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Revista Vol. 03 | 2014 | ISSN 2447-8431 Ana Paula Melo José Almir do Nascimento organizadores: publicação da: O Processo, as dificuldades e as descobertas da pesquisa “Conhecer para Fortalecer”: reflexões a partir do olhar dos pesquisadores de campo Da caridade à participação social: (Re)pensando os conselhos municipais da criança e do adolescente em Pernambuco +3 Artigos

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Revista

Vol. 03 | 2014 | ISSN 2447-8431Ana Paula MeloJosé Almir do Nascimentoorganizadores:

publicação da:

O Processo, as difi culdades e as descobertas da pesquisa

“Conhecer para Fortalecer”: refl exões a partir do olhar

dos pesquisadores de campo

Da caridade à participação social: (Re)pensando os conselhos municipais da criança e do adolescente em Pernambuco

+ 3 Artigos

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Talvez essa não seja a melhor das notícias para se dar no início do ano, diante de tantas congratulações e desejos de dias melhores, no entanto gostaria de fato que essa não fosse a notícia a ser dada, mas não só de boas novas vivem as sociedades.

As notícias ruins servem de alerta para que a sociedade reflita sobre o mal que lhe aflige e como respostas elaboram mecanismos para proteção dos seus. Esses mecanismos funcionam como defesa, uma reação de uma sociedade que sente na própria pele a dor do outro e com intuito da preservação da própria espécie, reage.

Entretanto, parece que esta notícia está longe de se tornar um mecanismo de comoção social: 308 adolescentes assassinados de forma violenta em todo estado de Pernambuco em 2014. Sejamos mais precisos: em Janeiro 25 assassinados; em Fevereiro 28; em Março 37; no mês de Abril 35;

em Maio 37; no mês de Junho 23; em Julho 15; em agosto 17; em Setembro 20; no mês de Outubro 14; em novembro 33 e no mês de Dezembro 24. Esses são dados da Secretaria de Defesa Social (dos Crimes Violentos Letais Intencionais – CVLI) divulgados no portal da SDS.

O que surpreende é que esses dados não ganham destaque em nenhum espaço, seja da política, da mídia ou da própria sociedade, o silêncio impera. Mas onde estão ecoando osgritos desses 308 adolescentes assassinados, 308mortes em silêncio? Como em silêncio, se estamosfalando de crimes violentos.

Que sociedade é está que não consegue se provocar com as mortes de seus próprios semelhantes ainda em desenvolvimento, ou talvez não sejam semelhantes. Como negros, pobres e sem escolaridade podem ser semelhantes aos membros de uma sociedade? Nenhuma lágrima,

Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente | CEDCADaniel Ferreira FilhoMallon Francisco Felipe Rodrigues de Aragão

Universidade Federal Rural de Pernambuco | UFRPEDelson LaranjeiraHumberto Miranda

Governo do EstadoRosa Maria Lins de Albuquerque de Barros CorreiaDanielle de Belli Claudino

Secretaria da Criança e da JuventudeAlmery Bezerra de MelloRoseane Maria de Lima

Associação dos Conselheiros e ex-Conselheiros de Pernambuco | ACONTEPEMaria da Conceição Wanderlei PimentelAdriene Maciel

Fórum Estadual das Entidades da Criança e do Adolescente | Fórum DCAReginaldo José da SilvaNivaldo Pereira

Relação da Equipe GestoraDelson Laranjeira | Coordenação InstitucionalHumberto Miranda | Coordenação do Programa de Escola de ConselhosJosé Almir do Nascimento | Coordenação Pedagógica/Projeto Trienal-CEDCA/PEEdleuza Araujo | Supervisão Financeira/Projeto Trienal - CEDCA/PEThiago Gabriel Silva Gameiro | Supervisão Pedagógica/Projeto Trienal-CEDCA/PEAna Paula Lopes de Melo | Coordenadora de Campo de Pesquisa/Projeto Trienal-CEDCA/PE

Programador VisualDiogo Fernandes

ComunicaçãoRafael Marroquim

GRUPO GESTOR

308 Adolescentes assassinados no estado de pernambuco em 2014:Quem se importa?

EditorialRomero Silva

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Editorial -

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nenhuma dor, nem mesmo um gesto se quer de reação em defesa da própria espécie.

Quem se importa com esta notícia, se não reconhecemos esses 308 adolescentes como nossos semelhantes? Então não fazem parte de nós, se não é parte de nós não temos porque dar destaque aos dados, muito menos chorar pelas 308 mortes, que os donos dos mortos chorem pelos seus próprios mortos.

O que nos resta é desejar que alguns

reconheçam não mais aos 308 mortos, pois estes já não pertencem mais a nenhuma sociedade, se é que um dia pertenceram. Mas aos milhares de adolescentes e crianças com diversos direitos violados, serviços ofertados que não suprem suas necessidades básicas, como parte da sociedade, rompendo com esse ciclo de assassinatos, quebrando o silêncio, dando voz aos gritos e choros de um crime violento letal intencional.

NOTAS

1 Psicólogo e Professor de Direitos Humanos de Crianças e [email protected] (81-9945-9769)

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sumário

O Processo, as dificuldades e as descobertas da pesquisa “Conhecer para Fortalecer”: reflexões a partir do olhar dos pesquisadores de campoRomero José da Silva; George Michael Alves de Lima; José Aniervson Souza dos Santos; Simone Maria da Silva Santos; Ana Paula Lopes de Melo

artigos

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Notas sobre a organização e funcionamento dos Conselhos Municipais de Direito da Criança e Adolescente no Estado de PernambucoMichelle Cristina Rufino Maciel

Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente: parte importante no financiando das Políticas de Atendimento e de ProteçãoJosé Almir do Nascimento

Da caridade à participação social: (Re)pensando os conselhos municipais da criança e do adolescente em PernambucoHumberto Miranda

Controle Social na Construção de Políticas para a Infância em Pernambuco: considerações a partir do perfil e atuação dos conselhos e conselheiros municipais de defesa dos direitos de crianças e adolescentesAna Paula L. Melo

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5

pág.

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23

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Revista Infância Hoje Vol. 03 | 2014 | ISSN 2447-8431

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Romero José da Silva; George Michael Alves de Lima; José Aniervson Sou-za dos Santos; Simone Maria da Silva Santos; Ana Paula Lopes de Melo

O Processo, as dificuldades e as descobertas da pesquisa “Conhecer para Fortalecer” |

A realização da pesquisa “Conhecer para Fortalecer” proporcionou uma visão ampliada sobre conselhos municipais de defesa dos direitos da criança e do ado-lescente de Pernambuco (CMDCA), uma vez que foi possível obter informações no que concerne os dados de funcionamento dos conselhos, infraestrutura dis-ponível, perspectivas e dificuldades enfrentadas, bem como perceber elementos de satisfação e insatisfa-ção dos conselheiros na sua atuação e o quanto acre-ditam ou não no que deveriam defender enquanto conselheiros.

Como pesquisadores/as de campo, estava à nos-sa frente o desafio de coletar os dados ao mesmo tempo em que proporcionávamos um momento de interação entre os conselheiros que deveriam com-partilhar opiniões e debater divergências. Em nossa missão, a necessidade de manter a serenidade, cla-reza e objetividade enquanto buscávamos propor-cionar um ambiente onde os participantes se man-tivessem à vontade mesmo quando precisávamos mediar contradições.

Antes de tudo, faz-se importante discorrer um pou-co sobre a dinâmica do processo metodológico do tra-balho de campo. A metodologia trata das formas de fazer ciência, um conjunto de métodos e técnicas que servem de base a qualquer pesquisador para “captu-rar” o objeto da pesquisa em questão. As nossas ex-pectativas nos guiam no processo do conhecer, nossa curiosidade, a sede por respostas nos faz observar o mundo, questionar, criticar, pois o que vemos depen-de de quem somos e do que procuramos, e esse ob-jeto observado é construído por nós, num processo ativo e seletivo de quem observa.

Precisamos nos perguntar: Quais os fatores internos e externos que interferem na pesquisa? O que pro-duziu as fontes que estamos trabalhando e em que contexto? No rol dos procedimentos metodológicos

está disponível um leque de possibilidades às quais o pesquisador poderá se filiar para empreender em suas pesquisas. Não há uma metodologia “certa” ou “er-rada”, no entanto, o que existem são tipos de pesqui-sas que mais se ajustam a esta ou aquela metodolo-gia. Neste sentido, não há uma técnica que possa ser utilizada da mesma maneira em diferentes trabalhos, é no percurso, ao longo da pesquisa que o pesqui-sador deve observar a forma de trabalho. Todavia, é importante a elaboração de estratégias que auxiliam o processo de investigação.

O conhecimento científico é apenas um tipo de conhecimento que o homem faz uso para a compre-ensão da realidade social que o cerca. Reconhecemos as limitações metodológicas inerentes a todo traba-lho científico, portanto, convém destacar a premis-sa apontada por Gaston Bachelard (2004) acerca de um conhecimento “sempre aproximado”. Ficamos atentos para combinações não previstas de elemen-tos, evitando normas e procedimentos rígidos que engessam ao invés de propiciar elementos que nos permitam abarcar e refletir acerca daquela realida-de observada.

Nesse sentido, esse texto constitui uma produção coletiva realizada por alguns dos pesquisadores que atuaram na coleta de dados da pesquisa e apresen-ta percepções e aproximações que não podem ser encontradas nas categorizações e análises estatís-ticas advindas das informações extraídas dos ques-tionários. No entanto consideramos que as relações estabelecidas entre nós (os pesquisadores) e nos-sos informantes (os conselheiros) e a percepção da dinâmica de funcionamento dos conselhos a partir dos nossos olhares também pode trazer contribui-ções importantes para os resultados da pesquisa e para o conhecimento da realidade dos CMDCA de Pernambuco.

“Caminhante não há caminho, o ca-minho é feito ao caminhar”. Poeta Antônio Machado

O Processo, as dificuldades e as descobertas da pesquisa “Conhecer

para Fortalecer”:reflexões a partir do olhar dos

pesquisadores de campo

Romero José da Silva; George Michael Alves de Lima; José Aniervson Souza dos Santos; Simone Maria da Silva Santos; Ana Paula Lopes de Melo

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Romero José da Silva; George Michael Alves de Lima; José Aniervson Sou-za dos Santos; Simone Maria da Silva Santos; Ana Paula Lopes de Melo

O Processo, as dificuldades e as descobertas da pesquisa “Conhecer para Fortalecer” |

Algumas aproximações

A partir dessa explanação inicial, chega o momento de debruçarmo-nos sobre o trabalho de campo, as viagens, as cidades, as pessoas, a pesquisa: Conhecer para Fortalecer.

Como funcionam os Conselhos Municipais de Direito da Criança e do Adolescente? Quem são os Conselheiros? O que pensam? Como trabalham? Essas eram algumas das perguntas nos questionários aplicados e que foram introjetadas pelos pesquisado-res nesse trabalho. Em grupo, ou mesmo sozinhos, viajamos pelo Estado em busca dessas respostas e nos deparamos com diferentes realidades socioeco-nômicas, políticas, regionais, etc. Um misto de senti-mentos. Nós e os conselheiros criamos expectativas e através desse encontro podemos ter hoje um pano-rama da situação em que se encontram os CMDCA de Pernambuco.

O contato com diferentes gestões dos CMDCA nas distintas regiões de Pernambuco foi importante para identificar avanços e dificuldades no que diz res-peito ao conhecimento das normativas expressas no Estatuto da Criança e Adolescente; a compreensão das condições de desenvolvimento na infância; as res-ponsabilidades dos conselheiros de direitos expressas no ECA e nas Resoluções do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente); a efetivação da política integral de proteção à criança e ao adolescente sob responsabilidade dos CMDCA, entre outras.

Esses contatos expuseram situações dicotômicas no que diz respeito ao que vem sendo desenvolvido pelos conselhos de direito e aquilo que é preconizado como responsabilidade desses conselheiros no ECA. Por um lado, chamava a nossa atenção a organização e autonomia de alguns conselhos de municípios bem pequenos em regiões distantes de grandes centros, alguns conselheiros bem informados, defensores de direitos e com autonomia política que nos faziam ficar encantados com a força encontrada nos seus olhares e a responsabilidade que assumiam diante da função tão importante para o município. Por outro, também foi perceptível o desconhecimento que vários pos-suíam acerca das atribuições, as suas brigas políticas,

as disputas entre representantes da sociedade civil e do poder público, questionamentos sobre a não re-muneração da função e falta de autonomia nas de-cisões que, muitas vezes, ficavam apenas a cargo do poder público.

A Pesquisa Conhecer para Fortalecer acontece em um momento emblemático para garantia dos direitos das crianças e adolescentes, tanto em Pernambuco, como no Brasil. O contexto atual põe em cheque a efetivação da garantia de direitos de crianças e adoles-centes e pode significar um retrocesso de tudo aquilo que já foi conquistado e não efetivado sob as prerro-gativas de que “os muitos direitos” tem sido a cau-sa do aumento da delinqüência juvenil, entre outros problemas “sociais”.

Dentro deste contexto encontramos frentes de lu-tas encampados por homens e mulheres que acredi-tam no poder de transformação e reparação de uma sociedade por meio da efetiva implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente, não como fer-ramenta de apadrinhamento, mas um instrumento de inclusão e acesso aos mais diversos direitos para uma condição peculiar de sujeitos em desenvolvimento. Encontramos com alguns destas pessoas nos CMDCA visitados que, em sua atuação, resistem às mais di-versas violações, omissões e negligências do poder público para a garantia dos direitos infanto-juvenil.

Através da nossa percepção no campo, é possível dizer que a compreensão de que toda criança e ado-lescente é sujeito de direito e que estes estão em fase de desenvolvimento é uma realidade para os conse-lheiros pesquisados, muito embora, em determinados momentos da pesquisa isso era posto em questão, em especial quando temáticas de cunho mais polêmico eram abordadas, como é o caso das recentes discus-sões acerca da redução da maioridade penal, a “lei da palmada”1 e trabalho infantil.

Em visitas a vários municípios das 05 regiões do Estado, percebemos e ouvimos a expressão de di-versos sentimentos experiênciados pelos conselhei-ros, um que nos chama a atenção é o de se senti-rem sozinhos, alguns fazendo acréscimo da palavra abandonados. Diversos foram os relatos da necessi-dade de apoio, formação, informação, acrescentado

NOTAS

1 Durante a realização da pesquisa a Lei Menino Bernardo (lei 13010/2014) ainda não havia sido aprovada e a temática da proibição de castigos físicos foi abordada na pesquisa através da referência ao projeto de lei que ficou conhecido como “lei da palmada” que encontrava-se em tramitação

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Romero José da Silva; George Michael Alves de Lima; José Aniervson Sou-za dos Santos; Simone Maria da Silva Santos; Ana Paula Lopes de Melo

O Processo, as dificuldades e as descobertas da pesquisa “Conhecer para Fortalecer” |

o contentamento com a presença de um pesquisador da Escola de Conselhos de Pernambuco in loco para poder constatar suas realidades e lhes fazer lembrar que não estão sozinhos. Fato que também gerou uma grande expectativa com as possibilidades de en-caminhamentos advindas a partir da divulgação dos resultados da pesquisa, facilitando a participação e contribuição com as respostas a partir da crença no efeito bumerangue da pesquisa, que vai da consta-tação de uma realidade e volta com estratégias de enfrentamentos.

A pesquisa também representou um espaço im-portantíssimo de formação. As perguntas provocaram muitas reflexões e debates intensos entre os conse-lheiros, sendo necessária em muitas ocasiões a inter-venção do pesquisador para garantir as respostas a todas as perguntas do questionário.

Encontramos pessoas fortes, resistentes e disponí-veis, para a construção de ferramentas pedagogias e ideológicas de um modelo de CMDCA que de fato te-nha condições de incidir na política pública municipal.

No entanto, a pesquisa nos permitiu perceber que o CMDCA está inserido em um contexto que não é favorável para o seu efetivo funcionamento em razão de diversos fatores, sendo necessário o conhecimento das forças que circulam neste contexto para a garan-tia de ações assertivas de enfretamento.

Um contexto de fragilidades

O Estatuto da Criança e do Adolescente apresenta o CMDCA à sociedade numa condição muito privi-legiada, garantindo a participação popular de forma compartilhada com o poder executivo na elaboração, fiscalização e monitoramento das políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes.

No entanto o desempenho efetivo do CMDCA mes-mo com a participação popular depende de diversos fatores, internos e externos. Um dos fatores internos e que se pode dizer como essencial é a própria iden-tidade da sociedade civil representada no CMDCA, uma vez que essa precisa ter a clareza de sua partici-pação e responsabilidade dentro do órgão.

Um fator externo que pode ser apresentado como fundamental é dificuldade de repasse de recursos para o Fundo Municipal de Direitos de Crianças e Adolescentes, tanto a partir do poder executivo, quanto a partir de contribuições da sociedade ci-vil. Percebemos, de maneira geral, uma ausência de

autonomia financeira para a execução de políticas públicas para crianças e adolescentes alimentando relações de dependência e impossibilitando ações efetivas.

A aplicação da pesquisa com a leitura do ques-tionário evidenciou reflexões acerca das práticas dos CMDCA diante da confrontação com as perguntas que situam as atribuições do órgão. Foi comum ou-vir afirmações e perguntas como “não sabia que o CMDCA era responsável por fazer essa atividade”, “achei que podíamos fazer assim”, “essas ações tam-bém são nossa responsabilidade?”. E assim os mem-bros iam avaliando e reconhecendo suas práticas.

Esses questionamentos sinalizam fragilidades na formação e suporte dado a estes conselhos, indican-do a necessidade de uma formação continuada que enfrente os desafios da rotatividade, da indicação aleatória e qualifique o fazer políticas para criança e adolescentes.

Outro aspecto relevante percebido durante a pes-quisa foram CMDCA desconhecidos da sua própria comunidade, bem como desvinculado das redes co-munitárias locais que possibilitariam uma fonte de apoio ao exercício do controle social. Pois, como afir-ma Barreto (2008, p. 38):

A comunidade age onde a família e as políti-

cas sociais falham. Nós afirmamos que a so-

lução está no coletivo e em suas intera-

ções, no compartilhar, nas identificações

com o outro e no respeito às diferenças.

Tal afirmação remete à importância da constru-ção de redes comunitárias de apoio que darão sus-tentação às ações coletivas de interesse comunitário, como é o caso dos CMDCA. A construção de redes comunitárias possibilita o encontro e a união dos in-teresses comuns, onde muitas vezes temos encontra-do órgãos e organizações fazendo a mesma coisa em ações particularizadas.

É importante pontuar ainda a necessidade de reconhecimento do espaço dos CMDCA como de fundamental importância para a construção de políticas públicas que de fato interfiram na vida de crianças e adolescentes e de seus membros como parte do órgão, com papel de relevância importante a ser desenvolvido.

Foi comum durante a pesquisa encontrar conselhei-ros “pegos de surpresa” ao serem convocados para

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Romero José da Silva; George Michael Alves de Lima; José Aniervson Sou-za dos Santos; Simone Maria da Silva Santos; Ana Paula Lopes de Melo

O Processo, as dificuldades e as descobertas da pesquisa “Conhecer para Fortalecer” |

a realização da pesquisa: alguns que desconheciam, inclusive, o fato de serem membros do CMDCA, ou-tros mantinham cadeiras cativas em vários conselhos de políticas públicas locais, e ainda aqueles cujo prin-cipal objetivo de atuação consistia em evitar descon-fortos para a gestão municipal.

Considerações Finais

Muito embora o conjunto de normativas nacionais que definem prioridades, responsabilidades e investimen-tos dos diferentes entes federados e das instituições, entre elas a família, a sociedade e a escola, tenha seu marco histórico no ano de 1990, com a promulga-ção do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei Federal nº 8069/90), muitas questões referentes à proteção integral desses sujeitos ainda precisa ser discutida, compreendida e levada em consideração no Brasil contemporâneo, inclusive pelos atores res-ponsáveis por essa garantia.

A realidade apresentada pela pesquisa Conhecer para Fortalecer demonstra que muito ainda precisa

ser investido e discutido, não apenas acerca do pa-pel dos conselheiros de direitos, mas também de que forma esses conselhos escolhem, capacitam e man-tém seus membros.

Os resultados, tanto das análises dos dados obtidos a partir dos questionários quanto da dinâmica aqui apre-sentada, deixam evidente a necessidade de capacita-ções direcionadas para o conhecimento das atribuições e prática consciente das premissas expressas no ECA, como também a demanda por sensibilização dos con-selheiros que passa por dimensões que estão além da zona de construção de conhecimento técnico-científico adentrando questões de caráter ético e social.

Finalizamos ressaltando que, mesmo com mui-tas dificuldades, inclusive de infra-estrutura, existem CMDCA com conselheiros comprometidos que atu-am com vigor na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes no Estado, e isso nos faz acreditar que uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna na defesa de direitos de crianças e adolescentes ain-da é possível a partir da atuação desse órgão impor-tante de controle social.

REFERÊNCIAS

BARRETO, Adalberto de Paula. Terapia Comunitária: passo a passo. 3ª edição. Gráfica LCR, Fortaleza, 2008.

BACHELARD, Gabriel. Ensaio sobre o conhecimento aproximado. Contraponto, 2004.

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Uma das principais mudanças promovidas do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990) se refere à criação de uma nova políti-ca de atendimento aos meninos e meninas no Brasil. Pautada na lógica da participação social, o Estatuto estabeleceu a criação dos conselhos nacional, esta-duais/distrital e municipais dos direitos das crianças e dos adolescentes. De acordo com o Artigo 88 (II), esses conselhos devem ser considerados “órgãos de-liberativos e controladores das ações em todos os ní-veis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais”.

A criação dos conselhos dialoga diretamente com os princípios da Constituição Federal de 1988, quan-do por sua vez estabelece os conselhos setoriais na construção das políticas públicas. A Constituição, tam-bém conhecida como “Constituição Cidadã”, objeti-va, teoricamente, produzir outra prática política onde o Estado e a sociedade civil são chamados para cons-truir outro projeto político para o país, quando a par-ticipação social se torna um princípio indispensável para pensar as políticas de atendimento.

No decorrer da pesquisa Conhecer para Fortalecer, produzida pela Escola de Conselhos de Pernambuco, foi percebido que os princípios constitucionais pre-sentes no Estatuto da Criança e do Adolescente nem sempre se efetivam no cotidiano dos municípios de Pernambuco. A lógica da “municipalização do atendi-mento” ainda se encontra fortemente comprometida, haja vista que a tradição política centralizadora, com base no assistencialismo caritativo e filantrópico ain-da se encontra presente no cotidiano dos conselhos municipais. O resultado da pesquisa convida-nos a (re)pensar as práticas conselhistas e apontar possibilidades

para que a Lei se materialize nas políticas. Em boa parte dos municípios visitados foi consta-

tada a centralização das decisões nas mãos de grupo políticos atrelados aos poderes públicos estabelecidos, onde não há uma cultura do diálogo e da participa-ção da sociedade civil. As ações de centralização im-pedem a lógica “mobilização da opinião pública para a indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade” (Artigo 88 - VII) e a “criação e manu-tenção de programas específicos, observada a des-centralização político-administrativa” (Artigo 88 – III).

No decorrer da pesquisa, também se descortinou a prática do não diálogo entre os agentes e as instituições que fazem parte do chamado “Sistema de Garantia de Direitos”1. O não diálogo se traduz na falta de articulação entre o Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Conselho Tutelar e outros agen-tes encarregados da execução das políticas sociais bá-sicas e de assistência social. Prática que compromete a chamada “integração operacional de órgãos” res-ponsável pela materialização da Lei, conforme pre-coniza o Artigo 88 – VI, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Em síntese, a pesquisa constatou a fragilidade de boa parte dos conselhos analisados, descortinan-do um cenário marcado pela não aplicabilidade do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ao analisar a atuação dos conselhos municipais de direitos pesqui-sados, é importante pintar com cores mais fortes a ideia de “participação social” construída pelos con-selheiros e conselheiros.

Debruçar-se sobre esses dados me fez sistematizar uma reflexão à luz do saber histórico, uma vez que as práticas conselhistas atuais reproduzem uma cultura política produzida no passado. Durante a pesquisa foi

Da caridade à participação social:(Re)pensando os conselhos municipais da criança e do adolescente em Pernambuco Humberto Miranda

NOTAS

1 O “Sistema de Garantia de Direitos” busca articular os agentes e instituições que atuam nos campos da promoção, defesa e controle dos direitos da criança e do adolescente. O Sistema foi sistematizado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, através da Resolução 113

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percebido que a própria ideia de cidadania - de parti-cipação ativa na vida política dos municípios -, com-promete-se pela cultura política ainda marcada pelo mandonismo e pelo clientelismo.

É necessário perceber que a fragilidade de alguns conselhos municipais de direitos traduz a cultura polí-tica patrimonialista, marcada pelas práticas oligárqui-cas e clientelistas, onde o espaço público representa extensão do espaço privado. De acordo com o histo-riador Jorge Siqueira:

O autoritarismo renitente e reincidente de nossas eli-

tes políticas, as práticas abertas e dissimuladas da vio-

lência histórica de nossas elites agrárias e empresa-

riais são cicatrizes e, no mais das vezes feridas aber-

tas no corpo de uma sociedade. (SIQUEIRA, 2014)

Desse modo, penso que a fragilidade dos conselhos municipais representam “feridas abertas” no Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, ferida essa gerada por uma cultura política que vio-lenta a participação e a cidadania dos conselheiros e conselheiras municipais de direitos. Ferida que gera a desmobilização, a centralidade das decisões na mão de um ou de um grupo, muitas vezes atrelados à ad-ministração local.

Mas a fragilidade não pode ser analisada distan-te de uma reflexão da própria cultura política histo-ricamente construída no Brasil republicano. Ao ana-lisar a República brasileira, o historiador José Murilo de Carvalho (1997) afirmou que a ideia de participa-ção, do espírito “da coisa pública”, não permeou a construção republicana no nosso país. As ideias de mudanças e de cidadania advindas da Europa não circulavam entre os populares, que assistiram “bes-tializados”, sem entender o que estava acontecendo, as comemorações da Proclamação da República. Para Carvalho, os direitos civis e políticos pouco foi acres-centado na primeira Constituição brasileira, de 1891.

Desse modo, é importante destacar que a ideia de participação social não faz parte da nossa tradição política. Para (re)pensar os conselhos municipais de direitos da criança e da criança proponho uma refle-xão a partir da história da assistência aos meninos e meninas no Brasil. As práticas centralizadoras, a não discussão do orçamento, a não promoção das con-ferências e outras práticas descortinadas no decorrer da pesquisa Conhecer para Fortalece desmobilizado-ras têm uma historicidade.

Para além de uma cultura política conservadora, que não valoriza e/ou promove a participação social, é importante trazer para este debate a trajetória his-tórica da assistência aos meninos e meninas e me-ninas no Brasil. De acordo com a historiografia con-temporânea é possível entender a trajetória da assis-tência às crianças e adolescentes no Brasil a partir de quatro fases.

A primeira, chamada de fase caritativa, é marcada pela ação das ordens religiosas, que através de ações institucionais baseadas na lógica da caridade passa-ram a lidar com o problema das crianças abandona-das. Esta fase foi marcada pela criação das Rodas dos Expostos, presentes nas Santa Casas de Misericórdia, nas cidades mais populosas do Brasil (NASCIMENTO, 2008).

A segunda, conhecida como fase filantrópica, foi caracterizada pelas ações assistencialistas, quando o Estado passou a dividir a responsabilidade com orga-nizações sociais, produzindo ações políticas para mi-nimizar o abandono e a pobreza das crianças e suas famílias. Foi nesta fase que se inaugurou no Brasil, a lógica da “Primeira Dama” se tornar a responsável pelas ações de assistência às crianças e as famílias.

A terceira fase, a do “bem-estar social”, marcou a centralização do Estado, que passou a tutelar, procu-rando produzir a ideia do “Estado provedor”, respon-sável pelo controle sobre as crianças e suas famílias, através das políticas assistencialistas. Foi neste perí-odo que foi promulgada a Política de Bem-Estar do Menor e a partir dela se deu a criação da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor - FUNABEM e suas instâncias estaduais, as chamadas Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor – FEBEM (MIRANDA, 2014).

É na “fase dos direitos” que a lógica da participa-ção social nas decisões políticas passa a ser produ-zida. O cenário da Redemocratização no Brasil, nas décadas de 1970 e 1980, promoveu uma mudança significativa na forma de pensar as políticas públicas para as crianças e adolescentes no Brasil (MARCÍLIO, 2006). Esta fase recebeu forte influência do debate internacional acerca dos direitos das crianças e ado-lescentes, que reconheciam esses agentes como “su-jeitos de direitos”.

Como percebemos, o Brasil vivenciou diferentes maneiras de viver as práticas de assistência às crianças e aos adolescentes e suas famílias. Essas fases não po-dem ser analisadas de forma positivista, demarcadas

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por uma cronologia exata ou uma etapa da vida po-lítica brasileira, comumente dividida em três fases: Colônia, Império e República, haja vista que práticas coloniais ainda persistem no cotidiano na vida políti-ca, impedindo que novas formas de pensar a políti-ca de atendimento se materializem no cotidiano dos nossos municípios.

É importante perceber as permanências da História, haja vista que a trajetória da assistência não é só mar-cada por mudanças e sim por continuidades de práti-cas construídas em diferentes tempos e espaços. Uma Lei promulgada não representa a sua efetivação ime-diata ou a transformação na vida das pessoas. Daí a importância de (re) pensar os conselhos municipais a partir das permanências da História. O tempo da ca-ridade ainda não acabou.

(Re) pensar os conselhos municipais de direitos é

questionar discursos produzidos e cristalizados en-tre os operadores da Lei. É (re) pensar a ideia de “Constituição Cidadã”, de “participação social” e da própria prática conselhista. É questionando esses dis-cursos produzidos que poder-se-á construir uma outra política de atendimento, que efetivamente compreen-da os meninos e meninas como sujeitos de direitos.

Enquanto houver centralização nas tomadas de de-cisão, assistencialismo baseado na lógica do primeiro damismo, a lógica da caridade permeará as políticas de atendimento. Daí a importância de se (re) pensar a atuação dos conselhos municipais. É preciso rom-per com a lógica caritativa e promover a participação social, inclusive das crianças e dos adolescentes, nas políticas de atendimento. É preciso construir uma “ou-tra” história na trajetória da assistência aos meninos e meninas em Pernambuco.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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A Constituição Federal brasileira de 1988, enquan-to resultado de lutas sociais, constitui um marco no campo dos direitos humanos e sociais para o país. Conforme Sposatti (2009), o resultado mais expressi-vo desse avanço democrático significou grandes mu-danças sob a égide da responsabilização pública e estatal, acrescentando na agenda do poder público um conjunto de necessidades que até então conside-radas de âmbito pessoal e individual para a maioria da população.

Ancorado no artigo 227 da constituição de 1988 o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA veio refor-çar e reconhecer que existe uma parcela da população que precisa ter atenção especial e ser reconhecida en-quanto sujeitos de direitos, que é o caso das crianças e adolescentes. Nesse sentido, cabe ressaltar que a im-plementação do ECA enquanto um instrumento para efetivação de medidas de proteção e garantia de direti-tos para crianças e adolescentes torna-se fundamental para formação e atuação dos Conselhos Municipais de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes (CMDCA) e Conselhos Tutelares. Sobre essa questão, Oliveira (2009 p.13) destaca o “ineditismo no âmbito internacional, da proposta de criação dos conselhos de direitos e tutelares”.

Os conselhos dos direitos da Criança e do ado-lescente, incorporados à estrutura e organização do Estado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, são órgãos públicos diferenciados pela sua natureza colegiada, ou seja, composto por diferentes repre-sentações de modo que as decisões são sempre de-liberadas coletivamente entre as representações do governo e comunidade (SANTOS et al., 2009). Cabe ainda ressaltar:

Os conselhos de direito da criança e do adolescente

são órgãos responsáveis pela elaboração das diretri-

zes da política de atendimento aos direitos da criança

e do adolescente, bem como pelo acompanhamento,

controle e avaliação dos programas e ações desenvol-

vidas (CONANDA, 2007 apud SANTOS et al., 2009).

Nestes termos e amparados da constituição de 1988, estabelece no artigo 204 a coerência dos prin-cípios da descentralização político-administrativa pe-rante o Governo Federal em articulação com as esfe-ras municipais. Nesse processo, a participação popu-lar na formulação das políticas públicas e no controle das ações em todos os níveis, passa a ser um elemen-to fundamental para a formulação das diretrizes das políticas de atendimento aos direitos da criança e do adolescente. Essa proposta de organização dos con-selhos vem nos provocar para o interesse em compre-ender como os mesmos têm funcionado no estado de Pernambuco.

Diante do exposto, o presente texto tem por obje-tivo apresentar algumas notas sobre a sobre a orga-nização e o funcionamento dos Conselhos Municipais no estado de Pernambuco, a fim de refletirmos sobre a realidade vivenciada pelos conselhos. Para o presen-te trabalho, as nossas reflexões serão subsidiadas pe-los resultados da pesquisa Conhecer para Fortalecer realizada pela Escola de Conselhos entre os anos de 2013 e 2014.

Pensando a organização dos conselhos no estado de Pernambuco

Para o funcionamento efetivo de órgãos colegiados de caráter deliberativo é preciso garantir uma mínima estrutura física para que ações possam acontecer. De modo geral, garantir a estrutura física para o funciona-mento cotidiano dos conselhos de direito de crianças e adolescentes no estado de Pernambuco parece ser desafiador, haja vista que a maioria dos conselhos no estado não dispõem de espaços físicos que viabilizem o andamento das ações, mesmo quando esse espa-ço é cedido, este é compartilhado com outros conse-lhos. Nesse sentido, torna-se evidente a necessidade

Notas sobre a organização e funcionamento dos Conselhos

Municipais de Direito da Criança e Adolescente no Estado de Pernambuco Michelle Cristina Rufino Maciel

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de investimentos municipais no processo de fortaleci-mento dos conselhos, sobretudo na garantia de uma mínima estrutura física que favoreça a realização do trabalho diário.

Outra questão pertinente a destacar trata-se dos momentos relacionados à organização interna dos conselhos, ou seja, momentos que são de fundamen-tal importância para afinar as atividades, planejar, pro-por, deliberar e organizar a rotina cotidiana dos con-selhos e seus/suas conselheiros/as. Considerando a pertinência desses momentos fazemos destaque às reuniões como espaços de diálogo permanente, pois a pesquisa sinalizou que a maioria dos conselhos re-alizam reuniões ordinárias com periodicidade mensal e são poucos os conselhos que se reúnem, sobretu-do semanalmente.

Essa realidade apresenta-se preocupante, uma vez que a comunicação nos espaços de discussão coletiva é uma estratégia fundamental para o fortalecimento das ações dos conselhos, haja vista o volume de de-mandas cotidianas que os mesmos apresentam para o seu processo de consolidação, sobretudo na luta pela garantia de direitos de crianças e adolescentes nos seus territórios1. Por outro lado, cabe salientar que a maioria dos conselhos afirmaram se organizar estruturalmente por meio de comissões. Para Santos et al. (2009)

essas comissões por sua vez se baseiam as atribuições do con-

selho, previstas na lei municipal de sua criação, e no seu regi-

mento interno. Esses documentos informam quantas comis-

sões o conselho possui, em quantas um conselho pode atu-

ar, o número de membros de cada comissão e o mandado

dos conselheiros nas comissões (Santos et al, 2009, p.81).

Essas comissões também podem então se apre-sentar como ferramentas que facilitam a efetivação do princípio do controle social, que para Nascimento e Gameiro (2013 p.48) trata-se da “participação da sociedade no processo de fiscalização, proposição e monitoramento de uma política pública”, uma vez que de acordo com Santos et al. (2009) o controle social pode acompanhar sistematicamente o cumprimento das leis e das transparências dos atos administrativos.

Na lógica do controle social, a sociedade passa a as-sumir um efetivo papel de agentes fiscalizadores do cumprimento dos direitos que devem ser assegurados pelas políticas para a infância e adolescência.

A paridade de conselheiros/a enquanto sua representação

Segundo os resultados da pesquisa, os Conselhos Municipais no estado de Pernambuco se apresentam com uma média geral de dez conselheiros/as titula-res. Os conselheiros/as são distribuídos enquanto a sua representação da sociedade civil e do governo, o que geralmente corresponde a uma paridade de 50% para ambas as representações. Para Santos et. al (2009) essa paridade assume o sentido de

estabelecer uma composição igualitária entre go-

verno e sociedade civil, estabelecendo que am-

bos possuem poderes iguais nos processos decisó-

rios de formulação da política de promoção, pro-

teção, defesa e atendimento dos direitos da crian-

ça e do adolescentes (SANTOS et al, 2009, p. 75).

Embora o princípio da paridade seja estabelecido, é fundamental ficarmos atentos ao estímulo à efetiva participação dos pares que se fazem representar, pois quando nos reportamos à origem política dos mem-bros dos conselhos, a maioria ocupa cargos de coor-denação e/ou liderança, ou seja, cerca de 70% dos presidentes dos conselhos são originários do poder público, enquanto que aproximadamente 50% dos vice-presidentes são da sociedade civil.

Outro aspecto a considerar é que a maioria das secretarias e tesourarias é ocupada por conselheiros com cargos públicos. Esses dados nos levam a refletir a centralidade do poder nas representações da esfera pública o que pode influenciar diretamente nas rela-ções de poder exercidas pelos municípios. Situação essa que pode incidir no processo de participação (BORDENAVE, 1995) ativa da sociedade nos proces-sos decisórios embora a vice-direção seja um espaço representativo da sociedade civil. Sobre essa questão da participação não poderemos deixar de refletir so-bre o seu significado em diálogo com a perspectiva

NOTAS

1 O território pode se concebido como espaço de relações de poder, mas também é palco das ligações afetivas e de identidade entre um grupo social e seu espaço (RAFFESTIN,1993). Em adição salienta-se a compreensão de território de Carlos (1996, p. 20) quando ressalta que o território é “o lugar é a base da reprodução da vida e pode ser analisado pela tríade habitante-identidade-lugar, sendo este a porção do espaço apropriável para a vida.

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de Bordenave (1995), principalmente quando chama-mos atenção para

a participação que se concretiza mediante uma vi-

são de Estado ampliado, composto pela socie-

dade política (os governantes) e a sociedade ci-

vil organizada. Os governantes portanto, pas-

sam a compartilhar com a comunidade uma tare-

fa que antes era exclusivamente deles: a decisão

sobre as políticas para infância e adolescência e o

seu financiamento. (SANTOS et al., 2009, p.75)

Ainda sobre essa questão da participação, a pes-quisa esclarece que escolha dos cargos de coordena-ção e/ou liderança, a exemplo, presidentes, vice-presi-dentes, secretários e tesoureiros é realizada por meio de eleição direta, aberta a todos/as os/as conselhei-ros/as (ou aclamação). Nesse sentido o processo de participação efetiva faz toda a diferença para o exer-cício de uma democracia plena, entretanto cabe um cuidado para situações específicas que se orientam para o atendimento de interesses individuais em de-trimento de interesses coletivos, pois nesse processo de participação a voz consciente de todos/as precisa ser considerada, todos/as precisam não apenas fazer parte, mas se sentir parte de um modo ativo, confor-me argumenta Bordenave (1995).

Outra questão pertinente a destacar refere-se à área de atuação dos/as conselheiros/as que representam o poder público, pois esses em sua maioria atuam em setores governamentais referentes à educação, as-sistência social, saúde, desenvolvimento econômico e planejamento/administração. A representação dos/as conselheiros/as nesses espaços pode significar uma maior intervenção nas questões que envolvem as de-mandas específicas de atendimento aos direitos das crianças e adolescentes, sobretudo no tocante à efeti-vação das políticas públicas nos municípios. Esses da-dos nos sugerem a uma reflexão sobre a formulação e atuação das políticas públicas nas esferas municipais.

Situando o processo de formulação de políticas públicas para crianças e adolescentes

O reconhecimento sobre a necessidade de promover direitos sociais, principalmente quando se fala da clas-se popular tem demandado uma atenção especial na sociedade contemporânea, principalmente ao consi-derarmos o desmonte do estado para rumo a uma intervenção mínima nas questões de ordem social nas

últimas décadas do século passado. Fala-se, portanto, na necessidade de garantia dos direitos sociais pre-vistos na Constituição Federal por meio da efetivação das políticas públicas e sociais.

É sabido que não é tarefa fácil trabalhar na formu-lação de políticas públicas que atendam às demandas especificas das populações. Nesse caso mais especi-fico, nos referimos às políticas públicas direcionadas a crianças e adolescentes, pois embora seja atribui-ção dos CMDCA trabalhar na formulação de políti-ca, a pesquisa realizada pela Escola de Conselhos de Pernambuco revelou que a maioria dos conselhos não possui um conhecimento satisfatório que possa contri-buir efetivamente na incidência das políticas públicas locais no campo da garantia de direitos de crianças e adolescentes. Essa realidade nos remete a uma série de questões que podem dificultar o processo de for-mulação e implementação de políticas públicas nos municípios pernambucanos.

Considerando esse cenário, reforça-se a importân-cia de investimentos em processo formativo sistemá-tico de modo continuado, uma vez que as demandas relacionadas às práticas cotidianas dos conselhos pre-cisam ser problematizadas ao longo do processo de sua atuação. Outro ponto a destacar sobre esse as-pecto refere-se à rotatividade dos mandatos, uma vez que, o/a conselheiro/a que chega precisa passar por um processo formativo especifico, além de construir um cenário que possibilite um intercâmbio de expe-riências junto os/as conselheiros/as que já possuem conhecimento e experiência no campo.

Aliada à importância dos momentos formativos para atuação dos conselhos nos territórios, também se faz necessário chamar atenção para a falta de co-nhecimento sobre possibilidade de repasse de recursos do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente para programas e projetos locais, pois quando há re-passe há uma expressiva fragilidade no processo de acompanhamento e monitoramento do repasse dos recursos. Essa realidade tem uma forte relação com a divulgação de informações no tocante a possibili-dade de uso e repasse dos recursos do fundo, pois na maioria dos casos, os conselhos não tem conheci-mento sobre a existência e procedimentos adequados para uso do fundo.

Nesse processo problematiza-se a necessidade de pensar numa rede de relacionamentos nos territó-rios em que os adolescentes estão inseridos, pois esse

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território é e deve ser considerado um espaço fértil para o desenvolvimento de ações e/ou fortalecimento das ações que já acontecem. Mas para que essa rede exista, cresça e se fortaleça se faz necessário que os territórios olhem para si, conheçam e reconheçam o que tem de potencial. Então, nesse processo é fun-damental que os conselhos estejam próximos e par-tilhem experiências com as entidades que já traba-lham orientadas para o atendimento das demandas das crianças e adolescentes nos municípios.

Dos conselhos que participaram da pesquisa no es-tado de Pernambuco, a maioria afirmou que os regis-tros sobre essas entidades de atendimento à criança e adolescente nos territórios apresentam-se insuficien-tes ou mesmos inexistentes. Nesse sentido se faz per-tinente pensar em estratégias que possam viabilizar essa articulação e assim poder fortalecer as ações que já acontecem no território de atuação dos conselhos.

O Processo de planejamento e elaboração de plano de ação

A elaboração e execução de um plano de ação é extre-mamente importante para garantir que os conselhos possam cuidar das demandas dos territórios relacio-nada à garantia dos direitos de crianças e adolescen-tes, mas para que o plano de ação se efetive segundo Bertoni (2007 p.10) é preciso que se “determine as prioridades, quem é responsável pela resolução de de-terminado problema e ter certeza de que todos estão envolvidos no trabalho de uma forma ativa”. Ainda sobre essa questão o referido autor argumenta que o plano de ação “permitirá verificar se as tarefas es-tão sendo cumpridas nos prazos determinados. Os/as envolvidos/as poderão usar o plano para acompanhar o trabalho dos seus representantes”.

Nesse processo é preciso destacar que o plano de ação deve ser resultado das demandas dos territórios, ou seja, é preciso conhecer a realidade, pensar e mon-tar estratégias que atendam suas demandas especifi-cas. Em diálogo com essa compreensão Santos et al. (2009) chamam atenção para

um dos pontos iniciais para se pensar um plano de

ação refere-se a definição da vontade política de

enfrentamento aos problemas que nesse caso são

os objetos da ação. Também é preciso que se re-

úna os atores importantes para a viabilização das

ações, definindo os objetivos comuns e acordos que

irão subsidiar o plano (SANTOS et al.,2009, p.93)

No que se refere à pesquisa realizada pela Escola de Conselhos que aqui tratamos os resultados reve-lam que a grande maioria dos CMDCA afirmaram que não ter um plano de ação concreto, por outro lado uma minoria afirmou contar com o referido plano de ação, o mesmo ainda está em fase de elaboração. Dos conselhos que afirmaram ter elaborado o plano de ação, uma pequena amostra esclareceu que o plano de ação foi construído com a participação efetiva do/as conselheiros/as. Mas em momento algum chama-se atenção para a efetiva participação da população local. Esses dados nos levam a refletir sobre o desafio dos conselhos se organizarem no sentido de viabilizar a elaboração do plano de ação anual.

Sobre as dificuldades para elaboração do plano de ação nos municípios os conselhos destacam: a necessi-dade da realização de um diagnóstico; volume de tra-balho cotidiano, as mudanças de gestão; necessidade de formação continuada; necessidade de reuniões; a participação efetiva dos/as conselheiros/as; limitação de recursos financeiros e recursos humanos especia-lizados; falta de estrutura física; o desconhecimento da importância e/ou necessidade de se realizar um planejamento; falta de motivação e empenho dos/as conselheiros/as; necessidade de adequação da lei municipal; a falta de experiência das novas gestões, dificuldade para contar com apoio jurídico e social, entre outras.

Em meio a essas dificuldades postas, as mais expres-sivas e recorrentes nas falas e registros dos/as pesqui-sadores/as referem-se à falta de entendimento sobre o como fazer o planejamento, recurso financeiro, re-cursos humanos e infraestrutura. Nesses termos fica a reflexão de se trabalhar para que se efetive a reali-zação do plano de ação dos conselhos municipais no estado de Pernambuco, uma vez que essa parece ser uma estratégia fundamental para o fortalecimento dos conselhos.

Ainda sobre a questão do plano, se faz pertinente destacar dos conselhos que afirmaram ter elaborado o plano de ação, poucos conseguiram aplicar. Entre as dificuldades apresentadas a principal versou-se so-bre falta de financiamento para execução das ativi-dades. Essa questão estabelece um estreito diálogo com a perspectiva de inclusão do plano de ação no plano plurianual e/ou no orçamento do município,

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pois quando os conselhos foram questionados so-bre o assunto a maioria não se posicionou. Por outro lado, também foi salientada como dificuldade a falta de entendimento dos procedimentos de planejamen-to e a falta de dados para realização de um planeja-mento consistente.

Para tanto, ficou claro que a maioria dos conselhos apresentaram dificuldades para elaboração do plano de ação, nessa linha de pensamento que se refere à contribuição para o plano decenal os resultados não foram diferentes, situação essa que também se aplica para a organização de um plano financeiro, uma vez que a maioria dos conselhos afirmaram não investir num planejamento orçamentário.

Nesse processo, chama-se atenção para se pensar estratégias que possam mobilizar os conselheiros/as para elaboração dos planos de ação, mas para isso, se faz necessário discutir amplamente sobre as impli-cações que a elaboração de um planejamento pode viabilizar a realização dos trabalhos nos conselhos. Nesse sentido Bertoni (2007) ressalta que é impor-tante fazer com que todos tomem conhecimento e participem do processo, pois

neste caso será possível avaliar se os objetivos colo-

cados foram alcançados ou não. Contudo, não faz

sentido discutir e aprovar um plano de ação acaba-

do, pronto, que engesse a ação ou signifique sim-

plesmente um monte de tarefas a serem cumpri-

das, pois é muito provável que durante a execução

do plano aprovado apareçam novas circunstâncias,

não previstas antecipadamente. O plano deve ser

flexível o bastante para poder dar as devidas res-

postas no momento certo. (BERTONI, 2007 p.10)

Para que o plano de ação possa ser planejado, ela-borado enquanto possibilidade de sucesso é preciso que se conheça a realidade dos territórios, nesse caso um diagnóstico participativo2 se apresenta como fer-ramenta fundamental para a elaboração de um pla-no de ação.

Sobre a realização de diagnóstico participativo Armani (2009 p. 28) chama atenção para a necessi-dade de participação dos atores locais, principalmente

a participação dos potenciais beneficiários das futuras iniciativas. Sobre esse aspecto, o referido autor acres-centa: “é impossível promover qualidade de vida, ci-dadania e desenvolvimento sem que haja efetivo en-volvimento dos potenciais beneficiários da ação no curso dos projetos”.

Nesse caso especifico, além da importância da re-alização do diagnóstico é preciso que mobilize a po-pulação local, principalmente os atores que já desen-volvem ações vinculadas à garantia dos direitos de crianças e adolescentes nos territórios, assim como as famílias, instituições públicas e privadas, todos/as que direta ou indiretamente serão beneficiados pela iniciativa. Mas para isso é preciso que a equipe que realizará o diagnóstico seja preparada para tal ação.

Sobre esse último aspecto citado, a pesquisa reve-lou que a maioria dos municípios que conseguiram realizar o diagnóstico não contou com uma prepara-ção prévia dos envolvidos, o que tem implicado em muita dificuldade para sua realização nos municípios, ou seja, ficou evidente que a dificuldade em realizar o diagnóstico se expressou pelo fato de não terem co-nhecimento de como realizar tal processo.

Algumas Considerações

Contudo, o presente texto não teve a pretensão de realizar uma análise profunda da situação relacionada à estrutura e organização dos conselhos de direito da criança e do adolescente no estado de Pernambuco e sim chamar atenção para alguns desafios centrais no sentido de contribuir para o fortalecimento dos conselhos.

Entre os desafios, salientamos a necessidade da criação de mecanismos que possam estimular uma participação efetiva dos conselhos no processo de for-mulação de políticas públicas de garantia dos direitos de crianças e adolescentes em nível local, consideran-do os potenciais existentes nos territórios.

Garantir um processo formativo sistemático e per-manente que atenda às especificidades e demandas dos conselhos, principalmente sobre temáticas que venham incidir em sua organização e funcionamento.

A promoção de iniciativas que estimulem a

NOTAS

2 Diagnóstico participativo é uma técnica para se pensar e elaborar projetos de âmbito local, pela qual os atores sociais são envolvidos no processo de modo a provocar uma reflexão sobre a sua situação, suas experiências e seus interesses, estimulando sua capacidade de reflexão e ação autônoma, como con-dição para que possam tornar-se sujeitos da ação (ARMANI, 2009, p. 44).

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participação das populações locais, para que essas se percebam como agentes transformadores de sua re-alidade. Que essas iniciativas possam contribuir para aproximação da rede de garantias de direitos numa

interlocução com as instituições públicas e privadas, com a comunidade e suas famílias, e assim compor um verdadeiro tecido social na luta pela efetivação dos direitos de crianças e adolescentes.

Referências

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A aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente através da lei federal no. 8069/1990 trouxe para a re-alidade brasileira novas formas de encarar e tratar a questão da infância e juventude no Brasil, tanto no âmbito legal e jurídico quanto nas ações direcionadas para essa população. Foi a partir da promulgação do Estatuto que crianças e adolescentes passaram a ser considerados sujeitos de direitos com proteção inte-gral garantida pelo Estado mediante a formulação e execução de políticas públicas.

De acordo com o texto do Estatuto:

Art. 86. A política de atendimento dos direitos da crian-

ça e do adolescente far-se-á através de um conjunto arti-

culado de ações governamentais e não-governamentais,

da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

Art. 88. São diretrizes da política de atendimento:

II – criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos

direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos

e controladores das ações em todos os níveis, assegu-

rada a participação popular paritária por meio de or-

ganizações representativas, segundo leis federal, esta-

duais e municipais. (BRASIL, lei 8069/90. Grifos nossos.)

Assim, os Conselhos de Direitos de Crianças e Adolescentes (CMDCA) ganharam importância funda-mental dentro da perspectiva da doutrina da Proteção Integral, uma vez que esses órgãos são responsáveis por formular as políticas públicas direcionadas à ga-rantia direitos da criança e do adolescente que devem estar baseadas nas necessidades encontradas em diag-nóstico situacionais de cada região, além de planejar ações no sentido de monitorar e avaliar os programas e ações desenvolvidas na no âmbito de tais políticas.

A criação dos CMDCA atende aos preceitos

constitucionais da participação, do controle das ações e da descentralização político administrativa. Tais pre-ceitos correspondem a ideia que pode haver decisões compartilhadas entre governo e sociedade civil, com distribuição paritária de poder e controle da execu-ção das ações. Esse novo padrão de relação entre es-tado e sociedade trazido pelo período redemocrati-zação do estado se por um lado representa avanços no campo democrático participativo, por outro per-manece trazendo desafios para a sua consolidação (ASSIS et al, 2009).

Para Bravo e Correia (2012), alguns desses desa-fios estão relacionados as diferenças entre a conjun-tura nacional encontrada na época da promulgação da Constituição, quando os movimentos sociais esta-vam fortalecidos no enfrentamento ao governo auto-ritário, e a conjuntura que passou a se configurar na década de 1990 com o aumento da pressão econô-mica neoliberal capitalista para a diminuição do papel do Estado e redução dos direitos sociais duramente garantidos na constituição.

No que se refere aos CMDCA, Nascimento e Silvino Neto (2012), ressaltam que houve, nos últimos anos, uma desmobilização para o seu funcionamento. A fra-gilidade de boa parte desses órgãos tem sido percebida pelos operadores de direito de crianças e adolescen-tes, pesquisadores, movimentos sociais e entidades que atuam na área. De acordo com um levantamento reali-zado pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes de Pernambuco (CEDCA-PE), dos 184 municípios pernambucanos, 62 não realiza-ram conferências municipais dos direitos da criança e do adolescente, em 2012. Além disso, é comum en-contrar CMDCA inativos ou com reuniões esporádicas.

Esse dado motivou a realização da pesquisa

Controle Social na Construção de Políticas para a Infância em Pernambuco:

considerações a partir do perfil e atuação dos conselhos e conselheiros municipais de

defesa dos direitos de crianças e adolescentes Ana Paula L. Melo

NOTAS

1 Psicóloga Sanitarista. Professora da graduação em Saúde Coletiva da UFPE. Colaboradora da Escola de Conselhos de Pernambuco. Coordenadora da Pesquisa Conhecer para Fortalecer

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Controle Social na Construção de Políticas para a Infância em Pernambuco | Ana Paula L. Melo

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“Conhecer para Fortalecer” desenvolvida pela Escola de Conselhos de Pernambuco entre 2013 e 2014 e que teve como objetivo conhecer a estrutura e o fun-cionamento dos CMDCA no estado. O presente artigo pretende apresentar resultados da pesquisa no que se refere ao seu contexto de realização e perfil dos conselheiros e conselhos entrevistados, buscando re-alizar algumas considerações do papel dos Conselhos de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes na construção de políticas para a infância.

Os Conselhos, Histórico e Representatividade

A pesquisa foi realizada a partir da aplicação de dois questionários, sendo um aplicado individualmente e focado no levantamento de informações para o co-nhecimento do perfil dos conselheiros e outro aplicado para o grupo de conselheiros do município com per-guntas direcionadas ao funcionamento do órgão. Os contatos iniciais foram realizados por telefone e e-mail, onde buscamos agendar encontros in loco com os CMDCA, estendendo o convite a todo o pleno. Esses encontros tiveram duração aproximada de três horas.

A primeira revelação da pesquisa se deu na etapa inicial de contato com os CMDCA. Nesse momento foi percebida a fragilidade institucional dos conselhos. Não há um banco de dados atualizado com endereço e telefone dos conselhos. Muitos deles não possuem secretaria, nem telefone e e-mail institucional.

Essa situação se agrava quando há mudança de gestão municipal que, muitas vezes, acarreta mudan-ça na composição e no próprio funcionamento dos conselhos. A pesquisa iniciou em 2013, ano em que houve mudança na gestão em muitos municípios. Mesmo 10 meses após a posse do executivo munici-pal, foi possível perceber o impacto direto que esse tipo de mudança ocasiona no próprio funcionamen-to do CMDCA e na sua composição, em especial no que se refere às representações governamentais. No processo de articulação, alguns municípios informa-ram estar com seus conselhos em fase de reestrutu-ração ou inativo devido à falta de membros do poder público, o que impedia o agendamento de encontros para a aplicação do instrumento.

Apesar dessas dificuldades, os encontros para apli-cação do questionário in loco contemplaram 83 mu-nicípios (45%) e abarcaram todas as mesorregiões do estado: Metropolitana, Zona da Mata, Agreste e Sertão.

Esses resultados demonstram a dificuldade de con-solidar o Controle Social a partir de um espaço insti-tucionalizado, um órgão que faz parte do poder exe-cutivo, mas que é composto também por membros que não fazem parte dessa estrutura formalizada do poder público. São órgãos que são ainda desconhe-cidos por boa parcela da sociedade, mas também ne-gados e deslegitimados como parte do aparato go-vernamental e da participação social. Essa dura rea-lidade está ancorada na cultura patrimonialista que ainda se faz presente no Estado brasileiro ao mesmo tempo em que não temos a cultura da participação social ainda fortalecida.

Corroborando a dificuldade encontrada no início da pesquisa, os resultados demonstraram que 27% dos conselhos pesquisados foram criados após o ano 2000. Uma década após a publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, muitos municípios não contavam com um órgão para a formulação de polí-ticas públicas e de controle social para a garantia da efetivação de direitos dessa população.

Cerca de 40% dos conselhos avaliam que, na traje-tória de funcionamento desse órgão nos municípios, houve alternância entre momentos de atuação efetiva e momentos em que as atividades foram interrompi-das. Outros 36% consideram que houve a atuação regular, sem histórico de descontinuidade durante o funcionamento do conselho.

Os conselhos que participaram da pesquisa pos-suem, em média, dez membros titulares, sendo que há uma variabilidade na formação que vai de 4 mem-bros (o menor, encontrado em um único município) a 16 membros (em 4 municípios pesquisados). Não foi observada relação entre o número de membros do conselho e o número de habitantes do município, o que parece estar relacionado mais a uma convenção local que à normativas de referência.

Seis conselhos pesquisados (cerca de 7%) não man-têm a paridade entre a representação da sociedade civil e a representação governamental. Apesar do pe-queno número de conselhos nessa situação, esse dado é preocupante uma vez que a paridade é obrigatória de acordo com o Estatuto e o respeito a essa norma permite a democratização das decisões e a participa-ção mais efetiva da sociedade civil na gestão pública.

Os membros representantes do governo ocupam cargos de presidência em 65% dos conselhos pesqui-sados e de vice-presidência em 45% deles. Para evitar

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reforço de desigualdade de forças entre poder público e sociedade civil, é imprescindível que haja alternância entre presidentes representantes do poder público e da sociedade civil, seguindo o recomendado pela re-solução no. 115/2005 do CONANDA.

É interessante também verificar a área de atuação dos conselheiros que representam o poder público. A maior parte destes atuam em setores governamentais referentes à educação, assistência social, saúde, desenvolvimento econômico e planejamento/administração. Essas três primeiras áreas historicamente possuem uma relação mais di-reta com as ações e políticas públicas direcionadas para a infância. Chamam a atenção as representa-ções da área de desenvolvimento econômico e plane-jamento/administração, o que pode estar relacionado também ao componente financeiro e funcionamento dos Fundos de Direito da Criança e Adolescentes que devem ser geridos pelos conselhos.

Consideramos que é importante a incorporação de outras áreas nos conselhos, sempre que possível. A doutrina da proteção integral concebe crianças e adolescentes como cidadãos plenos de direitos, isso significa que é preciso ampliar a participação de áreas como cultura, esporte, lazer, meio ambiente, etc, na discussão das políticas para a infância. No entanto a interlocução com áreas de direitos fundamentais como saúde e educação deve ser garantida.

Perfil dos Conselheiros

Tivemos até agora nesse artigo uma visão geral so-bre os conselhos municipais de direitos da criança e do adolescente no estado de Pernambuco. Mas, quem são os conselheiros que estão atuando nesses conselheiros?

Identificar esse perfil é importante, pois o conse-lho se faz a partir dos seus conselheiros e nos aju-da a identificar também lacunas e potencialidades que essas características podem trazer para a cons-trução das políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes.

Participaram da pesquisa 424 conselheiros, sen-do 225(53%) representantes o poder público e 199 (47%) representantes da sociedade civil. A média de idade foi de 39 anos, variando de 18 a 76 anos. Os conselheiros jovens, na faixa etária de 18 a 25 anos representam 13% do total.

Em sua grande maioria (92%), os participantes

possuem religião, sendo 72% católicos, 16% evangé-licos e 12% praticantes de outras religiões. A maioria (58%) deles possui formação de graduação concluída (41%) ou em andamento (17%) sendo os principais cursos aqueles da área de Pedagogia, Serviço Social, Letras, Administração e Direito. 25% dos já formados possuem também pós-graduação. 36% desses conse-lheiros nunca tiveram experiência na defesa dos direi-tos de crianças e adolescentes ou têm menos de um ano de experiência nessa atuação. A maioria (64%), no entanto, possui experiência na área, sendo 20% deles com mais de 10 anos de atuação relacionada aos direitos de crianças e adolescentes.

Com relação às horas de trabalho voltadas para o CMDCA, cerca de 60% dos conselheiros dedica até 5 horas do seu tempo por mês para a atuação no ór-gão. Esse período provavelmente está relacionado às reuniões ordinárias do conselho que ocorrem com periodicidade mensal e não é frequente uma atua-ção que extrapole as discussões e decisões propostas nas pautas.

A despeito disso, os resultados demonstraram ainda que a experiência com controle social através da participação nos conselhos não é novidade para boa parte dos conselheiros. Cerca de 35% deles já participaram de outras gestões do CMDCA e cerca de 32% também participam de outros conselhos de políticas públicas sendo os principais citados os de saúde, educação, idoso e assistência social.

Esses resultados demonstram a diversidade dos conselheiros e algumas características em comum. A atuação na área da infância é importante para a troca de experiência com os membros que estão há pouco na função e, ao mesmo tempo, é esse compromis-so com crianças e adolescentes que parece vir sendo a base de sustentação para a manutenção e funcio-namento dos CMDCA. É preciso, no entanto, tomar algumas precauções no que se refere ao olhar sobre crianças e adolescentes, posturas conservadoras que não permitem o olhar para eles como sujeitos não tutelados e não propriedade dos adultos e de suas ideologias podem ser um fator que impede a garan-tia de direitos e também os viola.

Considerações Finais

Passados 24 anos da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente e 26 anos da Constituição Federal, permanece o desafio da efetivação dos

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Conselhos de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes, em especial nos municípios. O desafio posto não é pequeno e ele se coloca para o governo, para os próprios conselhos enquanto instituição e em especial para a sociedade como um todo, pois coloca em cheque a própria democracia e a descentralização decisória pensada em termos de uma participação que deve estar além dos espaços institucionalizados.

Aliado a isso, é necessário que a institucionalização não leve a burocratização e ao funcionamento “pró-forma”. A atuação deve ser efetiva com transparência governamental, forte atuação da sociedade através dos seus representantes, formulação e fiscalização de políticas públicas com a devida democratização das decisões de forma participativa nos espaços dos con-selhos. Os espaços dos conselhos não devem ser uti-lizados como apresentação de ações governamentais para o consentimento da sociedade civil, deve ser um espaço efetivo de resistência a um modelo que visa diminuir o papel do Estado e de efetiva garantia de políticas sociais necessárias para a população e não ao atendimento de um modelo mercantilista. Como ressalta Diegues (2013):

o efetivo controle social só será possível a par-

tir do momento em que os conselhos se torna-

rem verdadeiramente um espaço de democra-

cia participativa, ou seja, um espaço de media-

ção de interesses e conflitos entre os mais diver-

sos atores da sociedade (DIEGUES, 2013, p.84).

É importante que sejam criadas estratégias para a manutenção de um banco de dados atualizado com as informações dos conselhos, bem como a formalização dos mesmos dentro do aparato estatal para garantir seu efetivo funcionamento sem descontinuidade nas

trocas de gestão. Este é um órgão de importância para o controle social das políticas públicas na área da infância e sua ampla divulgação para a população permite uma melhor atuação dos conselheiros.

Outra questão importante diz respeito aos conse-lhos em municípios muito pequenos. Muitas vezes os representantes tanto do governo quanto da socieda-de civil são os mesmos em vários conselhos devido à dificuldade de representatividade política. A multi-plicação de conselhos em diversas áreas, ao mesmo tempo que possibilitou uma maior integração e par-ticipação da sociedade no processo de planejamento e controle da gestão pública (DIEGUES, op cit), por outro lado trouxe o desafio de quem compõe esses espaços, uma vez que a cultura da participação po-lítica não está totalmente consolidada no país para todos os cidadãos e cidadãs, ficando restrita a uma parcela desses.

Deste modo, mesmo com esses desafios aponta-dos, os CMDCA mantêm-se como importantes espa-ços de decisão política, exercício do controle social e da democracia participativa. Há um potencial que não pode ser desprezado e, em especial, precisa ser am-plamente divulgado e debatido com a sociedade de modo que esta possa participar mais ativamente do processo de discussão, defesa e garantia dos direitos de crianças e adolescentes seja como membros dos conselhos, seja sentindo-se representada por esses ou seja em outros espaços de atuação nessa área. Resta ainda como desafio permitir também que os espaços de participação e diálogo sejam ocupados por crian-ças e adolescentes como protagonistas da sua pró-pria história atual e da sociedade em que querem vi-ver quando adultos.

Referências Bibliográficas

ASSIS, Simone Gonçalves de (Org.) et al. Teoria e prática dos conselhos tutelares e conselhos dos direitos da crian-ça e do adolescente. Rio de Janeiro, RJ: Fundação Oswaldo Cruz, 2009.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, 2010.

������. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8069/1990. (ECA). Recife: CEDCA-PE, 2013.

BRAVO, Maria Inês Souza; CORREIA, Maria Valéria Costa. Desafios do controle social na atualidade. Serv. Soc. Soc., São Paulo,  n. 109, Mar.  2012 .  

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DIEGUES, Geraldo césar. O controle social e participação nas políticas públicas: o caso dos conselhos gestores municipais. Revista NAU Social. - v.4, n.6, p. 82-93 Maio/Out 2013.

NASCIMENTO, J. A.; SILVINO, Neto. Criança e do adolescente: prioridade absoluta? Recife: Escola de Conselhos de Pernambuco/UFRPE, 2012.

NOTAS

2 Diagnóstico participativo é uma técnica para se pensar e elaborar projetos de âmbito local, pela qual os atores sociais são envolvidos no processo de modo a provocar uma reflexão sobre a sua situação, suas experiências e seus interesses, estimulando sua capacidade de reflexão e ação autônoma, como con-dição para que possam tornar-se sujeitos da ação (ARMANI, 2009, p. 44).

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Introdução

Este artigo trata de repercutir alguns resultados da pes-quisa Conhecer para Fortalecer, realizada pela Escola de Conselhos de Pernambuco, no que se refere o eixo VII: Fundo Municipal da Criança e do Adolescente.

Partiremos do propósito de apresentar um signifi-cado sobre o Fundo Municipal de Defesa dos Direitos da Criança (FMDCA), transcorrendo sobre os resulta-dos aferidos nesta pesquisa que objetivou aferir a es-trutura e o funcionamento dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e Adolescente (CMDCA) de 93 municípios pernambucanos (50 que não realizaram Conferências Municipais na política que lhe compe-te). Destes, 10 não funcionavam, não sendo possível aplicar o questionário.

Por fim, esperamos provocar uma brevíssima re-flexão sobre a intervenção e controle social e sobre a capacidade de incidência sobre os Recursos Públicos, a partir do FMDCA, integrando-os nas reflexões so-bre a efetivação dos Direitos Humanos da Criança e do Adolescente.

Financiamento Público para Criança e Adolescente

No Brasil, o financiamento das políticas públicas para Criança e Adolescente é assegurado no montante des-tinado às três esferas prioritárias de ação (políticas públicas que se integram e interagem entre si): a) as ações de promoção da saúde, saneamento e habita-ção; b) as ações de promoção da educação, da cul-tura, lazer e esporte; c) as ações de promoção de di-reitos e proteção social e a assistência social.

Isto significa que as políticas para Infância e Adolescência estão previstas em todo o Orçamento Público Municipal e não se restringem ao que está pre-visto no Fundo Municipal da Criança e do Adolescente. Na verdade, para sabermos se a gestão do município está cumprindo o que prevê a Constituição em seu

artigo 227 – que dá primazia a este público na hora de planejar e executar as políticas públicas – é pre-ciso aplicar uma metodologia chamada Orçamento Criança e Adolescente (OCA):

O Orçamento Criança é o resultado da aplicação

de uma metodologia para demonstração e aná-

lise do gasto público com crianças e adolescen-

tes. Não é um documento, nem mesmo um con-

ceito oficial. Sua concepção se orienta pelo prin-

cípio de que uma sociedade justa, uma econo-

mia forte e um mundo sem pobreza só serão

possíveis com investimento na criança e respei-

to aos seus direitos (UNICEF et al, 2005, p. 12).

Embora não se trate de um dispositivo legal para cons-

trução e apuração dos Orçamentos Públicos, esta meto-

dologia permite identificar, com clareza e objetividade, o

montante de recursos destinado à proteção e desenvolvi-

mento da criança e do adolescente. Além disso, institui-

ções públicas e privadas têm utilizado dessa metodologia

para aferir os resultados alcançados por municípios no to-

cante ao artigo 227, e conferir-lhes premiações – como é

o caso da Fundação Abrinq/Save the Children.

Dito isto, já é possível perceber que o Fundo Municipal

dos Direitos da Criança e do Adolescente (FMDCA) compõe

o Orçamento Público Municipal, bem como o Orçamento

Criança e Adolescente, conforme a Lei Federal 4.320/64,

que afirma no art 2º: “acompanharão a lei de orçamento,

quadros demonstrativos da receita e planos de aplicação

dos Fundos Especiais”.

Em outras palavras, o FMDCA previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) é, em geral, a menor par-te dos recursos destinada a este público, mas não menos importante! Ele compõe indispensável fon-te de financiamento público para as entidades priva-das garantirem e efetivarem políticas de atendimen-to direto a crianças e adolescentes que têm seus di-reitos violados e/ou ameaçados, além de assegurar

Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente:

parte importante no financiando das Políticas de Atendimento e de Proteção José Almir do Nascimento

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Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente | José Almir do Nascimento

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uma desconcentração dos recursos públicos da deci-são central do Gabinete da gestão municipal.

Não há como falar de Fundo Público sem falar de Orçamento Público!

É olhando o Orçamento Público que somos capazes de

afirmar quanto está previsto no FMDCA. E, sobre este

mesmo instrumento, o Conselho Municipal de Defesa dos

Direitos da Criança e do Adolescente deve ser capaz de

incidir. Isso porque

O Orçamento Público é um mecanismo de pre-

visão da arrecadação e gasto dos recursos pú-

blicos, ele mostra as prioridades para implanta-

ção de políticas públicas. Isso se aplica a qual-

quer política, pois a origem dos seus recur-

sos, bem como as ações que serão executa-

das, estão detalhadas ali (CCLF, 2008, p. 04).

E, como não se realizam políticas públicas sem re-cursos, quando se discute as ações a serem implemen-tadas para Infância, é no orçamento que devemos mi-rar. É nele que estará inscrita a política pública, mas, também, ele é a principal fonte de conferência des-sa política. Afinal, tudo o que se pretende realizar no campo da Criança e do Adolescente deve estar pre-visto na peça orçamentária.

O Orçamento Público é planejado em três etapas, através de três Leis de iniciativa do Executivo e apro-vação no Legislativo, com ampla participação popular: a) A Lei do Plano Plurianual (PPA) que prevê diretrizes e metas para as políticas públicas, organizado atra-vés de programas e ações para um período de qua-tro anos; b) A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que estabelece as metas e prioridades para o exer-cício financeiro, orienta a elaboração do orçamen-to e faz alterações na legislação tributária; c) A Lei Orçamentária Anual (LOA) que estima receitas e fixa despesas para um ano, de acordo com as prioridades contidas no PPA e na LDO, detalhando quanto será gasto em cada ação.

Assim, o Orçamento Público se constitui como um dos instrumentos mais importantes para quali-ficação das políticas públicas e situa-se estrategica-mente como instrumento democratizante de um go-verno. Nele, asseguram-se as prioridades da gestão, a vontade e os anseios de um povo, ou, por opção da gestão pública, apenas o interesse de quem está ocupando os cargos eletivos.

De onde vem o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente?

Os Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente estão expressamente previstos no artigo 88 e se-guintes da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), em âmbito Federal, Estadual e munici-pal. Eles se enquadram no que chamamos de Fundos Especiais.

Os Fundos Especiais estão previstos nos artigos 71 a

74, da Lei Federal nº 4.320/64, que instituiu normas de

Direito Financeiro para elaboração e controle dos orça-

mentos e balanços da União, dos estados, dos municípios

e do Distrito Federal, e trata-se do “produto de receitas

especificadas que por lei se vinculam à realização de de-

terminados objetivos ou serviços, facultada a adoção de

normas peculiares de aplicação”.

Em outras palavras, é uma conta titulada que abriga

parcela dos recursos públicos com finalidade própria, e

também, um “caixa especial que mantém e movimenta

recursos financeiros em separado do caixa geral para rea-

lização de determinados objetivos de política pública so-

cial (e outras) do Governo” (CALLEGARI, 2014, p. 226).

Os Fundos são criados para o aporte de recursos em áre-

as consideradas prioritárias, conforme a legislação. E o

Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente destina-

se, primordialmente, para as ações de proteção especial.

Por se tratar de um fundo, é preciso que se assegu-

rem recursos (receitas). Suas receitas são, em regra, indi-

cadas em cada lei de criação do FMDCA, observando o

que está disposto no artigo 10, da Resolução nº 137/2010

do O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do

Adolescente (CONANDA). Nesta Resolução, aponta como

principais receitas as previsões advindas da arrecadação do

próprio município (dotações do executivo), as transferên-

cias intergovernamentais (como a Lei do Fundo a Fundo),

as multas e penalidades administrativas e os resultados de

aplicações financeiras dos recursos constantes na conta

do fundo, e as doações feitas por pessoas físicas ou pes-

soas jurídicas. Traduzindo:

O Fundo deve ser criado por lei municipal, ter

receitas e objetivos, obrigatoriamente, pre-

vistos na lei. Além disso, o Fundo deve pos-

suir fonte de financiamento e formas de aplica-

ção de seus recursos determinada pelo Conselho

Municipal, quando da aprovação de seu Plano de

Aplicação feita anualmente (MPGO, s/d, p. 08).

Por isso, para que o Fundo exista é preciso que

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antes, no município, já exista o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) criado e funcionando. Afinal, é ele quem vai geren-ciar, deliberar e controlar os seus recursos.

A aplicação dos recursos do Fundo terá que obede-cer todas as normas adotadas quanto à aplicação dos recursos públicos, em geral. Incluindo as penalidades por má gestão. Ou seja, há necessidade de formaliza-ção de um processo, de empenho das despesas, emis-são de ordem de pagamento, liquidação de despesa, etc. Obviamente que para o início do processo será necessária, sempre, uma deliberação do Plenário do Conselho, transformada em Resolução, autorizando a movimentação de recursos do Fundo.

FMDCA: conhecendo a realidade, fortalecendo a gestão

Como já dissemos, os FMDCA devem ser criados por leis municipais que estabeleçam, no mínimo, seus ob-jetivos, receitas, destinação dos recursos, gestão e res-pectiva execução, com os detalhamentos previstos em decreto regulamentar.

Então, a pesquisa Conhecer para Fortalecer quis sa-

ber em quais municípios o Fundo havia sido implantado

(observando o universo da pesquisa). Conforme a análise

dos questionários aplicados, observamos que na totalida-

de dos Conselhos entrevistados havia leis que criavam os

FMDCA, e em 77% houve implantação. Ressalta-se, no

entanto, que apenas 37% dos CMDCAs informaram sobre

depósito de recursos feitos no Fundo desde sua criação.

A conclusão mais óbvia é que, apesar de estarem es-

tabelecidos na maioria dos municípios pernambucanos,

não é garantia que haja destinação de recursos públicos

(ou privados) para tais fundos. Tal realidade é igualmente

vivenciada pelo Conselho Estadual de defesa dos Direitos

da Criança e do Adolescente (CEDCA-PE), conforme Nota

Pública divulgada por esta instituição (CEDCA-PE, 2015)

que teve por objetivo informar a atual situação des-te órgão, que se encontra com dificuldades financei-ras devido à falta de repasse de recursos advindos do Governo do Estado. Diante da situação, há risco imi-nente de atividades importantes para o Sistema de Garantia de Diretos da Criança e do Adolescente se-rem comprometidas.

Isso acontece, no geral, porque a execução do

Orçamento Público no Brasil é autorizativo e cabe a quem

está na gestão decidir para onde vai o recurso. Além dis-

so, ao contrário de alguns outros fundos como o FUNDEB

(Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica

e Valorização do Magistério) não há vinculação obrigató-

ria de receitas.

Ao tratar de municípios pequenos e médios do inte-

rior, somam-se as dificuldades locais de gerenciamento de

recursos, falta de pessoal, o voluntariado na gestão dos

CMDCAs, (des)ligação político-partidária dos atores envol-

vidos, concepções assistencialista e/ou caritativa da polí-

tica, dentre outras – conforme Silvino Neto e Nascimento

(2013, p. 78) já haviam observado:

raros municípios executam as dotações desse

Conselho e falta representatividade autônoma, ca-

paz de mobilizar os parceiros da sociedade civil

em defesa dos interesses dos Direitos Humanos.

No que toca a gestão dos recursos, quando estes são

depositados no FMDCA, a situação é igualmente dramá-

tica, a despeito do que é estabelecido legalmente:

Nos termos do artigo 88, IV, do Estatuto da

Criança e do Adolescente, os fundos em referên-

cia vinculam-se administrativamente aos Conselhos

dos Direitos da Criança e do Adolescente, aos

quais cabe deliberar, por meio dos planos de

ação e de aplicação, a forma como serão em-

pregados os seus recursos (MPGO, s/d, p. 07).

Porém, apenas 65% dos Conselheiros afirmaram ter gerência sobre esses recursos. Enquanto 25% dos FMDCA são as chefias das Pastas ao qual estão vin-culados, os diretamente responsáveis pela aplicação do recurso. Outros 10% afirmaram serem os próprios gestores do município. “Em decorrência disso, não raras vezes, o CMDCA é utilizado como instrumento político para fins meramente burocráticos e de ma-nobras espúrias da gestão pública” (NASCIMENTO, 2013, p. 38).

Talvez por isso, haja uma reprodução das formas de

gestão pública central municipal, com falta de transpa-

rência, centralização administrativa, ausência de fluxo de

informação, o que reverbera em apenas 15% dos CMDCA

apresentarem transparência sobre o uso dos recursos do

Fundo. Na verdade, isso requer um rompimento com as

práticas oligárquicas, nepóticas, patrimonialistas, patriar-

cais e corruptas que ainda hoje orientam a trajetória da

gestão das políticas públicas.

Superar este diagnóstico é uma condi-

ção para o experimento de processos de

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desenvolvimento das políticas de atenção a Criança

e ao Adolescente de maneira não assistencialis-

ta, formalista ou caritativa, e para que a garan-

tia dos Direitos Humanos seja estendida a to-

das as pessoas (NASCIMENTO, 2013, p. 38).

Além disso, também preconizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a promoção dos direitos da criança e do adolescente possui um caráter inter-setorial e transversal, não sendo possível definir uma secretaria ou um ministério específico como único res-ponsável pela promoção dos direitos da criança e do adolescente. Antes, deve-se buscar uma articulação entre uma política pública que envolva todo o Estado e demais setores da sociedade civil. A concentração de poder de decisão interfere drasticamente na lógi-ca da efetivação dos Direitos Humanos.

Ainda no tocante à forma de execução dos recursos do Fundo, o artigo 15, da Resolução nº 137/2010 do CONANDA, estabelece que a aplicação dos recursos do fundo deverá ser destinada para o financiamento de ações governamentais e não governamentais; diz respeito ao desenvolvimento de programas e serviços complementares ou inovadores; acolhimento, sob a forma de guarda, de criança e de adolescente, órfão ou abandonado; programas e projetos de pesquisa, de estudos, elaboração de diagnósticos, sistemas de informações, monitoramento e avaliação das políticas públicas; desenvolvimento de programas e projetos de comunicação, campanhas educativas, publicações, divulgação das ações de promoção, proteção, defesa e atendimento dos direitos da criança e do adolescen-te; e ações de fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.

A pesquisa Conhecer para Fortalecer quis saber em que medida essa resolução tem sido implementada pelos municípios e anexou aos questionários os planos de aplicação dos FMDCA, daqueles municípios que dispunham. 12% dos municípios dispunham de pla-no de aplicação, mas 50% destes destinavam a maior parte de seus recursos para os soldos do Conselho Tutelar. Notamos três questões imediatas e interliga-das nesse caso:

1. Os CMDCAs desconhecem o funcionamen-

to do FMDCA. Na verdade, 57% das entrevis-

tas afirmaram ser baixo o nível de conhecimen-

to sobre o Fundo, enquanto 23% médio e 2%

nenhum conhecimento respectivamente;

2. Apenas 61% dos Conselhos afirmaram ter disponí-

veis as resoluções do CONANDA em sua biblioteca e

quase nenhum conselheiro, individualmente, afirmou

ter conhecimento das Resoluções desse conselho.

3. A desinformação e o desconhecimento impli-

cam diretamente no desrespeito ao artigo 16 da

Resolução 137/10 que veta o pagamento, manu-

tenção e funcionamento do Conselho Tutelar com

recursos do Fundo. Então, têm-se gerado uma fal-

sa execução do Fundo. Isso porque não se pode

deixar de pagar os salários, mas não há execu-

ção para as políticas previstas em lei, além dis-

so, não há o que deliberar sobre tais recursos.

Ademais, apenas 10% dos CMDCA fazem o di-álogo entre os Planos de Ação com o Planejamento Orçamentário dos municípios. Ora, isso tem impacto significativo no que se pretende com efetivação de políticas públicas para Criança e Adolescente. Afinal, “a gestão pública não é obrigada a executar tudo o que está previsto nas leis orçamentárias. O que não é permitido é que se faça gastos que não estejam pre-vistos – autorizados – nas leis orçamentárias” (CCLF, 2008, p. 08).

Por fim, não se realizam políticas públicas sem re-cursos. Por isso, quando se discute Direitos da Criança e do Adolescente, o orçamento é o fator que pode garantir este Direito.

Algumas Considerações

A participação dos diversos atores no fortalecimen-to da política de Financiamento do FMDCA é funda-mental para consecução dos Direitos Humanos. Um FMDCA para ser instrumento efetivo de transforma-ção social, deve ser pensado e elaborado coletivamen-te. Ou seja, quanto mais democrático e participativo for o processo de construção do Fundo, mais coesão e apoio somará na sua execução. Por isso, é preciso evitar que seja feito em gabinete, a portas fechadas, ou que simplesmente represente a ideia de um con-sultor, ou de uma pessoa, ou que sirva, apenas, para cumprir uma exigência formal do processo de habili-tação, para receber recursos.

Há de se exigir igualmente uma qualificação na gestão dos Conselhos, com fortalecimento da prá-tica de planejamento organizacional, em especial para que torne possível a priorização das demandas,

Page 27: Revista - escoladeconselhospe.com.br · viajamos pelo Estado em busca dessas respostas e nos deparamos com diferentes realidades socioeco-nômicas, políticas, regionais, etc. Um

Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente | José Almir do Nascimento

Revista Infância Hoje ����������������������������������������������������������������������� 27

a ampliação dos investimentos públicos, considerando a autonomia para deliberar a execução das demandas propostas, e que a aplicação dos recursos resulte na melhoria efetiva da qualidade de vida.

Mas, faz-se também necessário que a gestão munici-pal das políticas públicas ocorra de forma democrática

com a participação ativa da sociedade apontando as prioridades no direcionamento das políticas e na am-pliação dos orçamentos públicos, acompanhando sua aplicação, qualificando seus resultados e inibindo prá-ticas de malversação do erário público.

Referências

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