duas lógicas representam, portanto, uma tensão entre as duas pautas distintas da justiça contemporânea: a justiça formal da decisão e a justiça informal da mediação” (O dilema da dupla institucionalização do Poder Judiciário: o caso do Juizado Especial de Pequenas Causas. In: SADEK, Maria Tereza (Org.). O sistema de justiça. Série Justiça – Idesp. São Paulo: Sumaré, 1999. p. 43-44).

11 Como bem destaca Athos Gusmão Carneiro, “a conciliação judicial marca um ponto de encontro entre a autocomposição e a heterocomposição da lide [...] A doutrina tradicional e majoritária encara a conciliação como um negócio, confiado à autonomia privada; os autores mais modernos inclinam-se em considerá-la como forma de atuação da jurisdição contenciosa, pela analogia funcional entre conciliação e sentença” (CARNEIRO, Athos Gusmão. A conciliação no novo Código de Processo Civil. Disponível em: <http://icj.com.br/portal/artigos/a-conciliacao-no-novo-codigo-de-processo-civil/>. Acesso em: 9 fev. 2013).

Page 32: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

32 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

suais, contudo, exige dos operadores do Direito uma imersão mais aprofundada sobre aspectos importantes da vertente autocompositiva.

2 nOtas sObre a diferenciada lógica cOnsensualNa lógica de julgamento inerente à via contenciosa, as partes atuam em

contraposição, disputando posições de vantagens; a análise dos fatos foca o passado e um terceiro é chamado a decidir com caráter impositivo.

Diversamente, na lógica consensual (coexistencial/conciliatória) o clima é colaborativo: as partes se dispõem a dialogar sobre a controvérsia e a abor-dagem não é centrada apenas no passado, mas inclui o futuro como perspec-tiva a ser avaliada. Por prevalecer a autonomia dos envolvidos, o terceiro não intervém para decidir, mas para facilitar a comunicação e viabilizar resultados produtivos.

Nessa medida, constitui pressuposto da mediação a relativização da di-cotomia certo/errado que funda o sistema legal12; dá-se atenção mais ao futuro da relação (em termos de restauração de harmonia) do que propriamente à re-trospectiva do conflito em si; assim, por exemplo, o debate sobre quem deixou de cumprir a obrigação pode até ocupar certo espaço, mas não chega a merecer maior destaque13 do que a busca de uma solução futura.

É forçoso reconhecer, contudo, que a formação tradicional dos bacharéis em Direito não se alinha naturalmente a essa concepção.

Segundo Leonard Riskin, é possível identificar o “Lawyer’s Standard Philosophical Map”, pensamento dominante entre os práticos e teóricos do Di-reito que se assenta em duas premissas principais sobre os litígios: “1. as partes são adversárias e, se um ganhar, o outro deve perder; 2. as disputas devem ser resolvidas pela aplicação de alguma lei abstrata e geral por um terceiro”14.

Constata-se facilmente que esses pressupostos são absolutamente contrá-rios às premissas da mediação, segundo as quais: a) todos os envolvidos podem ganhar com a criação de uma solução alternativa; b) a disputa é única, não sendo necessariamente governada por uma solução predefinida15.

Como se percebe, as duas lógicas são bem diversas e podem gerar con-fusões no operador do Direito, geralmente16 formado para considerar (exclusiva

12 CAPPELLETTI, Mauro. Access to Justice. Livro 1. Milano: Sijthoff/Giuffrè, 1978. p. 97.13 CAPPELLETTI, Mauro. Access to Justice, p. 54-55 e 84; VEZZULLA, Juan Carlos. A mediação. O mediador. A

justiça e outros conceitos. In: OLIVEIRA, Ângela (Coord.). Mediação: métodos de resolução de controvérsias. São Paulo: LTr, n. 1, 1999. p. 114.

14 RISKIN, Leonard L. Mediation and Lawyers (1982). In: RISKIN, Leonard L.; WESTBROOK, James E. Dispute Resolution and Lawyers. St. Paul: West Group, 1997. p. 56-57.

15 Idem, ibidem.16 Felizmente, diversas iniciativas vêm possibilitando que alunos da graduação em Direito tenham contato com

a variada gama de meios de abordagem de conflitos sobre a experiência na Faculdade de Direito da USP, vale conferir: SALLES, Carlos Alberto de; GABBAY, Daniela M.; SILVA, Erica B.; TARTUCE, Fernanda; GUERRERO,

Page 33: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������33

ou prioritariamente) o modo de pensar ligado à imposição da decisão pela via contenciosa17.

No modelo consensual, busca-se a retomada do diálogo em bases pro-dutivas, de modo que os próprios envolvidos, por intermédio de conversações e debates, sintam-se aptos a alcançar uma situação favorável em prol de seus interesses18.

A dificuldade de adesão aos meios consensuais não se verifica apenas entre nós; ao abordar a realidade americana, Leonard Riskin e James Westbrook destacam que a falta de familiaridade dos advogados com métodos diferencia-dos de abordagem de conflitos, por falta de educação ou de interesse, é um obstáculo considerável; não obstante as escolas de Direito e os Tribunais se esforcem para promover esses meios, há muitos advogados que nem sequer conhecem a diferença entre mediação e arbitragem19.

Por força da arraigada “cultura da sentença” e do desconhecimento de muitos, o Poder Judiciário acaba sendo utilizado com única e natural via de enfrentamento de conflitos. Nesse contexto, promover informação sobre os di-versos meios de abordagem de conflitos é iniciativa interessante para ampliar a visibilidade dos mecanismos consensuais, que podem se revelar adequados na busca da eficaz superação da controvérsia.

Como a genuína adesão se revela essencial para que o litigante possa participar do sistema consensual com maior proveito, conhecer a pertinência dos diversos meios é o passo inicial para que possa cogitar legitimamente sobre o interesse em sua utilização. A temática aparece na legislação projetada, mas o teor propugnado causa certa preocupação.

3 “estímulO” à mediaçãO

Na versão analisada do novo CPC, o fomento à mediação aparece, junto da conciliação, logo no início do Código, nos seguintes termos: “A realização de conciliação ou mediação deverá ser estimulada por magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.

Luis Fernando; LORENCINI, Marco Antônio G. L. A experiência do Núcleo de Estudos de Meios de Solução de Conflitos (Nemesc). Revista Direito GV, v. 6, p. 67-94, 2010.

17 Para Kazuo Watanabe, a formação acadêmica dos operadores de Direito constitui o grande óbice ao uso mais intenso dos meios alternativos de resolução de conflitos; o modelo ensinado em todas as Faculdades de Direito do país enfatiza “a solução contenciosa e adjudicada dos conflitos de interesses” por meio do processo judicial (WATANABE, Kazuo. A mentalidade e os meios alternativos de solução de conflitos no Brasil. In: Mediação e gerenciamento do processo. São Paulo: Atlas, 2007. p. 6).

18 TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. São Paulo: Método, 2008. p. 106.19 RISKIN, Leonard L.; WESTBROOK, James E. Dispute Resolution and Lawyers. St. Paul: West Group, 1997,

p. 52

Page 34: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

34 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Mais adiante, o incentivo reaparece: afirma o Código que os centros ju-diciários de solução de conflitos e cidadania, criados pelos Tribunais, serão responsáveis não só por realizar sessões e audiências de conciliação e media-ção, como também por desenvolver programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição20.

Inicialmente, vale destacar que o impulso ao consenso já é previsto entre nós no Código de Ética do Advogado, sendo dever deste “estimular a conci-liação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios” e “aconselhar o cliente a não ingressar em aventura judicial”21.

Por força de seu destaque na nova legislação e pelo contexto de distribui-ção de justiça em que nos encontramos, merece considerações detidas o verbo “estimular” em seus possíveis significados:

1. dar incentivo a; despertar o ânimo, o interesse, o brio de; encorajar, incenti-var, incitar; 2. empenhar-se para que (algo) seja criado, realizado, ou intensifica-do; impulsionar, promover; 3. submeter à ação de um estímulo; ativar, excitar; 4. tornar(-se) ofendido ou agastado; ofender(-se); aborrecer(-se); 5. picar animal com aguilhão ou aguilhada, para incitá-lo; aguilhoar.22

Como se percebe, “estimular” é um vocábulo equívoco: por permitir mais de uma interpretação, dá origem a julgamentos morais diferentes e des-perta suspeitas, podendo ser entendido em dois ou mais sentidos diferentes23.

Ao promover o meio consensual e encontrar resistências à adoção do método, quem intervém em prol do consenso pode se frustrar e degenerar para insistências excessivas e inoportunas. Especialmente quando quem protagoniza a tentativa de abordagem consensual é o juiz, a situação pode se tornar ainda mais perigosa por força da autoridade que detém.

A situação poderá ser problemática para quem resiste à adoção do meio consensual: Ao se deparar com a recusa à adoção do meio consensual, como o “estímulo” poderá, então, se verificar? Será que ela restará limitada às primei-

20 Seção VI – Dos conciliadores e mediadores judiciais: “Art. 166. Todos os tribunais criarão centros judiciários de solução de conflitos e cidadania, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, além de desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição”.

21 Art. 2º, parágrafo único, VI e VII.22 Dicionário Houaiss. Estimular. Disponível em: <http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=estimular>. Acesso

em: 7 fev. 2013.23 “Equívoco: 1 que pode ter mais de um sentido, de uma interpretação; que se pode tomar por outra coisa;

ambíguo; 2 que não se percebe facilmente; que é difícil de classificar; 3 que dá origem a julgamentos morais diferentes; dúbio, duvidoso 4 que desperta suspeita(s) 5 lóg que, embora apresente um único significante linguístico, pode ser entendido em dois ou mais sentidos diferentes (diz-se de um conceito propositalmente polissêmico no interior de uma determinada doutrina filosófica)” (Dicionário Houaiss. Disponível em: <http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=equ%25C3%25ADvoco>. Acesso em: 7 fev. 2013)

Page 35: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������35

ras acepções do vocábulo, persistindo as noções de impulsionar, promover e ativar? Ou será que se aproximará dos sentidos de ofender-se e aborrecer-se?

Receia-se que o verbo estimular enseje posturas “encorajadoras” inapro-priadas – especialmente mediante a exploração de mazelas da prestação judi-ciária quanto a tempo, dúvidas sobre possível julgamento de mérito24...

Uma iniciativa isenta e esclarecedora sobre os meios de composição de conflito (e não sobre o mérito do caso, para evitar comprometimento da im-parcialidade) pode ser mais produtiva para angariar adesão aos mecanismos25.

O exemplo canadense merece destaque: em Quebec, foi instituído um serviço de pré-mediação obrigatório na apreciação dos conflitos familiares em que, por meio de uma palestra (de menos de uma hora), os interessados têm informações sobre a técnica consensual e seu respectivo procedimento; após certo prazo, as partes optam se utilizarão ou não tal mecanismo com plena liberdade26.

A liberdade e a autonomia, aliás, são valores essenciais à mediação. É imperioso relembrar que, durante a sessão consensual, não se atua segundo a lógica de julgamento formal em que há imposição de resultado pela autoridade estatal: a lógica conciliatória demanda o reconhecimento da dignidade e da in-clusão todos, rechaçando condutas autoritárias por força do respeito recíproco que deve pautar a atuação dos participantes.

A experiência revela, porém, que infelizmente alguns juízes, ao encon-trarem óbices ao consenso, buscam remove-los, fazendo prognósticos ameaça-dores. Essa situação, infelizmente tão recorrente, precisa mudar: ela comprome-

24 Como já exposto em outra oportunidade, “a função do conciliador é aproximar as partes trabalhando os interesses subjacentes à relação de direito material e não priorizar a finalização da relação processual. O foco deve ser a pessoa em crise e não as instituições com seus problemas estruturais” (TARTUCE, Fernanda. Conciliação em juízo: o que (não) é conciliar? In: SALLES, Carlos Alberto de; LORENCINI, Marco; ALVES DA SILVA, Paulo Eduardo. (Org.). Negociação, mediação e arbitragem – Curso para Programas de Graduação em Direito. São Paulo/Rio de Janeiro: Método/Forense, v. 1, 2012. p. 170).

25 Eis proposta de redação de dispositivo apresentada pela autora quando da tramitação do projeto: “Art. No início do processamento da demanda, as partes deverão ser informadas sobre a existência de variados mecanismos de composição de conflitos para conhecer a pertinência da arbitragem, da mediação, da conciliação e de outros métodos que possam se revelar apropriados à superação de impasses. § A informação poderá ser fornecida pelo magistrado, por auxiliar do juízo especialmente treinado para tal mister ou por setor específico voltado a mecanismos de composição de controvérsias”.

26 VEZZULLA, Juan Carlos. Mediação: teoria e prática. Guia para utilizadores e profissionais. Lisboa: Agora Publicações, 2001, p. 110: “Marie-Claire Belleau e Aldo Moroni, mediadores de Québec, esclareceram o polêmico caráter obrigatório da mediação prevista na Lei canadense. Trata-se de prática de objetivo meramente informativo, e a lei prevê, com minúcias, as várias hipóteses de compor esta sessão inaugural. Este primeiro encontro com a mediação pode ser realizado de modo individual ou em grupo, de acordo com a escolha do casal. Quando os cônjuges ou companheiros optam por participações individuais e, simultaneamente, escolhem grupos diferentes, cada qual pode se inscrever no serviço de mediação de sua preferência, exclusivamente para a sessão de informação, com outro critério para as sessões sucessivas” (BARBOSA, Águida Arruda. Fim do silêncio. Boletim do IBFam, n. 30. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/177>. Acesso em: 13 fev. 2013).

Page 36: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

36 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

te negativamente a credibilidade do Poder Judiciário e gera desconfianças em relação à utilidade e à vantagem de se valer dos meios consensuais27.

Por essa razão, anda bem o projeto ao disciplinar que as audiências de conciliação e mediação sejam realizadas preferencialmente nos centros judiciá-rios de solução de conflitos por terceiros imparciais e, ainda que realizadas nos próprios juízos, por conciliadores ou mediadores28.

O mais importante é que o condutor do meio consensual seja preparado, técnica e psicologicamente, para promovê-lo, tudo aconselhando que não seja ele o próprio juiz togado a quem toca julgar contenciosamente o conflito29.

Por essas razoes, ficam as perguntas: Seria interessante substituir o verbo estimular na previsão legal? Os verbos “informar”, “promover” e “esclarecer” poderiam ser usados com vistas a evitar equívocos e iniciativas de irrazoável exacerbamento no direcionamento aos meios consensuais?

4 diferenças entre mediaçãO e cOnciliaçãO

Sobre o polêmico tema da diferenciação entre os dois principais meios consensuais, o novo Código se posiciona positivamente, expressando termos para a distinção.

Segundo o dispositivo projetado, o conciliador atuará preferencialmente nos casos em que não tiver havido vínculo anterior entre as partes e poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedado que se valha de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem30.

Já, o mediador, “que atuará preferencialmente nos casos em que tiver ha-vido vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo resta-belecimento da comunicação, identificar, por si mesmos, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos”31.

27 “Na atividade conciliatória, o juiz não pode ser autor de intimidação, infundindo temor às partes de que preste jurisdição. O consentimento para a celebração dos pactos deve ser, obviamente, livre de vícios. O poder do magistrado não deve ser usado para forçar ou intimidar as partes, sob pena de gravíssimo comprometimento da liberdade negocial dos litigantes e da isenção do julgador.” (TARTUCE, Fernanda. Conciliação e Poder Judiciário. Disponível em: <http://www.fernandatartuce.com.br/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=43&Itemid=56 &limitstart=10>. Acesso em: 13 fev. 2013)

28 “Art. 166. [...] § 2º Em casos excepcionais, as audiências ou sessões de conciliação e mediação poderão realizar-se nos próprios juízos, desde que conduzidas por conciliadores e mediadores.”

29 THEODORO JUNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Humberto%20Theodoro%20J%C3%BAnior(5)%20-formatado.pdf>. Acesso em: 8 fev. 2013.

30 Art. 166, § 3º.31 Art. 166, § 4º.

Page 37: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������37

Embora contemple os principais diferenciais apontados pela doutrina so-bre a distinção entre os mecanismos, sobreleva destacar que a diferenciação não é unânime e encontra variadas percepções a partir da distinção feita em algumas escolas americanas entre as modalidades facilitativa e avaliativa de mediação32.

Nos Estados Unidos, mediação avaliativa é vista como meio de solu-ção de conflitos em que o terceiro imparcial pode ser chamado pelas partes a opinar; em tal vertente, o mediador usa estratégias e técnicas para avaliar o que é importante na discussão e, se entender que as partes precisam de uma orientação qualificada, pode elaborar, sugerir e dirigir a solução dos problemas, avaliando as fraquezas e as forças de cada caso33.

De forma diversa, o modelo facilitativo preconiza que o mediador use estratégias (como o uso de perguntas) para favorecer o diálogo entre as partes, sendo sua função aumentar e melhorar a comunicação entre as pessoas para que elas possam decidir o que é melhor para ambas34.

Para os defensores da mediação também avaliativa, aqui representados por Diego Faleck, embora idealmente a tarefa do mediador seja abrir o cami-nho para que as partes possam construir por si mesmas opções para por fim à disputa, não há rigidez e pode haver intervenção sobre o mérito das discussões em alguns casos35.

Nos Estados Unidos, instalou-se grande polêmica sobre qual modelo deve prevalecer, tendo prevalecido a posição de que mediação deve ser emi-nentemente facilitativa; embora admissível em certos casos, a avaliação deve ser vista com cuidado e praticada com muita cautela com vistas a não minorar nem impedir a colaboração ou a autodeterminação36.

Além disso, a imparcialidade sem dúvida será mais facilmente preserva-da se o mediador se afastar da análise técnica do mérito; por fim, o cumprimen-

32 TARTUCE, Fernanda. Mediação extrajudicial e indenização por acidente aéreo: relato de uma experiência brasileira. Lex Humana, v. 4, p. 32-48, 2012. Disponível em: <http://www.fernandatartuce.com.br/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=43&Itemid=56&limitstart=10>. Acesso em: 13 fev. 2013.

33 SALES, Lilia Maia de Morais. Mediação facilitativa e “mediação” avaliativa – Estabelecendo diferença e discutindo riscos. Disponível em: <http://siaiweb06.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/3267/2049>. Acesso em: 26 maio 2012.

34 Idem.35 “A depender de uma série de fatores que circunscrevem a disputa, como a natureza do caso, o programa de

mediação em que está inserido, o perfil das partes e o estilo do mediador, as possibilidades de intervenção do mediador transitam em um largo espectro de atuação que compreende os chamados ‘choques de realidade’, as avaliações neutras, o trabalho de colocar em palavras e conectar as opções que as partes ventilam, mas não conseguem consolidar sozinhas. Ou seja, a intervenção pode variar em grau.” (Comentário ao artigo 146 do Projeto de NCPC. Disponível em: <http://participacao.mj.gov.br/cpc/>. Acesso em: 9 fev. 2013)

36 SALES, Lilia Maia de Morais. Mediação facilitativa e “mediação” avaliativa – Estabelecendo diferença e discutindo riscos. Disponível em: <http://siaiweb06.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/3267/2049>. Acesso em: 26 maio 2012.

Page 38: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

38 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

to espontâneo do teor avençado será mais provável se os próprios envolvidos definirem seus termos como protagonistas.

Assim, apesar da polêmica, andou bem a legislação projetada em fazer a diferenciação e facilitar a compreensão dos operadores do sistema.

Ainda à luz da distinção realizada na projetada legislação, cabe pergun-tar: Qual sua utilidade se, ao longo do Código, não há qualquer encaminha-mento diferenciador em relação aos dois métodos, que vêm referenciados con-juntamente? Será possível a escolha pelo jurisdicionado quanto à conciliação ou à mediação? Ou o Poder Judiciário fará o encaminhamento para determina-do método consensual?

5 cOnfidencialidade cOmO princípiO da mediaçãO

É importante conhecer os princípios que norteiam a mediação porque durante sua realização eles precisarão ser expostos e aplicados para facilitar uma eficiente comunicação entre os envolvidos.

Segundo o art. 167 do NCPC, “a conciliação e a mediação são informa-das pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada”.

A previsão se alinha ao que vem sendo reconhecido como pertinente em termos de diretrizes da mediação e do teor da Resolução nº 125 do CNJ37. Se-gundo tal ato normativo, são princípios formadores da consciência dos terceiros facilitadores e representativos de imperativos de conduta: a confidencialidade, a competência, a imparcialidade, a neutralidade, a independência e a autono-mia, o respeito à ordem pública e às leis vigentes38.

Como se percebe, há mais princípios no ato do Conselho Nacional de Justiça; tal fato se justifica pelo maior espectro de temas tratados, já que o órgão tem por finalidade controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Ju-diciário e o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes39.

37 CNJ – Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/acesso-a-justica/conciliacao/conciliador-e-mediador/323-sessao-de-julgamento/atos-administrativos-da-presidencia/resolucoes/12243-resolucao-no-125-de-29-de-novembro-de-2010>. Acesso em: 2 jan. 2012. Segundo consta na Justificativa da Resolução, seu foco é estabelecer a Política Pública de Tratamento Adequado de Conflitos, destacando-se entre seus princípios informadores “a qualidade dos serviços como garantia de acesso a uma ordem jurídica justa”; por tal razão foi desenvolvido “conteúdo programático mínimo a ser seguido pelos Tribunais nos cursos de capacitação de serventuários da justiça, conciliadores e mediadores”.

38 Ao tempo da elaboração deste artigo, tal teor vinha previsto no Anexo III da Resolução ao expor o Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais.

39 CF, art. 103-B, § 4º.

Page 39: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������39

Entre os princípios destacados no novo CPC, foi alvo de grande atenção do legislador o sigilo. Como pode ser entendida a confidencialidade na me-diação?

Para que possam se comunicar de forma aberta e sem restrições, os par-ticipantes da sessão consensual precisam ter certeza de que o que disserem não será usado contra eles indevidamente em outra oportunidade (sobretudo em juízo).

Segundo novel previsão do Código, “a confidencialidade estende-se a todas as informações produzidas ao longo do procedimento, cujo teor não po-derá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes”40.

Para assegurar o compromisso, é comum a assinatura de um termo de sigilo41 quanto ao que foi conversado durante a mediação; devem assiná-lo não só os mediandos mas também seus advogados (caso eles participem das sessões).

Vale destacar que a Resolução nº 125 do CNJ traz uma ressalva impor-tante ao se referir à confidencialidade: ela é concebida como “dever de manter sigilo sobre todas as informações obtidas na sessão, salvo autorização expres-sa das partes, violação à ordem pública ou às leis vigentes, não podendo ser testemunha do caso, nem atuar como advogado dos envolvidos, em qualquer hipótese”42. Como se percebe, há exceções ao dever de sigilo e elas devem ser informadas pelo mediador aos participantes antes da assinatura do termo de confidencialidade.

Como exposto, a preservação do sigilo visa a assegurar que, caso não alcançado um acordo na tentativa de autocomposição, os envolvidos não se-jam prejudicados por terem participado e exposto eventuais fatos desfavoráveis. Assim, é essencial que o juiz não seja o condutor do meio consensual também porque, se infrutífera a via consensual, ele precisará julgar a demanda; como o fará sem considerar o que ouvira durante as sessões? Ao ponto, destaca Roberto Bacellar:

40 NCPC, art. 167, § 1º.41 A confidencialidade é expressa com maior detalhamento no Código de Ética para Mediadores (Referências de

Boas Práticas para Mediadores) do Foname: “A mediação deverá ser confidencial sobre todas as informações, fatos, relatos, situações, propostas e documentos trazidos, oferecidos ou produzidos durante toda a sua realização, vedado qualquer uso para proveito pessoal ou de terceiros alheios ao processo, salvo os limites estabelecidos pelo contexto em que a prática da mediação se dá e/ou previsão em contrário estabelecida entre os mediandos e o mediador ambos expressos no Termo de Compromisso de Mediação”. O Foname (Fórum Nacional de Mediação) é integrado, voluntariamente, por entidades de qualquer natureza ou núcleos regularmente constituídos, que se dedicam ao aperfeiçoamento, à divulgação e à prática da mediação de conflitos no Brasil (Código de Ética para Mediadores – Referências de Boas Práticas para Mediadores. Disponível em: <http://www.foname.com.br/codigo-de-etica-para-mediadores/>. Acesso em: 13 fev. 2013).

42 Anexo III, art. 1º, § 1º.

Page 40: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

40 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Se o mediador for magistrado ou juiz leigo, deve deixar claro que, caso a me-diação não se concretize, nada do que foi conversado ou tratado durante o pro-cesso mediacional poderá fundamentar eventual futura decisão. Por evidente, não deve fazer consignar propostas rejeitadas ou ofertas ocorridas no processo de mediação que devem manter-se em sigilo.43

Na sequência, afirma o novo Código que, “em razão do dever de sigilo, inerente às suas funções, o conciliador e o mediador, assim como os membros de suas equipes, não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundos da conciliação ou da mediação”44.

As previsões soam interessantes, mas algumas dúvidas ficam no ar: Como proteger todo o teor do que foi comunicado? Se durante uma sessão consensual um participante assumiu ter adotado certa conduta indevida, pode, em outra demanda, tal fato ser trazido em juízo pela parte contrária para que consequên-cias sejam a ele atribuídas? A resposta tende a ser negativa... se a parte adversa demonstrar que aquela informação foi obtida durante uma sessão de autocom-posição, o teor deve ser desconsiderado pelo juiz em observância à diretriz do sigilo. Pois bem, a parte até poderá apresentar tal alegação, mas como poderá prová-la? Os magistrados serão sensíveis a essa situação?

6 cadastramentO cOmO mediadOr e óbice à atuaçãO advOcatícia

Segundo dispõe o art. 168, “os Tribunais manterão cadastro de conci-liadores e mediadores e das câmaras privadas de conciliação e mediação, que conterá o registro de todos os habilitados com indicação de sua área profissio-nal”. O § 5º de tal dispositivo afirma que os conciliadores e mediadores cadas-trados, “se advogados, estarão impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que exerçam suas funções”.

A partir da leitura de tais previsões, é forçoso perguntar: Caso um media-dor se cadastre como mediador no Tribunal, precisará parar de advogar? Sendo resposta positiva, outra precisa ser formulada: Como o mediador irá auferir re-cursos para sobreviver, se não está assegurada sua remuneração?

O projeto de novo Código menciona a previsão de remuneração em ta-bela fixada pelo Tribunal em consonância com parâmetros estabelecidos pelo CNJ45; contudo, na sequência destaca que “a mediação e a conciliação podem

43 BACELLAR, Roberto Portugal. A mediação, o acesso à justiça e uma nova postura dos Juízes. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao002/roberto_bacelar.htm>. Acesso em: 9 fev. 2013.

44 NCPC, art. 167, § 2º.45 NCPC, art. 170: “Ressalvada a hipótese do § 6º do art. 168, o conciliador e o mediador receberão, por

seu trabalho, remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal, conforme parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça”.

Page 41: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������41

ser realizadas como trabalho voluntário, observada a legislação pertinente e a regulamentação do Tribunal”46.

Atualmente, prevalece nos Tribunais o trabalho voluntário; como não há divulgação de qualquer iniciativa sobre o destaque de dotações orçamentá-rias para arcar com os pagamentos dos milhares de mediadores que precisarão atuar, é bem provável que o quadro assim permaneça.

Voltando à pergunta: Se o mediador inscrito no Tribunal não poderá ad-vogar no juízo em que se inscreveu, como poderá sobreviver?

Imaginemos, para ilustrar, uma situação concreta: atuo como advogada no Departamento Jurídico XI de Agosto, entidade da Faculdade de Direito da USP que presta assistência judiciária à população carente desde 1919 e tem processos tramitando em praticamente todos os foros da Capital paulista.

Decido fazer o cadastro como mediadora no Tribunal de Justiça de São Paulo e aguardo ser escolhida pelas partes ou nomeada para algum feito por força de distribuição47.

Caso seja chamada a atuar como mediadora em feito que tramita em determinada Vara, precisarei verificar se tenho algum processo em tramite ali; sendo a resposta positiva, deverei me reconhecer impedida de atuar e terei que declinar48. Esta situação é apropriada? Se atuo como advogada em um feito de natureza diversa, com litigantes diferentes, não sou apta a atuar em outro processo com diferentes envolvidos pelo simples fato de tramitarem no mesmo juízo?

De todo modo, na Capital é possível que haja outros juízos em que eu possa porventura atuar; o que ocorre, porém, com quem se encontra em co-marca ou circunscrição judiciária com vara única? Se decidir ser mediador, precisará abdicar da advocacia? É isso possível e desejável no contexto atual?

Como bem destaca Diego Faleck, o impedimento de exercício da ad-vocacia pelos mediadores e conciliadores apresenta dois grandes problemas: (i) a regra não fornece incentivos para que os advogados atuantes no mercado se inscrevam no rol de mediadores e conciliadores judiciais (pelo contrário,

46 NCPC, art. 170, § 1º.47 NCPC, art. 169: “As partes podem escolher, de comum acordo, o conciliador, o mediador e a câmara privada

de conciliação e de mediação. § 1º O conciliador ou mediador escolhido pelas partes poderá ou não estar cadastrado junto ao tribunal. § 2º Não havendo acordo na escolha do mediador ou conciliador, haverá distribuição entre aqueles cadastrados no registro do Tribunal, observada a respectiva formação. § 3º Sempre que recomendável, haverá a designação de mais de um mediador ou conciliador”.

48 NCPC, art. 171: “No caso de impedimento, o conciliador ou o mediador o comunicará imediatamente, de preferência por meio eletrônico, e devolverá os autos ao juiz da causa, ou ao coordenador do centro judiciário de solução de conflitos e cidadania, devendo este realizar nova distribuição. Parágrafo único. Se a causa de impedimento for apurada quando já iniciado o procedimento, a atividade será interrompida, lavrando-se ata com o relatório do ocorrido e a solicitação de distribuição para novo conciliador ou mediador”.

Page 42: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

42 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

ela cria um grande desincentivo para que esses profissionais atuem no âmbito judicial)49; (ii) os impedimentos criados não compartilham a mesma lógica dos impedimentos previstos no Código de Processo Civil e no Estatuto da Advo-cacia50.

Assim, vale perquirir: Com que finalidade foi engendrada a previsão de impedimento do advogado que também atua como mediador? A regra colabora para a formação de um quadro amplo de profissionais capacitados ou o impe-dimento imposto ao mediador advogado pode representar entrave comprome-tedor? É possível rever a hipótese de impedimento e limitá-la ao menor âmbito possível? Quais respostas criam incentivos à consolidação da mediação entre nós?

cOnclusões

O novo CPC valoriza sobremaneira a adoção de meios consensuais e pode colaborar decisivamente para o desenvolvimento de sua prática entre nós – sobretudo nas Cortes de Justiça.

Para que a via consensual possa prosperar em amplos termos, porém, os operadores do Direito precisarão se abrir a novas concepções; para que a mediação possa se revelar um proveitoso meio de abordagem de controvérsias, será preciso entender a diferenciada concepção que ela encerra.

A abordagem da autocomposição evita a lógica contenciosa de vencedo-res e vencidos e visa a propiciar um ambiente favorável à geração de soluções criativas e resultados satisfatórios.

Como se percebe, é de suma importância o conhecimento dos protago-nistas das controvérsias e de seus operadores jurídicos sobre as possibilidades

49 “[...] a proibição geral a que os mediadores e conciliadores judiciais integrem escritórios de advocacia que exerçam atividade dentro dos limites da competência do Tribunal em que estão registrados parece exagerada e, em um primeiro momento, direciona a um desincentivo para que advogados abarquem a tentativa de expansão e consolidação da autocomposição no Brasil. Bem verdade que está prevista [...] a percepção de remuneração pelos mediadores e conciliadores, conforme determinação do Conselho Nacional de Justiça. É razoável, no entanto, a expectativa de que – ao menos em um primeiro momento de adaptação aos dispositivos da lei – o volume de contendas judiciais submetidas à mediação ou conciliação não será grande o suficiente para que os mediadores e conciliadores possam conseguir alcançar uma escala de trabalho que lhes proporcionem uma remuneração adequada. Como conseqüência, cria-se um desincentivo para que advogados se inscrevam perante os Tribunais como mediadores e conciliadores.” (Comentário ao artigo 146 do Projeto de NCPC. Disponível em: <http://participacao.mj.gov.br/cpc/>. Acesso em: 9 fev. 2013)

50 “[...] tanto na legislação processual civil (impedimentos para exercício do poder jurisdicional) quanto na lei de regência da advocacia (impedimento para exercício da advocacia) a lógica norteadora dos impedimentos se baseia na verificação em concreto de hipóteses fáticas que comprometam a atuação do profissional. Essa mesma lógica é repetida no projeto, sendo certo que o impedimento ao patrocínio de causas relativas a qualquer uma das partes pelo prazo de um ano coaduna com a integridade do sistema e parece suficiente para evitar o comprometimento da atuação profissional dos mediadores e conciliadores judiciais.” (Comentário ao artigo 146 do Projeto de NCPC. Disponível em: <http://participacao.mj.gov.br/cpc/>. Acesso em: 9 fev. 2013)

Page 43: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������43

consensuais para que a mediação prospere entre nós; o novo Código de Proces-so enfrenta o tema em diversos dispositivos.

A diferenciação entre mediação e conciliação, bem exposta no novo Código, precisa ser estudada e compreendida pelos sujeitos do processo com maior profundidade.

O estímulo à mediação deve ser dosado para evitar abusos fomentadores de intimidação e comprometimento do consenso genuíno.

A confidencialidade precisará ser reforçada e sustentada; caso alguém busque utilizar indevidamente em juízo informações obtidas em sessões con-sensuais, caberá ao magistrado rechaçar tal atitude (sob pena de desestimular a ida às sessões de autocomposição pelo perigo da exposição de pontos desfa-voráveis).

A previsão de que o cadastramento como mediador gera óbice à ativi-dade advocatícia no juízo da inscrição merece ser revisto sob pena de inibir a consolidação de bons e diversificados quadros de mediadores.

Espera-se que, com o advento do novo Código, a atenção dos operadores e dos gestores da Justiça seja focada na gestão dos conflitos com qualidade; a mediação tem tudo para, neste contexto, ser uma valiosa ferramenta para dar voz e vez a protagonistas de conflitos dispostos a investir produtivamente em um novo roteiro para suas histórias.

referências

BARBOSA, Águida Arruda. A mediação no NCCB. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/191>. Acesso em: 9 fev. 2013.

______. Fim do silêncio. Boletim do IBFam, n. 30. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/177>. Acesso em: 13 fev. 2013.

CAPPELLETTI, Mauro (Org.). Access to Justice. Livro 1. Milano: Sijthoff/Giuffrè, v. II, 1978.

CAPELLETTI, Mauro. Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso à justiça. Revista de Processo, n. 174, p. 82-97.

CARNEIRO, Athos Gusmão. A conciliação no novo Código de Processo Civil. Dispo-nível em: <http://icj.com.br/portal/artigos/a-conciliacao-no-novo-codigo- de-processo--civil/>. Acesso em: 9 fev. 2013.

FAISTING, André Luiz. O dilema da dupla institucionalização do Poder Judiciário: o caso do Juizado Especial de Pequenas Causas. In: SADEK, Maria Tereza (Org.). O sistema de justiça. Série Justiça – Idesp. São Paulo: Sumaré, 1999.

RISKIN, Leonard L. Mediation and Lawyers, 1982. In: RISKIN, Leonard L.; WESTBROOK, James E. Dispute Resolution and Lawyers. St. Paul: West Group, 1997.

Page 44: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

44 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

SALES, Lilia Maia de Morais. Mediação facilitativa e “mediação” avaliativa – Estabele-cendo diferença e discutindo riscos. Disponível em: <http://siaiweb06.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/3267/2049>. Acesso em: 26 maio 2012.

SALLES, Carlos Alberto de; GABBAY, Daniela M.; SILVA, Erica B.; TARTUCE, Fernan-da; GUERRERO, Luis Fernando; LORENCINI, Marco Antônio G. L. A experiência do Núcleo de Estudos de Meios de Solução de Conflitos (Nemesc). Revista Direito GV, v. 6, p. 67-94, 2010.

TARTUCE, Fernanda. Conciliação em juízo: o que (não) é conciliar? In: SALLES, Carlos Alberto de; LORENCINI, Marco; ALVES DA SILVA, Paulo Eduardo (Org.). Negociação, mediação e arbitragem – Curso para Programas de Graduação em Direito. São Paulo/Rio de Janeiro: Método/Forense, v. 1, 2012. p. 145-177.

______. Conciliação e Poder Judiciário. Disponível em: <http://www.fernandatartuce.com.br/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=43&Itemid=56&limitstart=10>. Acesso em: 13 fev. 2013.

______. Mediação nos conflitos civis. São Paulo: Método, 2008.

______. Mediação extrajudicial e indenização por acidente aéreo: relato de uma ex-periência brasileira. Lex Humana, v. 4, p. 32-48, 2012. Disponível em: <http://www.fernandatartuce.com.br/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=43&Itemid=56&limitstart=10>. Acesso em: 13 fev. 2013.

VEZZULLA, Juan Carlos. A mediação. O mediador. A justiça e outros conceitos. In: OLIVEIRA, Ângela (Coord.). Mediação: métodos de resolução de controvérsias. São Paulo: LTr, n. 1, 1999.

______. Mediação: teoria e prática. Guia para utilizadores e profissionais. Lisboa: Agora Publicações, 2001.

WATANABE, Kazuo. A mentalidade e os meios alternativos de solução de conflitos no Brasil. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; LAGRASTA NETO, Caetano (Coord.). Mediação e gerenciamento do processo: revolução na prestação jurisdicional. Guia prático para a instalação do setor de conciliação e mediação. São Paulo: Atlas, 2007.

Page 45: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Assunto Especial – Doutrina

Mediação e Conciliação – Novo CPC

Mediação e Conciliação no Novo CPC e a Tentativa de Tornar Mais Célere o Processo

CAmILA BIRAL vIeIRA DA CunhA mARTInSSócia do setor de contencioso e arbitragem do Demarest Advogados. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo em 2005, Mestre pela Université Panthéon-Sorbonne (Paris 1) (com especialidade em Direito Comercial Internacional e Arbitragem Internacional em 2010), Mestre em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo em 2011, Doutora pela Uni-versidade de São Paulo em 2016. Entre seus principais clientes estão Bayer, Monsanto, Eli Lilly, Neoenergia e Amyris. Participou do programa de treinamentos para jovens advogados na Missão Brasileira em Genebra junto à Organização Mundial do Comércio (OMC/WTO) e junto à Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI/WIPO), em 2007. Atuou como advo-gada no setor de Direito Econômico Europeu e Arbitragem Internacional no escritório francês Gide Loyrette (parceiro Lex Mundi) em Paris, em 2010. Participou do processo de elaboração e revisão das Regras de Mediação da CCI – Paris, em 2013. Membro do Task Force on the Re-vision of the ADR Rules da Comissão de Arbitragem e ADR da Câmara Internacional de Arbitra-gem da Câmara de Comércio Internacional (CCI – Paris). Membro da Comissão de Indicações Geográficas da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual – ABPI. Membro do Grupo de Mediação (Gmep) do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr), Membro do Grupo de Estudos de Investimentos e Arbitragem do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr), Pesquisadora do Projeto Releitura dos Acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC) do Cesa/Ibrac, realizado pelo Centro do Comércio Global e Investimento da Escola de Economia de São Paulo e Escola de Direito de São Paulo, ambos da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Árbitra indicada na lista da Câmara de Arbitragem da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI).

Como se tem propagado, o novo Código de Processo Civil (NCPC) traz como objetivo a busca pela celeridade processual e a tentativa de desafogar o Poder Judiciário com as 95 milhões de demandas judiciais pendentes de jul-gamento (Fonte: CNJ, 2016). Juntamente com a adoção de penalidades em ca-sos de recursos meramente protelatórios, entre outras medidas, o novo Código trouxe a figura da chamada conciliação ou mediação obrigatórias como etapa inicial do procedimento a ser seguido pelas partes da contenda, ressalvados os casos em que a matéria sob litígio não comportar autocomposição.

Diz-se obrigatória, pois, pelo teor do art. 334 do NCPC, assim que rece-bida a petição inicial, o juiz designará audiência de conciliação ou mediação, citando o réu e intimando-o para que ele compareça obrigatoriamente na au-diência designada, sendo aplicada multa de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa (§ 8º). Essa audiência apenas não ocorrerá se

Page 46: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

46 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

ambas as partes informarem ao juiz seu desinteresse na tentativa de composi-ção amigável. Ou seja, basta uma das partes ter interesse na audiência, que ela necessariamente ocorrerá.

Referida etapa inicial criada pelo NCPC, muito embora a audiência de conciliação já ocorresse em etapa intermediária do processo no Código revoga-do, trouxe diversas indagações entre os juristas e as partes sobre seu objetivo e as reais consequências que a aplicação dessa nova previsão pode ocasionar ao desenvolvimento dos processos judiciais.

Uma das questões levantadas diz respeito à efetividade dos métodos con-sensuais da conciliação e mediação na resolução dos conflitos. Nesse sentido, vale socorrer-se das informações já colhidas das iniciativas conduzidas nos úl-timos anos pelas câmaras ou pelos centros de conciliação criados pelos Tribu-nais de todos os Estados. Neste contexto, segundo informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os Centros Judiciários de Resolução de Conflito e Cidadania (Cejuscs), criados pela Resolução CNJ nº 125/2010, evitaram, so-mente no ano passado, que pelo menos 270 mil processos abarrotassem ainda mais as filas intermináveis de processos que aguardam julgamento. Conforme informado, esses números referem-se ao trabalho dos Cejuscs de 8 Estados bra-sileiros e não contabilizam as audiências que ocorrem nas Semanas Nacionais de Conciliação. Apenas em São Paulo, Estado que conta com o maior número de centros instalados no País, 138 mil casos foram encerrados com o auxílio de conciliadores, magistrados, servidores e instituições envolvidos nas audiências de conciliação.

Outro ponto que merece análise sobre as disposições do Código com relação à conciliação e mediação, aqui tratadas sem distinção, muito embora tenham suas especificidades e seus procedimentos próprios, é a questão relacio-nada ao momento inicial definido pelo NCPC para a audiência de tentativa de resolução consensual do litígio. Grande parte dos litígios se inicia logo após as partes, ou pelo menos uma delas, terem tentado resolver a contenda de forma amigável, seja por meio das reclamações, notificações, reuniões, entre outros meios. Portanto, não são raras as ocasiões em que o momento em que inicia-do o litígio é justamente aquele em que as partes estão com os ânimos mais aflorados, sem qualquer intenção de resolver a questão e, algumas vezes, sem qualquer interesse, inclusive de se encontrarem frente a frente. Nessas situa-ções, ter uma etapa de tentativa de conciliação logo no início do processo pode parecer não ser o momento ideal para se buscar a resolução do litígio pela via consensual.

Nos últimos anos, muito sucesso tem sido obtido pelas sessões de conci-liação conduzidas pelas segundas instâncias dos Tribunais, ou seja, no momen-to em que os processos já se encontram em grau de recurso, momento esse em

Page 47: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������47

que o longo tempo levado pelo trâmite do processo judicial da primeira instân-cia já se passou e as partes muitas vezes não possuem o mesmo ímpeto e anseio de litígio. No entanto, ainda que possa pairar um certo ceticismo com relação à efetividade de se buscar consenso logo no início do processo, alguns dados do CNJ trazem certo alento a tal preocupação dos juristas e das partes. Segundo a Comissão, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), por meio de seus 153 Cejuscs, tem alcançado importantes índices de sucesso na área da conci-liação, pois, antes do ajuizamento da ação, na chamada fase pré-processual, o número de acordos vem beirando 67%. Das 122 mil sessões de tentativas de conciliação, houve resultado positivo em 82 mil delas. De tais dados pode se extrair que a tentativa do novo Código de trazer a conciliação para o início do procedimento pode ser salutar, sem prejuízo de a todo momento ela poder ser buscada (art. 139, inciso V).

Outro aspecto importante ressaltado pelo Código é a presença obriga-tória do advogado para assistir a parte nas audiências iniciais de conciliação e mediação (art. 334, § 9º). Referida previsão traz consigo uma grande reflexão sobre o papel do advogado em tais audiências, no sentido de verdadeiramente fomentar tais métodos consensuais de resolução de litígio junto aos seus clien-tes e de participar de forma construtivas na formação do consenso durante as sessões de conciliação e mediação. Tal fomento parte desde a apresentação ao cliente de todos os riscos envolvidos na condução do litígio, no que se inclui os custos, as taxas judiciárias, as multas por recursos meramente protelatórios, as verbas sucumbenciais, os juros legais, até a demonstração racional de que mui-tas vezes a resolução imediata da contenda pode lhe gerar economia financeira e até mesmo novas oportunidades de negócio.

Como se vê, grandes desafios e oportunidades se apresentam com as novas previsões do novo Código de Processo Civil, que, entre inúmeros meca-nismos de bloqueio de incidentes ou fases protelatórias, traz sua maior contri-buição para a tentativa de uma maior celeridade da via judicial por meio do papel de destaque e relevância dado aos meios consensuais de litígio. Caberá, no entanto, aos magistrados, aos advogados, aos conciliadores cada vez mais capacitados para atuarem e às partes utilizarem-se de forma efetiva e eficaz dos mecanismos trazidos pela nova lei.

Page 48: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Assunto Especial – Doutrina

Mediação e Conciliação – Novo CPC

Conciliação e Mediação na Ótica do Novo CPC

RenAn BuhnemAnn mARTInSAdvogado, Bacharel em Direito pela Universidade São Judas Tadeu, Pós-Graduando em Direito Civil e Empresarial pela Faculdade Damásio de Jesus.

SUMÁRIO: 1 Noções gerais; 2 Conciliação x mediação; 3 Dos conciliadores e mediadores; 4 Das Câmaras de Conciliação e Mediação do Poder Público; 5 Da audiência de conciliação ou mediação; Referências.

Neste artigo, estarei aprofundando algumas considerações sobre a conci-liação e mediação sob a ótica trazida no CPC/2015.

1 nOções gerais

Uma das matérias que mais gerou debates, o CPC/2015 inovou ao tra-zer a obrigatoriedade da realização da audiência de autocomposição, tal como já ocorria em procedimentos como o dos Juizados Especiais Cíveis da Lei nº 9.099/1995.

Pode-se dizer que isso decorre da diretriz contida no art. 2º do novel Es-tatuto, que, abarcada dentro das normas processuais fundamentais, traz no seu § 3º o estímulo ao uso de meios de solução consensual de conflitos.

Tanto é assim, nas ações envolvendo Direito de Família, por força do art. 695 e seus parágrafos do novo Código, o mandado de citação conterá ape-nas os dados para audiência de conciliação ou mediação e estará desacompa-nhado da petição inicial, tudo a propiciar ênfase ao início de tratativas, e não ao exercício de defesa.

E, diferente do que ocorria no Código de 1973, o novo CPC traz uma seção destinada a tratar sobre os conciliadores e mediadores judiciais, bem como traz no art. 334 a parte procedimental da audiência de conciliação ou mediação.

2 cOnciliaçãO x mediaçãO

De início vale trazer essa diferenciação, contida, inclusive, no CPC/2015, em seu art. 165.

Page 49: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������49

Segundo o Código, na conciliação, o conciliador, que atuará preferen-cialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.

Por sua vez, na mediação, o mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles pos-sam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, solu-ções consensuais que gerem benefícios mútuos.

De todo modo, tanto a conciliação quanto a mediação estão pautadas pelos seguintes princípios:

• Independência: a atuação de mediadores e conciliadores deve se dar de forma livre e autônoma, sem qualquer forma de subordi-nação, influência ou pressão com relação às partes envolvidas na disputa;

• Imparcialidade: a atuação de mediadores e conciliadores deve se dar com ausência de favoritismo, preferência ou preconceito, de maneira que valores pessoais não interfiram na atividade. Mediado-res e conciliadores devem atuar de maneira equidistante e livre de quaisquer comprometimentos, sejam de que ordem forem com re-lação às partes envolvidas na disputa, e jamais devem aceitar qual-quer espécie de favor ou presente;

• Autonomia da vontade: a atuação de mediadores e conciliadores deve respeitar os diferentes pontos de vista das partes, permitindo--lhes a liberdade para chegar a suas próprias decisões, voluntárias e não coercitivas, em todo e qualquer momento do processo, sendo--lhes facultado, inclusive, a desistência e a interrupção da mediação e da conciliação a qualquer momento, se assim lhes aprouver;

• Confidencialidade:estendendo-seatodasasinformaçõesproduzi-das no curso do procedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das par-tes. Além disso, o conciliador e o mediador, assim como os mem-bros de suas equipes, não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundos da conciliação ou da mediação;

• Oralidade: processo é oral, e a estrutura de comunicação é aberta e flexível. A preocupação na mediação é a de que as partes com-preendam as visões e perspectivas umas das outras, mesmo sem necessariamente concordar, e que seus interesses sejam discutidos,

Page 50: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

50 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

para que opções possam ser exploradas sem comprometimento, até que um acordo seja alcançado;

• Informalidade: é um processo informal, construído pelas próprias partes com ajuda do mediador, em que estas devem focar mais seus interesses e suas possíveis soluções para o problema do que em formalmente expor e convencer umas às outras sobre suas posições jurídicas;

• Decisão informada: o jurisdicionado deve estar plenamente infor-mado quanto aos seus direitos e ao contexto fático no qual está inserido.

Pontua-se, ainda, que são admitidas a aplicação de técnicas negociais, com o objetivo de proporcionar ambiente favorável à autocomposição.

Por fim, é possível afirmar que tanto a mediação quanto a conciliação serão regidas conforme a livre autonomia dos interessados, inclusive no que diz respeito à definição das regras procedimentais, ou seja, o conciliador ou o mediador e as partes definirão a sua estrutura e o seu desenvolvimento, que dependerá do tipo de disputa, do estilo do mediador e das partes, e do programa judicial em que o processo está inserido.

3 dOs cOnciliadOres e mediadOresOs conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas de conciliação

e mediação serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro de Tribunal de Justiça ou de Tribunal Regional Federal, que manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional.

Por câmaras privadas pode-se entender qualquer empresa ou instituição privada que desempenhe a atividade de mediação.

Efetivado o registro, que poderá ser precedido de concurso público, o Tribunal remeterá ao diretor do foro da comarca, seção ou subseção judiciária onde atuará o conciliador ou o mediador os dados necessários para que seu nome passe a constar da respectiva lista, a ser observada na distribuição alter-nada e aleatória, respeitado o princípio da igualdade dentro da mesma área de atuação profissional.

Além disso, os conciliadores e os mediadores deverão ter uma capacita-ção mínima para o desempenho de suas atividades por meio de curso realizado por entidade credenciada, conforme parâmetro curricular definido pelo Con-selho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça, para poder requerer sua inscrição no cadastro nacional e no cadastro de Tribunal de Justiça ou de Tribunal Regional Federal.

No cadastro das câmaras e no cadastro de conciliadores e mediadores, constarão todos os dados relevantes para a sua atuação, tais como o número

Page 51: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������51

de processos de que participou, o sucesso ou insucesso da atividade, a matéria sobre a qual versou a controvérsia, bem como outros dados que o Tribunal jul-gar relevantes, sendo tais dados classificados sistematicamente pelo Tribunal, que os publicará, ao menos anualmente, para conhecimento da população e para fins estatísticos e de avaliação da conciliação, da mediação, das câmaras privadas de conciliação e de mediação, dos conciliadores e dos mediadores.

O Tribunal poderá optar pela criação de quadro próprio de conciliadores e mediadores, a ser preenchido por concurso público de provas e títulos.

O conciliador e o mediador receberão pelo seu trabalho remuneração prevista em tabela fixada pelo Tribunal, conforme parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça, salvo se integrante de quadro próprio do Tribunal.

Ainda, a mediação e a conciliação podem ser realizadas como trabalho voluntário, observada a legislação pertinente e a regulamentação do Tribunal, devendo estes determinar o percentual de audiências não remuneradas que de-verão ser suportadas pelas câmaras privadas de conciliação e mediação, com o fim de atender aos processos em que deferida gratuidade da justiça, como contrapartida de seu credenciamento.

Uma vez cadastrados, os conciliadores e mediadores judiciais, se advo-gados, estarão impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que desempe-nhem suas funções, tendo tal previsão o escopo de evitar os efeitos colaterais advindos das vantagens que a proximidade dos mediadores e conciliadores com o juízo pode lhes trazer em relação aos demais advogados.

Além disso, o conciliador e o mediador ficam impedidos, pelo prazo de 1 ano, contado do término da última audiência em que atuaram, de assessorar, representar ou patrocinar qualquer das partes.

Por serem auxiliares da justiça, nos termos do inciso II do art. 148 do NCPC, aos conciliadores e mediadores são aplicáveis as causas de impedimen-to e suspeição dispostas nos arts. 144 e 145, respectivamente.

No caso de impedimento, o conciliador ou mediador o comunicará ime-diatamente, de preferência por meio eletrônico, e devolverá os autos ao juiz do processo ou ao coordenador do centro judiciário de solução de conflitos, de-vendo este realizar nova distribuição. E se a causa de impedimento for apurada quando já iniciado o procedimento, a atividade será interrompida, lavrando-se ata com relatório do ocorrido e solicitação de distribuição para novo concilia-dor ou mediador.

Caso haja impossibilidade temporária do exercício da função, o con-ciliador ou mediador informará o fato ao centro, preferencialmente por meio eletrônico, para que, durante o período em que perdurar a impossibilidade, não haja novas distribuições.

Page 52: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

52 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Em regra, caberá às partes escolher o conciliador ou mediador que pode-rá ou não estar cadastrado no Tribunal, até mesmo em observância ao princípio da autonomia da vontade. Ainda, haverá a designação de mais de um mediador ou conciliador sempre que recomendável.

Porém, inexistindo acordo quanto à escolha do mediador ou conciliador, haverá distribuição entre aqueles cadastrados no registro do Tribunal, observa-da a respectiva formação.

O CPC/2015 traz 2 hipóteses de exclusão dos conciliadores e mediado-res jamais aplicada aos demais auxiliares da justiça:

• Agircomdoloouculpanaconduçãodaconciliaçãooudamedia-ção sob sua responsabilidade ou violar qualquer dos deveres de si-gilo, divulgando ou depondo acerca de fatos ou elementos oriundos da conciliação ou mediação;

• Atuaremprocedimentodemediaçãoouconciliação,apesardeim-pedido ou suspeito.

Tais casos de exclusão serão apurados em processo administrativo.

Por fim, o Código ainda traz que o conciliador ou mediador possa ser afastado temporariamente de suas funções por até 180 dias caso o juiz do pro-cesso ou o juiz coordenador do centro de conciliação e mediação verifique atuação inadequada, devendo o fato ser imediatamente encaminhado ao Tribu-nal para instauração do respectivo processo administrativo.

4 das câmaras de cOnciliaçãO e mediaçãO dO pOder públicO

O CPC/2015 traz que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municí-pios criarão câmaras de mediação e conciliação com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo.

Tal matéria não é iniciativa legislativa isolada acerca do tema. A Lei nº 13.140/2015 disciplina minuciosamente a mediação (a conciliação é tratada esparsamente) com sobreposição de muitas normas em relação ao CPC, como já exposto em outro artigo.

A título exemplificativo, a aludida Lei de Mediação, diferentemente das previsões do novo CPC, que preservam irrestrito sigilo e confidencialidade na atuação do conciliador e mediador, e impedem expressamente seu depoimento acerca de fatos ou elementos oriundos da conciliação ou da mediação, referin-do-se apenas à mediação, excepciona do sigilo as informações relativas a crime de ação pública e as de interesse da administração tributária.

De todo modo, o novo CPC traz as seguintes atribuições para tais câ-maras:

Page 53: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������53

• DirimirconflitosenvolvendoórgãoseentidadesdaAdministraçãoPública;

• Avaliaraadmissibilidadedospedidosderesoluçãodeconflitos,pormeio de conciliação, no âmbito da Administração Pública;

• Promover,quandocouber,acelebraçãodetermodeajustamentode conduta.

5 da audiência de cOnciliaçãO Ou mediaçãO

Tema que abordei recentemente em outro artigo, em que trouxe a forma pela qual o novel diploma trata o início do procedimento comum ordinário, a audiência de conciliação ou mediação está disposta no art. 334 do NCPC.

Estando a petição inicial apta e não sendo o caso de improcedência limi-nar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com, pelo menos, 20 (vinte) dias de antecedência.

O conciliador ou mediador, onde houver, necessariamente atuará na au-diência, e, se preciso, poderá haver mais de uma sessão consensual em, no máximo, até 2 meses da data de realização da primeira.

A audiência não será realizada se ambas as partes, autor e réu, manifesta-rem expressamente desinteresse na composição consensual (ou seja, se apenas uma das partes exarar seu desinteresse, a audiência será realizada mesmo assim devido ao silêncio da outra parte) e no caso de que o direito discutido não per-mita a autocomposição.

Além disso, havendo litisconsórcio, o desinteresse na realização da au-diência deve ser manifestado por todos os litisconsortes.

O momento para que seja indicado o interesse na autocomposição será, para o autor, na própria petição inicial, e, para o réu, em petição, apresentada com 10 dias de antecedência com relação à data da audiência.

A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos da lei, e a autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por sentença.

Por fim, parte poderá constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir.

referências

OAB/RS. Novo Código de Processo Civil anotado. Porto Alegre/Rio Grande do Sul, ESA, 2015.

OAB/PR. Código de Processo Civil anotado. Paraná/São Paulo, AASP, 2015.

Page 54: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Assunto Especial – Doutrina

Mediação e Conciliação – Novo CPC

Audiências de Conciliação e Mediação no Código de Processo Civil: Mudança de Paradigmas

CAROLInA LOuzADA PeTRARCAAdvogada do escritório Gabriela Rollemberg Advocacia.

DAnnúBIA nASCImenTOAdvogada do escritório Gabriela Rollemberg Advocacia.

Sempre com a intenção de alcançar a celeridade processual e buscando dar maior ênfase aos meios alternativos de resolução de conflitos, o legislador, no Código de Processo Civil de 2015, estabeleceu, no art. 334, os ditames a serem seguidos em todas as ações civis para a realização de audiências de con-ciliação ou de mediação antes da fase instrutória.

Nas audiências de conciliação, o condutor da audiência, um conciliador, auxiliará de forma ativa as partes na resolução do conflito, inclusive propondo medidas possíveis para a solução do conflito, não devendo haver entre conci-liador e partes vínculo anterior (art. 165, § 2º).

Já, nas audiências de mediação, conduzidas por um mediador, este terá um papel mais coadjuvante, ou seja, apenas direcionará as partes, sem, no en-tanto, intervir ou propor na solução desse conflito e deverá ter, preferencial-mente, entre mediador e partes, vínculo anterior (art. 165, § 3º).

A novidade existe na medida em que as audiências de conciliação ou mediação são obrigatórias, em regra, em todas as ações cíveis, e devem ocorrer antes da apresentação da contestação pelo réu.

Entretanto, o CPC/2015 traz exceções. A audiência não será realizada nos casos de improcedência liminar do pedido (art. 334, caput, do CPC) e no caso de apresentação de contestação em que o réu alegue, em preliminar, a incompetência absoluta ou relativa do juízo. Neste caso, o réu poderá protoco-lar a defesa no foro de seu domicílio e a audiência de conciliação, porventura designada, será suspensa, conforme previsão expressa no art. 340, § 3º, do CPC.

Page 55: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������55

Outra exceção à realização de audiência de conciliação ou de mediação é aquela prevista no § 4º do art. 334 do CPC/2015, nos incisos I e II: para que a audiência de conciliação ou mediação não ocorra, necessário que as partes ma-nifestem expressamente o desinteresse pela sua realização. Se apenas uma das partes manifestar o desinteresse e a outra parte, seja autora ou ré, nada disser, o juiz deverá marcar a audiência.

Tendo em vista que a audiência de conciliação ou mediação ocorrerá antes da apresentação de contestação (inclusive, o prazo para apresentar con-testação passou a ser diferenciado no novo CPC), o réu deverá ser citado com, pelo menos, 20 dias de antecedência da data da audiência, justamente para que neste tempo possa manifestar previamente se deseja ou não a audiência de con-ciliação, reiterando que, se ficar silente, considerar-se-á aceita a audiência. A manifestação do réu deverá ser no prazo mínimo de 10 dias antes da audiência designada (§ 5º do art. 334).

No caso de litisconsórcio, o legislador entendeu que a concordância ou discordância em relação à audiência de conciliação ou mediação deverá ser manifestada por todos (§ 6º art. 334), ocasião em que, se apenas um deixar de manifestar ou quiser expressamente a realização de audiência, esta deverá ocorrer.

Todas as previsões trazidas pelo legislador até aqui são fundamentais para a compreensão da dinâmica das audiências de conciliação e mediação. Mas um ponto em particular nos chama atenção, que é o trazido no § 8º do art. 334 do CPC, que assim dispõe:

§ 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancio-nado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado. (grifo nosso)

A nosso sentir, se a previsão de realização de conciliação ou mediação já é importante, esse ponto ganha maior ênfase com o § 8º do art. 334 do CPC. Não é somente uma questão de ir ou deixar de comparecer à audiência. O legislador tratou de prever punição para aquele que não comparecer de forma injustificada à audiência.

A primeira punição é a de considerar ato atentatório à dignidade da jus-tiça a ausência da parte, ou seja, são aqueles atos que extremam o descumpri-mento de ordem judicial, que desrespeita o Poder Judiciário e, agora, com a redação do art. 334, § 8º, do CPC, será punido com multa de até 2% do proveito econômico ou do valor da causa, que será revertida em favor da União ou do Estado.

Page 56: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

56 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Sob essa ótica, abrimos um parêntese para frisar a importância da aten-ção do advogado tanto do autor, em relação à manifestação pela audiência de conciliação ou mediação na inicial, quanto principalmente pelo réu, que, além da possível condenação do próprio processo, se deixar de comparecer à conciliação ou mediação sem justificativa, outrossim, poderá ser penalizado com multa.

Portanto, ainda que não seja possível o comparecimento pessoal do autor ou do réu, o legislador estabeleceu, no § 10 do art. 334 do CPC, ser possível que a parte seja representada por procurador, com poderes específicos para negociar e transigir, o que, mais uma vez, reforça a necessidade de atenção, principalmente do advogado das partes para essa audiência, ressaltando que a presença de advogado é obrigatória (§ 9º do art. 334 do CPC). Frisa-se, no en-tanto, que o procurador não precisa, necessariamente, ser advogado.

Conquanto a intenção do legislador seja a de primar pela solução alter-nativa de conflitos, a nosso sentir, o Poder Judiciário ainda não está amplamente preparado para a realização das audiências de conciliação e mediação, que deverão ser conduzidas por conciliador (art. 334, § 1º, do CPC).

Se, por um lado, a ideia do legislador de encurtar as demandas judiciais por meio da conciliação e mediação nos parece absolutamente louvável; por outro, nos remete à reflexão de quantos conciliadores e mediadores no quadro dos Tribunais estão preparados para essa demanda e quantos mais seriam ne-cessários para suportar o grande volume de processos que cresce a cada dia.

Diante das considerações ora expostas, entendemos que a previsão de métodos alternativos de resolução de conflitos, como a mediação e a concilia-ção, de forma expressa no novo CPC, é absolutamente elogiável, pois concede às partes a atuação protagonizada nos processos, podendo transigir sobre seus próprios destinos, encerrando a controvérsia que a levaram ao Judiciário.

Com o enaltecimento dos métodos alternativos de resolução de conflitos, o legislador do novo CPC, mais do que um avanço processual, avança, tam-bém, na busca por uma mudança cultural, na medida em que tenta reduzir a exacerbada judicialização de demandas que, por vezes, podem ser resolvidas por meio de acordo.

Espera-se que, ao longo do tempo, haja o suprimento das lacunas insti-tucionais para o efetivo atendimento das partes, sem que se corra o risco de se tornarem inócuas as conquistas advindas com o novo Código de Processo Civil.

1 Vide art. 335, I a III, do CPC/2015.

Page 57: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Assunto Especial – Com a Palavra, o Procurador

Mediação e Conciliação – Novo CPC

Audiência de Conciliação/Mediação Obrigatória no Novo CPC

DORGIvAL vIAnA JR.Procurador Federal em PGF, Ex-Procurador Municipal de Campo Alegre, Ex-Oficial do Ministério Público do Estado de Alagoas, Ex-Auditor do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol de Alagoas, Ex-Membro da Comissão de Ética na Administração Pública da OAB/AL, Ex-Estagiário do Ministério Público Federal.

O novo CPC trouxe diversas inovações ao sistema processual brasileiro e uma das que mais chamam a atenção é justamente sobre a qual falaremos nesta postagem: A audiência de conciliação ou mediação obrigatória do art. 334 do novo CPC.

Neste artigo, iremos tratar:

– Diferenças entre conciliação e mediação, que são institutos simila-res, mas distintos;

– Obrigatoriedade da audiência de conciliação ou mediação no novo CPC;

– Características e ocasiões em que, excepcionalmente, a audiência não ocorrerá;

– Prazo para contestação e o que chamo de conciliação desarmada.

Ambos são meios alternativos de resolução de conflitos.

cOnciliaçãO

Na conciliação, a um terceiro imparcial é imposta a missão de tentar aproximar os interesses de ambas as partes, orientando-as na formação de um acordo. O conciliador é um facilitador do acordo entre os envolvidos e, para isso, deve tentar criar um ambiente propício ao entendimento mútuo com a aproximação dos interesses.

Em geral, na conciliação há concessões recíprocas com vistas a resolver antecipadamente o conflito com um acordo razoável para ambas as partes e o conciliador participa da formação da comunhão de vontades.

Page 58: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

58 �������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – COM A PALAVRA, O PROCURADOR

mediaçãO

A mediação também é uma forma de tentar findar litígios por meio de um acordo, mas tem certas peculiaridades.

A mediação é um processo que oferece aqueles que estão vivenciando um conflito, geralmente decorrente de alguma relação continuada, a oportuni-dade e o ambiente adequados para encontrar, juntos, uma solução para aquele problema.

O mediador, diferente do conciliador, além de imparcial, é neutro.

É dizer: o mediador não pode sugerir soluções para o conflito, mas deve deixar que as partes proponham, negociem e cheguem a essa solução sem sua intervenção direta. O mediador é um moderador que deve se limitar a garantir as condições para o diálogo entre as partes.

O conciliador possui mais liberdade, mas o mediador, em geral, trata de assuntos mais sensíveis, como questões de guarda de filhos, pensão alimentícia, divórcio.

audiência de cOnciliaçãO Ou mediaçãO Obrigatória dO nOvO cpc

O novo CPC trouxe, como já dito, a audiência de composição obriga-tória.

É a regra.

No procedimento comum, o réu não é mais intimado para responder, mas para comparecer a uma audiência de conciliação ou de mediação que passa a ser obrigatória.

O art. 334 do novo CPC tem a seguinte redação:

Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser cita-do o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.

§ 1º O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na au-diência de conciliação ou de mediação, observando o disposto neste Código, bem como as disposições da lei de organização judiciária.

§ 2º Poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação, não podendo exceder a 2 (dois) meses da data de realização da primeira sessão, desde que necessárias à composição das partes.

§ 3º A intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de seu advo-gado.

Page 59: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – COM A PALAVRA, O PROCURADOR �����������������������������������������������������������������������59

Do texto inicial do art. 334 apresentado (ainda há mais parágrafos a estu-dar), extraem-se as seguintes conclusões:

Em regra, a audiência deve ser sempre designada, salvo indeferimento/determi-nação de emenda da inicial ou improcedência liminar;

Entre a data da designação e da audiência deve haver um hiato mínimo de 30 dias, enquanto que o réu deve ser citado pelo menos 20 dias antes da realiza-ção da audiência de conciliação ou mediação;

A audiência será presidida por conciliador ou mediador, sendo possível que seja presidida por servidor com outras funções, onde não haja estas figuras;

A audiência de conciliação ou mediação poderá ser cindida quando a autori-dade que a preside entender que tal providência é necessária, não podendo ser marcada a continuação para data superior a 2 meses da primeira sessão;

O autor é intimado por seu advogado, o réu, por ser sua primeira participação no processo, é intimado pessoalmente;

Sigamos na análise do texto do art. 334 do novo CPC:

“Art. 334. [...]

[...]

§ 4º A audiência não será realizada:

I – se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na compo-sição consensual;

II – quando não se admitir a autocomposição.

§ 5º O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocom-posição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência.

§ 6º Havendo litisconsórcio, o desinteresse na realização da audiência deve ser manifestado por todos os litisconsortes.”

A regra é que a audiência seja obrigatória, mas ela pode não ser reali-zada quando: (a) todas as partes envolvidas no processo (inclusive litisconsor-tes ativos e passivos) manifestem desinteresse na composição consensual; ou (b) quando a lide não admitir autocomposição nem mesmo em tese.

Lembrando que apenas a manifestação de todos os interessados pode levar à não realização da audiência, não basta apenas o desinteresse de uma das partes como ocorre atualmente com o velho CPC/1973.

O autor deve indicar que não quer a audiência logo na petição inicial, enquanto o réu poderá fazê-lo em petição autônoma, desde que com antece-dência mínima de 10 dias da data da audiência.

Page 60: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

60 �������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – COM A PALAVRA, O PROCURADOR

Art. 334. [...]

[...]

§ 7º A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio ele-trônico, nos termos da lei.

Atento à facilidade dos meios eletrônicos e ao constante avanço da in-fraestrutura dos tribunais nacionais, o novo CPC já admitiu antecipadamente a realização de conciliação ou mediação por meio eletrônico, apesar de ter remetido aos “termos da lei” que, entendo, não precisa ser uma lei de processo (necessariamente federal), mas uma lei de procedimento (pode ser estadual) que informará a formalidade básica para realização do ato em meio eletrônico.

Entendo que a expressão “meio eletrônico” deve ser interpretada em con-sonância com o instituto a que se refere (audiência), de modo que não seria admissível “audiência” realizada por e-mail ou outro sistema de troca de men-sagens que não seja ao vivo, mas é a futura legislação que irá reger a matéria.

Art. 334. [...]

[...]

§ 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancio-nado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.

Não mais se admite que uma das partes falte a audiência e justifique, alegando simplesmente o desinteresse em conciliar, a parte é obrigada a com-parecer sob pena de multa.

Art. 334. [...]

[...]

§ 9º As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos.

A parte não poderá comparecer desacompanhada de advogado, de modo a garantir-se o conhecimento das implicações jurídicas de qualquer acordo a ser celebrado na audiência, bem como as consequências de não fazê-lo.

Art. 334. [...]

[...]

§ 10. A parte poderá constituir representante, por meio de procuração específi-ca, com poderes para negociar e transigir.

Page 61: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – COM A PALAVRA, O PROCURADOR �����������������������������������������������������������������������61

A parte poderá constituir representante para a audiência de conciliação ou mediação; no entanto, é imprescindível que este tenha poderes específicos para negociar e transigir, os quais devem ser veiculados em procuração especí-fica para a audiência.

Art. 334. [...]

[...]

§ 11. A autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por sen-tença.

§ 12. A pauta das audiências de conciliação ou de mediação será organizada de modo a respeitar o intervalo mínimo de 20 (vinte) minutos entre o início de uma e o início da seguinte.

A autocomposição, por conciliação ou mediação, será reduzida a ter-mo e homologada por sentença e não se admitirá audiências designadas com prazos mínimos entre uma e outra, o que só gera insatisfação dos advogados que sempre enfrentam grandes atrasos em sua agenda, notadamente pelo não cumprimento dos horários designados.

prazO para cOntestaçãO nO nOvO cpc e “cOnciliaçãO desarmada”

Outra novidade do novo CPC é o que chamo de conciliação desarmada.

O réu não é mais citado para responder, mas para participar de audiência de conciliação ou mediação, ou seja, quando da citação não precisa se preo-cupar em se armar de diversos argumentos defensivos/contestar, mas simples-mente se comprometer a encontrar o réu e conversar sobre o assunto com ele.

Assim, não precisa argumentar quem está “mais certo” ou se seu argu-mento tem fundamento na jurisprudência, mas apenas conversar sobre o inte-resse ou desinteresse em conciliar.

O prazo para contestar só começa a fluir da realização da audiência ou do dia em que o réu se manifesta pelo desinteresse em sua realização (somente admissível se o autor também manifestou desinteresse).

Page 62: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Parte Geral – Doutrina

A Efetiva Tutela Jurisdicional: Necessidade de um “Sistema Recursal”

The Effective Judicial Protection: Need for a “Appeal System”

RODRIGO De OLIveIRA mARqueSAdvogado, Aluno no Programa de Mestrado em Direito da Fundação de Ensino “Eurípides Soares da Rocha”.

SILvIA heLenA De ALmeIDA STeFAnOAdvogada, Aluna no Programa de Mestrado em Direito da Fundação de Ensino “Eurípides Soares da Rocha”.

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar a efetiva tutela jurisdicional que, sem meios de impugnação, estaria fadada ao fracasso. Mesmo com a possibilidade de impugnação, ainda são passíveis de serem encontrados pronunciamentos divergentes dos ditames legais e constitucionais. Com o advento do novo Código de Processo Civil, cuja intenção é a de efetivar a tutela jurisdicional, os recursos jurídicos continuam sendo ponto de discussão, pois, para uns, seriam motivo de demora na entrega do direito, mas, para outros, meio de assegurar que essa entrega seja a mais adequada e de proteger a segurança jurídica, precisamente vislumbrando-se tal entendimento na história evolu-tiva dos recursos, uma vez que se mostra nítida a semelhança na estrutura dos órgãos jurisdicionais nos mais diversos Estados, baseando-se no duplo grau de jurisdição, e Cortes Superiores, as quais servem para a informalização da interpretação do ordenamento jurídico e constitucional, baseados, também, no princípio da confiança.

PALAVRAS-CHAVE: Tutela jurisdicional; “sistema recursal”.

ABSTRACT: This article aims to analyze the effective judicial protection which, without being con-tradicted means, would be doomed to failure, even with the possibility of appeal, they are still likely to be found divergent pronouncements of legal and constitutional principles, with the advent of the New Code of Civil Procedure, whose intention is to carry out the judicial protection, legal appels, still point of discussion, as to be a cause for delay in delivery of the right, but for others, means of ensuring that this delivery is the most appropriate and to protect legal certainty, precisely such an understanding in sight in the evolutionary history of resources, since it shows clearly the similarity in the structure of courts in various states, based on the of appeal and superior courts, which serve to the informalisation of the interpretation of the legal and constitutional framework, based also on the principle of trust.

KEYWORDS: Judicial protection; “appeal system”.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Considerações sobre meios de impugnação; 2 Finalidade dos recursos; 3 Conceito de recursos; 4 Breve evolução histórica dos recursos; Conclusão; Referências.

Page 63: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������63

intrOduçãO

Inicialmente, com a finalidade de embasar o presente trabalho, pois, so-mente com a existência de um sistema processual é que se encontram os recur-sos. Assim, indispensável nos reportarmos aos ensinamentos de J. E. Carreira Alvim, em seu livro Elementos da teoria geral do processo, em que o autor sus-tenta o ser humano, reportando-se a Aristóteles, da seguinte forma: “O homem é um animal político, que nasce com a tendência de viver em sociedade”1.

Do convívio social, bem como o homem ter necessidades para supri-las, emerge o conceito de bem (bem da vida ou propriedade), consequentemente, na busca de saciar tais necessidades, inicia-se a pretensão, que algumas vezes divergiam das necessidades de outro membro da comunidade, ou grupos (pois as necessidades podem ser individuais e coletivas), ocorrendo a resistência por parte dos últimos, nascendo a lide.

É neste momento que se tem as primeiras noções de resolução de con-flitos, primeiramente pela autotutela, em que as partes utilizavam da força para ver suas pretensões satisfeitas; posteriormente, com o surgimento de um sobe-rano, em que se passou a recorrer ao mesmo para a solução desses conflitos.

A noção de processo é um tanto como moderna. Segundo o autor men-cionado, na mesmo obra: “Observa Gusmão que o emprego da palavra proces-so, com o significado que tem que tem atualmente, data dos últimos séculos da Idade Média. Os romanos usavam a expressão iudicium; o iudicium dos roma-nos guarda equivalência terminológica como o nosso processo”2.

Atualmente, os diversos ramos do Direito vêm sendo interpretados e aplicados com fundamentação e interpretação baseadas na Constituição Fede-ral, convergindo com o disposto na “Exposição de Motivos” contido no novo Código de Processo Civil, em suas primeiras linhas, em que enfatiza o fato de que “um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhe-cimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais3 de um Estado Democrático de Direito”.

Pode-se dizer que, com as renovações constitucionais, os temas também se renovam. Atualmente, a constitucionalização do Direito engloba todas as

1 CARREIRA ALVIM, J. E. Elementos da teoria geral do processo. 7. ed. rev., amp. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

2 Idem, fls. 15.3 “Isto é, aquelas que regem, eminentemente, as relações das partes entre si, entre elas e o juiz e, também,

entre elas e terceiros, de que são exemplos a imparcialidade do juiz, o contraditório, a demanda, como ensinam Capalletti e Vigoriti.” (I diritti constituzionali dele parti nel processo civile italiano. Rivista de diritto processsuale, Padova: Cedam, II série, v. 26, p. 604-650, 1971, p. 605)

Page 64: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

64 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

relações, principalmente aquelas nas quais o Estado exerce um papel funda-mental, como, no presente tema, a prestação da tutela jurisdicional.

Seguindo o exposto, resta nítida a existência de ser uma das funções do Estado a prestação jurisdicional, para que se tivesse a manutenção da ordem e segurança jurídica, sendo o instrumento para a efetivação do direito material o direito processual. No mesmo contexto, a Comissão de Juristas, em sua “Ex-posição de Motivos” supramencionada, continua: “Sendo ineficiente o sistema processual, todo ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se transformaram em pura ilusão, sem a ga-rantia de sua correlata realização no mundo empírico, por meio do processo”4.

Aqui, já estamos mencionando a fase instrumentalista do processo, a qual melhor se adequa na relação entre os direitos materiais e processuais, como menciona Luís Henrique Barbante Franzé:

No transcorrer desta fase instrumentalista – que ainda vivenciamos –, tivemos algumas situações importantíssimas, a saber:

a) O direito de ação foi constitucionalizado, tal como ocorreu por meio do inci-so XXXV do art. 5º da CF. Assim, independentemente de existir uma ação ou mecanismo previsto (tipificado), o direito processual deve amparar qualquer lesão ou ameaça ao direito;

b) A compreensão de que a entrega da tutela jurisdicional a quem tiver razão deve ser vista como um princípio-síntese e como objetivo final. Portanto os demais princípios devem ser vistos a partir desta premissa, para não serem absolutos5.6

Diante das argumentações trazidas anteriormente, por ser objeto do pre-sente uma breve análise do papel dos recursos na prestação da tutela jurisdicio-nal, não serão aprofundadas as demais vertentes teóricas tangentes no processo em sua totalidade.

4 “É o que explica com a clareza que lhe é peculiar, Barbosa Moreira: ‘Querer que o processo seja efetivo é querer que desempenhe com eficiência o papel que lhe compete na economia do ordenamento jurídico. Visto que esse papel é instrumental em relação ao direito substantivo, também se costuma falar da instrumentalidade do processo. Uma noção conecta-se com a outra e por assim dizer a implica. Qualquer instrumento será bom na medida em que sirva de modo prestimoso à consecução dos fins da obra a que se ordena; em outras palavras, na medida em que seja efetivo. Vale dizer: será efetivo o processo que constitua instrumento eficiente de realização do direito material’ (Por um processo socialmente efetivo. Revista de Processo, São Paulo, v. 27, n. 105, p. 183-190, jan./mar. 2002, p. 181).”

5 “Chamando a atenção para o enfoque que deve ser dado ao contexto do processo, frente ao acesso à justiça, Mauro Capelletti e Bryan Garth, explicam que ‘o novo enfoque de acesso à Justiça, no entanto tem alcance muito mais amplo. Essa ‘terceira onda’ de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de advogados particulares ou públicos, ‘mas vai além’. Ela centra sua atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas. Nós o denominamos ‘o enfoque do acesso à Justiça’ por sua abrangência. Seu método não consiste em abandonar as primeiras ondas de reforma, mas em tratá-las como apenas algumas de uma série de possibilidades para melhorar o acesso.’ (Acesso à Justiça, p. 67-68)”

6 FRANZÉ, Luís Henrique Barbante. Teoria geral dos recursos revisitada, p. 26.

Page 65: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������65

Indispensável será a instrução de Edgar Guimarães, em sua obra Controle das licitações públicas sobre conceito de processo e procedimento: “O proces-so constitui-se em uma sucessão de atos, tendo por objetivo a resolução de um conflito de interesses, em que necessariamente deve ser respeitado o devido processo legal em seus dois aspectos (contraditório e ampla defesa)”.

Mas indispensável mencionar que a tutela jurisdicional exige uma solu-ção justa, sendo o processo o meio de sua concretização, por consequência, ao se tratar de práticas de atos pelo homem (o Estado é o detentor da prestação jurisdicional, mas são executadas por pessoas; logo, os pronunciamentos são passíveis de erro, vícios, entre outros fatores), motivo pelo qual não existe siste-ma processual “justo”, sem possibilidade de impugnação de pronunciamentos que possam trazer prejuízo às partes, até mesmo a terceiros.

1 cOnsiderações sObre meiOs de impugnaçãO

Seguindo as assertivas ora descritas, a tutela jurisdicional somente é efi-caz quando exaure a análise dos fatos de direito material, entregando ao juris-dicionado sua pretensão. Por mais que existam mecanismos (procedimentos processuais) para tal análise, é muito possível que o julgador, ao exercer sua função, profira pronunciamentos, que, por vezes, destoem da realidade ou não sejam as adequados para o caso concreto, assim, dependendo da natureza do pronunciamento, existe o meio adequado para sua impugnação:

Ações autônomas de impugnação – necessário que se forme outra rela-ção processual, visam à reforma de uma decisão, mas deve ter por fundamento um vício: mandado de segurança, ação rescisória, a reclamação constitucional.

Sucedâneo recursal – todo meio de impugnação de decisão que não é nem recurso nem ação de impugnação: pedido de reconsideração, reexame necessário, correição parcial.

Recursos – dependem de vontade da parte, seguem na mesma relação jurídico-processual e não têm como pressuposto o vício da decisão, e sim a sucumbência.

Inegável é a necessidade de entendermos mais profundamente as ques-tões inerentes aos recursos, uma vez que, em toda a História, podemos encon-trar relatos de insatisfação dos seres humanos na tentativa de resolverem seus conflitos.

2 finalidade dOs recursOs

Segundo o processualista Gabriel Rezende Filho, é aspecto psicológico: “a) a reação natural do homem, que não se sujeita a um único julgamento, b) a possibilidade de erro ou má-fé do julgador”.

Page 66: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

66 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Neste diapasão, deve-se reconhecer que possam ocorrer equívocos na decisão, levando-se em conta que o magistrado terá maior cuidado ao decidir, ante a possibilidade de sofrer censuras, assim como restrições em sua carreira (Souza, 2007, p. 7).

Mas a maior importância seria a de uniformização da aplicação do Direi-to, gerando maior crédito ao Judiciário, ante a tendência a se ter uma “certeza” quanto ao resultado do caso que será levado a julgamento.

Antes de avançar no que se refere aos recursos propriamente ditos, in-dispensável a transcrição dos três últimos parágrafos, da página x e o primeiro parágrafo da página ix da “Exposição dos Motivos”:

Nessa dimensão, a preocupação em se preservar a forma sistemática das nor-mas processuais, longe de ser meramente acadêmica, atende, sobretudo a uma necessidade de caráter pragmático: obter-se um grau mais intenso de funciona-lidade.

Sem prejuízo da manutenção e do aperfeiçoamento dos institutos introduzidos no sistema pelas reformas ocorridas nos anos de 1992 até hoje, criou-se um Có-digo novo, que não significa, todavia, uma ruptura com o passado, mas um pas-so à frente. Assim, além de conservados os institutos cujos resultados foram po-sitivos, incluíram-se no sistema outros tantos que visam a atribuir-lhe alto grau de eficiência.

Há mudanças necessárias, porque reclamadas pela comunidade jurídica, e cor-respondentes a queixas recorrentes dos jurisdicionados e dos operadores do Direito, ouvidas em todo país. Na elaboração deste Anteprojeto de Código de Processo Civil, essa foi uma das linhas principais de trabalho: resolver proble-mas. Deixar de ver o processo como teoria descomprometida de sua natureza fundamental de método de resolução de conflitos, por meio do qual se realizam valores constitucionais7.

Assim, e por isso, um dos métodos de trabalho da Comissão foi o de resolver problemas, sobre cuja existência há praticamente unanimidade na comunida-de jurídica. Isso ocorreu, por exemplo, no que diz respeito à complexidade do sistema recursal existente na lei revogada. Se o sistema recursal, que havia no Código revogado em sua versão originária, era consideravelmente mais simples que o anterior, depois das sucessivas reformas pontuais que ocorreram, se tor-nou, inegavelmente, muito mais complexo.

7 “Sálvio de Figueiredo Teixeira, em texto emblemático sobre a nova ordem trazida pela Constituição Federal de 1988, disse, acertadamente, que apesar de suas vicissitudes, ‘nenhum texto constitucional valorizou tanto a “Justiça”, tomada aqui a palavra não no seu conceito clássico de “vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu”, mas como conjunto de instituições voltadas para a realização da paz social’.” (O aprimoramento do processo civil como garantia da cidadania. In: FIGUEIREDO TEIXEIRA, Sálvio. As garantias do cidadão na Justiça. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 79-92, p. 80)

Page 67: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������67

Os referidos parágrafos transcritos, com grifos ora realizados, reforçam a importância da existência de um sistema recursal, para que se alcance a “Jus-tiça”, mesmo levando-se em consideração o princípio da razoável duração do processo, reportando ao fato de ter sido fundamentação nos referidos “motivos”, pois de nada adianta uma decisão rápida se for injusta. Nesse sentido, afirmam:

Afinal, a celeridade não é um valor que deva ser perseguido a qualquer custo. “Para muita gente, na matéria, a rapidez constitui o valor por excelência, quiçá o único. Seria fácil invocar aqui um rol de citação de autores famosos, aposta-dos em estigmatizar a morosidade processual. Não deixam de ter razão, sem que isso implique – nem mesmo quero crer, no pensamento desses próprios au-tores – hierarquização rígida que não reconheça como imprescindível, aqui e ali, ceder a passo a passo a outros valores. Se uma justiça lenta demais é de-certo uma justiça má, daí não se segue que uma justiça muito rápida seja ne-cessariamente uma justiça boa. O que todos devemos querer é que a pretensão jurisdicional venha a ser melhor do que é. Se para torná-la melhor é preciso acelerá-la, muito bem: não, contudo a qualquer preço” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O futuro da justiça: alguns mitos. Revista de Processo, v. 102, p. 228-237, abr./jun. 2001, p. 232).

Em concordância com o mencionado anteriormente:

O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autô-noma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito. Esses dois princípios – segurança jurídica e proteção da confiança – andam estreitamente associados, a ponto de alguns au-tores considerarem o princípio da confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objetivos da ordem jurídi-ca – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a proteção da confiança se prende mais com os componen-tes subjetivos da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos dos actos. (CANOTOLHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2000. p. 256)

Com os referidos argumentos, mostra-se necessário um sistema recursal, principalmente nos tempos atuais, levando-se em conta a variedade de “bens da vida” e perspectiva de proteção adequada a cada situação fática, que pode levar tanto para a seara de causas repetitivas quanto para causa divergente que conte-nha elementos para exceção ou alteração do entendimento outrora pacificado.

Page 68: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

68 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

3 cOnceitO de recursOs

Nos ensinamentos de José Carlos Barbosa Moreira, os recursos seriam os “meios de impugnação das decisões judiciais”.

Vicente Greco Filho, na definição de recurso, menciona o entendimento de que recurso seria “o remédio voluntário e idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna” (fls. 293, Direito processual civil, v. 2, 18. ed., 2007).

Frisando que essa definição atende às peculiaridades do sistema brasi-leiro, Greco Filho, na mesma obra e página, trás o entendimento de Canelutti: “É um instrumento processual destinado a corrigir um desvio jurídico, em vez de apenas constá-lo e tirar suas consequências. É um instrumento, portanto, de correção, em sentido amplo”.

Humberto Theodoro Júnior define recurso como sendo: o meio ou “o poder de provocar o reexame de uma decisão pela mesma autoridade judiciá-ria, ou por outra hierarquicamente superior, visando a obter a sua reforma ou modificação”, ou apenas a sua invalidação (fls. 501, Curso de direito processual civil, 39. ed., v. I, 2003).

Salienta que não se pode confundir os recursos com outros meios autô-nomos de impugnação da decisão judicial, citando a ação rescisória e o man-dado de segurança.

Importante a necessária observância de que devem ser interpostos antes da formação da coisa julgada.

No sistema brasileiro, tem-se como preocupação basilar a simplificação dos atos, dos termos e das formas, com a finalidade de se atingir um equilíbrio entre a Justiça e a celeridade e certeza dos julgamentos, motivo que nos remete à atual mescla dos institutos do Civil Law e Common Law, a fim de se ter maior instrumentalidade e segurança jurídica.

4 breve evOluçãO histórica dOs recursOs

Direito romano

As duas primeiras fases: legis actiones e formulário: ambas mantinham duas fases: in iure (composta da actio e da litiscontestatio, realizadas em acordo pré-processual) e in iudicio (perante o magistrado), observadas a lei e a ordem edital.

Ambos os períodos correspondem à chamada ordo judiciorum privato-rum (a função do pretor, agente do poder oficial, era mais passiva de supervi-são), cabendo a decisão de mérito ao magistrado privado. Porém, parte da dou-

Page 69: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������69

trina entende que já havia alguma força do pretor, pelo fato da negatio actionis, ou seja, impedir a decisão de mérito, por não ter previsão.

Entende-se que, nestes dois períodos, não existia a possibilidade de re-cursos, pois a decisão era proferida por magistrado particular, não por agente do Estado, existindo outros meios de impugnação das decisões, mas eram conside-radas novas ações: a intercessio, a infitatio, a revocatio in duplum e a restitutio in integrum (ou como meios políticos de proteção).

A diferença é que, no segundo período, entende a doutrina, que foram ampliadas as possibilidades da ação, por meio das fórmulas pretorianas, con-tidas na ordem edital, ou dada para o caso apresentado, in factum; além da previstas em lei (Lex Aebutia, de cerca de 114 a.C.), que perduraram até cerca do século III d.C.

Os recursos nascem no terceiro período de evolução do processo roma-no, chamado de “cognitio extra ordinem”, em virtude da ampliação da ação além da ordem legal e do edital, aumentando as atribuições do agente oficial do Estado, o pretor, a possibilidade de pedido de reexame das decisões ou, quando não, um apelo ao imperador.

Assim, aparecem os primeiros meios de recursos, sendo desta fase a appellatio e a suplicatio (a doutrina considera esta última com a origem mais remota da correição parcial).

Houve a queda do Império Romano e a invasão bárbara, momento em que se deu a influência do Direito germânico, que não previa recursos, pois os julgamentos eram baseados em inspirações divinas (as ordálias), irrecorríveis.

Na Inglaterra, no período da invasão bárbara, as soluções se davam nos mesmos moldes mencionados, mas encontraram a solução de serem embasadas as decisões nos usos e costumes (Common Law).

Implementado o Feudalismo, os julgadores eram os próprios senhores feudais, onde já havia possibilidade de ser pleiteada a revisão da decisão, mas quase nunca era realizada.

Paralelamente, o Direito canônico, de origem no Direito romano, evo-luiu, admitindo-se, genericamente, a possibilidade de recursos.

Com o aumento gradativo da complexidade das questões, e ante a inse-gurança dos súditos, eram realizadas diretamente ao Rei, mas sem uma limita-ção de apelações das decisões, em ambos os sistemas.

Em Portugal, admitia-se a apelação para as sentenças finais e decisões in-terlocutórias durante a época de Afonso III, na mesma linha do Direito romano.

Page 70: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

70 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Afonso IV limitou as apelações para as sentenças definitivas, resguardan-do algumas exceções.

Em decorrência dessa rigidez, surgiram as querimas ou queixas, dirigidas ao superior ou soberano, que eram apreciadas sobre a cláusula “se é assy como querelou”. Seguidas das Declarações Manuelinas de 1521 (finalidade de sim-plificar a discussão da admissibilidade da apelação), e da Carta Régia de 1526 (agravo).

As Ordenações Filipinas modificaram o cabimento dos agravos, de peti-ção, de instrumento e no auto do processo (trazendo para o Brasil, também, o “agravo de ordenação não guardada”).

A Pós-Revolução Francesa (1789-1799) implementou a tripartição de po-deres (retomada do duplo grau de jurisdição) (Civil Law).

Houve a implementação, no Brasil, dos três tipos de agravos (de petição, de instrumento e no auto do processo). Também foram incluídos o “agravo de ordenação não guardada” (procedimental) e o agravo ordinário (estes últimos extintos em 1832 e 1841), e, ainda, a apelação para as sentenças terminativas de mérito.

O Regulamento nº 737, de 1850, aboliu o agravo no auto do processo para o Código Comercial, em 1890, com o Decreto nº 763, e estendeu-se para as causas cíveis, restando apenas os agravos de petição e de instrumento.

Com o advento do Código de Processo Civil de 1939, o agravo se petição era cabível apenas para decisões terminativas sem julgamento de mérito (salvo legislações extravagantes, nas quais cabiam em sentenças com julgamento de mérito), agravo de instrumento, no auto do processo e apelação.

Veio o Código de 1973, trazendo já a tentativa de simplificação dos atos processuais, tendo sido satisfatório até a década de 1990, passando a necessitar de alterações, ante o distanciamento entre o direito processual e material, que passou a existir com a

No corrente ano, fora sancionado o novo Código de Processo Civil, o qual manteve, ao contrário do que muitos pensavam, um sistema recursal que visa à harmonia entre os preceitos constitucionais e processuais, da celeridade jurisdicional, da segurança jurídica, ou seja, um sistema em que as causas “re-petitivas” seriam julgadas de forma conjunta, para que não haja divergência em decisões sobre os mesmos fundamentos de fato e de direito, mas que assegurem que as causas fundadas em elementos fáticos e de direito que destoam do enten-dimento pacificado pelos Tribunais e possam ser devidamente analisadas, com as devidas e merecidas atenções.

Page 71: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������71

cOnclusãO

Ante todo o conteúdo mencionado, podemos vislumbrar a importância da existência de um “sistema recursal”, pois, ao ser o Estado o detentor da pres-tação da tutela jurisdicional, passa a ter o dever de garantir aos jurisdicionados segurança jurídica e manutenção de confiabilidade, como exposto em nota de rodapé 13: “Os ingleses dizem que os jurisdicionados não podem ser tratados ‘como cães, que só descobrem que algo é proibido quando o bastão toca seus focinhos’” (Bentham citado por R. C. Caenegem, Judges, Legislators & Profes-sors, p. 161).

Não se pode negar a necessidade de um “sistema recursal”, pelos mo-tivos já mencionados, sendo eles o de um processo justo, em que o julgador, por se tratar de ser humano, é passível de erros, bem como a uniformização das jurisprudências.

Nessa mesma compreensão, o Professor Luís Henrique Barbante Frazé, em sua obra Teoria geral dos recursos revisitada (p. 197), dispõe:

Ao avocar a entrega da tutela jurisdicional, o Estado também assumiu a obriga-ção de garantir um processo justo ao jurisdicionado, inclusive assegurando o recurso, pois é um desdobramento do próprio direito de ação.

E nem poderia ser diferente, pois quem está à frente do processo é o juiz e, como todo ser humano, está sujeito a falhas. Daí a importância do recurso, para minimizar as injustiças, já que também permite a reapreciação das decisões do primeiro grau que possam causar prejuízo.

Aliás, a importância dos recursos se mostra também pelos seguintes aspectos:

a) Histórico, já que geralmente apenas os Estados absolutistas não permitem re-cursos;

b) No Direito estrangeiro atual, de modo geral, há previsão de recursos;

c) As estatísticas levantadas demonstram que o nível de reforma dos pronuncia-mentos é relativamente grande, chegando a cerca de trinta por cento, nos recur-sos verticais casuísticos, como a apelação e o agravo.

Não obstante o supratranscrito, existem autores que criticam os recursos com a fundamentação da morosidade, do alto número de recursos que “travam” o Judiciário, sustentando a abolir recursos que entendem como “desnecessá-rios”; entretanto, podendo soar como ousadia, não pode essa crítica prosperar, pois não é a existência de recursos que geram tal morosidade, mas, sim, o mau seu uso.

Por esse excesso de recorribilidade, foram criados “filtros” para o rece-bimento e conhecimento do recurso, alguns até destoantes da ordem jurídica,

Page 72: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

72 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

como, por exemplo, a intempestividade pela interposição antes da publicação do pronunciamento8.

O mais adequado é a punição da parte que interpuser recurso procrasti-natório, ou seja, se devidamente comprovada má-fé, não se pode extinguir um meio de acesso à justiça por abusos acometidos por mero descontentamento, mas, sim, a exigência de mínimo de fundamentação jurídica, contemplando, assim, os preceitos constitucionais.

A Corte Constitucional italiana elaborou outro conceito em uma de suas primeiras sentenças (1956), como:

Faz-se mister assinalar que se devem considerar como princípios do ordena-mento jurídicos aquelas orientações e aquelas diretivas de caráter geral e fun-damental que se possam deduzir da conexão sistemática, da coordenação e da íntima racionalidade das normas, que concorrem para formar assim, num dado momento histórico, o tecido do ordenamento jurídico.

No que se refere ao momento histórico do ordenamento jurídico, pode-mos nos reportar ao constitucionalismo, em conformidade com Virgílio Afonso da Silva trata neste momento. O que o autor francês chama de “efeitos indi-retos”, uma vez que os diretos seriam os supraexpostos, porém distingue dos efeitos propriamente ditos, decorrentes da constitucionalização em si, não do processo de constitucionalização, como o já mencionado, que serão os anali-sados a seguir.

Unificação Da orDem jUríDica

Favoreu ensina que ocorre em duas frentes:

a) As normas constitucionais tornam-se progressivamente o funda-mento comum dos diversos ramos do direito. Seria a perda da im-portância dos chamados princípios gerais de direito em favor das normas constitucionais, salientando que ainda não foi plenamente assimilado pela jurisprudência. Existe uma impregnação das nor-mas constitucionais nos diversos ramos do direito, é um ponto cen-tral do processo de constitucionalização do direito, especialmente para a interpretação do direito infraconstitucional.

b) A distinção entre direito público e direito privado é relativizada. Como consequência da elevação das normas constitucionais e o enfraquecimento dos princípios gerais do direito Favoreu sustenta que com esta unificação da ordem jurídica passou a existir uma

8 A questão não será devidamente apreciada, pois poderia ser tratado como objeto de outro trabalho, ante a complexidade de sua fundamentação.

Page 73: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������73

relativização da distinção clássica entre direito público e direito pri-vado, se embasando na difusão desses “novos princípios gerais”, pois não seria obstada pela dualidade de jurisdição existente na França.9

O novo Código Civil trouxe várias adequações para a efetiva segurança jurídica, levando em consideração os argumentos já mencionados no corpo do presente, também em sua Exposição de Motivos (p. xii):

Mas talvez as alterações mais expressivas do sistema processual ligadas ao ob-jetivo de harmonizá-lo com o espírito da Constituição Federal, sejam as que di-zem respeito a regras que induzem à uniformidade e à estabilidade da jurispru-dência.

O novo Código prestigia o princípio da segurança jurídica, obviamente de ín-dole constitucional, pois que se hospeda nas dobras do Estado Democrático de Direito e visa proteger e preservar as justas expectativas das pessoas.

Todas as normas jurídicas devem tender a dar efetividade às garantias consti-tucionais, tornando “segura” a vida dos jurisdicionados, de modo a que estes sejam poupados de “surpresas”, podendo sempre prever, em alto grau, as con-sequências jurídicas de sua conduta.

Mais à frente, na página xvii, vêm a Comissão dizer:

Com objetivo semelhante, permite-se no novo CPC que os Tribunais Superiores apreciem o mérito de alguns recursos que veiculam questões relevantes, cuja solução é necessária para o aprimoramento do Direito, ainda que não estejam preenchidos requisitos de admissibilidade considerados menos importantes. Trata-se de regra afeiçoada à processualística contemporânea, que privilegia o conteúdo em detrimento da forma, em consonância com o princípio da instru-mentalidade.

Sem a menor cautela em mencionar que, longe de esgotar o assunto, o que se conclui é o fato de ser indispensável adequação dos procedimentos utilizados na efetiva prestação da tutela jurisdicional, nos ditames da Constitui-ção Federal, viabilizando maior celeridade, sem abolir o devido processo legal e o direito de ação, os quais estariam fadados sem a existência de um sistema recursal.

Somente assim, poder-se-á atingir, ou ter maior proximidade, com os princípios da segurança jurídica e proteção da segurança no Estado Demo-crático de Direito, em conformidade com o aludido pelo ilustre doutrinador Canotilho.

9 SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito. Capítulo 3 – Constitucionalização: teorias, formas e atores. 1. ed. São Paulo: Malheiros, p. 38 a 49.

Page 74: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

74 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

referências

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2000.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. 2. ed. rev., atual. e aum. São Paulo: Malheiros, 2007.

GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2007.

FRANZÉ, Luíz Henrique Barbante. Teoria geral dos recursos revisitada. Curitiba: Juruá, 2011.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. 5. tr. São Paulo: Malheiros, 2003.

______. Novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. São Paulo: Atlas, 2015.

SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 20. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 3 v., 2001.

SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito. 1. ed. São Paulo: Malheiros,

SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 4. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 39. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 2003.

______. O processo civil brasileiro: no limiar do novo século. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

Page 75: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Parte Geral – Doutrina

O CPC/2015 e o Devido Procedimento Legal na Fraude de Execução

GeLSOn AmARO De SOuzADoutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP, Membro do Instituto Panamericano de Dere-cho Procesal, Laureado com a Comenda Luciano Pinheiro de Souza do I Congresso de Direito Internacional de Direito Processual Civil, Professor Concursado para os Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito da Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP (Campus de Jacarezinho), Ex-Diretor e Professor da Faculdade de Direito da Associação Educacional Toledo – AET de Presidente Prudente/SP, Procurador do Estado (Aposentado) e Advogado em Presidente Prudente/SP.

RESUMO: Procurou-se demonstrar neste breve estudo, que houve um pequeno avanço no proce-dimento da fraude à execução com o novo CPC/2015, ao determinar intimar o terceiro adquirente para tomar conhecimento. Melhor agora, do que antes. Mas há muito de que se avançar rumo a uma melhor disposição para colocar no mesmo plano de igualdade as partes envolvidas, quando se trata de alegação de fraude à execução. Quando se fala em fraude, deve-se levar em conta que esta não existe se não houver pelo menos a participação de duas pessoas e que, e que é necessária a observação de um procedimento conforme a lei, para evitar prejuízo para o executado (devedor) e o terceiro adquirente.

PALAVRAS-CHAVE: Fraude à execução. Reconhecimento. Procedimento. Devido processo legal.

SUMÁRIO: 1 Noções preliminares; 2 Situação fática; 3 Provocação do conhecimento; 4 Julgamento da fraude de execução; 4.1 Necessidade de sentença para julgar a fraude à execução; 5 Efeito da declaração de fraude de execução; 6 Fraude de execução e o contraditório; 7 Fraude de execução e a ampla defesa; 8 Fraude de execução e o devido procedimento legal; Conclusão; Referências.

1 nOções preliminares

Poucas pessoas se aperceberam que a Constituição de 1988 alterou todo o sistema jurídico nacional. A partir de sua promulgação, não mais é possível imaginar qualquer processo ou procedimento sem o devido processo (procedi-mento) legal1.

Seguindo o avanço da sistemática processual do CPC/2015, neste estudo, serão vistas as ligações entre o devido processo legal e a fraude de execução. Aqui, foi colocada em realce a preocupação com a relação necessária que deve existir entre a fraude de execução e o princípio do devido processo (procedi-mento) legal.

1 “Após o advento da Constituição de 1998 o direito pátrio passou por um redimensionamento conceitual que conduziu a uma releitura de todo o sistema jurídico.” (POPP, Carlyle. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e a liberdade negocial – A proteção contratual no direito brasileiro. In: LOTUFO, Renan (Coord.). Direito civil constitucional. p. 151)

Page 76: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

76 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Não se pode imaginar que alguma pessoa possa sofrer restrição de seus bens sem um procedimento devidamente previsto em lei e regularmente segui-do no caso concreto (art. 5º, LIV, da CF/1988). A Constituição Federal deve ser lembrada, respeitada e seguida em todas as atividades e relações sociais, por isso, com maior razão nas atividades judiciais, como é o caso da decisão sobre fraude de execução e a consequente determinação para penhora da coisa alie-nada ou onerada sob a alegação de ter sido em fraude de execução.

Como se sabe, na sistemática anterior, se tornou como prática nos meios forenses os juízes, atendendo a singelo pedido do credor (exequente), sem ou-vir o devedor-executado (alienante) nem o terceiro (adquirente), ao conhecer, em juízo de cognição sumaríssima, o pedido do exequente e, nesse ato singelo e, em muitas vezes, até sem fundamentação (art. 165 do CPC e art. 93, IX, da CF/1988), reconhecerem a fraude de execução e declararem a ineficácia da alienação, determinando a penhora sobre o bem do terceiro adquirente sem que este e o devedor fossem ao menos ouvidos a respeito dessa tão grave im-putação.

Curiosa e estranhamente, alguns juízes adotavam estas medidas esdrúxu-las como é a de simplesmente intimar o adquirente de que o bem adquirido seria ou, até mesmo, já fora penhorado em execução de credor-exequente, por-que fora declarada diretamente nos autos do processo de execução a “fraude de execução”. Curiosa, estranha e esdrúxula tal medida, porque, se haveria de inti-mar o adquirente, isto haveria de se dar antes da decisão e não depois. Antes da decisão, haver-se-ia de ouvir o adquirente e também o alienante; agora, decidir por primeiro e intimar somente depois que já decidira é inverter a sequência de qualquer procedimento e, de forma induvidosa, ferir e contrariar o devido procedimento (processo) legal.

O CPC/2015 procurou evitar esse inconveniente, mas, apesar da boa in-tenção, não soube solucionar a questão de conformidade com a Constituição Federal. No seu art. 972, § 4º, determinou que se intime o terceiro adquirente para interpor embargos de terceiro. Em vez de citá-lo para se defender em ação apropriada, ainda vacilou e se referiu apenas a uma simples intimação, o que não atende ao comando constitucional (art. 5º, LIV, da CF/1988).

Mesmo havendo boa intenção, o CPC/2015 não conseguiu atender à norma constitucional para exigir um verdadeiro devido procedimento legal, com a citação do executado alienante, bem como do terceiro adquirente, para apresentarem defesas. Somente com a citação oportunizando a apresentação de defesa por vendedor e comprador é que se estaria atendendo à norma cons-

titucional.

Page 77: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������77

2 situaçãO fática

A fraude de execução é uma consequência jurídica oriunda de uma si-tuação fática. Como situação fática que envolve várias circunstâncias condicio-nantes de sua ocorrência, circunstâncias essas que devem existir, não podendo ser reconhecida e declarada por mera presunção sem antes abrir oportunidade probatória2.

A situação fática ensejadora da ocorrência de fraude de execução deve ser exaustivamente provada e, para isso, deve-se seguir a norma sobre o ônus da prova (art. 333 do CPC). No caso, como quem alega é, em regra, o exequente, cabe a ele provar tal ocorrência, nesse ponto, observando-se a igualdade de tratamento, o contraditório e a ampla defesa, também princípios constitucionais insuprimíveis. Uma coisa puxa a outra, é preciso seguir o devido procedimento legal e, como inexiste previsão de procedimento especial para o caso, neces-sário é seguir o procedimento comum ordinário (art. 318 do CPC/2015) com todas as fases e princípios naturais deste procedimento, entre eles os princípios da ampla defesa, da distribuição do ônus da prova e do contraditório. Quando esses princípios não forem atendidos, ferido está o devido procedimento legal, e a decisão proferida que reconhecer e declarar a fraude de execução é abso-lutamente nula.

Pode parecer estranha a afirmação a seguir, mas isto é uma verdade cons-tatável. O direito, ao ser praticado, às vezes apresenta contradições e incoe-rência despercebidas e que, se percebidas fossem, ruborizariam toda a família jurídica. Na prática, não são raros os casos de incoerência e contradição em que, no afã de afastar um vício de um negócio jurídico (fraude de execução), acaba-se por cometer outro muito mais grave. Isto é o que, em regra, se dá no caso de reconhecimento e declaração de fraude de execução.

Na ânsia de afastar o vício (social) da fraude à execução, acaba por ferir mortalmente os princípios da igualdade de tratamento, do devido procedimen-to legal, do contraditório e da ampla defesa, que são princípios que albergam interesses maiores.

3 prOvOcaçãO dO cOnhecimentO

Nada obstante a vetusta e generalizada afirmação de que o juiz poderá conhecer da fraude de execução, mesmo sem provocação do credor interessa-do, pensamos que, para o caso de alienação de bens (sem penhora registrada) em fraude de execução, isso não se dá. Como foi expresso anteriormente, para

2 “Apesar da gravidade do ato do devedor que busca fraudar a execução, não se conhece norma a ditar procedimento para o conhecimento e a declaração desta fraude. O que se encontra na prática forense é adoção de medida empírica e sem apoio no princípio do devido procedimento legal. Sem lei a ditar algum procedimento especial, qualquer que seja adotado, que não seja o procedimento ordinário, será contrário ao princípio constitucional do devido processo legal.” (SOUZA, Gelson Amaro de. Fraude de execução e o devido processo legal. Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, Ribeirão Preto/SP, v. 4, p. 17:18, abr. 2000)

Page 78: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

78 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

que se dê essa figura, necessária se faz a presença de várias situações cumula-damente, e que todas elas exijam provas. Como o processo de execução não é palco para discussões paralelas, necessária é a instauração de novo processo (incidental) para discussão e prova sobre eventual fraude de execução. Não po-dendo o juiz iniciar o processo (art. 2º do CPC/2015), logo, ele não pode tomar a iniciativa e declarar a fraude de execução (salvo a hipótese de bem já penho-rado e com registro da penhora, mas que não é a hipótese até aqui estudada).

A fraude de execução garante ao credor direito de penhorar a coisa nas mãos de quem quer que seja. Mas este direito é disponível ao credor (arts. 775, 924, III e IV, 487, II, do CPC/2015). Em sendo direito disponível ao credor, somente a ele cabe postular e não ao juiz agir de ofício, como enganadamente tem-se apregoado. É princípio básico de direito que o juiz somente poderá agir de ofício quando se tratar de matéria relacionada a direitos indisponíveis. Se o crédito atingido pela fraude de execução é disponível, logo, não comporta atuação por iniciativa do juiz.

Não podendo o juiz agir de ofício (art. 2º do CPC/2015), exige-se a ine-vitável provocação do interessado. No caso em tela, imagina-se que, em regra, somente o credor (exequente) terá interesse e legitimação para provocar o reco-nhecimento e declaração de que a coisa fora vendida ou onerada em fraude de execução. Essa provocação deve ocorrer por meio de petição inicial que deve conter os requisitos do art. 319 do CPC para formação de um processo autôno-mo com todas as garantias constitucionais, devendo encerrar-se com sentença na forma do art. 490 do CPC, com os requisitos do art. 489, §§ 1º, 2º e 3º, do CPC/2015.

Parece não ser difícil chegar-se a esta conclusão, o que é de difícil con-senso é a forma com que se deve dar esta provocação. Atento aos princípios constitucionais do devido procedimento legal, do contraditório e da ampla de-fesa, é de se imaginar que somente por meio de um processo autônomo (pro-cesso incidente) é que se poderá postular o reconhecimento e declaração de fraude de execução.

4 julgamentO da fraude de execuçãO

O julgamento da fraude de execução, em caso de coisa ainda não pe-nhorada ou sem registro da penhora, ao que se pensa, somente pode se dar por meio de processo próprio, e que, no caso, será um processo de conhecimento declaratório incidental.

Como já foi mencionado, inexiste lei traçando o procedimento próprio ou indicando procedimento especial para o caso de fraude de execução, o que se tem a seguir é o procedimento comum ordinário (art. 318 do CPC/2015).

A primeira objeção que se poderia fazer ao que se afirma é a de que, no processo de execução, não há espaço para discussão de questões de direito

Page 79: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������79

entre credor e devedor, e, com isso, não se poderia abrir discussão entre esses dois e mais o terceiro adquirente.

É certo e inegável que a execução não é palco próprio para discussão, senão realização do direito já anteriormente definido. Entretanto, inúmeros são os casos em que excepcionalmente tem se permitido abrir discussão dentro dos autos da execução, como se dá nos casos de “exceção ou objeção de pré--executividade”3, pedido de remição, reserva de numerários para pagamento do credor hipotecário (art. 771, parágrafo único, do CPC/2015) etc.

Ainda que o processo de execução fosse de tudo imune à discussão den-tro do processo, mesmo assim, essa objeção é de tudo insustentável. O fato de não ser possível abrir-se discussão dentro do processo de execução, nada obsta que se encaminhe a discussão para outro processo incidental, como acontece em várias outras situações. Os embargos de terceiro (art. 674 do CPC/2015) correspondem a um processo incidente à execução e são muito utilizados sem objeção. Também outras incidentais existem e que são processadas em separa-do à execução, tais como as exceções de incompetência, impedimento ou sus-peição (arts. 146 e 340), pedido de preferência (arts. 612 e 797 do CPC/2015), embargos do devedor (art. 914 do CPC/2015), embargos à adjudicação e à ar-rematação (art. 903) ou a ação autônoma do § 4º do art. 903 do CPC/2015 e a declaratória incidental4 etc.

Desta forma, a aceitação e a inclusão de um processo incidental menos ou mais não vão prejudicar a execução. Ao contrário, com isso, vai atender aos princípios constitucionais maiores e que merecem respeito e acatamento.

O que não pode, e isso parece ser elementar, é o julgamento sobre coisa pertencente a terceiro que não é parte no processo de execução, sem que sejam atendidos os princípios da igualdade de tratamento, do contraditório, da ampla defesa e do devido procedimento legal.

Entendendo-se que esses princípios não podem ser atendidos diretamen-te dentro do processo de execução, que o sejam em separado e em ação própria por meio de processo incidente como os demais anteriormente anotados. O que não se pode é contrariar a Constituição Federal e descumprir os princípios e as garantias asseguradas por ela. O julgamento da fraude de execução, sem as ouvidas do devedor (alienante) e do terceiro (adquirente), é inconstitucional por ferir mortalmente o princípio do devido procedimento legal.

Na doutrina, já houve quem manifestasse pelo julgamento da fraude de execução por meio de ação de conhecimento e pelo procedimento ordinário,

3 Ver. Repro 55/62, Ajuris 45/155, RT 640/427, 617/187, 657/243, 596/146, 511/221, JTA 57/37, 95/128, 97/278 e Revista de Direito 25/15.

4 STJ, REsp 11.171, DJU 25.11.1991, p. 17072. Também na doutrina: GALDINO, Dirceu. Da ação declaratória incidental no processo de execução. In: Uma vida ao direito. Vários autores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 592 e ss.

Page 80: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

80 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

e este ponto de vista pode ser encontrado na pena forte de Pestana de Aguiar (1987), quando assim expôs:

Como podemos constatar, basicamente são três as hipóteses de retificação ou anulação do registro: a) processo contencioso onde especificamente se pede a retificação ou anulação do registro; b) pedido de anulação ou declaração de nu-lidade de ato jurídico em ação própria, a gerar, consequentemente, a retificação ou anulação do registro; c) decisão, em processo contencioso, sobre fraude de execução, a conduzir ao mesmo resultado quanto ao registro.5

Percebe-se que esse autor fala de forma clara em decisão em processo contencioso sobre fraude de execução. Deixa claro que esse grande jurista já se encontrava avançado em seu tempo e, até mesmo antes da promulgação da atual Constituição Federal, já anunciava a necessidade de processo contencio-so, para julgamento da fraude de execução. Verdade é que, somente em um processo contencioso, com procedimento regular e que assegure de forma efe-tiva os princípios e garantias constitucionais, poderá haver qualquer decisão e assim também o será em relação à fraude de execução.

Deve ficar bem claro que não é o antigo, vetusto, ilegal e inconstitucional costume de julgar a fraude de execução sem processo contencioso e sem o prin-cípio do devido procedimento legal que o torna legítimo. Já se disse alhures que a repetição de ato ilícito jamais o tornará lícito; não é a repetição de julgamento ilegítimo que jamais o legitimará6. A repetição de um procedimento inconsti-tucional jamais o tornará constitucional somente por essa repetição. Por isso, está na hora de rever posições e adotar medidas novas. Mas medidas condizen-te com a realidade da sistemática processual constitucional, exigindo-se ação autônoma para apuração e julgamento do fraude à execução, não servindo a simples intimado do terceiro adquirente prevista no art. 792, § 4º, do CPC/2015.

Se, em época passada, pensou-se que a fraude de execução poderia ser julgada sem o devido procedimento legal, pensamento este de todo equivoca-do, não pode ser mantido no presente. Se àquela época pensava-se que isso era uma verdade, hoje se sabe seguramente que não o é. Aliás, ao seu tempo, Descartes, quando escrevera o Discurso do Método, deixou assentado:

Todas as coisas possíveis de cair sob o conhecimento dos homens seguem-se umas às outras da mesma maneira e que, contanto que nos abstenhamos so-mente de aceitar por verdadeira qualquer que não o seja […]. (Descartes, Dis-curso do Método, p. 38)

Acenava esse autor com expectativa de que somente fossem aceitas as verdades e não aquela que fosse apregoada como verdade e não o fosse. Como

5 PESTANA DE AGUIAR, João Carlos de. A ação pauliana e a fraude contra credores. Revista de Crítica Judiciária, Rio de Janeiro/RJ: Forense, v. 01, p. 137, 1º trim. 1987.

6 Ver nosso Processo e jurisprudência no estudo do direito (Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 95).

Page 81: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������81

a decisão sobre fraude de execução sem o devido procedimento legal nem de longe pode ser vista como algo legítimo e em benefício da sociedade, deve ser mudada essa posição, nada obstante infindáveis precedentes jurisprudenciais que se atualizaram frente à nova sistemática implantada pela Constituição Fe-deral de 1988.

A propósito, lembra-se a lição de um dos mais venerados juízes da Supre-ma Corte dos Estados Unidos de todos tempos, Benjamin Cardoso (1978), que serve de clamor à consciência dos julgadores:

O processo evolutivo deve ser simétrico, coerente com a história ou o costu-me, quando aquela ou este tiverem representando a força motriz, ou a principal força no sentido da configuração das regras existentes; e deve ser também coe-rente com a lógica ou a filosofia, quando o poder gerador tiver sido o seu. Essa evolução simétrica poderá, entretanto, ser comprada por preço excessivamente alto. A uniformidade deixa de ser um bem quando se torna uniformidade de opressão. O interesse social servido pela simetria ou certeza deve, portanto, ser equilibrado com o interesse social servido pela equidade e pelo sentimento de justiça, ou ainda, por outros elementos relativos ao bem-estar social. Tais ele-mentos poderão impor ao juiz o dever de traçar a linha partindo de outro ângu-lo, de se arriscar por novos caminhos, de marcar novo ponto de partida, do qual começarão sua jornada outros que virão depois dele.7

Felizmente, mesmo sem atingir a evolução necessária, ao final do século passado, já começava a surgir, na jurisprudência, entendimento que buscava aproximação com o devido procedimento legal, em que considerou necessária a participação do adquirente no processo para só depois declarar-se a fraude de execução, como segue: “Para declarar a ineficácia do negócio em relação ao credor é necessária a intimação do adquirente para fazer parte do processo”8.

Muito embora o julgado não faça referência a um processo autônomo com a citação do executado e do adquirente, já se referia à intimação e parti-cipação do adquirente no processo, o que indicava a abertura de contraditório e de ampla defesa, muito embora ainda falte o devido processo (procedimento) legal em sua ampla extensão.

4.1 necessiDaDe De sentença para jUlgar a fraUDe à execUção

Outra questão que merece atenção do intérprete é saber se pode ou não o juiz declarar a ineficácia ou a nulidade, bem como decretar a anulação de algum negócio jurídico sem sentença. Pela norma imperativa do art. 490 do CPC/2015, parece serem impossíveis tais providências por meio de decisões

7 CARDOZO, Benjamin N. A natureza do processo e evolução do direito. 3. ed. Trad. Lêda Boechat Rodrigues. Ajuris, Porto Alegre/RS: Síntese, n. 09, p. 118, 1978.

8 Agravo de Instrumento nº 91.01.125095, TRF 1ª Região, DJU 13.02.1992, Lex-JSTJ, 38/386.

Page 82: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

82 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

interlocutórias. Para se decretar a nulidade ou para se declarar a nulidade ou a ineficácia de qualquer negócio, é necessária sentença ou acórdão.

Somente por meio de processo autônomo, no qual se cumprirá o devido procedimento legal, com respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa é que se poderá retirar a eficácia de algum ato ou negócio jurídico, e, mesmo assim, sempre por meio de sentença ou de acórdão.

O vetusto costume de se declarar a ineficácia da alienação ou oneração de bem em fraude à execução, por meio de simples decisão interlocutória, além de ser arbitrária, é autoritária e desprovida de qualquer amparo jurídico, e ainda é da mais extrema injustiça, por não se permitir às partes e ao terceiro adquiren-te o exercício de seus direitos processuais constitucionais, tais como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

Não se pode conceber que um negócio jurídico seja desfeito ou declara-do nulo ou ineficaz por simples decisão interlocutória. Decisão interlocutória é decisão de impulso do processo e não serve para decidir matéria final, como é o caso de pedido de declaração de nulidade ou de ineficácia de qualquer negócio jurídico. Estes pedidos devem ser feitos por petição inicial, em processo autôno-mo e decididos por sentença. Sem sentença, estes pedidos não podem ser aten-didos (art. 490 do CPC/2015). Ainda mais, esta sentença deve ser fundamentada conforme a delineação do art. 489, bem como conter todos os requisitos dos §§ 1º, 2º e 3º do CPC/2015.

5 efeitO da declaraçãO de fraude de execuçãO

Repete-se aqui que somente a sentença é meio hábil a declarar a existên-cia ou a inexistência de qualquer ato ou negócio jurídico. Assim também o é com relação à declaração de ineficácia da alienação ou oneração em fraude à execução (art. 490 do CPC/2015).

Ocorrendo fraude de execução, a alienação ou oneração do bem ou da coisa é tida como ineficaz em relação ao credor que tinha demanda pendente no momento da alienação ou oneração. Como se vê, não se trata de nulidade e nem de anulabilidade, mas tão somente de ineficácia em relação ao credor e tão somente em relação a esse, sendo ato perfeito e eficaz com relação a qualquer outra pessoa, até mesmo em relação a outros credores que ainda não tinham no momento da alienação ou oneração, demanda pendente (arts. 312 e 592 do CPC/2015). Não basta ser credor, mais que isso, é necessário que seja credor com ação proposta (demanda pendente) ao tempo da alienação ou one-ração para que esses atos sejam tidos como ineficazes.

Trata-se de ineficácia relativa e que depende da iniciativa do credor (art. 2º do CPC/2015), tanto que, se esse quiser, poderá abrir mão de seu direito em excutir o bem, como consta dos arts. 775, 487, III, c e 924, III, IV e V, do CPC/2015.

Page 83: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������83

Por se tratar de direito que está albergado sob o princípio de disponibili-dade do credor, não se vê como poderá o juiz agir de ofício e mesmo apreciar a questão em simples incidente a pedido do credor sem as garantias constitucio-nais do devido procedimento legal, da ampla defesa e do contraditório.

Necessária se faz a instauração de um processo autônomo e incidental à execução, com participação no polo do devedor (alienante) e com citação do terceiro adquirente na qualidade de litisconsórcio necessário (arts. 114, 115 e 116 do CPC/2015). Sem essa providência, todo o processado será nulo por não atender ao devido processo legal.

6 fraude de execuçãO e O cOntraditóriO

Em se tratando de processo de execução, a grande maioria da doutrina propala que nessa modalidade de processo não se faz presente o contraditório. Nada obstante o respeito que merecem esses autores e o brilho da tese defen-dida, inclinamo-nos por entendimento contrário. Pensamos que esse princípio deve fazer-se presente em todos os processos e procedimentos, e, assim sendo, existe e deve ser respeitado no processo de execução (CF/1988, art. 5º, LIV e LV).

Ainda que se pudesse imaginar o conhecimento e decisão em relação à fraude de execução dentro e como incidente do próprio processo de execu-ção, já se haveria de cumprir o contraditório, permitindo a participação, com a ouvida do devedor (alienante) e com a participação do terceiro adquirente. En-tretanto, entende-se mais consentâneo com a questão é a instauração de outro processo de conhecimento declaratório, incidente e, em apartado, com maior razão deve o contraditório se respeitado.

Já foi exposto e repete-se: como a grande maioria dos autores afirma que o processo de execução não é palco para decisão de questões entre credor e devedor a respeito da dívida, com muito mais razão não deve sê-lo para conhe-cimento e decisão sobre fraude de execução, porque, nesta última hipótese, está em jogo os direitos e interesses de terceiro, que, no caso, será o adquirente.

Tomando em consideração que não se pode decidir questão entre as par-tes no processo de execução, como haveria de se admitir decisão sobre questão que envolve interesse de terceiro dentro desse processo? Esta incoerência é a primeira coisa que se tem de excluir do pensamento jurídico.

Depois, a questão sobre fraude de execução que enganosamente se pen-sa ser do processo de execução não o é. Trata-se de matéria estranha ao pro-cesso de execução e que somente produzirá efeitos neste após ser dirimida em ação própria e em separado, como acontece em outros casos, como inventário, partilha e petição de herança, que somente depois de decidida a questão por ação própria e em separado é que pode ser conduzida para os autos da ação

Page 84: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

84 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

principal. Assim também há de ser em relação à fraude de execução, como bem observara Pestana de Aguiar (1987):

Como podemos constatar, basicamente são três as hipóteses de retificação ou anulação do registro: a) processo contencioso onde especificamente se pede a retificação ou anulação do registro; b) pedido de anulação ou declaração de nu-lidade de ato jurídico em ação própria, a gerar, conseqüentemente, a retificação ou anulação do registro; c) decisão, em processo contencioso, sobre fraude de execução, a conduzir ao mesmo resultado quanto ao registro.9

Esse autor fala em “processo contencioso”. Logo, se assim deve ser, é porque deverá ser em processo em separado e com todas as garantias constitu-cionais, entre elas o contraditório, do qual devem participar o vendedor (execu-tado) e o terceiro adquirente.

No mesmo sentido, aparecem os ensinamentos de Wambier (1991), para quem: “Vê-se desde logo, expressa menção a constrição judicial de bens, veda-da, a não ser em decorrência do processo adredemente previsto no ordenamen-to jurídico”10. Este último autor deixa clara a necessidade de um processo em separado. Logo, também com sentença em separado.

7 fraude de execuçãO e a ampla defesa

Foi visto que o terceiro adquirente sofre privação de seus bens com a penhora, advindo com isso, prejuízos com o reconhecimento da fraude de exe-cução e se isso for feito à sua revelia, ou seja, sem o seu conhecimento e sem que lhe seja dada oportunidade de defesa, fere os mais elementares direitos e as mais importantes garantias constitucionais (art. 5º, LIV e LV, da CF).

Já observou Ada Grinover que “impedir lesões de direitos individuais, sem o devido processo legal, significa adequação à natureza dialética do processo”11.

Não se conhece autor que acolha a possibilidade de reconhecer-se a fraude de execução sem a prova da ocorrência dos fatos ensejadores deste re-conhecimento. Se assim é, é porque necessita da formação de uma relação pro-cessual própria e com toda a possibilidade de defesa, na qual as partes poderão apresentar suas provas. Quando uma parte apresenta sua prova, a outra poderá apresentar sua contra-prova. Assim é que se pode falar em contraditório e ampla defesa; do contrário, não.

Interessante observação fez Araújo (1995) quando se referia ao devedor em ação monitória, expressou:

9 PESTANA DE AGUIAR, João Carlos de. Op. cit., p. 137.10 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Anotações sobre o princípio do devido processo legal. Repro, São Paulo: Revista

dos Tribunais, v. 63, p. 61, jul./ago. 1991. 11 GRINOVER, Ada Pellegrini. Os princípios constitucionais do processo. São Paulo: J. Bushatski, 1975. p. 19.

Page 85: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������85

Releva observar que no procedimento monitório existe respeito à posição do devedor, não se lhe agredindo inicialmente o patrimônio com a penhora, como ocorre na execução forçada, antes de a autoridade judiciária formar convicção quanto à certeza do direito do autor, pela própria inércia do réu ou pela oposi-ção de embargos inconsistentes.12

Essa observação é interessantíssima, na medida em que se percebe que, até mesmo para quem é devedor, o legislador moderno (Reforma Processual, Lei nº 9.079, de 14.07.1995), abriu oportunidade de defesa antes de determinar a constrição de seus bens. Ora, se assim é com o próprio devedor, por que não ser para o terceiro adquirente que nem devedor é? Se o devedor merece essa defesa antecipada, por que a ela não haveria de ter direito o terceiro adquirente?

A nossa Constituição Federal não permite a existência de processo ou procedimento sem que seja concedida aos interessados a ampla defesa (art. 5º, LV). Agora, em se admitindo que o juiz possa reconhecer a fraude de execução incidentalmente, ou seja, dentro do próprio processo de execução sem chamar o terceiro adquirente para se defender, estar-se-á a propagar uma odiosa con-trariedade à norma maior que é a Constituição Federal.

Melhor laborou o eg. Tribunal Regional Federal da primeira região, quan-do reformulou decisão de primeiro grau em juízo que assim agira e, de forma clara, afirmou a necessidade de chamar para participar do processo o adquiren-te da coisa alienada13.

Em verdade, os nossos juristas ainda não se deram conta de que a nossa Carta Constitucional de 1988 rompeu com o sistema antigo e estabeleceu sis-tema jurídico novo. Na sistemática antiga, colocava-se o patrimônio acima da dignidade humana. Hoje, essa postura está invertida. Primeiramente se prioriza a pessoa humana e somente depois o patrimônio. Já ao seu tempo, Rao (1961) profetizava: “Semelhante sacrifício da moral à economia não causa graves in-convenientes quando se sabe que se faz um sacrifício; o que é grave é que, de tanto se ver o triunfo da forma, se chegue a tomá-la como realidade, seja através de uma concepção meramente estática do direito”14.

Quando se pensa em fraude de execução e seu reconhecimento sem processo próprio, pensa-se no passado, sem atentar para o presente. Esquece-se da Constituição Federal e busca-se amparo em redações tortuosas e omissas de normas infraconstitucionais, que já não mais merecem acolhidas.

Boa parte dos nossos juristas e profissionais do direito ainda não aprendeu interpretar as leis sob o comando da Constituição. O mesmo fato parecia ocor-rer na Espanha, tanto que Schneider (1991) observou: “Cuando queira que en

12 ARAÚJO, Francisco Fernandes. Ação monitória. Campinas/SP: Copola, 1995. p. 37.13 Acordão proferido no AI 91.01.125095, TRF 1ª R, DJU 13.02.1992, Lex-JSTJ 38/386.14 RAO, Vicente. Ato jurídico. p. 239, nota 66.

Page 86: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

86 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

la interpretación de una norma ordinária se desconoce el contenido normativo de un derecho fundamental, estamos ante un atentado contra la Constitución”15.

Essa mesma informação é fornecida por Garcia (1991), que assim expôs:

Sin embargo, el juez español no se ha habituado todavía a apelar a dichos valo-res, prefiriendo recurrir a los sistemas clásicos de interpretación de las normas y a la invocación constante y reiterada del artículo 3 del Código Civil, como si los métodos formales de interpretación solventaran el problema de la interpretación de la ley o reglamento de una forma más objetivas y, en consecuencia, mas ju-rídica.16

Esse mesmo fato também foi captado e, de alguma forma, justificado por Favoreu (1991), que expressou:

Estoy, por tanto, convencido de que se trata de un problema de formación de abogados y jueces; hasta ese momento no hemos llegado a término, a pesar de todos los esfuerzos efectuados. Se trata de una evolución a largo plazo. Ha-brá cambios en esta medida en que los jueces y los abogados estén formados en esta nueva disciplina y adquieran progresivamente el acto reflejo de invocar una norma constitucional, reflejo hasta ahora ausente entre jueces y abogados.17

8 fraude de execuçãO e O devidO prOcedimentO legal

Sabe-se que o nosso sistema processual não reservou espaço para um procedimento especial de declaração de fraude de execução. Se assim não o fez o legislador, não pode o aplicador da lei fazê-lo ante a ausência de norma expressa (art. 318 do CPC/2015).

O velho e superado costume de se decidir pela fraude de execução, sem prova e por mera presunção, é coisa do passado, e, ante a notória e flagrante injuridicidade e inconstitucionalidade deste procedimento costumeiro, deve ele ser extirpado do nosso mundo jurídico.

Vale citar e transcrever aqui as palavras do Eminente Décio Antonio Erpen em relação ao assunto, quando disse: “Para evitar cometimento de injus-tiças, penalizando inocentes, reitero que nosso sistema jurídico se arrima no princípio da boa-fé”18.

15 SCHNEIDER, Juan Pedro. Derechos fundamentales y jurisdicción ordinaria, en la garantía constitucional de los derechos fundamentales. Coord. Antonio Lopes Pina. Madrid: Editorial Civitas, 1991. p. 141.

16 GARCIA, Enrique Alonso. Derechos fundamentales y jurisdicción ordinaria, en la garantía constitucional de los derechos fundamentales. Coord. Antonio Lopes Pina. Madrid: Editorial Civitas, 1991. p. 220.

17 FAVOREU, Luis. Derechos fundamentales y jurisdicción ordinaria, en la garantía constitucional de los derechos fundamentales. Coord. Antonio Lopes Pina. Madrid: Editorial Civitas, 1991. p. 236.

18 A fraude à execução e a nova lei das escrituras públicas (Lei nº 7.433, de 19.12.1985). Revista dos Tribunais, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 624, p. 37, out. 1987.

Page 87: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������87

A boa-fé do adquirente deve ser sempre presumida, e a má-fé deve ser sempre provada. Isso é princípio elementar de direito; não pode ser desconhe-cido de ninguém, menos ainda de um julgador.

A declaração de fraude de execução atinge terceiro que não participa do processo de execução e por isso dá melhor atenção à norma Constitucional (art. 5º, LIV e LV), e por via de consequência ser-lhe-ão assegurados a ampla defesa, o contraditório e o devido procedimento legal em toda a sua extensão.

O respeito ao devido procedimento legal não pode faltar em processo e procedimento algum, assim também deverá ser em relação ao procedimento para conhecer, reconhecer a existência de fraude de execução e declarar a ine-ficácia da alienação feita em fraude.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, LIV, afirma, de forma peremptória, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Bem de ver que a Carta Maior não abre exceção e nem permite exclu-são. Ela diz “ninguém” será privado de seus bens sem o devido processo legal. Se a Constituição diz “ninguém” é porque não permite exceção e todos ficam ao abrigo do devido processo legal. Assim também deve estar o adquirente da coisa e cuja aquisição está sendo acoimada de fraudadora da execução.

O adquirente deve ter direito e deve ter acesso ao devido procedimento legal, e somente depois é que seu bem poderá sofrer a declaração de aquisição por fraude e não antes disso. Permitir-se a constrição do bem de terceiro, antes de oportunizar, ao adquirente da coisa, o procedimento legal com contraditório e ampla defesa é, sem qualquer sombra de dúvida, violar o princípio constitu-cional do devido procedimento legal.

Decidir pela fraude de execução, em simples incidente dentro do pro-cesso de execução, no qual se ouve apenas o credor, como vem acontecendo, é prática que não se deve estimular. Não é o direito à satisfação do crédito que tem o credor, que poderá ilidir outros direitos maiores que são as garantias fun-damentais e constitucionais do direito ao tratamento igualitário, do devido pro-cedimento legal, da ampla defesa e do contraditório, assegurado ao adquirente.

Se é verdade que o credor tem um direito infraconstitucional que é a satisfação de seu crédito, não é menos verdade que o adquirente tem outros direitos maiores e garantidos em nível constitucional.

É princípio geral de direito que, no confronto entre o direito garantido constitucionalmente e outro em sentido contrário garantido por norma infra-constitucional, deve prevalecer o primeiro. É de saber notório e elementar que sempre haverá de prevalecer a Constituição Federal frente à legislação infra-constitucional.

Dessa forma, antes da satisfação do crédito do credor interessado na de-claração da fraude de execução, deve ser garantido ao adquirente o devido

Page 88: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

88 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

procedimento legal, ainda que isso demande certo tempo e algumas despesas processuais.

Seguindo esses parâmetros, é de convencer-se de que antes da decla-ração da fraude de execução, deve assegurar-se o devido procedimento legal, tanto ao executado (alienante) como ao terceiro adquirente, sendo que este, na grande maioria das vezes, o faz na mais expressiva inocência e boa-fé. Fora isso, o que se vê é arbitrariedade, é inconstitucionalidade e ausência de um estado de direito. Um estado de direito que se presa não pode permitir que alguém sofra restrição ou constrição de seu bem sem o devido processo legal.

O jurista do seu tempo, no entanto, deve viver com sua época se não quiser que esta viva sem ele19.

O homem do seu tempo não deve curvar-se às doutrinas convencionais ou à jurisprudência subserviente, mas revestir-se da coragem de se preferir “ser justo, parecendo injusto, do que injusto para salvar as aparências (Calamandrei), mesmo que tenha que divergir do entendimento predominante, procedendo como bonus iudex, ou seja, aquele que adapta as normas às exigências da vida”20.

cOnclusãO

Postas essas questões, é possível extrair algumas conclusões:

1. Como se demonstrou logo de início, a fraude à execução é uma figura nociva e que deve ser a todo custo extirpada do nosso meio jurídico-social.

2. Desde as épocas mais remotas, já existia a figura da fraude entre os povos.

3. A fraude não tem um conceito unívoco e pode aparecer nas rela-ções jurídico-sociais das mais variadas formas.

4. A fraude contém necessariamente elementos objetivos, tais como a realização do negócio e o prejuízo causado à outra parte ou a terceiro; deve conter ainda elementos subjetivos, tais como a má-fé, inserida na vontade livre e consciente de fraudar.

5. A fraude à execução é irmã gêmea da fraude ao credor, eis que con-cebida na mesma oportunidade. Tanto é assim que, na antiguidade, somente se conhecia uma figura com o nome de fraude pauliana, que poderia produzir efeitos diversos, mas nascidos da mesma fon-te, e que poderia ser classificada, em razão destes efeitos, como pauliana civil e pauliana penal. A época diferente do nascimento –

19 Ver: Josserand, Derecho Civil, n. 558, v. I. 20 Confira: TEIXEIRA, Salvio de Figueiredo. Revista Brasileira de Direito Processual, v. 28, p. 120.

Page 89: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������89

uma antes da demanda (fraude ao credor) e outra depois da deman-da instaurada – não retira esta gemeidade. Pois os gêmeos podem (e devem) nascer um antes e outro depois.

6. A fraude à execução e modalidade tipicamente brasileira, sendo, portanto, completamente desconhecida nas ordenações e na dou-trina estrangeira.

7. No processo de execução existem várias espécies de fraude em razão das mais variadas espécies de execução. Todavia, a figura da fraude à execução somente aparece na execução singular; na execução coletiva, somente existe fraude ao credor e não fraude à execução.

8. A fraude de execução, seja na área cível ou penal, tem a natureza de direito privado. Tanto isto é verdade que até mesmo a ação penal somente se inicia mediante queixa. Somente isto basta para se con-firmar, tratar-se de ação penal privada. Sabidamente, nos casos de ação penal privada, o legislador penal reconhece a predominância do interesse privado sobre o interesse público. Por isso tem a fraude de execução, a natureza de direito privado como restou demons-trado.

9. Na fraude à execução (penal), exige-se dolo e se aceitam as exclu-dentes de criminalidade, como o estado de necessidade e o exer-cício regular de direito. Se assim o é na órbita penal, também há de ser na órbita civil, em razão de que a sentença penal faz coisa também no cível.

10. Demonstrou-se, ainda, que o legitimado ativo para a ação penal (queixa-crime) na fraude à execução é o prejudicado (no cível). E, nesse caso, será sempre o adquirente de boa fé, pois o credor ne-nhum prejuízo terá, visto que pode buscar a coisa nas mãos do adquirente; o credor não terá prejuízo e sempre será o adquirente o prejudicado.

11. A coisa julgada penal faz também coisa julgada no cível sempre que reconhecer a existência ou a inexistência da fraude de exe-cução.

12. Na legislação processual civil, encontram-se descritas apenas as si-tuações em que se caracteriza a fraude de execução (art. 593 do CPC). Todavia, em nenhuma lei aparece normatização para o pro-cedimento a ser adotado. Assim, na falta de previsão sobre o pro-cedimento a ser adotado, deve-se adotar o procedimento comum, como determina o art. 318 do CPC/2015.

Page 90: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

90 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

13. Em sendo necessário adotar o procedimento comum (art. 318 do CPC/2015), logo haverá de se adotar o procedimento ordinário com todas as garantias processuais e constitucionais inerentes ao proce-dimento comum ordinário.

14. A fraude de execução ofende o direito do credor e, por isso, rea-firma-se: sua natureza é privada, e não pública, como se tem, até agora, apregoado.

15. A fraude de execução no cível exige a presença de vários elementos concomitantemente, tais como demanda pendente, alienação ou oneração do bem, demanda que seja capaz de reduzir o devedor à insolvência, vontade livre e consciente a induzir a culpa e o dolo do devedor (alienante) e a participação consciente do adquirente de que está contribuindo para fraudar a execução.

16. Como a boa-fé deve ser sempre presumida e que a má-fé (dolo) é que deve ser sempre provada, sendo isso uma razão a mais para a necessidade de uma ação específica para o reconhecimento da fraude em face de terceiro adquirente.

17. A boa-fé, ora considerada como princípio constitucional, ora consi-derada como valor supremo e acima até dos princípios fundamen-tais, recebe tratamento prioritário em todas as legislações do mundo inteiro.

18. A boa-fé está presente em todos os atos ou negócios jurídicos e, por isso, deve ser analisada, respeitada e aplicada também nos casos de negócio jurídico em fraude de execução.

19. Em se tratando de fraude à execução, não se pode negar a boa-fé do adquirente pelo simples fato de ignorar a demanda pendente contra o alienante. O bom senso indica que é impossível ao adquirente percorrer todos os “foros” do Brasil para saber se existe ou não de-manda contra o alienante. Pior que isto, a lei processual (art. 792 do CPC) fala em demanda pendente, mas não diz em qual “foro”, o que pode ser nacional ou até mesmo estrangeiro. Por tal razão, o adquirente jamais poderá exaurir as pesquisas sobre eventual de-manda contra o alienante.

20. Mesmo internamente, seria impossível exigir-se do adquirente que percorresse todos os “foros” do Brasil para saber se o alienante tem demanda. Lembra-se, ainda, que, em caso do alienante ser deman-dado em foro diferente de seu domicílio, nada constará na distribui-ção do foro local. Até mesmo eventual carta precatória para citação do devedor-alienante, que nem sempre fica registrada para efeito de certidão de distribuição.

Page 91: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������91

21. Não se sabe ao certo a época em que surgiu o instituto do devido processo legal. Entretanto, sabe-se que aparecera como norma es-crita na Constituição de João Sem Terra, em 1215.

22. Em razão da conclusão anterior, pode-se concluir que o instituto surgiu com a denominação “devido processo legal” quando não se conhecia a figura do procedimento, tempo em que ainda se confun-dia processo com procedimento.

23. Esse princípio, traduzido para os dias de hoje, pode ser denominado “devido procedimento legal”, ou seja, aquele delineado pela norma procedimental. Quando inexistir norma determinando o procedi-mento, este deve seguir o procedimento comum ordinário na forma do art. 318 do CPC/2015.

24. O devido procedimento legal deve se fazer presente sempre e para resolver qualquer questão discutida, seja ela de natureza material, processual ou procedimental.

25. A fraude de execução não é matéria de natureza processual, como sempre foi apregoado, mas questão de natureza material (eficácia de compra e venda). Assim como é matéria de direito substantivo o pagamento, a renúncia, o perdão, a remissão, assim também o é a compra e venda ou a oneração da coisa para garantir dívida. Não é pelo simples fato de estar contida dentro do Código de Processo que seria matéria processual.

26. O interesse violado com a fraude de execução é interesse privado, tanto assim que, na órbita penal, a persecução penal somente se dará mediante queixa; ora, se na órbita penal somente se inicia o processo mediante queixa (ação penal privada) é porque o legisla-dor entendeu predominar o interesse privado e não o público.

27. Em se tratando de violação de interesse privado, não se pode falar em atuação ex officio pelo juiz, até mesmo porque está na esfera de disponibilidade do credor exequente (arts. 775, 487, III, c e 924, III, IV e V, do CPC/2015).

28. Não podendo o juiz agir ex officio (art. 2º, CPC/2015), necessária se torna a provocação do credor interessado, e isso deve se dar por meio de processo incidente, mas com autuação em separado ao processo da execução.

29. Esse processo incidente, como qualquer outro, deve respeitar o princípio do devido procedimento legal, do contraditório e ampla defesa.

30. O vetusto, impróprio, ultrapassado e antiquado procedimento cos-tumeiro (sem lei) de decidir pela fraude de execução sem a forma-

Page 92: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

92 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

ção do contraditório, da ampla defesa e sem o devido procedimento legal (aquele previsto em lei) fere mortalmente a garantia constitu-cional da ampla defesa, devendo ser considerada coisa do passa-do, pois longe está de atender aos modernos princípios e garantias constitucionais dos dias atuais.

referências

BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de consti-tucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília/DF: Brasília Jurídica, 1996.

BATALHA, Wilson de Souza Campos. Defeitos dos negócios jurídicos. Rio de Janeiro: Forense, 1988.

BATISTA Nilo. Estelionato judiciário. Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Renovar, v. 5, 1977.

BAYEUX FILHO, José Luiz. Fraude contra credores e fraude de execução. Repro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 61, jan./mar. 1991.

BETTI, Emílio, Teoria do negócio jurídico. Trad. Fernando de Miranda. Lisboa-Portugal: Coimbra, t. II, 1969.

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.

CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989.

DELGADO, José A. Princípios processuais constitucionais. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – Ajuris, Porto Alegre, v. 39, mar. l987.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986.

ERPEN, Décio Antônio. A fraude à execução e nova lei das escrituras públicas. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – Ajuris, Porto Alegre, v. 40, jul. 1987.

______. A fraude à execução e publicidade registral. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – Ajuris, Porto Alegre, v. 28, jul. 1983.

______. Registro da penhora e eficácia frente a terceiros. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – Ajuris, Porto Alegre, v. 27, mar. 1998.

SOUZA, Gelson Amaro de. Curso de direito processual civil. 2. ed. Presidente Prudente/SP: Datajuris, 1998.

______. Cumprimento da sentença ou execução e prejudicialidade. RDDP, São Paulo: Dialética, v. 60, p. 38:52, mar. 2008.

______. Efeitos da sentença que julga os embargos à execução. São Paulo: MP, 2007.

Page 93: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������93

______. Fraude à execução e a natureza do direito protegido. Revista IOB Direito Civil

e Processual Civil, Porto Alegre: IOB, v. 39, p. 80-88, jan./fev. 2006.

______. Fraude à execução e direito de defesa do adquirente. São Paulo: Juarez de

Oliveira, 2002.

______. Fraude à execução e o consilium fraudis. Revista Dialética de Direito Proces-

sual, São Paulo: Dialética, v. 75, p. 41-54, jun. 2009.

______. Fraude à execução sob nova visão. RNDJ, Ribeirão Preto, v. 51, p. 11:22,

2004.

______. Fraude de execução e o devido processo legal. Revista dos Tribunais,

São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 766, ago. 1999.

______. Obrigação tributária – Sucessão – Interpretação do art. 133 do CTN. Boletim

PGE/SP, São Paulo, n. 10, jun. 1986.

______. Penhora e averbação – Inconstitucionalidade dos §§ 4º e 5º do art. 659 do

CPC. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, v. 28, p. 69:79, jan./fev.

2009.

______. Prejudicialidade e execução. Revista Brasileira de Direito Processual –

RBDpro, Belo Horizonte/MG: Forum, v. 62, p. 55-74, abr./jun. 2008.

______. Responsável tributário e a sujeição passiva na execução fiscal. In: MARTINS,

Ives Gandra da Silva; BRITO, Edvaldo (coord.). Doutrinas essenciais – Direito tributário.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

______. Responsável tributário e a sujeição passiva na execução fiscal. Repro,

São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 40, 1985.

______. Responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios de sociedade dissolvida irre-

gularmente. Boletim da PGE/SP, São Paulo, v. 5(14), jul. 1981.

______. Teoria da aparência e a fraude à execução. Repro, São Paulo: Revista dos Tri-

bunais, v. 112, p. 268:277, out./dez. 2003.

TEIXEIRA, Salvio de Figueiredo. Prazos – Classificação, princípios e contagem. Atuali-

dades Forenses, Rio de Janeiro: Forense, n. 112, p. 6, set. 1987.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Anotações sobre o princípio do devido processo legal.

Repro, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 63, p. 54, jul./ago. 1991.

WELTER, Belmiro Pedro. Fraude de execução. Porto Alegre: Síntese 1997.

Page 94: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Parte Geral – Doutrina

Os Precedentes dos Tribunais

huGO nIGRO mAzzILLIAdvogado, Professor e Consultor Jurídico.

Segundo o Código de Processo Civil (CPC), os juízes e Tribunais deverão observar os precedentes. Levá-los em conta é saudável, pois demonstram uma tendência dos Tribunais, uma experiência de gerações, um amadurecimento de conceitos... Mas o CPC quer mais que isso: observar aqui é obedecer aos precedentes.

Essa importante novidade visa a tirar o caráter aleatório da jurisprudên-cia, tornando-a previsível, estável e segura, como na common law.

Embora o fim seja válido, a regra afronta a Constituição, pois juízes não podem fazer leis. Não temos a crença simplista de que o Judiciário nunca legis-le, pois a Constituição autoriza o STF a declarar a constitucionalidade ou não da lei, a fixar interpretação vinculante da lei, ou, na omissão do legislador, a emitir a vontade presumível do ordenamento legal. Fora daí, fazer leis supõe vontade do povo, por seus mandatários. Os membros do Judiciário são executores da lei.

O CPC, porém, aumentou por conta própria as hipóteses em que os Tri-bunais podem expedir normas...

Não se diga que não é ato normativo aquele de um Tribunal que edite decisão vinculante, porque não está criando uma norma e, sim, apenas dando interpretação a uma lei existente e conferindo-lhe efeito vinculante. Ora, se uma lei quer dizer e diz mesmo “A”, mas o Tribunal, interpretando a lei, enten-de que “A” significa “B”, e se se confere a essa interpretação uma força genérica vinculante, então o que está em vigor no País não é “A”, e sim “B”.

Nem se argumente que seria mera teratologia o Tribunal criar normas (como o STF fez na Súmula Vinculante nº 11, que disciplinou o uso de alge-mas), pois aí o defeito não seria da lei, e sim dos homens. Ora, no caso do CPC, o defeito já é da lei.

Os juízes – que nunca receberam um só voto popular –, são os menos qualificados para fazer leis: não podem legislar como se parlamentares eleitos fossem, e sim só podem emitir regras genéricas para coarctar ações ou omissões tópicas dos legisladores quando ofensivas à Constituição.

Os ministros do STF já vêm dando exemplos de ceder com naturalidade e gosto à tentação onipotente e incontrastável de fazer leis, como quando auto-

Page 95: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������95

rizaram aborto até o terceiro mês de gravidez (HC 124.306/RJ), ou quando da Súmula nº 394, que deu foro por prerrogativa de função a quem não tinha fun-ção, ou quando da súmula das algemas, ou quando deram ao procurador-geral da República o poder que ele não tem de decidir conflito de atribuições entre Ministério Público estadual e federal (ACO 924)... O que não farão os demais tribunais em seu ativismo?

Às vezes, são as mais altas Cortes que devem seguir o exemplo das Cortes inferiores... Lembremo-nos do Plano Collor. Um dia, um presidente da Repú-blica bloqueou os ativos financeiros do País por meio de medida provisória! Quando de imediato os mais altos Tribunais tomaram contato com isso, em nada impediram a ação. Quem resolveu o problema? Foram os juízes singulares em todo o País. Anos depois, Collor não era mais presidente, a questão estava resolvida e, então, o STF heroicamente declarou inconstitucional o bloqueio. Relembremos a Súmula nº 394: em abril de 1964, mal instalado o golpe militar, o STF entendeu que, se uma autoridade cometesse um crime enquanto deti-vesse prerrogativa de foro, esta subsistiria mesmo depois de cessadas suas fun-ções... Os ministros criaram foro por prerrogativa de função sem função... Esse absurdo antirrepublicano durou 35 anos... Noutro caso, tendo havido empate na votação do mandado de segurança que discutia o impeachment de Collor, o Plenário do STF adiou o julgamento e convocou três ministros do tribunal in-ferior, que, estes sim, efetivamente decidiram a mais alta questão que até então deveria ter sido enfrentada pela maior Corte Constitucional do País: a validade da até então única destituição de um presidente da República feita conforme a Constituição...

Deixar apenas aos Tribunais que superem suas posições pode custar dé-cadas, pois os juízes serão docilmente compelidos a seguir a cômoda jurispru-dência dos Tribunais... Se, porém, assegurarmos sua independência, os juízes locais melhor poderão levar em conta as peculiaridades dos casos concretos, graças ao contato direto com as partes. Sacrificando-se sua independência, es-tiolaremos a evolução do Direito e perderemos sua autonomia, que, no mais das vezes, é maior que a dos mais altos Tribunais, que não raro têm inserções e decisões de caráter político-partidário.

Doravante, se um Tribunal qualquer editar um entendimento abstrato e genérico, sua decisão não só resolverá os recursos pendentes, mas imporá solução até mesmo para casos que ainda sequer aconteceram! Ora, disciplinar eventos futuros é próprio da lei, não da jurisprudência!

O efeito vinculante dos precedentes é mera jurisprudência defensiva para desafogar os Tribunais. Sem dúvida, é desejável tornar a jurisprudência coeren-te, mas não é rasgando a Constituição que melhoraremos a prestação da Justiça no Brasil.

Page 96: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Parte Geral – Doutrina

A Aplicação Supletiva e Subsidiária do CPC/2015 aos Processos Administrativos Estaduais, Municipais e Distritais: Uma Análise Crítica da ADI 5492/DF

The Subsidiary and Supplementary Application of CPC/2015 to Administrative Procedures State, Local and District: a Critical Analysis of ADI 5492/DF

CLóvIS menDeS LeITe ReImãO DOS ReISPós-Graduando em Direito Processual Civil, Especialista em Direito Público, Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Membro do grupo de pesquisa “Funda-mentos para uma Nova Teoria do Direito Administrativo”, da UFBA, Técnico Administrativo do Ministério Público do Estado da Bahia.

RESUMO: O presente trabalho visa demonstrar os limites federativos para aplicação subsidiária e supletiva do novo Código de Processo Civil aos processos administrativos estaduais, municipais e distritais. Esse desiderato será cumprido por meio da análise da ADI 5492/DF.

PALAVRAS-CHAVE: Processo administrativo; CPC/2015; limites federativos.

ABSTRACT: This study aims to demonstrate the federative limits for subsidiary and supplementary application of the new Civil Procedure Code to state, municipal and district administrative procedures. This objective will be accomplished through the ADI 5492/DF analysis.

KEYWORDS: Administrative procedure; CPC/2015; federative limits.

SUMÁRIO: Introdução; 1 ADI 5492/DF: processamento e os fundamentos apresentados; 2 Interpre-tação conforme a constituição do art. 15 do CPC/2015: uma necessidade federativa; 2.1 Noções gerais sobre interpretação conforme a Constituição; 2.2 A importância federativa do processo admi-nistrativo e do seu condomínio legislativo; 2.3 Críticas aos argumentos da Presidência da República, AGU e Senado Federal; Conclusão; Referências.

intrOduçãO

A aplicação subsidiária e supletiva do CPC/2015 aos processos adminis-trativos é expressamente prevista no art. 15 do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).

Com o ajuizamento da ADI 5492/DF, surge a seguinte dúvida na doutrina nacional: qual é o limite federativo dessa aplicação do CPC/2015? É possível

Page 97: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������97

aplicar o CPC/2015 (lei federal) aos processos administrativos estaduais, muni-cipais e distritais ou isso violaria as suas autonomias federativas?

Esse tema é de extrema relevância para a Administração Pública bra-sileira e para o nosso federalismo cooperativo. Afinal, legislar sobre processo administrativo é legislar sobre a própria forma de administrar. Logo, cada ente federativo deve possuir autonomia para regulamentar o seu respectivo processo administrativo (e a sua própria atividade administrativa).

Nesse contexto, o presente trabalho almeja, por meio de uma análise crí-tica da ADI 5492/DF, evidenciar alguns limites federativos para essa aplicação supletiva e subsidiária do CPC/2015.

1 adi 5492/df: prOcessamentO e Os fundamentOs apresentadOs

O governador do Estado do Rio de Janeiro, no dia 01.04.2016 ajuizou a primeira Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5492/DF) contra dispo-sitivos no novo CPC/2015. Entre os 11 (onze) dispositivos questionados1 foi alegada a inconstitucionalidade de uma das interpretações possíveis do art. 15 do CPC/2015 com relação aos processos administrativos.

Segundo a ADI 5492/DF, o art. 15 CPC/2015, ao utilizar o termo “proces-so administrativo” sem a adição de um qualificativo, dá ensejo à interpretação de que a aplicação subsidiária e supletiva do CPC/2015 (lei federal) também será destinada aos processos administrativos estaduais, municipais e distritais. Tal interpretação violaria a autonomia federativa (art. 18 da CRFB/1988), posto que não está ao alcance do legislador federal ditar a fonte normativa do proces-so administrativo dos demais entes políticos.

Para chegar a essa conclusão, o governador traz os seguintes fundamen-tos: 1) processo administrativo é o meio democrático de produção da atividade administrativa2. Logo, legislar sobre processo administrativo é legislar sobre a própria forma de administrar; 2) a organização federativa brasileira impõe que cada ente político tenha a autonomia legislativa e administrativa (arts. 18 e 25, caput e § 1º da CRFB/1988) para disciplinar seu respectivo processo administra-tivo, de acordo com suas peculiaridades3; 3) a competência privativa da União para legislar sobre “direito processual” (art. 22, I, da CRFB/1988) somente abar-

1 Foram questionados nessa ADI: a aplicação do CPC aos processos administrativos estaduais (art. 15); a opção do foro de domicílio do autor quando réu o Estado (art. 52, parágrafo único); foro de domicílio do réu na execução fiscal (art. 46, § 5º); Administração Estadual e atribuição para receber citação (art. 242, § 3º); concessão liminar de tutela da evidência fundada em precedente vinculante (art. 9º, parágrafo único, II, e 311, parágrafo único); depósitos judiciais e a definição da instituição financeira (arts. 535, § 3º, II, e 840, I); vinculação da Administração Pública para a “efetiva aplicação” de tese firmada em julgamento de casos repetitivos (arts. 985, § 2º, e 1.040, IV) e a repercussão geral presumida quando declarada inconstitucional lei federal (art. 1.035, § 3º, III).

2 BATISTA, Patrícia Ferreira. Transformações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.3 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais do processo administrativo. Revista de Direito

Administrativo, n. 209, p. 196-197, jul./set. 1997; SUNFELD, Carlos Ari. A importância do procedimento administrativo. Revista de Direito Público, v. 84, 1987.

Page 98: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

98 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

ca o processo jurisdicional, não sendo aplicável ao processo administrativo4; 4) diante das lacunas normativas, já são aplicadas as normas da Lei nº 9.784/1999; e 5) o processo administrativo já preserva, por imposição consti-tucional, as garantias do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV, da CRFB/1988), não sendo imprescindível a aplicação do CPC/2015 para tanto.

Por isso, conforme a ADI 5492/DF, não é cabível a imposição do CPC/2015 de “cima pra baixo” (ainda que de forma supletiva e subsidiária) nos processos administrativos dos demais entes políticos. Essa aplicação só caberia se o próprio ente federativo fizesse a opção voluntária de integração do seu ordenamento por normas federais.

Assim, foi pedida a interpretação conforme a Constituição da expressão “processos administrativos”, constante do art. 15 do CPC/2015, para restringir sua incidência à órbita federal, preservando o espaço próprio para cada ente político na definição da fonte subsidiária ou supletiva do respectivo processo administrativo.

A ADI 5492/DF foi distribuída no dia 05.04.2016 para o relator Ministro Dias Toffoli, que, diante da relevância da matéria, aplicou à ADI o procedimen-to abreviado do art. 12 da Lei nº 9.868/1999.

Diversos amici curiae solicitaram participação no processo: Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo (Petição nº 17812/2016), Con-selho Federal da OAB (Petição nº 21821/2016), Instituto Brasileiro de Direito Processual (Petição nº 24319/2016), Banco do Brasil (Petição nº 27910/2016), Associação Brasileira de Direito Processual (Petição nº 41849/2016) e o Colégio Nacional dos Procuradores Gerais dos Estados e DF (Petição nº 43397/2016).

Até então já se manifestaram sobre a matéria a Presidência da República, a AGU, o Senado Federal e o Colégio Nacional dos Procuradores-Gerais dos Estados e DF (esse último emitiu opinião na própria petição para ingressar no feito como amicus curiae).

A Presidência da República defendeu de forma genérica a constituciona-lidade de todos os artigos questionados na ADI, afirmando que o anteprojeto do novo Código de Processo Civil teve como corolário a busca por medidas que acelerassem a prestação da Justiça e a efetividade do resultado da ação, sempre observando o respeito ao devido processo legal.

Por sua vez, a AGU também se manifestou a favor da constitucionalida-de do art. 15 do CPC/2015, alegando que (a) a aplicação do novel códex aos processos administrativos é apenas supletiva e subsidiária, é dizer, na ausência

4 BRAGA, Paula Sarno. Norma de processo e norma de procedimento: o problema da repartição de competência legislativa no direito constitucional brasileiro. Tese de doutorado. UFBA. Faculdade de Direito. 2015.

Page 99: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������99

de normas dos demais entes federativos, não violando as suas respectivas auto-nomias, (b) caso os entes federativos queiram afastar as normas do CPC/2015 basta legislar em sentido contrário, e (c) elencou a jurisprudência pacífica do STJ de que é possível a aplicação da Lei nº 9.784/1999 (lei federal) de forma subsidiária aos processos administrativos dos demais entes políticos.

Na mesma linha de raciocínio, o Senado Federal alegou que (a) a com-petência privativa da União para legislar sobre direito processual (art. 22, I, do CRFB/1988) foi feita de maneira estrita, escorreita e sem qualquer excesso; (b) aplicação supletiva e subsidiária do CPC/2015 só ocorre na ausência de normas dos demais entes federativos, não violando a autonomias federativas dos demais entes; (c) essa aplicação do CPC/2015 visa à formação de um or-denamento completo e sem vácuos, concretizando os princípios da eficiência, dignidade da pessoa humana, legalidade, celeridade processual, proporciona-lidade e razoabilidade.

Por outro lado, o Colégio Nacional dos Procuradores-Gerais dos Estados e DF (CNPGEDF) defende a inconstitucionalidade formal orgânica do art. 15 do CPC/2015 alegando que: a) todos os entes federativos possuem autonomia federativa para legislar sobre direito administrativo e sua própria Administração; b) a aplicação subsidiária e supletiva deve respeitar a repartição constitucional de competências legislativas; e c) não é cabível que eventual omissão legislativa de um ente federativo seja suprida obrigatoriamente por norma de outra esfera, representando verdadeira invasão de competências.

Até o presente momento dessa pesquisa (29.09.2016) aguarda-se mani-festação do PGR, que teve vista dos autos eletrônicos no dia 21.06.2016.

2 interpretaçãO cOnfOrme a cOnstituiçãO dO art. 15 dO cpc/2015: uma necessidade federativa

2.1 noções gerais sobre interpretação conforme a constitUição

Na existência de uma norma legal polissêmica, o aplicador do Direito deve buscar um sentido normativo compatível com a Constituição (harmony with the Constitution), visando à manutenção da norma no ordenamento jurídi-co. Isso decorre, sobretudo, do necessário respeito à supremacia da Constitui-ção, unidade do ordenamento jurídico e presunção relativa de constitucionali-dade das leis5.

5 MACIEL, Silvio Luiz. Interpretação conforme a Constituição. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2008. p. 155-160.

Page 100: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

100 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Nesse sentido, a interpretação conforme a Constituição significa um prin-cípio interpretativo e uma técnica de controle de constitucionalidade6 (art. 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868/1999) que visa conservar a norma legal polis-sêmica quando for possível atribuí-la uma interpretação em consonância com a Constituição7.

O STF tem adotado, por diversas vezes, essa técnica no controle abstra-to de constitucionalidade, na esteira da jurisprudência da Corte Constitucional alemã, declarando inconstitucionais os sentidos admissíveis da norma que não sejam compatíveis com a Constituição8.

Embora seja passível de críticas9 e possua limitações controversas10, a interpretação conforme a Constituição representa uma superação do modelo de controle baseado no rígido e inflexível binômio: constitucionalidade/incons-titucionalidade do texto normativo. É uma técnica menos ortodoxa de Justi-ça Constitucional que permite a flexibilização do sentido do texto normativo (mantendo-o no ordenamento jurídico) e a diminuição da tensão entre Poderes e dos problemas decorrentes do difícil equacionamento entre o respeito à Cons-tituição e o respeito ao trabalho do legislador11.

Por isso, segundo Paulo Bonavides, consiste “num dos mais importantes postulados da teoria material da Constituição e da autoridade interpretativa do juiz”12.

No caso evidenciado na ADI 5492/DF, a expressão “processos admi-nistrativos” constante do art. 15 do CPC/2015 dá ensejo a duas interpretações

6 A interpretação conforme a Constituição possui natureza dúplice. Significa tanto um princípio interpretativo quanto uma técnica de controle de constitucionalidade. MACIEL, Silvio Luiz. Interpretação conforme a Constituição. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2008. p. 155-160.

7 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 1520-1522.

8 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 236-237.9 Virgílio Afonso da Silva afirma que essa técnica viola a separação de poderes, pois transforma o STF em um

legislador positivo. Segundo o autor, o STF aplica a sua interpretação ao dispositivo legal para compatibilizá-lo com aquilo que o próprio tribunal, e ninguém mais, crê que seja constitucional. Serve como uma fórmula para excluir qualquer “desobediência” interpretativa por parte de quase todos os órgãos estatais. Concordamos com o autor que é bem verdade que muitas vezes a técnica é empregada com excessos pelo Supremo, atuando como verdadeiro “legislador positivo”. Mas entendemos que isso não é um problema da técnica em si mesma, e sim da sua incorreta aplicação. Vide: SILVA, Virgílio Afonso da. La interpretación conforme a La Constitución. Entre la trivialidad y la centralización judicial. Revista Mexicana de Derecho Constitucional, n. 12, jan./jun. 2005.

10 Embora seja pacífico na doutrina e jurisprudência que só caiba a interpretação se a norma for polissêmica. Existe enorme polêmica com relação ao grau de liberdade conferido aos magistrados para utilização dessa técnica. Uma corrente doutrinária restringe essa técnica à vontade legislativa e as possibilidades normativas do texto, visando evitar que o Judiciário se torne um “legislador positivo”. Outra vertente defende que o Judiciário tenha uma postura mais ativa, mediante decisões corretivas que não somente redefinam o conteúdo do texto, mas adaptem-no ao texto da Constituição. De forma didática, vide: MACIEL, Silvio Luiz. Interpretação conforme a Constituição. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2008.

11 MACIEL, Silvio Luiz. Interpretação conforme a Constituição. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2008. p. 155-160.

12 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 517- 518.

Page 101: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������101

possíveis diante de um Estado Federal: 1) refere-se somente ao processo admi-nistrativo federal, já que o CPC/2015 é lei federal e não pode restringir a auto-nomia federativa dos demais entes políticos e 2) refere-se a todos os processos administrativos, sejam eles federais, estaduais, municipais ou distritais.

Entendemos que somente a primeira interpretação é compatível com o Texto Constitucional, pois assegura competência constitucional concorrente so-bre processo administrativo (art. 24, XI, c/c art. 30, II, da CRFB/1988) e concreti-za um federalismo material por meio da autonomia federativa de cada ente po-lítico para organização e atuação da sua própria Administração Pública (leitura sistemática dos arts. 1º, 18, 23, 24, 25, 30, I, 39, 48 e 60, § 4º, I, da CRFB/1988).

Por isso, a nosso ver, existe a necessidade federativa de interpretação conforme a Constituição da expressão “processos administrativos” no art. 15 do CPC/2015, para restringir a sua aplicação subsidiária e supletiva à órbita fede-ral, permitindo que cada ente federativo defina sua própria fonte subsidiária ou supletiva do seu respectivo processo administrativo.

Explicamos melhor.

2.2 a importância feDerativa Do processo aDministrativo e Do seU conDomínio legislativo

O processo administrativo é uma espécie processual que lida diretamen-te com a função administrativa do Estado13.

Destarte, a atividade administrativa contemporânea é essencialmente processualizada14, ou seja, construída por meio de um processo administrativo prévio que lhe confere maior legitimidade, controle e eficiência15. Isso significa que o gestor público, antes de tomar uma decisão administrativa (comprar um bem, nomear um servidor, aplicar uma punição disciplinar, etc.), deve seguir um devido processo administrativo (licitação, concurso público, processo ad-ministrativo disciplinar).

Nesse contexto, legislar sobre processo administrativo é legislar sobre a própria forma de administrar. Assim, em uma República Federativa, é evidente que todos os entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), no

13 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 41; MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 11. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 396.

14 Seja por meios unilaterais, como os atos administrativos, seja por meio do consentimento, por contrato ou acordo, a vontade da Administração sempre se expressa por um processo. SILVA, Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da. Em busca do acto administrativo perdido. Colecção Teses. Coimbra: Almedina, 1998. p. 121, 301 e ss.

15 Para um maior aprofundamento do tema, recomendamos nosso artigo: REIS, Clóvis Mendes Leite Reimão dos. O processo administrativo contemporâneo: legitimidade, controle e eficiência da atividade administrativa em prol da construção de um Estado Democrático e Social de Direito. Revista Síntese Direito Administrativo, v. 11, n. 127, p. 97-119, jul. 2016. p. 97-119.

Page 102: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

102 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

exercício da sua autonomia federativa, devem possuir competência legislativa para disciplinar seu respectivo processo administrativo (leia-se, sua própria ati-vidade administrativa).

Esse condomínio legislativo sobre o processo administrativo decorre de uma interpretação histórica, teleológica e sistemática da Constituição.

Historicamente, o legislador constituinte da CRFB/1988 encarou o pro-cesso administrativo como um “procedimento em matéria processual” (art. 24, XI). Basta percebermos que, desde a primeira fase do anteprojeto da Consti-tuição de 1988 (fase “A”16), o primeiro relator constituinte, Deputado Federal Sigmaringa Seixas17, evidenciou a importância do tema para a autonomia legis-lativa e administrativa dos entes federativos. Vejamos:

8.2.5.3. O direito administrativo (alínea c) não deve decorrer da exclusiva pro-dução normativa federal, porque, sendo a chamada autonomia administrativa uma das parcelas mais relevantes da autonomia geral, deve ser ela, tanto quanto a autonomia financeira, acompanhada de correspondente autonomia legislativa. Cada administração deve poder, dentro de parâmetros gerais, regular sua estru-tura administrativa adaptada às suas reais necessidades.

O Anteprojeto da Comissão Provisória prevê essa matéria, designando-a como “direito e processo administrativo”. A expressão processo administrativo, in-dicando tratar-se de matéria processual no campo da competência comum conflita com o conteúdo do direito processual, em sentido amplo, inserido na competência privativa da União. É de se reconhecer-se que, sendo o chama-do processo administrativo parte daquele ramo do direito, não poderá disputar ambas as competências. Se, ao contrário, entender-se o processo administrati-vo como o conjunto de normas jurídicas relativas a procedimento, aí sim pode este figurar no âmbito da competência comum, sem conflitos. Por isso, o rela-tor, reconhecendo que o direito administrativo deve ser objeto da competência legislativa comum e que a ele pertencem as normas referentes a procedimento administrativo, inclui tal matéria entre as que são objeto da mencionada com-petência legislativa comum.18 (grifos nossos)

Esse relator constituinte, assim, deixou muito claro que a matéria do processo administrativo (encarado historicamente como um procedimento19) é

16 O processo constituinte da CRFB/1988 foi composto por 23 fases que foram organizados em sequência alfabética da letra “A” até a “Y”. Como ressalva a essa sequência alfabética, não existiu a fase “D” e a fase J e K foram feitas em conjunto.

17 Esse foi o relator da fase “A” da redação da Comissão de Organização do Estado, subcomissão da União, DF e Territórios.

18 BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Anteprojeto do Relator da Subcomissão da União, Distrito Federal e Territórios. Fase “A”, v. 87, Rel. Constituinte Sigmaringa Seixas, 1987, p. 10. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-87.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2016.

19 Nesse ponto, verificamos que o legislador constituinte adotou o posicionamento doutrinário que compreende o processo administrativo como um mero “procedimento”. Essa concepção já é ultrapassada, o termo mais

Page 103: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������103

de competência legislativa “comum” (que hoje denominamos de competência concorrente)20 de todos os entes federativos, em respeito à sua autonomia legis-lativa e administrativa.

Ademais, originariamente, o atual art. 24, XI, da CRFB/1988 (“procedi-mentos em matéria processual”) teve como primeira redação no seu anteprojeto constituinte, no antigo art. 8º, a expressão “direito e procedimento adminis-trativo”. Ou seja, esse inciso foi destinado ao “procedimento” administrativo. Vejamos como era a primeira redação do anteprojeto:

Art. 8º São da competência comum da União Federal, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios as seguintes atribuições:

[...]

XV – legislar sobre:

[...]

c) direito e procedimento administrativo;21 (grifos nossos)

Teleologicamente, é notável que a intenção do constituinte foi assegurar (ao menos formalmente) o Estado federal, visando garantir, simultaneamente, a uniformidade nacional e a adaptação às peculiaridades regionais e locais sobre o tema do processo administrativo. Isso significou a comunhão entre a autono-mia federativa dos entes políticos e o tratamento isonômico dos administrados, que terão um processo administrativo específico para suas necessidades22.

Nesse condomínio legislativo, assim, a União fixará as normas gerais de processo administrativo visando à uniformidade nacional do tema (v.g., a Lei nº 9.784/1999). Já os Estados, Distrito Federal e Municípios terão a competência legislativa suplementar para adaptar essas normas gerais às diferentes necessi-dades da sua atividade administrativa23. A ideia do constituinte foi um razoável

adequado é “processo” administrativo, pois denota a sua relação com o contraditório e a ampla defesa, institutos necessários em um Estado Democrático de Direito. Vide: MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 35-41, MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit., p. 396.

20 Inicialmente, a denominação conferida era “competência legislativa comum”, posteriormente, após inúmeras alterações no anteprojeto, os constituintes preferiram a expressão “concorrente” e utilizaram a expressão “comum” para designar a competência administrativa.

21 Ocorre que esse tema da competência “comum” (leia-se concorrente) e legislativa dos entes políticos foi por diversas vezes alterada ao longo do processo constituinte. Somente na Fase “N” da redação constituinte teremos a inclusão da polêmica expressão “procedimentos em matéria processual”. BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Anteprojeto do Relator da Subcomissão da União, Distrito Federal e Territórios. Fase “A”, v. 87, Rel. Constituinte Sigmaringa Seixas, 1987, p. 10. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-87.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2016.

22 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Forense universitária, v. 3, 1991. p. 1581.

23 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A competência constitucional dos Estados em matéria de procedimento (art. 24, XI, da CRFB/1988): ponto de partida para a releitura de alguns problemas do processo civil brasileiro em tempo de novo CPC/2015. Revista Eletrônica de Direito Processual, REDP, v. VII, 2015. p. 22-25. BRAGA, Paula Sarno. Norma de processo e norma de procedimento: o problema da repartição de competência legislativa no direito constitucional brasileiro. Tese de doutorado. UFBA. Faculdade de Direito. 2015. p. 337.

Page 104: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

104 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

equilíbrio entre essa uniformidade nacional e adaptabilidade local, é dizer, o grande dilema do federalismo brasileiro, a tão almejada “união na diversidade”.

Ressaltamos, assim, que a norma geral da União, legislação quadro ou moldura que representa os interesses nacionais24, deve estabelecer um padrão uniforme de modo a evitar enormes desigualdades legislativas e maior risco de atrito entre os entes federativos. Mas, ao mesmo tempo, não deve ser exauriente a ponto de abafar as diversidades regionais e locais, castrando a fertilidade le-gislativa dos demais entes federativos na criação de soluções jurídicas para seus processos administrativos25. Afinal, se a norma geral tudo disser, nada sobrará para ser regulamentado e especificado pelas normas suplementares26.

Por meio de uma interpretação sistemática, também é evidente que cada ente federativo possua competência para organização da sua própria Adminis-tração Pública. Logo, todos devem poder produzir leis próprias para os proces-sos que constroem suas atividades administrativas. É o que se extrai, notada-mente, da leitura conjunta dos arts. 1º, 18, 23, 24, 25, 30, I, 39, 48 e 60, § 4º, I, da CRFB/198827.

Pelo exposto, o melhor entendimento doutrinário dessa sistemática é no sentido de que a competência legislativa privativa da União para o “direito pro-cessual” (art. 22, I) somente abarca o processo jurisdicional28, não sendo cabível ao processo administrativo29.

24 O conceito de norma geral é extremamente polêmico. Defendemos aqui que se trata de um conceito jurídico aberto, sendo melhor identificado no caso concreto. Todavia, visando estabelecer o seu conteúdo mínimo, entre os diversos critérios doutrinários existentes, adotamos o critério eclético defendido por Paula Sarno. Segundo a autora, a norma geral é ampla com relação ao seu conteúdo, seus sujeitos e seus fins. É uma norma que trata de todo o necessário para atender interesse nacional na matéria, isto é, aquele interesse que diga respeito a mais de um ente federativo e que exija tratamento uniforme, em todo o território brasileiro, para toda população e todas as ordens parciais (inclusive a central/federal). BRAGA, Paula Sarno. Norma de processo e norma de procedimento: o problema da repartição de competência legislativa no direito constitucional brasileiro. Tese de doutorado. UFBA. Faculdade de Direito. 2015. p. 300-301.

25 ARAUJO, Marcelo Labanca Corrêa de. Normas gerais no Federalismo brasileiro: explicando e contextualizando o papel da União na repartição de competências legislativas concorrentes. Este trabalho está no prelo de ser divulgado no livro Dilemas da Constituição de 1988, publicação em 2016.

26 Embora também seja um conceito polêmico na doutrina, entendemos normas suplementares como aquelas que visam especificar as normas gerais, de modo a atender determinado interesse regional ou local. BRAGA, Paula Sarno. Norma de processo e norma de procedimento: o problema da repartição de competência legislativa no direito constitucional brasileiro. Tese de doutorado. UFBA. Faculdade de Direito. 2015. p. 300-301.

27 Segundo Carlos Ari Sunfeld, a exceção a essa regra seriam os processos administrativos de desapropriação que, por força do art. 22, II, seriam de competência privativa da União. SUNDFELD, Carlos Ari. Sistema constitucional de competências. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 01, 1993. p. 274-276.

28 Ressaltamos que, segundo a professora baiana Paula Sarno, sequer o processo jurisdicional seria de exclusividade legislativa da União. A autora, em uma postura moderada e que valoriza a autonomia federativa, afirma que o art. 22, I, da CRFB/1988 só seja aplicável aos processos da Justiça Federal, e o art. 24, XI, da CRFB/1988 seja para legislar sobre processo e procedimento que tramite na Justiça Estadual ou Distrital. BRAGA, Paula Sarno. Norma de processo e norma de procedimento: o problema da repartição de competência legislativa no direito constitucional brasileiro. Tese de doutorado. UFBA. Faculdade de Direito. 2015. p. 340-343.

29 ROCHA, Carmen Lucia Antunes. Princípios constitucionais do processo administrativo. Op. cit., p. 196-197.

Page 105: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������105

De fato, diante da importância do processo administrativo na construção democrática da atividade administrativa, privar a competência legislativa desse tema à esfera federal seria impedir o próprio funcionamento autônomo dos de-mais entes federativos.

Logo, em uma efetiva República Federativa, a União não poderia exigir que, em caso de omissão legislativa, a sua lei federal (leia-se, a sua forma de administrar) seja obrigatória para os demais entes. Isso porque o novel códex processual somente é uma lei nacional com relação ao processo jurisdicional (art. 22, I, da CRFB/1988). No âmbito do processo administrativo, diante da competência legislativa concorrente (art. 24, XI, c/c art. 30, II, da CRFB/1988), o CPC/2015 é uma lei federal e, em respeito à autonomia legislativa e adminis-trativa dos demais entes federados, não pode ser imposto como norma supletiva ou subsidiária dos Estados, Municípios e Distrito Federal.

2.3 críticas aos argUmentos Da presiDência Da república, agU e senaDo feDeral

Analisaremos agora os argumentos contrários expostos na ADI 5492/DF pela Presidência da República, pela AGU e pelo Senado Federal, visando de-monstrar que os mesmos não merecem prosperar em uma verdadeira República Federativa.

Os argumentos foram os seguintes:

I – A aplicação supletiva e subsidiária do CPC/2015 só ocorre na ausência de normas específicas dos entes federativos. Logo, não representa uma violação às suas autonomias, pois, caso os entes políticos queiram afastar as normas do CPC/2015, bastaria legislar em sentido contrário.

Esse entendimento, data maxima venia, não é compatível com o Texto Constitucional e distorce a ideia de autonomia federativa.

Basta perceber que esse raciocínio da AGU e do Senado Federal deságua na seguinte conclusão: os Estados, Municípios e Distrito Federal são obrigados a legislar de forma contrária ao CPC/2015 (lei federal) para impedir a sua apli-cação subsidiária ou supletiva.

É evidente que esse argumento confunde a autonomia federativa com a imposição legislativa da União, reavivando os resquícios do nosso histórico centralismo político no âmbito federal. Afinal, se existe essa obrigatoriedade, não há propriamente autonomia e nem federalismo cooperativo, mas subordi-nação.

Uma efetiva autonomia legislativa e administrativa de cada ente federa-tivo significa a faculdade (e não uma obrigação) de criar suas próprias leis de processo administrativo. Até porque o legislador, muitas vezes, opta por não

Page 106: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

106 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

legislar de forma proposital, é dizer, traz um “silêncio eloquente”, como ensina Karl Larenz30.

Isso não significa um total vazio normativo sobre o tema, como afirma o Senado Federal. Caso os Estados, Municípios e Distrito Federal, seja por inér-cia legislativa ou por opção política (silêncio eloquente), não tenham uma lei própria de processo administrativo, serão aplicadas as diretrizes gerais da Lei nº 9.784/1999 (norma geral com base no art. 24, § 1º, da CRFB/1988), sem pre-juízo das suas leis esparsas sobre processos administrativos específicos (fiscal, disciplinar, ambiental etc.).

Legislar sobre processo administrativo é legislar sobre a própria forma de administrar. Logo, não pode a União impor que, em caso de omissão legislativa, a sua lei federal (leia-se, a sua forma de administrar) seja obrigatória para os de-mais entes. A aplicação de uma lei federal por outros entes federativos trata-se de uma faculdade, e não de uma obrigação.

Isso significa que o CPC/2015 somente pode ser considerado uma lei nacional com relação aos processos jurisdicionais (art. 22, I, da CRFB/88). Por isso, não há maiores discussões sobre os limites federativos dessa aplicação subsidiária e supletiva sobre o processo penal, trabalhista e eleitoral.

Entretanto, o processo administrativo, como já demonstramos, é de com-petência legislativa concorrente (art. 24, XI, da CRFB/1988), somente sendo ca-bível a aplicação subsidiária e supletiva de uma lei federal (CPC/2015) se os Estados, Municípios e DF, no exercício da sua autonomia legislativa, expressa-mente autorizarem e nos limites dessa autorização.

É o caso da Lei baiana de processo administrativo (Lei nº 12.209/2011), que prevê a aplicação subsidiária do CPC/2015 somente quanto às regras de incapacidade e impedimento das testemunhas (art. 128). É dizer, foi uma opção do legislador estadual, no âmbito da sua autonomia legislativa e administrativa, aplicar as regras federais do CPC/2015 diante dessa lacuna legal específica.

O ente federativo também pode optar por aplicar o CPC/2015 a todo o seu regramento de processo administrativo, como é o caso do legislador porto--alegrense (art. 101 da LC 790/2016).

Nesses casos, o ente federativo optou por essa aplicação, ele não foi obrigado pela lei federal a isso, e nem poderia, se efetivamente desejamos um federalismo material no nosso País.

30 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

Page 107: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������107

Portanto, a questão em análise não é uma “simples” aplicação subsidiária e supletiva do CPC/2015, como afirmam a AGU e o Senado Federal, mas uma imposição inaceitável de uma lei federal sobre os demais entes políticos.

I – A Lei nº 9.784/1999 é federal e segundo jurisprudência pacífica do STJ tem aplicação subsidiária aos processos administrativos dos demais entes políticos.

Por força de uma interpretação histórica, teleológica e sistemática da Constituição, a Lei nº 9.784/1999 não é exclusivamente federal, mas sim uma norma geral disciplinada pela União (art. 24, § 1º, da CRFB/1988) visando à uniformidade nacional do processo administrativo.

Quatro são argumentos para esse entendimento defendido: 1) a União está limitada a fixar normas gerais no caso de condomínio legislativo (art. 24, inciso XI c/c § 1º, da CRFB); 2) a Lei nº 9.784/1999 apenas menciona a restrição ao âmbito federal no seu art. 1º, todavia, nos demais dispositivos fixa princípios constitucionais e diretrizes que podem ser aplicadas para toda a Administração Pública; 3) as legislações estaduais, municipais e distritais de processo adminis-trativo majoritariamente respeitam as diretrizes trazidas pela norma geral (Lei nº 9.784/1999) e fixam peculiaridades de acordo com seus interesses regionais e locais31, 4) esse é o entendimento mais potencializa a sistemática constitucio-nal da repartição de competências e a autonomia federativa dos entes políticos.

Ademais, o STJ já reconheceu em decisões anteriores que a Lei nº 9.784/1999 trata-se de norma geral32. Até mesmo o próprio STF, historica-mente centralista no tema do federalismo, já admite que o processo adminis-trativo seja tema destinado ao condomínio legislativo de todos os entes fede- rados33.

Nesse sentido, entendemos pela inconstitucionalidade material do art. 1º da Lei nº 9.784/199934 por flagrante violação do sistema federalista de repartição

31 Essas leis, majoritariamente, reproduzem a parte principiológica e estruturante da Lei nº 9.784 (respeitam as normas gerais) e inserem peculiaridades necessárias aos seus interesses locais, como, por exemplo, a regulamentação do processo eletrônico (art.6º, §2º e art. 22, §§4º-5º da Lei goiana nº 13.800/01; arts. 85 a 100 da Lei baiana nº 12.209/11 e arts.7º, I; 11, III e 28 da Lei piauiense nº 6782/2016) e de diversas espécies de processos administrativos, como sancionatório, invalidação de atos e contratos administrativos, reparação de dano, obtenção de certidão, obtenção e retificação informações pessoais, justificação, denúncia, concurso público e processos seletivos (as leis estaduais de São Paulo (arts. 52-89 da Lei nº 10.117/1998), Rio grande do Norte (arts. 80-120 da LC 303/2005), Maranhão (arts. 74 -82 da Lei nº 8.959/2009), Bahia (arts. 100-181 da Lei nº 12.209/2011) e Piauí (arts. 48-82 da Lei nº 6.782/2016).

32 O Relator Ministro Marco Aurélio Belizze afirma expressamente que a LPA “trata-se de norma que deve nortear toda a Administração Pública”. Vide: BRASIL. STJ, AgRg-REsp 1092202/DF, Rel. Marco Aurélio Belizze, J. 11.04.2013.

33 BRASIL. STF, ARE 948142 PR 0001739-36.2013.8.16.000, Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 19.02.2016, DJe 035 25.02.2016.

34 Nesse ponto concordamos com Marçal que também defende a inconstitucionalidade da mesma. Vide: JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 389.

Page 108: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

108 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

constitucional de competência legislativa (arts. 24, XI e § 1º, da CRFB/1988). Foi um notável equívoco do legislador restringi-la ao âmbito federal, demonstrando os resquícios do nosso federalismo centralista e formal.

II – A aplicação subsidiária e supletiva do CPC/2015 visa à formação de um ordenamento completo e sem vácuos no direito administrativo.

Esse argumento do Senado Federal faz relembrar o ingênuo mito posi-tivista exegético da completude das leis que, há muito tempo, não faz mais sentido para a Teoria do Direito35.

Ademais, ao contrário do que ocorre nas outras ciências jurídicas, o nosso Direito Administrativo não é codificado. Por conta do regime federativo adotado no Brasil, cada ente político (União, Estados, DF e Municípios) tem competência para editar normas referentes à sua respectiva Administração Pú-blica, exceção apenas para alguns assuntos cuja competência seja privativa da União36. Destarte, as normas de Direito Administrativo estão contidas em inú-meras leis esparsas editadas em âmbito federal, estadual, distrital e municipal.

Segundo assinala Jean Rivero, mesmo nos países cujo direito privado é tradicionalmente codificado (civil law) não foram editados códigos de Direito Administrativo:

Ora, país algum, salvo erro, possui um verdadeiro Código Administrativo, de-vendo ficar claro que não se poderia aplicar o nome de Código ao agrupamento de leis e de regulamentos próprios a uma matéria administrativa que, na França e em vários países estrangeiros, se rotulam com esse nome. Isto acarreta duas consequências: do ponto de vista material, é preciso procurar as regras admi-nistrativas, onde elas estiverem – e elas estão, em todos os países, esparsas em múltiplos documentos.37

Diante do nosso regime federalista, assim, não faz o menor sentido que o CPC/2015 (norma federal e que trata do direito processual judicial) indire-tamente “codifique o direito administrativo”, reunindo todas as normas que obrigatoriamente deverão ser seguidas pelos demais entes políticos em caso de

35 Esse mito visava à codificação de todo o direito, baseado na Escola francesa de Exegese do séc. XIX. Aos poucos, a ideia de completude do ordenamento jurídico foi cedendo espaço para novas situações sociais. De fato, constatou-se que o subsistema normativo não teria como prever todos os fatos juridicamente relevantes, eis que o legislador não era exaustivo na sua missão de criação normativa, tampouco tinha o dom da futurologia. É o que o jurista português Castanheira Neves denomina de “Era do Ser”, o texto da lei tem essência em si mesmo, o direito torna-se um objeto, é analisado sobre uma linguagem objetiva. Vide: NEVES, António Castanheira. Metodologia jurídica – Problemas fundamentais. Coimbra, 2013. p. 85-100.

36 Como ocorre, por exemplo, nas legislações sobre desapropriação e sobre normas gerais de licitação e contratos administrativos, conforme art. 22, II e XXVII.

37 RIVERO, Jean. Curso de direito administrativo comparado. Trad. José Cretella Jr. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 50.

Page 109: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������109

omissão. As leis esparsas de direito administrativo são uma consequência lógica da autonomia legislativa e administrativa de cada ente federado.

O CPC/2015, ainda que traga normas de Teoria Geral do Processo, não pode ser confundido com um Código Civil napoleônico, com a ingênua preten-são de codificar tudo que for juridicamente relevante. Em um sistema federal efetivo é inadmissível que a aplicação do CPC/2015 vise a uma suposta com-pletude normativa do direito administrativo.

Nesse diapasão, por mais que o Senado Federal tenha a boa intenção de conferir maior operabilidade ao direito administrativo, não pode passar por cima dos alicerces democráticos da nossa República Federativa.

III – O CPC/2015 é constitucional, pois busca medidas que acelerem a prestação da Justiça e a efetividade do resultado da ação. Com relação ao processo administrativo, concretiza os princípios da efi-ciência, dignidade da pessoa humana, legalidade, celeridade pro-cessual, proporcionalidade e razoabilidade.

Não negamos que o legislador se empenhou ao máximo para dar ares constitucionais ao novel códex (vide a parte das normas fundamentais: arts. 1º a 12) e trazer disposições importantes para um processo (judicial e administrativo) mais eficiente e democrático.

Ocorre que a aplicação do CPC/2015 (lei federal) aos processos admi-nistrativos estaduais, municipais e distritais, quer o legislador queira ou não, encontra um limite federativo instransponível: a autonomia legislativa e admi-nistrativa desses entes federados.

Assim, o CPC/2015 não pode subverter todo o sistema constitucional de repartição de competências que assegura a nossa República Federativa.

Insistimos que isso não inviabiliza a aplicação do CPC/2015 aos outros âmbitos federativos. Caso os Estados, Municípios ou DF optem (dentro da sua autonomia) pela aplicação subsidiária ou supletiva do CPC/2015 ao seu or-denamento jurídico, basta o seu legislador autorizar essa aplicação (como já aconteceu com as leis baiana e porto-alegrense).

Ademais, o processo administrativo não é kafkaniano38, pelo contrário, ele é o meio democrático de construção da atividade administrativa e já asse-gura em sua base principiológica a legalidade, finalidade, motivação, razoabi-lidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência (art. 2º da Lei nº 9.784/1999).

38 A metáfora faz referência ao simulacro de processo que existe na clássica obra de Franz Kafka, um verdadeiro labirinto, armadilha e cilada, no qual sempre se entra, do qual jamais se sai com vida ou integridade. KAFKA, Franz. O processo. São Paulo: Companhia de Bolso, 2005.

Page 110: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

110 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

O legislador federal, nesse diapasão, deve respeito ao federalismo mate-rial e às peculiaridades do direito administrativo dentro do nosso sistema jurí-dico.

cOnclusãO

Por fim, diante de tudo que foi exposto nessa pesquisa e na linha da ADI 5492/DF, entendemos pela necessidade federativa da interpretação conforme a Constituição da expressão “processos administrativos” constante do art. 15 do CPC/2015, para restringir sua incidência à órbita federal, preservando o espaço próprio para cada ente político na definição da fonte subsidiária ou supletiva do respectivo processo administrativo.

Caso os Estados, Municípios ou DF optem (dentro da sua autonomia fe-derativa) pela aplicação subsidiária ou supletiva do CPC/2015 ao seu ordena-mento jurídico, basta o seu legislador autorizar essa aplicação.

Esse é o meio mais proporcional de conservar o art. 15 do CPC/2015, conferindo-lhe um sentido compatível com a República Federativa Brasileira.

Esperamos que o STF não mantenha sua linha conservadora e centralista, e defira esse pedido da ADI 5492/DF, dando um passo importante na constru-ção do nosso almejado Federalismo Cooperativo.

referências

ARAUJO, Marcelo Labanca Corrêa de. Normas gerais no Federalismo brasileiro: expli-cando e contextualizando o papel da União na repartição de competências legislativas concorrentes. Este trabalho está no prelo de ser divulgado no livro Dilemas da Consti-tuição de 1988, publicação em 2016.

BAHIA. Lei nº 12.209, de 20 de abril de 2011. Disponível em: <http://www.legisla-bahia.ba.gov.br/verdoc.php?id=75018&voltar=voltar>. Acesso em: 20 maio 2015.

BATISTA, Patrícia Ferreira. Transformações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

BRAGA, Paula Sarno. Norma de processo e norma de procedimento: o problema da repartição de competência legislativa no direito constitucional brasileiro. Tese de dou-torado. UFBA. Faculdade de Direito. 2015.

BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Anteprojeto do Relator da Subcomissão da União, Distrito Federal e Territórios. Fase “A”, v. 87, Rel. Constituinte Sigmaringa Seixas, 1987, p. 10. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/constituicao -20anos/DocumentosAvulsos/vol-87.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2016.

Page 111: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������111

______. Assembleia Nacional Constituinte. Anteprojeto do Relator da Subcomissão da União, Distrito Federal e Territórios. Fase “C”, v . 87, Presidente: Constituinte Jofran Frejat, Rel. Constituinte Sigmaringa Seixas, 1987, p. 8-9. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-87.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2016.

______. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponí-vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 20 jun. 2016.

______. Supremo Tribunal de Justiça. AgRg-REsp 1092202/DF, Rel. Marco Aurélio Belizze, J. 11.04.2013.

______. Supremo Tribunal Federal. ARE 948142/PR, Rel. Gilmar Mendes, J. 19.02.2016.

CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Forense universitária, v. 3, 1991.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2012.

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A competência constitucional dos Estados em matéria de procedimento (art. 24, XI, da CRFB/1988): ponto de partida para a releitura de alguns problemas do processo civil brasileiro em tempo de novo CPC/2015. Revista Eletrônica de Direito Processual, REDP, v. VII, 2015.

GOIÁS. Lei nº 13.800, de 18 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www.gabine-tecivil.goias.gov.br/leis_ordinarias/2001/lei_13800.htm.> Acesso em: 14 maio 2015.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

KAFKA, Franz. O processo. São Paulo: Companhia de Bolso, 2005.

LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

MACIEL, Silvio Luiz. Interpretação conforme a Constituição. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2008.

MARANHÃO. Lei nº 8.959, de 8 de maio de 2009. Disponível em: <http://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=130539>. Acesso em: 7 abr. 2015.

MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos tribunais, 1993.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitu-cional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 11. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

NEVES, António Castanheira. Metodologia jurídica – Problemas fundamentais. Coimbra, 2013.

Page 112: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

112 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

NUNES, Dierle; STRECK, Lenio Luis; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016.

PIAUÍ. Lei nº .6782/2016. Disponível em: <servleg.al.pi.gov.br:9080/ALEPI/consultas/norma.../norma_juridica_mostrar_proc>. Acesso em: 17 set. 2016.

REIS, Clóvis Mendes Leite Reimão dos. O processo administrativo contemporâneo: legitimidade, controle e eficiência da atividade administrativa em prol da construção de um Estado Democrático e Social de Direito. Revista Síntese Direito Administrativo, v. 11, n. 127, p. 97-119, jul. 2016.

RIO GRANDE DO NORTE. Lei Complementar nº 303, de 9 de setembro de 2005. Disponível em: <http://www.al.rn.gov.br/portal/_ups/legislacao//Lei%20Comp.%20303.pdf>. Acesso em: 10 maio 2015.

RIVERO, Jean. Curso de direito administrativo comparado. Trad. José Cretella Jr. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. República e federação no Brasil: traços constitucio-nais da organização política brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.

SÃO PAULO. Lei nº 10.177, de 30 de dezembro de 1998. Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1998/lei-10177-30.12.1998.html>. Acesso em: 24 jan. 2015.

SILVA, Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da. Em busca do acto administrativo perdi-do. Colecção Teses. Coimbra: Almedina, 1998.

SILVA, Virgílio Afonso da. La interpretación conforme a La Constitución. Entre la trivia-lidad y la centralización judicial. Revista Mexicana de Derecho Constitucional, n. 12, jan./jun. 2005.

SUNFELD, Carlos Ari. A importância do procedimento administrativo. Revista de Direi-to Público, v. 84, 1987.

______. Carlos Ari. Sistema constitucional de competências. Revista Trimestral de Di-reito Público, São Paulo, n. 01, 1993.

Page 113: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Parte Geral – Doutrina

O Novo Código de Processo Civil e o Arrolamento Comum de Bens (Artigos 664 e 665 do CPC/2015)

eRICk DA SILvA ReGISGraduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Espe-cialista em Direito Civil-Constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Membro do Instituto Brasileiro de Direito Civil – IBDCivil, Advogado.

RESUMO: Propõe-se, neste estudo, uma análise sobre as alterações promovidas pelo novo Código de Processo Civil brasileiro ao procedimento de inventário, na modalidade do arrolamento comum, chancelada nos termos dos arts. 664 e 665 (art. 1.036 do CPC/1973), notadamente no que tange: à alteração do critério para quantificação dos bens do espólio, para que seja autorizada a adoção desse procedimento mais compacto, visando à partilha (art. 664, caput); à chancela normativa expressa, no sentido de ser cabível essa modalidade quando o pleito sucessório contemplar interesse de incapaz (art. 665); à alteração em relação aos sujeitos processuais que devem assinar o termo final (art. 664, § 3º).

SUMÁRIO: 1 Alterações promovidas pelo CPC/2015 no arrolamento comum de bens; 2 Salário--mínimo (artigo 664 do CPC/2015) x OTNs (artigo 1.036 do CPC/1973); 3 Salário-mínimo nacio-nal; 4 O interessado incapaz (artigo 665 do CPC/2015); 4.1 A concordância de todas as partes; 4.1.1 Obrigatoriedade do arrolamento comum na presença de incapaz?; 4.2 A concordância do Mi-nistério Público; 5 A assinatura do termo; Conclusão; Referências.

1 as alterações prOmOvidas pelO cpc/2015 nO arrOlamentO cOmum de bens

No dia 18 de março de 2016, entrou em vigor o novel código adjetivo brasileiro. As alterações trazidas à baila pela nova legislação foram, ao que nos parece, positivas, verificando-se que “a preocupação em se preservar a forma sistemática das normas processuais, longe de ser meramente acadêmica, aten-de, sobretudo, a uma necessidade de caráter pragmático: obter-se um grau mais intenso de eficiência”1.

Foram incorporados ao texto do novel diploma processual regras e valores constitucionais, tornando cristalina a sua vocação, tanto no aspecto axiológico quanto nos aspectos teleológico e hermenêutico, de promover a tutela jurisdi-

1 Fragmento extraído da exposição de motivos do Código de Processo Civil de 2015.

Page 114: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

114 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

cional à luz dos preceitos basilares da Carta Magna brasileira2, dando guarida ao que a doutrina denomina “teoria do direito processual constitucional”3.

Dentro do espectro de alterações promovidas pela nova lei, destacam--se as perpetradas em relação aos “procedimentos especiais” (arts. 539 a 770). É sobre essas mudanças que se debruça o presente estudo, especialmente em relação àquelas promovidas no procedimento de inventário e partilha (arts. 610 e 673 do CPC/2015).

É cediço que o inventário judicial pode ser deflagrado por meio de um procedimento menos complexo, fora de seu escopo normativo tradicional e so-lene. Prevê, nesse sentido, a Lei Processual duas modalidades mais compactas4: o arrolamento sumário (arts. 1.031 a 1.035 do CPC/1973 e arts. 659 a 663 do CPC/2015) e o arrolamento comum (art. 1.036 do CPC/1973 e arts. 664 e 665 do CPC/2015)5.

A análise proposta terá por base as mudanças promovidas no procedi-mento de arrolamento comum, segunda modalidade indicada antes, que re-presenta um procedimento simplificado do inventário, em razão do baixo valor dos bens6. Para facilitar a identificação dessas modificações, colaciona-se um quadro comparativo:

CPC/1973 CPC/2015

Art. 1.036. Quando o valor dos bens do espólio for igual ou inferior a 2.000 (duas mil) Obriga-ções do Tesouro Nacional – OTN, o inventário processar-se-á na forma de arrolamento, cabendo ao inventariante nomeado, independentemente da assinatura de termo de compromisso, apre-sentar, com suas declarações, a atribuição do valor dos bens do espólio e o plano da partilha.

Art. 664. Quando o valor dos bens do espólio for igual ou inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos, o inventário processar-se-á na forma de arrolamento, cabendo ao inventariante nomeado, independen-temente de assinatura de termo de compromisso, apresentar, com suas declarações, a atribuição de valor aos bens do espólio e o plano da partilha.

2 “A constitucionalização do direito processual, mercê de caracterizar-se pela inserção de regras processuais no bojo da Carta Maior, também se consubstancia pelos princípios que enuncia como fontes de hermenêutica de toda a legislação infraconstitucional.” (FUX, Luiz. Processo e Constituição. In: FUX, Luiz (Coord.). Processo constitucional. Forense, 2013. p. 14)

3 “O novo Código, logo em sua primeira disposição, deixa claro a adoção da teoria do direito processual constitucional. Assim, longe de parecer simplesmente um enunciado, o dispositivo possui importante aplicação prática: vale de garantia eficaz contra qualquer dispositivo que contrarie a Constituição, bem como é fator de interpretação para aplicação dos dispositivos processuais. Aqui, a lei processual e a própria atividade jurisdicional em si, submetem-se às normas e aos valores constitucionais, os quais lhes servem de fonte e legitimam o seu exercício, ao tempo em que impedem o autoritarismo e o abuso.” (Paulo Cezar Pinheiro Carneiro apud WAMBIER, Teresa Arruma Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil artigo por artigo. RT, 2015. p. 58)

4 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Comentários ao Código de Processo Civil. Artigos 982 a 1.045. 3. ed. Forense, v. IX, t. I, 2006. p. 223.

5 Idem, p. 223/224.6 Rodrigo Ramina de Lucca apud WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo;

DANTAS, Bruno. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. RT, 2015. p. 1.564.

Page 115: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������115

CPC/1973 CPC/2015

§ 1º Se qualquer das partes ou o Ministério Pú-blico impugnar a estimativa, o juiz nomeará um avaliador que oferecerá laudo em 10 (dez) dias.§ 2º Apresentado o laudo, o juiz, em audiên-cia que designar, deliberará sobre a partilha, decidindo de plano todas as reclamações e mandando pagar as dívidas não impugnadas.§ 3º Lavrar-se-á de tudo um só termo, assinado pelo juiz e pelas partes presentes.§ 4º Aplicam-se a esta espécie de arrolamento, no que couberem, as disposições do art. 1.034 e seus parágrafos, relativamente ao lançamento, ao pagamento e à quitação da taxa judiciária e do imposto sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio.§ 5º Provada a quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, o juiz julgará a partilha.

§ 1º Se qualquer das partes ou o Ministério Público impugnar a estimativa, o juiz nomeará avaliador, que oferecerá laudo em 10 (dez) dias.§ 2º Apresentado o laudo, o juiz, em audiência que designar, deliberará sobre a partilha, decidindo de plano todas as reclamações e mandando pagar as dívidas não impugnadas.§ 3º Lavrar-se-á de tudo um só termo, assinado pelo juiz, pelo inventariante e pelas partes presentes ou por seus advogados.§ 4º Aplicam-se a essa espécie de arrolamen-to, no que couber, as disposições do art. 6727, relativamente ao lançamento, ao pagamento e à quitação da taxa judiciária e do imposto sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio.§ 5º Provada a quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, o juiz julgará a partilha.Art. 665. O inventário processar-se-á também na forma do art. 664, ainda que haja interessado incapaz, desde que concordem todas as partes e o Ministério Público.

7No cotejo supracitado, foram destacadas as três modificações promovidas pela nova norma processual, notadamente: (a) alteração em relação ao valor máximo dos bens do espólio8, para que essa modalidade possa ser utilizada, de 2.000 OTNs (Obrigações do Tesouro Nacional), para um valor igual ou inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos (art. 664, caput); (b) passou-se a autorizar, ex-pressamente, nos termos do art. 665, a utilização do procedimento na presença de “interessado incapaz”, desde que concordem todas as partes e o Ministério Público; (c) o termo final deverá ser assinado pelo juiz e pelas partes, ou seus advogados, e também pelo inventariante (art. 664, § 3º, do CPC/2015).

Passa-se à análise pontual dessas alterações.

2 saláriO-mínimO (artigO 664 dO cpc/2015) x Otns (artigO 1.036 dO cpc/1973)

A primeira mudança promovida pelo novo diploma processual, em rela-ção ao procedimento do arrolamento comum, é observada no valor dos bens do espólio: o montante de 2.000 OTNs (Obrigações do Tesouro Nacional), previsto na norma adjetiva pregressa (art. 1.036), como valor máximo para o cabimen-to dessa modalidade, foi substituído pelo montante de 1.000 salários-mínimos (art. 664, caput, do CPC/2015).

7 A despeito de fazer alusão o art. 664, § 4º, ao art. 672, o legislador refere-se, na verdade, ao art. 662. Trata-se, ao que parece, de um erro material contido na novel norma adjetiva.

8 “A expressão ‘bens do espólio’ deve corresponder ao patrimônio que será inventariado e transmitido para os herdeiros e legatários. Assim, nele não estarão compreendidos os bens do cônjuge supérstite ou da(o) companheira(o), como também não serão abatidas as dívidas do de cujus.” (CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Comentários ao Código de Processo Civil. Artigos 982 a 1.045. 3. ed. Forense, v. IX, t. I, 2006. p. 245/246)

Page 116: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

116 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

É curioso: a grande mudança promovida pelo CPC/2015, na modalida-de do arrolamento comum, foi justamente o retorno à previsão normativa já contida na versão primitiva do CPC/1973: a adoção do salário-mínimo como parâmetro procedimental.

Com efeito, a versão original do Código de Processo Civil de 1973, em seu art. 1.031, II, previa o cabimento do arrolamento comum “quando o valor dos bens do espólio não exceder duzentas (200) vezes o do salário mínimo vigente na sede do Juízo”. Com o passar dos anos, e com as alterações econô-mico-financeiras ocorridas no País, esse critério econômico-financeiro foi alte-rado. Cabe, nesse ponto, uma breve digressão.

Com o advento da Lei nº 7.019/1982, a norma processual de 1973 so-freu uma alteração textual, passando a consignar, em seu art. 1.036 – e não mais no art. 1.031, II, como em sua versão original –, o arrolamento comum de bens. Além da alteração topográfica, também foi modificado o parâmetro de cabimento dessa modalidade de inventário, substituindo-se o “salário-mínimo” por uma unidade monetária criada em 1964 pela Lei nº 4.357/1964: as Obriga-ções Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTNs) (unidade caracterizada como o primeiro indexador nacional, que tinha como finalidade aplacar os efeitos da inflação e restabelecer a confiança nos títulos da dívida pública).

Em 1986, com a criação do Plano Cruzado e a promulgação do Decreto--Lei nº 2.284/1986, que extinguiu as ORTNs9, essa unidade monetária foi subs-tituída por uma nova: as Obrigações do Tesouro Nacional (OTNs). Deflagrou--se, assim, nova alteração ao texto da norma processual, no próprio art. 1.036, para chancelar a mudança: as ORTNs foram, então, expressamente substituídas pelas OTNs.

Em 1989, as OTNs deram lugar ao Bônus do Tesouro Nacional (BTN) e ao Bônus do Tesouro Nacional Fiscal (BTN-Fiscal), nos termos da Lei nº 7.730/1989, índices extintos no ano de 1991, exsurgindo, em seu lugar, a Taxa Referencial (TR), nos termos da Lei nº 8.177/1991.

O Código de Processo Civil de 1973 não acompanhou toda a evolução dos índices econômico-financeiros nacionais, mantendo incólume a sua reda-ção, com a aplicação das Obrigações do Tesouro Nacional (OTNs), desde o ano de 1986, até seu último dia de vigência, em 17 de março de 2016.

Nesse período, enquanto vigente o CPC/1973, para apurar o valor dos bens do espólio, com vistas a aferir viabilidade do arrolamento comum, era necessário realizar a conversão de unidades monetárias, sucessivamente, até tornar possível a quantificação do montante do acervo hereditário em OTNs.

9 Idem, p. 245.

Page 117: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������117

Embora, de fato, tenham sido disponibilizados, em normas específicas, os parâmetros para a conversão, não parece razoável a manutenção de um ba-lizador econômico-financeiro extinto há décadas, e cuja apuração depende de equações matemáticas, como requisito fundamental para a adoção de um pro-cedimento judicial cujo objetivo é, justamente, simplificar o pleito sucessório.

O legislador parece ter observado essa incongruência e, ao dar azo à ma-téria, no bojo do novo Código de Processo Civil, entendeu por bem alinhar esse parâmetro à realidade econômica e social hodierna, passando a utilizar como requisito objetivo para o arrolamento comum um valor expresso em determina-da quantidade de “salários-mínimos”, retomando, pois, o escopo da regra origi-nária, prevista no art. 1.031, II, da primeira versão do CPC/1973. Para facilitar a análise evolutiva, colhe-se o quadro a seguir:

Versão primitiva do CPC/1973

CPC/1973 com as alte-rações impostas pela Lei nº 7.019/1982 (Decreto-

-Lei nº 2.284/1986)

Previsão contida no CPC/2015

Art. 1.031. Proceder-se-á ao inventário e partilha de acordo com as regras desta secção:[...]II – quando o valor dos bens do espólio não exceder duzen-tas (200) vezes o do salário-mí-nimo vigente na sede do juízo.

Art. 1.036. Quando o valor dos bens do espólio for igual ou inferior a 2.000 (duas mil) Obrigações do Tesouro Nacional – OTN, o inventário processar-se--á na forma de arrolamento, cabendo ao inventariante nomeado, independentemen-te da assinatura de termo de compromisso, apresentar, com suas declarações, a atribui-ção do valor dos bens do espólio e o plano da partilha.

Art. 664. Quando o valor dos bens do espólio for igual ou in-ferior a 1.000 (mil) salários-mí-nimos, o inventário processar--se-á na forma de arrolamento, cabendo ao inventariante nomeado, independentemen-te de assinatura de termo de compromisso, apresentar, com suas declarações, a atribuição de valor aos bens do espó-lio e o plano da partilha.

É bom que se diga: a inclinação do legislador em utilizar o salário-mí-nimo como critério para definição de regras processuais não é novidade. Ao revés, trata-se de técnica adotada em larga escala10.

Veja-se que o procedimento sumário – extinto pelo novel Códex –, pre-visto no Código de 1973, deveria ser, via de regra, o procedimento adotado para a análise de pretensões de direito material que reproduzissem, no valor da cau-sa, montante de até 60 (sessenta) salários-mínimos (art. 275, I, do CPC/1973).

10 Colhendo o ensejo, cabe o esclarecimento sobre a ausência de qualquer eiva de inconstitucionalidade ou ilegalidade, quanto à adoção do salário-mínimo, como lastro para definição de regras processuais. É que, como bem consignado por Manoel Antônio Teixeira Filho, “a mera adoção do salário mínimo como critério para definir o procedimento judicial não gera nenhum impacto sobre a economia nacional, do mesmo modo como nunca gerou a fixação da alçada” (TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. O procedimento sumaríssimo no processo do trabalho. Comentários à Lei nº 9.957/2000. 2. ed. LTr, 2000. p. 47).

Page 118: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

118 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

No mesmo sentido, o CPC/1973 trazia em seu escopo outras normas com vinculação direta ao salário-mínimo. É o caso dos arts. 161, 196, 233, parágrafo único, 401, 410, parágrafo único, 475, § 2º, 475-O, § 2º, I, 475-Q, § 4º, 649, X, 686, § 3º, e 1.027, parágrafo único. Esse parâmetro também é utilizado pela legislação extravagante11. E não é diferente em relação à novel norma adjetiva, como se observa dos arts. 77, § 5º, 81, § 2º, 85, §§ 3º e 4º, 202, 234, § 2º, 258, 496, § 3º, 664, e 968, § 2º.

De fato, parece ser essa a técnica legislativa que melhor chancela ao ju-risdicionado o acesso à justiça, desmistificando critérios econômico-financeiros que balizam procedimentos judiciais, mesmo por se tratar, o salário-mínimo, de unidade já conhecida do grande público, mais democrática e de simples apuração.

3 saláriO-mínimO naciOnal

A previsão originariamente contida no art. 1.031, II, do CPC/1973, como exposto, fazia alusão ao salário-mínimo vigente “na sede do Juízo”. No mesmo sentido, o art. 1.027, parágrafo único, do CPC/1973, dispunha que “o formal de partilha poderá ser substituído por certidão do pagamento do quinhão here-ditário, quando este não exceder cinco vezes o salário mínimo vigente na sede do juízo”.

Ocorre que o art. 664, caput, do CPC/2015 limita-se a dispor que, “quan-do o valor dos bens do espólio for igual ou inferior a 1.000 (mil) salários-míni-mos, o inventário processar-se-á na forma de arrolamento”.

Daí surge a indagação: No silêncio, a referida norma legal estaria fazen-do alusão ao salário-mínimo nacional ou regional (da “sede do Juízo”)?

Recorre-se, novamente, a uma breve digressão: o salário-mínimo foi criado pela Lei nº 185/1936, regulamentada pelo Decreto-Lei nº 399/1938. O Decreto-Lei nº. 2.162/1940, por sua vez, foi a norma que delimitou o valor inicial do salário-mínimo, cujo reajuste em período anual, como ocorre hodier-namente, está previsto na Lei nº 8.880/1994 (art. 19, § 9º).

Para o quadriênio 2016/2019, o Poder Executivo Federal editou a Medi-da Provisória nº 672/2015, convertida na Lei nº 13.152/2015, que atribuiu ao salário-mínimo nacional o valor de R$ 880,00 (esse valor, para o ano de 2017, nos termos do art. 1º, § 4º, inciso II, da referida Lei, considerando-se a política de valorização do salário-mínimo nacional, é de R$ 937,00), vigente a partir do

11 Como exemplo, pode-se indicar o art. 2º da Lei nº 12.153/2009, que “dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios”; o art. 3º da Lei do Juizado Especial Federal nº 10.259/2001 e o art. 3º da Lei nº 9.099/1995, que “dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências”.

Page 119: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������119

dia 1º de janeiro de 2016. Há, contudo, cinco Unidades da Federação – Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina – que instituíram os seus próprios pisos salariais (em hipóteses específicas, como exposto), todos em valor superior ao piso nacional, com base na dicção da Lei Complementar nº 103/2000.

Nessa linha de raciocínio, nas causas apreciadas pela Justiça Estadual, poderia ser adotado o salário-mínimo da “sede do Juízo”, como critério para cabimento do arrolamento comum, à luz do CPC/2015? A resposta parece ser negativa.

Ora, quisesse o legislador processual promover a aplicação do salário--mínimo da “sede do Juízo”, teria consignado expressamente essa regra, como fez com os arts. 1.031, II (em sua versão original), e 1.027, parágrafo único, ambos do CPC/1973. Não o fez, o legislador, para impedir um cenário de es-quizofrenia jurídico-processual, de atribuição de regras distintas a inventários que tramitam em Unidades da Federação diversas, quando a norma processual é clara e já chancelou, em seu escopo, valor absolutamente razoável, para de-linear o arrolamento comum em todo o País.

Com o auxílio de sistema disponível no sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de Rondônia12, foi possível fazer a conversão da unidade monetária OTN para valores em moeda corrente (Real). Verificou-se que, na dinâmica do CPC/1973, em seu art. 1.036 do CPC/1973 seria cabível, hoje, o arrolamento comum de bens do espólio até o limite de R$ 132.440,00 (1 OTN = R$ 66,22; 2.000 OTN = R$ 132.440,00).

Noutra plana, de acordo com a norma prevista no art. 664, caput, do CPC/2015, o valor máximo dos bens do espólio, a partir do dia 18 de mar-ço de 2016, para que seja cabível a adoção do arrolamento comum, é de R$ 937.000,00 (1.000 salários-mínimos atualizados).

Veja-se que a norma processual não apenas facilitou a quantificação dos valores máximos dos bens do espólio, para apuração sobre o cabimento do arrolamento comum, ao adotar critério de fácil assimilação (o salário-mínimo, no lugar das OTNs). Mais do que isso: a modificação promovida pelo novel Códex adjetivo alargou as hipóteses de cabimento dessa modalidade de pleito sucessório, ao majorar o teto previsto na norma processual pregressa em mais de 600%. É essa a proporção aproximada da diferença entre 2.000 OTNs e 1.000 salários-mínimos, em abril de 2017.

A título ilustrativo, se o legislador tivesse se limitado a fazer uma simples conversão OTN/salário-mínimo, a novel norma adjetiva deveria ter limitado seu escopo normativo ao montante de 141 (cento e quarenta e um) salários-

12 Disponível em: <https://www.tjro.jus.br/calculoProcessual/faces/jsp/calculoOrtn.jsp>.

Page 120: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

120 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

-mínimos. Ao majorar esse valor e ao permitir que o arrolamento comum seja aplicável a hipóteses de sucessão de bens no valor de até 1.000 (mil) salários--mínimos, o legislador agiu com parcimônia, fixando montante deveras razoá-vel para adoção do arrolamento comum.

Vale, ainda, enfatizar a ressalva feita por Paulo Cezar Pinheiro Carneiro13: impugnado o valor atribuído aos bens do espólio, e sobrevindo avaliação acima do “limite máximo previsto para utilização do procedimento de arrolamento comum, o juiz não designará audiência e determinará, imediatamente, a con-versão desse procedimento no tradicional, comum, do inventário”.

4 O interessadO incapaz (artigO 665 dO cpc/2015)

A segunda inovação trazida à baila pela novel norma adjetiva, à modali-dade de arrolamento comum, consta do art. 665, ao autorizar, expressamente, o cabimento desse procedimento quando o pleito sucessório envolver interesse de incapaz.

Paulo Cezar Pinheiro Carneiro já reconhecia, mesmo diante do silên-cio da antiga norma processual, a incidência do “arrolamento comum quando uma das partes for incapaz”14. Humberto Theodoro Junior também já defendia que “a presença de incapazes entre os herdeiros não afasta o procedimento do art. 1.036 [do antigo Código Processual Civil]”, com a condição de “citação do Ministério Público para funcionar na causa”, sob pena de nulidade, especial-mente, nos termos dos arts. 81 a 85 do CPC/197315.

Ocorre que, a despeito do entendimento doutrinário, diante do silêncio normativo, cabia às partes, na presença de interesses de incapaz na sucessão, requerer a adoção do arrolamento comum, sujeitando-se ao juízo discricionário do julgador, inexistindo, pois, segurança legal e jurídica quanto ao ponto.

A previsão expressa contida no art. 665 do CPC/2015 parece dar guarida ao disposto no art. 4º do novo Código, de onde se extrai que as partes – e tam-bém o incapaz, enquanto parte – têm direito de obter “em prazo razoável, a so-lução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa” (art. 4º do CPC/2015).

Não obstante, subtrair do incapaz – apenas por ser incapaz – a possi-bilidade de lançar mão de um veículo processual mais célere, para tramita-ção de pleito sucessório no qual tem interesse, representaria, ainda, tratamento desigual entre as partes, sendo-lhe usurpada a igualdade de condições para

13 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Comentários ao Código de Processo Civil. Artigos 982 a 1.045. 3. ed. Forense, v. IX, t. I, 2006. p. 248.

14 Idem, p. 248.15 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Procedimentos especiais. 45. ed. Forense,

v. III, 2013. p. 266.

Page 121: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������121

exercício de “direitos e faculdades processuais”, o que afrontaria diretamente o disposto no art. 7º do CPC/2015.

É certo, ainda, que cabe ao magistrado, “ao aplicar o ordenamento jurí-dico”, atender “aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana” (art. 8º do CPC/2015), de modo que, sendo o incapaz titular de direitos sucessórios, deve ser a ele garantido o acesso à justiça de maneira célere e eficaz, com vistas à ultimação do pleito sucessório.

Nessa toada, parece ter andado bem a norma processual, analisando os fatos concretos da vida civil com sensibilidade e primando pela isonomia e efe-tividade. Parece, pois, correta a inclusão do art. 665 na novel norma adjetiva, dando força cogente à possibilidade de fazer parte, o incapaz, do pleito suces-sório, na modalidade de arrolamento comum.

Ainda assim, faz-se necessário, para tanto, a concomitância de dois re-quisitos: a concordância das partes e do Ministério Público.

4.1 a concorDância De toDas as partes

Um dos requisitos previstos no art. 665 do CPC/2015, para autorizar a adoção do arrolamento comum, na presença de interesse de incapaz, é a con-cordância de todas as partes. Mas concordância com o quê? Quem deve con-cordar?

Há quem entenda que “o inventário também se processará por arrola-mento quando a partilha for amigável e a despeito de haver incapaz entre os interessados intervir o Ministério Público”16. Outros entendem, ainda, que a inovação prevista no art. 665 do CPC/2015 “permite a aplicação do arrola-mento simples, ainda que exista interessado incapaz, desde que as partes con-cordem com a partilha e o Ministério Público opine favoravelmente ao pleito homologatório”17.

Na linha de raciocínio supratranscrita, a concordância das partes, en-quanto requisito previsto no art. 665 do CPC/2015, estaria concentrada na parti-lha. No entanto, para fomentar um debate saudável, pede-se vênia para abordar o enunciado normativo por um caminho diferente.

Isso porque o entendimento no sentido de que a concordância das partes estaria centralizada na própria partilha parece considerar a modalidade de arro-lamento como um procedimento único, com finalidade ampla e geral. Ocorre

16 AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. Revista dos Tribunais, 2015. p. 734/735.

17 CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Forense, 2015. p. 982/983.

Page 122: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

122 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

que, tal qual consignado no introito da presente análise, existem duas modali-dades de arrolamento, cada uma com sua especificidade normativa: o arrola-mento sumário (arts. 661 a 663 do CPC/2015) e o arrolamento comum (arts. 664 e 665 do CPC/2015).

Nesse sentido, para Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, o arrolamento sumá-rio depende necessariamente da concordância expressa de todas as partes, que deverão ser capazes, inclusive do cônjuge meeiro ou da(o) companheira(o), e deverá ser apresentado o esboço de partilha amigável, juntamente com os de-mais documentos exigidos. O arrolamento comum, por sua vez, pressupõe que não haja consenso expresso de todas as partes capazes, pois, se tal ocorresse, o arrolamento se enquadraria na primeira espécie18.

Essa dicotomia procedimental é evidente e, como sugestão singela deste artigo, deve ser considerada na interpretação do art. 665 do CPC/2015.

Quanto ao ponto, pede-se vênia para um exercício cognitivo: se a con-cordância das partes, prevista no art. 665 do CPC/2015, fosse referente à par-tilha, o inventário se enquadraria na modalidade de arrolamento sumário, e não de arrolamento comum. Ocorre que o arrolamento sumário, nos termos do art. 659 do CPC/2015, não admite a participação de incapazes para formaliza-ção da partilha amigável.

Não obstante, o art. 665 do CPC/2015 faz alusão expressa ao art. 664 do CPC/2015, ou seja, ao arrolamento comum, em que é pressuposto lógico, segundo Carneiro, o litígio. Não se faz alusão, no art. 665 do CPC/2015, ao art. 659 do CPC/2015, este sim referente ao arrolamento sumário, no qual todas as partes devem ser concordes.

Nessa toada, ainda segundo Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, o arrolamen-to comum tem natureza de jurisdição contenciosa, podendo o juiz julgar a par-tilha da forma que entenda mais adequada ao caso concreto (vide art. 664, § 5º); o arrolamento sumário, por outro lado, tem natureza de jurisdição voluntária, cabendo ao juiz, tão somente, após verificar o enquadramento da hipótese na lei, proferir sentença homologatória19.

A partir do raciocínio proposto neste estudo, no arrolamento comum não se poderia cogitar de uma concordância universal em relação à partilha, pois, nesse caso, ter-se-ia uma partilha amigável, típica de arrolamento sumário, que, por sua vez, não admite a participação de incapazes. Essa sutileza interpretativa é relevante.

18 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Comentários ao Código de Processo Civil. Artigos 982 a 1.045. 3. ed. Forense, v. IX, t. I, 2006. p. 223/225.

19 Idem, p. 223/225.

Page 123: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������123

Com o perdão da interlocução, o raciocínio no sentido de que a con-cordância das partes seria em relação à partilha amigável catalisa um choque frontal entre normas jurídicas.

Caso se entenda estar correta a corrente doutrinária que defende que a concordância das partes deve se dar em relação à própria partilha, haveria de se defender, da mesma forma, a alteração da norma prevista no art. 665 do CPC, para constar em seu bojo, no lugar da alusão ao arrolamento comum, ao dispor ser cabível o procedimento previsto no art. 664 (arrolamento comum), aquele previsto no art. 659 (arrolamento sumário).

O entendimento que parece mais coerente com a interpretação integra-tiva da norma processual é no sentido de que a concordância das partes deve se dar em relação à adoção (ou não) do procedimento do arrolamento comum, e não em relação à partilha em si. No mais, em relação às partes, não parece haver maiores elucubrações: devem concordar os legitimados ao pleito suces-sório, em sua condição de herdeiro; assim como o inventariante nomeado, que, na maioria das vezes, também integra o rol de herdeiros.

4.1.1 Obrigatoriedade do arrolamento comum na presença de incapaz?

Para Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, é obrigatória a adoção do arrola-mento comum “sempre que o valor dos bens do espólio for inferior” ao teto fixado em lei.

Esse entendimento contrasta com o teor do art. 665, que admite que as partes se manifestem, na presença do incapaz, sobre a adoção do procedimen-to, não se tratando, pois, de regra impositiva.

De fato, a norma prevista no art. 664 do CPC/2015 dispõe que, dentro do limite do valor dos bens do espólio, o inventário “processar-se-á na forma de arrolamento [comum]”. O verbo está na forma imperativa, denotando não se tratar de faculdade, mas, sim, de procedimento a ser necessariamente adotado para deflagração do pleito sucessório.

Já a norma prevista no art. 665 do CPC/2015 condiciona o procedimento à concordância das partes, na linha de pensamento delineada neste estudo.

Sugere-se, assim, uma interpretação bipartite, no sentido de que: (i) na ausência de incapazes, nos termos do art. 664, caput, torna-se obrigatória a adoção do arrolamento comum, caso os bens do espólio atinjam montante infe-rior a 1.000 salários-mínimos; (ii) quando estiver presente interesse de incapaz, caberá às partes dispor sobre a adoção (ou não) do arrolamento comum ou prosseguir nos termos do procedimento solene e tradicional do inventário.

Page 124: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

124 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

4.2 a concorDância Do ministério público

Requisito deveras relevante, nos termos do art. 665 do CPC/2015, para que se autorize a adoção do arrolamento comum, quando presente interesse de incapaz no pleito sucessório, é a concordância do Ministério Público.

Nos termos do art. 127 do da Constituição Federal, o Ministério Público “é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incum-bindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”20. A norma constitucional é repetida no no-vel diploma adjetivo, em seu art. 176. Consta, ainda, do art. 178 do CPC/2015 que o Parquet deverá “intervir como fiscal da ordem jurídica”, nas hipóteses que envolvam “interesse de incapaz” (art. 178, II), requentando o disposto no art. 82, I, do CPC/1973.

A atuação ministerial, nas hipóteses que envolvem interesses de incapa-zes, tem como objetivo “zelar pelo interesse do incapaz na condição de parte da relação processual (autor ou réu)”21. Nesse caso, deve o órgão ministerial verificar “a regularidade da representação processual do incapaz, requerendo, se for o caso, a nomeação de curador especial”, fiscalizando, ainda, “o compor-tamento processual do representante legal do incapaz”22.

Para Leonardo Greco, o órgão ministerial “age dessa forma porque a re-levância dos interesses em jogo e a suposta desvantagem que atinge o incapaz na defesa de seus próprios direitos justificam a presença no processo, ao lado do juiz, de outro órgão estatal, também dotado de inúmeras garantias”23. Mais do que isso, o Ministério Público atua nesses processos para garantir a sua confor-midade com a lei, a fim de que não haja nenhum prejuízo ou nenhuma violação a interesses do incapaz, legalmente tutelados24.

O dever constitucional e infraconstitucional do Ministério Público, de atuar em questões que envolvam interesses de incapazes, decorre também de

20 “O Ministério Público é, na sociedade moderna, a instituição destinada à preservação dos valores fundamentais do Estado enquanto comunidade. Define-o a Constituição como ‘instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127)’. Esses valores recebem a atenção dos membros do Parquet, seja quando estes se encarregam da persecução penal, deduzindo em juízo a pretensão punitiva do Estado e postulando a repressão ao crime (pois este é um atentado aos valores fundamentais da sociedade), seja quando no juízo civil os curadores se ocupam da defesa de certas instituições (registros públicos, fundações, família), de certos bens e valores fundamentais (meio ambiente, valores artísticos, estéticos, históricos, paisagísticos, ou de certas pessoas (consumidores, ausentes, incapazes, trabalhadores acidentados no trabalho).” (CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 28. ed. Malheiros, 2012. p. 239)

21 Marcos Stefani apud WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. RT, 2015. p. 554.

22 Idem, ibidem.23 GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Introdução ao direito processual civil. 5. ed. Forense, 2015.

p. 257.24 Idem, ibidem.

Page 125: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������125

normas institucionais internas. A Recomendação nº 16/2010 do Conselho Na-cional do Ministério Público, modificada pela Recomendação nº 18/2011, tam-bém editada pelo referido órgão, em seu art. 5º, prevê uma lista de causas em que a atuação do Parquet pode ser dispensada.

Em todas as hipóteses descritas nas referidas normas institucionais, o en-volvimento do interesse de incapazes surge como lastro para a atuação impera-tiva do Ministério Público, sem exceção.

Desse modo, dada a natureza dúplice da chancela ministerial, quando atua nos autos de processo em que se discute interesse de incapaz, tanto para resguardar o interesse deste quanto para preservar o interesse público, parece--nos que a negativa do Ministério Público, salvo melhor entendimento, é requi-sito negativo intransponível à adoção do arrolamento comum, devendo, nessa hipótese, a despeito da concordância de todas as partes, ser adotado o procedi-mento solene do inventário, vez que, na linha de raciocínio do presente estudo, tampouco poderia ser admissível a adoção do arrolamento sumário para pro-mover a partilha que contemple interesse de incapaz.

5 a assinatura dO termO

Por fim, entre as alterações promovidas na dinâmica do arrolamento co-mum, pelo novo diploma processual, constam, ainda, os acréscimos pontuais impostos pelo art. 664, § 3º, do CPC/2015.

Nos termos da norma processual pregressa, ultimadas as discussões sobre a estimativa dos valores referentes aos bens do espólio, após apresentação do respectivo laudo de avaliação – caso tenha sido apresentada impugnação, pelos herdeiros, à indicação inicial feita pelo inventariante –, realizada a audiência própria, para deliberação sobre a partilha, o termo final deveria ser lavrado e assinado pelas partes presentes e pelo juiz (art. 1.036, § 3º, do CPC/1973).

O novo diploma processual, por sua vez, autoriza que os patronos das partes assinem o referido termo, admitindo-se, pois, interpretação legal no sen-tido de que a parte não seja obrigada a participar da audiência, sendo represen-tada por seu mandatário, a quem caberá assinar, em seu nome, o termo final. A inovação é singela, mas parece oportuna.

Determina, ainda, a novel norma processual que o termo seja assinado pelo inventariante.

Nesse ponto, também parece ter andado bem o novo Código de Processo Civil. Isso porque o inventariante é o sujeito processual responsável por repre-sentar em Juízo, ativa ou passivamente, o espólio, nos termos do art. 75, VII, do CPC/2015.

Page 126: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

126 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Não obstante, o cargo possui incumbências legais específicas, de ges-tão idônea dos bens do espólio, nos termos dos arts. 618 e 619 do CPC/2015, e também o dever de prestar as primeiras declarações, à luz do disposto no art. 620 do CPC/2015, sob pena de remoção (art. 622 do CPC/2015).

Cabe, ainda, ao inventariante, reservar o quinhão de herdeiro que se jul-gar preterido e demandar sua inclusão no curso do inventário (art. 628, § 2º, do CPC/2015), até a resolução da matéria, bem como reservar bens suficientes para pagamento das dívidas do espólio (art. 643, parágrafo único, do CPC/2015). É ele, ainda, o responsável por reservar o quinhão hereditário de herdeiro nasci-turo, até o seu nascimento (art. 650 do CPC/2015).

É, portanto, lógica a participação do inventariante na assinatura do termo da audiência que tem por objeto dirimir todas as questões apresentadas pelos herdeiros, seja em relação ao valor atribuído aos bens, seja em relação ao plano de partilha apresentado.

Não fora o exposto, a participação do inventariante na assinatura do termo final parece ser corolário da própria eficácia executiva da certidão de partilha e do respectivo formal, vez que, nos termos do art. 515 do CPC/2015, esses documentos assumirão a condição de títulos executivos judiciais, “exclu-sivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal”.

cOnclusãO

Da explanação supra pode-se constatar as três alterações promovidas na dinâmica normativa e prática do arrolamento comum, trazidas pelo CPC/2015.

A primeira mudança foi a fixação de novo parâmetro econômico-finan-ceiro para sustentar o cabimento dessa modalidade de arrolamento: o salário--mínimo nacional, em lugar das OTNs.

Essa modificação não foi apenas textual, tampouco reproduz mera adap-tação OTN/salário-mínimo. Ao revés, a norma também amplia as hipóteses de cabimento dessa modalidade de arrolamento, ao majorar o valor dos bens do espólio, em proporção que, no mês de abril de 2017, chega a superar em 600% o mesmo montante que seria apurado a título de OTN, no mesmo recorte tem-poral, alargando, pois, a sua viabilidade.

A segunda alteração também foi interessante, ao se fazer constar, expres-samente, na norma processual, o cabimento do arrolamento comum, quando presente, no pleito sucessório, interesse de incapaz (art. 665 do CPC/2015), desde que com a concordância das partes e do Ministério Público, órgão cuja negativa deve figurar como óbice à adoção desse procedimento.

Page 127: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������127

Por fim, também foram interessantes as modificações propostas em rela-ção à assinatura do termo final, permitindo que a parte seja representada por seu patrono, na audiência prevista no art. 664, § 3º, do CPC/2015, a quem ca-berá assinar o termo, em seu nome, e determinando, ainda, que o inventariante também assine o documento.

Essas mudanças são positivas e, na linha do espírito da nova norma pro-cessual, busca a isonomia e o acesso à justiça de maneira mais célere e efetiva.

referências

AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. Revista dos Tribunais, 2015.

CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao novo Código de Pro-cesso Civil. Forense, 2015.

CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Comentários ao Código de Processo Civil. Artigos 982 a 1.045. 3. ed. Forense, v. IX, t. I, 2006.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 28. ed. Malheiros, 2012.

FUX, Luiz. Processo e Constituição. In: FUX, Luiz (Coord.). Processo constitucional. Forense, 2013.

GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Introdução ao direito processual civil. 5. ed. Forense, 2015.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Procedimentos especiais. 45. ed. Forense, v. III, 2013.

WAMBIER, Teresa Arruma Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil artigo por artigo. RT, 2015.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. RT, 2015.

Page 128: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Parte Geral – Doutrina

A Importância do Seguro para o Atleta, o Acidente de Trabalho e a Responsabilidade Civil das Entidades Desportivas

LeILA CRISTInA CALASAnS BARReTO SAnTOSPós-Graduanda em Direito e Processo do Trabalho na Faculdade de Direito Damásio de Jesus, Advogada.

RESUMO: O presente artigo trata sobre assuntos relacionados ao Direito Desportivo em seu as-pecto trabalhista-desportivo. Objetiva-se, para tanto, expor as discussões doutrinárias e jurispru-denciais, os entendimentos atuais e as perspectivas existentes sobre o seguro de vida e contra acidentes pessoais, que ganhou caráter obrigatório a partir das alterações dispostas no art. 45 da Lei nº 9.615/1998; a previsão e ocorrência do acidente de trabalho e os seus aspectos jurídicos, e, por fim, da responsabilidade civil das entidades desportivas no decorrer do contrato de trabalho firmado com o atleta. O tema é de extrema importância no sentido de que o Direito Desportivo possui uma dimensão que tem poucos reflexos no meio jurídico e, mais especificamente, no âmbito trabalhista, pois ainda se vê esse ramo como algo obscuro, desconhecido. Portanto, o presente artigo cuida de reflexões sobre os assuntos apontados e a esperança de que os meios legislativos e jurisprudenciais evoluam e passem a dar maior importância aos assuntos apresentados, uma vez que a própria Cons-tituição Federal dispõe da importância do desporto no dia a dia dos cidadãos brasileiros.

PALAVRAS-CHAVE: Desportivo trabalhista; seguro; acidente; responsabilidades.

ABSTRACT: This article discusses issues related to Sports Law in its labor-sporty look. The purpose is, therefore, exposed the doctrinal and jurisprudential discussions, current understandings and exis-ting perspectives on life insurance and personal accident, which won compulsory from the changes required in article 45 of Law nº 9.615/1998; the weather and the occurrence of accidents at work and its legal aspects and finally; the liability of sports bodies throughout the employment contract signed with the athlete. The theme is very important in the sense that the Sports Law has a dimension that has few consequences in the legal environment and, more specifically, in the workplace, because still see this business as something obscure, unknown. Therefore, this article takes care of reflections on the issues and pointed out the hope that the legislative means and jurisprudence evolve and start to give greater importance to the issues presented, since the Federal Constitution itself has the impor-tance of sport in everyday day of Brazilian citizens.

KEYWORDS: Sports-labor; safe; accident; responsibilities.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Da atividade do atleta; 2 Do seguro obrigatório; 3 Acidente de trabalho – Aspectos trabalhistas e previdenciários; 4 Responsabilidade civil das entidades desportivas; Re-ferências.

intrOduçãO

Os anos se passaram, e com o tempo acabei assumindo minha iden-tidade: não passo de um mendigo do bom futebol. Ando pelo mun-

Page 129: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������129

do de chapéu na mão, e nos estádios suplico: – Uma linda jogada, pelo amor de Deus!

E quando acontece o bom futebol, agradeço o milagre – sem me importar com o clube ou o país que o oferece.

(Eduardo Galeano, Futebol ao sol e à sombra)

É hora de falar do Direito Desportivo. Mais: é hora de falar do Direito Trabalhista-Desportivo.

A Constituição Federal de 1988 traz, em seu art. 217, o valor do desporto para a sociedade, categorizando-o como um direito social, um direito concedi-do ao cidadão, um dever e uma responsabilidade do Estado no âmbito social no que se refere ao fomento das práticas desportivas.

Como os direitos sociais visam à formação do cidadão, preparando-o para as relações de trabalho, o desporto surge desde uma atividade de lazer até uma atividade em sentido laborativo.

O atleta profissional possui tratamento legislativo específico, não sen-do considerado um trabalhador comum e, atualmente, é regido pela Lei nº 9.615/1998. Tal lei traz ao atleta a condição de empregado e, extensivamen-te, de segurado da previdência social.

É a Lei nº 9.615/1998, também conhecida como Lei Pelé, que traz em seu corpo todas as normas e diretrizes a serem aplicadas ao atleta profissional e às entidades desportivas.

No presente estudo abordaremos os aspectos referentes à importância do seguro trazido pela Lei nº 12.395/2011 em alteração à Lei Pelé, os pontos a se-rem destacados e discutidos no que se refere ao acidente de trabalho que ocorre durante a execução do contrato firmado entre atleta e clube e, por fim, da tão discutida responsabilidade civil das entidades de prática desportivas.

Após breve exposição sobre a atividade do atleta, o estudo segui-rá apresentando o tópico referente ao seguro obrigatório do art. 45 da Lei nº 9.615/1998, discutindo e apontando todos os entendimentos e pontos con-troversos acerca da disposição legal, bem como apontando projetos legislativos em andamento e possíveis soluções a serem encontradas no decurso do tempo e do amadurecimento do pensamento sobre o tema.

O tópico seguinte cuida em apresentar, conceituar e discutir os pontos existentes na ocorrência e caracterização do acidente de trabalho, abordando os aspectos trabalhistas e os aspectos previdenciários. Por fim, apresentando as discussões acerca da possibilidade ou não de aplicação das regras referentes à estabilidade do emprego nos casos apresentados e apontando reflexões neces-sárias para formar opinião acerca do tema proposto.

Page 130: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

130 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Concluindo o presente estudo, chegamos ao último tópico expondo e discutindo todos os aspectos referentes à responsabilidade civil das entidades de prática desportiva no tocante ao acidente de trabalho e nas consequências advindas do espírito competitivo inerente a atividade do atleta.

O principal objetivo do estudo é fomentar, instigar e fazer com que a reflexão seja a consequência natural diante do conteúdo apresentado, pois é desses momentos que o ser humano pode vir a criar futuras e grandiosas con-quistas, contribuindo sempre para um mundo maduro, inteligente e melhor.

1 da atividade dO atleta

O termo lesão é algo que estamos acostumados a associar ao mundo do atleta. Seguindo os ensinamentos de Álvaro Melo Filho, temos que o desporto inclui-se entre as profissões de desgaste rápido, agravado pela competitividade que gera, muitas vezes, desvalorização resultante de incapacidade por contu-sões, lesões e acidentes de trabalho de atletas profissionais.

A atividade do atleta compreende a realização de exercícios físicos cons-tantemente, alguns de forma excessiva, o que, fisiologicamente, desgastam o tecido muscular e torna a ocorrência de lesão algo suscetível.

A atividade desportiva possui como característica a existência da compe-titividade e esse fato pode, naturalmente, vir a ocasionar lesões, contusões e o próprio acidente de trabalho, o que, consequentemente, causará a desvaloriza-ção do atleta e vem a justificar a existência jurídica de uma espécie de proteção suplementar.

Assim, diante dos excessos e da falta de estrutura no ambiente de tra-balho, nota-se a necessidade da regulamentação legal para a proteção e a se-gurança do atleta, uma vez que o seu sucesso e a sua realização profissional dependem única e exclusivamente do seu corpo e condicionamento físico.

Toda essa situação ocasionou o surgimento da figura do seguro obriga-tório.

2 dO segurO ObrigatóriO

Conforme demonstrado, o desgaste físico é um ponto determinante para reduzir o tempo de exercício da atividade profissional de quem exerce tal função.

Durante o tempo em que vigorou o art. 29 da Lei nº 8.672/1993, houve a primeira tentativa de criar uma norma que estabelecesse um sistema de seguro obrigatório para os atletas profissionais na tentativa de encobrir os riscos ineren-tes às atividades realizadas.

Page 131: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������131

Com o passar do tempo, percebeu-se que essa legislação não resultou em nada de concreto que protegesse o atleta profissional.

Em 1998 surgiu a Lei nº 9.615, que trouxe, em seu art. 45, § 1º, um texto completo que criou a obrigatoriedade da contratação de seguro de acidente de trabalho para os atletas vinculados às entidades de prática desportiva, fixando, também, que o valor a ser indenizado deveria ser, no mínimo, o valor total da remuneração pactuada no contrato de trabalho firmado entre a entidade des-portiva e o atleta profissional.

No histórico do mundo desportivo, percebeu-se que essa obrigação tam-bém não se tornou em ação concreta pelas partes relacionadas.

Com isso, o art. 45 da Lei nº 9.615/1998 teve a sua redação alterada pela Lei nº 12.395/2011 e passou a determinar a obrigatoriedade da contratação do seguro pela entidade desportiva em prol do atleta profissional pertencente ao quadro com a finalidade de cobrir os riscos a que estão sujeitos, acrescentando a responsabilidade da entidade prática desportiva quanto às despesas médico--hospitalares. Importando ressaltar que essa obrigação será aplicada apenas aos clubes de futebol, uma vez que o art. 94 da mesma lei dispõe tal ressalva.

Para Álvaro de Melo Filho1, a intenção do seguro desportivo é a de co-brir principalmente os atletas profissionais de alto rendimento, prevenindo, de alguma forma, o risco do óbito ou incapacidade desportiva, seja esta última de caráter parcial, total, temporária ou permanente que resultam da prática da atividade desportiva.

A Lei nº 12.395/2011 também acrescentou ao artigo mencionado os §§ 1º e 2º. O § 1º aponta que a importância segurada deve garantir o direito à indenização mínima que esta deve ser correspondente ao valor anual da remu-neração pactuada, e que o seu pagamento deverá ser realizado ao beneficiário indicado no contrato ou ao próprio atleta profissional.

O § 2º, por sua vez, determina a responsabilidade das entidades des-portivas pelas despesas médico-hospitalares e pelos gastos com medicamentos necessários à reabilitação do atleta enquanto não houver o pagamento pela seguradora da indenização prevista no § 1º.

Mesmo com a previsão legal da obrigatoriedade da contratação do segu-ro de vida exposta no art. 45 da Lei nº 9.615/1998, é importante destacar que esse artigo não trouxe a previsão de sanção para o clube que não cumprir o estabelecido, ou seja, não há previsão expressa em lei de punição para o clube que não respeitar o previsto em lei e não realizar a celebração do contrato de seguro de vida e acidente de trabalho para os seus atletas.

1 MELO FILHO, Álvaro. Nova Lei Pelé: avanços e impactos. Rio de Janeiro: Maquinária, 2011. p. 217.

Page 132: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

132 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Nota-se, com isso, que, infelizmente, a tendência é que os clubes não cumpram o requisito do artigo mencionado por não existir a previsão legal e ex-pressa de uma possível sanção. Isso faz com que a norma mencionada adquira um caráter apenas e meramente sugestivo, não adquirindo o caráter sancionató-rio, o que faz com que, diante dos costumes brasileiros aos quais estamos acos-tumados a lidar no dia a dia, o cumprimento não exista com o vigor necessário que deveria.

No cenário atual, com a falta de previsão de sanção diante da ausência da contratação do seguro obrigatório, tem sido comum verificar o ajuizamento de reclamações trabalhistas de iniciativa dos atletas profissionais em face dos clubes pleiteando o pagamento de indenização diante da ausência comprovada do seguro de vida e de acidentes pessoais pelo clube.

Fazendo uma ligação entre o Direito Desportivo e o Direito Civil, po-demos caracterizar que a ausência da contratação do seguro fará com que o clube seja responsabilizado pela prática de tal ato, sendo esse considerado ato ilícito, pois, como prevê o art. 186 do Código Civil, há a responsabilidade de indenizar por preencher os requisitos exigidos, quais sejam: a ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência que vem a causar um prejuízo ou vio-lação de direitos.

Assim, ocorrendo o prejuízo ao atleta, o dano deverá ser reparado pelo agente que lhe deu causa.

Deste modo, alinhando ao pensamento do legislador, a responsabilidade civil será caracterizada apenas quando houver o dano. Se não há dano, não há responsabilidade e direito à indenização.

Isso nos leva a uma reflexão: se o atleta sofrer uma contusão, por exem-plo, durante o exercício de suas funções, caberá a aplicação do art. 45 da Lei nº 9.615/1998 e, obviamente, será devida a indenização referente ao seguro previsto no dispositivo legal. No entanto, se o clube, praticando o que carac-teriza o ato ilícito, não celebrou o contrato de seguro de vida, será o clube, na figura de empregador, o responsável pela indenização na tentativa de reparar o dano sofrido pelo seu empregado.

O ponto de discussão e reflexão é: Quando o clube não contrata o seguro obrigatório e o atleta não sofre nenhum tipo de acidente durante a execução do contrato firmado, deve haver alguma reparação diante da ausência da contra-tação prévia?

Considerando o art. 45 da Lei nº 9.615/1998, se o clube não cumprir com o previsto, deveria ser responsabilizado e condenado ao pagamento da indenização ao atleta, mas como a lei mencionada não traz a possibilidade de

Page 133: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������133

sanção diante do não cumprimento do seu texto, a lacuna deverá ser preenchi-da pelo Poder Judiciário.

E, para o Judiciário, esse tema, nessa peculiaridade, não possui um en-tendimento pacífico. O Tribunal Superior do Trabalho2, em sede de julgamento de recurso de revista, já entendeu que, se não houver cláusula penal que traga a previsão de sanção quando do descumprimento da contratação de seguro de vida e acidentes, não haverá a possibilidade de condenação ao pagamento de indenização quando o atleta sair ileso.

Em julgamento diverso, o Tribunal Superior do Trabalho concede o pa-gamento da indenização mesmo quando não há dano e há a ausência compro-vada do contrato de seguro. O TST tem concedido essa indenização aos funcio-nários bancários que transportam valores e ficam expostos ao risco da função, mas, no caso do atleta profissional, não poderá assim julgar, pois a sanção é algo que deve vir de forma expressa e literal na norma, sendo de interpretação restritiva, o que não autoriza a analogia, por assim resultar na inocuidade e ineficácia do dispositivo legal.

O entendimento é pacífico quando se refere à indenização diante de lesão sofrida pelo atleta no curso do contrato e o empregador não realizou a contratação prévia do seguro. Nesse caso, a jurisprudência entende que há o artigo de lei que confere aos clubes uma obrigação, não uma faculdade, e que a ausência de contratação cria a responsabilidade substitutiva de indenização.

A indenização não é algo que serve apenas para ilustrar e servir na ocor-rência do dano ou acidente de trabalho. A intenção da indenização é buscar diminuir algo que venha, futuramente, impedir ou restringir a atuação do jo-gador na prática desportiva, pois a sua atuação, por si só, expõe o profissional diretamente à ocorrência de lesões, contusões, acidentes mais graves e até a morte, como ocorreu com o jogador Serginho, em 2004, durante partida oficial pelo São Caetano.

O seguro desportivo obrigatório não existe apenas no sistema jurídico brasileiro. Em Portugal, desde a publicação do Decreto-Lei nº 10/2009, há a obrigação legal de contratação de seguro obrigatório que cubra os riscos de aci-dentes pessoais decorrentes da prática desportiva e dos possíveis deslocamentos em função da atividade.

No entanto, diferentemente do Brasil, a legislação portuguesa traz em seu texto a previsão de sanções a serem aplicadas quando não ocorrer a contratação do seguro, reforçando que a responsabilidade será totalmente do empregador e este responderá como se fosse o segurador.

2 Recurso de Revista nº 38100-70.2005.5.04.0015, Relª Min. Maria de Assis Calsing.

Page 134: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

134 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

No nosso sistema legislativo, a perspectiva de mudança aparece na possi-bilidade que seja aprovado pelo Congresso Nacional o Projeto de Lei do Sena-do nº 531/2011, que busca a alteração do art. 45 da Lei nº 9.615/1998 em dois sentidos. A primeira alteração é a extensão do seguro obrigatório aos responsá-veis técnicos das equipes, ou seja, que permaneça a obrigação do contrato de seguro aos jogadores e que se passe a exigir que esse contrato também exista para os técnicos. A segunda alteração, e pode-se considerar como a mais impor-tante, é a exigência de comprovar a contratação do seguro como condição sine qua non para a participação da equipe, abrangendo jogadores e treinadores, nas competições que venham a ser disputadas.

Enquanto o referido projeto de lei não for posto em plenário para vo-tação, a alternativa legal e restante aos atletas de futebol é a de exigir, na fase de contratação, a existência de cláusula penal que responsabilize o clube em-pregador ao pagamento de indenização na hipótese de não cumprimento do previsto no art. 45 da Lei nº 9.615/1998, independente da ocorrência de dano durante a execução do contrato firmado.

Idealizando a obrigação na contratação do seguro e da cláusula penal como forma de aplicar uma sanção ao clube que descumprir a lei, temos mais um objeto a ser abordado: os efeitos da lesão e o tempo de tratamento.

O Ministro do Trabalho Guilherme Augusto Caputo Bastos3 aponta, em sua obra sobre Direito Desportivo, que as lesões decorrentes da prática desportiva não devem ser equiparadas ao acidente de trabalho que estamos acostumados a estudar quando se trata de trabalhador comum. E complementa: “Tampouco há a figura do auxílio-acidente, estabilidade, suspensão do contra-to nem afastamento, até porque, não raro, as lesões são suportadas dentro das instalações da própria entidade desportiva”.

Buscando decisões acerca do entendimento da Corte Trabalhista, per-cebe-se que o entendimento formado e que vem sendo firmado pelo Tribunal Superior do Trabalho é o de que o recebimento do seguro só deverá ocorrer quando comprovada a lesão grave que importe invalidez permanente ou morte, dentro dos termos estabelecidos no contrato de seguro entre clube e atleta4, não sendo cabível o recebimento quando o acidente de trabalho não gerar incapa-cidade ou invalidez permanente (total ou parcial) e quando o atleta demonstrar que o tratamento utilizado trouxe recuperação total e eficiente.

O entendimento apontado supra é totalmente subjetivo, ou seja, os casos deverão ser julgados cautelosamente, sendo observados todos os aspectos e de-penderão basicamente da forma de interpretação e compreensão que o julgador

3 BASTOS, Guilherme Augusto Caputo. Direito desportivo. Brasília: Alumnus, 2014. p. 57.4 Exemplo desse entendimento: os termos e fundamentos encontrados no acórdão do Recurso Ordinário

nº 1226-16.2011.5.18.0006.

Page 135: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������135

terá ao deparar-se com o tema e busque uma solução que seja efetiva para todas as partes processuais, tudo isso enquanto a solução mais correta, que é aquela que vem do Poder Legislativo, seja elaborada, votada e passe a fazer parte do nosso mundo jurídico.

Importa destacar o tema referente ao valor da indenização.

A lei desportiva, em seu multimencionado art. 45, prevê que a inde-nização deverá ter valor mínimo e esse valor deve corresponder ao valor da remuneração anual pactuada. Como é de conhecimento, o contrato de trabalho desportivo tem prazo e esse prazo é de, no mínimo, três meses e, no máximo, de cinco anos. Sendo firmado um contrato de trabalho entre uma entidade des-portiva e um atleta profissional pelo prazo de cinco meses, é válido e justo de-finir que o valor de indenização securitária deverá ser equivalente e estipulado como da remuneração anual? A meu ver, a aplicação da proporcionalidade seria inadmissível no Direito, pois deveríamos ter uma legislação que seja pro-porcional e que tenha aplicação proporcional equivalente, o que é defeso em termos de direito.

Por fim, a título de conclusão do presente tópico, por falta de previsão le-gal, no cálculo da indenização não será possível incluir as férias, o FGTS e o 13º salário. A indenização deverá incluir as verbas que, para o atleta, possuem natu-reza salarial, que são as correspondentes ao salário e as que possuem natureza de remuneração, que são as luvas, o direito de arena e o bicho, por exemplo.

3 acidente de trabalhO – aspectOs trabalhistas e previdenciáriOs

A Constituição Federal de 1988 trouxe, em seu art. 7º, inciso XXII, a previsão do direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, assegurando aos trabalhadores, incluindo os atletas profissionais, as normas de higiene, saúde e segurança.

Como já mencionado, o corpo do atleta é, falando de forma primitiva, o seu principal, senão o único, meio de trabalho. Os acidentes de trabalho que ocorrem aos atletas são bem diferentes dos que ocorrem ao trabalhador comum, pois o atleta, corriqueiramente, vem a sofrer lesões, contusões, distensões, pro-blemas nas articulações, nos joelhos, no tendão e muitos outros problemas mé-dicos e físicos.

Não podemos falar em acidente de trabalho sem antes conceituarmos a sua ocorrência, os seus requisitos e as previsões legais sobre o tema.

Acidente de trabalho é todo infortúnio que ocorre fora dos padrões do exercício da profissão a serviço do empregador, no caso desportivo, a serviço da entidade desportiva contratante. Segundo o art. 19 da Lei nº 8.213/1991, o acidente de trabalho é aquele que provoca, ao empregado, uma lesão corpo-

Page 136: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

136 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

ral ou uma perturbação funcional que venha a causar a morte ou a perda ou redução, seja ela de caráter permanente ou temporário, da capacidade para o trabalho.

No artigo seguinte, o art. 20, a lei traz em seu texto o que pode ser con-siderado acidente de trabalho: a doença profissional e a doença do trabalho. A doença profissional é assim denominada quando é produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da re-lação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Previdência. A doença do traba-lho, por sua vez, é aquela que é adquirida ou desencadeada em razão de con-dições especiais em que o trabalho é realizado e que se relacione diretamente.

Necessário destacar que a doença degenerativa, a doença inerente a gru-po etário e a doença que não cause incapacidade laborativa não serão conside-radas, por motivos lógicos, doenças do trabalho.

Aplicando ao Direito Desportivo, será considerada doença profissional, por exemplo, o estiramento muscular. O que, consequentemente, caracteriza também a ocorrência do acidente de trabalho, pois acontece em decorrência do exercício das funções de trabalho do atleta.

Em outras palavras, mencionando o que ensina Álvaro Melo Filho5, te-mos que o desporto é uma das profissões que tem um rápido desgaste físico, agravado pela competitividade que gera, muitas vezes, a desvalorização do atleta por consequência das contusões, lesões e acidentes de trabalho que ve-nham a causar algum tipo de incapacidade.

Assim sendo, comprova-se a necessidade de medidas legais que visam a proteger o atleta do presente e estabelecendo uma perspectiva de um futuro programado e que garanta condições dignas e humanas ao profissional que, diante de toda exposição física e do desgaste ao qual está suscetível, não possui um longo tempo de atividade profissional.

No aspecto previdenciário, a legislação atual será aplicada ao atle-ta profissional e este gozará de todos os direitos e benefícios previstos na Lei nº 8.213/1991.

Os atletas profissionais de futebol são segurados do sistema previden-ciário brasileiro, na condição de empregados, sendo segurados obrigatórios da Previdência Social e descontando o valor correspondente à contribuição previ-denciária legal.

Assim, ocorrendo o acidente do trabalho, o clube deverá emitir o Comu-nicado de Acidente de Trabalho – CAT e o atleta terá legitimidade para receber as prestações acidentárias previstas na lei previdenciária, prevalecendo e apli-

5 MELO FILHO, Álvaro. Nova Lei Pelé: avanços e impactos. Rio de Janeiro: Maquinária, 2011. p. 217.

Page 137: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������137

cando a regra recente estabelecida por meio da Medida Provisória nº 664/2014, que alterou o art. 60, § 3º, da Lei nº 8.213/1991 e passou a determinar que caberá ao empregador pagar o salário do atleta nos primeiros 30 dias de afas-tamento. A partir do 30º dia, a responsabilidade será do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS em realizar o pagamento do benefício correspondente.

Caberá ao INSS a responsabilidade pelo pagamento do benefício, uma vez que, além dos pontos apresentados, os clubes contribuem com o percentual de 5% de sua arrecadação para o Instituto.

O auxílio-acidente, previsto também na Lei nº 8.213/1991, em seu art. 86, só será concedido quando resultarem sequelas que impliquem na redu-ção da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia o segurado e que, após o acidente de trabalho, ficaram assim configuradas.

O contrato de trabalho será suspenso e o tempo levado para o restabele-cimento físico do atleta será prorrogado.

Pela lei trabalhista, na suspensão do contrato de trabalho o dever de pagar pelo salário do empregado-segurado não será do empregador. No entan-to, isso não é o que ocorre na prática desportiva, pois é comum que os clubes continuem pagando os valores correspondentes aos salários do seu jogador, ou uma parte destes, pois, na maioria dos casos, o tratamento médico e a recupe-ração do atleta sempre é acompanhada, como estamos acostumados a ver, por médicos relacionados ao clube contratante.

A mesma lei que traz a previsão do pagamento dos benefícios previden-ciários é a que traz a previsão da estabilidade do empregado acidentado. O art. 118 da referida lei traz a previsão de que o segurado que sofreu o acidente de trabalho terá garantida a manutenção do seu contrato de trabalho na empre-sa pelo prazo mínimo de doze meses, sendo esse prazo contabilizado a partir da cessação do auxílio-doença acidentário, não dependendo do recebimento do auxílio-acidente.

Lembrando que o contrato de trabalho do atleta profissional é por prazo determinado, destacando que, a meu ver, a expressão “prazo determinado” é formada por uma redundância, pois todo prazo é determinado, temos que o tempo mínimo do contrato celebrado será de três meses e o máximo de cinco anos.

Como seria aplicar a estabilidade a um contrato que tem data programa-da para início e término?

Há discussões doutrinárias acerca do tema. Para alguns doutrinadores, destacando, nesse momento, Andréia Conte Pichetti6, o pensamento é o de que,

6 PICHETTI, Andréia Conte. Curso de direito desportivo sistêmico. São Paulo: Quartier Latin, v. 2, 2010. p. 627.

Page 138: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

138 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

por ser, obrigatoriamente, por tempo determinado, o contrato de trabalho do atleta profissional não acarretará o direito à estabilidade provisória. Para outros, há a estabilidade provisória utilizando como base a Súmula nº 378 do Tribunal Superior do Trabalho, que traz em seu item III a garantia da estabilidade provi-sória de emprego decorrente do acidente de trabalho para os empregados com contrato de emprego por tempo determinado.

Afirma Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga7 que, “desta forma, po-derá haver o entendimento de que o atleta, em razão das características da atividade que desempenha, não faz jus à estabilidade provisória, porém o fato do contrato de trabalho ser por prazo determinado, não terá o condão de afastar tal direito”.

O conceito da estabilidade é a permanência do empregado no emprego, restringindo o empregador de dispensá-lo por qualquer motivo, exceto nos ca-sos de falta grave ou extinção da atividade da empresa. É uma medida utilizada para concretizar o princípio da continuidade da relação de emprego.

No direito do trabalho, há a ocorrência da reintegração do empregado ao cargo ocupado quando, na condição de estável, foi dispensado pelo emprega-dor sem justo motivo ou falta grave.

Nesses casos, a Justiça do Trabalho determina, seguindo os ritos legais, que seja o empregado reintegrado ao trabalho e que cumpra o período de esta-bilidade restante e correspondente. No entanto, há casos em que já resta confi-gurado que o retorno do empregado não lhe trará benefícios, pois o ambiente de trabalho torna-se insustentável e não faz bem à saúde do empregado conviver e trabalhar em uma situação dessas. Nesses casos, a justiça tem se posicionado pelo pagamento dos salários correspondentes ao período estável, como forma de indenização pela ausência de possibilidade de reintegração.

No caso do empregado com contrato a termo, especificando o atleta pro-fissional, entendo que alguns aspectos devem ser avaliados, destacando princi-palmente: a vontade e o relacionamento das partes.

O contrato por prazo determinado, como assim é chamado na doutrina, atende também ao princípio da livre iniciativa trabalhista, o que defende que o empregado deve sempre buscar condições satisfatórias de trabalho e proteção, desde que seja lícita a atividade.

Isso faz com que o jogador, imaginando no cenário do futebol, sempre busque o clube que melhor atender aos seus objetivos e que lhe ofereça as me-

7 VEIGA, Maurício de Figueiredo Corrêa da. Direito do trabalho e desporto. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 205.

Page 139: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������139

lhores condições de trabalho e de sociabilidade, afinal, esse é um dos objetivos do emprego: sociabilizar o trabalhador ao meio.

Assim, continuando o raciocínio, se o jogador tiver um bom relaciona-mento com o clube e tiver a possibilidade de comprovar, deverá ser detentor da estabilidade provisória. Além do que, se a lesão que causou o acidente e ocasio-nou o recebimento do benefício previdenciário foi sanada, mas o jogador ainda não recuperou todo o seu condicionamento físico anterior, deverá o clube ser obrigado a obedecer a regra de estabilidade, pois, sem condicionamento físico adequado, nenhum outro clube terá interesse em contratar o jogador assim que encerrado o contrato estabelecido com o clube em que trabalhava ao em tempo do acidente.

Em outro aspecto, estando o jogador na condição de estável e sofrendo com retaliações internas ou, em outros termos, o ambiente de trabalho não tem sido propício ao desejável para execução das suas atividades, o mesmo deverá pleitear o término do vínculo com o clube, da estabilidade, e pedir pela inde-nização referente ao período estável que não será gozado por responsabilidade do empregador.

Não existem posicionamentos jurisprudenciais firmados sobre esse as-pecto no direito trabalhista-desportivo, reforçando que o posicionamento e as ideias expressadas são puramente de título argumentativo.

Por fim, reforçando sobre o tema do seguro obrigatório já apresentado e conectando-o ao acidente de trabalho, resta destacar que, independente do be-nefício previdenciário concedido e das questões trabalhistas e previdenciárias a serem observadas, se o acidente de trabalho for caracterizado, o jogador ou o beneficiário apontado, farão jus ao pagamento do valor assegurado como inde-nização na apólice do seguro realizado entre o clube e a empresa seguradora.

4 respOnsabilidade civil das entidades despOrtivas

Traz a Constituição Federal em seu art. 7º, XXVIII, que é direito funda-mental do trabalhador o “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do em-pregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.

Como já discutido e apresentado, torna-se impossível dissociar a relação de trabalho do atleta profissional de futebol com as lesões sofridas em decorrên-cia do trabalho prestado. As lesões ocorrem diante da demanda de força, resis-tência e determinação destinadas pelos jogadores em razão da competitividade existente nos jogos realizados.

Assistir aos jogos de futebol faz com que presenciemos várias lesões, sejam elas leves ou graves e que podem resultar na incapacidade de continuar

Page 140: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

140 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

o jogo, sendo, assim, uma incapacidade denominada súbita, ou, na incapacida-de temporária, que afastará o jogador de alguns jogos futuros ou até mesmo a incapacidade definitiva, que fará com que o atleta fique afastado totalmente de toda e qualquer prática desportiva.

No entanto, apesar de assistirmos e estarmos afeitos a essa situação, é necessário, no mundo jurídico desportivo e trabalhista, refletirmos sobre as con-sequências dessas lesões.

Nessa reflexão, surge a responsabilidade civil dos clubes perante o joga-dor que veio a sofrer determinada lesão física.

Traz Guilherme Augusto Caputo Bastos8, em sua obra, que a responsabi-lidade civil poderá “ser definida como a obrigação de reparar o dano causado por uma pessoa a outra, fundada na ideia de contraprestação equivalente ao resultado antijurídico de determinada atividade” (grifo original).

A conduta, o resultado antijurídico, o nexo causal entre a conduta e o resultado e, em regra, o dolo ou a culpa do agente são os requisitos necessários para a configuração da responsabilidade que aqui discutimos.

Destrinchando cada requisito, resumidamente, temos que a conduta po-derá ser omissiva ou comissiva, ou seja, envolve o fato de atuar ou não atuar nos casos em que a legislação determina, por meio de obrigação, a conduta a ser praticada. O resultado antijurídico é a configuração de que algo gerou um fato que vai de encontro ao proposto pela norma jurídica, ou seja, o fato que gerou um dano. O nexo causal entre a conduta e o resultado é o elo que liga a conduta do agente e o resultado obtido diante de tal conduta. Por fim, o dolo ou a culpa do agente, como conhecidos juridicamente, compreendem o fato de observar se a intenção do agente, na ocorrência do fato, decorreu da vontade ou não. É desse requisito que surgem as duas teorias que tratam do assunto.

Responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva. Essas são as duas teorias que tratam da responsabilidade do empregador em indenizar civilmente o seu empregado quando este vem a sofrer qualquer dano relaciona-do ao desempenho das funções que fora contratado para exercer.

A primeira teoria é baseada na teoria do risco e está prevista no parágrafo único do art. 927 do Código Civil. Para essa teoria, mesmo ausente a conduta culposa ou dolosa do empregador, há a obrigação de reparar, desde que haja a previsão legal para tanto ou que a empresa exerça uma atividade que caracteri-ze a possibilidade de risco potencial à integridade física e psíquica do trabalha-dor. No entendimento dos estudiosos da área trabalhista, a atividade de risco

8 BASTOS, Guilherme Augusto Caputo. Direito desportivo. Brasília: Alumnus, 2014. p. 163.

Page 141: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������141

é a que expõe o empregado a uma chance maior de sofrer acidentes, quando comparado a outros trabalhadores.

A segunda teoria é baseada na teoria da culpa e defende que só haverá a obrigação de indenizar se surgir a conduta, dolosa ou culposa, do empregador, o nexo causal entre o evento danoso e a atividade desenvolvida pelo empregado.

Na justiça trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho tornou encerrada a discussão acerca de qual teoria seria aplicada na relação de trabalho, enten-dendo ser aplicada a teoria da responsabilidade objetiva, incluindo os casos de acidente de trabalho, pois trata-se de garantia adicional aos trabalhadores em conformidade com todos os direitos e garantias previstos no art. 7º da Carta Maior.

Com isso, a atividade de risco sempre será avaliada e decidida caso a caso.

Como uma das características do contrato de trabalho é o fato deste ser sinalagmático, temos que ambas as partes, atleta e clube, possuem obrigações recíprocas e devem ser observadas para a caracterização da responsabilidade civil nos casos apresentados.

Ao mesmo tempo em que caberá ao empregador realizar todos os es-forços possíveis para assegurar a recuperação do atleta e manter em dia a re-muneração pactuada, caberá ao jogador apresentar-se à entidade desportiva atendendo as instruções por ela apresentadas, empenhar-se para garantir a sua total recuperação no tempo previsto e cumprir as obrigações compatíveis com o contrato de trabalho firmado.

A título de ilustração e tentando exemplificar a questão da responsabili-dade de forma mais didática e compreensível, temos como exemplo o acórdão proferido pelo Tribunal Superior do Trabalho em sede de recurso de revista no processo ajuizado por jogador de futebol contra o Joinville Esporte Clube.

No caso apresentado, o jogador, ora demandante, comprovou que en-cerrou a sua carreira ou sofreu uma lesão na cartilagem do calcanhar durante um jogo de futebol.

No julgamento do recurso de revista mencionado, o Ministro Walmir Oliveira da Costa9 entendeu que, no caso apresentado, a competitividade e o desgaste físico são os fatores responsáveis pela desvalorização do atleta em sua profissão e, aplicando a teoria da responsabilidade objetiva do empregador, condenou o clube ao pagamento de indenização por danos morais e materiais.

Para o Ministro, a obrigação dos times profissionais é a de cuidar e pre-servar a saúde física dos seus jogadores, reparando os possíveis danos advindos da prática profissional. Diante da obrigação entendida pelo Ministro, adquire-se

9 Recurso de Revista nº 393600-47.2007.5.12.0050, Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa.

Page 142: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

142 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

a responsabilidade objetiva de, independentemente de culpa, reparar o dano causado, aumentando essa responsabilidade quando do não cumprimento do que prevê a lei desportiva em relação à contratação do seguro para o atleta.

Em contrapartida, não se pode deixar de falar do art. 2º da CLT, que de-fine que empregador é aquele que assume os riscos da atividade econômica, o que faz com que o entendimento seja o de que a própria lei trabalhista adota a teoria objetiva da responsabilidade civil em relação aos danos causados ao empregado no momento em que está executando o seu contrato de trabalho.

Portanto, os riscos que correm os atletas durante a execução do contrato de trabalho são inerentes ao desporto praticado e, por esse motivo, justificam, por si só, a adoção da teoria da responsabilidade objetiva quando da ocorrên-cia do acidente de trabalho ao clube que figura como empregador da relação trabalhista-desportiva. Tudo isso sendo reforçado quando, por ato voluntário, o clube não restou com a obrigação de contratar o seguro previsto no art. 45 da Lei nº 9.615/1998. Restando a exceção a essa regra apenas quando o dano ocorreu por culpa exclusiva do atleta, desde que comprovada, ou quando este concorreu para que o dano acontecesse.

referências

BARROS, Marcelo Jucá; GRAICHE, Ricardo; TRINDADE, Sandro Maurício de Abreu. Vade mecum de direito desportivo. São Paulo: Quartier Latin, 2014.

BASTOS, Guilherme Augusto Caputo. Direito desportivo. Brasília: Alumnus, 2014.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de direito do trabalho. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.

MACHADO, Rubens Aprobatto; LANFREDI, Luís Geraldo Sant’Anna; TOLEDO, Otávio Augusto de Almeida; SAGRES, Ronaldo Crespilho; NASCIMENTO, Wagner (Org.). Curso de direito desportivo sistêmico. São Paulo: Quartier Latin, v. 2, 2010.

MANCILHA, Hudson Luiz França. Justiça desportiva e acesso ao Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direitos trabalhistas do atleta profissional de futebol. São Paulo: Atlas, 2011.

MELO FILHO, Álvaro. Nova Lei Pelé: avanços e impactos. Rio de Janeiro: Maquinária, 2011.

OLIVEIRA, Leonardo Andreotti Paulo de (Coord.). Direito do trabalho e desporto. São Paulo: Quartier Latin, 2014.

VEIGA, Maurício de Figueiredo Corrêa da; SOUSA, Fabrício Trindade de. A evolução do futebol e das normas que o regulamentam: aspectos trabalhista-desportivos. 2. ed. São Paulo: LTr, 2014.

Page 143: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Parte Geral – Jurisprudência

9136

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.658.692 – MA (2014/0118478‑3)Relatora: Ministra Nancy AndrighiRecorrente: Serveng Civilsan S/A Empresas Associadas de EngenhariaAdvogados: João Batista da Rocha e outro(s) – SP005071

Ruy Janoni Dourado e outro(s) – SP128768A Francisco Corrêa De Camargo e outro(s) – SP221033 Massami Uyeda Junior e outro(s) – SP116045 Karina Lochetti e outro(s) – SP346182 Cezar Degraf Matheus – DF042687

Recorrido: Construmaq Construções e Máquinas Ltda. – ME – MicroempresaAdvogados: Oscar Luís de Morais e outro(s) – DF004300

Eriko José Domingues da Silva Ribeiro e outro(s) – MA004835 Carlos Seabra de Carvalho Coelho e outro(s) – MA004773 Arthur de Castilho Neto e outro(s) – DF000846A Vilmar Medeiros Simões e outro(s) – DF017480 Sâmara Costa Braúna e outro(s) – MA006267 Armando Serejo e outro(s) – MA006921 Carlos Armando Alves Serejo Edilson Costa Veras e outro(s) – MA006894

Advogados: Renata Alves Ribeiro Assunção e outro(s) – DF037083 Hugo Leonardo Sousa Soares e outro(s) – MA012478

ementa

direitO prOcessual civil e civil – recursO especial – açãO de reparaçãO de danOs materiais e cOmpensaçãO de danOs mOrais – inadimplementO de cOntratO de lOcaçãO de eQuipamentOs – negativa de prestaçãO jurisdiciOnal – nãO OcOrrência – cerceamentO de defesa – prOduçãO de prOva pericial e Oral – reexame de fatOs e prOvas – inadmissibilidade – alegaçãO de OcOrrência de julgamentO ultra petita – preQuestiOnamentO – ausência – súmula nº 211/stj – reparaçãO dOs danOs materiais – fundamentO dO acórdãO nãO impugnadO – súmula nº 283/stf – fundamentaçãO – deficiência – súmula nº 284/stf – inadimplementO cOntratual – danO mOral afastadO – hOnOráriOs advOcatíciOs – reexame de fatOs e prOvas – inadmissibilidade

1. Ação ajuizada em 14.01.2011. Recurso especial atribuído ao gabinete em 26.08.2016. Julgamento: CPC/1973.

Page 144: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

144 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

2. O propósito recursal é decidir: i) se houve negativa de prestação juris-dicional na hipótese; ii) se deve ser declarada a nulidade da sentença,em virtude da não produção de prova pericial e oral, e suposta ocorrência de cerceamento de defesa; iii) se houve julgamento ultra petita; iv) se a recorrente deve ser condenada à reparação de danos materiais e com-pensação de danos morais, em virtude de suposto inadimplemento con-tratual; e v) se deve ser reduzida a verba honorária arbitrada.

3. Inexistentes os vícios de omissão, contradição ou obscuridade no acór-dão recorrido, e estando esse devidamente fundamentado, não se carac-teriza a violação dos arts. 131, 165, 458, II, e 535, I e II, do CPC/1973.

4. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível.

5. Para que se configure o prequestionamento, há que se extrair do acór-dão recorrido pronunciamento sobre as teses jurídicas em torno dos dis-positivos legais tidos como violados, a fim de que se possa, na instância especial, abrir discussão sobre determinada questão de direito, definin-do-se, por conseguinte, a correta interpretação da legislação federal.

6. A ausência de decisão acerca dos argumentos invocados pela recor-rente em suas razões recursais impede o conhecimento do recurso es-pecial.

7. A existência de fundamento do acórdão recorrido não impugnado – quando suficiente para a manutenção de suas conclusões – impede a apreciação do recurso especial.

8. A ausência de fundamentação ou a sua deficiência implica o não co-nhecimento do recurso quanto ao tema.

9. Cuidando-se de inadimplemento contratual, a caracterização do dano moral pressupõe muito mais do que o aborrecimento decorrente de um negócio frustrado; é imprescindível que se caracterize uma significativa e anormal violação a direito de personalidade, e, na hipótese de tratar--se de pessoa jurídica, deve representar significativo abalo à reputação, respeitabilidade e credibilidade da empresa, isto é, à sua honra objetiva.

10. Partindo das premissas fáticas delineadas pelo Tribunal de origem, não há, contudo, como conferir à recorrida a pleiteada compensação dos danos morais, tendo em vista o mero inadimplemento contratual por par-te da recorrente, agregado ao fato de inexistência de significativo abalo à honra objetiva da recorrida.

11. Alterar o decidido no acórdão impugnado, no que se refere à razoa-bilidade da verba honorária arbitrada, exige o reexame de fatos e provas, o que é vedado em recurso especial pela Súmula nº 7/STJ.

Page 145: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������145

12. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.

acÓrDão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Ter-ceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). Cezar Degraf Matheus, pela parte Recorrente: Serveng Civilsan S/A Em-presas Associadas de Engenharia.

Brasília (DF), 06 de junho de 2017 (data do Julgamento).

Ministra Nancy Andrighi Relatora

relatÓrio

Cuida-se de recurso especial interposto por Serveng Civilsan S/A Empre-sas Associadas de Engenharia, fundamentado exclusivamente na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ/MA.

Recurso especial interposto em: 26.02.2014.

Atribuído ao gabinete em: 26.08.2016.

Ação: de reparação de danos materiais e compensação de danos morais, ajuizada por Construmaq Construções e Máquinas Ltda. – ME – Microempresa, em desfavor da recorrente, em virtude de suposto inadimplemento de contratos de locação de equipamentos firmados entre as partes (e-STJ fls. 4-21).

Sentença: julgou procedente o pedido para condenar a recorrente i) a título de indenização por perdas e danos, ao pagamento de quantia equivalente a 3 (três) meses dos valores mínimos contratados em cada avença; e ii) a título de compensação dos danos morais, ao pagamento de 10% (dez por cento) do valor apurado a título de indenização por perdas e danos (e-STJ fls. 645-659).

Acórdão: negou provimento à apelação interposta pela recorrente, nos termos da seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA – PRELIMINAR – AGRAVO RETIDO – PROVAS PERICIAL E ORAL DISPENSADAS – AUSÊNCIA DE NULIDADE

Page 146: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

146 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

– RESCISÃO ANTECIPADA DE CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO – INADIMPLEMENTO CONTRATUAL – PERDAS E DANOS – PESSOA JURÍDICA – DANO MORAL CONFIGURADO

I – O destinatário final da prova é o juiz, a quem cabe avaliar quanto à sua efe-tiva conveniência e necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento das diligências desnecessárias. Agravo retido improvido.

II – Não configura sentença ultra petita quando a mesma decide a lide nos limi-tes do pedido do autor.

III – A não observância dos termos contratuais, bem como a rescisão prematura do pacto sem obediência das disposições pactuadas configura o seu inadimple-mento e enseja o dever de reparação das perdas e danos.

IV – A rescisão irregular do contrato, assim como a assinatura de termo de qui-tação, mesmo existindo pendências financeiras causou danos à contratada, en-sejando abalo à sua imagem, caracterizado o dano moral passível de reparação (e-STJ fl. 762).

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram rejeitados (e-STJ fls. 794-804).

Recurso especial: alega violação dos arts. 2º, 20, § 3º e 4º, 128, 130, 131, 165, 330, I, 332, 333, II, 342, 400, 420, 458, II, 460 e 535, I e II, do CPC/1973; 104, 113, 186, 187, 212, II, 304, 324, 386, 422, 472, 473, 884, 901, § 1º, 927 e 944 do CC/2002. Além de negativa de prestação jurisdicional, sustenta que:

i) ocorreu cerceamento de defesa, tendo em vista a necessidade de produção de prova pericial e oral;

ii) a sentença incorreu em julgamento ultra petita, pois o lapso temporal de encerramento de 10 (dez) contratos é inferior à condenação judicial;

iii) a notificação enviada atingiu o fim colimado, tendo a recorrente agido de acordo com os termos do contrato e adimplido com todas as suas obrigações;

iv) não há que se falar em vício na quitação dada pela recorrida;

v) os pagamentos estão demonstrados nos autos, comprovando o cabal adimplemento por parte da recorrente;

vi) na locação de equipamentos, as horas paradas decorrentes de problemas mecânicos não são remuneradas;

vii) a prestação de serviços de alguns equipamentos após a rescisão do contrato não confere direito à recorrida para pleitear o pagamento

Page 147: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������147

dos demais equipamentos como se tivessem prestados serviços após o fim da avença;

viii) o hipotético inadimplemento contratual não enseja dano moral, sendo imperiosa a comprovação de prejuízo à personalidade; e

ix) deve haver a redução do valor arbitrado a título de honorários advocatícios (e-STJ fls. 807-837).

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/MA inadmitiu o recurso especial interposto por Serveng Civilsan S/A Empresas Associadas de Engenharia (e-STJ fls. 929-935), ensejando a interposição de agravo em recurso especial (e-STJ fls. 941-976), que foi provido e reautuado como recurso especial, para melhor exame da matéria (e-STJ fl. 1.045/1.046).

É o relatório.

voto

O propósito recursal é decidir: i) se houve negativa de prestação jurisdi-cional na hipótese; ii) se deve ser declarada a nulidade da sentença, em virtude da não produção de prova pericial e oral, e suposta ocorrência de cerceamento de defesa; iii) se houve julgamento ultra petita; iv) se a recorrente deve ser con-denada à reparação de danos materiais e compensação de danos morais, em virtude de suposto inadimplemento contratual; e v) se deve ser reduzida a verba honorária arbitrada.

aplicaçãO dO códigO de prOcessO civil de 1973, pelO enunciadO administrativO nº 2/stj

i – Da negativa De prestação jUrisDicional (arts. 131, 165, 458, ii, e 535, i e ii, Do cpc/1973)

1. O acórdão recorrido não padece dos vícios de omissão, contradição ou obscuridade, porque, de forma clara e fundamentada, examinou todas as questões levadas à sua apreciação, tendo se manifestado expressamente sobre os argumentos relativos à (i) preclusão pro judicato quanto à produção da prova requerida; (ii) fixação da verba honorária; (iii) aplicação subsidiária do art. 603 do CC/02; e (iv) condenação a título de perdas e danos pelo suposto inadimple-mento contratual – ressaltando que não se justifica somente em razão da resci-são irregular por parte da recorrente, mas também em razão da inadimplência de valores devidos pela prestação do serviço.

2. Na verdade, a pretexto da ofensa aos arts. 131, 165, 458, II, e 535, I e II, a recorrente demonstra seu inconformismo com as conclusões adotadas no acórdão recorrido, o que, conforme a pacífica jurisprudência desta Corte,

Page 148: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

148 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

não autoriza a oposição de embargos de declaração (AgRg-REsp 1.500.251/DF, 3ª T., DJe de 03.05.2016; e REsp 1.434.508/BA, 3ª T., DJe de 04.06.2014).

3. Assim, não se vislumbra a alegada negativa de prestação jurisdicional.

ii – Da alegaDa ocorrência De cerceamento De Defesa (arts. 130, 131, 330, i, 332, 333, ii, 342, 400 e 420 Do cpc/1973) – inciDência Da súmUla nº 7/stj

4. O TJ/MA assim se manifestou a respeito da desnecessidade da produ-ção da prova pericial e oral pleiteada pela recorrente:

No presente caso, verifica-se que as provas pretendidas pela apelante não se mostravam imprescindíveis para formar a convicção do juízo, diante do farto acervo documental juntado aos autos tanto pela parte autora como pela deman-dada, ora apelante.

O juiz não está obrigado a se servir de um perito/expert quando constatar que a prova de determinado fato não depende do conhecimento especial de um técni-co ou que seja desnecessária em virtude de outras provas produzidas nos autos, conforme disposto no art. 420 do CPC.

Ademais, a prova de pagamento, conforme manifestado na sentença, é essen-cialmente documental, sendo, por isso, dispensável a realização de perícia para tal fim.

Do mesmo modo em relação à prova oral, está é dispensável quando o fato que se pretende provar já estiver comprovado por documento ou confissão, o que entendo ser o caso dos autos, razão pela qual não merece qualquer reparo a decisão do Juiz que dispensou a sua produção e encerrou a instrução (e-STJ fls. 769/770) (grifos acrescentados).

5. Assim, alterar o decidido no acórdão impugnado quanto à necessidade de produção das provas requeridas pela recorrente exige o reexame de fatos e provas, o que é vedado em recurso especial pela Súmula nº 7/STJ.

iii – Do jUlgamento Ultra petita (arts. 2º, 128 e 460 Do cpc/1973) – inciDência Da súmUla nº 211/stj

6. A recorrente afirma que faltavam menos de 3 (três) meses para o en-cerramento natural de 10 (dez) dos 21 (vinte e um) contratos firmados entre as partes, insurgindo-se contra a condenação fixada em sentença – e mantida pelo acórdão recorrido – de indenização, a título de perdas e danos, da quantia equivalente a 3 (três) meses dos valores mínimos contratados em cada avença.

7. Quanto ao ponto, assevera que:

Page 149: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������149

Com a correção do período faltante para o termo final do contrato, percebe-se que nos primeiros 10 (dez) contratos faltavam apenas 43, 73 e 78 dias para o encerramento natural do avençado entre as partes, vide planilha de fl. 674.

Vale dizer, o lapso temporal para o encerramento dos contratos acima men-cionados é inferior à condenação judicial. Não faz sentido, data venia, a con-denação em prazo que extrapola o termo final para encerramento do contrato firmado entre as partes, estando aí o disparate aos princípios da demanda e da adstrição (e-STJ fl. 825).

8. No que se refere à alegada ocorrência de julgamento ultra petita, a Corte local afastou a sua ocorrência, “posto que está plenamente de acordo com o pedido alternativo pleiteado na inicial, inexistindo qualquer vício no decisum” (e-STJ fls. 775/776).

9. Com efeito, da leitura da petição inicial, constata-se que a recorrida pleiteia a condenação da empresa ora recorrente ao pagamento integral do con-trato ou, alternativamente, ao pagamento de pelos menos os meses de dezem-bro (2008), janeiro (2009) e fevereiro (2009), de cada contrato, levando-se em consideração a remuneração mínima de 200 horas por mês (e-STJ fl. 18).

10. A sentença proferida, em verdade, julgou procedente o pedido da recorrida para arbitrar a indenização e condenar a recorrente, a título de com-pensação pelas perdas e danos decorrentes do inadimplemento contratual, à quantia equivalente a 3 (três) meses dos valores mínimos contratados em cada avença, adstrita, conforme se vê, ao pedido alternativo formulado pela recor-rida.

11. A recorrente, contudo, vem apresentar argumentos não enfrentados pelo Tribunal de origem quanto à ocorrência de julgamento ultra petita, pois alega que a planilha apresentada pela recorrida apresenta erro de cálculo e que faltavam menos de 3 (três) meses para o encerramento natural de 10 (dez) dos 21 (vinte e um) entabulados entre as partes. Aduz, portanto, que o lapso tem-poral para encerramento dos mencionados contratos é inferior à condenação judicial.

12. Ocorre que, não obstante tenha o TJ/MA se manifestado acerca da não ocorrência do julgamento ultra petita, não se manifestou acerca dos argu-mentos trazidos pela recorrente nas razões de seu recurso especial para funda-mentar o alegado julgamento fora dos contornos da lide.

13. Por oportuno, convém salientar que “para que se configure o pre-questionamento, há que se extrair do acórdão recorrido pronunciamento sobre as teses jurídicas em torno dos dispositivos legais tidos como violados, a fim de que se possa, na instância especial, abrir discussão sobre determinada questão

Page 150: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

150 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

de direito, definindo-se, por conseguinte, a correta interpretação da legislação federal” (AgInt-AREsp 182.685/SP, 4ª T., DJe 05.04.2017).

14. Ressalte-se que, nas razões dos aclaratórios opostos, não há qualquer alegação de omissão, por parte do acórdão recorrido, acerca da análise de tais questões. Destarte, incide quanto ao ponto a Súmula nº 211/STJ, diante da ine-gável ausência de prequestionamento da matéria.

iv – Da reparação Dos Danos materiais (arts. 104, 113, 187, 212, ii, 304, 324, 386, 422, 472, 473, 884 e 901, § 1º, Do cpc/1973) – inciDência Das súmUlas nºs 7 e 211/stj; 283 e 284/stf

15. A recorrente insurge-se contra a condenação à indenização por per-das e danos, sustentando: i) que a recorrida foi notificada previamente acerca do encerramento do liame jurídico, e que a notificação enviada atingiu o fim pretendido; ii) que não há que se falar em vícios na quitação dada por parte da recorrida; iii) que os pagamentos estão comprovados nos autos, comprovando o cabal adimplemento da recorrente; iv) que na locação de equipamentos as horas paradas decorrentes de problemas mecânicos não são remuneradas e, na hipótese de serem, haverá enriquecimento ilícito da contratada; e iv) que a prestação de serviços de alguns equipamentos após a rescisão do contrato não confere direito à recorrida para pleitear o pagamento dos demais equipamentos como se tivessem prestados serviços após o fim da avença.

16. Urge analisar, um a um, os argumentos da recorrente.

17. Quanto ao argumento de validade da notificação enviada à recorri-da, e que se destinaria à comunicação à prestadora de serviço da intenção da recorrente em rescindir antecipadamente o contrato, tem-se que os dispositivos legais tidos por violados, quais sejam, os arts. 113, 187, 422, 472 e 473 do CC/2002 não foram analisados pelo Tribunal de origem, apesar da interposição de embargos de declaração. Por isso, o julgamento do recurso especial é inad-missível. Aplica-se, neste caso, a Súmula nº 211/STJ.

18. E, ainda que transposto mencionado óbice sumular, outro se imporia. É que, quanto à rescisão irregular do contrato por parte da recorrente, o TJ/MA deixou expressamente consignado que:

Os contratos celebrados tinham prazo determinado de duração, que era de 06 (seis) meses e havia previsão de que em caso de rescisão antecipada deveria haver prévia comunicação com 15 (quinze) dias de antecedência. Porém, está comprovado nos autos que alguns contratos foram rescindidos pela demandada sem a prévia comunicação da autora.

Isto se infere pelo fato de que desde o mês de dezembro de 2008 a demandada já havia solicitado a desmobilização de vários equipamentos, conforme se ob-

Page 151: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������151

serva do documento de fls. 163/164, datado de 09.12.2008, que traz a lista de 11 (onze) máquinas que deveriam ser retiradas do canteiro de obras pela autora, com urgência, conforme comunicação eletrônica de fl. 163, que assim expôs “Qualquer cobrança que venha ocorrer a partir desta data, será desconside-rada.” (sic)

Além disso, verifica-se que o e-mail enviado para a empresa Contrumaq pela Serveng a título de notificação da rescisão do contrato, datada de 08.01.2009, se traduz em verdade numa ordem de paralisação dos serviços, não se carac-terizando a comunicação prévia, tal como previsto nos pactos, para efeito de tornar legítima a rescisão antecipada das avenças.

[...]

A previsão nos contratos celebrados entre a Serveng e a Construmaq de que haveria uma prévia notificação sobre a rescisão do pacto assim dispunha a refe-rida cláusula:

“A locatária poderá rescindir o presente instrumento a qualquer tempo, in-dependentemente de pagamento de multas e/ou indenizações, mediante aviso prévio com antecedência mínima de 15 (quinze) dias.”

Assim, observa-se que a finalidade da referida comunicação prévia é evitar sur-presas e, consequentemente, danos para a empresa locadora, possibilitando que a mesma desse início aos procedimentos de desmobilização dos equipamentos com antecedência.

Desse modo, resta inequívoco que, no momento em que a apelante envia um e-mail informando que a partir daquela data estão suspensos os serviços e os pagamentos relativos aos contratos em andamento em relação à Obra 2414, tal conduta afrontou o contrato celebrado entre as partes e a boa-fé objetiva, cau-sando inevitáveis prejuízos materiais à autora, a qual foi surpreendida com súbi-ta rescisão dos pactos.

A simples previsão de que em 15 (quinze) dias os contratos já estariam defini-tivamente rescindidos serviu apenas para preencher uma formalidade, pois não se traduziu numa prévia comunicação, na medida em que a suspensão dos tra-balhos e dos pagamentos se deu de forma iminente, ou seja, na data daquela comunicação, conforme se infere dos documentos anexados pela demandada às fls. 281/297, os quais comprovam que os equipamentos neles descritos foram desmobilizados na mesma data da comunicação, ou seja, em 08.01.2009 (e-STJ fls. 772/773).

19. Logo, alterar o decidido no acórdão impugnado, no que se refere à validade da notificação enviada pela recorrente, exige o reexame de fatos e provas, o que é vedado em recurso especial pela Súmula nº 7/STJ.

Page 152: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

152 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

20. Na sequência, no que se refere ao argumento de ausência de vícios quanto ao termo de rescisão assinado pela recorrida, dando plena quitação dos débitos devidos, tem-se que o acórdão recorrido também não decidiu acerca dos arts. 104, 324, 326 e 901, § 1º, do CC/2002, indicados como violados, apesar da interposição de embargos de declaração. Por isso, o julgamento do recurso especial quanto ao ponto também é inadmissível, em virtude da aplica-ção da Súmula nº 211/STJ.

21. Quanto ao argumento de demonstração dos pagamentos efetuados e alegada violação dos arts. 212, II, e 304 do CC/2002, verifica-se que a recorren-te não impugnou o seguinte fundamento utilizado pelo TJ/MA:

Com relação aos pagamentos, constata-se que a demandada juntou aos autos várias notas fiscais referentes ao período de novembro/2008 a fevereiro/2009, cujo montante nelas elencado não guarda relação com os valores constantes dos comprovantes de depósitos por ela supostamente realizados em favor da Contrumaq e dos terceiros prejudicados, não se tratando de prova plena e inde-ne de dúvidas acerca dos valores devidos dos contratos. Ressalte-se que os cita-dos depósitos e transferências teriam sido efetuados entre o período de novem-bro/2008 a julho/2009, ou seja, muito após a assinatura dos termos de rescisão, além de estarem desacompanhados de uma planilha de créditos e débitos, de modo que não de mostram suficientes para configurar que os valores devidos foram pagos (e-STJ fl. 774).

22. Assim, não impugnado esse fundamento, deve-se manter o acórdão recorrido. Aplica-se, neste caso, a Súmula nº 283/STF.

23. Quanto à alegada violação do art. 884 do CC/2002 – em virtude de suposto enriquecimento ilícito – verifica-se, novamente, ausência de preques-tionamento do mencionado dispositivo legal, com a consequente aplicação da Súmula nº 211/STJ quanto ao ponto.

24. Por fim, quanto ao argumento de que a prestação de serviços de alguns equipamentos após a rescisão do contrato não confere direito à recor-rida para pleitear o pagamento dos demais equipamentos como se tivessem prestados serviços após o fim da avença, verifica-se que a recorrente aponta a violação do art. 304 do CC/2002.

25. No entanto, os argumentos invocados pela recorrente não demons-tram como o acórdão recorrido violou mencionado dispositivo legal. Isso por-que tal dispositivo dispõe que “Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exonera-ção do devedor”, preceito este que não guarda qualquer correlação com a tese do recorrente. Aplica-se, na espécie, a Súmula nº 284/STF.

Page 153: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������153

iv – Da compensação Dos Danos morais (arts. 186, 927 e 944 Do cc/2002)

26. Como consabido, a pessoa jurídica, por ser titular de honra objetiva, faz jus à proteção de sua imagem, seu bom nome e sua credibilidade. Por tal motivo, quando os referidos bens jurídicos forem atingidos pela prática de ato ilícito, surge o potencial dever de indenizar.

27. Tal entendimento foi, inclusive, albergado pela Súmula nº 227/STJ, que prevê que “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.

28. Convém destacar que a pessoa jurídica, por não possuir honra sub-jetiva (dignidade, autoestima, amor próprio), somente pode sofrer dano moral por ofensa à honra objetiva (reputação, respeitabilidade, credibilidade) (REsp 1.316.149/SP, 3ª T., DJe 27.06.2014).

29. Não se pode descurar, ainda, do entendimento perfilhado por esta Corte no sentido de que o mero inadimplemento contratual não causa, por si só, dano moral a ser compensado.

30. Afinal, no âmbito das relações negociais, em regra, o descumprimen-to de quaisquer das obrigações pelas partes se resolve na esfera patrimonial, mediante a reparação de danos emergentes e/ou lucros cessantes, do pagamen-to de juros, de multas, etc.

31. Quer dizer, cuidando-se de inadimplemento contratual, a caracteri-zação do dano moral pressupõe muito mais do que o aborrecimento decorrente de um negócio frustrado; é imprescindível que se caracterize uma significativa e anormal violação a direito da personalidade, e, na hipótese de tratar-se de pes-soa jurídica, deve representar significativo abalo à reputação, respeitabilidade e credibilidade da empresa, isto é, à sua honra objetiva.

32. Na hipótese dos autos, o TJ/MA, quanto à configuração dos danos morais, asseverou que:

Por fim, com relação ao dano moral, é tema absolutamente pacífico (Súmula nº 227 do Superior Tribunal de Justiça), e hoje positivado no art. 52 do Código Civil, que as pessoas jurídicas são titulares de certos direitos da personalidade e podem sofrer danos morais.

[...]

Assim, o que se indeniza é o dano à imagem da pessoa jurídica, fator essencial para o sucesso da empresa, diante do meio em que desempenha suas ativida-des. O que se preserva é a formação da imagem abstrata e não visual, da enti-dade diante do mundo dos negócios e do próprio consumidor.

No presente caso, restou configurada conduta dolosa da apelante no que se re-fere ao seu inadimplemento contratual que ensejou prejuízos financeiros à ape-lada e lhe causou uma imagem negativa entre as empresas que atuam no mes-

Page 154: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

154 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

mo ramo de atividade, posto que não conseguiu adimplir com suas obrigações. Este fato, por si só, já configurou o dano moral à imagem da apelada, ensejando o dever de reparar (e-STJ fl. 776) (grifos acrescentados).

33. Da análise dos fundamentos utilizados pela Corte local para conferir o direito à recorrida de se ver compensada pelos danos morais eventualmente sofridos, verifica-se que o TJ/MA apenas aponta genericamente que o inadim-plemento contratual por parte da recorrente causou uma imagem negativa da recorrida, frente às empresas que atuam no mesmo ramo de atividade.

34. Inclusive, na própria petição inicial, constata-se que a recorrida li-mita-se a sustentar que “a empresa requerida não pagou o que devia e gerou enormes prejuízos de ordem patrimonial e extrapatrimonial para a empresa re-querente, inviabilizando o seu funcionamento e jogando na lama o nome do empreendimento, devendo, portanto, ser condenada ao pagamento do dano moral correspondente” (e-STJ fl. 16).

35. Não diferente, a sentença cinge-se a mencionar que “a parte que dá ensejo à rescisão unilateral do contrato e não paga os valores devidos, atua de forma ilícita, causando prejuízo à saúde financeira da credora, devendo, pois, ser condenada a reparar os danos causados, tanto de ordem material, quanto de ordem moral” (e-STJ fl. 657).

36. Assim, partindo das premissas fáticas delineadas pelo Tribunal de origem, não há, contudo, como conferir à recorrida a pleiteada compensação dos danos morais, tendo em vista o mero inadimplemento contratual por parte da recorrente, agregado ao fato de inexistência de significativo abalo à honra objetiva da recorrida.

v – Dos honorários aDvocatícios (art. 20, § 3º e § 4º, Do cpc/1973)

37. O Juízo de 1º grau fixou os honorários advocatícios no percentual de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, tendo o TJ/MA mantido a sentença quanto ao ponto ao destacar que os mesmos foram fixados dentro das balizas do art. 20 do CPC/1973 e de acordo com o grau de zelo e complexidade da demanda.

38. A recorrente, por sua vez, insurge-se contra o percentual fixado, pug-nando pela sua redução e fixação no patamar mínimo de 10% (dez por cento), pois os advogados da recorrida estariam sediados no local da prestação do ser-viço, praticando apenas alguns atos processuais, alegando, ainda, que não hou-ve instrução probatória e que o processo transcorria, à época da interposição do recurso especial, por pouco mais de dois anos.

Page 155: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������155

39. Ocorre que alterar o decidido no acórdão impugnado, no que se refere à razoabilidade da verba honorária arbitrada, exige o reexame de fatos e provas, o que é vedado em recurso especial pela Súmula nº 7/STJ.

Forte nessas razões, conheço parcialmente do recurso especial interposto por Serveng Civilsan S/A Empresas Associadas de Engenharia e, nessa parte, dou-lhe provimento, para afastar a sua condenação a título de danos morais.

Em face da sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, mantido quanto a esses o valor fixado na sentença (e-STJ fl. 659), suportados na proporção de 50% (cinquenta por cento) pela recorrente e 50% (cinquenta por cento) pela recorrida.

certiDão De jUlgamento terceira tUrma

Número Registro: 2014/0118478-3

Processo Eletrônico REsp 1.658.692/MA

Números Origem: 159132014 201328043 280432013 42702011 44617620118100001 465352013 85712014

Pauta: 06.06.2017 Julgado: 06.06.2017

Relatora: Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Alpino Bigonha

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

aUtUação

Recorrente: Serveng Civilsan S/A Empresas Associadas de Engenharia

Advogados: João Batista da Rocha e outro(s) – SP005071 Ruy Janoni Dourado e outro(s) – SP128768A Francisco Corrêa de Camargo e outro(s) – SP221033 Massami Uyeda Junior e outro(s) – SP116045 Karina Lochetti e outro(s) – SP346182 Cezar Degraf Matheus – DF042687

Recorrido: Construmaq Construções e Máquinas Ltda. – ME – Microem-presa

Advogados: Oscar Luís de Morais e outro(s) – DF004300 Eriko José Domingues da Silva Ribeiro e outro(s) – MA004835

Page 156: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

156 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Carlos Seabra de Carvalho Coelho e outro(s) – MA004773 Arthur de Castilho Neto e outro(s) – DF000846A Vilmar Medeiros Simões e outro(s) – DF017480 Sâmara Costa Braúna e outro(s) – MA006267 Armando Serejo e outro(s) – MA006921 Carlos Armando Alves Serejo Edilson Costa Veras e outro(s) – MA006894

Advogados: Renata Alves Ribeiro Assunção e outro(s) – DF037083 Hugo Leonardo Sousa Soares e outro(s) – MA012478

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de contratos – Locação de móvel

sUstentação oral

Dr(a). Cezar Degraf Matheus, pela parte Recorrente: Serveng Civilsan S/A Empresas Associadas de Engenharia

certiDão

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígra-fe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e, nesta parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze (Presidente) e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Minis-tra Relatora.

Page 157: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Parte Geral – Jurisprudência

9137

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.671.930 – SC (2017/0111890‑3)Relator: Ministro Og FernandesRecorrente: Fazenda NacionalRecorrido: Eriberto BretzkeAdvogado: Israel Berns – SC029083

ementa

prOcessual civil – recursO especial – hOnOráriOs advOcatíciOs – embargOs à execuçãO fiscal – redireciOnamentO – sóciO-gerente – hOnOráriOs advOcatíciOs – prOveitO ecOnÔmicO

1. A controvérsia diz respeito à identificação de qual seria o proveito eco-nômico a ser considerado na fixação dos honorários advocatícios pelo acolhimento dos embargos do devedor.

2. Os honorários advocatícios, por expressa disposição legal, devem ser fixados com base no proveito econômico obtido, na forma do § 2º do art. 85 do CPC/2015. Esse regramento torna evidente que a sucumbência é o parâmetro fundamental para a definição da verba advocatícia.

3. Deve-se ter em conta, como proveito econômico, o potencial que a ação ajuizada ou o expediente utilizado possui na esfera patrimonial das partes, pois, no caso dos autos, se fosse permitido o curso do executivo fiscal, os bens do embargante estariam sujeitos à constrição até o limite da dívida excutida, e não unicamente ao montante em que efetivada a penhora.

4. Recurso especial a que se nega provimento.

acÓrDão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indica-das, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Mi-nistro Relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães (Presidente) e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

Page 158: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

158 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Dra. Marise Correia de Oliveira (ex lege), pela parte recorrente: Fazenda Nacional

Brasília, 27 de junho de 2017 (data do Julgamento).

Ministro Og Fernandes Relator

relatÓrio

O Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de recurso especial interposto pela Fazenda Nacional, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão oriundo do TRF da 4ª Região, assim ementado:

EMBARGOS À EXECUÇÃO – EXCLUSÃO DA PARTE DO POLO PASSIVO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – VALORES – ART. 85 E PARÁGRAFOS DO CPC/2015

Não se tratando de causa em que o proveito econômico é inestimável ou irri-sório, tampouco sendo o valor da causa muito baixo, não há se falar em apre-ciação equitativa dos honorários advocatícios (art. 85, § 8º). O valor da verba sucumbencial deve ser fixado de acordo com as regras do art. 85 §§ 2º a 5º, do NCPC, considerando-se como proveito econômico o valor atualizado da causa.

Os embargos de declaração interpostos pela Fazenda Nacional foram rejeitados.

Em suas razões, a recorrente aponta violação do art. 85, §§ 3º e 8º, do CPC/2015.

Sustenta, em síntese, que, no caso dos autos, não se pode entender como proveito econômico da parte excluída do polo passivo da ação o valor integral da execução fiscal que lhe foi direcionada.

Acrescenta que nem sempre o valor da causa influi na importância da matéria debatida nos autos para fins de fixação dos honorários advocatícios, e que o Superior Tribunal de Justiça vem reduzindo a condenação a tal título, quando considera exorbitante e desproporcional o valor da verba honorária diante do trabalho desenvolvido nos autos pelos advogados da parte vencedora.

Contrarrazões recursais apresentadas às e-STJ, fls. 401/410.

Admitido o recurso especial na origem (e-STJ, fl. 413), foram os autos remetidos a esta Corte.

É o relatório.

Page 159: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������159

voto

O Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): Na origem, o contribuinte opôs embargos de devedor para sustar execução fiscal que lhe foi redirecionada na qualidade de sócio-gerente, ante a suposta dissolução irregular da empresa exe-cutada.

Os embargos de devedor foram acolhidos, reconhecida a ilegitimidade passiva do contribuinte, e foram arbitrados honorários advocatícios no aporte de R$ 250,00, considerando que a penhora realizada via Bacenjud tinha blo-queado a quantia de R$ 439,94 em conta-corrente do embargante, a despeito do valor da execução fiscal no aporte de R$ 648.280,97 (seiscentos e quarenta e oito mil, duzentos e oitenta reais e noventa e sete centavos).

Ou seja, o Juízo de primeiro grau interpretou que o proveito econômico do embargante foi o valor da penhora desconstituída com a procedência dos embargos de devedor, e aplicou o art. 85, § 8º, do CPC/2015, porque ínfimo o valor.

O Tribunal de origem, por sua vez, entendeu que o proveito econômico do contribuinte seria o valor total da execução fiscal que lhe foi redirecionada.

Cinge-se, pois, a questão, à definição de qual seria o proveito econômico do embargante a ser considerado na fixação dos honorários advocatícios.

Nesse quadro, penso que o aresto recorrido não merece reparos.

Os honorários advocatícios, por expressa disposição legal, devem ser fi-xados com base no proveito econômico obtido, na forma do § 2º do art. 85 do CPC/2015. Esse regramento torna evidente que a sucumbência é o parâmetro fundamental para a definição da verba advocatícia.

A propósito:

PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS À EXECUÇÃO PROCEDENTES EM PARTE – SUBSISTÊNCIA DA DÍVIDA COM REDUÇÃO DE SEU VALOR – VERBA HO-NORÁRIA ÚNICA EM FAVOR DO CREDOR – ARTS. 20, § 4º, E 21, DO CPC

1. Em sendo os embargos à execução julgados parcialmente procedentes para reduzir o valor devido, mas com a subsistência da execução pela dívida reduzi-da, deve ser fixada verba honorária única em favor do credor, que deverá inci-dir sobre o valor remanescente da execução.

2. Embargos de divergência conhecidos, com pedido de vista regimental pelo Ministro Relator e, no mérito, providos.

(EREsp 598.730/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª S., Julgado em 11.11.2009, DJe 23.02.2010)

Page 160: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

160 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – HONORÁRIOS ADVOCA-TÍCIOS – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA – PRINCÍPIOS DA SUCUMBÊNCIA E DA CAUSALIDADE

I – Considerada objetivamente, a parte que sofreu derrota em juízo deve respon-der pelas despesas processuais, frente ao princípio da sucumbência, consagrado no Código de Processo Civil vigente.

II – No caso de sucumbência recíproca, deve haver compensação ou fixação proporcional das custas e honorários advocatícios. Se um dos litigantes foi ven-cido em parcela menor que a outra, embora não tenha decaído de parte mínima do pedido, sua condenação em tais verbas deve ser proporcional à sua sucum-bência.

Recurso parcialmente provido.

(REsp 504.526/SP, Rel. Min. Castro Filho, 3ª T., Julgado em 02.10.2003, DJ 02.08.2004, p. 367)

Dito isso, observa-se que, na hipótese, foi sustado o redirecionamento da execução fiscal contra o sócio-gerente, e nessa condição ficou absolutamente improcedente a ação de cobrança, razão pela qual há de se concluir que o pro-veito econômico foi efetivamente o valor da execução proposta.

Vale frisar que, como bem se registrou no aresto recorrido, a prosseguir o curso do executivo fiscal, os bens do embargante estariam sujeitos à constrição até o limite da dívida excutida.

Portanto, deve-se ter em conta, como proveito econômico, o potencial que a ação ajuizada ou o expediente utilizado possuem na esfera patrimonial das partes.

Assim, correto o posicionamento adotado no Tribunal de origem, fixando os honorários advocatícios na forma do art. 85, §§ 3º e 5º, do CPC/2015.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. Com base no § 11 do art. 85 do CPC/2015, majoro a verba honorária em 1% sobre o valor econô-mico da causa.

É como voto.

certiDão De jUlgamento segUnDa tUrma

Número Registro: 2017/0111890-3

Processo Eletrônico REsp 1.671.930/SC

Page 161: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������161

Números Origem: 200872090004110 50000688920154047209 50024607020134047209 50040322720144047209 50058152520124047209 50063002020154047209 50074039620144047209 SC-200872090004110 SC-50000688920154047209 SC-50024607020134047209 SC-50040322720144047209 SC-50058152520124047209 SC-50063002020154047209 SC-50074039620144047209

Pauta: 27.06.2017 Julgado: 27.06.2017

Relator: Exmo. Sr. Ministro Og Fernandes

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Assusete Magalhães

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. José Elaeres Marques Teixeira

Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

aUtUação

Recorrente: Fazenda Nacional

Recorrido: Eriberto Bretzke

Advogado: Israel Berns – SC029083

Assunto: Direito tributário – Dívida ativa

sUstentação oral

Dr(a). Marise Correia de Oliveira (ex lege), pela parte Recorrente: Fazen-da Nacional

certiDão

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães (Presi-dente) e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

Page 162: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Parte Geral – Jurisprudência

9138

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.666.454 – RJ (2011/0255662‑6)Relator: Ministro Herman BenjaminRecorrente: Construtora Andrade Gutierrez S/A e outrosAdvogado: Antônio de Oliveira Tavares Paes e outro(s) – RJ001646ASoc. de Adv.: Paulo Cezar Pinheiro Carneiro – Advogados AssociadosRecorrido: Ministério Público do Estado do Rio de JaneiroInteres.: Cesar Epitacio MaiaInteres.: Eider Ribeiro Dantas Filho e outrosInteres.: Dimensional Engenharia Ltda.

ementa

administrativO – imprObidade administrativa – art. 17, §§ 8º e 9º – agravO em recursO especial – decisãO vestibular para prOcessamentO da demanda – cOgniçãO sumária – brOcardO in dubiO prO sOcietate – ausente a Ofensa aO art. 535 dO cpc – cabimentO da açãO civil pública – danO mOral cOletivO – fundamentaçãO adeQuada – elementO subjetivO e nexO de causalidade suficientemente bem narradOs – ausência de inÉpcia – justa causa – revOlvimentO de matÉria fática – decisões da segunda turma em casOs idênticOs – intrOduçãO

1. Trata-se, originariamente, de Ação Civil Pública por improbidade ad-ministrativa movida contra os então Prefeito, Secretários de Obras e das Culturas do Rio de Janeiro, Diretor Presidente, Diretor de Administração e Finanças da Riourbe e quatro pessoas jurídicas. A inicial questiona con-cepção e realização da obra denominada Cidade das Artes/da Música no Rio de Janeiro, para a qual já haviam sido destinados mais de R$ 490 mi-lhões (em 2009). A demanda questiona a impossibilidade de realização de obra de vulto sem previsibilidade adequada do custo total; a ilegali-dade dos aditivos e da prorrogação de prazo; a contratação de empresas inidôneas; a pessoalidade na inauguração, em 2009, de obra inacabada e a falta de cuidado com o dinheiro público. O Parquet aponta que a falta de projeto básico/executivo impediu a definição da respectiva previsão orçamentária e deveria ter obstado a realização da obra e os certames a ela correlacionados. Tais condições levaram à oneração excessiva e a um gasto desmesurado, o que frustrou o procedimento licitatório. Pede condenação por danos morais, além da fixação das sanções da LIA.

Page 163: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������163

2. A decisão que acolheu a petição inicial foi mantida pelo Tribunal de origem. A Segunda Turma decidiu no mesmo sentido no AgRg-AREsp 177.675/RJ, admitindo o recebimento da inicial em outro recurso inter-posto na mesma demanda.

3. O presente recurso se origina de decisão que recebeu Ação de Impro-bidade Administrativa, nos termos do art. 17, §§ 8º e 9º. Esse decisum se insere na fase preliminar do subsistema, criada de forma a proporcionar juízo de delibação, em cognição não exauriente, sobre a possibilidade de procedência da demanda.

4. A cognição sumária impede juízos de maior profundidade sobre a pretensão deduzida. Na presença de dúvida fundada a respeito da exis-tência de ato ímprobo, deve o magistrado permitir o prosseguimento da demanda, como tripla garantia: a) ao autor, que terá a oportunidade de robustecer em instrução suas ponderações; b) aos réus, que, finalizado o trâmite processual, obterão resposta definitiva que, se lhes for favorá-vel, estará albergada pela coisa julgada material, em situação de efetiva pacificação, e não meramente formal, como decorre do indeferimento da petição inicial; c) à coletividade, cuja proteção é a finalidade última da demanda. A recomendação do processamento do feito é corroborada ainda pelo entendimento de que “na fase inicial prevista no art. 17, §§ 7º, 8º e 9º, da Lei nº 8.429/1992, vale o princípio do in dubio pro societate, a fim de possibilitar o maior resguardo do interesse público” (AgRg-AREsp 3.030/MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 09.05.2011; cf. ainda AgRg-REsp 1.204.965/MT, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 14.12.2010).

5. O recebimento da demanda não depende de extensa argumentação. In casu, o julgador originário foi além e dedicou tratamento suficiente ao re-cebimento da demanda, fato que apenas reforça a existência de indícios de ato ímprobo, que, a despeito de não conduzirem inexoravelmente a uma condenação, merecem ser investigados.

DA INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC

6. Sobre a via utilizada, o acórdão afirma que “a via eleita poderá trazer á coletividade o resultado pretendido, estando preenchido o binômio in-teresse/adequação e interesse-utilidade, o que reforça a ideia de proteção ao interesse público existente na presente ação” (fl. 2287, e-STJ). Mais adiante continua: “a ratio legis engloba o dano moral coletivo, sendo inegável a possibilidade de o Ministério Público persegui-lo em sede de ação civil pública referente a prática de ato de improbidade administra-tiva pelas partes envolvidas no processo” (fl. 2288/STJ); “não há que se

Page 164: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

164 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

falar em impossibilidade de pleitear o dano moral coletivo em sede de ação civil pública por ato ímprobo. Pelo contrário, a via eleita foi acer-tadamente escolhida pelo Parquet que irá buscar todos os fins que a lei lhe permite para ressarcir o erário, até porque a ação coletiva busca a reparação integral do dano, inclusive o moral” (fl. 2317, e-STJ).

7. Sobre o elemento subjetivo/legitimidade e o nexo de causalidade, por sua vez, o aresto aduz: “conforme destacado no parecer da Procurado-ria de Justiça, fazendo referência ao voto do conselheiro do Tribunal de Contas do Município, ‘diversas foram as prorrogações, sempre benefi-ciando as construtoras com mais prazo e mais dinheiro’” (fl. 2294, e-STJ); “no tocante à ilegitimidade passiva dos agravantes em razão da ausência de apontamentos sobre os benefícios obtidos pelos recorrentes, entendo que foi correta a rejeição da preliminar pelo juízo a quo, já que o que pretende o Ministério Público é demonstrar que os agravantes obtiveram beneficio com os atos praticados pelos demais réus” (fl. 2317, e-STJ).

8. O acórdão recorrido confirma ainda o dano (“o beneficio pode até ser indireto, o que enseja uma delimitação focada nos atos ímprobos, que possam ter refletido em beneficio indevido aos agravantes” – fl. 2321, e-STJ) e a existência de indícios a justificar a propositura (“foram demons-trados provas mínimas para fundamentar a interposição da ação coletiva em questão” (fl. 2321, e-STJ).

9. O acórdão recorrido descreve o papel das recorrentes como elo re-levante na consecução de obra imputada como violadora de padrões éticos e morais que desembocaram no afirmado desperdício de dinheiro público. Presente na fundamentação a indicação do nexo de causalidade entre os aditivos e a ofensa moral à coletividade, e a qualificação dos indícios que justificam a propositura da demanda. É preciso questionar se o enfoque foi adequado, não contendo omissão, razão pela o qual o recurso reflete insurgência quanto ao mérito, a ser examinada em capí-tulo próprio.

DA ALEGAÇÃO DE JULGAMENTO ULTRA PETITA

10. Os recorrentes alegam ofensa aos arts. 512, 515 e 522 do CPC (jul-gamento ultra petita). Afirmam que o acórdão não compreendeu a real abrangência da alegação de descabimento da Ação Civil Pública para reparação de danos à coletividade. Verifico que, a despeito do ofereci-mento de Embargos, os dispositivos não foram prequestionados (Súmula nº 211/STJ) porquanto impertinentes e sem comando suficiente para al-terar a decisão recorrida. É questionável a tese do desbordamento dos

Page 165: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������165

limites objetivos da demanda amparada na utilização de fundamento que, aos olhos das recorrentes, é incompatível com a solução fixada no acórdão recorrido, porquanto o objeto do processo é revelado essencial-mente pelo pedido.

11. Apesar de afirmar que não foi questionada, no agravo manejado, a veiculação de pedidos de dano moral coletivo, basta uma simples lei-tura da peça de interposição para verificar argumentação nesse sentido (fls. 11, 17, 18 e 19 da petição de interposição do recurso).

12. A questão suscitada guarda relação com a alegação de error in judicando, em contrariedade a precedentes do STJ no sentido de que há interesse de agir (adequação) no ajuizamento de Ação Civil Pública pelo Parquet para a obtenção de indenização por danos morais coleti-vos, sem mais divagações sobre o destinatário da reparação (AgRg-REsp 1003126/PB, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe 10.05.2011). Cito acórdão relatado pelo eminente Ministro Castro Meira, no qual se afirma que “não há vedação legal ao entendimento de que cabem danos morais em ações que discutam improbidade administrativa seja pela frustração tra-zida pelo ato ímprobo na comunidade, seja pelo desprestígio efetivo cau-sado à entidade pública que dificulte a ação estatal” (REsp 960.926/MG, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., DJe 01.04.2008).

DA LEGITIMIDADE (ELEMENTO SUBJETIVO) E DO NEXO

13. O acórdão recorrido, nos limites da cognição permitida para a fase processual, afirma que as prorrogações de contrato “beneficiaram as construtoras com mais prazo e mais dinheiro”.

14. Há fundados indícios de violação do art. 65, §1º, da Lei de Licitações, que dispõe: “§ 1º O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas con-dições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos”. Trata-se de critério ope legis, limitação absoluta e inafastá-vel às variações de preço, insuscetível de mitigação ope judicis, a não ser em situações extraordinárias e anômalas.

15. A priori, alterações quantitativas sujeitam-se ao padrão legal, de modo a prestigiar a ratio e a letra da Lei de Licitações, visando à pro-teção do interesse público na garantia da mais ampla transparência, li-vre concorrência e seleção da proposta mais vantajosa, nos termos do art. 3º da Lei de Licitações. Lembro que a fraude à licitação tem como

Page 166: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

166 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

consequência o chamado dano in re ipsa, reconhecido em julgados que bem se amoldam à espécie (REsp 1.280.321/MG, Rel. Min. Mauro Cam-pbell Marques, 2ª T., DJe 09.03.2012; REsp 1.190.189, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 10.9.2010; STF, RE 160.381/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, 2ª T., DJ 12.08.1994).

16. A LIA admite condenação com amparo em culpa e que o STJ en-tende que a vasta experiência em contratações com o Poder Público (o que inegavelmente pode ser atribuído às recorrentes) justifica, em tese, a caracterização do elemento subjetivo a motivar a condenação por im-probidade em hipóteses de fraude à licitação (cf. REsp 817.921/SP, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., DJe 06.12.2012).

17. Desbordar as premissas estabelecidas pelo acórdão demanda, por-tanto, revisão de matéria fática, vedada pela Súmula nº 7/STJ.

DA ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL

18. A leitura da inicial atribui, com alguma segurança, a relação entre a falta de previsibilidade da obra, a questionável legitimidade dos adita-mentos, os benefícios indevidos percebidos pelas recorrentes, a caracte-rização do ato de improbidade (dentre outros motivos, pela frustração do procedimento licitatório) e o pedido de aplicação das sanções.

19. O pedido de dano moral é apenas um entre aqueles deduzidos na exordial, ao qual se somam a restituição aos cofres públicos de valores despendidos, a suspensão de direitos políticos, o pagamento de multa, a proibição de contratação com o Poder Público, todos eles consentâneos com a causa de pedir e com a LIA.

20. Às fls. 151-152, e-STJ, a petição inicial indica como fundamento da propositura os arts. 10, VIII, XIX e XI, e 11 da LIA.

DA JUSTA CAUSA

21. O acórdão afirma textualmente existirem provas mínimas para justi-ficar a demanda, as quais estão contidas nos 11 volumes de documen-tação, com destaque para cláusula do Contrato nº 34/2004, cotejada com a situação fática narrada na inicial. Tudo isso foi feito dentro de um contexto de cognição sumária e de ponderação pelo processamento da demanda (aplicação do brocardo in dubio pro societate).

22. A reapreciação da justa causa à luz de decisões administrativas não juntadas, de inquéritos civis não concluídos ou de informações mais ou menos consistentes esbarra na revisão de provas e de cláusulas contra- tuais, o que é vedado pelas Súmulas nºs 5 e 7/STJ.

Page 167: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������167

CONCLUSÃO

23. A Segunda Turma decidiu no mesmo sentido no AgRg-AREsp 177.675/RJ, admitindo o recebimento da inicial em outro recurso inter-posto na mesma demanda.

24. Recurso Especial não provido, esclarecendo-se que, neste momento, não se faz nenhuma apreciação peremptória ou final acerca da matéria de fundo, ou seja, a improbidade administrativa em si mesma.

acÓrDão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indica-das, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “‘A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).’ Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Cam-pbell Marques e Assusete Magalhães (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

Dr. Gabriel de Oliveira Mathias, pela parte Recorrente: Construtora Andrade Gutierrez S/A

Pronunciamento oral do Subprocurador-Geral da República, Dr. José Elaeres Marques Teixeira”

Brasília, 27 de junho de 2017 (data do Julgamento).

Ministro Herman Benjamin Relator

certiDão De jUlgamento segUnDa tUrma

Número Registro: 2011/0255662-6

Processo Eletrônico REsp 1.666.454/RJ

Números Origem: 00638545120098190000 20090011252785 638545120098190000

Pauta: 16.05.2017 Julgado: 16.05.2017

Relator: Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin

Page 168: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

168 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Assusete Magalhães

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Mônica Nicida Garcia

Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

aUtUação

Recorrente: Construtora Andrade Gutierrez S/A e outros

Advogado: Antônio de Oliveira Tavares Paes e outro(s) – RJ001646A

Recorrido: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

Interes.: Cesar Epitacio Maia

Interes.: Eider Ribeiro Dantas Filho e outros

Interes.: Dimensional Engenharia Ltda.

Assunto: Direito Administrativo e outras matérias de direito público – Atos administrativos – Improbidade administrativa

certiDão

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“Adiado por indicação do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

relatÓrio

O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator):

Trata-se, originariamente, de Ação Civil Pública por improbidade admi-nistrativa movida contra os então Prefeito, Secretários de Obras e das Culturas do Rio de Janeiro, dois Diretores Presidentes e Diretor de Administração e Fi-nanças da Riourbe, bem como contra quatro pessoas jurídicas

A inicial tem como escopo o questionamento da concepção e realiza-ção da obra denominada Cidade das Artes/da Música no Rio de Janeiro, para a qual já haviam sido destinados mais de R$ 490 milhões (em 2009), já com-putados a) contratos firmados com dispensa de licitação, e b) outros contratos com aditamentos que representaram significativa majoração dos valores fixados em certame (em um dos contratos teria chegado à ordem de 78%) e/ou dilação dos prazos originais (a previsão original de entrega foi em 2004). Indica que o orçamento original foi de R$ 80 milhões.

Page 169: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������169

A demanda questiona a impossibilidade de realização de obra de vulto sem previsibilidade adequada do custo total; ilegalidade dos aditivos e da pror-rogação de prazo; contratação de empresas inidôneas; pessoalidade na inaugu-ração, em 2009, de obra inacabada e falta de cuidado com o dinheiro público.

O Parquet aponta que a falta de projeto básico/executivo impediu a de-finição de orçamento detalhado, da respectiva previsão orçamentária e deveria ter obstado a realização da obra e os certames com ela correlacionados. Tais condições levaram à oneração excessiva e a um gasto desmesurado, o que frus-trou o procedimento licitatório. Pede a condenação por danos morais, além da fixação das sanções da LIA.

A decisão que acolheu a petição inicial foi mantida nos termos de acór-dão assim ementado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITO AD-MINISTRATIVO – DIREITO COLETIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – DANO MORAL COLETIVO – POSSIBI-LIDADE – AUSÊNCIA DAS HIPÓTESES LEGAIS DE INDEFERIMENTO DA INI-CIAL – RECEBIMENTO DA PEÇA INAUGURAL E REGULAR PROSSEGUIMEN-TO DA AÇÃO COLETIVA

1. Inconformismo do agravante em relação à decisão que acolheu a inicial para averiguar eventuais irregularidades no empreendimento “Cidade da Música”. Preliminares arguidas rejeitadas, visto que estão presentes os requisitos para o recebimento da inicial, além de imprescindível necessidade de apurar e punir, se for o caso, os possíveis culpados pelo irresponsável gasto do dinheiro público na obra em questão.

2. O dano moral pleiteado pelo parquet, em nome da sociedade, é legítimo e pode ser perseguido através da ação civil pública por ato de improbidade admi-nistrativa. Honra do grupo social que não pode ficar sem reparação moral. Lei de Ação Civil Pública que prevê ressarcimento integral do dano causado à co-letividade, não restringindo o dano moral coletivo. A ratio legis engloba o dano moral coletivo, sendo inegável a possibilidade de o Ministério Público perse-gui-lo em sede de ação civil pública referente à prática de ato de improbidade administrativa pelas partes envolvidas no processo. Interesse de agir presente. Precedentes do STJ, TJ/SP, TJ/MG, TJ/MS.

3. Legitimidade passiva dos recorrentes, já que o Ministério Público visa de-monstrar que os agravantes obtiveram beneficio com os atos praticados pelos demais réus. Se o pedido será ou não acolhido, a questão é de mérito e será dirimida após a dilação probatória. Aplicação do art. 30, da Lei nº 8.429/1992.

4. Inépcia da petição inicial não demonstrada. Peça inicial que precisamente narrou os fatos, estando preenchidos os requisitos da petição inicial, que pos-sibilitou inclusive os recorrentes de exercerem a ampla defesa e o contraditório

Page 170: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

170 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

em sede de defesa prévia, tendo os próprios Agravantes informado detalhada-mente as causas de pedir e pedidos da ação.

5. A justa causa está presente nos autos, já que foram demonstrados provas mí-nimas para fundamentar a interposição da ação coletiva em questão. Provas in-diciárias que são o bastante para receber a inicial. Princípio do in dubio pro societate. Art. 17, § 6º, da Lei de Improbidade Administrativa. Precedentes do TJ/RJ.

6. Manutenção da decisão. Desprovimento do recurso.

Os Embargos de Declaração foram desacolhidos (fls. 2348-2353, e-STJ).

Interpôs-se o Recurso Especial com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição da República. As recorrentes alegam violação dos arts. 165; 267, I e VI; 295, I; 458, II; 512; 515; 522 e 535, I e II, do CPC de 1973 e arts, 3º; 5º; 9º; 10 e 11 da LIA. O recurso não foi admitido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (fls. 2486-2494, e-STJ).

Aduzem omissão sobre: a ausência de elemento subjetivo; a inadequação da ação de improbidade para veicular pedido de indenização da coletividade, e não do Erário; o nexo de causalidade entre os aditivos; a ofensa moral à cole-tividade e a qualificação dos indícios que justificam a propositura da demanda.

Apontam que: a) o acórdão teria discorrido desnecessariamente sobre o dano moral, dado que devia ter-se limitado a examinar se o pedido de in-denização por danos sofridos pela coletividade é adequado a uma ação de improbidade; b) as recorrentes seriam partes ilegítimas, porquanto não descrita conduta que lhes seja imputável; c) a inicial não teria exposto a razão pela qual teria incluído as recorrentes no polo passivo, a modalidade da demanda pro-posta (quais dos permissivos da LIA – arts. 9º-11), a adequada correlação entre as causas de pedir e os pedidos; d) não teria sido comprovada a justa causa para a propositura, porquanto não bastaria a afirmação de que existem provas e indícios que a fundamentam.

Contrarrazões ao Recurso Especial às fls. 2456-2471, e-STJ.

Contraminuta presente às fls. 2552-2568, e-STJ.

O Ministério Público Federal opina pelo desprovimento do recurso (fls. 2610-2620, e-STJ).

Interposto o Agravo, decidi convertê-lo em Recurso Especial para exami-nar de modo mais profundo o caso.

É o relatório.

Page 171: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������171

voto

O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator):

1 dO recebimentO de uma açãO civil pública de imprObidade

Necessário deixar claro que o presente recurso se origina de decisão que recebeu Ação de Improbidade Administrativa, nos termos do art. 17, §§ 8º e 9º. Esse decisum se insere na fase preliminar do subsistema, criada de forma a proporcionar juízo de delibação, em cognição não exauriente, sobre a possibi-lidade de procedência da demanda.

Tal dispositivo conduz a premissas de duas ordens no caso concreto.

De um lado, a cognição sumária impede juízos de maior profundidade sobre a pretensão deduzida. O indeferimento de plano cabe, portanto, somente nos casos em que os pressupostos de admissibilidade de julgamento do mérito estão manifestamente ausentes, ou em que, numa projeção sumária do desen-volvimento da demanda, não lhes seja possível atribuir a procedência.

Na presença de dúvida fundada a respeito da existência de ato ímprobo, deve o magistrado permitir o prosseguimento da demanda, como tripla garantia: a) ao autor, que terá a oportunidade de robustecer em instrução suas pondera-ções; b) aos réus, que, finalizado o trâmite processual, obterão resposta defi-nitiva que, se lhes for favorável, estará albergada pela coisa julgada material, em situação de efetiva pacificação, e não meramente formal, como decorre do indeferimento da petição inicial; c) à coletividade, cuja proteção é a finalidade última da demanda.

A recomendação do processamento do feito é corroborada ainda pelo entendimento de que, na fase inicial prevista no art. 17, §§ 7º, 8º e 9º, da Lei nº 8.429/1992, vale o princípio do in dubio pro societate, a fim de pos-sibilitar o maior resguardo do interesse público. Precedentes: AgRg-AREsp 604.949/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 21.05.2015; AgRg-REsp 1.466.157/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 26.06.2015; REsp 1.504.744/MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T., DJe 24.04.2015; AgRg--EDcl-AREsp 605.092/RJ, Relª Min. Marga Tessler (Juíza Federal Convocada), 1ª T., DJe 06.04.2015; AgRg-AREsp 612.342/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 11.03.2015; AgRg-AREsp 444.847/ES, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe 20.02.2015; AgRg-REsp 1.455.330/MG, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., DJe 04.02.2015; REsp 1.259.350/MS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª T., DJe 29.08.2014; AgRg-AREsp 318.511/DF, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJe 17.09.2013; AgRg-AREsp 268.450/ES, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., DJe 25.03.2013; AREsp 531.550/SP (decisão monocrática), Relª Min. Assusete Magalhães, DJe 05.03.2015.

Page 172: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

172 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

De outro, não se exige fundamentação verticalizada, como se a própria sentença de mérito devesse ser antecipada.

O questionável espírito que provocou a inserção (combate aos aludi-dos exageros na propositura de ACPs) fez com que a fase preliminar estatuísse contraditório prévio, demandando-se, em caso de rejeição da inicial, a devida fundamentação (LAI, art. 17, § 8º). Os elementos motivadores da alteração le-gislativa querem fazer presumir que também o recebimento da petição inicial e a determinação de citação deverão ser embasados (LAI, art. 17, § 8º). O § 9º do art. 17 da LIA estabelece que, “recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação”.

No caso concreto, o julgador originário dedicou linhas suficientes ao recebimento da demanda, fato que apenas reforça a existência de indícios de ato ímprobo, que, a despeito de não conduzirem inexoravelmente a uma con-denação, merecem ser investigados.

2 alegaçãO de Ofensa aO art. 535 dO cpc

As recorrentes apontam as omissões que não se verificam no caso con-creto. O acórdão recorrido aponta, ainda que em sentido contrário à pretensão deduzida:

a) (a via utilizada) “a via eleita poderá trazer á coletividade o resulta-do pretendido, estando preenchido o binômio interesse- adequação e interesse-utilidade, o que reforça a ideia de proteção ao interesse público existente na presente ação” (fl. 2287, e-STJ); “a ratio legis en-globa o dano moral coletivo, sendo inegável a possibilidade de o Mi-nistério Público persegui-lo em sede de ação civil pública referente a prática de ato de improbidade administrativa pelas partes envolvidas no processo” (fl. 2288, e-STJ); “não há que se falar em impossibilidade de pleitear o dano moral coletivo em sede de ação civil pública por ato ímprobo. Pelo contrário, a via eleita foi acertadamente escolhida pelo Parquet que irá buscar todos os fins que a lei lhe permite para ressar-cir o erário, até porque a ação coletiva busca a reparação integral do dano, inclusive o moral” (fl. 2317, e-STJ);

b) (o elemento subjetivo/legitimidade e o nexo de causalidade) “conforme destacado no parecer da Procuradoria de Justiça, fazendo referência ao voto do conselheiro do Tribunal de Contas do Município, ‘diversas foram as prorrogações, sempre beneficiando as construtoras com mais prazo e mais dinheiro’” (fl. 2294, e-STJ); “no tocante à ilegitimidade passiva dos agravantes em razão da ausência de apontamentos sobre os benefícios obtidos pelos recorrentes, entendo que foi correta a rejei-ção da preliminar pelo juízo a quo, já que o que pretende o Ministério

Page 173: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������173

Público é demonstrar que os agravantes obtiveram beneficio com os atos praticados pelos demais réus” (fl. 2317, e-STJ).

c) (o prejuízo) “o beneficio pode até ser indireto, o que enseja uma deli-mitação focada nos atos ímprobos, que possam ter refletido em bene-ficio indevido aos agravantes” (fl. 2321, e-STJ);

d) (as provas) “foram demonstrados provas mínimas para fundamentar a interposição da ação coletiva em questão” (fl. 2321, e-STJ); “os autos do presente recurso possuem 11 volumes, repletos de farta documen-tação sobre a construção da ‘Cidade da Música’, como o contrato, os termos aditivo, tudo isso com valores discriminados”; “merece intenso destaque a cláusula terceira do contrato nº 34/2004 (fl. 248 do recur-so), firmado pela municipalidade e os agravantes, no qual o custo da obra contratada foi fixado em R$ 77.599.584,26 (setenta e sete mi-lhões, quinhentos e noventa e nove mil, quinhentos e oitenta e quatro reais e vinte e seis centavos). Esse era o valor da obra. Esse foi o valor que levou os recorrentes a vencer o certame licitatório. Esse era, a princípio, o teto do valor a ser gasto pela Administração Pública na construção daquele prédio” (fl. 2322, e-STJ).

Está claro, portanto, que o acórdão identificou que a conduta das re-correntes foi relevante na consecução de obra imputada como violado-ra de padrões éticos e morais, ocasionando desperdício de dinheiro público (fl. 2293/STJ). Presente na fundamentação a indicação do nexo de causalidade entre os aditivos e a ofensa moral à coletividade, e a qualificação dos indícios que justificam a propositura da demanda.

3 alegações de Ofensa à lei federal

3.1 jUlgamento Ultra petita

As recorrentes alegam ofensa aos arts. 512, 515 e 522 do CPC (julgamen-to ultra petita). Afirmam que o acórdão não compreendeu a real abrangência da alegação de descabimento da Ação Civil Pública para reparação de danos à coletividade. Sobre o tema, verifico que, a despeito do oferecimento de Embar-gos, os dispositivos não foram prequestionados (Súmula nº 211/STJ), porquanto impertinentes e sem comando suficiente para alterar a decisão recorrida.

Acresço ser questionável a tese do desbordamento dos limites objetivos da demanda amparada na utilização de fundamento que, aos olhos das recor-rentes, é incompatível com a solução fixada no acórdão recorrido, porquanto o objeto do processo é revelado essencialmente pelo pedido.

Page 174: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

174 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

A questão suscitada guarda relação com a alegação de error in judicando que sustenta, em contrariedade a precedentes desta Corte, segundo os quais há interesse de agir (adequação) no ajuizamento de Ação Civil Pública pelo Parquet para a obtenção de indenização por danos morais coletivos, sem mais divagações sobre o destinatário da reparação (AgRg-REsp 1003126/PB, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe 10.05.2011). Cito ainda acórdão relatado pelo eminente Ministro Castro Meira, no qual se afirma que “não há vedação legal ao entendimento de que cabem danos morais em ações que discutam improbidade administrativa seja pela frustração trazida pelo ato ímprobo na comunidade, seja pelo desprestígio efetivo causado à entidade pública que dificulte a ação estatal” (REsp 960.926/MG, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., DJe 01.04.2008).

3.2 legitimiDaDe e nexo De caUsaliDaDe

Sobre a ilegitimidade passiva e o nexo de causalidade, faço referência aos trechos do acórdão descritos no item anterior, os quais, dentro dos limites da cognição permitida para a fase processual, demonstram que as prorrogações de contrato “beneficiaram as construtoras com mais prazo e mais dinheiro”.

Há fundados indícios de violação do art. 65, § 1º, da Lei de Licitações, que dispõe: “O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições con-tratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou com-pras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos”.

Trata-se de critério ope legis, limitação absoluta e inafastável às variações de preço, insuscetível de mitigação ope judicis, a não ser em situações extraor-dinárias e anômalas.

Sabe-se ainda que, a priori, alterações quantitativas sujeitam-se ao pa-drão legal, de modo a prestigiar a ratio e a letra da Lei de Licitações, visando à proteção do interesse público na garantia da mais ampla transparência, livre concorrência e seleção da proposta mais vantajosa, nos termos do art. 3º da Lei de Licitações. Lembro que a fraude à licitação tem como consequência o chamado dano in re ipsa, reconhecido em julgados que bem se amoldam à espécie (REsp 1.280.321/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T. DJe 09.03.2012; REsp 1.190.189, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 10.9.2010; STF, RE 160.381/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, 2ª T., DJ 12.08.1994).

Identifico ainda que a LIA admite condenação com amparo em culpa e que esta Corte entende que a vasta experiência em contratações com o Poder Público (o que inegavelmente pode ser atribuído às recorrentes) justificam, em tese, a caracterização do elemento subjetivo a justificar a condenação por im-

Page 175: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������175

probidade em hipóteses de fraude à licitação (cf. REsp 817.921/SP, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., DJe 06.12.2012).

Desbordar as premissas estabelecidas pelo acórdão demanda, ainda, re-visão de matéria fática, vedada pela Súmula nº 7/STJ.

3.3 inépcia Da petição inicial

As recorrentes alegam inépcia da inicial por falta de fundamentação na definição do polo passivo, do dispositivo que justifica a propositura da deman-da e da correlação da causa de pedir e do pedido.

Contudo, a leitura da inicial atribui, com alguma segurança, a relação entre a falta de previsibilidade da obra; a questionável legitimidade dos adita-mentos; os benefícios indevidos percebidos pelas recorrentes; a caracterização do ato de improbidade (dentre outros motivos, pela frustração do procedimento licitatório) e o pedido de aplicação das sanções.

Acrescento que o pedido de dano moral é apenas um entre aqueles de-duzidos na exordial, ao qual se somam a restituição aos cofres públicos de valores despendidos, a suspensão de direitos políticos, o pagamento de multa, a proibição de contratação com o Poder Público, todos eles consentâneos com a causa de pedir e com a LIA.

Por fim, às fls. 151-152 a petição inicial indica como fundamento da propositura os arts. 10, VIII, XIX e XI, e 11 da LIA.

Logo, ratifico o afastamento da inépcia.

3.4 comprovação Da jUsta caUsa para a propositUra Da DemanDa

As recorrentes afirmam que não houve justa causa para a propositura da demanda. Aduzem que “não basta afirmar que há provas ou indícios que fun-damentem o ajuizamento da ação, como fez o v. acórdão recorrido. Há que se identificar quais seriam esses indícios, justificando, devidamente, a instauração da ação de improbidade”.

Conforme exposto acima, o acórdão afirma textualmente existirem pro-vas mínimas para justificar a demanda, contidas nos 11 volumes de documen-tação, com destaque para cláusula do contrato nº 34/2004, cotejada com a situação fática narrada na inicial. Tudo isso foi feito dentro de um contexto de cognição sumária e de ponderação pelo processamento da demanda (aplicação do brocardo in dubio pro societate).

Diante desse cenário, fica claro que a reapreciação da justa causa à luz de decisões administrativas não juntadas, de inquéritos civis não concluídos ou

Page 176: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

176 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

de informações mais ou menos consistentes esbarra na revisão de provas e de cláusulas contratuais, o que é vedado pelas Súmulas nºs 5 e 7/STJ.

4 cOnclusãO

Por fim, merece destaque que a Segunda Turma, em outro recurso inter-posto contra o mesmo acórdão, decidiu no mesmo sentido deste decisum no AgRg-AREsp 177.675/RJ.

Por tudo isso, nego provimento ao Recurso Especial, esclarecendo-se que, neste momento, não se faz nenhuma apreciação peremptória ou final acer-ca da matéria de fundo, ou seja, a improbidade administrativa em si mesma, o que será objeto de instrução.

É como voto.

certiDão De jUlgamento segUnDa tUrma

Número Registro: 2011/0255662-6

Processo Eletrônico REsp 1.666.454/RJ

Números Origem: 00638545120098190000 20090011252785 638545120098190000

Pauta: 27.06.2017 Julgado: 27.06.2017

Relator: Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Assusete Magalhães

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. José Elaeres Marques Teixeira

Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

aUtUação

Recorrente: Construtora Andrade Gutierrez S/A e outros

Advogado: Antônio de Oliveira Tavares Paes e outro(s) – RJ001646A

Soc. de Adv.: Paulo Cezar Pinheiro Carneiro – Advogados Associados

Recorrido: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

Interes.: Cesar Epitacio Maia

Interes.: Eider Ribeiro Dantas Filho e outros

Page 177: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������177

Interes.: Dimensional Engenharia Ltda.

Assunto: Direito administrativo e outras matérias de direito público – Atos administrativos – Improbidade administrativa

sUstentação oral

Dr. Gabriel de Oliveira Mathias, pela parte Recorrente: Construtora Andrade Gutierrez S/A

Pronunciamento oral do Subprocurador-Geral da República, Dr. José Elaeres Marques Teixeira

certiDão

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques e Assusete Magalhães (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

Page 178: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Parte Geral – Jurisprudência

9139

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoApelação Cível nº 0003130‑48.2016.4.01.3823/MG

Processo na Origem: 31304820164013823

Relator(a): Desembargador Federal Hercules Fajoses

Apelante: Geraldo Vaz de Melo Barbosa

Advogado: MG00130562 – Alexandre Bruno Lorenço e outro(a)

Apelado: Fazenda Nacional

Procurador: Cristina Luisa Hedler

ementa

prOcessual civil e tributáriO – embargOs à execuçãO fiscal – ausência de penhOra – falta de interesse de agir – inaplicabilidade dO art. 914 dO nOvO códigO de prOcessO civil

1. Ausência de documento que comprove o oferecimento de garantia do Juízo correspondente ao valor executado, impossibilita a oposição dos embargos à execução fiscal.

2. Considerando que o prazo para oferecimento de embargos à execução fiscal conta-se a partir da intimação pessoal da penhora, e que esta não foi efetivada, não há que se falar em legitimidade ou interesse processual na oposição dos presentes embargos.

3. “Oportuno frisar que, embora tenha o Código de Processo Civil alte-rando as regras quanto à admissibilidade dos embargos do devedor no processo de execução e dispensado a garantia do juízo como requisito prévio à sua oposição (art. 736, CPC), a referida norma processual não se aplica ao caso em exame, pois se trata de procedimento especial re-gulado por legislação própria, qual seja: a Lei nº 6.830/1980 – Lei de Execuções Fiscais. Necessário ressaltar que o Codex processual se aplica às execuções fiscais de forma subsidiária, caso não haja lei específica que regulamente determinado assunto, o que não é o caso dos autos” (AC 0004539-34.2012.4.01.4200/RR, Rel. Des. Fed. Reynaldo Fonseca, 7ª T., e-DJF1 p. 1212 de 31.10.2014) mantidos.

4. Apelação não provida.

Page 179: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������179

acÓrDão

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unani-midade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 20 de junho de 2017 (data do Julgamento).

Desembargador Federal Hercules Fajoses Relator

relatÓrio

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Hercules Fajoses (Relator):

Trata-se de apelação interposta por Geraldo Vaz de Melo Barbosa contra sentença que extinguiu os presentes embargos à execução fiscal, por ausência de garantia do Juízo.

Em suas razões recursais, o apelante sustenta a desnecessidade de garan-tia da execução, tendo em vista o disposto no art. 914 do novo Código de Pro-cesso Civil. Aduz, ainda, que a exigência de garantia viola o direito de acesso à Justiça.

Contrarrazões às fls. 101/103.

É o relatório.

voto

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Hercules Fajoses (Relator):

Não há nos autos documento que comprove o oferecimento de garantia do Juízo correspondente ao valor executado, possibilitando a oposição dos Em-bargos à Execução Fiscal.

Embora intimado para proceder à garantia do juízo (fl. 74), o embargante não deu efetivo cumprimento à determinação judicial.

O próprio apelante admite a desnecessidade de garantia do Juízo, nos termos do art. 914 do novo Código de Processo Civil, que não se aplica ao caso em exame, visto tratar-se de procedimento especial regulado pela Lei nº 6.830/1980. Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – AUSÊNCIA DE PE-NHORA – VEÍCULO DE PROPRIEDADE DE TERCEIRO – FALTA DE INTERESSE DE AGIR

Page 180: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

180 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

1. A sentença recorrida rejeitou liminarmente os embargos, em face da ausência de segurança do Juízo, considerando que não houve penhora nos autos do pro-cesso de execução fiscal, uma vez que o veículo oferecido à penhora pertence a terceiro.

2. Ausência de interesse de agir quanto à oposição de embargos à execução, considerando que, in casu, não houve penhora. De fato, tal ato processual é pressuposto para o oferecimento de embargos à execução fiscal.

3. Nesse diapasão, não detém legitimidade e/ou interesse processual para opor embargos à execução a parte que sequer foi intimada pessoalmente da penhora. Se e quando acontecer, ela terá acesso aos embargos (AC 0056605-42.2003.4.01.3800/MG, Rel. Des. Fed. Luciano Tolentino Amaral, 7ª T., e-DJF1 p. 110 de 03.05.2010).

4. Oportuno frisar que, embora tenha o Código de Processo Civil alterado as regras quanto à admissibilidade dos embargos do devedor no processo de exe-cução e dispensado a garantia do juízo como requisito prévio à oposição de embargos (art. 736, CPC), a referida norma processual não se aplica ao caso em exame, visto tratar-se de procedimento especial regulado por legislação pró-pria, tal seja, a Lei nº 6.830/1980 – Lei de Execuções Fiscais. Necessário ressal-tar que o Codex processual se aplica às execuções fiscais de forma subsidiária, caso não haja lei específica que regulamente determinado assunto, o que não é o caso dos autos. (AC 2000.01.99.138668-0/MG, Rel. Juiz Federal Saulo José Casali Bahia, 7ª T.Supl., e-DJF1 p. 557 de 01.06.2012)

5. Apelação não provida. Sentença mantida.

(AC 0004539-34.2012.4.01.4200/RR, Rel. Des. Fed. Reynaldo Fonseca, 7ª T., e-DJF1 p.1212 de 31.10.2014)

PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – GARANTIA DO JUÍZO – PREVALÊNCIA DAS DISPOSIÇÕES DA LEF SOBRE O CPC

1. Quanto à prevalência do disposto no art. 736 do CPC – que permite ao deve-dor a oposição de Embargos, independentemente de penhora, sobre as disposi-ções da Lei de Execução Fiscal, que determina a inadmissibilidade de Embargos do executado antes de garantida a execução –, tem-se que, em face do princí-pio da especialidade, no caso de conflito aparente de normas, as leis especiais sobrepõem-se às gerais. Aplicação do brocardo lex especialis derrogat generali.

2. Agravo Regimental não provido.

(AgRg-AREsp 621.356/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 06.04.2015)

Assim, como o prazo para oferecimento de embargos à execução fiscal conta-se a partir da intimação pessoal da penhora, e não houve penhora, não há que se falar em legitimidade ou interesse processual para oposição dos em-bargos à execução.

Page 181: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������181

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É o voto.

tribUnal regional feDeral Da 1ª região secretaria jUDiciária

19ª Sessão Ordinária do(a) Sétima Turma

Pauta de: 20.06.2017 Julgado em: 20.06.2017

Ap 0003130-48.2016.4.01.3823/MG

Relator: Exmo. Sr. Desembargador Federal Hercules Fajoses

Revisor: Exmo(a). Sr(a).

Presidente da Sessão: Exmo(a). Sr(a). Desembargador Federal Hercules Fajoses

Proc. Reg. da República: Exmo(a). Sr(a). Dr(a). Marylucy Santiago Barra

Secretário(a): Antônio Luiz Carvalho Neto

Apte.: Geraldo Vaz de Melo Barbosa

Adv.: Alexandre Bruno Lorenço e outro(a)

Apdo.: Fazenda Nacional

Procur.: Cristina Luisa Hedler

Nº de Origem: 31304820164013823 Vara: 1ª

Justiça de Origem: Justiça Federal Estado/Com.: MG

sUstentação oral certiDão

Certifico que a(o) egrégia(o) Sétima Turma, ao apreciar o processo em epígrafe, em Sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, à unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.

Participaram do Julgamento os Exmos. Srs. Juiz Federal Eduardo Morais da Rocha (Conv.), nos termos do Ato/Presi/Asmag nº 418, de 15.05.2017, e Desembargador Federal José Amilcar Machado. Ausente, justificadamente, por motivo de licença médica, a Exma. Sra. Desembargadora Federal Ângela Catão.

Brasília, 20 de junho de 2017.

Antônio Luiz Carvalho Neto Secretário(a)

Page 182: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Parte Geral – Jurisprudência

9140

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIII – Agravo de Instrumento nº 2011.02.01.009030‑1Nº CNJ: 0009030‑81.2011.4.02.0000Relator: Juiz Federal Convocado Theophilo MiguelAgravante: União Federal/Fazenda NacionalAgravado: Sonifal Comercial Ltda.Advogado: Sem advogadoOrigem: 2ª Vara Justiça Federal Nova Iguaçu/RJ (201151200002530)

ementa

direitO prOcessual civil – tributáriO – execuçãO fiscal – redireciOnamentO cOntra sóciO – dissOluçãO irregular – OcOrrência

1. Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcio-nar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.

2. Agravo interno da União Federal provido.

acÓrDão

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a Terceira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Re-gião, por unanimidade, dar provimento ao agravo interno da União Federal/Fa-zenda Nacional, nos termos do relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 13 de junho de 2017.

Theophilo Miguel Relator

relatÓrio

Trata-se de agravo interno interposto por União Federal/Fazenda Nacio-nal em face de decisão que negou seguimento ao agravo de instrumento.

Aduz que a necessidade de responsabilização dos sócios se impõe não só pelo inadimplemento dos tributos em cobrança como, ainda, pela dissolução

Page 183: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������183

irregular da empresa, o que atende ao previsto no inc. III, do art. 135, do CTN, estando em perfeito alinho com a já pacificada jurisprudência do nosso Eg. Su-perior Tribunal de Justiça.

Sem contrarrazões, uma vez que não formalizada a relação processual.

É o relato do necessário.

Theophilo Miguel Relator

voto

Trata-se de agravo interno interposto por União Federal/Fazenda Nacio-nal em face de decisão que negou seguimento ao agravo de instrumento.

A questão diz respeito à verificação da possibilidade de redirecionamen-to da execução fiscal para o patrimônio dos sócios da empresa executada.

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que é possível o redireciona-mento da execução para outra pessoa que não o devedor, mesmo que tal pessoa não conste no título, por força do art. 779, VI do CPC/2015 (art. 568, V, do CPC/1973).

Contudo, para a inclusão de uma terceira pessoa na relação executiva, é necessária a especificação dos motivos pelos quais se requer tal medida, de modo que seja possível aferir a possibilidade ou não dessa inclusão.

Os tribunais superiores já analisaram o tema e sedimentaram as seguintes teses:

Verbete nº 430 da Súmula do STJ:

“O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.”

Verbete nº 435 da Súmula do STJ:

“Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”

Recursos Repetitivos – STJ

“A orientação da Primeira Seção desta Corte firmou-se no sentido de que, se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN, ou seja, não houve

Page 184: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

184 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

a prática de atos ‘com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos’.” [...]

(REsp 1104900/ES, Relª Min. Denise Arruda, 1ª S., Julgado em 25.03.2009, DJe 01.04.2009)

Recursos Repetitivos – STJ

“O redirecionamento da execução contra o sócio deve dar-se no prazo de cinco anos da citação da pessoa jurídica [...]”

(AgRg-Ag 1157069/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., Julgado em 18.02.2010, DJe 05.03.2010)

Repercussão Geral – STF

“Reconhecida a inconstitucionalidade do art. 13 da Lei nº 8.620/1993 na parte em que determinou que os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada responderiam solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social.”

(RE 562276, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, Julgado em 03.11.2010, Repercussão Geral – Public. 10.02.2011)

Jurisprudência do STJ

[...]

4. O STJ somente permite o redirecionamento da execução fiscal contra o só-cio-gerente, se ele tiver agido com excesso de poderes, infração à lei ou esta-tuto, contrato social. No caso sub judice, ficou demonstrado que o recorrido não era sócio-gerente da empresa executada, portanto não possui legitimidade passiva para compor o polo passivo da relação processual.

[...]

(REsp 1587687/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., Julgado em 05.05.2016, DJe 31.05.2016)

Na hipótese dos autos, a União demonstrou que a empresa não foi en-contrada no endereço indicado nos órgãos competentes, como se vê às fls. 25 e 45/53, de modo que se presume a ocorrência da dissolução irregular, apta a justificar o redirecionamento da execução fiscal para os sócios.

Por tais razões, dou provimento ao agravo interno da União Federal/Fa-zenda Nacional.

É como voto.

Theophilo Miguel Relator

Page 185: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Parte Geral – Jurisprudência

9141

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoDE publicado em 10.07.2017Apelação/Remessa Necessária nº 0011874‑39.2004.4.03.6105/SP2004.61.05.011874‑8/SPApelante: Valdivino Ferreira BinoAdvogado: SP312844 Gustavo Barbieri Biscassi

SP195809 Marcelo Depícoli Dias SP290802 Marcelo Mitsuo Takeichi Inoue

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: SP156950 Lael Rodrigues Viana

SP000030 Hermes Arrais AlencarApelado(a): Os mesmosRemetente: Juízo Federal da 7ª Vara de Campinas – 5ª SSJ – SP

ementa

prOcessual civil – QuestãO de Ordem – revOgaçãO dO mandatO judicial pela parte autOra sem a nOmeaçãO incOntinente de nOvO patrOnO – ausência de pressupOstO prOcessual necessáriO aO válidO desenvOlvimentO da relaçãO prOcessual – diversOs atOs prOcessuais praticadOs pOr advOgadO Que nãO mais detinha pOderes de representaçãO da parte autOra – julgamentO válidO dO recursO de apelaçãO apresentadO pela parte autOra em razãO de ainda pOssuir pOderes O causídicO Que apresentOu O expediente – higidez da r. decisãO mOnOcrática Que julgOu Os apelOs prOtOcOlizadOs pela parte autOra e pela autarQuia previdenciária – fOrmaçãO de cOisa julgada após a r. decisãO mOnOcrática

Os atos processuais levados a efeito pela parte autora após a r. decisão monocrática foram praticados por advogado que não mais detinha po-deres para representá-la em juízo, cabendo salientar que o art. 44, do Código de Processo Civil de 1973 (então vigente ao tempo dos fatos), impunha o dever à parte autora de, ao revogar o mandato outorgado ao seu advogado, constituir, de imediato, novo patrono à causa, providência esta não levada a efeito de plano (mas tão somente depois de vários anos contados da cassação da procuração).

Ao tempo da interposição do recurso de apelação, o advogado detinha poderes para representar a parte autora em juízo, de modo que se mostra lícita a análise de seus argumentos que levaram a exaração da r. decisão

Page 186: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

186 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

monocrática indicada. Todavia, a partir do manejo do agravo legal tirado em face da r. decisão monocrática, a parte autora já tinha cassado os poderes de representação até então concedidos ao causídico, de modo que os atos processuais levados a cabo por tal advogado não encontram substrato de validade na justa medida em que não respaldados por con-trato de mandato.

Em razão da desídia demonstrada pela parte autora de constituir novo representante, deixou ela de apresentar, a partir do protocolo do agravo legal manejado em face da r. decisão monocrática, capacidade postula-tória, pressuposto processual necessário para que a relação processual pudesse se desenvolver validamente, de modo que não devem ser conhe-cidos os atos processuais (recursos) apresentados por ela após a caracte-rização da ausência de indicado pressuposto processual, o que impõe, como consequência, a formação de coisa julgada nos termos em que a questão foi definida na r. decisão monocrática.

Precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça.

Acolhida questão de ordem para reconhecer a ocorrência de trânsito em julgado da r. decisão monocrática em razão da caracterização de au-sência de pressuposto processual necessário ao desenvolvimento regular desta relação processual em decorrência da falta de capacidade postu-latória da parte autora (que cassou o mandato então deferido ao advo-gado atuante neste feito e não constituiu, incontinentemente, outro para representá-la neste feito).

acÓrDão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, deci-de a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por una-nimidade, acolher questão de ordem para reconhecer a ocorrência de trânsito em julgado da r. decisão monocrática em razão da caracterização de ausência de pressuposto processual necessário ao desenvolvimento regular desta relação processual em decorrência da falta de capacidade postulatória da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 26 de junho de 2017.

Fausto De Sanctis Desembargador Federal

Page 187: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������187

QUestão De orDem

Trata-se de feito no qual a Vice-Presidência deste E. Tribunal determinou a restituição dos autos à Turma Julgadora para eventual apreciação de questão de ordem atinente à capacidade postulatória da parte autora. Isso porque, con-forme petição de fls. 236/237, o Ilustre Advogado atuante até então neste feito (Dr. Renato Matos Garcia) informou que a parte autora revogou seus poderes de representação em 04.06.2014, sendo que ele continuou a exercer o múnus advocatício até 09.12.2016 (data de protocolo da petição indicada), a despeito de não mais respaldado de mandato para tal finalidade, motivo pelo qual re-quer sejam considerados inexistentes os atos judiciais levados a efeito a partir de 14.06.2014.

Com efeito, analisando a situação peculiar destes autos, verifica-se que a demanda foi distribuída nesta E. Corte Regional em 29.06.2007 (fl. 177v), cabendo considerar a exaração da r. decisão monocrática de fls. 179/183 em 24.02.2016 (cuja disponibilização no Diário Eletrônico da Justiça Federal da 3ª Região ocorreu em 01.03.2016 – fl. 185). Sobreveio a interposição de agravo legal pela parte autora (fls. 186/198), o que ensejou o v. acordão de fls. 203/207 (disponibilizado no Diário Eletrônico da Justiça Federal da 3ª Re-gião em 01.08.2016 – fl. 208). Do v. acórdão mencionado houve a interposi-ção de Recurso Especial pela parte autora (fls. 209/226), inadmitido na origem (fls. 230/232), o que culminou com a apresentação de agravo com o objetivo de destrancamento do recurso excepcional (fls. 234/235).

Destaque-se que todos os atos processuais levados a efeito pela parte autora após a r. decisão monocrática de fls. 179/183 foram praticados pelo Dr. Renato Matos Garcia, a despeito dele não mais deter o poder de representá--la em juízo, de acordo com o que se infere do documento de fl. 237 (revogação do mandato exercida pela parte autora em 04.06.2014).

Dentro desse contexto, aplicando-se o art. 44, do Código de Processo Civil de 1973 (então vigente ao tempo dos fatos), deveria a parte autora, ao revogar o mandato outorgado ao seu advogado, constituir, de imediato, novo patrono à causa – assim, cabia à parte autora, no mesmo momento em que destituía seu advogado, nomear outro a fim de que seus interesses pudessem ser postulados judicialmente, fato este que somente ocorreu após sua intimação pessoal para tanto em 2017 (fls. 240 e 244/245). Importante consignar que a constituição de novo patrono somente se deu com o protocolo da petição de fl. 244 em 13.03.2017.

Em razão da desídia demonstrada, entendo que a parte autora deixou de apresentar, a partir do protocolo do agravo legal manejado em face da r. decisão monocrática de fls. 179/183, capacidade postulatória, pressuposto pro-cessual necessário para que a relação processual pudesse se desenvolver. Digo

Page 188: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

188 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

isso, pois, ao tempo da interposição do recurso de apelação, o Dr. Renato Matos Garcia detinha poderes para representá-la em juízo, de modo que reputo lícita a análise de seus argumentos que levaram a exaração da r. decisão monocrática indicada (a despeito dela ter sido proferida após 04.06.2014 – data da revoga-ção da procuração judicial). Todavia, a partir do manejo do agravo legal, a parte autora já tinha cassado os poderes de representação até então outorgados ao Dr. Renato (sem que houvesse nomeado outro defensor, ônus que lhe competia levar a efeito, a teor do art. 44, do Diploma Processual de 1973), de modo que os atos processuais levados a cabo pelo Dr. Renato não encontravam substrato de validade na justa medida em que não respaldados por contrato de mandato.

O exposto, aliado à disciplina constante do art. 44, do Código de Pro-cesso Civil de 1973, impõe o não conhecimento dos atos processuais (recursos) apresentados pela parte autora após a ausência de pressuposto processual relati-vo à cassação de mandato judicial (capacidade postulatória), com a consequen-te formação de coisa julgada nos autos nos termos em que a questão foi definida na r. decisão monocrática de fls. 179/183. Nesse sentido é o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL – RENÚNCIA AO MANDATO APÓS A INTERPOSIÇÃO DO RECURSO – INÉRCIA DO RECORRENTE – AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL CARACTERIZADA – I – Os pressupostos processuais devem es-tar presentes ao longo de toda a marcha processual, inclusive na fase recursal. II – Desatendido o pressuposto da representação processual após a interposição do recurso, em virtude de renúncia ao mandato, cabe ao recorrente nomear ou-tro advogado, sob pena de não conhecimento do recurso. III – Agravo regimen-tal não conhecido” (AgRg-Ag 891.027/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T., Julgado em 02.09.2010, DJe 15.09.2010).

“PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRU-MENTO – AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO NOS AUTOS – RENÚNCIA – NÃO REGULARIZAÇÃO – AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL – NÃO CO-NHECIMENTO – 1. A ausência de representação processual, ainda que prove-niente de renúncia posterior à interposição do recurso, impõe à parte o dever de regularização, sob pena de não conhecimento do recurso por ausência de pres-suposto processual. 2. Agravo regimental não conhecido” (AgRg-Ag 1399568/SP, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª T., Julgado em 17.09.2013, DJe 22.10.2013).

Dispositivo

Ante o exposto, voto por promover a presente questão de ordem para reconhecer a ocorrência de trânsito em julgado da r. decisão monocrática de fls. 179/183 em razão da caracterização de ausência de pressuposto processual necessário ao desenvolvimento regular desta relação processual em decorrên-

Page 189: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������189

cia da falta de capacidade postulatória da parte autora (que cassou o mandato então deferido ao advogado atuante neste feito e não constituiu, incontinente-mente, outro para representá-la neste feito), nos termos anteriormente tecidos.

Fausto De Sanctis Relator

Page 190: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Parte Geral – Jurisprudência

9142

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoApelação Cível nº 5074684‑71.2015.4.04.7100/RSRelator: Luís Alberto D’ Azevedo AurvalleApelante: Gilberto Antonio Gobi

Restaurantes Gobby’s Ltda. – ME Roberto Antonio Gobbi

Advogado: Aliçar IbrahimApelado: Caixa Econômica Federal – CEF

ementa

açãO mOnitória – cdc – cOntratO bancáriO – pessOa jurídica – inversãO dO Ônus da prOva – capitalizaçãO – tarifas bancárias

Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às instituições financei-ras (Súmula nº 297 do STJ) e às pessoas jurídicas que se enquadram no conceito de consumidor descrito no art. 2º da Lei nº 8.078/1990, – que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

A inversão do ônus da prova, como mecanismo de facilitação de defesa, não é automática e subordina-se ao critério do juiz, quando for verossí-mil a alegação ou quando o postulante for hipossuficiente (art. 6º, VIII do CDC).

Segundo entendimento atualmente adotado no Superior Tribunal de Justiça, é legítima a capitalização composta dos juros em periodicidade inferior à anual nos contratos de mútuo comum com fulcro na Medida Provisória nº 1.963-17/2000, reeditada sob o nº 2.170-36/2001, desde que firmada a avença sob a vigência do novo regulamento (31.03.2000) e expressamente prevista a prática remuneratória nesta sistemática, bem como sua periodicidade.

Havendo previsão contratual para a cobrança de lançamentos como ta-rifa de Abertura de Conta, de Contratação, de Excesso sobre Limite e de Renovação, Retificação e Manutenção, tal proceder é legítimo.

acÓrDão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unani-midade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Page 191: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������191

Porto Alegre, 05 de julho de 2017.

Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle Relator

relatÓrio

Trata-se de ação monitória objetivando a cobrança do montante de R$ 40.417,63, em 05.11.2015, correspondente ao Contrato de Abertura de Li-mite de Crédito Girocaixa de nº 180454734000014460.

A parte demandada apresentou embargos monitórios, arguindo, prelimi-narmente, a iliquidez da dívida. No mérito, sustenta a necessidade de incidên-cia do CDC, em especial no tocante ao tratamento das cláusulas contratuais abusivas e à inversão do ônus da prova. Requereu a limitação da taxa de juros, bem como o afastamento da capitalização dos juros. Salientou a ilegalidade na cobrança da comissão de permanência, apontando sua cumulação com juros moratórios e multa contratual. Por fim, defendeu a nulidade da cláusula que prevê o pagamento de honorários advocatícios e da que prevê a cobrança de tarifa para abertura de crédito. Pediu, ainda, liminar para retirar o nome dos em-bargantes do cadastro de inadimplentes, bem como a concessão do benefício de gratuidade judiciária.

Sobreveio sentença julgando improcedente os embargos monitórios. Condeno os embargantes ao pagamento das custas processuais e dos honorá-rios advocatícios, estes fixados em 10% do valor atualizado da causa, a teor do art. 85, caput e §§ 2º e incisos, e § 6º, do Código de Processo Civil, observado o benefício da gratuidade judiciária.

Em suas razões, a parte embargante sustentou, em síntese, que o contrato firmado pelas partes versa o modelo de adesão, cujas cláusulas são aprovadas unilateralmente pelo autor, fornecedor de serviços, sem que os consumidores possam discutir ou modificar seu conteúdo, devendo ser reconhecida a inci-dência do CDC no contrato em análise, aplicando-se o princípio da inversão do ônus probatório. Mencionou que não há título certo, líquido e exigível, não se revestindo a cédula de crédito bancário das formalidades legais exigíveis para que lhe atribua a força de título executivo. Apontou a impossibilidade de capita-lização mensal dos juros, da incidência da taxa de rentabilidade, o afastamento dos consectários da mora e a ilegalidade das tarifas bancárias.

Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.

É o relatório.

Page 192: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

192 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

voto

Sobre a questão posta, valho-me do relatório da sentença, a fim de me-lhor esclarecer a lide:

2 FUNDAMENTAÇÃO

2.1 Considerações

A parte embargante celebrou com a Caixa Econômica Federal o Contrato de Abertura de Limite de Crédito Girocaixa de nº 180454734000014460, resultan-do em um débito no valor total de R$ 40.417,63, (Evento 1, CONTR12), dando causa ao ajuizamento da ação monitória pela instituição financeira.

Nesse passo, invocando a presença de cláusulas abusivas, a parte demandada pugna, nestes embargos monitórios, pela limitação da taxa de juros e pela ex-clusão das cláusulas que estabelecem a capitalização mensal, a incidência de comissão de permanência cumulada com taxa de rentabilidade do contrato em exame, além da cobrança de honorários advocatícios e de tarifa de abertura de crédito.

2.2 Preliminares

2.2.1 Inépcia da inicial. Título. Liquidez

A demanda monitória restou devidamente instruída com o contrato e os respec-tivos extratos e planilha demonstrativa da composição da dívida, documentos estes que constituem título executivo extrajudicial líquido e certo, na forma do art. 784, caput e inciso III do Código de Processo Civil (CPC).

Nesse sentido:

AGRAVO – DECISÃO TERMINATIVA – EMBARGOS À EXECUÇÃO – CON-TRATOS BANCÁRIOS – CONSOLIDAÇÃO, CONFISSÃO E RENEGOCIA-ÇÃO DE DÍVIDA – EMPRÉSTIMO/FINANCIAMENTO DE PESSOA JURÍDICA – CERCEAMENTO DE DEFESA – PROVA PERICIAL – TÍTULO EXECUTIVO – REVISÃO GERAL DA DÍVIDA – DEMONSTRATIVO DE DÉBITO – CDC – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – LIMITAÇÃO E CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS – COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – MORA DEBENDI – TR – 1. Se o julgador considera que há elementos probatórios nos autos suficientes para a formação da sua convicção, não há que se falar em violação ao devido processo legal ou cerceamento do direito de defesa pela não confecção de alguma prova. 2. O contrato de consolidação, con-fissão e renegociação de dívida, quando assinado pelo devedor e por duas testemunhas, é título executivo extrajudicial, preenchendo, em princípio, os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade do débito. Súmula nº 300/STJ. 3. Inexiste qualquer óbice para que, pela via dos embargos à execução, seja promovida a revisão geral da dívida, inclusive do ajuste objeto de re-negociação que deu origem ao título exequendo, dada a amplitude cogni-tiva desse incidente e o disposto na Súmula nº 286/STJ. 4. Para os fins do art. 614, inciso II, do Código de Processo Civil, reputa-se suficiente a jun-tada do contrato que embasa a execução por quantia certa e da planilha de evolução do débito. 5. Os contratos bancários, regra geral, submetem-

Page 193: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������193

-se à disciplina do Código de Defesa do Consumidor. Súmula nº 297/STJ. 6. Não se justifica a inversão do ônus da prova quando constante nos au-tos toda a documentação necessária ao julgamento da lide, em especial o contrato que embasa a ação executiva. 7. Os juros remuneratórios não es-tão sujeitos à limitação de 12% ao ano, podendo ser fixados em patamar superior. Apenas quando restar cabalmente comprovada a exorbitância do encargo é que se admite o afastamento do percentual de juros avençados pelas partes contratantes. Súmula Vinculante nº 07. Súmulas nºs 596/STF e 382/STJ. 9. O art. 5º da Medida Provisória nº 2.170-36/2001 (reedição da Medida Provisória nº 1.963-17/2000), autorizativo da capitalização mensal nos contratos bancários em geral, foi declarado inconstitucional pela Cor-te Especial deste Tribunal (Incidente de Argüição de Inconstitucionalidade nº 2001.71.00.004856-0/RS, DJU 08.09.2004). 10. É lícita a pactuação da comissão de permanência, desde que não cumulada com quaisquer outros encargos remuneratórios ou moratórios previstos para a situação de inadim-plência, eis que incompatíveis. 11. A cobrança de encargos ilegais não im-plica mora do devedor em caso de inadimplemento, devendo ser expurga-das todas as parcelas de natureza moratória exigidas pelo agente financeiro. 12. A aplicação da Taxa Referencial (TR) como índice oficial de correção do débito é pacificamente admitida pela jurisprudência dos Tribunais Superio-res nos contratos firmados após o advento da Lei nº 8.177/1991, contanto que avençada entre as partes (TRF 4ª R., Processo AC 200872050003397, Relª Desª Fed. Dra. Maria Lúcia Luz Leiria, 3ª T., Fonte: DE 09.06.2010 – grifei).

Ademais, ainda que a Caixa pudesse ajuizar diretamente execução de título ex-trajudicial, a presente demanda é uma ação monitória, para a qual basta a exis-tência de prova escrita, sem eficácia de título executivo, nos termos do disposto no art. 700 do CPC.

Rejeita-se, portanto, a prefacial.

2.3 No mérito – Limites da lide

Nesse passo, a discussão deve limitar-se às pretensões da parte autora, consis-tentes na limitação dos juros, na vedação da sua capitalização mensal, da co-brança da comissão de permanência cumulada com outros encargos morató-rios, de honorários advocatícios e de tarifa de abertura de crédito.

2.3.1 Código de Defesa do Consumidor

É aplicável ao caso o CDC, como assentou o STJ na Súmula nº 297:

O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

2.3.2 Taxa de juros. Limitação

A norma constitucional prevista no art. 192, § 3º, que limitava as taxas de ju-ros aplicadas pelas instituições financeiras ao limite de 12% ao ano em suas operações restou revogada por ocasião da Emenda Constitucional nº 40, de 29 de maio de 2003. Nada obstante, a jurisprudência da Corte já se orientava no sentido de que o dispositivo não era auto-aplicável, culminando na edição da Súmula Vinculante nº 7 do STF:

Page 194: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

194 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela Emenda Consti-tucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de Lei Complementar.

Quanto à Lei de Usura (Decreto nº 22.626/1933), revela-se inaplicável às insti-tuições financeiras, consoante orientação do STJ, a saber:

AGRAVO REGIMENTAL – RECURSO ESPECIAL – SÚMULA Nº 115/STJ – NÃO INCIDÊNCIA – CONTRATO BANCÁRIO – ALIENAÇÃO FIDUCIÁ-RIA – JUROS REMUNERATÓRIOS – CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDI-TO – INSCRIÇÃO – POSSIBILIDADE – HONORÁRIOS – COMPENSAÇÃO – 1. Não se exige a apresentação de cópia do contrato social para demons-trar a regularidade de representação processual. 2. A Segunda Seção des-ta Corte pacificou entendimento no sentido de que, com a edição da Lei nº 4.595/1964, não se aplica a limitação de 12% ao ano aos contratos cele-brados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, salvo nas hipóteses previstas em legislação específica. Súmula nº 382/STJ. 3. Só é permitida a exclusão do nome do devedor dos cadastros de inadimplen-tes, quando implementadas, concomitantemente, as seguintes condições: (a) o ajuizamento de ação pelo devedor, contestando a existência parcial ou integral do débito, (b) a efetiva demonstração de que a contestação da co-brança indevida funda-se na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça e, (c) sendo a contestação apenas de parte do débito, o depósito do valor referente à parte tida por incontroversa, ou preste caução idônea, ao pru-dente arbítrio do magistrado. 4. Agravo regimental não provido (STJ, AgREsp 200700166044, 3ª T., Rel. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 01.12.2010).

AGRAVO REGIMENTAL – AÇÃO REVISIONAL – CONTRATO BANCÁRIO – JUROS REMUNERATÓRIOS – LIMITAÇÃO – INAPLICABILIDADE – CO-MISSÃO DE PERMANÊNCIA – POSSIBILIDADE DE COBRANÇA DESDE QUE NÃO CUMULADA COM OS DEMAIS ENCARGOS MORATÓRIOS – I – Os juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras não so-frem as limitações da Lei da Usura, nos termos da Súmula nº 596 do STF, dependendo eventual redução de comprovação do abuso, não caracteriza-do pelo simples fato de os juros serem pactuados em percentual superior a 12% ao ano. II – É admitida a cobrança da comissão de permanência no período da inadimplência nos contratos bancários, à taxa de mercado, des-de que (i) pactuada, (ii) cobrada de forma exclusiva – ou seja, não cumulada com outros encargos moratórios, remuneratórios ou correção monetária – e (iii) que não supere a soma dos seguintes encargos: taxa de juros remunera-tórios pactuada para a vigência do contrato; juros de mora; e multa contra-tual. III – Agravo Regimental improvido (STJ, AgREsp 200801965402, 3ª T., DJe 22.02.2011).

Saliente-se que as taxas pactuadas eram de conhecimento anterior do contratan-te que as aceitou, deixando de adimplir os financiamentos em decorrência de dificuldades próprias.

Quanto à pretendida limitação à taxa de mercado vigente, não lhe assiste razão porque não restou sequer demonstrado que esta teria sido superada, o que po-

Page 195: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������195

deria ter sido efetuado pela parte interessada mediante simples cotejo entre os percentuais utilizados no caso em tela e o registrado no site do Banco Central do Brasil.

Desse modo, sem razão a parte embargante no que toca à pretendida limitação dos juros remuneratórios.

2.3.3 Capitalização de juros

A parte embargante insurge-se contra a capitalização dos juros.

A capitalização é a incidência de juros sobre juros, ou seja, quando se somam os juros do mês transcorrido ao saldo devedor e sobre esta nova dívida são cobrados os juros do período subsequente, o que é vedado pela Lei da Usura (art. 4º). De acordo com a MP 1.963-17, de 30.03.2000 (atual MP 2.170-36), a restrição da Lei de Usura não se aplica às instituições integrante do Sistema Financeiro Nacional, sendo permitida a capitalização dos juros em período in-ferior a um ano.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por sua colenda Corte Especial, de-clarou a inconstitucionalidade do dispositivo das medidas provisórias em ques-tão que autorizavam a capitalização, razão pela qual entendia incabível essa prática em período inferior a um ano.

Todavia, o STJ tem-se manifestado no sentido de ser válida a medida provisória que autoriza a capitalização mensal dos juros, desde que o contrato tenha sido celebrado após sua edição.

CIVIL E PROCESSUAL – RECURSO ESPECIAL REPETITIVO – AÇÕES RE-VISIONAL E DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO – CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – CAPITALIZAÇÃO DE JUROS – JUROS COMPOSTOS – DE-CRETO Nº 22.626/1933 – MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.170-36/2001 – CO-MISSÃO DE PERMANÊNCIA – MORA – CARACTERIZAÇÃO

1. A capitalização de juros vedada pelo Decreto nº 22.626/1933 (Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano e permitida pela Medida Provisória nº 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, tem por pressupos-to a circunstância de os juros devidos e já vencidos serem, periodicamen-te, incorporados ao valor principal. Os juros não pagos são incorporados ao capital e sobre eles passam a incidir novos juros. 2. Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de “taxa de juros simples” e “taxa de juros compostos”, métodos usados na formação da taxa de juros contratada, prévios ao início do cumprimento do contrato. A mera circuns-tância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não implica capitalização de juros, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo método composto, o que não é proibido pelo Decreto nº 22.626/1933. 3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC: – “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.03.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.” – “A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros

Page 196: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

196 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobran-ça da taxa efetiva anual contratada”. 4. Segundo o entendimento pacificado na 2ª Seção, a comissão de permanência não pode ser cumulada com quais-quer outros encargos remuneratórios ou moratórios. 5. É lícita a cobrança dos encargos da mora quando caracterizado o estado de inadimplência, que decorre da falta de demonstração da abusividade das cláusulas contratuais questionadas. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido (REsp 973.827/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Relª p/ Ac. Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª S., Julgado em 08.08.2012, DJe 24.09.2012).

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL – AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO – CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS REMUNERATÓRIOS – POSSIBILIDADE A PARTIR DA EDIÇÃO DA MP 1.963-17/2000 – SÚMULA Nº 168/STJ – IMPOSSIBILIDADE, IN CASU, ANTE A AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO – REEXAME DE CLÁUSULAS CON-TRATUAIS E DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO CARREADO AOS AUTOS – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULAS NºS 05 E 07 DO STJ – 1. Conso-ante entendimento consolidado da e. Segunda Seção, desde que pactuada, é cabível a capitalização dos juros remuneratórios, com periodicidade inferior a um ano, nos contratos bancários celebrados a partir de 31 de março de 2000, data da publicação da primitiva edição da atual MP 2.170-36/2001 (MP 1.963-17/2000). [...](AgRg-REsp 966828/RS, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal Convocado do TRF 1ª Região) (8135), Órgão Julgador T4 – Quarta Turma, Data do Julgamento 21.08.2008)

In casu, como o contrato foi firmado em 8 de novembro de 2007 (Evento 1 – CONTR12), ou seja, posteriormente à edição da MP 1.963-17, de 30.03.2000 (atual MP 2.170-36), outra não é a conclusão senão a de ser lícita a capitaliza-ção mensal dos juros.

2.3.4 Comissão de permanência

O contrato em exame não prevê a aplicação da comissão de permanência sobre o saldo devedor.

Nos cálculos apresentados no Evento 1, constata-se que sobre o saldo devedor, incidem somente a taxa de juros remuneratórios, os juros moratórios e a multa contratual de 2%, inexistindo a incidência de comissão de permanência sobre o saldo devedor. Ora, não havendo qualquer evidência de que o referido encargo esteja sendo cobrado nas planilhas de evolução dos financiamentos, merece ser rejeitada a pretensão.

2.3.5 Dos juros de mora

Pleiteia o embargante a exclusão dos juros de mora por não ser cabível sua cumulação com a comissão de permanência.

Todavia, como visto anteriormente, não há cobrança de comissão de perma-nência no presente caso, merecendo também ser rejeitada tal pretensão.

2.3.6 Das tarifas de abertura de crédito e de cobrança

Insurge-se a parte autora contra a cobrança das tarifas de abertura de crédito e de cobrança.

Page 197: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������197

A propósito do tema, o STJ decidiu, por ocasião do julgamento do REsp 1.251.331/RS, em 28.08.2013, que a tarifa de abertura de crédito (TAC) e a ta-rifa de emissão de carnê (TEC) deixam de ter amparo legal em se tratando de contratos firmados por pessoa física após 30.04.2008, quando da vigência da Resolução CMN nº 3.518/2007, verbis:

CAPITALIZAÇÃO DE JUROS – JUROS COMPOSTOS – MEDIDA PROVI-SÓRIA Nº 2.170-36/2001 – RECURSOS REPETITIVOS – CPC, ART. 543-C – TARIFAS ADMINISTRATIVAS PARA ABERTURA DE CRÉDITO (TAC), E EMISSÃO DE CARNÊ (TEC) – EXPRESSA PREVISÃO CONTRATUAL – CO-BRANÇA – LEGITIMIDADE – PRECEDENTES – MÚTUO ACESSÓRIO PARA PAGAMENTO PARCELADO DO IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINAN-CEIRAS (IOF) – POSSIBILIDADE – [...] 2. Nos termos dos arts. 4º e 9º da Lei nº 4.595/1964, recebida pela Constituição como lei complementar, compete ao Conselho Monetário Nacional dispor sobre taxa de juros e sobre a remuneração dos serviços bancários, e ao Banco Central do Brasil fazer cumprir as normas expedidas pelo CMN. 3. Ao tempo da Resolução CMN nº 2.303/1996, a orientação estatal quanto à cobrança de tarifas pelas ins-tituições financeiras era essencialmente não intervencionista, vale dizer, “a regulamentação facultava às instituições financeiras a cobrança pela presta-ção de quaisquer tipos de serviços, com exceção daqueles que a norma de-finia como básicos, desde que fossem efetivamente contratados e prestados ao cliente, assim como respeitassem os procedimentos voltados a assegurar a transparência da política de preços adotada pela instituição”. 4. Com o início da vigência da Resolução CMN nº 3.518/2007, em 30.04.2008, a co-brança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limita-da às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizadora expedida pelo Banco Central do Brasil. 5. A Tarifa de Abertura de Crédito (TAC) e a Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) não foram previstas na Tabela anexa à Circular Bacen nº 3.371/2007 e atos normativos que a sucederam, de forma que não mais é válida sua pactuação em contratos posteriores a 30.04.2008. 6. A cobrança de tais tarifas (TAC e TEC) é permitida, portanto, se basea-da em contratos celebrados até 30.04.2008, ressalvado abuso devidamente comprovado caso a caso, por meio da invocação de parâmetros objetivos de mercado e circunstâncias do caso concreto, não bastando a mera remissão a conceitos jurídicos abstratos ou à convicção subjetiva do magistrado. 7. Per-manece legítima a estipulação da Tarifa de Cadastro, a qual remunera o ser-viço de “realização de pesquisa em serviços de proteção ao crédito, base de dados e informações cadastrais, e tratamento de dados e informações neces-sários ao inicio de relacionamento decorrente da abertura de conta de de-pósito à vista ou de poupança ou contratação de operação de crédito ou de arrendamento mercantil, não podendo ser cobrada cumulativamente” (Tabe-la anexa à vigente Resolução CMN nº 3.919/2010, com a redação dada pela Resolução nº 4.021/2011). 8. É lícito aos contratantes convencionar o paga-mento do Imposto sobre Operações Financeiras e de Crédito (IOF) por meio financiamento acessório ao mútuo principal, sujeitando-o aos mesmos en-cargos contratuais. 9. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC: – 1ª Tese: Nos contratos bancários celebrados até 30.04.2008 (fim da vigência da Re-solução CMN nº 2.303/1996) era válida a pactuação das tarifas de abertura

Page 198: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

198 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador, ressalvado o exame de abusividade em cada caso concreto. – 2ª Tese: Com a vigência da Resolução CMN nº 3.518/2007, em 30.04.2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas fí-sicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma padro-nizadora expedida pela autoridade monetária. Desde então, não mais tem respaldo legal a contratação da Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) e da Tarifa de Abertura de Crédito (TAC), ou outra denominação para o mesmo fato ge-rador. Permanece válida a Tarifa de Cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira. – 3ª Tese: Podem as partes convencionar o pagamento do Impos-to sobre Operações Financeiras e de Crédito (IOF) por meio de financiamen-to acessório ao mútuo principal, sujeitando-o aos mesmos encargos contra-tuais. 10. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1251331/RS, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª S., Julgado em 28.08.2013, DJe 24.10.2013) (grifos)

In casu, contudo, nota-se que a parte autora teceu considerações genéricas acerca da incidência de tais tarifas sem demonstrar sua efetiva cobrança por parte da instituição financeira, sem falar que as avenças foram firmadas por pessoa jurídica (TRF 4ª R., Apelação Cível nº 5001567-16.2012.404.7015, em 21.02.2014).

2.3.7 Dos honorários advocatícios

Da análise do demonstrativo de débito colacionado com a inicial (Evento 1 – CALC3) verifica-se não haver qualquer cobrança a título de honorários advo-catícios, periciais ou despesas de cobrança, de modo que a alegação da parte embargante deve ser rejeitada.

2.3.8 Descaracterização da mora. Repetição

A respeito da descaracterização da mora, o Superior Tribunal de Justiça unifi-cou entendimento na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil no REsp 1.061.530/RS (2ª S., Relª Min. Nancy Andrighi, Julgado em 22.10.2008, DJe de 10.03.2009):

ORIENTAÇÃO 2 – CONFIGURAÇÃO DA MORA

a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da nor-malidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora;

b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos ine-rentes ao período de inadimplência contratual.

Em face da improcedência das teses versadas na exordial, prevalece a mora, na esteira do julgado do Superior Tribunal de Justiça.

Page 199: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������199

aplicaçãO dO cdc e fOrma de cOntrataçãO

Cediço que o Código de Defesa do Consumidor tem aplicação nos con-tratados de contrato de empréstimo bancário, sendo desnecessárias maiores di-gressões sobre o tema. Contudo, a submissão dos contratos bancários às regras e princípios do CDC não implica nulidade automática das suas cláusulas, tam-pouco inversão obrigatória do ônus probatório.

Esclareço, contudo, que no caso de divergência quanto à interpretação dos termos do contrato, deverá ser adotada a exegese mais favorável à parte que se obriga por adesão.

Quanto à forma de contratação, tenho que a natureza adesiva não com-promete a liberdade do aderente em contratar, já que apenas o impede de esti-pular cláusulas. Em razão disso, não há falar em nulidade do instrumento pelo simples fato de ser de adesão, desde que a liberdade de contratação tenha sido respeitada. Veja-se que a coação não pode ser presumida, tampouco decorre do estabelecimento unilateral das condições gerais do contrato.

Por fim, destaco que as abusividades contratuais devem ser objeto de impugnação específica pelo consumidor, não sendo possível o reconhecimento de ofício pelo julgador, nos termos da Súmula nº 381 do STJ.

capitalizaçãO mensal de jurOs

A questão relativa à possibilidade de capitalização mensal de juros nos contratos bancários firmados após a edição da MP 2.170/2001, foi recentemen-te examinada pelo Supremo Tribunal Federal no Julgamento do RE 592377, o qual consolidou entendimento no sentido de que “não se pode negar que o tema tratado pelo art. 5º da MP 2.170/2001 é relevante, porquanto o tratamento normativo dos juros é matéria extremamente sensível para a estruturação do sistema bancário, e, consequentemente, para assegurar estabilidade à dinâmica da vida econômica do país. 3. Por outro lado, a urgência para a edição do ato também não pode ser rechaçada, ainda mais em se considerando que, para tal, seria indispensável fazer juízo sobre a realidade econômica existente à época, ou seja, há quinze anos passados”.

O acórdão proferido no julgamento antes referido foi ementado nos se-guintes termos:

CONSTITUCIONAL – ART. 5º DA MP 2.170/2001 – CAPITALIZAÇÃO DE JU-ROS COM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO – REQUISITOS NECESSÁ-RIOS PARA EDIÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA – SINDICABILIDADE PELO PODER JUDICIÁRIO – ESCRUTÍNIO ESTRITO – AUSÊNCIA, NO CASO, DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA NEGÁ-LOS – RECURSO PROVIDO – 1. A jurisprudência da Suprema Corte está consolidada no sentido de que, con-quanto os pressupostos para a edição de medidas provisórias se exponham ao

Page 200: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

200 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

controle judicial, o escrutínio a ser feito neste particular tem domínio estrito, justificando-se a invalidação da iniciativa presidencial apenas quando atesta-da a inexistência cabal de relevância e de urgência. 2. Não se pode negar que o tema tratado pelo art. 5º da MP 2.170/2001 é relevante, porquanto o trata-mento normativo dos juros é matéria extremamente sensível para a estruturação do sistema bancário, e, consequentemente, para assegurar estabilidade à dinâ-mica da vida econômica do país. 3. Por outro lado, a urgência para a edição do ato também não pode ser rechaçada, ainda mais em se considerando que, para tal, seria indispensável fazer juízo sobre a realidade econômica existen-te à época, ou seja, há quinze anos passados. 4. Recurso extraordinário pro-vido. (RE 592377, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Relator(a) p/ Ac. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 04.02.2015, Acórdão Eletrônico DJe-055 Divulg. 19.03.2015, Public. 20.03.2015)

Logo, declarada a constitucionalidade formal do art. 5º da MP 2.170-36/2001, para a análise acerca da possibilidade de capitalização mensal dos juros, importa saber se o contrato é posterior a 31.03.2000, data da publicação da MP 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001).

Ao tratar da questão, o STJ consolidou entendimento no sentido de que a capitalização mensal de juros somente é permitida nos contratos firmados após a vigência da MP 2.170/2001, desde que pactuada de forma expressa e clara. A matéria, inclusive é objeto da Súmula nº 539 abaixo transcrita, verbis:

É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em con-tratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31.03.2000 (MP 1.963-17/2000, reeditada como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.

(Súmula nº 539, 2ª S., Julgado em 10.06.2015, DJe 15.06.2015)

Ainda de acordo com o julgamento paradigmático do e. STJ supra trans-crito, para configurar a pactuação expressa de capitalização de juros basta que a previsão contratual de taxa de juros anual seja superior ao duodécuplo da mensal.

No caso em tela, estando devidamente expressa a capitalização mensal de juros no contrato – taxa de juros anual (13,80%) é superior ao duodécuplo da taxa mensal (evento 1 – outros 4).

Nesse norte:

ADMINISTRATIVO – AÇÃO MONITÓRIA – EMBARGOS – CONTRATO BAN-CÁRIO – CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – GIROCAIXA – PRODUÇÃO DE PROVA – VIA ADEQUADA – LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS – IMPOSSIBILI-DADE – CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS – PACTUAÇÃO

1. A matéria objeto dos presentes embargos à ação monitória é a revisão con-tratual decorrente de cláusulas ilegais e/ou abusivas, o que não impõe a perícia

Page 201: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������201

técnica para a sua demonstração, por se tratar de matéria de direito, cuja verifi-cação se dá no instrumento contratual e demonstrativo de débito.

2. Os requisitos de exigibilidade, liquidez e certeza não são exigidos para o ajuizamento da ação cognitiva, pois basta que o credor ingresse com a ação monitória e comprove o fato constitutivo de seu direito, buscando por essa via a formação do título para instruir futura execução.

3. A limitação relativa à taxa de juros remuneratórios, fixada pelo Decreto nº 22.626/1933 em 12% ao ano, não é aplicável aos contratos firmados com instituição financeiras.

4. “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.03.2000, data da publicação da Medida Provi-sória nº 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expres-samente pactuada. A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anula contratada” (REsp 973827/RS, Relª p/ Ac. Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª S., DJe 24.09.2012).

5. Cabível sua cobrança quando convencionada, inexistindo abusividade em decorrência da sua cumulação com os juros de mora, porquanto nada tem de ilegal a fixação de pena convencional a título de perdas e danos (art. 404 do Código Civil). (TRF 4ª R., Ap 5001909-31.2015.4.04.7109/RS, 3ª T., Rel. Des. Fed. Fernando Quadros da Silva, Julgado em 30 de maio de 2017)

da cObrança de taxas e tarifas

Quanto às taxas administrativas, havendo previsão contratual para a co-brança de lançamentos como Tarifa de Abertura de Conta, de Contratação, de Excesso sobre Limite e de Renovação, Retificação e Manutenção, tal proceder é legítimo, pois a Resolução Bacen nº 2.303/1996 autoriza os bancos a cobrarem tarifas pelos serviços prestados (art. 2º, § 1º), desde que obedecidos os limites ali fixados, inclusive quanto à necessidade de “fixação de quadro nas dependên-cias” das instituições financeiras, “em local visível ao público”, da “relação dos serviços tarifados e respectivos valores” (inc. I do art. 2º).

Nesse norte:

ADMINISTRATIVO – EMBARGOS À AÇÃO MONITÓRIA – CONTRATO BAN-CÁRIO – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS – CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS – CAPITALIZAÇÃO DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – TARIFAS E TAXAS BANCÁRIAS – COBRANÇA DO IOF [...] Em sede de repercussão ge-ral, no julgamento do REsp 1.251.331/RS, em 28.08.2013, o STJ decidiu que a tarifa de abertura de crédito (TAC) e a tarifa de emissão de carnê (TEC) não possuem mais supedâneo legal para contratos firmados com pessoas físicas após 30.04.2008, com o início da vigência da Resolução CMN nº 3.518/2007. O

Page 202: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

202 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

contrato em avença foi firmado em 2013, circunstância que autorizaria o afas-tamento da cobrança. Todavia, não há restrição se o contrato houver sido fir-mado com pessoa jurídica, o que é o caso dos autos. (TRF 4ª R., AC 5019149-94.2014.404.7003, 3ª T., Rel. Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 29.11.2016)

mOra dO devedOr

Restou pacificado que eventual abuso quanto a qualquer dos encargos moratórios não descaracteriza a mora, o que inocorre nos autos.

Sendo devido a extirpação ou dedução do abuso sem que haja interfe-rência ou reflexo na caracterização da mora em que o consumidor tenha even-tualmente incidido, pois a configuração dessa é condição para a incidência dos encargos relativos ao período de inadimplência, e não o contrário.

Sobre o tema, o STJ fixou entendimento nesse sentido no REsp 1061530, julgado sob o rito do art. 543-C:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO – INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO – JUROS REMUNERATÓRIOS – CONFIGURAÇÃO DA MORA – JUROS MORATÓRIOS – INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CA-DASTRO DE INADIMPLENTES – DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO – DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO – ORIENTAÇÃO 2 – CONFIGURAÇÃO DA MORA – a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da norma-lidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora; b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos ine-rentes ao período de inadimplência contratual. [...] Verificada a cobrança de encargo abusivo no período da normalidade contratual, resta descaracterizada a mora do devedor. (Relª Min. Nancy Andrighi, DJe 10.03.2009)

Assim, não é possível afastar a mora do devedor.

sucumbência

As disposições do novo Código de Processo Civil – nCPC (Lei nº 13.105/2015) relativas à sucumbência processual, particularmente aos ho-norários de advogado, impôs novo ônus sucumbenciais ao recurso interposto, risco que inexistia no regramento do CPC anterior.

Na hipótese dos autos, considerando que o valor da condenação esti-pulada pelo julgador monocrático, cabe majorar a verba honorária para 11% (onze por cento), dada a ausência de complexidade da matéria discutida, obser-vada a assistência judiciária gratuita deferida pelo julgador monocrático.

Em face do disposto nas Súmulas nºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não

Page 203: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������203

contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestiona-das pelas partes.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.

Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle Relator

extrato De ata Da sessão De 05.07.2017

Apelação Cível nº 5074684-71.2015.4.04.7100/RS

Origem: RS 50746847120154047100

Relator: Des. Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle

Presidente: Vivian Josete Pantaleão Caminha

Procurador: Dra. Solange Mendes de Souza

Apelante: Gilberto Antonio Gobi Restaurantes Gobby’s Ltda. – ME Roberto Antonio Gobbi

Advogado: Aliçar Ibrahim

Apelado: Caixa Econômica Federal – CEFCertifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 05.07.2017, na

sequência 345, disponibilizada no DE de 13.06.2017, da qual foi intimado(a) o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública e as demais Procuradorias Federais.

Certifico que o(a) 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígra-fe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação.

Relator Acórdão: Des. Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle

Votante(s): Des. Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior Desª Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha

Luiz Felipe Oliveira dos Santos Diretor de Secretaria

Page 204: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Parte Geral – Jurisprudência

9143

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoDesembargador Federal Fernando BragaApelação Cível nº 594738/CE (0000990‑92.2017.4.05.9999)Apte.: JB Jeans do Brasil Ltda.Adv./Proc.: Felipe Coelho Teixeira e outrosApdo.: Fazenda NacionalOrigem: 2ª Vara da Comarca de BarbalhaRelator: Desembargador Federal Fernando Braga – Terceira Turma

ementa

prOcessual civil – embargOs dO devedOr – excessO da penhOra – errO da avaliaçãO – Questões impugnáveis nO cursO da execuçãO fiscal

1. Sentença que extinguiu embargos do devedor opostos contra a Fazen-da Nacional, sem adentrar no mérito, pela inadequação da via proces-sual eleita para discutir o excesso da penhora ou erro na avaliação do bem dado em garantia.

2. A avaliação pelo oficial de justiça do bem penhorado pode ser revista quando a parte arguir a ocorrência de erro, assim como o executado tem a faculdade de requerer, após sua intimação, a substituição do bem penhorado, nos termos do inciso I do art. 873 e do art. 847 do Código de Processo Civil.

3. Por seu turno o § 1º do art. 917 do Código de Processo Civil dispõe que “a incorreção da penhora ou da avaliação poderá ser impugnada por simples petição, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da ciência do ato”.

4. Dessa forma, as questões atinentes à avaliação do bem penhorado ou de excesso da penhora devem ser levantadas no momento oportuno, nos autos da execução, conforme previsão também expressa no art. 13 da Lei nº 6.830/1980, sob pena de preclusão, de maneira que não podem ser apreciadas em sede de embargos à execução. Precedentes.

5. Acrescente-se que a alegação de excesso da penhora não restou con-clusivamente provada nos autos, posto que a embargante aponta sua dí-vida no montante de pouco mais de R$ 41.000,00 (quarenta e um mil reais), enquanto a Fazenda Nacional apresenta extrato indicando que a empresa executada tem um débito consolidado de R$ 7.411.656,80.

Page 205: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������205

6. Não se mostra plausível, como pretende a apelante, a aplicação do princípio da fungibilidade para receber sua apelação como exceção de pré-executividade a ser processada no Juízo de primeiro grau em função da preclusão do direito da exequente de impugnar a penhora.

7. Apelação improvida.

acÓrDão

Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas que passam a integrar o presente julgado.

Recife, 22 de junho 2017 (data do Julgamento).

Desembargador Federal Fernando Braga Relator

relatÓrio

O Exmo. Desembargador Federal Fernando Braga (Relator): JB Jeans do Brasil Ltda. interpõe apelação contra sentença que extinguiu embargos do de-vedor opostos contra a Fazenda Nacional, sem adentrar no mérito, pela inade-quação da via processual eleita para discutir o excesso da penhora ou erro na avaliação do bem dado em garantia. Não houve condenação em honorários advocatícios.

Aduz a apelante excesso da penhora, pois os bens foram avaliados pelo oficial de justiça em R$ 1.316.000,00 (um milhão trezentos e dezesseis mil reais) enquanto o valor da certidão da dívida ativa que embasa a execução fiscal impugnada é de pouco mais de R$ 41.000,00 (quarenta e um mil reais). Alega, ainda, que houve subavaliação do imóvel, conforme laudos que apresentou. Defende o cabimento dos embargos do devedor para suscitar tais questões, invocando o § 2º do art. 16 da Lei nº 6.830/1980 e o art. 917 do Código de Processo Civil.

Ao final, formula três pedidos alternativos: a) anulação da sentença a fim de que os embargos tenham regular processamento no juízo de origem; b) recebimento da apelação como exceção de pré-executividade a ser proces-sada no Juízo de primeiro grau; c) reconhecimento do excesso da penhora com a substituição dos bens por outros anteriormente oferecidos.

Contrarrazões, às fls. 131/133v, sustentando que a matéria ventilada nos embargos é ínsita ao processo de execução fiscal e neste dever ser dirimida,

Page 206: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

206 ��������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

nos termos dos arts. 870 a 875 do Código de Processo Civil e do art. 13 da Lei nº 6.830/1980.

Defende a impossibilidade do recebimento da apelação como exceção de pré-executividade e que não há excesso de penhora porquanto a dívida con-solidada da executada é de aproximadamente R$ 7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil reais).

É o relatório.

voto

O Exmo. Desembargador Federal Fernando Braga (Relator): A avaliação pelo oficial de justiça do bem penhorado pode ser revista quando a parte arguir a ocorrência de erro, assim como o executado tem a faculdade de requerer, após sua intimação, a substituição do bem penhorado, nos termos do inciso I do art. 873 e do art. 847 do Código de Processo Civil.

Por seu turno o § 1º do art. 917 do Código de Processo Civil dispõe que “a incorreção da penhora ou da avaliação poderá ser impugnada por simples petição, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da ciência do ato”.

Dessa forma, as questões atinentes à avaliação do bem penhorado ou de excesso da penhora devem ser levantadas no momento oportuno, nos autos da execução, conforme previsão também expressa no art. 13 da Lei nº 6.830/1980, sob pena de preclusão, de maneira que não podem ser apreciadas em sede de embargos à execução.

Nesse sentido, transcrevo os seguintes julgados:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – QUESTÕES JÁ DECIDIDAS – PRECLUSÃO – TRIBUTO NÃO PAGO PELA SO-CIEDADE – FATOS GERADORES NA GESTÃO DO SÓCIO – LEGITIMIDADE – REDIRECIONAMENTO DO EXECUTIVO – RESPONSABILIDADE PESSOAL DOS SÓCIOS – CARACTERIZAÇÃO, IN CASU, DAS HIPÓTESES LEGAIS – DIS-SOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA – SÚMULA Nº 435/STJ

1. A sentença julgou improcedentes embargos à execução fiscal.

2. Questões da prescrição e da decadência já analisadas em decisão proferida no processo executivo, com a rejeição da exceção de pré-executividade que ti-nha por objeto exatamente tais pontos, inclusive com a interposição de agravo de instrumento que teve o seu provimento negado por esta Corte Regional.

3. Nos termos do art. 917 do CPC/2016, “nos embargos à execução o execu-tado poderá alegar: I – inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obriga-ção; II – penhora incorreta ou avaliação errônea; III – excesso de execução ou cumulação indevida de execuções; IV – retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de execução para entrega de coisa certa; V – incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução; VI – qualquer matéria que lhe seria

Page 207: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������207

lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento”. Os pedidos de ex-cesso e a substituição da penhora não são assuntos a serem discutidos em sede de embargos, por ausência de previsão legal. Precedentes desta Corte.

(TRF 5ª R., AC 582247/CE, Rel. Des. Fed. Conv. Manuel Maia, 1ª T., DJe 07.04.2016)

PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – EMBARGOS DO DEVEDOR – FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL – ALIENAÇÃO APÓS A INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA NA VIGÊNCIA DO NOVO ART. 185 DO CTN – EXCESSO E SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA – QUESTÃO A SER TRATADA NO PROCESSO DE EXECUÇÃO – REDUÇÃO – HONORÁRIOS

1. Conforme dispõe o art. 185 do CTN, com a nova redação dada pela Lei Complementar nº 118/2005, presume-se a fraude à execução fiscal quando a alienação do bem imóvel ocorre após a inscrição em dívida ativa, como na hi-pótese dos presentes autos.

2. O excesso e a substituição de penhora não são matéria de defesa de embar-gos do devedor, mas questão a ser apreciada nos próprios autos da execução fiscal, a não ser que digam respeito aos aspectos formais do ato constritivo, o que não é o caso concreto.

3. Redução dos honorários advocatícios para R$ 1.000,00, porque fixados em desacordo com os requisitos legais do art. 20 do CPC, levando em consideração o valor e a singeleza da causa que não exigiu tempo, nem maiores esforços dos Procuradores Federais.

4. Apelação parcialmente provida.

(TRF 5ª R., AC 565035, Rel. Des. Fed. Manoel Erhardt, 1ª T., DJe 18.12.2013)

Demais disso a alegação de que houve excesso da penhora não restou conclusivamente provada nos autos, posto que a embargante aponta sua dívida no montante de pouco mais de R$ 41.000,00 (quarenta e um mil reais), enquan-to a Fazenda Nacional apresenta extrato, às fl. 134, indicando que a empresa executada tem um débito consolidado de R$ 7.411.656,80.

Por fim, não se mostra plausível, como pretende a apelante, a aplicação do princípio da fungibilidade para receber sua apelação como exceção de pré--executividade a ser processada no Juízo de primeiro grau em função da preclu-são do direito da exequente de impugnar a penhora.

É como voto.

Desembargador Federal Fernando Braga Relator

Page 208: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Parte Geral – Ementário de Jurisprudência9144 – Ação de cobrança – cotas condominiais – legitimidade

“Embargos de declaração. Agravo interno no recurso especial. Ação de cobrança de cotas condo-miniais. Legitimidade. Recurso repetitivo. Contradição. Inexistência. 1. Os embargos de declaração somente se prestam a sanar contradição porventura existente no acórdão, não servindo à rediscus-são da matéria já julgada no recurso. 2. Embargos de declaração rejeitados.” (STJ – EDcl-AgInt-REsp 1.376.716 – (2013/0095629-7) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 02.06.2017 – p. 978)

9145 – Ação de cobrança – despesas condominiais – aplicação

“Embargos de declaração. Agravo interno no recurso especial. Ação de cobrança de despesas con-dominiais. Aplicação da Súmula nº 211/STJ. Código de Processo Civil de 1973. Simples oposição de embargos de declaração. Prequestionamento. Necessidade. Omissão. Inocorrência. 1. Os embargos de declaração somente se prestam a sanar vício porventura existente no acórdão, não servindo à re-discussão da matéria já julgada no recurso. 2. Embargos de declaração rejeitados.” (STJ – EDcl-AgInt--Ag-REsp 423.216 – (2013/0362065-0) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 08.06.2017 – p. 1086)

Comentário editorial SÍnTeSeTrata-se de embargos de declaração opostos contra acórdão que negou provimento ao agravo interno, assim ementado:“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE COBRANÇA DE DESPE-SAS CONDOMINIAIS – ENCARGOS – APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 211/STJ1. Não tendo havido o prequestionamento do tema posto em debate nas razões do recurso especial e não tendo sido apontada ofensa ao art. 535 do CPC, incidente o Enunciado nº 211 da Súmula do STJ.2. Agravo interno a que se nega provimento.”A embargante sustentou que a decisão é omissa em relação ao seu argumento de que, mesmo que não ventilada expressamente no acórdão, a oposição de embargos de declaração supre a ausência de prequestionamento.Afirmou que a ausência de apreciação do tema importa em ofensa aos arts. 5º, LIV e LV, e 93, IX, da Constituição Federal.O STJ rejeitou os embargos de declaração.O Relator aduziu que ficou claro que a pretensão da embargante não é a análise de ponto omitido ou algum vício no julgamento, mas a modificação da conclusão da decisão embargada, mediante a revisão dos seus fundamentos, o que é incompatível com a natureza dos embargos de declaração.O ilustre Jurista Caio Mário da Silva Pereira, ao discursar sobre a Lei nº 4.591/1964, assim nos ensina:“A Lei nº 4.591/1964 estabelece, no art. 12, que cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, inclusive as com obras que visem a melhorar o edifício, aumentar-lhe a comodidade e o conforto, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio. E ao mesmo tempo instituiu o critério de sua fixação, mandando em primeiro plano obser-var o disposto na Convenção e, em segundo, ou seja, no silêncio desta, a proporcionalidade com a fração ideal de terreno de cada unidade. É ainda a mesma lei que atribui ao síndico a legitima-ção para arrecadar, amigável ou judicialmente, sujeitando-se os condôminos em atraso aos juros moratórios e à multa de até 20% sobre o débito. Pode este, ainda, ser atualizado com aplicação dos índices de correção monetária, se assim a Convenção condominial dispuser a autorizar.Incorrendo o condômino em mora, pode-se-lhe ser judicialmente exigido o débito (principal e acessório), subordinado o exercício do direito de ação a certos requisitos. [...]O cumprimento das obrigações atinentes aos encargos condominiais, sujeitando o devedor às cominações previstas (juros moratórios, multa, correção monetária), todas exigíveis judicial-mente, constitui uma espécie peculiar de ônus real, gravando a própria unidade, uma vez que a lei lhe imprime poder de sequela. Com efeito, estabelece o art. 4º, parágrafo único, da Lei do Condomínio e Incorporações que o adquirente responde pelos débitos da unidade adquirida. O objetivo da norma é defender o condomínio contra a alegação de que o novo proprietário não pode responder pelos encargos correspondentes a tempo anterior a seu ingresso na comunidade. [...].” (Condomínio e incorporações. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 188-189)Ainda, vale mencionar o entendimento da ilustre Maria Helena Diniz, in verbis:“Os direitos e deveres dos condôminos estão definidos nos arts. 1.335 a 1.347 do Código Civil e na ‘convenção do condomínio’ (EJSTJ, 8:76, 12:65, 13:65), que é um ato-regra gerador de

Page 209: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������209

direito estatutário ou corporativo, aplicável não só aos que integram a comunidade, como tam-bém a todos os que nela se encontrem na condição permanente ou ocasional de ‘ocupantes’. Sendo ela elaborada pelos próprios condôminos, por escrito, deve ser, para ser oponível contra terceiros, registrada no cartório de registro de imóveis, e só se torna obrigatória se for aprovada por 2/3 das frações ideais que compõem o condomínio (CC, art. 1.333, e parágrafo único).[...]O comunheiro que não pagar sua contribuição no prazo fixado na convenção ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, aos de 1% ao mês e multa de até 2% sobre o débito (CC, art. 1.336, § 1º, AASP, 1897:141; ESTJ, 12:65 e 66).” (Direito civil brasileiro – Direito das coisas. 17. ed. São Paulo: Saraiva, v. 4, 2002. p. 199-202)

9146 – Ação de cobrança – honorários advocatícios – sociedade de advogados – parceria profis-sional – prescrição

“Civil. Recurso especial. Recurso manejado sob a égide do NCPC. Ação de cobrança. Honorários ad-vocatícios. Sociedade de advogados. Parceria profissional. Prescrição. Não ocorrência. Art. 206, § 3º, VI, do CC/2002. Inaplicabilidade. Prescrição decenal. Incidência do art. 205 do CC/2002. Honorários recursais. Art. 85, § 11, do NCPC. Recurso não provido. 1. Aplicabilidade do NCPC neste julgamento conforme o Enunciado Administrativo nº 3 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 09.03.2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. A regra do art. 206, § 3º, VI, do CC/2002 somente é aplicável em relação jurídica que envolva direito societário, em razão da distribuição de lucros a que teriam direito os sócios. 3. O acórdão re-corrido deixou claro que a demanda é de cobrança de valores decorrentes de ajuste entabulado entre as partes quanto a honorários recebidos em ação específica por ocasião da retirada da sócia da socie-dade de advogados. 4. A prescrição para cobrança entre advogados de honorários proporcionais aos serviços prestados é regulada pelo prazo decenal disposto no art. 205 do Código Civil, ante a ausência de regra específica (REsp 1.504.969/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., J. 10.03.2015, DJe 16.03.2015). 5. Em razão da aplicabilidade das regras do NCPC e do não provimento do presen-te recurso, majoro os honorários fixados anteriormente em 1% do valor da condenação, limitados a 20%, nos termos do art. 85, §§ 2º e 11, do NCPC. 6. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.635.771 – (2016/0287047-6) – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 02.06.2017 – p. 927)

9147 – Ação de cobrança – prestação de serviços educacionais – juros de mora – termo inicial

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de cobrança de mensalidades decorrentes de prestação de serviços educacionais. Juros de mora. Termo inicial. Súmula nº 83 do STJ. Agravo não provido. 1. Na ação de cobrança de mensalidades escolares incidem juros de mora a partir do venci-mento de cada prestação – ocasião (termo) em que, por decorrência do inadimplemento contratual, a credora ficou privada do valor especificado no contrato ao qual fazia jus. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.062.419 – (2017/0044052-3) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 06.06.2017 – p. 1797)

9148 – Ação de cobrança – tutela antecipada indeferida de apreensão cautelar de numerário em disputa – superveniência de sentença no processo principal

“Agravo interno no recurso especial. Processual civil. Agravo de instrumento. Ação de cobrança. Tute-la antecipada indeferida de apreensão cautelar de numerário em disputa. Superveniência de sentença no processo principal. Extinção do processo por perda de objeto. Recurso especial prejudicado. Agra-vo desprovido. 1. Na hipótese em exame, aplica-se o Enunciado nº 2 do Plenário do STJ: ‘Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça’. 2. Consoante o entendimen-to pacífico da jurisprudência desta Corte Superior, a superveniência de sentença de mérito no feito principal enseja a perda de objeto do recurso especial resultante de agravo de instrumento interposto contra decisão concessiva ou denegatória de liminar ou antecipação de tutela, tendo em vista que a sentença absorve os efeitos do provimento liminar, por se tratar de juízo de cognição exauriente. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-EDcl-REsp 1.651.652 – (2017/0022111-9) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 01.06.2017 – p. 2727)

Page 210: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

210 ��������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

9149 – Ação de execução – cédula de crédito rural – prescrição – termo a quo

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de execução. Cédula de crédito rural. Ofen-sa ao art. 535 do CPC/1973. Não demonstração, de forma clara e precisa. Aplicação da Súmula nº 284/STF. Prescrição. Termo a quo. Última parcela. Acórdão estadual julgado em harmonia com a jurisprudência do STJ. Incidência da Súmula nº 83 desta Corte. Agravo interno desprovido. 1. Nas ra-zões do especial, a recorrente deduz argumentação de que as questões postas nos aclaratórios opostos na origem não foram respondidas, sem pontuar, de forma específica, quais seriam e qual a sua relevân-cia para solução da controvérsia, o que atrai, de forma inarredável, a exegese da Súmula nº 284/STF: ‘É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia’. 2. Em relação ao termo inicial da prescrição das Cédulas de Crédito Rural, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que é o dia do vencimento da última parcela. Outrossim, ‘o vencimento antecipado da dívida não enseja a alteração do termo ini-cial do prazo de prescrição, que, na hipótese, é a data do vencimento da última parcela’ (AgInt-REsp 1587464/CE, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª T., Julgado em 09.03.2017, DJe 24.03.2017). Aplicação da Súmula nº 83/STJ, por estar o acórdão em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior. 3. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.032.717 – (2016/0329089-5) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 26.06.2017 – p. 1769)

9150 – Ação monitória – cerceamento de defesa – processo instruído com o contrato

“Agravo interno. Agravo em recurso especial. Monitória. Cerceamento de defesa. Processo instruído com o contrato. Reexame de matéria fática. 1. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula nº 7 STJ). 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 894.554 – (2016/0083666-5) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 02.06.2017 – p. 944)

Comentário editorial SÍnTeSeTrata-se de agravo interno contra decisão por meio da qual neguei provimento a agravo em recurso especial.Não incide a Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), alega o agravante.O STJ negou provimento ao agravo interno.Oportuno colacionar trecho do voto do Relator:“O Tribunal estadual, com base na prova dos fatos relacionados à controvérsia, concluiu que a controvérsia se resume à aplicação do direito, não havendo necessidade de dilação probatória. Além disso, constatou a presença, nos autos, dos documentos indispensáveis à propositura da ação monitória.Nesse quadro, para se chegar a conclusão contrária à do Tribunal de origem, mormente para se reconhecer a ausência das condições da ação monitória e para se declarar ter sido o réu im-pedido de demonstrar seu direito, necessário seria reexaminar a prova aludida, o que é inviável em recurso especial, consoante entendimento consolidado na Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).A Dra. Mariângela Guerreiro Milhoranza, discorrendo sobre a ação monitória, assim disciplina:“A Lei nº 9.079/1995 trouxe a ação monitória para o nosso sistema de direito processual ao inserir os arts. 1.102-A, 1.102-B e 1.102-C ao CPC. ‘O adjetivo monitório, que qualifica a ação, significa aquilo que avisa, admoesta, exorta. Procede do latim monere, advertir, lembrar, exortar.’A ação monitória é uma forma de procedimento especial que tem por fito proporcionar ao autor um título executivo em que será balizado o cumprimento da obrigação. Theodoro Júnior diz que, ‘abreviando o caminho para alcançar o título executivo, funciona, enfim, o procedimento monitório como um inteligente meio de definir, na abertura do processo, a natureza da lide, evidenciando se é caso de pretensão contestada ou simplesmente de pretensão insatisfeita’. Mas, para conseguir o título executivo, o autor deve possuir prova escrita, sem eficácia de título executivo, que comprove a existência de obrigação de pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem imóvel. Quanto à natureza jurídica da ação monitória, o processo monitório tem cognição sumária, somente nos embargos monitórios versará cognição plena. Pois bem, ingressada em juízo determinada ação monitória, haverá o prazo de quinze dias para que o réu ou faça o pagamento, ou ofereça embargos ou quede silente. Sendo oferecidos os embargos monitórios, seria suspensa a eficácia do mandado como título executivo. Mas, mesmo que suspensa a ação monitória até julgamento dos embargos, caberia execução provisória? Sus-tenta Dinamarco que sim, afirmando: ‘Embora a Lei nada disponha sobre uma possível execução provisória, a sua admissibilidade é uma imposição do sistema, que quer ser ágil e valorizar pro-babilidades’. Elaine Harzheim Macedo, já em 1997, defendia que a possibilidade da execução

Page 211: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������211

provisória ‘[...] reclama uma efetividade procedimental adequada, que certamente não é alcan-çada pelo sistema convencional das apelações recebidas em ambos os efeitos’. Hermes Zaneti Júnior e Rodrigo Mazzei entendem que ‘[...] não parece possível a execução provisória em título decorrente de procedimento monitório, caso a decisão que rejeitar os embargos seja impugnada via recurso de apelação’. Ora, o inciso V do art. 520 do Código de Processo Civil, por analogia, antes do advento da Lei nº 11.232/2005, era aplicável aos embargos em mandado monitório. Entrementes, após a vigência da Lei nº 11.232/2005, a decisão que afasta os embargos mo-nitórios passou a ter caráter incidental. Sendo decisão de caráter incidental, não há como ser atacada via apelação. Portanto, não cabe execução provisória, eis que restou impossível aplicar o inciso V do art. 520 porque não se trata de decisão judicial atacável via apelação.Nesse sentido, o art. 1.102-C, caput, e seu respectivo § 3º apenas sofreram um proces-so de adaptação do procedimento da ação monitória ao novo rito estabelecido pela Lei nº 11.232/2005 no que toca ao cumprimento da sentença condenatória. Assim, a conversão do mandado inicial de citação gera, inevitavelmente, um título executivo judicial, mesmo que não esteja arrolado entre as hipóteses do art. 475-N.” (Algumas observações sobre a ação monitória. Disponível em: online.sintese.com)

9151 – Ação rescisória – termo inicial do prazo para ajuizamento – último pronunciamento judicial

“Civil e processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação rescisória. Termo inicial do prazo para ajuizamento. Último pronunciamento judicial. Julgamento do último recurso. Recurso intempestivo. Irrelevante. Precedente da corte especial. Decisão mantida. 1. ‘O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial’ (Súmula nº 401 /STJ). 2. Mesmo sendo intempestivo o último recurso julgado, o prazo de-cadencial da ação rescisória somente se inicia quando não for cabível nenhum recurso do último pronunciamento judicial, salvo na hipótese de má-fé, o que não ficou caracterizado no caso concreto. Precedente da Corte Especial. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 220.777 – (2012/0177398-0) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 06.06.2017 – p. 1759)

9152 – Cédula rural – débitos anteriores – desvio de finalidade – não ocorrência

“Agravo interno. Agravo em recurso especial. Embargos à execução. Cédula de produto rural emitida para quitar débitos anteriores. Desvio de finalidade. Não ocorrência. 1. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento no sentido de que a emissão de cédula de crédito rural para quitar débitos anteriores do emitente não nulifica a cártula como título executivo, não havendo que se falar em desvio de finali-dade. 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 946.792 – (2016/0175792-2) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 02.06.2017 – p. 950)

9153 – Comissão de corretagem – permuta de propriedades rurais com torna – dação de imóveis como parte do pagamento – cobrança

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Permuta de propriedades rurais com torna. Dação de imóveis como parte do pagamento. Comissão de corretagem. Cobrança. Ônus da prova. Testemunhas. Alegação de suspeição. Súmula nº 7/STJ. Prequestionamento. Ausência. Agravo interno desprovido. 1. Para chegar-se ao objetivo almejado pelo agravante. Alcançar a condenação dos agravados ao pa-gamento da comissão que supõe lhe ser devida por força da celebração de contrato de corretagem que teve por objeto a mediação de permuta de imóveis rurais com torna em dinheiro –, seria necessário o revolvimento do material fático-probatório carreado aos autos, operação vedada nesta instância a teor do que dispõe a Súmula nº 7/STJ. 2. Tendo a eg. Corte local concluído que as testemunhas não são suspeitas por não possuírem interesse direto no resultado da demanda, não tendo tecido nenhuma consideração acerca de eventual inimizade entre as partes, torna-se inviável reexaminar essa funda-mentação pelo óbice da Súmula nº 7/STJ. 3. Ausência de prequestionamento dos arts. 533, I, e 884 do Código Civil de 2002, pois não serviram de fundamento à conclusão adotada pela eg. Corte local. 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.059.895 – (2017/0039314-8) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 26.06.2017 – p. 1830)

Comentário editorial SÍnTeSeCuida-se de agravo interno interposto contra a decisão pela qual se conheceu do agravo para negar-se provimento ao seu recurso especial, por incidência da Súmula nº 7/STJ e por ausência de prequestionamento dos arts. 533, I, e 884 do Código Civil de 2002.

Page 212: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

212 ��������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

Sustentou o agravante, primeiramente, a não incidência da Súmula nº 7/STJ quanto à consta-tação de ofensa ao art. 333, I, do CPC/1973, aduzindo “a incorreta valoração das provas que resultou do fato de se ter entendido que o agravante não comprovou as situações que lastreiam a pretensão deduzida na inicial”.Neste ponto, ressaltando inexistirem dúvidas quanto à existência do contrato de mediação cele-brado entre as partes, sustentam as razões recursais o seguinte, verbis:“Nisso reside a incorreta valoração da prova que produziu o agravante. Era seu encargo, apenas, demonstrar ter celebrado contrato de intermediação com os agravados, o alcance do resultado útil e o inadimplemento do preço, o que foi feito. Com isso, teria o órgão julgador plenas condi-ções de atender o pedido de arbitramento. Aliás, é patente a incoerência que está a contaminar a premissa na qual se assenta a decisão recorrida.”Alegou o agravante, também, a não incidência da Súmula nº 7/STJ quanto à constatação de ofensa ao art. 405, § 3º, III, do CPC/1973 e ao art. 228, IV, do Código Civil de 2002, relati-vamente à questão de a prova testemunhal estar eivada de suspeição, aduzindo, no ponto, que “o acórdão atacado pelo especial reconhece que as testemunhas dos agravados litigam com o agravante em outros autos de processo, o que permite, da mera análise daquela decisão, cons-tatar as suas condições de suspeitos”.Alegou, ainda, a não incidência da Súmula nº 7/STJ quanto à constatação de ofensa aos arts. 724 e 725 do Código Civil de 2002, defendendo que:“Assim, porque contratantes da corretagem, os agravados devem comissão ao agravante. Até porque não há qualquer controvérsia quanto ao aperfeiçoamento útil do negócio celebrado entre os agravados e a família Nametalla Rezek, mediado pelo agravante. Logo, os recorridos são obrigados a pagar comissão pelo contrato celebrado com o recorrente (CC, art. 725).Concorda-se que a mediação do agravante concorreu para a consecução de negócio imobiliário único e complexo, envolvendo o pagamento em dinheiro e troca de imóveis rurais. Contudo, a cobrança da comissão levada a efeito contra os agravados versa sobre a parte a que estão obri-gados a pagar, por também terem sido beneficiados pelo trabalho de corretagem do recorrente.No mais, não é justo que, em tendo sido contratado tanto pela família Nametalla Rezek quanto pelos agravados, e executado o trabalho para ambos, seja remunerado apenas pelos primei-ros, sobretudo porque o montante dos seus honorários pactuados com aquela Agropecuária Nametalla Rezek Ltda., repita-se, não foi apurado levando-se em conta o valor total do negócio, mas, apenas, a diferença entre os imóveis trocados.”Por fim, reeditando argumentações expendidas quando da interposição do recurso especial, defende a ocorrência do prequestionamento implícito dos arts. 533, I, e 884 do Código Civil de 2002.O STJ negou provimento ao agravo interno.O ilustre Jurista Denis Donoso assim assevera sobre a remuneração do corretor:“De acordo com o art. 724 do Código Civil, ‘a remuneração do corretor, se não estiver fixada em lei, nem ajustada entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais’. É dizer, pois, que a remuneração do corretor será arbitrada conforme os usos e costumes sempre que não for fixada em lei ou não prevista no contrato, valendo relembrar que este pode ser verbal.Nas corretagens imobiliárias, por exemplo, a tabela do Creci fixa a remuneração em 6% (seis por cento) sobre o valor do contrato principal, sendo este o parâmetro utilizado pela jurisprudência quando a fixação da verba for judicial.Assim:‘Mediação. Comissão de corretagem. Cobrança. Fixação em 6%. Tabela Creci 2ª Região. Apli-cabilidade. Os negócios imobiliários possuem características próprias colimando propiciar ao mediador da transação negocial, direito ao recebimento da comissão, via de regra, estimada em 6% conforme tabela homologada pelo Creci 2ª Região em 17.10.1996, como remuneração por seu trabalho.’ (TJSP, Apelação sem Revisão nº 642.667-00/7, 2º TACív., Rel. Des. Américo Angélico, J. 04.02.2003; JTA-Lex 199/487)Nada impede, a nosso ver, que a remuneração seja combinada com base no chamado over price, isto é, o valor que exceder o pretendido pelo vendedor. Assim, se o vendedor quer o preço de R$ 100.000,00 (cem mil reais) pela coisa e o corretor conseguir realizar sua venda por R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), a comissão será de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Sendo o direito em questão disponível, basta que haja previsão expressa neste sentido no con-trato celebrado entre as partes.” (Aspectos relevantes sobre o contrato de corretagem no Código Civil de 2002. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, n. 51, jan./fev. 2008)

Page 213: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������213

9154 – Contrato de arrendamento mercantil – concessão de crédito – ação coletiva de consumo – análise

“Recurso especial. Ação coletiva de consumo. Análise de contratos de concessão de crédito e de arrendamento mercantil à luz de resolução do banco central relativamente à tarifa de liquidação ante-cipada do débito. Instâncias ordinárias que julgaram procedente o pedido para declarar a ilegalidade do encargo. Insurgência da casa bancária/demandada. Hipótese: Controvérsia acerca da possibilidade de cobrança de tarifa de liquidação antecipada de contratos de mútuo e arrendamento mercantil. 1. Não há falar em ausência de interesse de agir para o ajuizamento da demanda, pois, em que pese tenha sido vedada pela Resolução nº 3.516/2007 do CMN/Bacen, de 6 de dezembro de 2007, a possibilidade de cobrança da tarifa de liquidação antecipada nos contratos de concessão de crédito e de arrendamento mercantil, fato é que a presente ação coletiva foi ajuizada em setembro de 2007 quando não havia notícia da referida vedação e o alcance temporal pretendido remonta aos ajustes contratuais firmados nos últimos cinco anos da data do ajuizamento da ação. 2. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a análise quanto à necessidade de produção de provas e impossibilidade de julgamento antecipado da lide esbarra no óbice da Súmula nº 7/STJ, porquanto seria necessário reexaminar as circunstâncias fáticas e o conjunto probatório constante dos autos para concluir se a produção da prova almejada pelo recorrente seria, ou não, imprescindível para o julgamento da de-manda. 3. A modificação e elastecimento do intervalo de abrangência da condenação já na segunda instância ensejou julgamento além do pedido e efetiva violação ao art. 294 do Código de Processo Civil/1973, que estabelece ao autor somente poder aditar o pedido antes da citação e, em caso de modificação posterior, a parte ré necessariamente deverá concordar, o que definitivamente não é o caso. 4. Compete ao Conselho Monetário Nacional dispor sobre taxa de juros e sobre a remuneração dos serviços bancários, nos termos dos arts. 4º e 9º da Lei nº 4.595/1964, recebida pela Constitui-ção como lei complementar, entendimento esse, inclusive, sedimentado em sede de julgamento de recurso repetitivo no âmbito da Segunda Seção desta Corte Superior (REsps 1.255.573 e 1.251.331, julgados em 28.03.2013, Relª Min. Maria Isabel Gallotti). 4.1 Ao tempo da Resolução nº 2.303/1996 que disciplinava, genericamente, acerca da ‘cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras’, a orientação estatal quanto à cobrança de tarifas pelas instituições finan-ceiras era essencialmente não intervencionista, ou seja, a regulamentação facultava às instituições financeiras a cobrança pela prestação de quaisquer tipos de serviços, com exceção daqueles que a norma definia como básicos, desde que fossem efetivamente contratados e prestados ao cliente, assim como respeitassem os procedimentos voltados a assegurar a transparência da política de preços ado-tada pela instituição. 4.2 Durante a vigência da Resolução CMN nº 2.303/1996 era lícita a cobrança pela prestação de quaisquer tipos de serviços pelas instituições financeiras, entre eles o de liquidação antecipada de operação de crédito, desde que efetivamente contratados e prestados e, somente com o advento da Resolução CMN nº 3.516, de 10 de dezembro de 2007, é que foi expressamente vedada a cobrança de tarifa em decorrência de liquidação antecipada de contratos de concessão de crédito e de arrendamento mercantil financeiro. 4.3 Viabilidade da cobrança da tarifa de liquidação antecipada de contrato, desde que expressamente prevista nos contratos entabulados até a data da entrada em vigor da Resolução nº 3.501/2007, ou seja, para as operações de crédito e arrendamento mercantil contratadas antes de 10.12.2007 podem ser cobradas tarifas pela liquidação antecipada no momento em que for efetivada a liquidação, desde que a cobrança dessa tarifa esteja claramente identificada no extrato de conferência. 5. Conforme a jurisprudência consolidada no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça, a repetição em dobro do indébito requer a demonstração de má-fé na cobrança, o que não foi comprovado na hipótese. Precedentes. 6. Não havendo comprovação da má-fé e, em virtude do princípio da simetria que deve salvaguardar a atuação das partes, não afigura viável em sede de demanda coletiva a condenação da financeira ao pagamento de honorários advocatícios. 7. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ – REsp 1.392.449 – (2013/0212198-9) – 2ª S. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 02.06.2017 – p. 873)

9155 – Contrato de participação financeira – subscrição de ações – dobra acionária

“Agravo interno no recurso especial. Contrato de participação financeira. Subscrição de ações. Dobra acionária. Violação ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973. Omissão. Não ocorrência. Brasil telecom. Sucessão por incorporação da Telepar. Legitimidade passiva. Agravo interno não provido. 1. A Corte de origem dirimiu a matéria submetida à sua apreciação, manifestando-se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide. Dessa forma, não havendo omissão, contra-

Page 214: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

214 ��������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

dição ou obscuridade no aresto recorrido, não se verifica a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973. 2. O entendimento pacífico desta Corte é no sentido de reconhecer que cabe à empresa incorporadora responder pela complementação acionária nos contratos de participação financeira decorrente de aquisição de linha telefônica, sendo sua a obrigação pelas ações não subscritas pela empresa incorporada. O direito ao recebimento da diferença de ações relativas à telefonia celular, chamada dobra acionária, decorre do direito à complementação acionária da telefonia fixa. Prece-dentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-REsp 1.377.912 – (2012/0259733-6) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 01.06.2017 – p. 2698)

9156 – Contrato de participação financeira – subscrição de diferença acionária – aquisição de linha telefônica

“Agravo interno. Agravo em recurso especial. Subscrição de diferença acionária. Contrato de partici-pação financeira. Aquisição de linha telefônica. Cumprimento de sentença. 1. Emitir juízo sobre a ne-cessidade de exibição do contrato e a suficiência de apresentação da respectiva radiografia demanda reexame de matéria fática, o que é inviável em recurso especial, conforme a Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça. 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.017.066 – (2016/0300995-4) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 02.06.2017 – p. 969)

9157 – Dano moral – imóvel – atraso na entrega – lucros cessantes – demonstração de prejuízo – desnecessidade

“Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Recurso manejado sob a égide do NCPC. Imóvel. Atraso na entrega. Lucros cessantes. Demonstração de prejuízo. Desnecessidade. Súmula nº 83 do STJ. Precedentes. Ação de indenização por danos morais. Quantum indenizató-rio. Peculiaridades do caso concreto. Revisão. Pretensão recursal que envolve o reexame de provas. Incidência da Súmula nº 7 do STJ. Recurso manifestamente inadmissível. Incidência da multa do art. 1.021, § 4º, do NCPC. Agravo interno não provido. 1. Aplica-se o NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 09.03.2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. A teor da jurisprudência firmada nesta Corte, o descumprimento do prazo para entrega do imóvel objeto de compromisso de compra e venda viabiliza a condenação por lucros cessantes, havendo presunção de prejuízo do promitente comprador. Precedentes. 3. Verificadas as peculiaridades do caso concreto, a alteração das conclusões do acórdão recorrido exige reapreciação do acervo fático-probatório da demanda, o que faz incidir o óbice da Súmula nº 7 do STJ. 4. Em razão da improcedência do presente recurso, e da anterior advertência em relação à incidência do NCPC, incide ao caso a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do NCPC, no percentual de 3% sobre o valor atualizado da causa, ficando a inter-posição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito da respectiva quantia, nos termos do § 5º daquele artigo de lei. 5. Agravo interno não provido, com imposição de multa.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.017.163 – (2016/0301152-7) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 01.06.2017 – p. 2536)

Transcrição editorial SÍnTeSeSúmula nº 83 do Superior Tribunal de Justiça:“Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.”

9158 – Dano moral – transporte – queda de passageiro – responsabilidade objetiva

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Civil. Transporte. Queda de passageiro. Responsa-bilidade objetiva do transportador. Ausência de violação do art. 535 do CPC/1973. Danos morais. Reexame de prova. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. Dissídio jurisprudencial prejudicado. Agravo improvido. 1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC/1973, porquanto o Tribunal de origem decidiu a matéria de forma fundamentada. O julgador não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos invocados pelas partes, quando tenha encontrado motivação satisfatória para dirimir o litígio. 2. A alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto no Enunciado Sumular nº 7 deste Tribunal Superior. 3. Inviável o conhecimento do dissídio jurisprudencial quando a questão foi decidida com base nas peculiaridades fáticas dos casos,

Page 215: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������215

a justificar a incidência da Súmula nº 7/STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt--Ag-REsp 1.039.476 – (2017/0002371-8) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 26.06.2017 – p. 1772)

Comentário editorial SÍnTeSeTrata-se de agravo interno interposto contra decisão monocrática desta relatoria que conheceu do agravo para conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento, assim ementada:“Agravo em recurso especial. Civil. Transporte. Queda de passageiro. Responsabilidade objetiva do transportador. Ausência de violação do art. 535 do CPC/1973. Danos morais. Reexame de prova. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. Dissídio jurisprudencial prejudicado. Agravo conhe-cido para conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento.”Em suas razões, a agravante sustenta a existência de omissão no acórdão recorrido, porquanto ficou silente a respeito de argumentos relevantes que foram submetidos a sua apreciação e alega a não incidência da Súmula nº 7 do STJ, uma vez que não se pretende o reexame de prova e, sim, demonstrar que a decisão recorrida deixou de atentar para o caráter exorbitante da conde-nação, caso em que é admitido o redimensionamento do quantum indenizatório.O STJ negou provimento ao agravo interno.Irineu Strenger, em estudo elaborado sobre o dano moral, assim nos elucida:“Quando se fala em dano moral se tem em conta, especialmente, a caracterização do resultado lesivo, considerando-se, como primeiro aspecto, a verificação ou não de um dano, segundo sua concepção genericamente admitida, ou seja, a existência de um ato ilícito punível, vale dizer, identificado com a ofensa ou lesão de um direito ou de um bem jurídico qualquer.A matéria relacionada com o dano indenizável é bastante ampla e exige, para sua exata com-preensão e aplicação, numerosas distinções, às vezes empanadas por variada terminologia que usam os escritores.O dano moral, por não ter nenhuma vinculação com os valores econômicos ou patrimoniais, não é, por si mesmo, suscetível de apreciação pecuniária, e, por isso, deve ser uma indenização que se traduza numa soma de dinheiro, estabelecida livremente pelos juízes.O dinheiro se dá não porque o bem lesionado seja suscetível de apreciação pecuniária, como os bens patrimoniais, mas como compensação.Na verdade, somente a jurisprudência, a ductibilidade de contemplação dos casos concretos e específicos pode dar um conceito de dano moral que contemple a verdadeira vocação do instituto de assegurar uma justa compensação a todos aqueles que sofreram lesão na situação favorável ou de vantagem que possuíam em relação a determinados bens.Ressarcir os danos morais, ainda que seja de modo pecuniário, à falta de outro melhor, não é materializar os interesses morais, mas, ao contrário, espiritualizar o direito enquanto este não se limita à proteção dos bens econômicos, envolvendo também outros bens não econômicos que são inseparáveis da pessoa humana.Tenha-se, porém, em conta que a impossibilidade de uma exata valoração do dano moral não deve conduzir à sustentação que sua apreciação pelo juiz será absolutamente arbitrária. Isso conduz à insegurança e à injustiça. Haverá decisões que ascendem a uma soma além do bom--senso e outros valores sem nenhuma transcendência, irrisórios ou puramente simbólicos.Há quem sustente que, no dano moral, deve levar-se em conta a condição social e econômica do ofendido. Porém, isso nos leva, em princípio, a subestimar o dano moral dos pobres. Nesse sentido, estamos de acordo com a opinião de que não vale mais a dor dos ricos que a dos pobres, e resulta imoral medir a dor em função do dano patrimonial que se possa ter sofrido. Deve-se, contudo, considerar a personalidade do agente, as circunstâncias condicionantes do delito e a gravidade da falta cometida, atendendo a índole do fato, se culposo ou doloso, o tipo de antiju-ridicidade, etc. A gravidade da falta para os fins ressarcitórios se mede pelo resultado danoso.Como contribuição para um entendimento abrangente do dano moral, oferecemos a seguinte definição:‘Chama-se dano moral qualquer ato não patrimonial que faça repercutir na esfera da pessoa física ou jurídica consequências que afetem sua situação social, comunitária, econômica ou familiar, causando danos avaliáveis segundo o grau e extensão de seus efeitos.’” (Novo Código Civil – Dano moral. Juris SÍNTESE, n. 52, mar./abr. 2005)

9159 – Defesa do consumidor – inversão do ônus da prova – necessidade

“Recurso especial. Direito civil, do consumidor e processual civil. Inversão do ônus da prova. Neces-sidade de que as alegações sejam verossímeis, ou o consumidor hipossuficiente. Afirmação de fato

Page 216: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

216 ��������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

positivo. Ônus da prova de quem afirma. Prazo prescricional do art. 27 do CDC. Restrito aos casos em que se configura fato do produto ou do serviço. Indenização securitária. Regra especial, prevista no CC, estabelecendo prescrição ânua. Descumprimento de obrigação contratual. Perdas e danos. Obri-gação acessória, que seguindo a sorte da principal, prescreve conjuntamente. 1. Por um lado, a Corte local não vislumbrou indícios de veracidade na tese acerca do afirmado requerimento administrativo e superveniente negativa de pagamento da diferença da indenização securitária, e a inversão do ônus da prova não ocorre em todas as situações em que a relação jurídica é de consumo, pois é preciso que as alegações sejam verossímeis, ou a parte seja hipossuficiente. Por outro lado, em linha de princípio, quem afirma um fato positivo tem de prová-lo com preferência a quem sustenta um fato negativo. 2. O pagamento a menor de indenização securitária nada tem a ver com reparação de danos causados por fato do produto ou serviço, requisito essencial para a aplicação do prazo prescricional descrito no art. 27 do CDC. Com efeito, e em vista também do critério de hermenêutica da especialidade, em matéria de indenização de seguro, a prescrição é ânua, tratada no art. 206, § 1º, II, do CC/2002. 3. Conso-ante se extrai do art. 92 do CC, obrigação principal é aquela cuja existência independe de qualquer outra. A obrigação acessória vindicada depende da existência da obrigação principal, pois a ela se encontra vinculada, já que possui, por finalidade, o cumprimento subsidiário da obrigação principal, que alegadamente não foi cumprida. 4. Os danos emergentes e/ou lucros cessantes, ocasionados pelo pagamento a menor do seguro, decorrem da própria lei, que estabelece que, em caso de inexecução contratual, cabem perdas e danos, incluídos os eventuais prejuízos efetivos e lucros cessantes por efeito dela direto e imediato. Por isso, em vista da clara relação de dependência, deve seguir a sorte da obrigação principal, não se submetendo a prazo prescricional diverso da pretensão de cobrança de indenização securitária. 5. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.277.250 – (2011/0215950-0) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 06.06.2017 – p. 1803)

Comentário editorial SÍnTeSeTrata-se de ação de cobrança em face de seguradora.O recorrente sustentou que contratou com a ré seguro de uma colheitadeira, marca Joh Deere, modelo 1.175, prevendo cobertura securitária para incêndio no valor de R$ 270.000,00.Aduziu que o seguro previa vigência no período de 19.03.2006 a 19.03.2007, e que, na data de 08.02.2007, quando realizava a colheita de soja, o bem pegou fogo. Afirmou que a colhei-tadeira foi levada a conserto em oficina não credenciada pela fabricante, e que houve manifes-tação da seguradora, no sentido de consertar com peças recondicionadas, razão pela qual não admitiu o reparo. Expõe que o orçamento efetuado pela oficina M. A. Máquinas, credenciada pela fabricante, foi no valor de R$ 46.887,76, todavia a seguradora só concordou em pagar R$ 34.654,50. Argumenta que, por estar em dificuldades financeiras, aceitou o valor proposto, sem, contudo, outorgar quitação total. Afirmou que o reparo precisou de mais peças, e que teve despesas, além da indenização securitária, no valor de R$ 13.620,06, para que fosse possível o reparo total do bem coberto pelo seguro, o que deve ser ressarcido pela seguradora.Asseverou, ainda, que, como a seguradora não realizou o conserto total da colheitadeira, foi obrigado a contratar a realização de serviço para a colheita de 8.548 sacas de sojas e 6.980 de milho, tendo despendido a importância de R$ 34.283.37.O Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Toledo, reconhecendo a prescrição, julgou extinto o pro-cesso, com resolução do mérito. Interpôs o autor apelação para o Tribunal de Justiça do Paraná, que negou provimento ao recurso.A decisão tem a seguinte ementa:“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA – SEGURO – COMPLEMENTAÇÃO DA INDENIZA-ÇÃO – PRESCRIÇÃO ÂNUA – OCORRÊNCIA – AUSÊNCIA DE PROVA DA DATA DO CONHE-CIMENTO DA NEGATIVA – LUCROS CESSANTES E DANOS EMERGENTES – ALEGAÇÃO DE PRAZO PRESCRICIONAL DIVERSO POR SE TRATAR DE RESPONSABILIDADE CIVIL – INAD-MISSIBILIDADE – OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA QUE DECORRE DO CONTRATO DE SEGURO – MÉRITO NÃO ANALISADO – PREJUDICADA A ANÁLISE SOBRE OS LUCROS CESSANTES – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.”Sobreveio recurso especial do autor, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal, sustentando omissão, contradição e violação aos arts. 186, 205, 206, 395, 402 e 927 do CC; 6º e 27 do CDC; e 165, 458 e 535 do CPC/1973.Aduziu que a decisão recorrida revela-se omissa e contraditória, pois, muito embora tenha dis-corrido acerca dos arts. 206, § 1º, II, do CC e 27 do CDC, não se reportou ao princípio da especialidade das normas, para a aplicação ao caso do Diploma consumerista.

Page 217: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������217

Assinalou que o Tribunal local reconheceu que não houve cumprimento das obrigações contra-tuais da seguradora e que o acórdão recorrido se limitou a decretar a prescrição do direito de indenização por perdas e danos, embora tenha reconhecido que o inadimplemento de obrigação contratual legitimamente ajustada constitui-se em ato ilícito, que conduz à responsabilidade pelo pagamento de eventuais lucros cessantes suportados pelo segurado.Asseverou que o art. 27 do CDC fixa em cinco anos o prazo prescricional para as pretensões reparatórias decorrentes de danos advindos de fato do produto ou do serviço, e que o não cum-primento das obrigações, por parte do segurador, de ressarcir os danos sofridos pelo consumidor constitui fato do serviço.Ponderou que, se a obrigação da seguradora é ressarcir os danos sofridos pelo consumidor, que é a razão de ser do contrato de seguro, o próprio pagamento a menor – que, conforme aponta o acórdão recorrido, é inadimplemento das prestações avençadas –, caracteriza-se fato do serviço, a atrair a incidência ao caso do art. 27 do CDC.Obtempera que, ainda que não se entenda pela aplicação do art. 27 do CDC, o prazo prescricio-nal para a hipótese seria o decenal, destinado a ações pessoais, previsto no art. 205 do CC, pois a pretensão de mera complementação da indenização securitária não prescinde da verificação do direito ao recebimento da indenização – já reconhecido pela seguradora –, restando apenas saber o quantum. Alega que o pleito exordial se refere à complementação da importância paga pela seguradora, e prescreve no prazo da regra geral, e não da especial.Diz que, ainda que se entenda pela incidência da prescrição ânua, esta não operou, visto que o termo inicial é a data da negativa do pagamento da indenização securitária. Como fez o requeri-mento administrativo e recebeu a negativa de pagamento em 27.10.2007, ajuizando a presente ação em 21.10.2008, não há falar em prescrição.Obtempera que, diante da inversão do ônus da prova, é a requerida que deveria fazer prova de que não houve requerimento administrativo ou que a negativa foi entregue em outra data.Argumenta que a indenização por perdas e danos não tem natureza acessória, pois a pretensão é distinta e está alicerçada nos arts. 186, 206, § 3º, V, 395, 402 e 927 do CC, visto que vindica a reparação civil.Em contrarrazões, sustenta a recorrida que: a) o recorrente pretende a simples revisão dos fatos e provas discutidos e analisados pelas instâncias ordinárias; b) é inadmissível o recurso especial, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia; c) não houve o adequado cotejamento analítico, para demonstrar a divergência jurisprudencial; d) a indenização referente ao conserto da colheitadeira foi recebida na data de 26.03.2007 – quando passou a fluir o prazo prescricional –, e a ação foi ajuizada apenas em 21.10.2008; e) operou-se a prescrição, em vista do término do prazo de um ano, conforme disposto no art. 206, § 1º, II, do CC; f) a perda da pretensão ocorreu em 27.03.2008, data em que se deli-neou o prazo prescricional de um ano; g) não cabe aplicação do CDC, pois o Código Civil prevê a prescrição ânua, para indenização acerca de seguro.O STJ negou provimento ao recurso especialVale trazer trecho do voto do Relator:Ademais, cumpre ponderar que, caso se admitisse a tese do recorrente de que a indenização por perdas e danos, decorrentes de inexecução de obrigação contratual, não tem natureza aces-sória, seria – a meu juízo – solução com o condão de ocasionar iniquidades, manifestamente incompatíveis com toda a disciplina conferida pelo Diploma civilista e leis extravagantes, para a reparação de danos de natureza contratual.Basta ver, a título de registro, que, com o advento do CC/2002, o art. 404, apresentando dis-posição claramente diversa, mais abrangente, contemplou, de modo exauriente, os reclamos da doutrina ao estabelecer que as perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abran-gendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.Com efeito, em caso de adoção da tese do recorrente, a título ilustrativo e meramente exempli-ficativo, em caso de pretensão de cobrança de quotas condominiais ou mensalidades escolar, os juros de mora, referentes aos montantes não pagos, prescreveriam em 3 anos, enquanto a prestação principal submeter-se-ia ao prazo quinquenal – o que, a toda evidência, é manifesta-mente descabido.”Maria Helena Diniz, ao analisar os caracteres jurídicos do contrato de seguro, afirma:“[...]7º) É um contrato de boa-fé (CC, arts. 765, 766 e parágrafo único), pois o contrato de seguro, por exigir uma conclusão rápida, requer que o segurado tenha uma conduta sincera e leal em suas declarações a respeito do seu conteúdo e dos riscos, sob pena de receber sanções se proceder com má-fé, em circunstâncias em que o segurador não pode fazer as diligências reco-

Page 218: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

218 ��������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

mendáveis à sua aferição, como vistorias, inspeções ou exames médicos, fiando-se apenas nas afirmações do segurado, que por isso deverão ser verdadeiras e completas, não omitindo fatos que possam influir na aceitação do seguro. P.ex.: no seguro de vida, deverá indicar moléstia de que sofre (RT 546:175), pois se se provar que ocultou qualquer coisa perderá o direito ao valor do seguro e pagará o prêmio vencido (RT 547:188).A boa-fé é exigida também do segurador; p.ex.: se ele, ao tempo do contrato, souber que o risco passou, e mesmo assim expedir a apólice pagará em dobro o prêmio estipulado (CC, art. 773). Todavia, a má-fé de ambos deverá ser comprovada, pois, se o segurador ignorava que o risco passara, nulo será o contrato, repondo-se a situação ao estado anterior, sem qualquer sanção.” (Curso de direito civil brasileiro. Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 17. ed. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2002. p. 461)

9160 – Desconsideração da personalidade jurídica – inviabilidade – inteligência do art. 50 do CC/2002 – aplicação da teoria maior

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Direito civil. Desconsideração da personalidade ju-rídica. Inviabilidade. Inteligência do art. 50 do CC/2002. Aplicação da teoria maior. Inexistência de comprovação de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Agravo não provido. 1. Em se tratando de relações jurídicas de natureza civil-empresarial, o legislador pátrio, no art. 50 do CC de 2002, adotou a teoria maior da desconsideração, que exige a demonstração da ocorrência de elemen-to objetivo relativo a qualquer um dos requisitos previstos na norma, caracterizadores de abuso da per-sonalidade jurídica, como excesso de mandato, demonstração do desvio de finalidade (ato intencional dos sócios em fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica) ou a demonstração de confusão patrimonial (caracterizada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação patrimonial entre o patrimônio da pessoa jurídica e dos sócios ou, ainda, dos haveres de diversas pessoas jurídi-cas). 2. A mera inexistência de bens penhoráveis ou eventual encerramento irregular das atividades não ensejam a desconsideração da personalidade jurídica. 3. Manutenção da decisão monocrática que, ante a ausência dos requisitos previstos no art. 50 do CC/2002, afastou a desconsideração da personalidade jurídica. 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 120.965 – (2011/0286639-2) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 01.06.2017 – p. 2597)

Transcrição editorial SÍnTeSeCódigo Civil:“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”

9161 – Deserção – agravo de instrumento – aplicação de norma local – inviabilidade de exame em especial

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Processual civil. Deserção do agravo de instrumen-to interposto na origem. Aplicação de norma local. Inviabilidade de exame em especial. Súmula nº 280/STF. Agravo interno improvido. 1. A questão relativa à obrigatoriedade do preenchimento do Documento de Arrecadação de Receitas Estaduais – Dare/SP, em relação a recurso de competência de julgamento pelas instâncias ordinárias, foi dirimida pelo Tribunal de origem com base na aplicação do Provimento CG nº 33/2013 do TJ/SP, norma de direito local. Assim, para se aferir a procedência das alegações da recorrente, seria necessária a análise de direito local, o que, no entanto, é vedado em recurso especial, conforme óbice previsto na Súmula nº 280/STF. 2. O preenchimento incorreto de guia de recolhimento de preparo recursal equivale ao seu não recolhimento, o que leva à deserção do recurso e não à aplicação do art. 511, § 2º, do CPC de 1973. Não há falar em insuficiência de valor, no caso, para fins de intimação da parte interessada para complementação do preparo. 3. Agravo interno improvido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.046.162 – (2017/0014731-8) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 01.06.2017 – p. 2553)

9162 – Despejo – honorários advocatícios – compensação

“Agravo interno. Agravo em recurso especial. Ação de despejo. Compensação de honorários advoca-tícios. Decisão que obsta recurso especial nos termos do art. 543-C, § 7º, inciso I, do CPC de 1973.

Page 219: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������219

Agravo. Não cabimento. Decisão agravada. Fundamentos não combatidos. Enunciado nº 182 da Sú-mula do STJ. Não provimento. 1. Não cabe o agravo previsto no art. 544 do Código de Processo Civil (CPC) de 1973 contra decisão que, com base no art. 543-C, § 7º, inciso I, do mesmo Código, nega seguimento a recurso especial. Precedentes. 2. ‘É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada’ (Enunciado nº 182 da Súmula do STJ). 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 774.805 – (2015/0217029-0) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 08.06.2017 – p. 1092)

Comentário editorial SÍnTeSeTrata-se de agravo interno interposto contra decisão, por meio da qual conheci parcialmente do agravo interno e, nessa parte, neguei provimento.Sustentaram os agravantes que não existe nenhuma orientação do STJ no sentido de reconhe-cer a citação de uma empresa na pessoa do ex-sócio quando o sócio atual já era conhecido e possuía nome registrado na junta comercial. Alegaram que os honorários advocatícios arbitrados são irrisórios. Insistiram, ainda, na violação do art. 535 do Código de Processo Civil de 1973.O STJ negou provimento ao agravo interno.O Relator assim asseverou:“Além disso, quanto às demais questões, observo que a decisão agravada negou provimento ao agravo em recurso sob o óbice da Súmula nº 182/STJ.Nas razões do agravo interno, no entanto, os agravantes não infirmaram especificamente os fun-damentos da decisão agravada, limitando-se a alegar que os honorários advocatícios arbitrados são irrisórios e que houve violação do art. 535 do Código de Processo Civil de 1973.Assim, incide no presente caso o Enunciado nº 182 da Súmula desta Corte: É inviável o agravo do art. 545 do Código de Processo Civil que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada.”Vale trazer as lições de Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior:“As ações de despejo fundadas na falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação, de alu-guel provisório, de diferenças de aluguéis, ou somente de quaisquer dos acessórios da locação, sofreram alterações significativas de modo a torná-las mais dinâmicas e, sobretudo, pacificar-se antigas controvérsias jurisprudenciais.Com efeito, resolveu-se definitivamente a questão da legitimidade passiva para figurar nas ações de despejo. O fiador deveria ser réu na ação de despejo quando sua responsabilidade é apenas pelo pagamento do débito?Pela nova redação do art. 62, I, da Lei nº 8.245/1991, o pedido de rescisão da locação poderá ser cumulado com o pedido de cobrança dos aluguéis e acessórios da locação. Nessa hipótese, citar-se-á o locatário para responder ao pedido de rescisão, e o locatário e os fiadores para res-ponderem ao pedido de cobrança, devendo ser apresentado, com a inicial, cálculo discriminado do valor do débito.Assim, o polo passivo contará com o locatário e o fiador. O objeto imediato pretendido nos pedidos é plúrimo: despejo e cobrança. E cada réu responderá pelo objeto mediato que lhe toca (pagamento, no caso do fiador; pagamento e despejo, no caso o locatário).Por outro lado, o locatário e o fiador poderão evitar a rescisão do contrato purgando a mora no prazo de 15 (quinze) dias contado de suas citações, desde que promova o pagamento do débito atualizado mediante depósito judicial, incluídos neste valor: a) os aluguéis e acessórios da locação que vencerem até a sua efetivação; b) as multas ou penalidades contratuais, quando exigíveis; c) os juros de mora; d) as custas e os honorários do advogado do locador, fixados em dez por cento sobre o montante devido, se do contrato não constar disposição diversa.Haja vista que a lei não fez menção sobre o início do prazo para a purgação da mora, entende-mos que se aplica a regra dos arts. 214, III, e 191, todos do Código de Processo Civil. Assim, quando houver vários réus (fiador e locatário), o prazo para purgação inicia-se a partir da data de juntada aos autos do último aviso de recebimento ou mandado citatório cumprido. E se os réus possuírem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos e inclusive purgar a mora.Eis que o valor a ser depositado corre por conta e risco do locatário ou do fiador, o locador poderá discordar do quantum apurado. Nessa hipótese, o depositante será intimado através de seu advogado para complementar a diferença em 10 (dez) dias.Não sendo integralmente complementado o depósito, o pedido de rescisão prosseguirá pela diferença, podendo o locador levantar a quantia depositada (art. 62, IV).

Page 220: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

220 ��������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

Esse depósito complementar é denominado emenda da mora pela lei. Na sua redação antiga, não se admitia a emenda da mora se o locatário já houvesse utilizado essa faculdade por duas vezes nos doze meses imediatamente anteriores à propositura da ação.Agora se arrocharam ainda mais as possibilidades do locatário. A nova redação delimitou que não se admitirá a emenda da mora se o locatário já houver utilizado essa faculdade nos 24 (vinte e quatro) meses imediatamente anteriores à propositura da ação.Proferida a sentença de procedência do pedido, o juiz determinará a expedição de mandado de despejo, que conterá o prazo de 30 (trinta) dias para a desocupação voluntária, com redução para 15 (quinze) dias se: a) entre a citação e a sentença de primeira instância houverem decor-rido mais de quatro meses; ou b) o despejo houver sido decretado com fundamento em mútuo acordo; infração legal ou contratual; falta de pagamento de aluguéis e acessórios; para reparos urgentes determinados pelo Poder Público; ou nas denúncias vazias de contratos ajustados por escrito com prazo superior a 30 (trinta) meses e prorrogados indeterminadamente.Contudo, nessa última hipótese, e apenas nela (denúncia vazia de contratos com prazo superior a 30 (trinta) meses prorrogado indeterminadamente), será necessária a caução de valor não inferior a 6 (seis) meses nem superior a 12 (doze) meses do aluguel, atualizado até a data da prestação da caução.Desse modo, tem-se por novidade importante e de destaque pela nova redação da lei: em caso de inadimplência de aluguéis ou acessórios, proferida a sentença de desocupação, essa fixará prazo de 15 dias para desocupação, podendo ser executada provisoriamente independentemen-te de caução.” (Inovações da lei de locações. Revista SÍNTESE Direito Imobiliário, v. 1, nº 1, São Paulo: IOB, 2011)

9163 – Direito autoral – Ecad – ação de cobrança – televisão e rádio em quarto de hotel – pos-sibilidade

“Agravo interno no recurso especial. Ecad. Ação de cobrança. Direitos autorais. Televisão e rádio em quarto de hotel. Possibilidade. Matéria pacificada pela segunda seção desta Corte. Agravo interno improvido. 1. A decisão monocrática agravada dirimiu a causa com base em fundamentação sólida, aplicando a legislação e o entendimento jurisprudencial pertinente à controvérsia que lhe foi submeti-da à apreciação. O órgão julgador não está obrigado a se pronunciar acerca de todo e qualquer ponto suscitado pelas partes, mas apenas sobre os considerados suficientes para fundamentar sua decisão, o que foi feito no caso. 2. No tocante às contribuições devidas em razão de sonorização ambiental nos quartos de hotel, a Segunda Seção desta Corte assentou entendimento de que ‘a disponibilidade de rádio e televisão em quartos de hotel é fato gerador de arrecadação de direitos autorais’ (AgRg-REsp 996.975/SC, Rel. Min. Raul Araújo, Julgado em 06.10.2016, DJe 22.11.2016). 3. Agravo interno im-provido.” (STJ – AgInt-REsp 1.653.955 – (2016/0325590-1) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 02.06.2017 – p. 928)

Comentário editorial SÍnTeSeTrata-se de agravo interno interposto contra decisão monocrática que deu provimento ao recurso especial interposto por Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – Ecad, nos termos da seguinte ementa:“Recurso especial. Ecad. Ação de cobrança. Direitos autorais. Televisão e rádio em quarto de ho-tel. Possibilidade. Matéria pacificada pela segunda seção desta corte. Recurso especial provido.”Em suas razões, o agravante sustentou, em síntese, a necessidade de reforma da decisão agra-vada, tecendo argumentação no sentido de que “não há sonorização ambiente nos quartos de hotel, eis que esses são de frequência individual e exclusiva do hóspede”.Salientou que a decisão agravada não justificou os fundamentos adotados e não enfrentou todas as matérias ventiladas nas contrarrazões de recurso especial.Aduziu que o pronunciamento monocrático carece de fundamentação e não seguiu o enunciado da Súmula nº 126 do STJ, tendo em vista a questão constitucional que serviu de embasamento ao acórdão estadual.Discorreu sobre a incidência do parágrafo único do art. 1.034 do Código de Processo Civil de 2015, que versa sobre a obrigatoriedade de devolução integral das matérias suscitadas para a resolução da demanda.Questionou a não observância das preliminares indicadas no tocante à ausência de prequestio-namento dos arts. 4º, 28, 29, 31, e 105 da Lei nº 9.610/1998; além da Convenção de Berna, alertando, ainda, para a incidência do óbice da Súmula nº 7 do STJ ao caso vertente ante o caráter eminentemente fático da pretensão recursal.

Page 221: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������221

Assinalou que não houve a demonstração analítica da divergência jurisprudencial apontada nos moldes exigidos pelo art. 255, § 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.Afirmou que o agravado não realizou o adimplemento correto do preparo recursal, não tendo efetuado o pagamento do porte de remessa e retorno dos autos consoante exige o art. 2º da Resolução nº 01/2016 do STJ.Argumentou sobre a necessidade de se reconhecer a ausência de direitos autorais em razão da existência de contrato de TV existente no estabelecimento, reiterando a tese de que os quartos de hotel são ambientes de uso individual e particular de cada hóspede.Teceu considerações a respeito da perda de legitimidade ativa do Ecad com a entrada em vigor da Lei nº 12.853/2013, da ausência de habilitação das associações junto ao Ministério da Cultura, além da ilegalidade da cobrança por inobservância dos critérios legais e nulidade dos preços exigidos.No mérito, reproduziu a argumentação acerca da inexistência de retransmissão de obras ao público, motivo pelo qual defende o afastamento da cobrança de direitos autorais pelo agravado.Salientou que foi ignorada a tese de infração da ordem econômica no sentido de se declarar a inexigibilidade da referida cobrança, porquanto os valores exigidos foram estipulados de forma unilateral.O STJ negou provimento ao agravo.Vejamos as lições de José Cardoso:“Há no CP, no art. 184, um dispositivo de sanção penal, muito violado e os seus infratores não condenados. A Lei de regência do direito autoral nº 5.998/1973 regula os direitos autorais e dá outras pro-vidências.E o art. 73, do mesmo diploma legal, que trata da representação e execução, é claro, claríssimo, quando reza: Sem autorização do autor, não poderão ser transmitidos pelo rádio, serviço de alto--falantes, televisão ou outro meio análogo, representados ou executados em espetáculos públicos e audições públicas, que visem a lucro direto ou indireto, drama, tragédia, comédia, composição musical, com letra ou sem ela, ou obra de caráter assemelhado.§ 1º Consideram-se espetáculos públicos e audições públicas, para os efeitos legais, as repre-sentações ou execuções em locais ou estabelecimentos, como teatros, cinemas, salões de baile ou concerto, boates, bares, clubes de qualquer natureza, lojas comerciais e industriais, estádios, circos, restaurantes, hotéis, motéis, meios de transporte de passageiros terrestre, marítimo, flu-vial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem, recitem, interpretem ou transmitam obras intelectuais com a participação de artistas remunerados, ou mediante quaisquer processos fonomecânicos, eletrônicos ou audiovisuais.Ao requerer a aprovação do espetáculo ou da transmissão, o empresário deverá apresentar à autoridade policial, observado o dispositivo da legislação em vigor, o programa, acompanhado da autorização do Ecad, intérprete ou executante e do produtor de fonogramas, bem como do recibo de recolhimento em agência bancária ou postal, ou ainda documento equivalente em forma autorizada pelo regime interno a favor do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, de que trata o art. 115, do valor dos direitos autorais das obras programadas.Ainda, pelo art. 128, da Lei Autoral, são responsáveis pela violação de direitos autorais nas representações ou execuções realizadas nos locais ou estabelecimentos a que alude o § 1º do art. 73, seus proprietários, diretores, gerentes, empresários e arrendatários respondem solidaria-mente com os organizadores dos espetáculos.Então, todos os usuários do direito autoral, que não estiverem autorizados pelo Ecad, que repre-senta em todo o país os autores brasileiros e estrangeiros, estão violando a norma penal, ficando passíveis da sanção prevista no art. 184, que prevê pena – detenção de 03 meses a 01 ano, ou multa. Porém, se a violação consiste no § 1º, a pena é de reclusão de 01 a 04 anos e multa.Desse modo, o art. 184, do CP, não é letra morta. Ao contrário, é um dispositivo de alta aplica-bilidade, em virtude de reiteradas violações pelos usuários dos direitos autorais, sem autorização para execução de músicas protegidas.A propósito, preleciona Celso Delmanto, tratar-se de delito permanente e sua consumação dá-se com a efetiva prática das ações incriminadas.Nesse passo, a jurisprudência pátria, já se posicionou na aplicabilidade do artigo supracitado, inclusive na utilização de sonorização ambiental, através de aparelhos.Violação de direito autoral – estabelecimento comercial que, por meio de disco fonográfico, executa música sem autorização do titular do direito autoral – delito, em tese, configurado voto vencido.

Page 222: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

222 ��������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

‘Configura, em tese, infração do art. 184 do CP a execução pública de música por meio de disco fonográfico em estabelecimento comercial, sem autorização do titular do direito autoral’ (Recur-sos nº 42.033, Santos, 2ª C., Rel. Mattos Farias, Tacrimsp, em 11.04.1972).‘A violação de direito autoral mediante a reprodução por qualquer meio, com finalidade comer-cial, sem expressa autorização do autor, enseja a propositura de ação penal pública incondicio-nada’ (STJ, REsp, Rel. Costa Lima, RSTJ 46/260).A ninguém é dado o direito de obter vantagem em detrimento do esforço alheio, principalmente em levar proveito auferindo lucros direto ou indireto em desfavor dos verdadeiros autores.A propósito, cabe aqui uma séria e grave advertência feita pelo Ministro do STF, Paulo Brossard sobre o estrito cumprimento da lei, por quem a deve cumprir e obedecê-la:‘As leis devem ser cumpridas e as decisões legalmente tomadas têm de ser executadas. É o mínimo que se pode esperar em uma sociedade razoavelmente civilizada.’” (Violação do Direito Autoral. Disponível em: http://online.sintese.com.)

9164 – Direito autoral – violação – Ecad – responsabilidade civil – pretensão – prescrição trienal

“Agravo interno no recurso especial. Direito autoral. Violação. Ecad. Responsabilidade civil. Preten-são. Prescrição trienal. Art. 206, § 3º, V, do Código Civil. 1. A cobrança em juízo dos direitos decor-rentes da execução de obras musicais sem prévia e expressa autorização do autor envolve pretensão de reparação civil, a atrair a aplicação do prazo prescricional de 3 (três) anos de que trata o art. 206, § 3º, V, do Código Civil, observadas as regras de transição previstas no art. 2.028 do mesmo diplo-ma legal, não importando se tal pretensão é proveniente de relações contratuais ou extracontratuais. 2. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-REsp 1.490.387 – (2014/0258784-2) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 01.06.2017 – p. 2567)

Transcrição editorial SÍnTeSe“Art. 206. Prescreve:[...]§ 3º Em três anos:[...]V – a pretensão de reparação civil;[...]”

9165 – Exceção de pré-executividade – liquidez e exigibilidade do título executado – dilação probatória

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Exceção de pré-executividade. Liquidez e exigibi-lidade do título executado. Instâncias ordinárias reconhecem a necessidade de dilação probatória. Não cabimento. Agravo desprovido. 1. A Primeira Seção desta Corte de Justiça firmou orientação, em julgamento de recurso especial repetitivo, de que ‘a exceção de pré-executividade é cabível quando atendidos simultaneamente dois requisitos, um de ordem material e outro de ordem formal, ou seja: (a) é indispensável que a matéria invocada seja suscetível de conhecimento de ofício pelo juiz; e (b) é indispensável que a decisão possa ser tomada sem necessidade de dilação probatória’ (REsp 1.110.925/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 04.05.2009). 2. No caso dos autos, houve o reconhecimento da necessidade de dilação probatória para solver as questões alegadas acerca da liquidez e exigibilidade do título executivo, não admitida em sede de exceção de pré-executividade, conforme entendimento desta Corte. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag--REsp 1.023.830 – (2016/0313704-6) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 01.06.2017 – p. 2662)

9166 – Execução – contrato de financiamento – aquisição de veículo – rescisão do contrato de compra e venda

“Agravo interno. Recurso especial. Execução de contrato de financiamento para aquisição de veículo. Rescisão do contrato de compra e venda com a revendedora. Autonomia dos contratos celebrados. Higidez do título executivo. Aplicação da Súmula nº 83/STJ. 1. A jurisprudência desta Corte reconhe-ce a autonomia entre os contratos de compra e venda de veículo e de financiamento concedido por instituição financeira para sua aquisição, motivo pelo qual o cancelamento do primeiro não impede a exigibilidade das obrigações assumidas pelo consumidor perante a instituição financeira. 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-EDcl-REsp 1.292.147 – (2011/0266951-1) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 02.06.2017 – p. 976)

Page 223: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������223

9167 – Execução – título judicial – mandado de segurança coletivo – prescrição – prazo – termo a quo

“Processual civil. Execução (individual) de título judicial. Mandado de segurança coletivo. Prescrição. Prazo. Termo a quo. 1. Consoante pacífica jurisprudência desta Corte Superior, o prazo para propo-situra de execução contra a Fazenda Pública, nos termos do art. 1º do Decreto nº 20.910/1932 e da Súmula nº 150 do Supremo Tribunal Federal, é de cinco anos, contados do trânsito em julgado do processo de conhecimento, momento em que o título executivo se torna líquido e certo, incidindo o princípio da actio nata. Precedentes. 2. No julgamento do REsp 1.388.000/PR, representativo de con-trovérsia, a Primeira Seção superou as divergências sobre o tema, ao definir que o prazo prescricional para a execução individual é contado do trânsito em julgado da sentença coletiva, sendo desneces-sária a providência de que trata o art. 94 da Lei nº 8.078/1990. 3. As Turmas da Seção de Direito Público do STJ decidiram que a prescrição da execução, assim como a prescrição da própria ação de repetição do indébito tributário, é de cinco anos, não havendo falar em prazo de dez anos (cinco mais cinco) (AgRg-EDcl-AREsp 637.311/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., J. 14.04.2015, DJe 17.04.2015). 4. A pretensão executiva foi atingida pela prescrição, pois a execução da sentença foi iniciada em 24.05.2010, isto é, após cinco anos do trânsito em julgado do writ, em 28.02.2005. 5. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-EDcl-Ag-REsp 655.603 – (2015/0012285-7) – 1ª T. – Rel. Min. Gurgel de Faria – DJe 08.06.2017 – p. 1034)

9168 – Falência – cancelamento dos atos da matrícula de bem imóvel – impossibilidade – arre-matação

“Direito processual civil e falimentar. Recurso especial. Recurso manejado sob a égide do CPC/1973. Falência. Decisão interlocutória determinando o cancelamento dos atos da matrícula de bem imóvel. Impossibilidade. Arrematação realizada em processo trabalhista após a decretação da quebra. Ofensa ao art. 52 do Decreto-Lei nº 7.661/1945. Plena eficácia da venda judicial. Recurso provido. 1. Inapli-cabilidade do NCPC ao caso ante os termos do Enunciado nº 2 aprovado pelo Plenário do STJ na Ses-são de 09.03.2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões pu-blicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2. A arrematação é ato de alienação coativa, que prescinde da participação do devedor, realizando-se mesmo contra a sua vontade, constituindo modalidade de expropriação. Desse modo, a ineficácia do ato de transferência de propriedade, elencados no art. 52, VII e VIII do Decreto-Lei nº 7.661/1945 não abrange a hipótese de arrematação, negócio jurídico celebrado entre o Estado e o adquirente, respeita-do o devido processo legal. Precedentes. 3. A ação revocatória prevista no Decreto-Lei nº 7.661/1945 é necessária tanto para atacar e revogar os atos praticados pelo falido e discriminados no seu art. 52, como os atos fraudulentos previstos no seu art. 53, não podendo se falar em decretação da ineficácia da alienação judicial por simples decisão interlocutória no juízo da falência. Precedentes. 4. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.662.359 – (2016/0306438-7) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 01.06.2017 – p. 2592)

Comentário editorial SÍnTeSeTrata-se de embargos de terceiro alegando ser legítima proprietária e possuidora do imóvel re-gistrado no 2º Ofício do Registro de Imóveis de Belém/PA. Destacou que adquiriu o referido bem da empresa Transportadora Transnascimento aos 09.01.1989, que o teria adquirido, aos 15.05.1986, em um leilão havido nos autos de uma reclamação trabalhista em que foi parte a Rodoviária Estrela. Explicou que o imóvel foi objeto de arrecadação naquele processo de falên-cia, com o escopo de avaliação e venda. Sustentou ser terceiro de boa-fé, uma vez que, à época da aquisição não existiam gravames sobre o bem e que o possui há mais de 20 (vinte) anos.O Juízo de piso julgou improcedentes os embargos de terceiro.O Tribunal a quo negou provimento à apelação interposta, consoante se vê da seguinte ementa:“EMBARGOS DE TERCEIRO – Imóvel arrematado em leilão judicial quando já havia sido decre-tada a falência da empresa devedora. Posterior alienação a terceiro, embargante, nula. Inteligên-cia dos arts. 40, § 1º do Decreto-Lei n° 7.661/1945 e art. 215 da Lei de Registros Públicos. Embargos improcedentes. Recurso improvido.”No recurso especial alega-se violação do art. 52, VII e VIII, do Decreto-Lei nº 7.661/1945, além de divergência jurisprudencial. Sustentou que (1) é terceiro de boa-fé; (2) o imóvel foi primeiro adquirido pela empresa Transportadora Transnascimento em um leilão judicial; (3) não ocorreu

Page 224: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

224 ��������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

propósito fraudulento por parte da Rodoviária Estrela; (4) a ineficácia dos atos de transferência de propriedade elencados no art. 52, VII e VIII, do Decreto-Lei nº 7.761/1945 não abrange as hipóteses de arrematação; (5) faz mais de 20 (vinte anos) que efetuou a aquisição do aludido bem; e, (6) havia necessidade de manejo da ação revocatória para que a massa falida pudesse reaver o imóvel.O apelo nobre interposto não foi admitido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em virtude dos seguintes óbices (1) não demonstração de ofensa a dispositivos de lei federal; (2) incidência da Súmula nº 7 do STJ; e, (3) não comprovação da divergência jurisprudencial.Seguiu-se o agravo em recurso especial que não foi conhecido em decisão monocrática da relatoria da Ministra Presidente do STJ, com fulcro no art. 21-E, V, c/c o art. 253, parágrafo único, do RISTJ, porque não foram impugnados especificamente os fundamentos da decisão de inadmissibilidade do apelo nobre.Oportuno trazer as lições de Tony Luiz Ramos sobre a recuperação judicial:“Pensar que a objeção prescindisse de fundamentação daria azo à real contradição no siste-ma: se fosse princípio constitucional o tratamento favorecido para a micro e pequena empresa (art. 170, IX), não se poderia pensar que a Lei estabelecesse critério que simplesmente tornasse impossível ou muito difícil este favorecimento.Esse é o caso do parágrafo único do art. 72. De fato, se a simples objeção de mais da metade dos credores pudesse restringir o favor legal, independentemente de qualquer fundamentação, estar-se-ia estabelecendo empecilho, no mais das vezes, insuperável à empresa de pequeno porte e à microempresa.Para se seguir uma interpretação literal do dispositivo, ter-se-ia a seguinte contradição: enquanto que no procedimento regular as objeções seriam submetidas à assembleia e fatalmente teriam de ser fundamentadas para exercerem poder de convencimento; no procedimento opcional, para as pequenas empresas, a simples objeção daria margem à inexorável decretação da quebra.Outro contrassenso de uma exegese puramente gramatical seria a admissão de mera petição com a objeção simples no plano especial, enquanto que no procedimento regular o credor teria de se fazer presente à assembleia, com todos os custos envolvidos, para fazer valer sua contra-riedade. Não poderíamos admitir uma visão totalmente distante do preconizado na Lei Maior.Em resumo, o que pensamos é que qualquer objeção fundada na falta de adequação do pedido de recuperação especial aos requisitos da Lei (os gerais e os especiais do art. 71), se julgada procedente pelo juiz, dá margem por si só à decretação da quebra. Agora, para que as objeções fundadas em razões de natureza econômico-financeiras venham a determinar a convolação em falência, é necessário que tenham relevância e fundamento e que sejam levantadas pelos deten-tores de mais da metade dos créditos quirografários.Desse modo, o procedimento especial seria simplificado, pois dispensaria a realização da assem-bleia (o objetivo principal do procedimento especial), e guardaria, ainda assim, certa similitude com a recuperação judicial ordinária, permitindo aos credores apresentar objeções fundamenta-das de natureza não jurídica.Esse é o entendimento que se harmoniza com o espírito geral da Lei e com a interpretação do dispositivo à luz do art. 170, IX, da Constituição Federal.” (O plano de recuperação judicial especial para microempresas e empresas de pequeno porte e as objeções de credores com mais da metade dos créditos. Disponível em: http://online.sintese.com)

9169 – Falência – construtora – rescisão do contrato de permuta – nova alienação sem a inde-nização devida aos antigos adquirentes das unidades autônomas do empreendimento frustrado – legitimidade

“Recurso especial. Civil e processual civil. Construção e incorporação imobiliária. Falência da cons-trutora. Rescisão do contrato de permuta do terreno mediante sentença falimentar. Nova alienação sem a indenização devida aos antigos adquirentes das unidades autônomas do empreendimento frus-trado. Legitimidade. Termo inicial da pretensão indenizatória. Condenação mantida. 1. Polêmica em torno da responsabilidade do proprietário de terreno pelos danos sofridos pelos antigos titulares de promessas de aquisição de unidades autônomas, que tiveram seus contratos desfeitos pela rescisão mais ampla do contrato de permuta de terreno, decretada pelo juízo da falência, no curso do processo falimentar da incorporadora/construtora, que lhes prometera construir apartamentos antecipadamente pagos. 2. Reconhecimento da legitimidade passiva dos proprietários do terreno para responder pelos danos sofridos pelos antigos adquirentes de unidades autônomas, objeto de rescisão contratual, que realizarem nova alienação do imóvel sem a devida indenização, em face do enriquecimento sem causa. Inteligência do art. 40, § 3º, da Lei nº 4.591/1964. 3. O termo inicial da pretensão indenizatória

Page 225: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������225

fundamentada no § 3º do art. 40 da Lei de Incorporações ocorre no momento da perfectibilização da nova alienação. 4. No caso de permuta de terreno, quando da entrega dos apartamentos, pois, até esse momento, o antigo adquirente tinha a justa expectativa de ser indenizado com a entrega de sua unidade autônoma pela nova construtora, ou pelo antigo proprietário do terreno permutado. 5. Uma das finalidades da incorporação é permitir a venda antecipada de unidades imobiliárias visando a obtenção de recursos para construção e entrega das unidades habitacionais no futuro, constituindo um pacto complexo sustentado essencialmente pela confiança e pela boa-fé contratual. 6. Rescindido o contrato de permuta de terreno, onde se realizaria empreendimento imobiliário, pelo juízo falimentar, respondem seus proprietários pela nova alienação do objeto da rescisão, quando não indenizados os antigos adquirentes das unidades autônomas. Inteligência do § 3º do art. 40. 7. A eventual habilitação do adquirente no processo de falência como credor privilegiado não isenta o proprietário do terreno da restrição legal existente sobre o imóvel. 8. A habilitação do crédito do antigo adquirente da uni-dade autônoma no processo falimentar do incorporador não autoriza que o proprietário do terreno aliene o bem objeto da rescisão sem que ocorra o devido pagamento da respectiva indenização. 9. Precedentes jurisprudenciais desta Corte. 10. Recurso especial desprovido.” (STJ – REsp 1.537.012 – (2013/0328121-5) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 26.06.2017 – p. 1795)

Transcrição editorial SÍnTeSeLei nº 4.591/1964:“Art. 40. No caso de rescisão de contrato de alienação do terreno ou de fração ideal, ficarão res-cindidas as cessões ou promessas de cessão de direitos correspondentes à aquisição do terreno.[...]§ 3º Na hipótese dos parágrafos anteriores, sob pena de nulidade, não poderá o alienante em cujo favor se operou a resolução voltar a negociar seus direitos sôbre a unidade autônoma, sem a prévia indenização aos titulares, de que trata o § 2º.[...]”

9170 – Honorários de advogado – causa de pequeno valor – valor irrisório – majoração

“Processual civil. Agravo interno no recurso especial. Honorários advocatícios. Causa de pequeno valor. Honorários advocatícios fixados em R$ 300,00. Valor irrisório. Majoração para 10% sobre o valor dado à causa (R$ 12.860,25). Decisão que deve ser mantida. Agravo interno desprovido. 1. A revisão dos honorários advocatícios na via do Recurso Especial é cabível quando verificado o excesso ou insignificância do valor arbitrado e, no acórdão recorrido, houver o delineamento concreto das circunstâncias a que se refere o art. 20, § 3º, do CPC/1973. 2. Hipótese em que a instância ordinária delineou concretamente as circunstâncias previstas no art. 20, § 3º, do CPC/1973, e a definição da verba honorária resultou em valor irrisório, incompatível com a dignidade do trabalho do advogado. 3. Agravo Interno interposto pelo Estado de Minas Gerais desprovido.” (STJ – AgInt-REsp 1.617.834 – (2016/0203164-0) – 1ª T. – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – DJe 26.06.2017 – p. 1576)

9171 – Honorários de advogado – defensor dativo – representação em processo criminal – tabela da OAB

“Penal. Agravo regimental no recurso especial. Honorários advocatícios. Defensor dativo. Represen-tação em processo criminal. Tabela da OAB. Observância dos valores mínimos. Dispositivos constitu-cionais. Exame. Impossibilidade. Agravo regimental desprovido. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, o arbitramento judicial dos honorários advocatícios ao defensor dativo, nomeado para oficiar em processos criminais, deve observar os valores mínimos estabelecidos na tabela da OAB da respectiva Seccional, considerando o grau de zelo do profissional e a dificuldade da causa que norteiam o quantum a ser arbitrado. 2. Em recurso especial não se analisa a alegada afronta a dispo-sitivos constitucionais, por ser matéria da competência do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, III, da Constituição Federal. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.616.614 – (2015/0304081-8) – 5ª T. – Rel. Min. Joel Ilan Paciornik – DJe 07.06.2017 – p. 1078)

9172 – Processual civil – agravo interno no recurso especial – recurso

“Manejado sob a égide do NCPC. Ação cautelar de exibição de documento. Cumprimento de senten-ça. Astreintes. Afastamento. Súmula nº 372 do STJ. Alegação de violação do art. 535, II, do CPC/1973. Suposta omissão quanto à inaplicabilidade do enunciado. Higidez do aresto recorrido. Negativa de prestação jurisdicional não verificada. Agravo interno não provido com aplicação de multa. 1. Apli-

Page 226: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

226 ��������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

cabilidade do NCPC a este recurso ante os termos no Enunciado Administrativo nº 3 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 09.03.2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. Constitui inadmissível inovação a abordagem da matéria recursal sob enfoque diverso do apresentado no apelo nobre, o qual alegou apenas ofensa ao art. 535, II, do CPC/1973. 3. No caso em comento, a decisão agravada afastou qualquer omissão no acórdão estadual, que foi bastante claro ao assentar a incidência do enunciado da Súmula nº 372 do STJ ao caso em comento, afastando a multa cominada em ação exibitória de documentos por haver disposição legal estabelecendo como verdadeiros os fatos que a parte pretendia provar, ou seja, a punição específica prevista no art. 359 do CPC/1973. 4. Em razão da anterior advertência em relação à aplicabilidade do NCPC, incide ao caso a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do NCPC, no percentual de 3% sobre o valor atualizado da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicio-nada ao depósito da respectiva quantia, nos termos do § 5º daquele artigo de lei. 5. Agravo interno não provido, com aplicação de multa.” (STJ – AgInt-REsp 1.498.075 – (2014/0290191-6) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 26.06.2017 – p. 1792)

9173 – Procuração outorgada – assinatura digitalizada ou escaneada – impossibilidade de afe-rição da autenticidade – concessão de prazo para suprir a irregularidade – não atendi-mento

“Processual civil. Agravo interno. Agravo em recurso especial. Agravo de instrumento. Assinatura digi-talizada ou escaneada. Impossibilidade de aferição da autenticidade. Concessão de prazo para suprir a irregularidade da falta de assinatura. Não atendido. Ausência de procuração outorgada ao outro advogado que subscreveu o recurso. Peça obrigatória para a formação do instrumento. Art. 525, I, do CPC/1973. Impossibilidade de conversão em diligência. Não conhecimento do recurso. 1. A assina-tura digitalizada ou escaneada não permite a aferição de sua autenticidade, por se tratar de inserção de imagem em documento que não pode ser confundida com a assinatura digital que se ampara em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, a qual possui previsão legal. 2. A falta de assinatura nos recursos interpostos nas instâncias ordinárias configura vício sanável, devendo ser concedido prazo razoável para o suprimento dessa irregularidade. 3. Fora concedido o prazo de 10 (dez) dias pela Corte de origem para que o advogado da parte agravante assinasse o agravo de ins-trumento, sob pena de não conhecimento do recurso, o que não foi devidamente atendido. 4. A juris-prudência desta Corte é pacífica no sentido de que a ausência das peças obrigatórias de que trata o art. 525, inciso I, do Código de Processo Civil de 1973, no momento da interposição do recurso, importa em não conhecimento do agravo de instrumento, não havendo que se falar em intimação para a regu-larização da representação processual. 5. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag--REsp 980.664 – (2016/0238479-0) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 02.06.2017 – p. 958)

9174 – Protesto indevido – título de crédito – dano moral – endossatário – responsabilidade

“Agravo interno. Agravo em recurso especial. Comercial. Protesto indevido de título de crédito pro-movido. Dano moral. Endossatário que recebeu o título por endosso translativo. Responsabilidade. Súmula nº 475/STJ. 1. ‘Responde pelos danos decorrentes de protesto indevido o endossatário que re-cebe por endosso translativo título de crédito contendo vício formal extrínseco ou intrínseco, ficando ressalvado seu direito de regresso contra os endossantes e avalistas’ (Súmula nº 475 /STJ). 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 361.248 – (2013/0197802-9) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 02.06.2017 – p. 934)

Comentário editorial SÍnTeSeTrata-se de agravo interno ajuizado em face da decisão que deu provimento ao agravo em recurso especial.O agravante alega que não houve violação à legislação federal a ensejar a reforma do acórdão estadual. Sustenta que a pretensão expressa no recurso especial demandava o exame de matéria fática. Argumenta que é parte ilegítima para figurar na condenação, porque é terceiro de boa--fé em relação ao negócio original firmado, e o protesto foi regularmente efetuado, por isso não houve ofensa à dignidade da agravada.O STJ negou provimento ao agravo interno.O ilustre Jurista Eulâmpio Rodrigues Filho assim disciplina sobre o protesto:

Page 227: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������227

“Não há dúvida de que o CPC autoriza a promoção de medidas conservativas de direitos, mas, se elas implicarem interferência na esfera de atividade de outrem, como ocorre no caso do protesto judicial, a vedação ao contraditório resulta em constrangimento, em denegação de ju-risdição, pois, o sistema jurídico atual não alberga atividade processual unilateral e sem margem a recursos.Ao tempo de vigência do sistema anterior, o Mestre Pontes de Miranda, um dos mais ardorosos defensores da tese da inocuidade do protesto judicial, falava de tal modo, que hoje mostra-se inacreditável que isso tenha sido assim há tão pouco tempo. Diz o mestre: ‘grita-se, para que se ouça: e só isso. [...] O protesto é impulso do protestante, que pára nele’ (Com. ao CPC, Forense, 1974, t. XII, p. 325 e 338/339). Ora, hoje grita-se, não só para que se ouça; mas, grita-se, se for o caso, porque quem o faz há de ter revelado, mediante contraditório, razões para tanto; sen-do a referência feita pelo escoliasta, de que o protesto é mero impulso a ser acolhido, totalmente inadequada ao ambiente que se instalou com a implantação da nova ordem constitucional.Há a considerar, ainda, que a distribuição de feitos é pública, passível de figurar, antes de um julgamento, com inescondível prejuízo à parte, em qualquer escritura pública que ela venha a outorgar, pela exigência legal visando à sua figuração. Daí por que, nesse ponto também o pro-testo judicial afeta direito da contraparte; vindo a dispensa da exigência do art. 806 do CPC, de que a ação principal seja proposta no prazo de 30 dias da intimação do seu deferimento, para impedir a eternização dos efeitos gravosos da medida sem a expectativa de um fim, a constituir--se igualmente num grave constrangimento.De realçar, outrossim, que o protesto judicial, na forma como regulado no CPC, a adotar, nesse ponto isolado, a rejeitada teoria Chiovendiana do começo do século, face à sua inadequação ao sistema já vinha propiciando surgimento de situações embaraçosas, de modo a coartar mesmo a atividade jurisdicional, como ocorreu de certa feita em São Paulo, quando o Tribunal reconheceu a nulidade do protesto que apreciava, ponderando, contudo, que, face à natureza da medida, não tinha como invalidá-la. De fato, disse o TACSP:‘Ora, se, bem ou mal, foi o protesto deferido, quando não deveria tê-lo sido, mas já surtiu seus efeitos, exaurindo-se...’ (Lex-JTACSP 53/106).Mas, o Direito não deve ser tão precário, e nem condescendente com absurdidade assim, ao pon-to de conviver com hipótese em que, a despeito do reconhecimento da ilegalidade da medida, o tribunal não possa atuar visando a obviá-la.Em conclusão, tem-se que o art. 871 do CPC não foi recepcionado pela CF de 1988, razão pela qual, a nosso modesto aviso, o protesto judicial, pela queda do seu status legal de providência de direito potestativo, e por contrapor-se também ao sistema jurídico superveniente, simples-mente foi expungido – constitucionalmente expungido – do núcleo das medidas conservativas de direito, caindo, agora, eventual postulação a propósito, na impossibilidade jurídica, e sujeitos a cancelamento, mediante pedido, os protestos judiciais deferidos empós da promulgação da mesma Carta, e consequente averbação à margem da distribuição.” (Protesto judicial e o sistema jurídico vigente. Disponível em: http://online.sintese.com.)Sobre o conceito de dano moral e sua valoração, oportuno trazer as lições de Isabela Ribeiro Figueiredo:“A moral, para o direito, consiste na valoração do sentimento de cada ser humano, abrangendo critérios pessoais que fogem ao domínio exclusivo da razão. Tais critérios criam princípios: di-reito à vida, liberdade, nome, intimidade, privacidade, honra, imagem. Referidos princípios são amparados pelo direito.Ainda para alguns, a dor moral não tem preço, não podendo ser colocada como uma mercadoria à venda. Todavia, a questão não pode ser vista por esse foco. Com a reparação do dano moral não se está pretendendo vender um bem moral, mas, simplesmente, sustentando que esse bem, como todos os outros, deve ser respeitado. Quando a vítima pleiteia a reparação pecuniária da sua dor moral, não pede um preço para sua dor, mas pretende atenuar, em parte, as conseqüên-cias da lesão sofrida.O dano moral já vinha sendo contemplado em nosso ordenamento jurídico, inclusive no CC de 1916 em seu art. 159.A reparação do dano moral no Direito brasileiro está prevista na CF de 1988, em seu art. 5º, V e X, cessando, pois, a discussão sobre a reparabilidade ou não do dano moral.[...]A lei se eximiu de conceituar o dano moral, por isso devemos buscar sua definição na doutrina, que já se definiu quanto a esse importante tema da atualidade de nosso direito.

Page 228: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

228 ��������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

O dano moral pode ser definido como a lesão ao patrimônio jurídico materialmente não apre-ciável de uma pessoa. É a violação do sentimento que rege os princípios morais tutelados pelo direito, que podem ser decorrentes de ofensa à honra, ao decoro, à paz interior de cada um, às crenças íntimas, aos sentimentos afetivos de qualquer espécie, à liberdade, à vida e à integrida-de corporal.” (A valoração do dano moral. Revista SÍNTESE de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, ano II, nº 10, p. 51-52, mar./abr. 2001)

9175 – Recuperação judicial – ações ajuizadas contra devedores solidários e coobrigados

“Agravo interno no recurso especial. Direito empresarial e civil. Recuperação judicial. Continuidade das ações ajuizadas contra devedores solidários e coobrigados. Agravo interno não provido. 1. O acór-dão recorrido está em consonância com o entendimento firmado no julgamento do REsp 1.333.349/SP, submetido ao rito dos recursos repetitivos, o qual fixou o entendimento de que a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extin-ção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei nº 11.101/2005. 2. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-REsp 1.373.921 – (2013/0076415-7) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 01.06.2017 – p. 2696)

Remissão editorial SÍnTeSeLei nº 11.101/2005:“Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.[...]Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.§ 1º Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.[...]Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o pro-cessamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:III – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do art. 6º desta Lei, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam, ressalvadas as ações previstas nos §§ 1º, 2º e 7º do art. 6º desta Lei e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei;[...]Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei.”

9176 – Recuperação judicial – crédito garantido por alienação fiduciária – ausência de violação

“Agravo regimental no recurso especial. Processual civil e civil. Recuperação judicial. Ausência de violação ao art. 535 do CPC/1973. Acórdão estadual devidamente fundamentado. Crédito garantido por Alienação fiduciária. Ausência de violação ao art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005. Discussão quanto à ofensa ao art. 620 do CPC/1973. Fundamento da decisão agravada não atacado. Súmula nº 182/STJ. Agravo regimental conhecido em parte e, na extensão, desprovido. 1. Rejeita-se a alegada violação ao art. 535, II, do CPC/1973, uma vez que o eg. Tribunal a quo analisou os pontos essen-ciais ao deslinde da controvérsia, dando-lhes robusta e devida fundamentação. 2. A jurisprudência uníssona desta eg. Corte firmou-se no sentido de que, em ‘[...] face da regra do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, não se submetem aos efeitos da recuperação judicial os créditos garantidos por alienação fiduciária’ (CC 131.656/PE, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª S., Julgado em 08.10.2014, DJe de 20.10.2014). 3. Incidência da Súmula nº 182/STJ, no tocante à apontada violação ao art. 620 do CPC/1973, pois o agravo regimental não impugnou o fundamento da decisão agravada de que, nes-sa parte, o apelo nobre esbarrava no óbice da Súmula nº 283/STF. 4. Agravo regimental parcialmente conhecido e, na extensão, desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.379.356 – (2013/0118499-3) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 01.06.2017 – p. 2699)

Page 229: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������229

9177 – Recurso especial – erro na grafia do nome do advogado – ausência de dificuldade na identificação do processo – nulidade da intimação – não configuração

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Direito processual civil. Erro na grafia do nome do ad-vogado. Ausência de dificuldade na identificação do processo. Nulidade da intimação. Não configu-ração. Acórdão recorrido conforme a orientação jurisprudencial. Revisão. Impossibilidade. Incidência do Enunciado nº 7 da Súmula do STJ. Agravo interno desprovido. 1. Não há como alterar a conclusão do aresto impugnado, no sentido de afirmar que era possível a identificação do processo e que o erro de grafia mencionado não obstaculizou o direito de defesa da parte insurgente. Entender de forma diversa perpassaria pelo revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada no âmbito do recurso especial, ante o disposto no Enunciado nº 7 da Súmula do STJ. 2. O Tribunal de origem julgou conforme a orientação jurisprudencial apresentada. Aplicação da Súmula nº 83/STJ, a inviabilizar o conhecimento do apelo especial. 3. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.050.797 – (2017/0019108-5) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 26.06.2017 – p. 1774)

9178 – Recurso especial – óbito de parte – regularização processual – falecimento comunicado a destempo – ausência de prejuízo

“Agravo interno. Agravo em recurso especial. Óbito de parte. Regularização processual. Falecimento comunicado a destempo. Ausência de prejuízo. Nulidade não declarada. Irregularidades no man-dado de citação. Reexame de prova. 1. A falta de observância da suspensão do processo em razão de morte de qualquer das partes, na forma do art. 265, I, do CPC, enseja nulidade relativa, não se configurando caso não haja prejuízo aos interessados. 2. Não se admite o recurso especial quando sua análise depende de reexame de matéria de prova (Súmula nº 7 do STJ). 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 325.974 – (2013/0104730-0) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 02.06.2017 – p. 933)

9179 – Recurso especial – pretensão de reincorporação de vantagem suprimida – prescrição do fundo de direito

“Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Pretensão de reincorporação de vantagem suprimida. Prescrição do fundo de direito. Ocorrência. Agravo interno do Igeprev provi-do, divergindo do relator, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 212.496 – (2012/0161445-9) – 1ª T. – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – DJe 02.06.2017 – p. 876)

9180 – Representação processual – irregularidade – ausência de procuração e de cadeia comple-ta de substabelecimentos

“Agravo interno. Agravo em recurso especial. Irregularidade de representação processual. Ausência de procuração e de cadeia completa de substabelecimentos. Súmula nº 115 do STJ. Não provimento do recurso. 1. Recurso interposto na vigência do Código de Processo Civil (CPC) de 1973, sujeitando-se aos requisitos de admissibilidade previstos em tal Código, conforme Enunciado Administrativo nº 2, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). 2. Na instância extraordinária é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos (Súmula nº 115 do STJ). 3. A alegação de existência de procu-ração em autos apensados não tem o condão de sanar a irregularidade na representação processual, pois, não estando presente o mandato ou a cadeia de substabelecimento, no momento da interposição do recurso especial, deve a parte providenciar a juntada de cópia, ou novo instrumento, no processo que originou o recurso interposto. 4. A regra do art. 13 do CPC de 1973 não se aplica na instância extraordinária. Precedentes. 5. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-EDcl-Ag-REsp 861.863 – (2016/0028697-8) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 02.06.2017 – p. 941)

9181 – Representação processual – irregularidade – nulidade de negócio jurídico – rescisão con-tratual – repetição de indébito – indenização por danos morais

“Agravo interno. Agravo em recurso especial. Nulidade de negócio jurídico. Rescisão contratual. Re-petição de indébito. Indenização por danos morais. Representação processual. Irregularidade. Ausên-cia de procuração e/ou cadeia completa de substabelecimento. 1. Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos (Súmula nº 115 do Superior Tribunal de Justiça). 2. Agravo interno não conhecido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 959.772 – (2016/0200399-7) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 05.06.2017 – p. 1871)

Page 230: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

230 ��������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

9182 – Responsabilidade civil – dicotomia tradicional – aquiliana e contratual – reformulação – responsabilidade pela quebra da confiança

“Recurso especial. Responsabilidade civil. Dicotomia tradicional. Aquiliana e contratual. Reformula-ção. Responsabilidade pela quebra da confiança. Origem na confiança criada. Expectativa legítima de determinado comportamento. Responsabilidade pré-contratual. Inexistência de contrato formal superada pela repetição de atos. Juiz como perito dos peritos. Coordenação das provas. Art. 130 do CPC/1973. 1. Tradicionalmente, a responsabilidade civil divide-se em responsabilidade civil stricto sensu (delitual ou aquiliana) e a responsabilidade contratual (negocial ou obrigacional), segundo a origem do dever descumprido, contrato ou delito, critério que, apesar de conferir segurança jurídica, mereceu aperfeiçoamentos, à luz da sistemática atual do Código Civil, dos microssistemas de direito privado e da Constituição Federal. 2. Seguindo essa tendência natural, doutrina e jurisprudência vêm se valendo de um terceiro fundamento de responsabilidade, que não se vincula a uma prestação deli-neada pelas partes, nem mesmo vincula indivíduos aleatoriamente ligados pela violação de um dever genérico de abstenção, qual seja a responsabilidade pela confiança. 3. A responsabilidade pela con-fiança é autônoma em relação à responsabilidade contratual e à extracontratual, constituindo-se em um terceiro fundamento ou ‘terceira pista’ (dritte Spur) da responsabilidade civil, tendo caráter subsi-diário: onde houver o dano efetivo, requisito essencial para a responsabilidade civil e não for possível obter uma solução satisfatória pelos caminhos tradicionais da responsabilidade, a teoria da confiança será a opção válida. 4. A teoria da confiança ingressa no vácuo existente entre as responsabilidades contratual e extracontratual e seu reconhecimento se fundamenta principalmente no fato de que o su-jeito que dá origem à confiança de outrem e, após, frustra-a, deve responder, em certas circunstâncias, pelos danos causados dessa frustração. A defraudação da confiança constitui o verdadeiro fundamento da obrigação de indenizar. 5. A responsabilidade fundada na confiança visa à proteção de interesses que transcendem o indivíduo, ditada sempre pela regra universal da boa-fé, sendo imprescindível a quaisquer negociações o respeito às situações de confiança criadas, estas consideradas objetivamente, cotejando-as com aquilo que é costumeiro no tráfico social. 6. A responsabilidade pela quebra da confiança possui a mesma ratio da responsabilidade pré-contratual, cuja aplicação já fora reconhecida pelo STJ (REsp 1051065/AM, REsp 1367955/SP). O ponto que as aproxima é o fato de uma das partes gerar na outra uma expectativa legítima de determinado comportamento, que, após, não se concretiza. O ponto que as diferencia é o fato de, na responsabilidade pré-contratual, a formalização de um con-trato ser o escopo perseguido por uma das partes, enquanto que na responsabilidade pela confiança, o contrato, em sentido estrito, não será, ao menos necessariamente, o objetivo almejado. 7. No caso dos autos, ainda que não se discuta a existência de um contrato formal de compra e venda entre as partes ou de qualquer outra natureza, impossível negar a existência de relação jurídica comercial entre as empresas envolvidas, uma vez que a IBM portou-se, desde o início das tratativas, como negociante, com a apresentação de seu projeto, e enquanto titular deste, repassando à Radiall as especificações técnicas do produto a ser fabricado, assim como as condições do negócio. 8. Com efeito, por mais que inexista contrato formal, o direito deve proteger o vínculo que se forma pela repetição de atos que tenham teor jurídico, pelo simples e aqui tantas vezes repetido motivo: protege-se a confiança depo-sitada por uma das partes na conduta de seu parceiro negocial. 9. Mostrou-se, de fato, incontroverso que os investimentos realizados pela recorrente, para a produção das peças que serviriam ao computa-dor de bordo de titularidade da recorrida, foram realizados nos termos das relações que se verificaram no início das tratativas entre essas empresas, fatos a respeito dos quais concordam os julgadores de origem. 10. Ademais, ressalta claramente dos autos que a própria recorrida estipulou quais os modelos de conectores deveriam ser produzidos pela recorrente e em que quantidade, vindo, após certo tempo, repentina e de maneira surpreendente, a alterar as especificações técnicas daquelas peças, tornando inúteis as já produzidas. 11. O ordenamento processual pátrio consagra o juiz como o perito dos peri-tos e a ele a lei atribui a tarefa de dar a resposta à controvérsia apresentada em juízo, não importando a que ramo do conhecimento diga respeito. Essa a lição que se extrai do art. 130 do CPC de 1973, que atribuiu ao juiz a função de ordenar e coordenar as provas a serem produzidas, conforme a utilidade e a necessidade, a postulação do autor e a resistência do réu, podendo determinar a realização de perícia, quando necessária a assessoria técnica para auxiliá-lo no deslinde da questão alvo (arts. 145, 421, 431-B do CPC). 12. Assim, a solução apresentada à controvérsia deve ser fruto do convencimento do Juiz, com base nas informações colhidas no conjunto probatório disponível nos autos, não estando

Page 231: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������231

restrito a uma e qualquer prova, especificamente. 13. Recurso especial parcialmente provido, para reconhecer a responsabilidade solidária da IBM – Brasil pelo ressarcimento dos danos materiais (danos emergentes e lucros cessantes) à recorrente.” (STJ – REsp 1.309.972 – (2012/0020945-1) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 08.06.2017 – p. 1101)

9183 – Responsabilidade civil – prescrição da pretensão indenizatória – suspensão

“Agravo interno no agravo no recurso especial. Civil e processo civil (CPC/1973). Responsabilidade ci-vil. Prescrição da pretensão indenizatória. Suspensão prevista no art. 200 do Código Civil. Instauração de inquérito policial ou de ação penal. Prejudicialidade entre as esferas cível e criminal. Ocorrência. Aplicabilidade da regra ao caso. Súmula nº 83/STJ. Agravo desprovido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 909.464 – (2016/0107274-3) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 26.06.2017 – p. 1741)

9184 – Seguro – ação regressiva – seguradora contra sociedade empresária

“Processual civil. Agravo interno no recurso especial. Recurso manejado sob a égide do NCPC. Ação regressiva proposta pela seguradora contra sociedade empresária fabricante de Iates. Suspensão do processo. Art. 265, IV, b, do CPC/1973. Prejudicialidade externa. Prazo máximo de um ano. Prece-dentes. Desnecessidade do término do procedimento em andamento perante o tribunal marítimo. Relação de prejudicialidade afastada no caso concreto. Impossibilidade de manutenção da decisão de suspensão do processo. Precedentes. Prazo de há muito ultrapassado. Ausência de impugnação específica aos fundamentos da decisão agravada. Recurso manifestamente improcedente. Incidência da multa do art. 1.021, § 4º, do NCPC. Decisão mantida. Agravo não provido. 1. O presente recurso foi interposto contra decisão publicada na vigência do NCPC, razão pela qual devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista, nos termos do Enunciado nº 3 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 09.03.2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de ad-missibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. A jurisprudência desta Corte é no sentido de admitir o processamento imediato do recurso especial, sem a retenção na origem prevista no § 3º do art. 542 do CPC, quando isso for indispensável para evitar que o julgamento postergado acarrete irremediá-vel prejuízo do próprio recurso (AgRg-Ag 759.908/PR, 1ª T., Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 28.09.2006). É o caso. 3. O agravo interno não impugnou as razões da decisão agravada, pois não infirmou, de forma fundamentada, que o acórdão recorrido encontra-se em dissonância com o en-tendimento prevalecente no âmbito desta Corte Superior concernente ao art. 265 do CPC/1973, bem como pelo patente excesso de tempo de suspensão na espécie – superior a 18 meses. Incidência da Súmula nº 182 do STJ. 4. O acórdão recorrido vai de encontro com a pacífica jurisprudência desta Corte Superior de que consoante o § 5º do art. 265, nos casos enumerados nas letras a, b e c do no IV, o período de suspensão nunca poderá exceder 1 (um) ano. Findo este prazo, o juiz mandará pros-seguir no processo (AgRg-REsp 1.367.316/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 04.10.2013). 5. Não sendo a linha argumentativa apresentada capaz de evidenciar a inadequação dos fundamentos invocados pela decisão agravada, o presente agravo interno não se revela apto a alterar o conteúdo do julgado impugnado, devendo ele ser integralmente mantido. 6. Em razão da improcedência do presente recurso, e da anterior advertência em relação à incidência do NCPC, incide ao caso a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do NCPC, no percentual de 3% sobre o valor atualizado da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito da respectiva quantia, nos termos do § 5º daquele artigo de lei. 7. Agravo interno não provido, com imposição de multa.” (STJ – AgInt--REsp 1.606.542 – (2016/0147729-4) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 02.06.2017 – p. 923)

9185 – Seguro – responsabilidade obrigacional – ilegitimidade passiva

“Agravo interno no agravo interno no agravo em recurso especial. Responsabilidade obrigacional securitária. Ilegitimidade passiva da seguradora reconhecida ante a apólice tratada nos autos. Art. 131 do Código de Processo Civil de 1973. Alegação de má valoração da prova. Livre convencimento mo-tivado do juiz. Precedentes. Agravo não provido. 1. Na hipótese, o acolhimento da pretensão recursal, no sentido de que a agravada teria legitimidade passiva para responder pela cobertura securitária, demandaria interpretação de cláusulas contratuais e novo exame do acervo probatório dos autos, providência que encontra óbice nas Súmulas nºs 5 e 7 do STJ. 2. Cabe esclarecer que a Orientação Jurisprudencial desta Corte Superior aduz que ‘vigora, no direito processual pátrio, o sistema de per-suasão racional, adotado pelo Código de Processo Civil nos arts. 130 e 131, não cabendo compelir

Page 232: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

232 ��������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

o magistrado a acolher com primazia determinada prova, em detrimento de outras pretendidas pelas partes, se pela análise das provas em comunhão estiver convencido da verdade dos fatos’ (AgRg--REsp 1.251.743/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., Julgado em 16.09.2014, DJe de 22/9/2014). 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-AgInt-Ag-REsp 1.044.614 – (2017/0013189-0) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 01.06.2017 – p. 2669)

9186 – Seguro Dpvat – requisitos não demonstrados – não cabimento

“Agravo interno no recurso especial. Indenização. Seguro Dpvat. Requisitos não demonstrados. Não cabimento. 1. Para a concessão de indenização do seguro obrigatório Dpvat, revela-se imprescindí-vel aferir se as circunstâncias que acarretaram o dano ao recorrente, envolvendo veículo automotor de via terrestre, sem sinistro de trânsito, autorizam tal cobertura. 2. No caso, inexiste referência na petição inicial, na sentença ou no acórdão estadual da dinâmica do acidente que possibilite deduzir que o veículo foi o causador do acidente e a relação de causalidade (nexo causal) com o infortúnio a ensejar a obrigação de indenizar. 3. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-REsp 1.649.388 – (2017/0014483-1) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 01.06.2017 – p. 2590)

Comentário editorial SÍnTeSeTrata-se de agravo interno interposto contra a decisão que negou provimento ao recurso especial, porquanto o ponto posto a debate demandaria reexame fático, procedimento que seria inviável neste momento processual.O agravante sustentou ter o aresto de origem reconhecido que o veículo causador do dano estaria parado e que sua carga teria causado as lesões em sua perna.Ao final, requereu a reconsideração da decisão agravada ou o retorno dos autos ao Tribunal de origem para novo julgamento dos embargos declaratórios.O STJ negou provimento ao agravo interno.Vale trazer trecho do voto do Relator:“Conforme anotado na decisão ora agravada, o autor estava trabalhando dentro do pátio da Ma-deireira Espírito Santo Ltda. quando teve suas pernas esmagadas por toras de madeira (fl. 151, e-STJ). Não há, entretanto, nenhuma referência na petição inicial, na sentença ou no acórdão estadual da dinâmica do acidente que possa configurar o fato gerador da obrigação de indenizar oriunda do Seguro Dpvat.Em outras palavras, não há como aferir, na hipótese em exame, nem se o veículo foi o causador do acidente nem a relação de causalidade (nexo causal) com o infortúnio.”Oportuno trazer julgados:“Civil e processual. Seguro obrigatório de responsabilidade civil dos proprietários de veículos automotores de via terrestre (Dpvat). Legitimidade passiva de qualquer das seguradoras. Lei nº 6.194/1974. Exegese. Juros moratórios. Incidência do novo Código Civil. I – O seguro obri-gatório de responsabilidade civil de veículos automotores é exigido por lei em favor das vítimas dos acidentes, que são suas beneficiárias, de sorte que, independentemente do pagamento do prêmio pelos proprietários, devida a cobertura indenizatória por qualquer das seguradoras parti-cipantes. II – Interpretação que se faz da Lei nº 6.194/1974, mesmo antes da sua alteração pela Lei nº 8.441/1992, que veio apenas a tornar mais explícita obrigação que já se extraia do texto primitivo. III – Juros moratórios devidos a partir da citação, calculados na forma do art. 1.062 do Código Civil anterior até a vigência do atual e, partir de então, com base em seu art. 406. Prece-dentes do STJ. IV – Recurso especial não conhecido.” (STJ, REsp 782251, (200501548722), 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 25.08.2008)“Processual civil. Recurso especial. Agravo no agravo de instrumento. Seguro obrigatório. Aci-dente de trânsito. Seguradora. Legitimidade passiva. Prequestionamento. Ausência. Fundamen-tação deficiente. Valor da indenização. Legalidade. Ausente o prequestionamento da matéria cuja discussão se pretende, não se conhece do recurso especial. Não se conhece do recurso especial na parte em que se encontra deficientemente fundamentado. Qualquer seguradora que opera no sistema pode ser acionada para pagar o valor da indenização correspondente ao seguro obrigatório assegurado direito de regresso. O valor de cobertura do seguro obrigatório de res-ponsabilidade civil de veículo automotor (Dpvat) é de quarenta salários mínimos, não havendo incompatibilidade entre o disposto na Lei nº 6.194/1974 e as normas que impossibilitam o uso do salário mínimo como parâmetro de correção monetária. Precedentes. Agravo não provido.” (STJ, AGA 200600218945, (742443/RJ), 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, DJU 24.04.2006, p. 00397) (Disponível em: www.iobonlinejuridico.com.br)

Page 233: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������233

9187 – Seguro-saúde – cláusula de reajuste contratual – devolução em dobro – descabimento – ausência de prova de má-fé

“Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Cláusula de reajuste contratual de seguro de saúde. Devolução em dobro. Descabimento. Ausência de prova de má-fé. Precedentes. Honorários. Redistribuição. Decorrência do provimento do recurso especial. 1. Não há julgamento fora dos limites do pedido quando, com o provimento do recurso especial, é restabelecida a sentença e, consequentemente, redistribuída a verba de sucumbência. Precedentes. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que a devolução deve ser simples quando não comprovada a má-fé na cobrança indevida do contrato, hipótese dos autos. Precedentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 569.890 – (2014/0219127-5) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 02.06.2017 – p. 936)

9188 – Sentença – cumprimento – desconsideração da personalidade jurídica da sociedade exe-cutada – penhora de bem de sócio

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Cumprimento de sentença. Desconsideração da personalidade jurídica da sociedade executada. Penhora de bem de sócio. Matéria preclusa decidida em embargos de terceiro. Pedido de substituição da penhora do imóvel por crédito do sócio em outra ação. Expedição de carta precatória para penhora no rosto dos autos. Impugnação. Preclusão. Recurso improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 501.678 – (2014/0084847-1) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 01.06.2017 – p. 2610)

9189 – SFH – seguro habitacional – prescrição anual

“Processual civil. Agravo regimental no agravo no recurso especial. Recurso manejado sob a égide do CPC/1973. SFH. Seguro habitacional. Prescrição anual. Art. 178, § 6º do CC/2016. Vícios de cons-trução. Cobertura securitária. Reforma do julgado. Análise de matéria fático-probatória e da apólice. Aplicação das Súmulas nºs 5 e 7, ambas do STJ. Agravo interno não provido. 1. Aplica-se o CPC/1973 a este julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 2 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 09.03.2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justi-ça. 2. Não tendo o acórdão recorrido fixado um termo inicial para a contagem do prazo prescricional, não é possível, em recurso especial, reconhecer o advento da prescrição. Ademais, para infirmar a conclusão do acórdão seria necessário o reexame dos elementos fático-probatórios dos autos, sobe-ranamente delineados pelas instâncias ordinárias, o que é defeso nesta fase recursal a teor da Súmula nº 7 do STJ. 3. O acolhimento da pretensão recursal, com a perquirição dos vícios de construção cobertos pelo instrumento contratual, bem como o reconhecimento da possibilidade de desabamento parcial ou total dos respectivos imóveis, demandaria a interpretação do instrumento contratual, bem como a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão recorrido, com o revol-vimento das provas carreadas aos autos, o que é vedado em recurso especial, nos termos das Súmulas nºs 5 e 7 do STJ. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.490.910 – (2014/0274747-8) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 01.06.2017 – p. 2567)

9190 – Título extrajudicial – execução – não impugnação dos fundamentos da decisão

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Execução de título extrajudicial. Não impugnação dos fundamentos da decisão que inadmitiu o recurso especial. Confirmação do não conhecimento do agravo em recurso especial. Agravo interno não provido. 1. Na hipótese em exame, aplica-se o Enunciado nº 3 do Plenário do STJ: ‘Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC’. 2. A ausência de impugnação específica, na petição de agravo em recurso especial, dos fundamentos da decisão que não admite o apelo especial impossibilita o co-nhecimento do recurso, nos termos do art. 932, III, do CPC/2015. 3. Agravo interno ao qual se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.063.783 – (2017/0047190-3) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 26.06.2017 – p. 1834)

Transcrição editorial SÍnTeSeCódigo de Processo Civil:

Page 234: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

234 ��������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

“Art. 932. Incumbe ao relator:[...]III – não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especifica-mente os fundamentos da decisão recorrida;[...]”

9191 – Título extrajudicial – execução – prescrição intercorrente

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Título extrajudicial. Execução. Prescrição intercorren-te. Tempestividade. Feriado local. Comprovação. Documento idôneo. Cópia de página da internet. Não ocorrência. Precedentes. Não provimento. 1. A tempestividade do recurso especial pode ser comprovada por meio de documento idôneo trazido com as razões do agravo interno, não servindo, todavia, documento retirado de página da internet. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega pro-vimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 884.346 – (2016/0068757-8) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 08.06.2017 – p. 1096)

9192 – Usucapião extraordinário – decisão monocrática negando provimento ao reclamo – in-surgência recursal

“Agravo interno em recurso especial. Ação de usucapião extraordinário. Decisão monocrática negan-do provimento ao reclamo. Insurgência recursal da demandada. 1. A revisão das conclusões da Corte de origem acerca da presença dos requisitos legais necessários para a aquisição da propriedade pela usucapião extraordinária demandaria a reapreciação do contexto fático e probatório dos autos, prática vedada pela Súmula nº 7 do STJ. Precedentes. 2. Esta Corte de Justiça tem entendimento no sentido de que a incidência da Súmula nº 7 do STJ impede o exame de dissídio jurisprudencial, na medida em que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática do caso concreto, com base na qual deu solução a causa a Corte de origem. 3. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-REsp 1.624.026 – (2016/0233137-2) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 01.06.2017 – p. 2714)

Page 235: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Seção Especial – Em Poucas Palavras

O Que Fazer Quando Seu Voo Atrasa ou é Cancelado?

LORenA LuCenA TORReSAdvogada especialista em Direito Ambiental, atuante nas áreas do Direito Civil, do Consumi-dor, Ambiental e Trabalhista. MBA em Perícia e Auditoria Ambiental e Empreendedora, Mem-bro da Comissão de Direito Ambiental e Direito Marítimo, Portuário, Aeroportuário e Aduaneiro da OAB/CE. Administradora de empresas. Artigo científico apresentado na Faculdade de Direi-to de Lisboa – Portugal. Livro publicado pela Editora Lumem Juris.

Inicialmente, deve-se procurar informações junto ao balcão da empresa aérea, saber se o caso irá se tratar de atraso ou de cancelamento de voo, haja vista que após 1 hora de atraso já existe entendimento que ocorre dano moral.

Nesse sentido, o art. 7º da Resolução nº 141/2010 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a qual dispõe acerca das condições gerais de transporte aplicáveis aos atrasos e cancelamentos de voos e às hipóteses de preterição de passageiros e dá outras providências, diz:

Art. 7º O transportador deverá informar o passageiro, imediatamente, sobre o cancelamento do voo ou interrupção do serviço e seu motivo pelos meios de comunicação disponíveis.

§ 1º O cancelamento programado de voo e seu motivo deverão ser informados ao passageiro com, no mínimo, 72 (setenta e duas) horas de antecedência do horário previsto de partida.

§ 2º Quando solicitada pelo passageiro, a informação deverá ser prestada por escrito pelo transportador.

Assim, a Anac também recebe reclamações contra empresas aéreas, que podem resultar em sanções administrativas, caso seja constatado o descumpri-mento de normas da aviação civil. Dessa forma, é indispensável que haja in-formações claras e precisas ao passageiro acerca da possível falha na prestação de serviço.

Ademais, procurar verificar se há vaga em outro voo que possa realocar o passageiro, para esgotar as tentativas “amigáveis” de continuar o seu destino.

Outrossim, é necessário saber que a companhia aérea é obrigada, além de prestar esclarecimentos aos consumidores acerca de possíveis atrasos, a ofe-recer todo suporte necessário, como água, alimentação, local de espera ade-quado, Internet e hospedagem aos passageiros, senão vejamos:

Page 236: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

236 ������������������������������������������������������������������������������������� RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – SEÇÃO ESPECIAL – EM POUCAS PALAVRAS

Resolução nº 141, de 9 de março de 2010, da Agência Nacional de Aviação Civil – Anac, que dispõe acerca das Condições Gerais de Transporte aplicáveis aos atrasos e cancelamentos de voos e às hipóteses de preterição de passageiros e dá outras providências, temos:

[...]

Art. 14. Nos casos de atraso, cancelamento ou interrupção de voo, bem como de preterição de passageiro, o transportador deverá assegurar ao passageiro que comparecer para embarque o direito a receber assistência material.

§ 1º A assistência material consiste em satisfazer as necessidades imediatas do passageiro, gratuitamente e de modo compatível com a estimativa do tempo de espera, contados a partir do horário de partida originalmente previsto, nos se-guintes termos:

I – superior a 1 (uma) hora: facilidades de comunicação, tais como ligação tele-fônica, acesso a Internet ou outros;

II – superior a 2 (duas) horas: alimentação adequada;

III – superior a 4 (quatro) horas: acomodação em local adequado, traslado e, quando necessário, serviço de hospedagem.

Além disso, importante frisar que a responsabilidade da empresa aérea por qualquer atraso ou cancelamento de voo é objetiva, assim como a res-ponsabilidade de uma empresa fornecedora de serviços (agência de viagens) é solidária.

É que a responsabilidade civil da companhia aérea é objetiva pelos da-nos causados, na condição de fornecedora, aos consumidores, nos termos do art. 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor.

Por outro lado, a agência de viagem, por integrar a cadeia de fornecimen-to, é solidária com o fornecedor de serviço – empresa aérea –, devendo, ambas, serem responsabilizadas pelos possíveis danos materiais e morais causados pelo cancelamento do voo ou atraso.

Nesse azo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lembra que problemas relacionados aos direitos dos consumidores de companhias aéreas podem ser resolvidos nos Juizados Especiais que alguns Tribunais mantêm nos aeroportos.

De acordo com o CNJ, o atendimento no Juizado Especial é gratuito e tem por objetivo solucionar questões que envolvam valores até 20 (vinte) salá-rios-mínimos, sem a necessidade de advogado. Entre os problemas a serem re-solvidos por esses Tribunais estão os de atrasos de voos, overbooking e extravio de bagagem.

Page 237: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – SEÇÃO ESPECIAL – EM POUCAS PALAVRAS������������������������������������������������������������������������������������������237

Até o presente momento o Aeroporto Internacional de Fortaleza – Pinto Martins não dispõe desse serviço.

referências

ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil. Dicas Anac. Disponível em: <http://www.anac.gov.br/publicacoes/dicas_anac_atrasos_e_cancelamentos_web.pdf>. Acesso em: 14 set. 2016.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasil/DF, Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 jul. 2016.

CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Notícias. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/62371-voce-conhece-os-direitos-do-cidadao-que-viaja-de-aviao>. Acesso em: 14 set. 2016.

______. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consu-midor e dá outras providências. DOU de 12.09.1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 10 set. 2016.

______. Resolução nº 141/2010. Dispõe sobre as condições gerais de transporte apli-cáveis aos atrasos e cancelamentos de voos e às hipóteses de preterição de passageiros e dá outras providências. DOU de 15.03.2010. Disponível em: <http://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao-1/resolucoes/resolucoes-2010/resolucao-no-141--de-09-03-2010>. Acesso em: 14 set. 2016.

TORRES, Lorena Lucena. O que fazer quando seu voo atrasa ou é cancelado? Jusbrasil. Disponível em: <http://lucenatorres.jusbrasil.com.br/artigos/406991615/o-que-fazer--quando-seu-voo-atrasa-ou-e-cancelado>. Acesso em: 21 nov.2016.

Page 238: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Clipping Jurídico

Dívidas contraídas em jogos de azar no exterior podem ser cobradas no BrasilA cobrança de dívidas contraídas em países onde jogos de azar são legais pode ser feita por meio de ação ajuizada pelo credor no Brasil, submetendo-se ao ordenamento jurídico nacional. Ao analisar o caso de uma dívida superior a US$ 1 milhão, suposta-mente feita por um brasileiro em torneio de pôquer no cassino Wynn Las Vegas, dos Estados Unidos, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que a cobrança é juridicamente possível, desde que provado que o jogo é legal no local onde foi prati-cado. O ministro relator do caso, Villas Bôas Cueva, lembrou que a ação foi ajuizada no Brasil em virtude do domicílio do réu, mas a dívida foi constituída no Estado de Nevada, onde a exploração do pôquer é legal. Ele explicou que a cobrança só seria impossível caso ofendesse a soberania nacional ou a ordem pública, o que não ficou configurado no caso. “Não ofende a soberania nacional a cobrança de dívida de jogo, visto que a concessão de validade a negócio jurídico realizado no estrangeiro não retira o poder do Estado em seu território e nem cria nenhuma forma de dependência ou subordinação a outros Estados soberanos”, resumiu o ministro. Villas Bôas Cueva afirmou ser delicada a análise a respeito de ofensa à ordem pública, alegação que, se fosse aceita, inviabilizaria a cobrança. O relator destacou que diversos tipos de jogos de azar são permitidos e re-gulamentados no Brasil, tais como loterias e raspadinhas. Com esse raciocínio, segundo o ministro, é razoável o pedido de cobrança de um jogo semelhante (pôquer), que é regulamentado no local em que os fatos ocorreram. Há, portanto, equivalência entre a lei estrangeira e o Direito brasileiro, pois ambos permitem determinados jogos de azar, supervisionados pelo Estado, sendo, quanto a esses, admitida a cobrança. “Não se vis-lumbra, assim, resultado incompatível com a ordem pública”, frisou o ministro. Apesar de considerar legal a cobrança proposta, a Turma deu parcial provimento ao recurso para reabrir a instrução probatória e permitir que o jogador produza provas para se de-fender das alegações. Segundo a defesa, o réu foi convidado a participar de um torneio de pôquer realizado pelo cassino em março de 2011, mas não estava sujeito a perdas e ganhos. Ele sustenta que assinou diversos documentos a pedido do cassino na ocasião, entre eles um termo de autorrestrição que tornaria os créditos apostados fictícios e a dívida inexistente. Os argumentos não foram aceitos em primeira e segunda instâncias. Ainda segundo a defesa, o jogador foi convidado devido à sua habilidade no pôquer, e seria um chamariz para outros jogadores participarem. Os supostos vales assinados, no valor de US$ 1 milhão, teriam sido utilizados em jogos preliminares ao torneio para fins de qualificação, sem pretensão de ganhos ou perdas (REsp 1628974). (Conteúdo extraí-do do Superior Tribunal de Justiça)

PEC que cria filtro para recurso especial é aprovada na CCJ do SenadoPor unanimidade de votos, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Fede-ral aprovou, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 209/2012, que cria um filtro para a admissão de recursos especiais. Também conhecida como PEC da Relevância, a proposta tem como objetivo reduzir o excessivo número de recursos que chegam ao Su-perior Tribunal de Justiça (STJ). O texto modifica o art. 105 da Constituição Federal, que trata das competências do STJ, para que a admissão do recurso especial siga os moldes da repercussão geral exigida para o recurso extraordinário dirigido ao Supremo Tribu-nal Federal (STF) – com a demonstração de relevância das questões jurídicas discutidas pelo recorrente. Desde que tomou posse como presidente do STJ, em setembro do ano passado, a ministra Laurita Vaz tem empreendido esforços, junto com outros ministros da Corte, no sentido de sensibilizar os parlamentares sobre a necessidade da aprovação

Page 239: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – CLIPPING JURÍDICO ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������239

da emenda. Segundo Laurita Vaz, sem o filtro de relevância, o STJ acabou se tornando uma terceira instância, atuando como corte revisora de julgados dos Tribunais Estaduais e Regionais Federais em matérias cuja importância não ultrapassa o interesse subjetivo das partes. A PEC 209, segundo a presidente, resgata o papel constitucional do STJ de uniformizar a legislação infraconstitucional. (Conteúdo extraído do Superior Tribunal de Justiça)

Comissão se reúne para analisar proposições da I Jornada de Direito Processual CivilIntegrantes da coordenação científica da comissão de trabalho Processo de Conheci-mento se reuniram na sede do Conselho da Justiça Federal (CJF), em Brasília, para anali-sar as proposições apresentadas à I Jornada de Direito Processual Civil, relativas ao tema do grupo, e pré-selecionar aquelas que serão levadas a discussão nos dias 24 e 25 de agosto, durante o evento. Os trabalhos foram conduzidos pela ministra do Superior Tri-bunal de Justiça (STJ) Isabel Gallotti, que preside a comissão. Estiveram presentes os co-ordenadores Fredie Didier Jr. e Humberto Theodoro Jr.; os especialistas Alexandre Freire e Tais Schilling Ferraz; os secretários executivos da comissão, Evandro Lucas Faleiros e Marcelo dos Santos Soeiro; e o secretário executivo-geral da jornada, Fabiano Tesolin. As propostas foram previamente analisadas pelos membros e, durante a reunião, foram avaliadas com ampla discussão. Todas as comissões de trabalho do evento são presidi-das por ministros do STJ. Além da comissão de Processo de Conhecimento, a da Parte Geral tem como presidente a ministra Nancy Andrighi e como coordenadores científicos os juristas Nelson Nery Jr. e José Miguel Garcia Medina. No caso da comissão responsá-vel pelo tema Tutelas de Urgência e Procedimentos Especiais, o presidente é o ministro Sérgio Kukina, e os coordenadores científicos são os juristas José dos Santos Bedaque e Luiz Guilherme Marinoni. A comissão de trabalho que trata do tema Recursos e Prece-dentes Judiciais tem como presidente o ministro Humberto Martins, vice-presidente do STJ e do CJF, e como coordenadores científicos Teresa Arruda Alvim e Cassio Scarpinella Bueno. O ministro Ribeiro Dantas presidirá a comissão sobre execução e cumprimento de sentença, que tem como coordenadores científicos os especialistas Araken de Assis e Eduardo Arruda Alvim. A coordenação-geral do evento é do corregedor-geral da Justiça Federal, ministro Mauro Campbell Marques, que é também diretor do Centro de Estu-dos Judiciários (CEJ/CJF); e a coordenação científica-geral é do ministro Raul Araújo. A realização da I Jornada de Direito Processual Civil pelo CEJ/CJF conta com o apoio do STJ, da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). (Conteúdo extraído do Superior Tribunal de Justiça)

Seguradora responde solidariamente por danos em veículo sob guarda de oficina credenciadaA 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a responsabilidade so-lidária de seguradora de veículos em razão de furto de peça e avarias ocorridas nas dependências de oficina credenciada. O entendimento, que restabeleceu a sentença, foi proposto pelo relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, e baseou-se no dever de cautela e na teoria da guarda. Após o sinistro, o segurado levou seu caminhão para a primeira oficina indicada pela seguradora, onde seriam feitos os reparos necessários. Foi realizada uma vistoria e constatado que, à exceção das peças avariadas no acidente, todas as outras peças do caminhão se encontravam em perfeito estado. Em razão do alto valor cobrado pelo serviço, o reparo não pôde ser realizado pela primeira oficina. O

Page 240: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

240 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – CLIPPING JURÍDICO

caminhão foi, então, levado para a segunda oficina, por indicação da seguradora, onde foi feita uma nova vistoria e constatado o desaparecimento do tacógrafo. Também foi verificado que o para-brisa traseiro estava quebrado. O reparo, que estava contratual-mente previsto para ser realizado em 30 dias, foi concluído em 102 dias. Diante disso, o segurado pediu ressarcimento dos danos causados e o pagamento de lucros cessantes pela demora no conserto do caminhão, que era seu instrumento de trabalho. A sentença concluiu que houve responsabilidade da seguradora pelo furto do tacógrafo e pelo dano causado ao para-brisa nas dependências da primeira oficina, condenando-a também ao pagamento de lucros cessantes. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) reformou a sentença, afastando a responsabilidade da seguradora, pois concluiu que os danos causados ao caminhão deveriam ser custeados somente pela primeira oficina, que teria causado os prejuízos ao segurado. No recurso especial, o segurado alegou que não teve opção de escolha do local onde seriam feitos os reparos no veículo acidentado e que essa escolha ficou a cargo da seguradora. Sustentou, ainda, que, a partir do momento em que o fornecedor toma para si, literalmente, o objeto mediato do contrato e o deposita em mãos de terceiro, sobretudo por ele escolhido, passa a ser o responsável pelo que venha a acontecer com esse objeto, porque essa responsabilidade se relaciona com a prestação do serviço contratado propriamente dito. Em seu voto, Salomão explicou que a responsabilidade do segurador, afirmada pelo recorrente, pelo furto e pela depredação do para-brisa não se relaciona diretamente com o contrato de seguro, mas sim com o dever geral de cautela que se exige em relação aos bens de outrem. Segundo o ministro, o dever de cautela e a teoria da guarda são aplicados ao caso, conforme estabelece o art. 629 do Código Civil, que trata da obrigação de restituir os bens da mesma forma em que foram entregues. Para ele, é nítida a responsabilidade da seguradora pela má escolha da concessionária credenciada. Afirmou, ainda, que o furto do tacógrafo e a destruição do para-brisa devem ser considerados má prestação do serviço, porque representaram falha na guarda do bem. De acordo com o relator, a responsabilidade da seguradora só seria afastada se a concessionária tivesse sido escolhida livremente pelo segurado, o que não ocorreu. Com relação aos lucros cessantes, Salomão esclareceu que a obrigação de serem pagos se fundamenta, aqui sim, no descumprimento do contrato, verificado na im-posição de prazo exagerado (102 dias) para reparo do sinistro, que teria levado, segundo as instâncias ordinárias, à impossibilidade de retomada de seu trabalho pelo segurado. Devendo corresponder a 72 dias, prazo que extrapolou os 30 dias inicialmente previstos. (Conteúdo extraído do Superior Tribunal de Justiça)

Aplicar lei não invocada pelas partes não ofende princípio da não surpresaOs fatos da causa devem ser submetidos ao contraditório, não o ordenamento jurídico, o qual é de conhecimento presumido não só do juiz (iura novit curia), mas de todos os sujeitos ao império da lei, conforme presunção jure et de jure (art. 3º da LINDB). O entendimento da ministra Isabel Gallotti foi acompanhado de forma unânime pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento de embargos de declaração em que se alegava ofensa ao princípio da não surpresa, em razão de a decisão ter adota-do fundamentação legal diferente daquelas apresentadas pelas partes. O caso envolveu a fixação de prazo prescricional em ação que discutia ilícito contratual. No julgamento da causa, foi aplicado o art. 205 (prescrição decenal), em vez do art. 206, § 3º, V (pres-crição trienal), ambos do Código Civil. Como as partes não discutiam que a prescrição era trienal, divergindo apenas em relação ao termo inicial da contagem do triênio, a embargante entendeu que, ao adotar fundamento jamais cogitado por todos aqueles que,

Page 241: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – CLIPPING JURÍDICO ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������241

até então, haviam se debruçado sobre a controvérsia (partes e juízes), sem que sobre ele previamente fossem ouvidas as partes, o colegiado desconsiderou o princípio da não sur-presa (corolário do primado constitucional do contraditório – CF, art. 5º, LV), positivado no art. 10 do CPC de 2015. A relatora, ministra Isabel Gallotti, considerou equivocada a interpretação da embargante. Para a magistrada, o fundamento ao qual se refere o art. 10 é o fundamento jurídico – causa de pedir, circunstância de fato qualificada pelo direito, em que se baseia a pretensão ou a defesa, ou que possa ter influência no julgamento da causa, mesmo que superveniente ao ajuizamento da ação, não se confundindo com o fundamento legal (dispositivo de lei regente da matéria). Segundo ela, o fundamento jurídico da decisão da 4ª Turma foi a prescrição – preliminar de mérito arguida desde a contestação e julgada em ambas as instâncias ordinárias. Pouco importa que as partes não tenham aventado a incidência do prazo decenal ou mesmo que estivessem de acor-do com a incidência do prazo trienal. “Houve ampla discussão sobre a prescrição ao longo da demanda, e o tema foi objeto de recurso, tendo essa Turma, no julgamento da causa, aplicado o prazo que entendeu correto, à luz da legislação em vigor, conforme interpretada pela jurisprudência predominante na época para ações de responsabilidade civil por descumprimento contratual”, disse a ministra. Isabel Gallotti lembrou, ainda, que os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes e que o órgão jurisdicional não pode deixar de aplicar uma norma ao caso concreto, porque as partes, embora tratem do tema, não a invocaram. Ainda segundo a ministra, acolher o enten-dimento da embargante entravaria o andamento dos processos, uma vez que exigira que o juiz realizasse um exame prévio da causa para que imaginasse todos os possíveis dispositivos legais em tese aplicáveis e os submetesse ao contraditório. A discussão em colegiado, com diversos juízes pensando a mesma causa, teria que ser paralisada a cada dispositivo legal aventado por um dos vogais, a fim de que fosse dada vista às partes. “Grave seria o entrave à marcha dos processos, além de fértil o campo de nulidades”, concluiu a ministra (REsp 1280825). (Conteúdo extraído do Superior Tribunal de Justiça)

Recuperação judicial não impede homologação de sentença estrangeiraA homologação de sentença estrangeira possui caráter constitutivo de direito e, dessa forma, é possível mesmo nos casos em que a sentença é contra uma empresa em proces-so de recuperação judicial. Ao votar pela homologação de uma sentença de arbitragem internacional, o relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, disse que o procedimento não viola o dispositivo do art. 6º da Lei nº 11.101/2005 – ou seja, nesse tipo de feito o juízo universal da falência não tem competência para decidir acerca do pedido de homologação da sentença estrangeira. No voto, que foi acompanhado pelos demais ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Salomão diferenciou a constituição do direito, que ocorre com a homologação, da execução de valores, feita em momento posterior. Somente na segunda hipótese é que o juízo da falência decidirá, cabendo ao STJ a homologação para constituir o direito. De acordo com o ministro, a homologação de sentença é destinada a viabilizar a eficácia jurídica de provimento estrangeiro no território nacional, de modo que a decisão possa ser executada. “É, por-tanto, um pressuposto lógico da execução da decisão estrangeira, não se confundindo, por óbvio, com o próprio feito executivo, o qual será instalado posteriormente”, resumiu o relator. Salomão explicou que a recuperação judicial da empresa não atinge o direito material do credor, e no momento oportuno o juízo da falência decidirá a forma da exe-cução. Na contestação, de acordo com o relator, a empresa recuperanda não impugnou os aspectos formais da sentença estrangeira, que são analisados pelo STJ para deferir ou

Page 242: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

242 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – CLIPPING JURÍDICO

indeferir a homologação. O argumento da empresa recuperanda, segundo o relator, é que a homologação deveria ser negada porque a dívida fora constituída antes do deferi-mento da recuperação, sujeitando-se, portanto, às suas restrições, nos moldes do art. 49 da Lei nº 11.101/2005. O Ministério Público Federal também opinou pela homologação da sentença, lembrando que os procedimentos previstos no art. 6º da Lei de Falência e Recuperação não alcançam os processos ajuizados no exterior (SEC 14408). (Conteúdo extraído do Superior Tribunal de Justiça)

Não pode haver venda casada de cartão de crédito e seguro, decide 3ª TurmaNão pode haver venda casada do seguro Proteção Total Família no mesmo contrato de aquisição do cartão de crédito da loja C&A/Banco IBI. A decisão é válida para todo o Brasil e foi tomada pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimida-de, ao analisar dois recursos especiais que tramitavam no STJ a respeito do assunto. No primeiro recurso, o ministro relator Paulo de Tarso Sanseverino manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que determinou a adoção de contrato de adesão específico para cada produto ou serviço que a C&A e o Banco IBI disponi-bilizarem para seus clientes. O segundo recurso especial negado pela 3ª Turma era de autoria do Ministério Público do Rio Grande do Sul, autor de ação civil pública contra as empresas na qual o TJRS não reconheceu a existência de dano moral coletivo. Se-gundo Sanseverino, a revisão da conclusão a que chegou o TJRS acerca do dano moral demandaria o reexame dos fatos e das provas constantes dos autos, o que é vedado pela Súmula nº 7 do STJ. Por isso, negou provimento ao recurso. O ministro afirmou que os consumidores que se sentiram lesados podem entrar com ações individuais contra a C&A e o Banco IBI. “O afastamento dos danos na presente ação coletiva não inviabiliza o ajuizamento de demandas individuais pleiteando a condenação da instituição requeri-da à indenização pelos danos patrimoniais e extrapatrimoniais efetivamente suportados pelos consumidores lesados”, ressalvou. O STJ confirmou, ainda, que a proibição da venda casada do cartão C&A e do seguro Proteção Total Família abrange todo o ter-ritório nacional. “O Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo (REsp 1.243.887), assentou o entendimento de que a sentença proferida em ação civil pública relativa a direitos individuais homogêneos não está adstrita aos limites geográficos, mas sim aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido”, destacou Sanseverino (REsp 1554153). (Conteúdo extraído do Superior Tribunal de Justiça)

Afastados danos morais a pessoa jurídica por descumprimento de contrato co-mercialA 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou condenação por danos morais decorrente do inadimplemento em contrato de locação de equipamentos firmado entre pessoas jurídicas. De forma unânime, o colegiado não verificou lesão à reputação ou à credibilidade da autora da ação que justificasse a fixação de ressarcimento moral. O recurso teve como origem ação de reparação de danos morais e materiais proposta por uma empresa de construção em razão de suposto inadimplemento de contratos de locação de equipamentos. O pedido de reparação dos danos materiais foi julgado pro-cedente em primeira instância, com arbitramento de compensação extrapatrimonial no percentual de 10% do valor apurado a título de indenização por perdas e danos. A sen-tença foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA). Em análise do recurso especial, a ministra relatora, Nancy Andrighi, ressaltou que a pessoa jurídica, por não possuir honra subjetiva (dignidade, autoestima ou amor próprio, por exemplo), somente pode sofrer dano moral por ofensa a sua honra objetiva, como ataque à reputação ou

Page 243: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – CLIPPING JURÍDICO ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������243

à credibilidade. A ministra também lembrou o entendimento atual do STJ no sentido de que o simples inadimplemento contratual não causa, por si só, dano moral a ser compensado. “Afinal, no âmbito das relações negociais, em regra, o descumprimento de quaisquer das obrigações pelas partes se resolve na esfera patrimonial, mediante a reparação de danos emergentes e/ou lucros cessantes, do pagamento de juros, de multas, etc.”, apontou a ministra. No caso julgado, a relatora concluiu que o TJMA, ao fixar a obrigação de ressarcimento do dano moral, apontou, de forma genérica, que o inadim-plemento contratual causou repercussão negativa entre as empresas que atuam no mes-mo ramo de atividade. “Assim, partindo das premissas fáticas delineadas pelo tribunal de origem, não há, contudo, como conferir à recorrida a pleiteada compensação dos danos morais, tendo em vista o mero inadimplemento contratual por parte da recorrente, agregado ao fato de inexistência de significativo abalo à honra objetiva da recorrida”, concluiu a ministra (REsp 1658692). (Conteúdo extraído do Superior Tribunal de Justiça)

Fechamento da Edição: 17�07�2017

Page 244: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

artigOs dOutrináriOs

• PrescriçãoeDecadêncianaAnálisedeAtosdeConcentração Daniel Christianini Nery Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• ODocumentoEletrôniconaJurisprudênciadoSuperiorTribunaldeJustiça

Leonardo Netto Parentoni Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• DosLimitesSubjetivosdaEficáciadaCoisaJulgada Victor Aguiar Jardim de Amorim Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• ConciliaçãoCívelnosJuizadosEspeciaisFederais Lidiane Vieira Bomfim Pinheiro de Menezes Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

Page 245: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

Índice Alfabético e Remissivo

índice geral

DOUTRINAS

Assunto

Mediação e ConCiliação – novo CPC•Audiências de Conciliação e Mediação no Có-

digo de Processo Civil: Mudança de Paradig-mas (Carolina Louzada Petrarca e Dannúbia Nascimento) ........................................................54

•Conciliação e Mediação na Ótica do Novo CPC (Renan Buhnemann Martins) ................................48

•Mediação e Composição Amigável: Mudança de Paradigma na Administração da Justiça e a Atua-ção do Advogado (Elizabeth Nantes Cavalcante e Rebeca Alves de Souza Garcia) .........................13

•Mediação e Conciliação no Novo CPC e a Ten-tativa de Tornar Mais Célere o Processo (Camila Biral Vieira da Cunha Martins) .............................45

•Mediação no Novo CPC: Questionamentos Re-flexivos (Fernanda Tartuce) ..................................29

•Novos Desafios para a Mediação e Concilia-ção no Novo CPC: Artigo 334 (André Gomma de Azevedo e Marco Aurélio Buzzi) ......................9

Assunto

andré GoMMa de azevedo e MarCo aurélio Buzzi

•Novos Desafios para a Mediação e Conciliaçãono Novo CPC: Artigo 334 ......................................9

CaMila Biral vieira da Cunha Martins

•Mediação e Conciliação no Novo CPC e a Ten-tativa de Tornar Mais Célere o Processo ..............45

Carolina louzada PetrarCa e dannúBia nasCiMento

•Audiências de Conciliação e Mediação no Có-digo de Processo Civil: Mudança de Paradigmas ............................................................................54

dannúBia nasCiMento e Carolina louzada PetrarCa

•Audiências de Conciliação e Mediação no Có-digo de Processo Civil: Mudança de Paradigmas ............................................................................54

elizaBeth nantes CavalCante e reBeCa alves de souza GarCia

•Mediação e Composição Amigável: Mudança de Paradigma na Administração da Justiça e a Atuação do Advogado .........................................13

Fernanda tartuCe

•Mediação no Novo CPC: Questionamentos Re-flexivos ................................................................29

MarCo aurélio Buzzi e andré GoMMa de azevedo

•Novos Desafios para a Mediação e Conciliação no Novo CPC: Artigo 334 ......................................9

reBeCa alves de souza GarCia e elizaBeth nantes CavalCante

•Mediação e Composição Amigável: Mudança de Paradigma na Administração da Justiça e a Atuação do Advogado .........................................13

renan BuhneMann Martins

•Conciliação e Mediação na Ótica do Novo CPC ...48

COM A PALAVRA, O PROCURADOR

Assunto

Mediação e ConCiliação – novo CPC•Audiência de Conciliação/Mediação Obrigató-

ria no Novo CPC (Dorgival Viana Jr.) ...................57

Autor

dorGival viana Jr.•Audiência de Conciliação/Mediação Obrigató-

ria no Novo CPC .................................................57

índice geral

DOUTRINAS

Assunto

arrolaMento

•O Novo Código de Processo Civil e o Arrola-mento Comum de Bens (Artigos 664 e 665 do CPC/2015) (Erick da Silva Regis) ........................113

exeCução

•O CPC/2015 e o Devido Procedimento Le-gal na Fraude de Execução (Gelson Amaro deSouza) .................................................................75

novo CPC•A Aplicação Supletiva e Subsidiária do

CPC/2015 aos Processos Administrativos Es-taduais, Municipais e Distritais: Uma Análise Crítica da ADI 5492/DF (Clóvis Mendes LeiteReimão dos Reis) .................................................96

PreCedentes

•Os Precedentes dos Tribunais (Hugo NigroMazzilli) ..............................................................94

seGuro

•A Importância do Seguro para o Atleta, o Aciden-te de Trabalho e a Responsabilidade Civil das

Page 246: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

246 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

Entidades Desportivas (Leila Cristina CalasansBarreto Santos) ...................................................128

sisteMa reCursal

•A Efetiva Tutela Jurisdicional: Necessidade de um “Sistema Recursal” (Rodrigo de Oliveira Marques e Silvia Helena de Almeida Stefano) ......62

Autor

Clóvis Mendes leite reiMão dos reis

•A Aplicação Supletiva e Subsidiária do CPC/2015 aos Processos Administrativos Es-taduais, Municipais e Distritais: Uma Análise Crítica da ADI 5492/DF .......................................96

eriCk da silva reGis

•O Novo Código de Processo Civil e o Arrola-mento Comum de Bens (Artigos 664 e 665 doCPC/2015) .........................................................113

Gelson aMaro de souza

•O CPC/2015 e o Devido Procedimento Legal na Fraude de Execução .............................................75

huGo niGro Mazzilli

•Os Precedentes dos Tribunais ..............................94

leila Cristina Calasans Barreto santos

•A Importância do Seguro para o Atleta, o Aciden-te de Trabalho e a Responsabilidade Civil dasEntidades Desportivas ........................................128

rodriGo de oliveira Marques e silvia helena de alMeida steFano

•A Efetiva Tutela Jurisdicional: Necessidade de um “Sistema Recursal” .........................................62

silvia helena de alMeida steFano e rodriGo de oliveira Marques

•A Efetiva Tutela Jurisdicional: Necessidade de um “Sistema Recursal” .........................................62

EM POUCAS PALAVRAS

Assunto

resPonsaBilidade Civil

•O Que Fazer Quando Seu Voo Atrasa ou é Can-celado? (Lorena Lucena Torres) ..........................235

Autor

lorena luCena torres

•O Que Fazer Quando Seu Voo Atrasa ou é Can-celado? ..............................................................235

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

ação Civil PúBliCa

•Administrativo – Improbidade administrativa – Art. 17, §§ 8º e 9º – Agravo em recurso espe-cial – Decisão vestibular para processamento da demanda – Cognição sumária – Brocardo in du-bio pro societate – ausente a ofensa ao art. 535 do CPC – Cabimento da ação civil pública – Da- no moral coletivo – Fundamentação adequa-da – Elemento subjetivo e nexo de causalidade suficientemente bem narrados – Ausência de inépcia – Justa causa – Revolvimento de matéria fática – Decisões da segunda turma em casos idênticos – introdução (STJ) .....................9138, 162

ação Monitória

•Ação monitória – CDC – Contrato bancário – Pessoa jurídica – Inversão do ônus da prova – Capitalização – Tarifas bancárias (TRF 4ª R.) ................................................................9142, 190

dano Moral

•Direito processual civil e civil – Recurso especial – Ação de reparação de danos materiais e com-pensação de danos morais – Inadimplemento de contrato de locação de equipamentos – Nega- tiva de prestação jurisdicional – Não ocorrência – Cerceamento de defesa – Produção de prova pericial e oral – Reexame de fatos e provas – Inadmissibilidade – Alegação de ocorrência de julgamento ultra petita – Prequestionamento – ausência – Súmula nº 211/STJ – Reparação dos danos materiais – Fundamento do acórdão não impugnado – Súmula nº 283/STF – Fundamen-tação – Deficiência – Súmula nº 284/STF – Ina- dimplemento contratual – Dano moral afasta- do – Honorários advocatícios – Reexame de fa-tos e provas – Inadmissibilidade (STJ) .......9136, 143

eMBarGos do devedor

•Processual civil – Embargos do devedor – Ex-cesso da penhora – Erro da avaliação – Ques-tões impugnáveis no curso da execução fiscal(TRF 5ª R.) ...............................................9143, 204

honorários de advoGado

•Processual civil – Recurso especial – Honorá-rios advocatícios – Embargos à execução fiscal – Redirecionamento – Sócio-gerente – Hono-rários advocatícios – Proveito econômico (STJ) ................................................................9137, 157

Mandato JudiCial

•Processual civil – Questão de ordem – Revoga-ção do mandato judicial pela parte autora sem a nomeação incontinente de novo patrono – Ausência de pressuposto processual necessário ao válido desenvolvimento da relação proces-sual – Diversos atos processuais praticados por advogado que não mais detinha poderes de re-presentação da parte autora – Julgamento válido

Page 247: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������247 do recurso de apelação apresentado pela parte autora em razão de ainda possuir poderes o cau-sídico que apresentou o expediente – Higidez da r. decisão monocrática que julgou os apelos protocolizados pela parte autora e pela autar-quia previdenciária – Formação de coisa jul-gada após a r. decisão monocrática (TRF 3ª R.) ................................................................9141, 185

Penhora

•Processual civil e tributário – Embargos à exe-cução fiscal – Ausência de penhora – Falta de interesse de agir – Inaplicabilidade do art. 914 do novo Código de Processo Civil (TRF 1ª R.) ................................................................9139, 178

soCiedade

•Direito processual civil – tributário – Execu-ção fiscal – Redirecionamento contra sócio – Dissolução irregular – ocorrência (TRF 2ª R.) ................................................................9140, 182

EMENTÁRIO

Assunto

ação de CoBrança

•Ação de cobrança – cotas condominiais – legi-timidade ..................................................9144, 208

•Ação de cobrança – despesas condominiais – aplicação .................................................9145, 208

•Ação de cobrança – honorários advocatícios – sociedade de advogados – parceria profissio-nal – prescrição .......................................9146, 209

•Ação de cobrança – prestação de serviços educacionais – juros de mora – termo inicial ................................................................9147, 209

•Ação de cobrança – tutela antecipada indeferida de apreensão cautelar de numerário em dispu-ta – superveniência de sentença no processoprincipal ..................................................9148, 209

ação de exeCução

•Ação de execução – cédula de crédito rural – prescrição – termo a quo .........................9149, 210

ação Monitória

•Ação monitória – cerceamento de defesa – pro-cesso instruído com o contrato ................9150, 210

ação resCisória

•Ação rescisória – termo inicial do prazo para ajuizamento – último pronunciamento judicial ................................................................9151, 211

Cédula rural

•Cédula rural – débitos anteriores – desvio de fi-nalidade – não ocorrência .......................9152, 211

CoMissão de CorretaGeM

•Comissão de corretagem – permuta de proprie-dades rurais com torna – dação de imóveis co-mo parte do pagamento – cobrança.........9153, 211

Contrato

•Contrato de arrendamento mercantil – con-cessão de crédito – ação coletiva de consumo– análise ..................................................9154, 213

•Contrato de participação financeira – subscri-ção de ações – dobra acionária ...............9155, 213

•Contrato de participação financeira – subscri-ção de diferença acionária – aquisição de linhatelefônica .................................................9156, 214

dano Moral

•Dano moral – imóvel – atraso na entrega – lu-cros cessantes – demonstração de prejuízo –desnecessidade ........................................9157, 214

•Dano moral – transporte – queda de passageiro – responsabilidade objetiva .....................9158, 214

deFesa do ConsuMidor

•Defesa do consumidor – inversão do ônus daprova – necessidade ................................9159, 215

desConsideração da Personalidade JurídiCa

•Desconsideração da personalidade jurídi-ca – inviabilidade – inteligência do art. 50 doCC/2002 – aplicação da teoria maior.......9160, 218

deserção

•Deserção – agravo de instrumento – aplicação de norma local – inviabilidade de exame emespecial ...................................................9161, 218

desPeJo

•Despejo – honorários advocatícios – compen-sação .......................................................9162, 218

direito autoral

•Direito autoral – Ecad – ação de cobrança – te-levisão e rádio em quarto de hotel – possibili-dade ........................................................9163, 220

•Direito autoral – violação – Ecad – responsa-bilidade civil – pretensão – prescrição trienal ................................................................9164, 222

exCeção de Pré-exeCutividade

•Exceção de pré-executividade – liquidez e exigibilidade do título executado – dilação probatória ................................................9165, 222

exeCução

•Execução – contrato de financiamento – aquisi-ção de veículo – rescisão do contrato de com-pra e venda ..............................................9166, 222

Page 248: Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU- TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras,

248 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������RDC Nº 108 – Jul-Ago/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

•Execução – título judicial – mandado de se-gurança coletivo – prescrição – prazo – termoa quo .......................................................9167, 223

FalênCia

•Falência – cancelamento dos atos da matrí-cula de bem imóvel – impossibilidade – arre-matação ...................................................9168, 223

•Falência – construtora – rescisão do contrato de permuta – nova alienação sem a indenização devida aos antigos adquirentes das unidades au-tônomas do empreendimento frustrado – legi-timidade ..................................................9169, 224

honorários de advoGado

•Honorários de advogado – causa de pequenovalor – valor irrisório – majoração ...........9170, 225

•Honorários de advogado – defensor dativo – re-presentação em processo criminal – tabela daOAB ........................................................9171, 225

ProCessual Civil

•Processual civil – agravo interno no recurso es-pecial – recurso .......................................9172, 225

ProCuração

•Procuração outorgada – assinatura digitalizada ou escaneada – impossibilidade de aferição da autenticidade – concessão de prazo para suprir a irregularidade – não atendimento ............9173, 226

Protesto

•Protesto indevido – título de crédito – dano mo-ral – endossatário – responsabilidade.......9174, 226

reCuPeração JudiCial

•Recuperação judicial – ações ajuizadas contradevedores solidários e coobrigados .........9175, 228

•Recuperação judicial – crédito garantido por alienação fiduciária – ausência de violação ................................................................9176, 228

reCurso esPeCial

•Recurso especial – erro na grafia do nome do advogado – ausência de dificuldade na identi-ficação do processo – nulidade da intimação –não configuração .....................................9177, 229

•Recurso especial – óbito de parte – regulariza-ção processual – falecimento comunicado a destempo – ausência de prejuízo .............9178, 229

•Recurso especial – pretensão de reincorporação de vantagem suprimida – prescrição do fundode direito .................................................9179, 229

rePresentação ProCessual

•Representação processual – irregularidade – ausência de procuração e de cadeia completa de substabelecimentos .............................9180, 229

•Representação processual – irregularidade – nu-lidade de negócio jurídico – rescisão contratual

– repetição de indébito – indenização por da-nos morais ...............................................9181, 229

resPonsaBilidade Civil

•Responsabilidade civil – dicotomia tradicional – aquiliana e contratual – reformulação – res-ponsabilidade pela quebra da confiança..9182, 230

•Responsabilidade civil – prescrição da preten-são indenizatória – suspensão ..................9183, 231

seGuro

•Seguro – ação regressiva – seguradora contra sociedade empresária ..............................9184, 231

•Seguro – Dpvat – requisitos não demonstrados –não cabimento .........................................9185, 231

•Seguro – responsabilidade obrigacional – ilegi-timidade passiva ......................................9186, 232

•Seguro-saúde – cláusula de reajuste contratual – devolução em dobro – descabimento – ausên-cia de prova de má-fé ..............................9187, 233

sentença

•Sentença – cumprimento – desconsideração da personalidade jurídica da sociedade executada – penhora de bem de sócio ......................9188, 233

sFh•SFH – seguro habitacional – prescrição anual

................................................................9189, 233

título extraJudiCial

•Título extrajudicial – execução – não impugna-ção dos fundamentos da decisão .............9190, 233

•Título extrajudicial – execução – prescrição in-tercorrente ...............................................9191, 234

usuCaPião

•Usucapião extraordinário – decisão monocrá-tica negando provimento ao reclamo – insur-gência recursal ........................................9192, 234

CLIPPING JURÍDICO

•Afastados danos morais a pessoa jurídica pordescumprimento de contrato comercial ............242

•Aplicar lei não invocada pelas partes não ofen-de princípio da não surpresa ..............................240

•Comissão se reúne para analisar proposições daI Jornada de Direito Processual Civil ..................239

•Dívidas contraídas em jogos de azar no exterior podem ser cobradas no Brasil ............................238

•Não pode haver venda casada de cartão de cré-dito e seguro, decide 3ª Turma ..........................242

•PEC que cria filtro para recurso especial é apro-vada na CCJ do Senado .....................................238

•Recuperação judicial não impede homologação de sentença estrangeira ......................................241

•Seguradora responde solidariamente por danos em veículo sob guarda de oficina credenciada ..239