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TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL EM REVISTA SOCIAL Nº 6 junho 2004 R$5,00 ISSN 1678 -152 x O drama dos carvoeiros A responsabilidade das siderúrgicas A campanha para a erradicação

REVISTA x · Trabalhador aliciado em pensão de Tucuruí, PA, e que, ... tica. Entre elas, projetos de lei para confis- ... de um ano depois de lançamento do Plano Nacional de

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TRABALHO

ESCRAVO

NO BRASIL

EM

REVISTA

S O C I A L

Nº 6 junho 2004 R$5,00

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N1

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O drama dos carvoeiros

A responsabilidade das siderúrgicas

A campanha para a erradicação

EM

REVISTA

S O C I A L

ISSN 1678 -152 x

CONSELHO DIRETOR

DIRETORIA EXECUTIVA

COORDENAÇÃO TÉCNICA

PRESIDENTE - Kjeld A. JakobsenCUT - João Vaccari NetoCUT - Rosane da SilvaCUT - Artur Henrique dos SantosCUT - Maria Ednalva B. de LimaCUT - José Celestino Lourenço (Tino)CUT - Antonio Carlos SpisCUT - Gilda AlmeidaDieese - Mara Luzia FelterDieese - Wagner Firmino SantanaUnitrabalho - Francisco MazzeuUnitrabalho - Silvia AraújoCedec - Maria Inês BarretoCedec - Tullo Vigevani

Kjeld A. Jakobsen - PRESIDENTEArtur Henrique dos Santos - CUT BrasilAri Aloraldo do Nascimento - CUT BrasilMaria Ednalva B. de Lima - CUT BrasilCarlos Roberto Horta - UnitrabalhoClemente Ganz Lúcio - Dieese NacionalMaria Inês Barreto - CedecClóvis Scherer - Coordenador Técnico NacionalOdilon Luís Faccio - Coordenador Institucional

Arthur Borges Filho - Coordenador AdministrativoClóvis Scherer - Coordenador Técnico NacionalMaria José H. Coelho - Coord. ComunicaçãoOdilon Faccio - Coordenador InstitucionalPieter Sijbrandij - Coordenador de ProjetosRonaldo Baltar - Coord. Sistema de Informação

CONSELHO EDITORIAL

Carlos Roberto Horta

Clemente Ganz Lucio

Clovis Scherer

Kjeld A. Jakobsen

Maria José H.Coelho

Maria Ines Barreto

Odilon Luís Faccio

Pieter Sijbrandij

DIRETOR RESPONSÁVEL

Odilon Luis Faccio

EDITORA CHEFE

Maria José H.Coelho (Mtb 930Pr)

EDITOR

Dauro Veras (SC-00471-JP)

REDAÇÃO

Dauro Veras

Laura Tuyama (SC-00959-JP)

Leonardo Sakamoto

Marques Casara (RJ 19126)

Sandra Werle (SC-00515-JP)

FOTOGRAFIA

Leonardo Sakamoto, Sérgio Vignes,

Banco Imagens IOS e divulga

EDITORAÇÃO DE FOTOGRAFIA

Ana Iervolino

REVISÃO

Laura Tuyama

COLABORAÇÃO e TRADUÇÃO

Jeffrey Hoff

ILUSTRAÇÃO

Frank Maia

PROJETO GRÁFICO&DIAGRAMAÇÃO

Coordenação de Comunicação do IOS

ASSESSORIA JURIDICA

Prudente José Silveira Mello

Junho 2004 - Nº 6

Florianópolis - Santa Catarina - Brasil

4.000 exemplares

Gráfica BANGRAF

ção

Capa: Foto de João Ripper.

Trabalhador aliciado em pensão deTucuruí, PA, e que, doente, foi devolvidosem nenhum tipo de pagamento

1* Artigo IV da DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Proclamada pela da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948* Artigo IV da DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Proclamada pela da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948

“Ninguém será mantido em escravidão ou servidão,a escravidão e o tráfico de escravos serão

proibidos em todas as suas formas.”*

Leon

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Francisco, 74 anos,libertado durantefiscalização

PG5PG5PG5PG5PG5INTRODUÇÃO

PG10PG10PG10PG10PG10ESCRAVOS DO AÇO

PG25PG25PG25PG25PG25TERMO DE REFERÊNCIA AUXILIA ESTUDOS

PG26PG26PG26PG26PG26ENTREVISTA - Patricia AudiCoordenadora Nacional do Projeto de Combateao Trabalho Forçado da OIT Brasil

PG28PG28PG28PG28PG28PERFIL DE UMA FAMÍLIA ESCRAVOCRATA

PG34PG34PG34PG34PG34ARTIGO - Brasil avança contra o trabalho escravoMiguel Rossetto, Ricardo Berzoini e Nilmário Miranda,Ministros do Desenvolvimento Agrário, do Trabalho eEmprego e de Direitos Humanos

PG36PG36PG36PG36PG36ENTREVISTA - Luis Antonio Camargo de MeloMinistério Público do Trabalho

PG40PG40PG40PG40PG40ARTIGO - Pressão internacional gera resultadosDavid OuldDiretor da ONG Anti-Slavery International

PG43PG43PG43PG43PG43IMIGRANTES ILEGAIS SÃO EXPLORADOS

PG44PG44PG44PG44PG44ENTREVISTA - Roger PlantCoordenador do Programa Internacional deCombate ao Trabalho Escravo da OIT

PG46PG46PG46PG46PG46INFORMALIDADE GERA ESCRAVIDÃO

PG47PG47PG47PG47PG47MEMÓRIAS DE UMA FISCAL DO TRABALHO

PG48PG48PG48PG48PG48ENTREVISTA - Vantuil AbdalaMinistro do Tribunal Superior do Trabalho

PG50PG50PG50PG50PG50RESENHA

PG52PG52PG52PG52PG52PARA SABER MAIS

PG55PG55PG55PG55PG55OBSERVATÓRIO PASSA A MONITORAR ASEMPRESAS PESQUISADAS

PG59PG59PG59PG59PG591,6 MILHÃO DE MULHERES PROCESSAMWAL-MART

PG60PG60PG60PG60PG60ALMANAQUE

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AEM REVISTA

A sexta edição do Observatório Social Em Revista aborda a violação de um direitofundamental do ser humano, a liberdade. Mais de um século depois de abolida a escra-vidão oficial no Brasil, o crime continua sendo praticado com a quase certeza da impu-nidade, principalmente em áreas de difícil acesso na Amazônia. A escravidão contempo-rânea dispensa grilhões, porém é mais perversa, pois o cativo não é considerado umbem: é aliciado, explorado e descartado.

Nossa reportagem enfoca uma face pouco conhecida da cadeia produtiva do aço:a que emprega mão-de-obra escrava na produção de carvão para as siderúrgicas queexportam ferro gusa. Esse sistema arcaico alimenta um mercado de produção globali-zada que faz uso intensivo de energia, tecnologia e capital, mas pouco se importa comas vidas humanas.

A situação é grave e precisa ser enfrentada de forma corajosa. Um enorme desa-fio se coloca para a nação: construir um modelo de desenvolvimento sustentável, queequilibre o desenvolvimento econômico, social e ambiental. O trabalho escravo é um dostemas focalizados nas atividades do IOS. Somamos esforços à campanha desenvolvidapelo governo, sociedade civil e organismos internacionais para erradicar esse mal.

Evidentemente, não se pretende crucificar o setor siderúrgico brasileiro, geradorde milhares de empregos e com importante papel nas exportações brasileiras. Quere-mos, sim, contribuir para a melhoria das condições de vida dos trabalhadores. E consci-entizar as empresas para que ajam com responsabilidade social e se aliem a essacampanha.

Apoiamos as iniciativas voluntárias de atuação responsável do setor privado. Maspara que tenham credibilidade e resultados efetivos, é preciso que sejam monitoradasexternamente. Boas iniciativas são louváveis e devem ganhar destaque para servir deexemplo. Melhor ainda é permitir que fontes independentes verifiquem as ações positi-vas e façam o elogio. Também julgamos fundamental que as corporações respeitem aConstituição Federal e as normas internacionais de trabalho, bem como busquem par-cerias com as representações legítimas dos trabalhadores.

Esta reportagem e a causa da erradicação da escravidão devem muito a váriasinstituições: Organização Internacional do Trabalho, Governo do Brasil, Comissão Pas-toral da Terra, Pastoral dos Migrantes, Contag, CUT Brasil, ONG Repórter Brasil, Minis-tério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Polícia Federal, Tribunal Superiordo Trabalho e tantas outras. Agradecemos os militantes de direitos humanos e funcioná-rios públicos que colocam sua segurança em risco para libertar os cativos. Nossa home-nagem especial às vítimas da violência de capatazes e pistoleiros; e às famílias dospeões desaparecidos. Todos temos o compromisso de fazer justiça a essas pessoas.

Conselho Editorial

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Quando sefala de trabalhoescravo,

a imagem recorrente é de uma lembran-ça do passado, restrita aos livros de His-tória. Infelizmente isso não é verdade. Aescravidão permanece até os dias dehoje, não apenas nos países pobres comonos desenvolvidos. Produto da desigual-dade e da impunidade, ela é uma gravedoença social. Em sua forma contempo-rânea apresenta-se nas mais diversas for-mas: da prostituição infantil ao tráfico deórgãos, do tráfico internacional de mu-lheres à exploração de imigrantes ilegaise à servidão por dívida.

As legislações modernas proíbema escravidão, mas isso não tem impedi-do que gente inescrupulosa se beneficiedo trabalho de cativos. Nenhuma regiãodo planeta está livre desse flagelo. Nes-ta reportagem o Observatório Social abor-da o tema no contexto brasileiro, comfoco no trabalho escravo em carvoariasna Amazônia. O Brasil é reconhecidopela OIT (Organização Internacional doTrabalho) como exemplo para o mundo,por admitir o problema e atacá-lo de fren-te. Mas se não receber apoio da socieda-de, o governo terá poder limitado de ação.

Situação no BrasilO número de trabalhadores escra-

vizados no Brasil varia de 25 mil, segun-do cálculo da Comissão Pastoral da Ter-ra (CPT) a 40 mil, pela estimativa da Con-federação Nacional dos Trabalhadores naAgricultura (Contag). Pecuária e desma-tamento respondem por três quartos daincidência de trabalho escravo. Ativida-des agrícolas, de extração de madeira eprodução de carvão também registrammuitos casos.

Só a partir de 1993 o problema en-trou de fato na agenda nacional, a partir

de denúncias da Ordem dos Advogados doBrasil (OAB), sindicatos, OIT, Nações Uni-das e outras instituições. Em 1995, no go-verno do presidente Fernando HenriqueCardoso, foi criado o Grupo Especial deFiscalização Móvel do Ministério do Tra-balho.

A medida foi um avanço, pois livrouos fiscais locais de pressões e possibilitoumelhor planejamento das ações em par-ceria com outros órgãos. “A presença deagentes da Inspeção do Trabalho e polici-ais federais tem grande repercussão jun-to à comunidade local”, afirma a secretá-ria de Inspeção do Trabalho Ruth BeatrizVasconcelos Vilela.

ResultadosAs estatísticas da Secretaria de Ins-

peção do Trabalho dão dimensão dos bonsresultados obtidos. Entre 1995 e 2003 fo-ram fiscalizadas 1.011 fazendas e liberta-dos 10.726 trabalhadores. Se incluído oprimeiro semestre de 2004, o número detrabalhadores libertados é de cerca de 16mil. Quase toda a semana há notícias demais operações bem sucedidas. O estadocom maior número de libertados é o Pará,seguido do Mato Grosso, Bahia e Mara-nhão.

Em março de 2003 o governo do pre-sidente Luís Inácio Lula da Silva lançou oPlano Nacional para Erradicação do Tra-balho Escravo e constituiu uma comissãonacional para colocá-lo em execução. Oplano reúne 76 medidas de combate à prá-tica. Entre elas, projetos de lei para confis-car terras em que for encontrado trabalhoescravo, suspender o crédito de fazendei-ros escravocratas e transferir para a esfe-ra federal os crimes contra os direitos hu-manos.

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PRINCIPAIS MUNICÍPIOS DE ALICIAMENTODOS TRABALHADORES QUE FORAM LIBERTADOS

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São Félix do Xingu/PA

Açailândia/MA

Marabá/PA

Sapucaia/PA

Xinguara/PA

Curionópolis/PA

Santana do Araguaia/PA

Cumaru do Norte/PA

Santa Maria das Barreiras/PA

Pimenteiras do Oeste/RO

Paraupebas/PA

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Na avaliação do jornalista Leonardo Sakamoto –coordenador da ONG Repórter Brasil, que representa asociedade civil na Conatrae (Comissão Nacional de Erra-dicação do Trabalho Escravo), a implantação do plano temsido lenta: “Muitas vezes esbarra na falta de verbas, pres-são da bancada ruralista e na incapacidade do governofederal de integrar setores sob sua administração”.

Para Sakamoto, o governo Lula tem obtido bonsresultados quanto ao combate. Um exemplo é o númerode libertados em 2003: cerca de 5 mil trabalhadores, qua-se a metade da soma dos oito anos em que o GrupoMóvel atua. Contudo, ele acha que na prevenção as medi-das ainda são incipientes: “A erradicação do trabalho es-cravo passa pela reforma agrária, pela geração de empre-go e pela melhoria das condições sociais”, sintetiza.

DificuldadesO governo ainda patina no bloqueio às restrições

de crédito para os que usam mão-de-obra escrava. Maisde um ano depois de lançamento do Plano Nacional deErradicação, a medida ainda não saiu do papel. Em no-vembro de 2003 o governo divulgou uma “lista suja” de 52empresas e indivíduos com condenação definitiva na es-fera administrativa. O objetivo era proibir o financiamentopúblico, repasses de fundos constitucionais e benefíciosfiscais a quem cometeu esse crime. Mas o Ministério daFazenda e o Banco Central ainda não criaram mecanis-mos para que essa restrição seja colocada em prática.

“Até o final deste governo o trabalho escravo seráerradicado”, assegura o secretário especial dos DireitosHumanos, Nilmário Miranda. Ele tem confiança de que oprojeto de confisco de terras dos escravocratas, quandoaprovado, será um golpe mortal nesse tipo de crime. Osecretário cita, entre os indicadores de avanço, os 106inquéritos policiais e as 35 ações penais em curso.

Sobre prevenção, o secretário de Direitos Huma-nos recomendou a outros órgãos do governo que todas ascidades identificadas como origem dos escravizados se-jam incluídas em programas sociais como Fome Zero,Bolsa Família, Brasil Alfabetizado, de microcrédito e deapoio à agricultura familiar. Em relação à cadeia produti-va, ele afirma não acreditar que as empresas ajam por máfé, e sim por desconhecimento.

Cesta de crimesNo âmbito penal, o Ministério Público Federal (MPF)

passou a adotar a estratégia de trabalhar com uma “ces-ta de crimes”, para evitar a prescrição e que a pena míni-ma seja convertida em prestação de serviços comunitári-os. “Só ajuizamos a ação penal se houver indícios clarosde supressão da liberdade e dignidade da pessoa”, expli-ca a procuradora federal de Direitos do Cidadão Adjunta,Raquel Elias Ferreira Dodge. “Buscamos evidenciar queo crime é praticado no contexto de outros ilícitos”. Osrelatórios da fiscalização passaram a ser instruídos comfotos de satélite, para evidenciar a grilagem de terras pú-blicas e a derrubada ilegal de floresta.

O MPF montou um banco de dados com registrosde 628 propriedades de escravocratas. Dados preciososestão à disposição das autoridades: os locais de origem,aliciamento e destino; a identificação de todos os traba-

lhadores libertados; os nomes das fazendas, dos “gatos”(agenciador de mão de obra) e das pessoas jurídicas en-volvidas.

Breve históricoA primeira denúncia documentada sobre trabalho

escravo ilegal no Brasil apareceu no livro Memórias de umcolono no Brasil, publicado em 1858 na Suíça. Seu autor,Thomaz Davatz, relatou sistema de servidão por dívida naFazenda Ibicaba, de propriedade do senador Nicolau Ver-gueiro, onde cerca de mil imigrantes suíços, alemães eportugueses plantavam café.

A empresa do senador, “Vergueiro e Companhia”,foi pioneira no recrutamento de mão-de-obra européia parasubstituir os escravos africanos. Financiava a viagem e oimigrante tinha de quitar sua dívida trabalhando por pelomenos quatro anos. Davatz liderou em 1856 uma insurrei-ção contra esse sistema, a “Revolta dos Parceiros”. Seulivro causou forte impressão na Europa e inibiu o ciclo daimigração.

Em 1888, a Lei Áurea declarou extinta a escravi-dão legalizada no Brasil. Mas o trabalho escravo prosse-guiu de forma ilegal e novas formas surgiram em diversasregiões: nas fazendas de café do Sudeste, vitimando tam-bém os imigrantes italianos e japoneses; nas plantaçõesde algodão e açúcar do Nordeste; no extrativismo de bor-racha na Amazônia.

Nas décadas de 1970 e 80, a política de ocupaçãoda Amazônia adotada pela ditadura militar agravou o pro-blema. Incentivos fiscais e créditos subsidiados ofereci-dos pela Superintendência para o Desenvolvimento daAmazônia (Sudam) a empresas nacionais e multinacio-nais levaram à construção de muitos empreendimentosagropecuários. Fortunas em dinheiro público foram drena-das. Grandes extensões de floresta, destruídas para acriar pastos e plantações. Também houve danos enormesa comunidades indígenas, populações nativas e migran-tes assalariados rurais.

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Sérgio Vignes

Lei das armasComo a Amazônia é uma região

de difícil acesso, as instituições esta-tais nunca tiveram controle efetivo naslocalidades mais isoladas. O resulta-do tem sido a prevalência da lei do maisforte. Muitos posseiros foram expulsoscom violência das terras que ocupavamtradicionalmente. Quem resistiu à gri-lagem, não raras vezes, encontrou amorte em emboscadas de pistoleiros.Essa realidade ainda faz parte do coti-diano amazônico.

A estrutura agrária do Brasil,baseada no latifúndio e em relaçõesautoritárias de coronelismo, é um in-grediente importante a considerar quan-do se aborda a escravidão contempo-rânea. Grandes proprietários de terrascostumam agir como senhores feudais,têm relações de compadrio com outroslatifundiários e uma forte influência napolítica local e regional. Não por aca-so o Sul do Pará, onde historicamentetêm ocorrido sangrentos conflitos deterra, é também uma das regiões ondehá maior incidência de trabalho escra-vo no Brasil.

Do ponto de vista financeiro eoperacional, a nova escravidão é maisvantajosa para os empresários que ada época do Brasil Colônia e do Impé-rio. Um dos maiores especialistas notema, o sociólogo norte-americano Ke-vin Bales, traça paralelos entre essesdois sistemas em seu livro DisposablePeople: New Slavery in the Global Eco-nomy (Gente Descartável: A Nova Es-cravidão na Economia Mundial).

No sistema antigo, em que apropriedade legal era permitida, saíabem mais caro comprar e manter umescravo. O negro africano era um in-vestimento dispendioso, a que poucaspessoas tinham acesso. Hoje o custoé quase zero, paga-se apenas o trans-porte e, no máximo, a dívida que a pes-soa tinha em algum comércio ou ho-tel. Se o trabalhador fica doente, é sólargá-lo na estrada mais próxima e ali-ciar outra pessoa. O desemprego ge-neralizado proporciona mão-de-obrafarta.

Denúncias e vítimasA primeira entidade a denunciar

a existência do trabalho escravo con-

DEFIN

IÇÃO

A Convenção 29 da OIT (Organização Internacional doTrabalho) considera trabalho forçado “todo trabalho ou servi-ço exigido de um indivíduo sob a ameaça de alguma punição epara o qual o dito indivíduo não se apresentou voluntariamente”.

O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 149, estabele-ce pena de dois a oito anos e multa para quem reduzir alguémà “condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a tra-balhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o acondições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qual-quer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com oempregador ou preposto”.

Nesta publicação optamos por utilizar o termo “trabalhoescravo” como sinônimo de “trabalho forçado”, que é definidocomo toda a condição de trabalho, mesmo provisória, com es-sas duas características:

· recurso à coação e· privação da liberdade do indivíduo.A coação pode ser física ou moral. São quatro as carac-

terísticas principais: a servidão por dívida, a retenção de do-cumentos, as condições geográficas (dificuldade de acesso) e ouso de armas. Nos casos de escravidão rural, é comum que dife-rentes formas de coação sejam empregadas simultaneamente.

Na servidão por dívida, própria do sistema de peona-gem, os trabalhadores são obrigados a consumir alimentos,roupas e ferramentas por preços extorsivos em barracões nointerior das propriedades. Também são debitadas em sua con-ta as despesas com hospedagem, alimentação e transporte.

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temporâneo foi a Comissão Pastoral daTerra, vinculada à Igreja Católica. A CPTtem desempenhado um papel funda-mental na denúncia das ocorrências detrabalho escravo, coleta de depoimen-tos, elaboração de estatísticas e naproteção da vida das testemunhas –peões que conseguiram fugir das fa-zendas onde eram cativos.

Em 1970, Dom Pedro Casaldá-liga, bispo de São Félix do Araguaia(MT), divulgou o documento “Feudalis-mo e Escravidão no Norte do MatoGrosso”, que denunciava a ocorrênciasistemática de escravidão por dívida.Por conta de suas pregações em favorda reforma agrária e dos humildes, in-comodou fazendeiros, o governo mili-tar e até a Santa Sé. Também recebeuvárias ameaças de morte.

Um fato recente que chocou opaís foi o assassinato de quatro inspe-tores do trabalho em janeiro de 2003.Eles foram emboscados e mortos a ti-ros numa estrada no município de Unaí(MG), a 100 km de Brasília. O fato le-vou o Ministério do Trabalho a reforçaras medidas de segurança de seus fis-cais. Quando em missão de combate

ao trabalho escravo, eles viajam sem-pre acompanhados de policiais fede-rais.

Outro ameaçado com freqüên-cia é o coordenador da campanha con-tra o trabalho escravo da CPT, frei Xa-vier Plassat. Com o conhecimento dequem dedica a vida a esta causa, oreligioso afirma: “Erradicar o trabalhoescravo é muito mais complicado quetirar simplesmente um trabalhador daescravidão e punir o infrator. É impor-tante mudar o rumo desse modelo dedesenvolvimento que vem consumindo,sem nunca se saciar, florestas e vidashumanas”.

Frei Plassat resume os desafi-os fundamentais que precisam ser en-frentados para a erradicação do traba-lho escravo: “Intensificação da repres-são; integração melhor do Grupo Mó-vel; fim da impunidade; sanções eco-nômicas pesadas aos escravocratas;confisco da terra; corte de financiamen-to; multas pesadas e indenizações pordanos; determinação da competênciafederal; rito acelerado e, sobretudo, ge-ração de emprego e renda, reformaagrária e qualificação nas regiões deorigem dos trabalhadores”.

Cria-se assim, de maneira fraudulenta, dívidas que se tornamimpagáveis na prática.

O sociólogo José de Souza Martins, renomado especialis-ta no assunto, é crítico do “denuncismo” praticado por certosativistas e organizações de defesa dos direitos humanos – mui-tas vezes bem intencionadas – que substitui a denúncia funda-mentada e responsável. Essa prática pode levar a ciladas deinterpretação e prejudicar o combate ao crime, pois nem tudoque encerre más condições de trabalho é escravidão. Diz ele:

“No caso brasileiro, a escravidão não se manifesta dire-ta e principalmente em más condições de vida ou em saláriosbaixos ou insuficientes. O núcleo dessa relação escravista estána violência em que se baseia. (...) O pesquisador deve estaratento ao seu ingrediente principal, que é a coerção física emoral que cerceia a livre opção e a livre ação do trabalhador.Nesse sentido, pode haver escravidão mesmo onde o trabalha-dor não tem consciência dela. [“A escravidão nos dias de hoje eas ciladas de interpretação”, in: Trabalho escravo no BrasilContemporâneo. CPT/Loyola, São Paulo, 1999.}

Assim, é preciso ter em conta que trabalho escravo, ouforçado, é diferente de trabalho degradante, não-remuneradoe outros. A superexploração do trabalho e o descumprimentoda legislação trabalhista também devem ser objeto de repúdio,ação sindical e processo judicial, mas não constituem trabalhoforçado desde que o trabalhador possa abandonar o emprego(pedir demissão). Condições degradantes de trabalho sempreacompanham o trabalho forçado, mas são coisas distintas.

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Siderúrgicas se beneficiam de trabalhoescravo em carvoarias na selva amazônica.

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Dauro Verase Marques Casara

Escravos do açoEscravos do aço

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Esta é a ponta inicial de uma cadeiade produção que envolve, com diversosgraus de responsabilidade, gigantesindustriais. Empresas controladaspelos grupos Queiroz Galvão e Gerdausão acusadas pelo Ministério PúblicoFederal de se beneficiarem daescravidão para produzir ferro gusa. ACompanhia Vale do Rio Doce e amaior produtora de aço dos EstadosUnidos, Nucor Corporation,relacionam-se comercialmente comessas empresas. Uma atividadeeconômica bilionária tem em sua basea violação dos direitos humanos.Carvoaria na região de Açailândia (MA)

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A Amazônia brasileira produz o melhor ferro gusado mundo, usado principalmente na produção de pe-ças automotivas. É um mercado que movimenta 400milhões de dólares anuais somente na região Norte –2,2 milhões de toneladas/ano – e tem como principalcompradora a indústria siderúrgica dos Estados Uni-dos. Esse gusa alimenta um mercado de alta tecnolo-gia, o dos aços especiais. A produção, contudo, tem nabase de sua cadeia de valor uma das piores formas deexploração humana: o trabalho escravo, que aconteceem carvoarias localizadas na floresta amazônica.

Vivem lá homens que perderam a liberdade, nãorecebem salários, dormem em currais, comem comoanimais, não têm assistência médica e, em muitos ca-sos, são vigiados por pistoleiros autorizados a matarquem tentar fugir. Esses trabalhadores, em sua maioria,não sabem ler nem escrever. Em geral, esqueceram adata do aniversário. Têm dificuldades de se expressar,sentem medo, vivem acuados e não gostam de falarsobre si mesmos. Quase sempre, não possuem carteirade identidade nem título de eleitor. São como fantas-mas, com futuro incerto.

As carvoarias da Amazônia são controladas por13 siderúrgicas com sede no Maranhão e no Pará. Al-gumas siderúrgicas são de propriedade de gigantes daeconomia, com atuação em quase todo o território bra-sileiro e também no exterior. O grupo Queiroz Galvãoé dono da Simasa e da Pindaré. O grupo Gerdau con-trola a Margusa. Simasa e Margusa são acusadas peloMinistério Público do Trabalho de usarem mão-de-obraescrava em carvoarias ilegais. Esse carvão é usado naprodução do ferro gusa exportado aos Estados Unidospara a produção de aço, que por sua vez é matéria-prima de automóveis e diversos outros produtos.

A Vale do Rio Doce e a Nucor não estão sendo

acusadas de envolvimento direto com o trabalho escra-vo. Contudo, fazem negócios comerciais com empresasenvolvidas na exploração de trabalho escravo. A socie-dade, a Constituição brasileira, normas internacionais eaté os princípios de responsabilidade social empresari-al, como se pode ler mais adiante, não admitem o usode escravidão em nenhum elo da cadeia produtiva.

Contexto globalPara produzir gusa é preciso utilizar, principalmente,

carvão e minério de ferro. O carvão vem de milhares depequenas carvoarias que queimam madeira da florestanativa. O minério é fornecido pela Companhia Vale doRio Doce, que também fornece a logística necessáriapara a exportação do gusa produzido por Simasa eMargusa: uma ferrovia e o terminal portuário de sua pro-priedade no litoral do Maranhão.

O principal comprador do ferro gusa que tem nasua cadeia de produção o trabalho escravo é a NucorCorporation, maior produtora de aço dos Estados Uni-dos. Essa corporação usa o ferro gusa para produzirinsumos que abastecem a maioria das indústrias auto-motivas americanas. Carros norte-americanos, de diver-sas marcas, saem da linha de produção montados comaços especiais que tiveram trabalhadores escravizadosno primeiro elo da cadeia produtiva.

Nucor e Vale do Rio Doce são sócias no projetode uma siderúrgica de ferro gusa, que também será ins-talada na região Norte. Terá capacidade de produzir,segundo informações divulgadas pela Nucor, 380 miltoneladas de ferro gusa por ano, com possibilidade dedobrar esse volume no futuro. A Nucor diz que esseferro será produzido de forma não agressiva ao meioambiente, com carvão proveniente de madeira de reflo-restamento.

Praticamente toda alenha usada para

fazer carvão provémde mata primária

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O interesse das siderúrgicas pela Amazônia acon-tece porque a região tem imensas reservas minerais e émuito atraente para quem busca produzir a baixo custo:tem mão-de-obra barata e madeira em abundância. Emalguns casos, essa mão-de-obra não custa praticamentenada. A madeira sai da floresta quase de graça, muitasvezes retirada ilegalmente e sem autorização dos órgãosambientais. Some-se a isso a brutal concorrência co-mercial entre as empresas em escala global e tem-se umquadro de pressões crescentes sobre o meio ambiente eas condições de trabalho.

A indústria brasileira, segundo reportagem do NewYork Times (“Brasil quer se tornar gigante mundial na pro-dução de aço”, 21/05/2004), está se mobilizando para aten-der a demanda da China por aço e pretende investir bi-lhões de dólares para aumentar a capacidade produtiva emmais de 30% nos próximos quatro anos. O jornal america-no refere-se ao Brasil como “afortunado” ao relacionar trêsaspectos que levam o país a buscar protagonismo na in-dústria global do aço: matéria-prima abundante, excelênciatecnológica e mão-de-obra barata.

Na mesma reportagem, o diretor-executivo de pla-nejamento estratégico da Vale do Rio Doce, Gabriel Sto-liar, comenta: "O que estamos presenciando é uma enor-me janela de oportunidade para o crescimento da in-dústria siderúrgica brasileira, e de forma grandiosa. Masnão podemos perder tempo. O momento para investir éagora, de forma que possamos garantir o nosso lugar nomundo". O presidente do grupo Gerdau, Jorge GerdauJohannpeter, afirma que o Brasil é particularmente im-portante para os chineses devido ao minério de ferro.

O que não se comenta é que uma das supostasvantagens estratégicas do Brasil, a mão-de-obra bara-ta, é obtida em parte com exploração do trabalho de-gradante e escravo.

Os carvoeirostrabalham semnenhum equipamentode proteção exigidopor lei, como luvas ebotas

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s Pior que gadoMesmo nas carvoarias onde não existe trabalho

escravo, a legislação é sistematicamente descumprida.Os trabalhadores não recebem equipamentos de prote-ção individual, não têm alojamento nem assistência mé-dica. Também não são registrados em carteira nem têmdireito aos benefícios legais. “É uma realidade assusta-dora”, define o procurador do Ministério Público doTrabalho em São Luís (MA), Maurício Pessoa Lima.“Em inspeções realizadas em carvoarias, eu vi o gadovivendo em melhores condições que os trabalhadores”.

Em um relatório de inspeção realizada em carvo-arias ligadas à Simasa e à Margusa, entre os dias 8 e 17de março deste ano, o procurador do trabalho LuercyLino Lopes apontou o envolvimento direto das siderúr-gicas com o trabalho escravo. Escreveu Lopes:

“De um modo geral, em todas as carvoarias ins-pecionadas observou-se: (...) O trabalho é realizado emcondições absolutamente aviltantes e degradantes, emtotal ofensa à própria dignidade dos trabalhadores, oque, segundo entendo pela atual redação do artigo 149do Código Penal Brasileiro, tipifica a conduta pertinenteà redução à condição análoga à de escravo”.

Em outro trecho, o procurador acrescenta:“Raramente algum trabalhador é flagrado de pos-

se de EPI (equipamento de proteção individual); traba-lham em meio à fuligem e fumaça de carvão, sem camisaou com a camisa toda rasgada e suja; com calção e sembotinas e luvas. Em nenhuma das carvoarias vistoriadasfoi encontrada água potável”.

ReincidênciaO uso de trabalho escravo envolvendo siderúrgi-

cas não é recente. Em 1995, ano em que o Ministériodo Trabalho criou o Grupo Especial de FiscalizaçãoMóvel, quatro siderúrgicas localizadas no Mato Grossoe em Minas Gerais foram acusadas de manter trabalha-dores escravos em carvoarias. No Mato Grosso, a pe-quena cidade de Ribas do Rio Pardo se tornou uma es-pécie de pólo escravagista, com denúncias em váriossetores da economia.

No ano seguinte surgiram pela primeira vez, nosrelatórios do Grupo Móvel, os nomes de siderúrgicasligadas a grandes conglomerados econômicos. É o casoda siderúrgica Pindaré, da Queiroz Galvão, com sedeem Açailândia (MA). Ela aparece em relatórios do Gru-po Móvel em 1996, 1997, 1998, 2002 e 2003. A Si-masa, também da Queiroz Galvão, aparece pela primei-ra vez em 2002, tornando-se freqüente desde então. AMargusa, comprada pela Gerdau no dia 2 de dezembrode 2003, aparece em março de 2004.

Diversos relatos do Grupo Móvel não caracteri-Em nenhuma carvoaria foi encontrada água potável

Detalhe da sujeira no local de armazenamento de água

Local onde a Simasa deveria ter construído umalojamento com banheiros

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Gusa edegradação ambientalA necessidade de carvão vegetal por partedas siderúrgicas é gigantesca. Segundo opesquisador do Núcleo de Altos Estudos daAmazônia, Maurílio de Abreu Monteiro,para a produção de uma tonelada de ferrogusa é preciso queimar 2,6 toneladas demadeira. Como a produção de gusa naregião Norte em 2003 foi de 2,2 milhões detoneladas, isso representa a queima de 5,7milhões de toneladas de madeira.“É um processo intensivo e de baixaeficiência energética, que necessita degrande quantidade de carvão. Apenas umapequena parte da madeira utilizada provémde áreas de reflorestamento, o restante émata primária”, explica. Na produção deferro gusa, o carvão cumpre duas funções:como combustível para gerar o calornecessário à operação do alto-forno dasiderúrgica e como agente químico pararetirar o oxigênio durante o processo. Oferro gusa da Amazônia é considerado omelhor do mundo porque usa o carvãovegetal e não o mineral. O carvão mineralcontamina o gusa com altos teores deenxofre e impede que seja aproveitado naprodução de aços especiais, usadosprincipalmente pela indústria automotiva.Nos anos 80, quando as primeirassiderúrgicas foram implantadas, o discursodas empresas era de que o carvão seriaobtido em grandes áreas reflorestadas. Issonão ocorreu, porque obter carvão de matanativa é bem mais barato. O carvão vegetaltem grande influência nos custos deprodução do gusa. Representa mais de umterço do preço final do produto. Em junho, atonelada de gusa era vendida por 142dólares, dos quais 55 correspondiam aocusto do carvão. “É o insumo através doqual as siderúrgicas controlam a margemde lucro”, afirma. Mudar a situação nascarvoarias, portanto, requer não apenasboa vontade, como uma nova configuraçãoeconômica na indústria do aço, quetambém leve em conta os custos sociais etrabalhistas da produção do carvão vegetal.O pesquisador cita as conseqüências dautilização da mata primária em largaescala: exploração predatória dos recursosnaturais; desorganização dos espaçosurbanos; ampliação das tensões no campoe os conflitos fundiários; trabalho de baixaremuneração e em condições insalubres.

zam as situações encontradas como trabalho escravo,mas “trabalho degradante”, o que é diferente. Enqua-dra-se na condição de trabalho degradante aquele emque o trabalhador não tem registro em carteira, não dis-põe de equipamento de proteção, dorme em um curralsem paredes, não tem acesso a água potável ou a assis-tência média, férias, 13o salário. Em quase 100% doscasos não conta com um banheiro no local de trabalho.

O trabalho escravo, segundo a OIT, acontecequando existe coação e privação da liberdade. Em 2003,com a mudança do artigo 149 do Código Penal, o queacima foi descrito como trabalho degradante passou aser interpretado, por alguns especialistas, como escra-vidão. É o caso de situações extremamente degradantescomo as que são encontradas pelo Grupo Móvel nascarvoarias, explica o procurador do Ministério Públicodo Trabalho, Maurício Pessoa Lima.

O procurador Luercy Lino Lopes, em seu relató-rio de março, não hesitou em acusar Simasa e Margusade envolvimento com trabalho escravo.

“Diante das impressões que tive no local, a situa-ção das carvoarias, sobretudo no Pará, é muito grave ereclama providências urgentes. Penso ser necessária umaimediata investida contra as siderúrgicas”, afirmou.

Lopes, que acompanhou o trabalho realizado peloGrupo Móvel durante nove dias e esteve em oito carvo-arias entre os municípios de Dom Eliseu (PA) e PastosBons (MA), relacionou a existência de 37 trabalhado-res na carvoaria da Simasa e 20 na carvoaria da Margu-sa. Segundo o relatório:

“Não há salário definido, existe a prática de endi-vidamento do trabalhador (sistema de barracão ou can-tina); as condições de conforto e higiene são péssimas”.

Atuação ineficienteAté há pouco tempo, as carvoarias não faziam

distinção entre usar adultos e crianças. Atualmente assiderúrgicas entram em pânico quando ouvem falar emmenores de 18 anos nas frentes de trabalho. A Simasa,inclusive, detém o selo Empresa Amiga da Criança, con-cedido pela Fundação Abrinq, uma conceituada organi-zação não governamental.

Ao ser questionado sobre a contradição de ter oselo da Abrinq e ser acusada de envolvimento com tra-balho escravo, o gerente administrativo da Simasa, Mar-celo Almeida, respondeu: “Nós não temos conhecimen-to de que os trabalhadores das carvoarias vivem nessascondições”. Segundo ele, a Simasa não tem nada a vercom o que acontece nesses lugares: “Apenas compra-mos o carvão. Eles são fornecedores de matéria-primae essa é a única relação que temos com essas carvoari-as”. Posteriormente, um dos diretores da Queiroz Gal-vão e diretor-presidente da Simasa, André de Oliveira

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Siderurgia e pobrezaO modelo adotado pelas siderúrgicas na

Amazônia reforça uma estrutura arcaica, baseadano latifúndio, nas péssimas condições sociais e

sanitárias, na baixa remuneração, nas isençõestributárias e na ausência de investimentos que

beneficiem a comunidade local.É o que aponta o estudo “Siderurgia na Amazônia

oriental brasileira e a pressão sobre a florestaprimária”, publicado pelo pesquisador

Maurílio de Abreu Monteiro.Na década de 80, o governo brasileiro iniciou uma

política de desenvolvimento que visavaindustrializar e modernizar a região amazônica. O

processo aconteceria graças aos efeitos emcadeia gerados pela edificação de um complexo

industrial baseado na exportação. Mas aestratégia não funcionou. Segundo o estudo, o

principal elo econômico das indústrias com aregião resumiu-se à demanda de carvão vegetal.

Apesar de a produção de ferro gusa teraumentado ano a ano (veja gráfico), desenhou-seuma situação contraditória. Escreve Monteiro: “Onúmero de empregos diretos gerados é pequenose comparado à população (...), não sendo capaz

de impulsionar significativas alterações naconformação do mercado de trabalho regional”.Outro aspecto citado pelo pesquisador, a receitatributária proveniente da atividade, também não

se mostrou eficiente: “As isenções fiscais sobre oslucros dos empreendimentos e sobre a

comercialização de seus produtos reduzemsignificativamente o volume de tributos pagos por

essas indústrias”.Maurílio calcula que existam entre 20 mil e 23 mil

fornos em funcionamento nas carvoarias daAmazônia. Para operá-los, são necessários entre

10 e 12 mil trabalhadores. Em 2003, a regiãoproduziu 1,7 milhão de toneladas

de carvão vegetal.

Câncio, admitiu a existência dos problemas na cadeia pro-dutiva e prometeu soluções.

As afirmações de Almeida não batem com as nor-mas que a Simasa precisou seguir para conquistar o seloda Abrinq. O selo assegura a inexistência de trabalho in-fantil em todos os elos da cadeia produtiva, mas não fixaregras para o trabalho escravo. Os próprios trabalhado-res contam que os fiscais das siderúrgicas percorrem ascarvoarias para verificar a existência de crianças. “Se en-contram uma criança, mesmo que seja o filho da cozinhei-ra, não levam mais carvão”, disse um carvoeiro duranteuma inspeção do Grupo Móvel em junho, quando a Si-masa foi novamente autuada. Ou seja, existe fiscalizaçãoseletiva e pontual por parte da siderúrgica. Os fiscais dasempresas, como informam dezenas de relatórios do Gru-po Móvel, fecham os olhos para o trabalho escravo, paraas péssimas condições sanitárias e se limitam a checar senão existem crianças.

A alegação de que as carvoarias são apenas forne-cedoras e não têm nada a ver com a siderúrgica não éaceita pelo Ministério Público do Trabalho nem pelo Mi-nistério do Trabalho. Os órgãos entendem que as siderúr-gicas são diretamente responsáveis por tudo o que acon-tece nesses locais. Isso porque são elas que constróem osfornos usados na queima da madeira que produz o car-vão. As siderúrgicas também exigem exclusividade na en-trega do carvão. “Se por acaso souberem que entrega-mos para outro, eles vêm aqui e derrubam os fornos”,explicou outro carvoeiro.

Caminhão é carregadomanualmente

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Em seu relatório de março, o procurador LuercyLino Lopes escreveu que toda a produção de carvão éfeita no exclusivo interesse de usinas siderúrgicas da re-gião. De acordo com Lopes, são as usinas que viabilizama instalação dos fornos, financiando os recursos para suaconstrução e para a construção de alojamentos – que,normalmente, nem chegam a ser feitos. Em outro pontodo documento, ele escreve:

“As usinas se utilizam de terceiros, pessoas sem ne-nhuma idoneidade econômico-financeira para fazer frente aoempreendimento (quase sempre trabalhadores carvoeirosmesmo), que, para todos os efeitos, são guindados à condi-ção de ‘empregadores’ dos trabalhadores e ‘donos’ das car-voarias. Meros intermediários ou ‘testas-de-ferro’, segundopude perceber claramente”.

São as siderúrgicas que pagam as multas impostas peloMinistério do Trabalho e não as carvoarias. Em relação aotransporte entre carvoarias e usinas, ele não é feito em cami-nhões das siderúrgicas, mas em veículos de propriedade dosadministradores das carvoarias. O serviço é uma das pioresatividades na frente de trabalho, pois os carregadores preci-sam subir rampas íngremes com sacas de mais de 50 quilos.

EmpresasAs empresas responderam de diferentes maneiras

sobre a denúncia de terem mão-de-obra escrava na ca-deia produtiva. A Gerdau enviou uma nota por e-mail, atra-vés da assessoria de comunicação, informando que as vi-olações foram praticadas por prestadoras de serviços (car-

voarias) e que ela se considera apenas parcialmente res-ponsável pelo problema.

A Queiroz Galvão, por meio do diretor-presidenteda Simasa, André de Oliveira Câncio, adotou uma atitudeinovadora, que não é muito comum por parte das corpo-rações: admitiu o problema e prometeu diversas açõesaté o final do ano para evitar novas autuações. No Brasil,a tradição de muitas empresas é isentar-se da responsa-bilidade - repassando-a aos fornecedores -, tratar o pro-blema como incidente isolado e desqualificar quem fez aqueixa.

A Vale do Rio Doce respondeu que vende minériode ferro e logística às siderúrgicas pelas necessidades domercado, pois é a única fornecedora dessa matéria-primano Brasil. Também ressaltou que participará de uma cam-panha, em parceria com o Tribunal Superior do Trabalho,contra o uso de mão-de-obra escrava, o que reforça suapostura em relação à responsabilidade social. O gerentede relações com a imprensa da Vale, Fernando Thomp-son, considera extremamente importante iniciativas quedesvendem a cadeia produtiva do trabalho escravo.

A Nucor, por meio de seu vice-presidente executi-vo John Ferriola, afirmou que não compra ferro gusa di-retamente das empresas mencionadas na reportagem. Dis-se ainda não ter conhecimento das acusações e rejeitar ouso de trabalho escravo. Segundo Ferriola, o preço que aempresa paga pelo ferro gusa brasileiro é competitivo comtodas as outras fontes localizadas em diversos países.

Leia a íntegra das respostas das empresas nas pá-ginas 22 e 24.

Carvoarias legalizadasusam um guindaste nolugar da escada e do cesto.O carregamento manualé uma das atividadesmais insalubres

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AA fumaça arde os olhos e aperta a respiração. Nas carvoariastudo é negro: a madeira queimada desenha nos homens uma armadu-ra sinistra, uma camuflagem que os confunde com o próprio carvãoque produzem. São como cavaleiros fantasmagóricos, escondidos pelacortina de fumaça que sai dos fornos, protegidos por senhores que osalimentam e os deixam dormir no curral.

Poderiam viver em qualquer tempo, talvez na Idade Média. Ouna época em que homens e mulheres eram caçados e atirados em po-rões negreiros. Nos tempos atuais, estão um tanto deslocados, não têmidentidade, estudo, renda, liberdade. Não votam, não pagam impostos,não têm os direitos reconhecidos. É uma cena surrealista acompanharuma libertação de escravos num dia comum de 2004.

Entram primeiro os carros da Polícia Federal. O carvoeiro queestá no alto da pilha de madeira vê as camionetas avançarem pelo ter-reno em altíssima velocidade. Saltam homens com armas pesadas, fu-zis, metralhadoras. Correm, ocupam o terreno, identificam pessoas ar-madas, paralisam a carvoaria. No terceiro e quarto carro chegam opessoal do Grupo Móvel e do Ministério Público do Trabalho.

Da pilha de madeira, o carvoeiro imaginaria três alternativas:irão matá-lo, prendê-lo ou simplesmente deixá-lo em paz porque abronca não é com ele. Mas ele erra o cálculo, nem imagina que estásendo libertado, que sua carteira de trabalho será assinada, que rece-berá uma indenização em dinheiro vivo. Acompanhar uma operaçãodo Grupo Móvel deixa a sensação de que o problema pode ser erradi-cado, tamanha a organização e o empenho das pessoas envolvidas.

(MC)

Tempos modernos

Policiaisfederais

investigamcarvoaria em

Dom Eliseu(PA)

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Responsabilidade socialNos últimos anos, diversos documentos se torna-

ram referências para avaliar a responsabilidade socialempresarial. Entretanto, muitas ações proclamadas comosocialmente responsáveis estão mais para filantropia ouestratégias de marketing que para atos concretos e du-radouros envolvendo o próprio negócio e a cadeia pro-dutiva.

O trabalho escravo se enquadra em um tópicoelementar da responsabilidade social empresarial: umaempresa socialmente responsável deve assumir compro-missos públicos com as condições sociais e ambientaisna cadeia produtiva. Deve criar critérios para os seusfornecedores, elaborados com o envolvimento dos ato-res sociais. Deve descredenciar os reincidentes, isto é,os que sistematicamente desrespeitam os direitos fun-damentais no trabalho e degradam o meio ambiente.Senão fizerem isso, tornam-se co-responsáveis. O traba-lho escravo fere a Declaração Universal dos DireitosHumanos, a Declaração dos Direitos Fundamentais noTrabalho da Organização Internacional do Trabalho

(OIT) e as Diretrizes para Empresas Multinacionais daOrganização para Cooperação e Desenvolvimento Eco-nômico (OCDE).

Instituições financeiras, sobretudo fundos de pen-são e bancos públicos como o BNDES (Banco Nacio-nal de Desenvolvimento Econômico e Social) não deve-riam financiar empresas que utilizam trabalho escravoou degradante no seu processo de produção.

Outra referência importante é o Global Compact,iniciativa da Organização das Nações Unidas que estána moda entre empresas socialmente responsáveis. Elevisa a adesão voluntária e a mobilização da comunidadeempresarial para a promoção de valores fundamentaisnas áreas de direitos humanos, trabalho e meio ambien-te. Conta com a participação de empresas, sindicatos,organizações não governamentais e diversas agências daONU. Mais de mil empresas são signatárias do GlobalCompact, que exorta as organizações a incorporaremdez princípios básicos. Destes, três estão diretamenteligados à responsabilidade na cadeia produtiva:

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Carvoeirosesperam para serementrevistados pelos fiscaisdo Grupo Móvel.

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IL GerdauO grupo Gerdau é uma organização empresarial com mais de cem anos de existência,iniciada a partir de uma fábrica de pregos em Porto Alegre (RS). Focado na siderurgia,ocupa a posição de maior produtor de aços longos do continente americano. Temsiderúrgicas no Brasil, Argentina, Canadá, Chile, Estados Unidos e Uruguai. Sua capacidadeinstalada é de 14,4 milhões de toneladas de aço por ano. Em 2003 teve faturamento de R$5 bilhões e lucro líquido de R$ 423 milhões.A Gerdau comprou a Margusa em dezembro de 2003 e aumentou a capacidade instaladada siderúrgica de 85 mil para 200 mil toneladas/ano. A relação da Margusa com ostrabalhadores do carvão fere os princípios éticos adotados pela Gerdau, que em seu site nainternet, no item “Relação com fornecedores”, diz: “Somente contratamos Fornecedoresidôneos, que atendam às suas obrigações legais e aos pré-requisitos estabelecidos e emconformidade com a instrução de serviço que rege esta prática.”No item Segurança e Saúde, a empresa anuncia: “Orientamos e exigimos de nossosColaboradores o cumprimento das Políticas de Saúde e Segurança do Grupo Gerdau; paranós, o ser humano, em sua integralidade, é um valor que está acima dos demais objetivose prioridades da Empresa.”

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Queiroz GalvãoO grupo Queiroz Galvão

surgiu em 1953 em Recife (PE),com a fundação da

Construtora Queiroz Galvão,responsável pela construção

de rodovias, hidrelétricas,portos e aeroportos. Tem umfaturamento bruto de R$ 1,5

bilhão por ano. O grupoagregou à atividade inicial –construção – a exploração e

produção de óleo e gás, aconcessão de serviços

públicos – energia,saneamento e transportes – a

agropecuária, o mercadofinanceiro e a siderurgia. O

perfil publicado em seu site deinternet informa que a filosofia

empresarial do grupo é:trabalho, qualidade,

confiabilidade e lealdade.A empresa diz ter uma

crescente preocupação com aquestão ambiental e divulga

que as siderúrgicas Pindaré eSimasa (acusadas de se

beneficiarem de trabalhoescravo), geram 2.500

empregos diretos e indiretos.Também destaca a conquista

do selo Empresa Amiga daCriança, concedido às duassiderúrgicas pela Fundação

Abrinq. Segundo a empresa, éum “reconhecimento que

traduz as ações desenvolvidasno sentido de garantir às

crianças da região direito àcidadania, saúde, educação e

lazer”.A empresa considera

como suas principais ações deresponsabilidade social do

grupo são o projeto CrescerSabendo, que promove

inclusão digital entre criançase adolescentes de seis a 14

anos; e o Centro de IntegraçãoFamília, Escola e

Comunidade, que, segundo aempresa, atendeu cerca de

mil crianças carentes nascomunidades próximas às

siderúrgicas em 2003.

- Apoiar e respeitar aproteção aos direitoshumanos dentro de suaesfera de influência;- Assegurar que suaspróprias corporações nãosejam cúmplices deabusos contra os direitoshumanos;- Eliminar todas asformas de trabalhoforçado e compulsório.Nenhuma das corporações

citadas aqui é signatária do Glo-bal Compact. Infelizmente, um dosfatores que afetam a credibilidadedessa iniciativa é que muitas em-presas, mesmo quando aderem aosseus princípios, não monitoram seucumprimento. Na prática, tem severificado que esses princípios nãoestão sendo respeitados.

Outra referência é o Institu-to Ethos de Empresas e Respon-sabilidade Social. Em seus Critéri-os de Seleção e Avaliação de For-necedores, diz o Ethos:

“A empresa deve incentivarseus fornecedores e parceiros aaderir aos compromissos que elaadota perante a sociedade. Tam-bém deve utilizar critérios voltadosà responsabilidade social na esco-lha de seus fornecedores, exigin-do, por exemplo, certos padrões

de conduta nas relações com os tra-balhadores ou com o meio ambien-te”.

O trabalho escravo, no enten-der do Ethos, é um padrão de condu-ta totalmente inadequado a um forne-cedor. “O comprometimento com aqualidade da cadeia produtiva é ex-tremamente importante para fortale-cer a responsabilidade social empre-sarial”, diz o assessor de políticas pú-blicas da entidade, Caio Magri. “É fun-damental que uma empresa compro-metida com a responsabilidade socialnão aceite o trabalho escravo na suacadeia produtiva”. Para Magri, asempresas precisam conhecer bemseus fornecedores e adotar padrõesde relacionamento pautados pelorespeito aos direitos humanos. “É im-portantíssimo desvendar e denunciaruma cadeia produtiva onde exista tra-balho escravo”, diz.

PropostasO diretor da Confederação

Nacional dos Metalúrgicos, Fernan-do Lopes, funcionário da Gerdau,concorda que o problema começa nascarvoarias ligadas às siderúrgicas, queusam mão-de-obra escrava em algunscasos e trabalho degradante em ou-tros. “É preciso ter um controle maisrígido, uma posição de responsabili-dade social concreta e que a siderúr-

Companhia Vale do Rio Doce

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A Companhia Vale do Rio Doce foi criada pelo governofederal 1942, com o objetivo de explorar minério de ferrodo Brasil. Privatizada em 1997, foi comprada por umconsórcio liderado pela CSN (Companhia SiderúrgicaNacional). Hoje é controlada pela Valepar, que tem comoprincipais acionistas a Bradespar e a Previ. Líder mundialno mercado de minério de ferro e a segunda maior produtoraglobal de manganês e ferroligas, gera mais de 60 milempregos diretos e indiretos. A empresa fechou 2003 comum lucro de R$ 4,509 bilhões.No perfil corporativo, disponível no site de internet, a CVRDdivulga que atua em todos os seus empreendimentos demaneira socialmente responsável: “O relacionamentotransparente e ético, o respeito aos costumes e culturaslocais e a promoção da melhoria da qualidade de vida das

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gica saiba de quem está comprandoo carvão”, diz.

Lopes propõe que siderúrgi-cas e sindicatos façam uma parceriapara fiscalizar o trabalho nas carvo-arias. “O primeiro passo seria a for-mação de uma comissão para atuardiretamente no controle do proble-ma”. Outra idéia é encaminhar a dis-cussão do tema nas Comissões Mu-nicipais de Trabalho e Renda, nasquais podem ser apresentadas pro-postas conjuntas entre sociedade,sindicatos e empresas. “Esse é umespaço adequado para o início deuma conversa. Ou se criam instru-mentos concretos ou o problema nãoserá resolvido”, avalia.

Uma das preocupações dosindicalista reside nas eventuais san-ções que podem ser impostas porcompradores internacionais de ferrogusa. “No mercado globalizado dehoje, qualquer pretexto pode ser usa-do para barrar um produto, aplicarsanções, o que seria muito ruim parao país”. Por outro lado, segundo ele,o problema não pode ser simples-mente varrido para debaixo do ta-pete: “É preciso transparência, uniãode esforços. É um problema socialgrave, a sociedade e os mercadosprecisam assumir uma posição clarasobre o trabalho escravo”.

Na relação entre carvoarias esiderúrgicas, são tantas as irregulari-

comunidades com as quais interage faz parte da políticade desenvolvimento social da Companhia Vale do Rio Doce,resultado da compreensão de seu papel como agente demelhorias sociais” Em seu código de conduta a Vale dizque mantém, no relacionamento com os fornecedores, umpadrão baseado na transparência, na justiça e na ética.Criou a área de gestão de fornecedores, com a missão deadministrar um cadastro de empresas que prestam serviçosà Vale. A empresa divulga que está comprometida com ocrescimento sócio-econômico das regiões em que atua:protege mais de um milhão de hectares em florestastropicais e investe mais de 12 milhões de dólares/ano emprojetos de educação e inclusão social. Seu projeto Tremda Cidadania, no estado do Maranhão, atende mais de 370mil pessoas.

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NucorA Nucor Corporation é amaior fabricante de aço dosEstados Unidos, com umfaturamento anual de 6,2bilhões de dólares. É tambéma maior empresa dereciclagem do país, com umvolume de 14 milhões detoneladas/ano. Com sede emCharlotte, no estado daCarolina do Norte, tem 9.900empregados e fornece para amaioria das indústriasautomotivas americanas. Em2003 a Nucor vendeu mais de325 mil toneladas de aço paraesse mercado. A empresapretende dobrar esse total em2004. As vendas líquidas dacorporação cresceram 46%entre 1998 e 2003.Faz parte da estratégia decrescimento global dacorporação negociarparcerias com empresas emoutros países. Atualmente háduas formalizadas, uma noBrasil e outra na Austrália. NoBrasil, Nucor e CompanhiaVale do Rio Doce estãoconstruindo uma unidadeindustrial para produzir ferrogusa com madeira dereflorestamento.No site de internet, a Nucordiz que as relações com seustrabalhadores estão baseadasem quatro princípios: aempresa deve ser gerenciadade forma que os empregadostenham a oportunidade deganhar de acordo com aprodutividade; ostrabalhadores devem sentir-seconfiantes de que, se atuaremde maneira adequada, terãoseus empregos mantidos; ostrabalhadores têm o direitode ser tratados de maneirajusta e devem acreditar queassim o serão; os empregadosdevem ter a oportunidade dese queixar quandoacreditarem que estão sendotratados de maneira injusta.

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dades que o direito a sindicalização é um tema desco-nhecido pelos carvoeiros. A reportagem não detectouqualquer atividade sindical junto a essa categoria. AConvenção 98 da OIT, ratificada pelo Brasil em 1952,protege os trabalhadores dos atos que atentem contraa liberdade sindical e preconiza o fomento da negocia-ção coletiva de trabalho. Uma possibilidade é de queo acordo coletivo do sindicato das indústrias metalúr-gicas incluísse cláusulas extensivas aos trabalhadoresdas carvoarias. É um assunto que poderia ser tratadoem um eventual plano de ação entre siderúrgicas e sin-dicatos na fiscalização das carvoarias.

O trabalho escravo na cadeia do aço mostra oquanto o livre mercado desconsidera os custos sociaisda produção industrial. Na ponta inicial estão traba-lhadores que não têm água potável, banheiro, assis-tência médica nem liberdade. O valor criado por essespeões é apropriado por escravocratas modernos queexploram sua dignidade. Grandes corporações fechamos olhos para esse crime - com riscos para sua ima-gem e para o próprio negócio - e lucram produzin-do materiais de última geração. Que, por sua vez,são adquiridos por consumidores globalizados, masquase nunca bem informados sobre a procedênciados produtos.

Esse círculo infernal não é uma fatalidade, é umacircunstância histórica que pode ser rompida. Preven-ção, repressão, reabilitação, combate à impunidade,investimentos sociais, comércio internacional com re-gras justas, pressão social e atitudes responsáveis dasempresas são passos fundamentais para mudar.

Respostas das empresas

Nucor

O Vice Presidente Executivo da Nu-cor Corporation, John Ferriola, respondeupor e-mail. A íntegra da mensagem é a se-guinte:

“Nós recebemos a sua carta e agra-decemos a preocupação queexpressaramem relação às alegadas práticas de traba-lhoimpróprias no Brasil.A Nucor possui sóli-da reputação de ser uma empresa que valo-riza seus funcionários acima de tudo. Comoos senhores devem saber, os funcionáriosda Nucor se encontram entre os mais bemremunerados da indústria do aço. Nós en-tendemos que funcionários contentes e pro-dutivos são a chave para o sucesso de nos-sa empresa. Temos muito orgulho das pes-soas que trabalham conosco e achamosque, através do tratamento justo e igualitárioque lhes damos, teremos um grande retor-no.

A Nucor é uma produtora de, entreoutras coisas, laminados planos de aço eaço estrutural. Uma das matérias-primasque usamos na produção destes itens é oferro gusa. Nós empregamos uma quantida-de significativa deste produto e o compra-mos de todas as partes do mundo. A Nucornão compra ferro gusa diretamente das em-presas mencionadas em sua carta. Nóscompramos todo o nosso material atravésde terceiros. Não estamos cientes das acu-sações mencionadas pelos senhores e deforma alguma permitimos ou apoiamos ouso de trabalho escravo. Isto fica evidentepela maneira como tratamos nossos funcio-nários. O preço que pagamos pelo nossoferro gusa é razoavelmente consistente ecompetitivo entre todas as nossas fontes,localizadas em numerosos países do mun-do inteiro. Nós não temos conhecimentodas práticas de trabalho de nenhum dosnossos fornecedores de matéria-prima, masacreditamos firmemente que todas as em-presas deveriam utilizar práticas de trabalhojustas e igualitárias. Agradecemos sua preo-cupação e esperamos ter esclarecido algu-mas das dúvidas que os senhores possuíamem relação à Nucor Corporation.”

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GerdauGerdauGerdauGerdauGerdauO Grupo Guerdau preferiu não indicar ninguém

para conceder entrevista e enviou um texto porintermédio da assessoria de comunicação. A íntegra danota é a seguinte:

“O Grupo Gerdau assumiu a administração daMargusa em janeiro deste ano, um negócio que jápossuía contratos de longo prazo estabelecidos para ofornecimento terceirizado de carvão vegetal, insumopara a produção de ferro-gusa. Ressalta ainda que aacusação de violação dos direitos trabalhistas foi feitapara uma empresa prestadora de serviços, o que nãoquer dizer que o Grupo Gerdau não se sinta responsávelpelo problema, apesar das relações de trabalho teremsido estabelecidas antes da sua atuação na Margusa.

Para o Grupo Gerdau, o caminho mais fácil para

resolver a situação seria a interrupção dos contratos.Entretanto, a decisão resultaria na paralisaçãotemporária da usina e na demissão dos funcionários daMargusa e dos prestadores de serviços que trabalhamna região, ampliando a situação de precariedadesocial.

Diante dessa realidade, o Grupo Gerdau estámudando as práticas de prestação de serviços econscientizando as empresas fornecedoras sobre aimportância do respeito aos direitos trabalhistas e àdignidade humana. É um caminho longo e trabalhoso,cujos resultados não são instantâneos, mas o GrupoGerdau acredita que somente desta forma serápossível transformar a realidade local. Este projetodeverá ser concluído no máximo em 18 meses”.

Queiroz GalvãoQueiroz GalvãoQueiroz GalvãoQueiroz GalvãoQueiroz GalvãoO diretor-presidente das siderúrgicas Simasa e

Pindaré, André de Oliveira Câncio, negou a existênciade trabalhadores escravos nas carvoarias. Segundo ele,o que existem são irregularidades trabalhistas. Câncioprometeu resolver o problema: “Até o final do ano nãoestaremos mais envolvidos com isso. Estamos providen-ciando a regularização de todas as carvoarias que pres-tam serviços para a empresa”.

Câncio informou que em seis anos as siderúrgi-cas terão alcançado a auto-suficiência na produção demadeira, através de reservas florestais próprias, o queevitará o relacionamento com carvoarias ilegais ou quedesmatam sem autorização dos órgãos ambientais. Eleapresentou o balanço social das siderúrgicas Simasa ePindaré, que lista 10 compromissos. Nenhum está rela-cionado ao trabalho escravo, apesar de preverem san-

ções aos parceiros que usarem mão-de-obra infantil. Dizo terceiro compromisso: “Alertar seus fornecedores deque uma denúncia comprovada de trabalho infantil podecausar rompimento da relação comercial”. Câncio disseque está pessoalmente empenhado na criação do Insti-tuto Carvão Cidadão, uma iniciativa de sua autoria. Noante-projeto do instituto, o primeiro objetivo é o seguin-te: “Orientar, auxiliar e fiscalizar todas as atividades relaci-onadas com a cadeia de produção do carvão, inclusive ofornecimento às indústrias siderúrgicas dos estados doMaranhão, Pará ou Tocantins; como seus beneficiáriosfinais; com vistas ao cumprimento da legislação trabalhistae demais normas de proteção à segurança e à saúde dotrabalhador, e à preservação do ambiente de trabalho”. Odiretor disse que o instituto estará em funcionamento até ofinal do ano e não sofrerá influência das siderúrgicas.

Respostas das empresas

VVVVVale do Rio Doceale do Rio Doceale do Rio Doceale do Rio Doceale do Rio DoceA empresa responde por intermédio do gerente de

relações com a imprensa, Fernando Thompson, e da pre-sidente da Fundação Vale do Rio Doce, Olinta Cardoso.

Thompson informou que o grupo emprega 60 milpessoas, se forem considerados os prestadores de ser-viço. “Todos têm carteira assinada. A Vale tem por nor-ma não apenas trabalhar com carteira, como tambémexige dos seus prestadores de serviço a carteira assi-nada”, diz ele. Sobre a relação comercial com as side-rúrgicas acusadas, Thompson esclarece: “A Vale é aúnica produtora de minério de ferro da região. Temoscontratos e temos que respeitar esses contratos. Se aVale não vender, pode ser penalizada pelos órgãos dedefesa da concorrência”.

Ele diz que não cabe a empresa, mas ao Ministé-rio do Trabalho, fiscalizar o relacionamento das siderúr-gicas com as carvoarias. “Hoje, não basta apenas terum produto de qualidade a preço baixo. Ele precisa ser

socialmente responsável”.A presidente da Fundação diz que a empresa está

fechando uma parceria com o Tribunal Superior do Traba-lho para se associar a ações para a erradicação do traba-lho escravo. “Temos que buscar ações que vão além dodiscurso. Reconhecemos o problema e vamos trabalharprincipalmente em campanhas de conscientização”.

A Vale atuará junto às crianças que fazem partede seus projetos sociais, com o intuito de que tornemmultiplicadoras de informações para as famílias. Tam-bém trabalhará nos cursos de alfabetização de adultosmantidos pelo grupo. “Não podemos ficar distantes des-se problema”, avalia. “As pessoas não vão para os lo-cais sabendo que serão escravizadas. Temos que cons-cientizá-las para que tenham noções sobre seus direi-tos. Elas são aliciadas e precisam ter a consciência deque podem exigir seus direitos”. Segundo Olinta Cardo-so, até 2007 a Vale vai ter alfabetizado 118 mil pessoas.

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Termo de Referênciasobre trabalho forçado

vai auxiliar estudos

Abolir o trabalho forçado ou obrigató-rio, em todas as suas formas é o título do Ter-mo de Referência desenvolvido por Márcia Mi-randa Soares, com assistência de Juan CarlosMucino, para o Instituto Observatório Social(IOS).

Desde sua criação, o Instituto tem desen-volvido sua metodologia de pesquisa, tendocomo referências básicas as convenções daOrganização Internacional do Trabalho (OIT)relativas aos direitos fundamentais dos traba-lhadores. Para ampliar o conhecimento sobrecada um dos temas estudados e criar um refe-rencial técnico para os trabalhos desenvolvi-dos, consultores desenvolveram termos de re-ferência específicos para liberdade sindical; ne-gociação coletiva; trabalho infantil; trabalhoforçado; discriminação contra gênero; discri-minação contra raça; saúde e segurança notrabalho.

Dentro dessa proposta, o termo de refe-rência sobre trabalho forçado tem por objeti-vo mostrar a complexidade envolvida na defi-nição e entendimento do que seja trabalho for-çado; descrever como o problema aparece nomundo e no Brasil; apresentar as referênciasinternacionais e nacionais que fundamentam aabolição do trabalho forçado em todas as suasformas e propor uma perspectiva para o IOStratar o tema do trabalho forçado em suas pes-quisas.

Da mesma forma que nos outros temas,a centralidade das pesquisas estará definidapelas Convenções da OIT e, neste caso, as denúmero 29 e 105, ambas ratificadas pelo Bra-sil. Na Convenção 29, artigo 2º, encontra-se adefinição do trabalho forçado como “Todo otrabalho ou serviço exigido de uma pessoa sobameaça de sanção e para o qual a pessoa nãotenha se oferecido espontaneamente”.

Este e os outros termos de referênciadesenvolvidos pelo IOS estão sendo revi-sados e deverão fazer parte de uma publi-cação conjunta que significará, certamen-te, um valioso documento metodológicopara a observação do comportamento deempresas e devendo evoluir para a obser-vação da cadeia produtiva.

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Observatório Social Em Revista – Na avaliaçãoda OIT, qual é a principal causa da existência doTrabalho Escravo no Brasil?

Patricia Audi – A impunidade. Nós não pode-mos justificar a existência do trabalho escravo pelamiséria, uma vez que existem, ao redor do mundo,trabalhadores escravos nos mais diversos países,inclusive nos desenvolvidos. O que diferencia um paísdo outro é o tratamento em relação a esse crimehorroroso, que viola os direitos humanos e por issodeve ser combatido por todos os que defendem aliberdade e o estado democrático de direito.

ER – Qual é o objetivo do projeto de cooperaçãotécnica de combate ao trabalho escravo que a OITdesenvolve no Brasil?

PA – O principal objetivo é ajudar as institui-ções nacionais a erradicar o trabalho escravo noBrasil. Existem algumas atividades previstas nesseprojeto, como a Campanha Nacional para Erradica-ção do Trabalho Escravo, o Plano Nacional para Er-radicação do Trabalho Escravo e o fornecimento deum banco de dados ao governo brasileiro que permi-

“Impunidade éA coordenadora nacional do

Projeto de Combate ao TrabalhoForçado da Organização

Internacional do Trabalho (OIT)Brasil, Patricia Audi, é uma

batalhadora obstinada pela causaanti-escravagista. Formada em

administração pela Universidadede Brasília, com especialização

em políticas públicas e gestãogovernamental, ela coordenou,entre 1997 e 2000, o programa

nacional de direitos humanos daSecretaria de Direitos Humanos.

Em 2002, assumiu a atualfunção na OIT, com o desafio de

ajudar a erradicar o trabalhoescravo no Brasil. Nesta

entrevista ela avalia o andamentodo projeto e afirma que os

esforços brasileiros para combatero problema têm tido

reconhecimento internacional.

Divulgação

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a principal causa”te diagnosticar o problema. Também estão previstasatividades de capacitação, o apoio ao grupo móvel eprogramas de reinserção socioeconômica dos tra-balhadores.

ER – Quais são os próximos passos quanto à rein-serção social e econômica dos trabalhadores?

PA – Pretendemos desenvolver projetos não sóde reinserção social como de geração de emprego erenda em municípios do Maranhão e do Piauí já iden-tificados como focos de aliciamento de mão-de-obraescrava. Com isso queremos diminuir a vulnerabili-dade que esses trabalhadores têm e a falta de op-ção, que faz com que se deixem levar por promes-sas enganosas de trabalho. Os municípios serãoescolhidos em parceria com os governos estaduaise governo federal.

ER – A Sra. tem afirmado que teme a banalizaçãodo tema na mídia. Por quê?

PA – Porque a situação que nós combatemosé extremamente grave. Quando falamos de trabalhoescravo – e é preciso que isso fique muito claro – oconceito que utilizamos é o da falta de liberdade. Alia-da a isso existe sempre a degradação do trabalho,mas o que combatemos é a falta de liberdade, quese dá por quatro fatores: o primeiro é a famosa servi-dão por dívida. Esses trabalhadores acreditam queprecisam pagar a dívida a eles atribuída e ficam nasfazendas para honrar esses débitos, o que não acon-tece nunca. Depois a presença de guardas armadosque impedem a fuga; ou então a retenção de seusdocumentos; ou ainda as condições de isolamentodas fazendas. Não é raro encontrar essas quatrocaracterísticas juntas. Tememos pela banalizaçãoporque precisamos indignar a sociedade brasileira,ganhar aliados e fazê-los entender que esta é umasituação extrema e urgente.

ER – A ausência do Estado em áreas remotas dopaís e a participação de polícias estaduais comoaliadas de escravocratas são fatores que facilitama existência do trabalho escravo. Que medidas aOIT propõe para preencher esse vazio institucio-nal?

PA – As questões de repressão, ao longo dosdois últimos anos, evoluíram bastante. Temos procu-rado ganhar a simpatia e o interesse dos governos

estaduais para o combate à escravidão – tanto que jáforam lançadas campanhas no Pará, no Maranhão eno Mato Grosso. Estamos solicitando principalmenteao governo federal, ao poder Judiciário e ao Ministé-rio Público que criem varas do trabalho, da JustiçaFederal, representações do Ministério Público e dele-gacias da Polícia Federal, priorizando principalmenteas regiões em que existe a incidência de trabalhoescravo. Isso tem sido inclusive um critério para acolocação das 279 Varas do Trabalho recém-criadaspelo TST [Tribunal Superior do Trabalho].

ER – As varas itinerantes do Tribunal Superior doTrabalho têm dado contribuição importante à cau-sa?

PA – Elas são muitíssimo importantes. Devidoao fato de esses trabalhadores muitas vezes nãopertencerem ao estado em que são encontrados ede perderem contato com seus municípios de origem,qualquer processo judicial que precise de seu teste-munho torna-se extremamente difícil, porque essaspessoas se perdem buscando novos empregos. Porisso é tão importante para o acesso à Justiça e àgarantia de direitos que os juízes estejam presentesno momento da fiscalização.

ER – Quais são os reflexos internacionais desseprojeto?

PA – Os esforços brasileiros têm sido reconhe-cidos internacionalmente pela OIT como um exem-plo a ser seguido por todos os países do mundo. Ver-gonha não é reconhecer que o problema existe e pro-curar combatê-lo. Vergonha é não admitir a existên-cia do problema. O Brasil foi um dos primeiros paí-ses que reconheceu isso perante a OIT e agora naONU em 2004. Vem atuando na sua repressão e bus-cando sua erradicação. Isso deve ser um motivo deorgulho e de referência para os demais países.

ER – Como as corporações podem colaborar coma causa anti-escravagista?

PA – É importante que os grandes grupos eco-nômicos tenham interesse em garantir que seus for-necedores não se utilizem de mão-de-obra escravaou infantil – em concorrência desleal aos demais pro-dutores, inclusive. Qualquer empresa, seja ela multi-nacional ou não, tem responsabilidade social muitogrande.

ENTR

EVIST

A

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Perfil de umafamília

escravocrata

Os Mutran, ricos proprietários deterras no Sul do Pará, sãoreincidentes na exploração detrabalho escravo, acusados defraudes e assassinatos de posseiros

Texto e fotos: Leonardo Sakamoto

José, encontradoaos 16 anos nafazenda Cabaceiras

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José* deixou sua casinha em uma favela de Tere-sina, Piauí, e se aventurou no Sul do Pará para tentarimpedir a fome da esposa e do filho. Trabalhou em umaserraria em São João do Araguaia, onde perdeu um dedoda mão quando a lâmina giratória desceu sem aviso. "Mederam duas caixas de comprimido: uma para desinflamare outra para tirar a dor, e me mandaram embora", conta.

Depois, foi limpar pasto para o gado e levantarcercas na fazenda Cabaceiras, em Marabá (PA), de pro-priedade da empresa Jorge Mutran Exportação e Impor-tação. O "gato" (contratador de mão-de-obra) lhe prome-teu um bom emprego, mas lá chegando, viu que a situa-ção era pior. A carne das refeições estava podre, cheiade vermes. O pagamento ficava na promessa. Só o tra-balho era uma certeza.

Se não fosse o Grupo Móvel, coordenado pelo Mi-nistério do Trabalho e Emprego (MTE) - que fiscalizou afazenda em 11 de fevereiro de 2004 - José iria comemo-rar com foice e enxada o seu 17º aniversário. A ação, emconjunto com a Polícia Federal e o Ministério Público doTrabalho, libertou 13 trabalhadores e obrigou o proprietá-rio a pagar R$ 21 mil de direitos trabalhistas. Segundo aresponsável pelo grupo móvel, Marinalva Cardoso Dan-tas, os peões estavam reduzidos à condição de escravos.Belmiro, um dos “gatos” da fazenda, foi indiciado pelocrime de aliciamento.

A Cabaceiras aparece na "lista suja" do trabalhoescravo no Brasil, que relaciona 52 pessoas e empresascondenadas pela prática. Elas estão tendo seus financia-mentos em agências e bancos públicos cancelados oususpensos. Com essa libertação, vai ser difícil retirar onome sujo da praça tão cedo, somando mais um capítuloaos problemas da família Mutran, uma das mais ricas doPará.

"Estão fazendo terrorismo conosco", afirma Evan-dro Mutran, responsável pela empresa proprietária, pro-curado por esta reportagem em seu escritório em Belém.Ele nega que houvesse trabalho escravo e vê na disputade terras um motivo para a fiscalização: "Fazem isso por-que querem a fazenda para a reforma agrária. Se dormir-mos lá, podemos ser mortos pelo MST [Movimento dosTrabalhadores Rurais Sem Terra], que já queimou doiscarros. O Incra [Instituto Nacional de Colonização e Re-forma Agrária] é que mandou invadir a fazenda".

Há cinco anos, famílias do MST ocupam parte daCabaceiras e batalham pela sua desapropriação. Segun-do o advogado do movimento, Valdimar Lopes Barros, ostrabalhadores produzem arroz, feijão e milho há anos naterra ocupada. Ele diz que houve armação para impedir

"Chegamos apassar oito dias

sem comer,tomando só caldo

de maxixe."* Os nomes reais foram substituídos por questões de

segurança.Leia a íntegra desta reportagem no web site daONG Repórter Brasil <www.reporterbrasil.org.br>,

onde foi publicada originalmente.

Mão de José ferida pelo trabalho no pastoe água que os trabalhadores bebiam

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que a área fosse desapropriada, poisa primeira avaliação do Incra apon-tou que a terra era improdutiva, en-quanto a segunda apontou o contrá-rio. Evandro Mutran afirma que a ter-ra é produtiva.

Quanto custaum homem

Raimundo* não teve muita sor-te no sertão maranhense e tambémacabou no Sul do Pará. Em Marabá,ele e seu filho Carlos* ficaram em um"hotel peoneiro". Esses estabeleci-mentos são conhecidos por deixar queos trabalhadores pendurem as contasde hospedagem e alimentação. Quan-do o “gato” aparece, o dono do hotellhe vende a dívida. E com ela vai otrabalhador. A pessoa fica devedorado “gato” e tem que suar para pagara conta, coisa que dificilmente acon-tece.

Os dois custaram R$ 80. É issoo que foi pago ao "dormitório do Luís",que fica no km 06 da rodovia PA-150,pelo “gato” Belmiro, da Cabaceiras,por quatro dias de comida e o uso deum quartinho. Além deles, foram paraa fazenda, no dia 18 de novembro,mais cinco homens que estavam nohotel. Esses estabelecimentos agemde forma ilegal, mas permanecem emfuncionamento, sem que as autorida-des locais tomem providências.

Carlos e Raimundo foram parao Pará após pegar o trem em Santa

Inês (MA). A linha entre São Luís eCarajás é uma das últimas de passa-geiros que restaram no Brasil depoisdo desmantelamento da malha ferro-viária que se seguiu à privatização dosetor. Só se mantém em funciona-mento devido ao escoamento de mi-nérios. Como tem servido de rota defugitivos do desemprego que se tor-nam cativos, a linha é apelidada de"Expresso da Escravidão".

Água de péssima qualidade,barracos precários, falta de equipa-mentos de segurança, de comida e deremuneração. Carregavam mourõescom mais de 30 quilos nas costas elevantavam cercas por quilômetros afio. "Chegamos a passar oito dias semcomer, tomando só caldo de maxixe"lembra Carlos. Os cadernos do“gato” Belmiro registravam tudo, dadespesa no hotel à com ferramentas,que deveriam ser fornecidas gratui-tamente pelo empregador. O gerenteda Cabaceiras, Genêncio Chimoka,segundo os trabalhadores, os teriaorientado a dizer que eram posseirosou sem-terra, caso a fiscalização doMTE visitasse o local.

Mutran negaEvandro Mutran afirma que

não foi constatada nenhuma irregu-laridade trabalhista na sua fazenda."Encontraram pessoas que não gos-tavam da comida, apenas. Todos es-tavam com carteira assinada". Os tra-

"Havia oitovigilantes com

armas degrosso calibre.

Elas foramapreendidas,inclusive a dogerente. Os

trabalhadoresdisseram que

as armas eramusadas para

intimidá-los."

Fiscais tomam depoimentos de trabalhadores na fazenda Cabaceiras

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balhadores tinham carteira com regis-tro, mas o documento em poder dogerente tinha data de assinatura er-rada, o salário não era pago e os di-reitos não eram recolhidos. Mesmoque não estivesse em situação de es-cravidão, o jovem de 16 anos não po-deria exercer aquele tipo de trabalho,insalubre para menores de 18 anos.

"Não temos nada a ver comessa gente que trabalha aqui”, disseo gerente. “O senhor Evandro alugouesse pasto para botar as vacas". Nes-se momento, chegaram os trabalha-dores vindos do barracão. E confir-maram que conheciam Chimoka: "Éo nosso gerente, né?" O “gato” Bel-miro depôs no dia seguinte à PolíciaFederal afirmando que o dono da áreaseria Evandro Mutran, a terra teriasido grilada da Companhia Vale doRio Doce e até o filho do proprietáriojá teria aparecido na área, desgosta-do de uma cerca erguida e ordenadoque os trabalhadores refizessem oserviço. A situação deve, agora, seresolver na Justiça.

"Jamais eu faria trabalho es-cravo na minha vida; se eu fosse fa-zer isso, compraria uma fazenda nomeio do mato", reclama Mutran. ACabaceiras é cortada pela rodoviaPA-150 e fica a 25 km do centro deMarabá. O pagamento saiu no diaseguinte. Foram lavrados 10 autos deinfração e Marinalva Dantas confir-mou em seu relatório que foi encon-trado trabalho escravo na fazenda.

A Secretaria de Inspeção doTrabalho (SIT) do Ministério do Tra-balho apresentou em fevereiro na reu-nião do Conatrae (Comissão Nacio-nal para Erradicação do TrabalhoEscravo) um plano para aumentar onúmero de auditores dos atuais 2.800para 5.000 até 2005. A proposta, queserá encaminhada à Presidência daRepública, visa aumentar o númerode equipes e de pessoal destinados aoGrupo Móvel de fiscalização. Deacordo com dados da própria SIT, onúmero de fiscais era de 4.000 em1995.

Negócios de famíliaA região que hoje abriga um

rosário de cidades de Marabá até oextremo Sul do Pará já foi mais vio-lenta. Na década de 70, milhares depessoas correram para lá para der-rubar a mata, abrir sítios e criar fa-zendas. Os trabalhadores com enxa-das, foices e unhas. Grandes empre-sas como a Volkswagen, o Bradescoe o Banco Real, com gordos subsídi-os da ditadura militar.

O Estado estava ausente e alei vigente era a de quem tinha maisforça. Dezenas de posseiros e traba-lhadores rurais foram assassinados nadisputa por terra. Frei Henri des Ro-ziers, coordenador da Comissão Pas-toral da Terra (CPT) de Xinguara, afir-ma que vários pistoleiros foram con-denados, mas não há nenhum preso."Todos fugiram das penitenciárias de

Marabá, de Belém. Condenados a 50anos, 25 anos..."

Membros da família Mutranparticiparam da disputa dessas terras.De acordo com ativistas de direitoshumanos, eles foram responsáveis pormassacres de posseiros e desapare-cimento de trabalhadores. Segundodados da CPT em Marabá, quasemetade dos registros de conflito deterra na região entre 1976 e 1984envolve a família.

Com o tempo, a fronteira agrí-cola tomou rumo oeste - hoje a "terrade ninguém" se chama Iriri-Terra doMeio, uma das zonas menos explora-das da Amazônia. E a antiga frontei-ra agrícola, hoje quase nua de flores-ta, ganhou uma estrada, a PA-150. Osvilarejos de madeira entre Marabá eConceição do Araguaia se transfor-maram em cidades de tijolos e o Es-tado, perdendo o medo, finalmenteentrou. Mas ainda falta muito para serrespeitado.

Os Mutran assumiram postosimportantes da política local ou se tor-naram empresários de renome. Na-gib Mutran, o patriarca da família, foideputado estadual. Ele tem dois ir-mãos, Jorge e Benedito. O filho deNagib, Osvaldo dos Reis, o Vavá, foiprefeito nomeado de Marabá e depu-tado estadual. Dos filhos de Vavá, Na-gib Neto foi prefeito de Marabá eOsvaldo Júnior, vereador - casadocom Ezilda Pastana, juíza em Mara-bá. Vavá tem dois irmãos, Guido - com

Caderno do gato Belmiro em que está o valor pago pelos peões no hotel

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um filho vereador (Guido Filho) - e Aziz.Jorge Mutran teve três herdeiros, Délio, Celso e

Evandro - responsável pela empresa Jorge Mutran Ex-portação e Importação Ltda., em sociedade com os ir-mãos e proprietária da fazenda Cabaceiras. Por fim, oúltimo irmão de Nagib, Benedito, é pai de Benedito Filho.Isso, é claro, não resume toda a família.

ReincidentesTrabalhadores já foram encontrados em situação

de escravidão outras vezes em terras de Evandro Mu-tran, segundo o MTE. Em dezembro de 2001, 54 traba-lhadores foram libertados na fazenda Peruano, em Eldo-rado dos Carajás (PA). Em agosto de 2002, 22 pessoasganharam a liberdade na Cabaceiras. No mesmo mês, 25foram libertadas da fazenda Mutamba, de Aziz Mutran,em Marabá. Em julho de 2003, 36 pessoas foram liberta-das na fazenda Baguá, também propriedade de Evandro,em Eldorado dos Carajás.

Em abril de 2001, uma ação na Cabaceiras nãochegou a ser finalizada, pois o gerente, Genêncio Chi-moka, retirou mais de 30 trabalhadores na surdina paraevitar o pagamento dos direitos. "Havia oito vigilantes comarmas de grosso calibre. Elas foram apreendidas, inclusi-ve a do gerente. Os trabalhadores disseram que as armaseram usadas para intimidá-los", relata Marinalva.

Evandro Mutran é o maior criador de gado neloreno Norte do país, pioneiro na utilização de tecnologia defecundação in vitro na região. É também chamado de o"Rei da Castanha" por liderar sua produção e venda.Benedito Filho, o Bené Mutran, possui mais de 45 milcabeça de gado, já foi escolhido duas vezes o melhor cri-ador e expositor da ExpoZebu, tradicional feira do setorem Uberaba (MG). É presidente da Associação dos Ex-portadores de Castanha do Brasil.

Denúnciainternacional

Em setembro de 1989, aos 17 anos, José PereiraFerreira foi atingido por uma bala no rosto por funcioná-rios da fazenda Espírito Santo quando tentava fugir dotrabalho escravo. A propriedade era de Benedito MutranFilho, na cidade de Sapucaia, Sul do Pará. O caso ganhounotoriedade em novembro de 2003, quando foi aprovadapelo Congresso uma indenização no valor de R$ 52 mil. Adenúncia foi levada à Organização dos Estados America-nos (OEA), que condenou o Brasil.

O governo federal assumiu a responsabilidade in-ternacional pelo caso e os seus custos. Na petição relati-va à solução amistosa do caso, o Estado brasileiro “assu-me o compromisso de continuar com os esforços para ocumprimento dos mandados judiciais de prisão contra os

acusados pelos crimes cometidos contra José Pereira".O caso ainda está aberto, aguardando julgamento de acu-sados. Benedito Mutran Filho não aparece entre os réus.Ele foi arrolado como testemunha pela acusação. Afir-mou que raramente ia à fazenda Espírito Santo e que de-mitiu os funcionários envolvidos assim que soube do acon-tecido.

O ramo da família Mutran composto por Vavá eNagib Neto é o que mais gerou escândalos, uma vez queambos foram cassados de seus mandatos públicos. Vavámatou um fiscal da Receita Federal, após o funcionárionão concordar em deixar o fazendeiro passar gado semregistro. Por isso foi alvo de uma Comissão Parlamentarde Inquérito, cassado do cargo de deputado estadual econdenado a oito anos de prisão. O caso ganhou reper-cussão nacional e apareceram denúncias de cemitériosclandestinos mantidos por ele para os desafetos.

Ele não cumpriu a pena integralmente. Em 2002,matou uma criança que brincava em frente à sua casaem Marabá com um tiro na cabeça. Hoje, aguarda julga-mento em liberdade. Seu filho, Nagib Neto, utilizava cri-anças pequenas para varrer as ruas de Marabá. Quandoo caso repercutiu mal, ele demitiu as crianças e contratoumaiores de 16 anos. Foi afastado da prefeitura por cor-rupção.

O pistoleiro Sebastião da Terezona - que possuíaum escritório em Marabá para agenciar pessoas, inclusi-ve policiais, para trabalharem como assassinos pagos,preso e condenado por cometer 50 assassinatos, confes-sou que trabalhou para Vavá Mutran e seu irmão Aziz.

SuperfaturamentoHoje, a maior briga talvez seja contra os trabalha-

dores sem-terra que ocupam suas fazendas. De acordocom Raimundo Nonato, da Federação dos Trabalhadoresda Agricultura no Pará (Fetagri), além da Cabaceiras, aMutamba e a Peruano também estão na pauta de reivin-dicação dos movimentos sociais para desapropriação ereforma agrária. A Peruano foi ocupada no dia 17 de abrildeste ano pelo MST durante o aniversário do massacrede Eldorado dos Carajás. José Batista Afonso, da Comis-são Pastoral da Terra de Marabá, acrescenta as fazen-das Balão e Lajedo à lista.

Jader Barbalho, hoje deputado federal pelo PMDB-PA, foi acusado de favorecer proprietários de terra doSul do Pará na compra de mais de 70 imóveis do Polígonodos Castanhais quando era ministro da Reforma Agrária(setembro de 1987 a julho de 1988). A família Mutranteria sido uma das beneficiadas com a venda superfatu-rada de algumas de suas fazendas. As denúncias afir-mam que o governo não fez avaliação de preço das ter-ras ou mesmo vistoria para checar se elas seriam ade-quadas para o estabelecimento de assentamentos.

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PARA DENUNCIAR

Grupo de Fiscalização Móvel doMinistério do Trabalho / Polícia Federal

·(61) 317-6720,·(61) 317-6722 e·(61) 317-6435

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de:·Tucumã – PA (91) 433-1202·Xinguara – (91) 426-1307·Colinas – TO (63) 476-2577·Guaraí – TO (63) 464-1675·Balsas – MA (98) 541-2338·Vila Rica – MT (65) 554-1268·Uruçuí – PI (86) 544-1580

Comissão Pastoral da Terra de:·Tucumã – PA (91) 433-1440·Xinguara – PA (91) 426-1790·Marabá – PA (91) 321-1461·Araguai – TO (63) 412-3200·Balsas – MA (98) 541-3021·Porto Alegre do Norte – MT (65) 569-1148

Centro de Defesa da Vidae dos Direitos Humanos de:

·Açailândia – MA (98) 538-2383

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NApós uma campanha abolicionista que se alas-

trou pelo país, a princesa Isabel assinou, no dia 13 demaio de 1888, a lei que libertou os cerca de 600 milescravos remanescentes. Passado mais de um sé-culo, estima-se que ainda existam 25 mil trabalhado-res sujeitos ao trabalho escravo ou em condições de-gradantes no Brasil. A maioria deles está no meio ru-ral, mais especificamente nas regiões de fronteira agrí-cola. Alguns poucos fazendeiros, mascarados sob acondição de produtores, insistem em reduzir traba-lhadores à condição de escravos. E o fazem de formareincidente.

No Brasil a servidão por dívida é a principal, se-não quase exclusiva, forma de escravização de tra-balhadores. Embora possa ocorrer no meio urbano,sua freqüência é muito maior em áreas rurais, ondeencontra condições mais favoráveis para prosperar,tais como o isolamento e a dificuldade de acesso, a

Brasil avança contrao trabalho escravo

dispersão populacional, a pobreza, o baixo nível de or-ganização sindical dos trabalhadores, a falta de outrasoportunidades de trabalho e a desinformação. Todosesses elementos aumentam as chances ou mesmoasseguram a impunidade, estimulando essa forma deviolação da dignidade humana.

De 1995 até 2003, 10.789 pessoas foram liberta-das em ações do Grupo Móvel de Fiscalização do Mi-nistério do Trabalho e Emprego, mediante ações con-juntas da Secretaria de Inspeção do Trabalho e diver-sos outros órgãos. No total, foram 1.014 propriedadesfiscalizadas em 243 operações. Em 1995 foram regis-trados três casos de trabalho escravo, em 77 proprie-dades fiscalizadas, e libertados 84 trabalhadores. Em2003 esses números subiram para 135 casos em 197propriedades. Foram resgatados 4.995 trabalhadoresno ano passado.

Esses dados demonstram que o Estado aumen-tou a fiscalização com o intuito de reprimir o trabalhoescravo. No entanto, as multas impostas não são ca-pazes de intimidar a reincidência dessa prática. Apesarde tantos crimes registrados, poucos escravizadoresforam condenados.

A aprovação da PEC 438 representará um signifi-cativo avanço na punibilidade dessa prática hedionda.As áreas onde houver trabalho escravo serão apropria-das pelo Poder Público, bem como todas as benfeitori-as (carros, tratores, instalações etc), sem qualquer in-denização ao expropriado, e revertidas para ações dedesenvolvimento econômico e social desses trabalha-dores. Portanto, trata-se de um instrumento que atingediretamente os interesses econômicos de uma minoriaque desonra e macula uma das mais importantes ativi-dades do país. A sua aprovação constitui-se na maisforte ação de punição já adotada contra essa práticavergonhosa e desumana.

Mas não basta punir. É preciso lembrar que a abo-lição da escravidão não foi seguida de ações ou políti-

No dia 12 de maio o Brasil deuum grande passo para acabar de vezcom a prática do trabalho escravo no

país. A Câmara dos Deputados, porintermédio de uma comissão especial,

votou favoravelmente à Proposta deEmenda Constitucional (PEC) 438,

que determina a expropriação de terrasonde for constatada a exploração de

trabalho escravo. A sociedadebrasileira reafirma assim seus ideais

democráticos e resgata um dosmomentos mais importantes da suahistória: a abolição da escravatura.

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cas públicas capazes de garantir cidadania aos escra-vos. O Brasil ainda tem um enorme passivo com osquilombolas e essa dívida não pode continuar sendoacrescida com os trabalhadores resgatados da condi-ção de escravos nos dias atuais. O governo do presi-dente Luiz Inácio Lula da Silva tem essa clara consciên-cia e a determinação de garantir, efetivamente, a inclu-são social das comunidades remanescentes de quilom-bos e dos trabalhadores libertos da condição de escra-vos. Isso prevê desde ações básicas como o acesso adocumentos, a oferta de cursos de qualificação profis-sional e a participação em programas sociais como oFome Zero e o Bolsa Família.

Poderão ser incorporadas ao público da reformaagrária, quando vocacionadas para a atividade rural, aspessoas libertas desses cativeiros. O campo brasileiropossui um enorme espaço de geração de trabalho, ren-da, alimentos saudáveis e preservação ambiental, con-tribuindo para o crescimento sustentável da nação. Areforma agrária é uma ação estruturante e uma das prin-cipais estratégias de desenvolvimento para o país.

O novo Plano Nacional de Reforma Agrária(PNRA), lançado no final de 2003, vai assentar 530 milfamílias, além de garantir a regularização fundiária deoutras 500 mil, beneficiando mais de um milhão de fa-mílias. Isso vai proporcionar a geração de mais de doismilhões de novos postos de trabalho no meio rural até2006. Mas, além de realizar um grande número de as-sentamentos, é preciso assegurar que esses se tor-nem espaços de produção e vida digna. Nesse contex-to é que serão inseridos os trabalhadores libertos.

Não é exagero comparar a aprovação da PEC438 a uma segunda abolição no Brasil. À semelhançada primeira, que não seria possível sem a resistênciados quilombolas, sem a solidariedade dos homens li-vres, sem a luta dos ex-escravos, poetas, jornalistas eparlamentares, essa segunda abolição resulta da mo-bilização de trabalhadores humilhados e desumaniza-dos pela ganância e pela violência, pela mobilização dasorganizações religiosas, das entidades promotoras dosDireitos Humanos, da sociedade e do Estado brasileiro,bem como de organizações internacionais que não acei-tam a continuidade dessas práticas degradantes.

O Brasil precisa ser verdadeiramente um País detodos, com inclusão e justiça social. Esses são os ob-jetivos do governo do presidente Lula e de toda a socie-dade.

Miguel Rossetto,Ministro do Desenvolvimento Agrário

Ricardo Berzoini,Ministro do Trabalho e Emprego

Nilmário Miranda,Ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos

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“Direitosresponsabilidade

O coordenador nacional de combate ao trabalho escravo doMinistério Público do Trabalho, Luis Antonio Camargo de Melo,

defende a federalização do combate aos crimes contra osdireitos humanos. Ele argumenta que o Estado brasileiro

assumiu compromissos internacionais nesse sentido e que asinstituições locais têm dificuldade em cumprir seu papel –muitas vezes, as polícias estaduais são até cúmplices dos

escravocratas. Camargo de Melo também aborda a grande armados procuradores do trabalho: pedidos de indenização por

danos morais coletivos.

Observatório Social Em Revista – Qual é opapel do Ministério Público do Trabalho nocombate ao trabalho escravo no Brasil?

Luis Antonio Camargo de Melo – O MPTapura as denúncias que nos chegam. Atuamosem conjunto com os auditores fiscais do trabalhoe com a Polícia Federal. Essa investigaçãoacontece, via de regra, nos locais onde ocorre aprestação do serviço. Uma vez verificada averacidade da denúncia, o procurador já tem

condições de tomar medidas para solucionar oproblema. Ele participa da negociação com osempregadores para que os direitos trabalhistasdos empregados sejam quitados. Além disso,pode ingressar na Justiça do Trabalho com açõesem busca da garantia desses direitos. Entratambém com o pedido de indenização por danomoral coletivo, que tem sido a grande arma dosprocuradores do trabalho.

ER – O que é uma indenização por dano moralcoletivo?

CM – É a reparação de um dano causadoao trabalhador que sofre uma violência – umasituação extremamente grave, que é suamanutenção em condições subumanas. Durantemuito tempo, nós objetivamos ver somente os

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humanos são defederal”

direitos trabalhistas cotidianos: férias, décimoterceiro, fundo de garantia e coisas assim. Masisso aí é tão somente a obrigação do empregador.Então o pedido de indenização por dano moral foio plus. Nós temos tido uma resposta fantástica daJustiça do Trabalho.

ER – Na sua avaliação a legislação brasileira éadequada para coibir o trabalho escravo?

CM – A repressão precisa ser feita em trêsáreas: trabalhista, cível e criminal. Na áreatrabalhista temos uma resposta bem razoável dalegislação. A jurisprudência já definiu que écompetência da Justiça do Trabalhodiscutir e decidir as questões de indenizaçãopor dano moral. Já não posso dizero mesmo em relação à esfera cível eà esfera criminal.

ER – O que precisa mudar na esfera cível?CM – Nossa grande proposta é a PEC

(Proposta de Emenda Constitucional) de confiscoda terra, que está em andamento na Câmara dosDeputados. Sou amplamente favorável. Se forencontrado trabalho escravo, o proprietário ruralvai perder o direito sobre a terra sem nenhumaindenização. Vai doer no bolso e aí ele vai pagarcom isso. A terra não pode ser meio deexploração do trabalhador, senão ela descumpre oque a Constituição determina como função socialda propriedade.

ER – E na esfera criminal?CM – A atuação do Ministério Público e a da

Magistratura precisam melhorar. Há umadiscussão sobre competência – da justiça federal

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"Sou defensor dafederalização do combate

aos crimes contra osdireitos humanos, porque

são de responsabilidade doEstado brasileiro, que tem

compromissosinternacionais."

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ou da justiça comum dos estados – que está hojeno Supremo Tribunal Federal. Isso precisa serdefinido rapidamente, sob pena de impedir aresponsabilização criminal dos escravocratasmodernos. O artigo 149 do Código Penal, quedefine o crime de redução à condição análoga àde escravo, foi alterado em dezembro de 2003. Aredação hoje é mais abrangente, mas manteve apena [dois a oito anos], o que é um erro. A penadeveria ter sido aumentada, para evitar apossibilidade de transmutação em prestação deserviços ou doação de cestas básicas.

ER – Qual é a conseqüência disso?CM – Até hoje, obtivemos apenas uma

condenação na esfera criminal. [Antonio Barbosa

estaduais – está atuando a serviço defazendeiros escravocratas?

CM – Infelizmente, denúncias nesse sentidosão freqüentes. Não são poucos os casos em quetrabalhadores relatam que conseguiram fugir dapropriedade onde estavam sendo explorados e, aochegar na cidade mais próxima, procuraram adelegacia de Polícia Civil ou destacamento daPolícia Militar e foram levados de volta para afazenda por esses policiais. Há relatos inclusivede mulheres mantidas em cárcere privado eutilizadas como escravas sexuais. Algumasdenunciam situações em que policiais são osdonos do negócio. Infelizmente essa tem sidouma constante nas denúncias que o MPT recebeno Brasil inteiro.

ER – Como combater isso?CM – Eu sou defensor da proposta de

federalização do combate aos crimes contra osdireitos humanos. Esses crimes que atingem adignidade da pessoa humana são deresponsabilidade do Estado brasileiro, que assinaconvênios, acordos e convenções de âmbitointernacional. Então é ele que tem aresponsabilidade de coibir essas práticas, porquevai prestar conta desses acordos.

ER – Os procuradores do trabalho têmrecebido de ameaças de morte?

CM – Já houve situações de intimidação.Uma vez eu estava em uma fazenda e, na hora desair, a porteira estava com cadeado. Numaoperação comigo no Mato Grosso do Sul,afrouxaram os parafusos das rodas de duasviaturas. Numa delas o pneu soltou, mas omotorista conseguiu controlar o carro e parar.Podíamos ter tido um acidente de gravesproporções.

ER – Não é um trabalho fácil...CM – Há enfrentamento. Mas é bom que se

diga: produtor rural não faz isso. Quem faz écriminoso, e esses são uma parcela muitopequena. O que me espanta é que a maioria dosprodutores rurais não participe ativamente docombate a essas situações. A imprensa vemfazendo uma verdadeira apoteose doagronegócio. Os pecuaristas e os agricultores sãoos que empregam, produzem, têm garantido asdivisas. Por que esses produtores rurais que têmtanto conhecimento, tecnologia e poder não nosajudam a tirar as laranjas podres do cesto?

de Melo, proprietário da Fazenda Alvorada, nomunicípio de Água Azul do Norte/PA, foicondenado em 1999]. O escravocrata acabousendo condenado a doar mensalmente, duranteum semestre, cinco cestas básicas à ComissãoPastoral da Terra. Entregou e continuouexplorando trabalhador. O juiz não tevesensibilidade? É possível. Mas a lei permite isso.Toda condenação até quatro anos pode serconvertida em prestação de serviços àcomunidade. O que significa condenar umescravocrata moderno a entregar algumas cestasbásicas? Impunidade. Não há apenas a sensação,há a certeza da impunidade.

ER – O Ministério Público Federal temencontrado evidências de que o aparato derepressão do Estado – por exemplo, polícias

"Há muitos casos em quetrabalhadores fugiram

de fazendas ondeestavam sendo

explorados e foramlevados de volta por

policiais."

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Em 1845, logo após afundação da Anti-SlaveryInternational, era possívelcomprar açúcar no Reino Unidoem potes de vidro com ainscrição “mão de obra não-escrava” (not made by slaves).Isso possibilitou queconsumidores preocupadosdistinguissem o açúcar produzidonas colônias do Reino Unido noCaribe, onde o trabalho escravohavia sido banido, daqueleproduzido no Brasil ou em Cuba,onde a escravidão aindaprosperava. A mesmapreocupação sobre as condiçõesde trabalho sob as quais muitosprodutos são confeccionados nomundo todo permanece até osdias de hoje, apesar de aescravidão ter sido banida emtodos os países e também sob aDeclaração Universal dosDireitos Humanos.

Nos anos 80 e início dos90, quando a Anti-Slavery

Pressão internacionalgera resultados

International entrou em contatocom empresas para levantarquestões como escravidão etrabalho infantil ilegal nas redesde fornecedores das mesmas, aresposta era usualmente a deque as multinacionais estavamdispostas a aceitar

responsabilidade apenas pelaspessoas que empregavamdiretamente. As condições detrabalho dos fornecedores dasmultinacionais eramconsideradas responsabilidadeapenas dos própriosfornecedores e seus governos. A

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David Ould,diretor adjunto da

Anti-Slavery International

situação se modificouradicalmente devido às pressõesexercidas por ONGs e sindicatose ao apoio público que eles sãocapazes de demonstrar.

Durante os anos 80, aindústria de carpetesconfeccionados à mão do sul daÁsia teve um enormecrescimento com a demandaoriginada na Europa e nosEstados Unidos. Milhares deteares foram montados noestado indiano de Uttar Pradesh.Trabalho infantil barato paraoperar os teares foi importado doestado vizinho de Bihar e muitascrianças ficaram presas aacordos de trabalho em troca depequenos adiantamentos dadosaos seus pais. Importadores daEuropa e Estados Unidos sesurpreenderam ao seremduramente criticados porvenderem carpetesconfeccionados com trabalhoinfantil sob essas condições.

No entanto, com o passardo tempo, toda essa pressãogerou resultados. Importadores ecomerciantes de carpetesaceitam agora a responsabilidadeem relação às condições detrabalho e, apesar de o trabalhoinfantil ilegal ainda ser comumnessa indústria, houve umaredução real no número decrianças presas a acordos detrabalho. Recursos significativosforam investidos em reabilitaçãoe instalações educacionais paraessas crianças em risco.

No Brasil, os anos 60 e 70trouxeram relatórios sobre otrabalho escravo contemporâneoligado à expansão da fronteiraagrícola da região Sul através doMato Grosso e Pará. Grandesmultinacionais como aVolkswagen, Nixdorf e Liquigás,juntamente com grandesempresas brasileiras, tiraramproveito dos benefícios fiscaisoferecidos para o

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desenvolvimento da atividadeagrícola. Logo, relatóriosmostrariam como o trabalhoforçado estava sendo usado emalgumas propriedades.

Publicidade internacional ea condenação de tais práticas

de florestas para criação degado de corte, cultivos de chá ealgodão e colheita de laranja. Apressão dos EUA em meadosdos anos 90 quase conseguiuacabar com a exploração dotrabalho infantil na produção de

foram suficientes para persuadiras multinacionais a venderemos negócios. As fazendaspassaram a ter propriedadelocal, mas os trabalhos forçadoscontinuaram, apesar dosrelatórios regulares de ONGslocais como a CPT (ComissãoPastoral da Terra) einternacionais como a Anti-Slavery International sobre apermanência dos abusos.Durante a década de 90 e já noséculo 21, as formas deescravidão e trabalho forçadoforam relatadas em muitasáreas da indústria brasileira,incluindo indústrias deexportação como: cana-de-açúcar, carvão (para exploraçãode minério de ferro), derrubada

carvão e ajudou a provereducação para algumascrianças. Apesar disso, otrabalho infantil continua emmuitas áreas. Agora é esperarque o comprometimento doPresidente Lula com o fim dotrabalho escravo seja efetivo.

Em todo o mundo existeuma tendência real em direção àresponsabilidade socialcorporativa e a maioria dasmultinacionais possui códigosde conduta através dos quaisestas empresas secomprometem a abolir qualquerforma de escravidão, trabalhoinfantil ou forçado em suasredes de fornecedores. Osprimeiros indicativos são de queessas mudanças estão

trazendo melhorias significativasnos primeiros níveis da cadeiade fornecedores. Entretanto, amonitoração e aconscientização têm semostrado bem mais difíceis nosníveis mais baixos dessacadeia. É claro que na era daglobalização, dos fornecimentosjust-in-time e das mudançasrápidas nos padrões defornecimento para buscar osmelhores preços, apenas umacooperação estreita entremultinacionais, governos,sindicatos e ONGs parece sercapaz de acabar com o trabalhoescravo no mercado global.

Para mais informações esaber como ajudar, visitewww.antislavery.org.

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A Pastoral dos Migrantes, li-gada à Igreja Católica, calcula queexistem 120 mil trabalhadores es-cravos na cidade de São Paulo.Eles seriam, em sua maioria, imi-grantes bolivianos e paraguaios quechegam ao Brasil em busca demelhores condições de vida. Entre-tanto, para o Ministério Público doTrabalho, esse número é superes-timado porque usa uma definiçãomuito abrangente de escravidão.

Os trabalhadores imigrantesseriam aliciados por “gatos” a ser-viço de 18 mil pequenas malharias,quase todas clandestinas. “A Pas-toral considera escravo quem che-ga a trabalhar até 18 horas por dia,em situação insalubre, sem cartei-ra assinada e recebendo um salá-rio irrisório”, explica o padre RoquePatussi, responsável pela IgrejaNossa Senhora da Paz, no centrode São Paulo. “É uma condição devida análoga à escravidão”, com-para.

Para o coordenador nacionalde Combate ao Trabalho Escravodo Ministério Público do Trabalho,Luís Antônio Camargo de Melo, oproblema reside no conceito usa-do pela Igreja, bem mais amplo queo da OIT e o do Ministério do Tra-balho. Tal situação revela a existên-cia de um trabalho extremamentedegradante, mas não escravo.

Patussi admite que é muitodifícil processar os donos de ma-lharia por prática de trabalho escra-vo: “Quando os trabalhadores de-põem na Polícia Federal, dizem queestão nas malharias porque que-rem, satisfeitos com o salário. Fa-lam isso porque não têm alternati-vas, pois voltar para o país de ori-gem seria ainda pior”. Segundo opadre, os imigrantes ganham porprodução e por isso trabalham do

Imigrantes ilegaissão explorados

amanhecer até tarde da noite. Atu-almente, não tramita nenhum pro-cesso por prática de trabalho es-cravo na cidade de São Paulo.

CampanhaEm março a Pastoral dos

Migrantes lançou uma campanhapor uma nova Lei dos Estrangeiros.A entidade defende o reconheci-mento dos direitos sociais, civis epolíticos dos imigrantes – que sãocerca de 1% da população do Bra-sil –, em igualdade de tratamentocom os cidadãos nacionais. Sãoconstantes na história da imigraçãoos casos de seqüestro de docu-mentos, extorsões, propostas en-ganosas de trabalho, isolamento dafamília e outros delitos.

O atual Estatuto do Estran-geiro, em vigor desde 1980 e alte-

rado por uma lei de 1981, foi pro-mulgado durante a ditadura militar.Repressivo, tem como base o con-ceito de “Segurança Nacional”. Estádesatualizado em relação à Cons-tituição de 1988, ao Plano Nacionalde Direitos Humanos (1996), aosacordos do Mercosul e à Conven-ção Internacional da ONU sobre aProteção dos Direitos dos Traba-lhadores Migrantes e seus Familia-res (1990).

A Pastoral defende que anova lei favoreça a integração, emvez de considerar o estrangeirocomo ameaça. Entre as propos-tas está a de desburocratizar e des-centralizar a análise dos requeri-mentos de permanência, que hojesão morosos e ficam concentradosem Brasília. Saiba mais no web sitehttp://www.migracoes.com.br

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Observatório Social Em Revista – O que é oPrograma Infocus da OIT?

Roger Plant – Em novembro de 2001 a OITcriou um programa especial de ação para comba-ter o trabalho forçado, que tenho o privilégio de co-ordenar. Nossa meta é auxiliar os países membrose parceiros associados, incluindo os trabalhadorese organizações de empregadores, a erradicar to-das as formas de trabalho escravo.

ER – Por que a globalização contribui para oaumento da ocorrência escravidão?

RP – A globalização está promovendo o livremovimento de fatores de produção através de fron-teiras nacionais. Com melhores tecnologias de in-formação, as pessoas estão mais conscientes dasoportunidades de trabalho em outros países, masnão dos riscos de trabalhar em situação irregular.Por trás desses movimentos, identificamos os fa-tores de oferta e de demanda. Ninguém se mudade sua comunidade a menos que tenha esperançade uma vida melhor em outro lugar. As políticas de

“Globalizaçãocontribui para

escravidão”

O coordenador do Programa Internacionalde Combate ao Trabalho Escravo da OIT, RogerPlant, conta o que a instituição está fazendo no

âmbito internacional para atacar esse crime. Elecritica as políticas de Estado que promovem a

livre circulação de mercadorias mas restringema circulação de pessoas, o que estimula a

exploração de migrantes ilegais. Plant aponta aimportância de as organizações de

trabalhadores se aproximarem dos gruposvulneráveis e sugere a criação de um prêmio

anti-escravidão.

Estado colocam barreiras contra a livre circulaçãode trabalhadores migrantes. E os intermediários ti-ram vantagem dessa situação para explorar as pes-soas. Os indivíduos mais vulneráveis são trabalha-dores migrantes, porque têm seus documentos deidentidade retidos.

ER – A OIT tem encontrado evidências daconexão entre a cadeia produtiva demultinacionais e trabalho escravo?

RP – Não apontamos para a responsabilida-de direta de multinacionais. Estamos trabalhandocom elas sob o Global Compact da ONU, para quetomem consciência dos riscos de enfrentarem essasituação na cadeia produtiva. A maior parte do tra-balho forçado contemporâneo se encontra em áre-as rurais remotas, em economias informais ou de-gradadas. Mas também o estamos encontrando naeconomia formal, por exemplo, na produção de fru-tas. Verificamos que em diversos países há inter-mediários que contratam outros intermediários queexploram o trabalho de migrantes ilegais. É aí onde

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está o risco de utilizar trabalho forçado na cadeiaprodutiva: quando o empregador não tem controleou não se importa em ter controle sobre a cadeiaprodutiva.

ER – Como as convenções da OIT e padrõesinternacionais de trabalho poderiam sermelhor utilizados pela sociedade, incluindo ossindicatos, contra o trabalho forçado?

RP – É vital que as organizações dos traba-lhadores se aproximem dos grupos mais vulnerá-veis. No Brasil a maior parte do trabalho escravotem como vítimas os brasileiros. Em outros paísesa maior parte das vítimas é de imigrantes ilegais. Émuito importante que as organizações de trabalha-

dores dos países de destino colaborem com as dospaíses de origem. No caso do Brasil, em especialnos estados do Maranhão, Pará, Mato Grosso, Piauí,é fundamental criar formas de controle da cadeiade recrutamento, transporte e instalação.

ER – Que medidas adicionais o Sr. sugere queo governo brasileiro adote para erradicar otrabalho escravo?

RP – É importante ter uma legislação clara edetalhada, para permitir que as autoridades encar-regadas da repressão identifiquem os casos de ex-ploração do trabalho escravo e punam os respon-sáveis. É imperativo combater a impunidade, forne-cer recursos adequados para o grupo móvel e osagentes da lei. Também é essencial ter programasintegrados, que combinem prevenção e reabilitação.

ER – O Sr. acredita que o confisco de terrasdos criminosos pode contribuir para aerradicação do trabalho escravo?

RP – Cabe ao Congresso Nacional definir que

sanções vão ser adotadas. Vou me limitar a dizerque é importante morder onde dói. Se não houverpenalidades pesadas contra as pessoas que usamtrabalho escravo, não haverá progressos.

ER – Como a opinião pública pode contribuirde forma efetiva no combate ao trabalhoescravo?

RP – Isso requer o envolvimento de toda asociedade civil, instituições do Estado, mídia e ou-tras. É possível avançar. O Brasil pode se orgulharde admitir a existência do problema e combatê-lo.O comprometimento do presidente, o plano de açãodo governo, isso tudo precisa ser disseminado. Éimportante que haja eventos como o que reuniu duas

mil pessoas no Fórum Social Mundial em Porto Ale-gre. Uma ONG de Londres, Anti-Slavery Internatio-nal, todos os anos promove um Prêmio Anti-Escra-vidão. Talvez o Brasil pudesse ter um prêmio assim,por exemplo, para reconhecer o trabalho das pessoas– quer sejam trabalhadores, empregadores, ativistasde direitos humanos – que atuam contra o trabalhoescravo, muitas vezes arriscando as suas vidas.

ER – Quais são os próximos passos da OIT emrelação a este tema?

RP – Estamos atuando em vários campos.Preparamos agora um relatório global sobre traba-lho forçado, que será publicado em todas as línguasoficiais das Nações Unidas em maio de 2005. Visa-mos dois objetivos importantes: quantificar a inci-dência global e identificar o valor econômico do tra-balho forçado. Essa será uma ótima forma de des-pertar a atenção mundial para o tema. Obviamente,nesse estudo também queremos apontar boas prá-ticas, e espero que possamos identificar passosmuito positivos no Brasil.

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“É vital que asorganizações dos

trabalhadores se aproximemdos grupos mais

vulneráveis.”

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A estrada de ferro que liga Carajás, no Pará, a São Luís, noMaranhão é comparável aos navios negreiros que traziam escravosda África. Quem afirma é o secretário de Assalariados da Contag(Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura),Guilherme Pedro Neto, ele próprio uma ex-vítima da escravidão.Quando a seca aperta no Maranhão, os vagões que voltam vaziosde minério são preenchidos com trabalhadores que viajam embusca de trabalho no Pará.

Na década de 70 Guilherme também foi vítima da escravidãopor dívida. Um proprietário de hotel percebeu que ele eratrabalhador rural e lhe ofereceu hospedagem de graça. “Depois ogato pagou minha conta, fez uma proposta bonita, me encheu decachaça e me levou para a fazenda à noite, viajando 200quilômetros para eu não saber o caminho de volta”, conta. “Quandoeu quis saber quanto ia ganhar, falaram que eu só ia sair quandopagasse minha dívida pelo hotel, pela comida, pelo alojamento. Eisso com pistoleiros me vigiando”.

Ele diz ainda que chegou a ser vendido para uma segundafazenda porque não tinha consciência de que aquilo era um trabalhoescravo. “Eu achava que tinha sido tapeado por um malandro. Cempor cento das pessoas resgatadas acham que é normal. Só fuidescobrir que tinha sido escravo muitos anos depois, quandopercebi que tinham me tirado o direito de ir e vir”.

A estimativa da Contag é que haja no mínimo 40 mil pessoasescravizadas no Brasil – número bem superior ao de 25 milcalculado pelo governo. “Não adianta o Ministério do Trabalhofiscalizar apenas quando recebe denúncias”, afirma. “Há fazendeirosque dizem: ‘Se a fiscalização não vier, não pago nada’. Hoje, doscinco milhões de trabalhadores na área rural, só dois milhões têmcarteira assinada. Através da informalidade a pessoa vira escravo”.

A Contag propõe mais controle da saída de pessoas paraoutros estados sem que se saiba se as relações de trabalho seguema legislação trabalhista. No Piauí, a entidade iniciou uma experiênciade mapeamento de 1.500 trabalhadores para saber quem é ocontratante, para onde o trabalhador vai, quando volta e se poderácomunicar-se com a família. Para isso foi montada uma comissão defiscalização, com apoio das Delegacias Regionais do Trabalho,Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura, Ministério Público ePolícia Rodoviária. A intenção é levar a proposta para outrosestados do Nordeste.

(Com informações da Agência Brasil)

“Dos cinco milhõesde trabalhadores naárea rural, só dois

milhões têm carteiraassinada.”

Informalidade gera escravidãoContag quer mais fiscalização das migrações

de pessoas sem contrato de trabalho

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Em 1995, quando o Grupo Mó-vel de Fiscalização foi criado, Marinal-va Dantas abriu mão do conforto urba-no de Natal (RN), onde morava, paraembarcar numa trajetória imprevisívelpor regiões de difícil acesso no Nortee Centro-Oeste. De avião, barco ou ca-mioneta, acompanhada de policiais fe-derais, procuradores e outros fiscais,ela comandou resgates a pessoas ca-tivas em fazendas. Nessas jornadas ex-tenuantes, em que às vezes a únicavisão era a do pára-brisa do carro emol-durado pela lama, ela conheceu a durarealidade da escravidão moderna.

“Quero prestar contas à socie-dade do que fiz e testemunhei”, contaMarinalva, que agora atua no combateao trabalho infantil. O livro – ainda iné-dito – narra vários episódios de locali-zação de escravos, as reações das ví-timas e algozes, os longos embatescom advogados, o pagamento e a li-bertação. Também testemunha as mo-vimentações políticas posteriores, osprocessos judiciais, a reação dos fa-zendeiros, o apoio da imprensa. E re-vela uma faceta polêmica da discrimi-nação racial.

Memórias de uma fiscal do trabalho

Quando os historiadores dofuturo escreverem sobre escravidão

na virada do século 20 para o 21no Brasil, um capítulo especialdeverá ser dedicado às pessoasabnegadas que, colocando sua

segurança em risco, foram acampo investigar denúncias. É o

caso da auditora fiscal do trabalhoMarinalva Dantas, que entre 1995

e 2004 coordenou operações doGrupo Móvel de Fiscalização do

Ministério do Trabalho. Elaprepara um livro-testemunho sobre

essas missões que devolveram aliberdade a milhares de

trabalhadores na Amazônia.

Raça e gênero“O trabalho escravo contempo-

râneo tem uma fortíssima influência daescravidão negra, ao contrário do quetodos os escritores vêm mostrando”,afirma. “Não há mais correntes de fer-ro, é verdade, mas há as correntes psi-cológicas, invisíveis de uma nação apri-sionada pelo seu passado, porque ahistória da abolição foi mal resolvida”.Ela faz um retrospecto histórico mos-trando características diferenciadasentre a escravidão praticada no MatoGrosso e a no Pará.

Alguns capítulos abordam a si-tuação das mulheres e seu papel narede da escravidão contemporânea,tanto como vítimas como mantenedo-ras. A autora também conta sobre ainfância escravizada, o cotidiano dosescravos, valores e linguagem. Ela or-ganizou um pequeno dicionário de “pe-onês”, com os termos falados pelospeões. Ficamos sabendo, por exem-plo, que “apanhar de pano” é levar sur-ra com o lado plano do facão, e “gua-xeba” é pistoleiro.

TorturaMarinalva coletou depoimentos

fortes sobre a tortura física e psicoló-gica praticada contra os cativos. “Aspessoas ficaram horrorizadas com ascenas de tortura no Iraque, mas aquiacontece coisa muito parecida”, con-ta. “Certa vez um trabalhador foi obri-gado a ficar nu e sentar no colo de umcolega, na frente de todo mundo. Eleficou tão humilhado que não conseguiamais olhar os companheiros”. A lei dasarmas impera. Em um lugar onde aequipe de Grupo Móvel esteve no MatoGrosso, um proprietário de terras tinha80 pistoleiros à disposição.

A rede de proteção à infância nãofunciona nessas regiões, denuncia aauditora fiscal do trabalho. Segundo ela,os gatos aliciam adolescentes infrato-res até nos conselhos tutelares. “Nes-sa nova modalidade de trabalho escra-vo o ventre não é livre. O trabalhadorescravo mais precoce vai para a fazen-da no útero de sua mãe, come agrotó-xico, apanha quando a mãe é espan-cada, sofre o calor dos fornos nas car-voarias”. Em suas lembranças há his-tórias impressionantes, como a de umadolescente de 15 anos que foi a umafazenda ver como o pai trabalhava e fi-cou escravizado por um ano.

“Muitosconsomem

carne podreem fazendas

de gado.”Marinalva Dantas

O livro será publicado no segundo semestre de 2004. Contato com a autora pelo e-mail [email protected]

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EEmpossado em abril napresidência do Tribunal Superior doTrabalho, o ministro Vantuil Abdala

tem entre seus desafios darcontinuidade ao empenho do

antecessor, Francisco Fausto, nocombate ao trabalho escravo. A

instalação de varas itinerantes daJustiça do Trabalho é uma das medidas

prioritárias. Uma das primeiras a serimplantada será a de Redenção (PA),

onde há grande incidência daexploração do trabalho escravo. Uma

vara-ônibus vai funcionar no Pantanal.

O desafio de levar

ER – Por que surgiram as varas itinerantes daJustiça do Trabalho?

VA – Já havia algumas experiências de varasitinerantes nascidas quase que espontaneamentenas regiões onde a comunicação era feita apenasatravés de rio. Elas eram instaladas em barcos. Issoainda é uma necessidade que devemos estimular.Há um grande número de pessoas à margem daordem jurídica que moram nas regiões do Pantanale Amazônia. É lógico que elas nunca vão a umacidade a 500 ou 800 km para reclamar seus direi-

tos trabalhistas. Nem que tivessem conhecimento deum órgão onde podem fazer isso, não teriam condi-ções de ir.

ER – Que locais já estão definidos para essainstalação?

VA – Vamos inaugurar em breve a Vara de Re-denção, no Pará. Dentre as várias criadas ultimamen-te, vamos dar preferência àquelas que serão instala-das em região onde há maior número de casos detrabalho escravo. Está prevista para breve a inaugu-ração de uma vara itinerante em um ônibus, para aten-der a área do Pantanal do Mato Grosso. Pretende-mos dar a maior repercussão possível. Só o fato daexistência já começa a surtir efeito no sentido de de-sestimular aqueles que estão explorando trabalhonessa condição.

ER – Como vai funcionar essa vara-ônibus?VA – O ônibus comporta duas salas onde os

juízes podem se instalar. Nós vamos oferecer umaespécie de parceria à Justiça Federal, para levar aessas populações um juizado de pequenas causas.Digamos que haja flagrante de trabalho análogo àcondição de escravo. Nós poderíamos ter ali duassoluções: sob o ângulo trabalhista, com a aplicaçãode condenação por dano moral. E também uma so-lução na área penal, ou pelo menos a abertura deprocesso. Podemos levar alguém do Ministério Pú-blico para oferecer ali na hora a denúncia.

“O processopenal no Brasil

é muitodemorado, cheio

de delongas erecursos.”

ASC

S/TS

T

49

ENTR

EVIST

AJustiça aos confinsER – Qual é a sua opinião sobre a estratégia doMinistério Público do Trabalho de entrar comações de indenização por dano moral coletivo?

VA – Creio que nós devemos usar todo o apa-rato jurídico e processual que possamos ter. Comotoda novidade, isso cria certa resistência em algunsjuízes. Mas eu não desencorajaria o MPT a continuara tentar. Tudo que é novo leva um tempo para se afir-mar. Vejo isso como uma criação positiva.

ER – Como o Sr. vê o problema da falta desegurança para os juízes do trabalho, muitosdos quais recebem até ameaças de morte?

VA – Infelizmente nós no Brasil temos uma cul-tura escravagista. O direito do trabalho no país tempouco mais de 50 anos. Ainda há muitos latifundiári-os com mentalidade de senhores de engenho, prin-cipalmente nas regiões onde não chegou ainda a jus-tiça e muitas vezes nem a polícia. O trabalho de cons-cientização e divulgação vai fazendo com que aspessoas recuem nessa mentalidade de que tudopodem. Cada vez que isso ocorrer, é preciso que ogoverno imediatamente demonstre que vai estar aolado da autoridade e dê proteção ostensiva para de-sencorajar os criminosos. É preciso que o governoleve a sério essas ameaças.

ER – Como o Sr. avalia a atuação do governofederal na erradicação do trabalho escravo?

VA – Creio que alguns órgãos governamentaissão mais empenhados em ter uma atuação eficaz

que o próprio governo em si. Eu esperaria que o go-verno desse maior apoio a esses órgãos. É possívelfazer mais, sem dúvida nenhuma.

ER – Que mudanças no campo legal deveriamser tomadas para combater a impunidade?

VA – Uma delas é a Justiça do Trabalho ser maiscélere. O processo penal no Brasil é cheio de delon-gas e recursos. Muito demorado na fase de inquéritoe mais ainda na fase judicial. A questão da prescriçãoque corre durante a ação penal faz com que a atua-ção do advogado do réu não seja quanto ao mérito,mas vise apenas retardar o processo para que atinjaa prescrição antes do julgamento. Isso estimula o usoda chicana. O Código de Processo Penal deveriaestabelecer um rito preferencial para os crimes queatingem os princípios básicos dos direitos humanos,de maneira a encurtar os prazos e diminuir os mean-dros que retardam o desfecho.

ER – O Sr. é favorável à federalização dojulgamento de crimes contra os direitoshumanos?

VA – Infelizmente sou. Creio que os juízes esta-duais não irão ficar muito satisfeitos com a minharesposta. Uma minoria entre os juízes acaba sendoinfluenciada pelo poder local, o que tem conseqüên-cias graves. O número de casos que deveria ter umapunição mais eficaz é muito grande. Para a própriatranqüilidade dos juízes, que sofrem a pressão daregião e estão longe de uma melhor segurança, seriaconveniente que esses crimes fossem julgados pelaJustiça Federal.

ER – Como o Sr. vê a questão do trabalhoescravo nas cadeias produtivas de grandesempresas?

VA – Acho muito relevante a discussão sobreresponsabilidade social das empresas. Isto é um as-pecto novo que só ultimamente tem sido explorado.No mundo inteiro, e no Brasil não é diferente, há ocostume de “passar a bola”. As pessoas – físicas ejurídicas – usam um escudo para se defenderem dofato de que estejam a colaborar com uma situaçãoimprópria ou injusta. É muito importante que se pas-se a estimular a pressão da sociedade, para que asempresas não pensem que são ilhas.

50

Há quatro anos, convidada pela Comissão

Pastoral da Terra (CPT), a ativista de direitos hu-manos e jornalista inglesa Binka Le Breton aven-turou-se pela Amazônia em busca de informaçõessobre trabalho escravo. O resultado da pesquisase transformou no livro Vidas Roubadas: A Escra-vidão Moderna na Amazônia Brasileira, lançado emsetembro de 2002. A obra continua atual, pois asituação pouco mudou.

Binka Le Breton revela a complexa rede queenvolve ricos proprietários de terra, políticos,policiais, empreiteiros, pistoleiros e grandesempresas – um dos capítulos é dedicado àfazenda-modelo da Volkswagen, a Rio Cristalino,que nos anos oitenta utilizou mão-de-obra escrava.São páginas vivas, com depoimentossurpreendentes e riqueza de informações. Ajornalista aguça a responsabilidade dos leitores,cobra justiça, provoca indignação e solidariedade.

Binka Le Breton mora numa fazenda emMinas Gerais, onde gerencia, junto com seumarido, um centro de pesquisas paraconservação da Mata Atlântica. Publicou Voicesfrom the Amazon, Rainforest, A Land to Die For eTodos sabiam – a morte anunciada de PadreJosimo (Edições Loyola).

Vidasroubadas

Autora: Binka Le BretonTradução: Maysa Monte AssisEditora: LoyolaPáginas: 280Preço: R$ 31,90

“Muito obrigado,Binka, em nome de

tantos peões anônimosque já tombaram nesta

Amazônia verde earrasada.”

Pedro Casaldáliga,Pedro Casaldáliga,Pedro Casaldáliga,Pedro Casaldáliga,Pedro Casaldáliga,

bispo de São Félix do Araguaia, MTbispo de São Félix do Araguaia, MTbispo de São Félix do Araguaia, MTbispo de São Félix do Araguaia, MTbispo de São Félix do Araguaia, MT

Título: “Vidas roubadas: A escravidão moderna na Amazônia brasileira”

51

Autor: Ricardo RezendeEditora: Civilização BrasileiraPáginas: 458Preço: R$ 54,60

Livro traz olhar antropológico sobre as famílias dos escravizadosA dor de quem fica

Uma referência fundamental sobre o trabalhoescravo no Brasil foi lançada em junho pela EditoraCivilização Brasileira. É o livro “Pisando fora da pró-pria sombra: a escravidão por dívida no Brasil con-temporâneo”, escrito pelo padre Ricardo Rezende Fi-gueira. Profundo conhecedor do tema, o autor é umadas vozes mais insistentes de denúncia contra o tra-balho escravo no Mato Grosso e no Pará, estado ondetrabalhou por duas décadas na Diocese de Concei-ção do Araguaia.

Rezende é doutor em antropologia pela UFRJ,onde participa do Grupo de Pesquisa Trabalho Es-cravo Contemporâneo. Professor na PUC/RJ, ele par-ticipa da coordenação do Movimento Humanos Direi-tos e da Rede Social Justiça e Direitos Humanos. Entreos prêmios que recebeu incluem-se a medalha Chi-co Mendes Resistência e os das ONGs Anti-SlaveryInternational e Human Rights Watch. Publicou, pelaEditora Vozes, “A justiça do Lobo: posseiros e padresno Araguaia” e “Rio Maria - canto da terra”.

A obra é uma investigação de fôlego que buscaexplicar o porquê do horror em que vivem milharesde brasileiros nos confins da fronteira agrícola ama-zônica. Padre Rezende ouve trabalhadores rurais, ali-ciadores, fazendeiros inescrupulosos e outros per-sonagens dessa cadeia de infâmia. Também recorrea inquéritos, relatórios, processos e ampla bibliogra-fia, inclusive de autores que analisaram fenômenos

“A pesquisa (...) é de admirávelobjetividade, sabendo-se do engajamento

pessoal e de todo tipo de ameaças até de morteque pesaram sobre o autor. Coloca em

parêntesis, o mais que pode, sua subjetividadepara dar lugar à voz dos fatos e das vítimas”.

Leonardo Boff

de trabalho forçado sob o nazismo e de migrantessob coação na Argélia e na França.

Sem notíciasUm diferencial importante é o olhar antropoló-

gico do autor sobre outras vítimas que costumam fi-car esquecidas: as esposas, pais e filhos dos traba-lhadores escravizados. “Em Barras, no Piauí, me sur-preendi muito quando, numa reunião, perguntei quemtinha parentes que foram trabalhar no Pará e nuncamais deram notícias”, conta Rezende. “Vinte ou trin-ta pessoas se levantaram e mostraram sacos plásti-cos com as fotos de parentes”.

Boa parte desses trabalhadores escravizadosjamais retorna aos seus lares. Não raras vezes, ter-minam em covas anônimas dentro de grandes fa-zendas onde o que vale é a lei das armas. Outros, aose verem explorados e sem dinheiro, partem paranovas propriedades rurais, atraídos por mais promes-sas enganosas de trabalho e terminam retornandoao cativeiro.

O livro traz um encarte com imagens do fotó-grafo documentarista e jornalista João Roberto Ri-pper, cujo trabalho também ilustra a capa desta edi-ção do Observatório Social Em Revista.

Fern

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Rab

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RESENHA

Título: “Pisando Fora da Própria Sombra: a Escravidão por Dívida no Brasil Contemporâneo”

52 PARA

Algumas fontes de informação:

Instituto Nacional de Colonizaçãoe Reforma Agrária – Incrawww.incra.gov.br

Ministério do Desenvolvimento Agráriowww.mda.gov.br

Ministério da Justiçawww.mj.gov.br

Ministério do Meio Ambientewww.mma.gov.br

Ministério do Trabalho e Empregowww.mte.gov.br

Ministério Público do Trabalhowww.pgt.mpt.gov.br

Ministério Público Federalwww.pgr.mpf.gov.br

Polícia Federalwww.dpf.gov.br

Polícia Rodoviária Federalwww.dprf.gov.br

Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadãowww.pgr.mpf.gov.br/pfdc/

Secretaria de Inspeção do [email protected]

Secretaria Especial dos Direitos Humanoswww.presidencia.gov.br/sedh

Tribunal Superior do Trabalhowww.tst.gov.br

GovernamentaisBRASIL

Não GovernamentaisAgência de Notícias dos Direitos da Infânciawww.andi.org.br

Associação Juízes para a Democraciawww.ajd.org.br

Associação Nacional dos Procuradores do Trabalhowww.anpt.org.br

Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Traba-lho – Anamatrawww.anamatra.org.br

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura –Contagwww.contag.org.br

Comissão Pastoral da Terra – CPTwww.cptnac.com.br

Grupo de Pesquisa sobre Trabalho EscravoContemporâneo da [email protected]

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MSTwww.mst.org.br

Organização Internacional do Trabalho – OIT (Brasil)www.oit.org/public/portugue/region/ampro/brasilia/

Repórter Brasil – Organização de Comunicação e ProjetosSociaiswww.reporterbrasil.org.br

Serviço Pastoral dos Migranteswww.migracoes.com.br

Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalhowww.sinait.org.br

53 SABER MAIS

Anti-Slavery Internationalwww.antislavery.org/

Christian Aidwww.christianaid.org.uk

Coalition Against Slavery and Traffickingwww.castla.org/

Coalition Against Trafficking in Womenwww.catwinternational.org

Committee Against Modern Slaverywww.ccem-antislavery.org

Free the Slaveswww.freetheslaves.net

Global Alliance Against Traffic in Women (GAATW)www.inet.co.th/org/gaatw/

International Needs (IN)www.africaexpress.com/internationalneedsghana

Organização Internacional do Trabalho – OITwww.oit.org

The Protection Projectwww.protectionproject.org/

World Visionwww.worldvision.org/worldvision/master.nsf/

INTERNACIONALConvenções e DocumentosDeclaração Universal dos Direitos Humanos – ONU, 1948.www.unhchr.ch/udhr/lang/por.htm

Convenções nº 29 (1930) e 105 (1957) da OIT sobre Trabalho For-çado ou Obrigatóriowww.oit.org/public/portugue/region/ampro/brasilia/trabalho_forcado/oit/convencoes/convencoes.htm

Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San Joséda Costa Rica) – 1969.www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/B-32.htm

Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravowww.oit.org/public/portugue/region/ampro/brasilia/trabalho_forcado/brasil/iniciativas/plano_nacional.pdf

LE BRETON, Binka. Vidas Roubadas: a escravidão moderna naAmazônia brasileira. Edições Loyola, São Paulo, 2002.

FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Pisando fora da própria sombra: aescravidão por dívida no Brasil contemporâneo. Civilização Brasi-leira, Rio de Janeiro, 2004.

FÓRUM SOCIAL MUNDIAL 2003 (2003 jan 25: Porto Alegre, RS).Anais da oficina trabalho escravo: uma chaga aberta. OIT, Brasília,2003.

MONTEIRO, Maurílio de Abreu. Siderurgia e Carvoejamento na Ama-zônia: drenagem energético-material e pauperização regional.Editora da UFPA/ETFPA, Belém, 1998.

_____. Siderurgia na Amazônia oriental brasileira e pressão sobrea floresta primária. In: II Encontro Anual da Associação Nacional dePós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade (ANPPAS).Indaiatuba, SP, maio de 2004.

NÃO AO TRABALHO FORÇADO: relatório global de seguimentoda declaração da OIT relativa a princípios e direitos fundamentaisno trabalho. In: 89ª Conferência Internacional do Trabalho, 2001. OIT,Genebra, 2002.

PROCURADORIA GERAL DO TRABALHO. Revista do MinistérioPúblico do Trabalho: edição especial trabalho escravo. Ano XIII –Editora LTr, Brasília, setembro de 2003.

TRABALHO ESCRAVO no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Loyo-la; Goiânia: Comissão Pastoral da Terra - CPT, 1999.

Publicações

54

PELA GLPELA GLPELA GLPELA GLPELA GLOBALIZAÇÃO DOS DIREITOBALIZAÇÃO DOS DIREITOBALIZAÇÃO DOS DIREITOBALIZAÇÃO DOS DIREITOBALIZAÇÃO DOS DIREITOS TRABALHISTOS TRABALHISTOS TRABALHISTOS TRABALHISTOS TRABALHISTASASASASASVOOR DE GLOBALISERING VAN WERKNEMERSRECHTENVOOR DE GLOBALISERING VAN WERKNEMERSRECHTENVOOR DE GLOBALISERING VAN WERKNEMERSRECHTENVOOR DE GLOBALISERING VAN WERKNEMERSRECHTENVOOR DE GLOBALISERING VAN WERKNEMERSRECHTEN

FÜR DIE GLOBALISIERUNG DER ARBEITNEHMERRECHTEFÜR DIE GLOBALISIERUNG DER ARBEITNEHMERRECHTEFÜR DIE GLOBALISIERUNG DER ARBEITNEHMERRECHTEFÜR DIE GLOBALISIERUNG DER ARBEITNEHMERRECHTEFÜR DIE GLOBALISIERUNG DER ARBEITNEHMERRECHTEFOR THE GLFOR THE GLFOR THE GLFOR THE GLFOR THE GLOBALISAOBALISAOBALISAOBALISAOBALISATION OF WORKERS' RIGHTSTION OF WORKERS' RIGHTSTION OF WORKERS' RIGHTSTION OF WORKERS' RIGHTSTION OF WORKERS' RIGHTS

55

ABN AMRO BankO IOS realizou pesquisa no banco entre agosto de 2001 e novembro de 2002 e o monitoramento foi realizado

em maio de 2004. Foram ouvidos representantes do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e dobanco na matriz, em São Paulo. Houve ainda consulta a documentos elaborados pelo sindicato e dossiê produzidopela subseção do Dieese sobre o processo de terceirização e demissões no ABN após a compra do Sudameris. Obanco cooperou, mas entregará mais documentos. O resultado do monitoramento apontou avanços no que se refereao comportamento social em relação ao meio ambiente e financiamento de projetos sociais e na negociação doPrograma de Participação nos Resultados. Já na relação e negociação com o sindicato, o monitoramento identificouque o banco retrocedeu (acompanhe os resultados detalhados na tabela da página 57).

AHOLD BOMPREÇO (WAL-MART)O relatório da pesquisa realizada na empresa Bompreço foi divulgado em fevereiro de 2003, quando ainda

pertencia ao grupo holandês Royal Ahold. Em seguida, houve a venda da rede de supermercados para a norte-ameri-cana Wal-Mart, em março de 2004.

Por isso mesmo, além de fazer a comparação com os pontos críticos apontados no estudo, o monitoramentotambém enfocou, pela sua relevância, a venda da rede Bompreço. Entretanto, a empresa não participou do processo,impedindo que fossem obtidos dados atualizados relativos ao desempenho econômico e ao número de empregos. Nocaso da Bompreço, a maioria dos pontos levantados continuam sem solução (veja a tabela na página 56).

NOKIAApós quase dois anos da realização da pesquisa - o relatório geral da Nokia foi divulgado em julho de 2002. O

monitoramento da Nokia em Manaus se deu através de uma discussão em grupo com trabalhadoras da empresa,entrevistas com dirigentes sindicais e levantamento de dados secundários. A empresa não participou do processo(saiba mais na página 56).

UNILEVER BESTFOODSA pesquisa nesta unidade de alimentos do grupo Unilever, localizada em Goiânia, GO, antiga fábrica da Arisco,

foi realizada em 2001 e divulgada em janeiro de 2002. Mesmo a empresa não aceitando participar do monitoramento,o IOS utilizou as informações de outra pesquisa, na Unilever HPC (Higiene e Limpeza), que contou com a participaçãoda empresa. Foram ouvidos sindicalistas do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e também doSindicato dos Trabalhadores Rurais (o resultado está na página 58).

Observatório passa amonitorar as empresas

pesquisadas

O monitoramento deempresas passa a ser maisum serviço oferecido pelo

Instituto ObservatórioSocial. Através do método

comparativo, ele buscaaveriguar, depois de umprazo de pelo menos um

ano, o que mudou e o quecontinua o mesmo em

relação aos pontos críticoslevantados na pesquisa.

Com mais de trinta estudosrealizados, entre mapas e pesquisascompletas, o Instituto ObservatórioSocial (IOS) tem verificado a atuaçãode multinacionais de diversos setores,como o químico, metalúrgico, bancá-rio, papeleiro, farmacêutico, comércio,telecomunicações e outros. Estesestudos estão disponíveis no site dainternet www.observatoriosocial.org.br.

Buscando acompanhar a traje-tória da atuação das empresas emtermos sócio-trabalhistas, o IOS apri-morou o seu trabalho de pesquisa em2004, colocando em prática um novoprojeto, que prevê a continuidade da

observação: o monitoramento. Esta éuma poderosa ferramenta para verifi-car a conduta da empresa ao longodo tempo, ajudando a identificar commais rigor as empresas socialmenteresponsáveis. Em fase de teste, fo-ram desenvolvidos os monitoramentosdas empresas Unilever Bestfoods,ABN AMRO Bank, Ahold Bompreço eNokia.

Para realizar a comparaçãoentre o que o primeiro estudo nestasempresas apontou e a situação só-cio-trabalhista e ambiental atual, ametodologia foi semelhante: levanta-mento de dados secundários a partirde notícias da imprensa e site dasempresas na internet, entrevistas comsindicalistas, entrevistas com repre-sentantes das empresas e solicitaçãode documentos e informações com-plementares junto às empresas. Aparticipação, entretanto, principalmen-te por parte das empresas, foi dife-renciada.

56

Pontos Pesquisa – fevereiro/2003 Resultados do MonitoramentoCríticosVenda Nível de Emprego; A empresa não forneceu informações para verificaçãoBompreço Relação com os Sindicatos, desse item; o levantamento no SE no Comércio de Salvadorpara a Empregados e Comunidade não permite afirmar se houve ou não demissões por contaWal-Mart durante o processo de venda. da venda da Rede;

Na avaliação dos sindicatos a conduta da empresa épouco democrática e transparente.

Liberdade Demissão de dirigentes em O Sindicato ganhou ação por demissões de dirigentes emSindical Salvador; primeira instância, a Empresa recorreu. Depois, não houve

Dificuldades de acesso para o mais demissão de dirigentes sindicais na empresa; trabalho sindical em vários estados Os entrevistados acham que o comportamento

da empresa, neste ponto, apresentou algum avanço.

Negociação Jornada excessiva de trabalho; Os entrevistados afirmam que a conduta da empresa não Coletiva Abertura em domingos e feriados; melhorou. Algumas ações contra a empresa tramitam nas

Banco de horas – excesso de Delegacias Regionais de Trabalho e Ministério Público;uso, desaparecimento de horas; Não houve nenhum avanço sobre abertura aos domingos

Descumprimento de cláusulas e feriados; das Convenções Coletivas (CC); Excesso no uso do banco de horas não mudou.

Não negociação de Participação Desaparecimento de horas: um sindicalista afirmou quenos Lucros e Resultados (PPR) e continua acontecendo, inclusive, solicitou à Justiça dodo Plano de Cargos e Salários; Trabalho elaboração de inventário;

Plano de Saúde com avaliação Continua ocorrendo o descumprimento de diversasruim, condições não são negociadas; cláusulas das CCs, a maioria referentes à jornada trabalho;

Não pagamento do adicional por Não houve nenhum avanço em relação ao PPR;quebra de caixa e punição de Em Salvador, não paga adicional por quebra de caixa,empregados. em Campina Grande, desloca funcionários de outros setores

e não paga o adicional devido; Não houve nenhum avanço sobre o Plano de Saúde.

Saúde e Problemas de saúde: alta Segundo os sindicatos, nenhuma nova ação foiSegurança incidência de LER (Lesóes por implementada pela Empresa no sentido de evitar e deno Trabalho Esforços Repetitivos) e outros reparar os casos de LER; a ação continua sendo

e insuficiente ação da Empresa. insuficiente e o número de lesionados vem crescendo.

AHOLD BOMPREÇO - WAL-MARTSíntese dos Pontos Críticos X Resultados do Monitoramento

Pontos Pesquisa – fevereiro/2003 Resultados do MonitoramentoCríticosLiberdade Taxa de sindicalização muito baixa; Taxa de sindicalização aumentou de 28 sócios emSindical e Não há delegados sindicais nem qualquer 2002 para 317 em 2003;Negociação forma de organização de base; Um representante do sindicato viajou à FinlândiaColetiva Empresa reconhece sindicato e mostra para apresentar a pesquisa; depois, sindicalistas

disposição para negociação coletiva. finlandeses visitaram Manaus.

Gênero Percentual equilibrado entre mão-de-obra A empresa não respondeu à entrevista e nãofeminina e masculina; houve como averiguar alterações nos cargos

80% da mão-de-obra terceirizada é feminina hierárquicos;(trabalho mais precarizado); Aumentou em 85% o número de terceirizados;

Há uma “hierarquia de gênero”, com maior entre eles, 56% são mulheres.presença masculina nos cargos de chefia.

Saúde e Os tipos mais freqüentes de doenças são as Continuam sendo registrados casos de LER;Segurança LER (Lesões por Esforços Repetitivos) e as Os entrevistados consideram que a atuação dos

relacionadas com ritmo intenso de trabalho; cipeiros não é satisfatória; A atuação da CIPA foi avaliada negativamente; As CATs estão sendo enviadas ao sindicato; A empresa não envia as CATs (Comunicação As horas extras continuam freqüentes.

de Acidente de Trabalho) ao sindicato; Há constante prorrogação de jornada de

trabalho (horas extras).

NOKIASíntese dos Pontos Críticos X Resultados do Monitoramento

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Pontos Pesquisa – fevereiro/2003 Resultados do MonitoramentoCríticosLiberdade Falta de elaboração e divulgação de um As atividades do sindicato são permitidasSindical documento que determine os procedimentos somente fora do acesso principal da matriz;

gerais para a atuação sindical dentro da empr.; No Call Center os sindicalistas também não têm Pressão das chefias contra a contribuição liberdade para desenvolver atividades;

sindical e a atuação do dirigente dentro Nas agências o acesso é mais fácil;das agências bancárias; Em entrevista com o representante do banco para

Disponibilização pela empresa junto aos assuntos sindicais, foi dito que muita coisa queempregados de um modelo de carta de estava sendo discutida com o sindicato foiexclusão/inserção do pagamento da taxa de suspensa em função do processo de fusão com osindicalizado/imposto sindical; banco Sudameris.

Perseguição velada ou explícita aossindicalizado ou que participa de atividadesdo sindicato;

Proibição do acesso de dirigentes sindicaisàs áreas internas dos centros admin. e matriz;

Constrangimento das atividades do sindicato.

Negociação As negociações com empresa não avançam; Os sindicalistas alegam que o banco continuaColetiva As pautas são ignoradas ou não cumpridas; a violar o AC no que diz respeito ao adiantamento

Centralização das negociações em uma de salário para os afastados;pessoa, gerando perda de qualidade da O desrespeito à jornada de trabalho é umnegociação; problema que continua sem solução;

Sindicato não participa na elaboração do Houve melhora nas negociações do Programa dePlano de Cargos e Salários (PCS); Participação nos Resultados (PPR), com

Acesso à informação restrito, principalmente ampliação da representação sindical e maioràs unidades e trabalhadores; disponibilização de informações;

Desrespeito à jornada de trabalho, ao Há reclamação do sindicato de falta dedescanso no final de semana e ao pagamento informações sobre a fusão com o Sudameris quede horas extras; possibilitem negociar demissões;

Aumento injustificado de cargos A situação dos terceirizados não se alterou;comissionados; Uma vitória apontada pelos sindicalistas foi a

Dificuldade em representar os terceirizados; incorporação do segmento de processamento de Falta de informação para sindicato referente dados à base sindical dos bancários.

à participação na CIPA e nas eleições dosrepresentantes legais.

Gênero e Casos de Assédio moral no Call Center (que Problemas no Call Center continuam;Raça não é terceirizado); O sindicato solicitou informações sobre o

Dificuldades nas condições de promoção de programa de diversidade e não houve resposta;mulheres e negros a cargos de chefia; O banco se comprometeu a enviar mais

Programa diversidade não tem metas informações sobre o programa para o IOS.definidas; o sindicato não participa dadiscussão sobre a diversidade.

Meio Proposta de incorporação de dependentes Os dirigentes não recebem atas da CIPA;ambiente nos planos de saúde; O banco desenvolveu cartilha para orientarinterno e Há cobrança por consulta médica; os funcionários em relação às Lesões porSaúde e Há diferenciação do plano em função da Esforços Repetitivos (LER), mas as orientaçõesSegurança hierarquia funcional; não são seguidas pois o banco não permite

Falta enfermeiros e remédios; cumprir os tempos das pausas; Aspectos relacionados à precariedade da O banco continua não enviando as Comunicações

CIPA, e sua “subordinação” ao banco; por Acidentes de Trabalho (CATs) para o sindicato; Falta de segurança contra assaltos e Os dirigentes não recebem resposta do banco

seqüestros; sobre denúncias de assédio moral dentro da Há problema no tratamento dispensado aos instituição;

lesionados; Os sindicalistas entrevistados apontaram grandes Não envio das CATs para o sindicato; avanços do banco na área do meio ambiente; Equipamentos e mobiliários obsoletos, O ABN lançou Selo e o Fundo de Investimento

principalmente no Call Center e nas Agências; que beneficiam empresas que respeitam o meio O banco apresenta projeto de atuação na ambiente.

área de meio ambiente, em fase deimplementação.

ABN AMRO BANKSíntese dos Pontos Críticos X Resultados do Monitoramento

58

Liberdade Restrições ao acesso dos sindicalistas Aumento no número de diretores sindicais naSindical e aos locais de trabalho; unidade;Direito à Política da empresa de não dialogar com Reunião entre sindicalistas e trabalhadores nãoInformação Sindicato sobre temas de interesses dos são permitidas nas dependências da empresa;

trabalhadores; Restrições ao acesso dos sindicalistas Indefinição de pessoal na direção da aos locais de trabalho;

unidade para interlocução com os Não disponibilização de informações ao sindicato;dirigentes sindicais; Falta de abertura ao diálogo com sindicato e

Falta de reconhecimento do sindicato dificuldade de negociação.como representante dos trabalhadores.

Negociação Prática de negociação centralizada na Aumento de benefícios aos trabalhadores emColetiva sede da Unilever em São Paulo; relação ao ACT 2000-2001, porém alguns não

Programa de Participação nos Resultados assegurados em ACT;(PPR) não negociada; Prática de negociação centralizada na sede da

Terceirização; Unilever em São Paulo; Perda de benefícios no Acordo Coletivo Garantia em ACT de participação dos trabalhadores

de Trabalho (ACT) em relação à gestão nas decisões sobre as metas para o pagamento doArisco; PPR;

Falta de diálogo com sindicato dos Terceirização – trabalhadores não estão protegidosTrabalhadores Rurais. pelo mesmo ACT que os efetivos;

Propostas do sindicato são desvalorizadas pelaempresa nas negociações;

Falta de diálogo com sindicato dos TrabalhadoresRurais.

Discriminação 88% de cargos de chefia ocupados por Negação por parte da empresa em reconhecer ade Gênero e homens, dentre os quais 62% homens existência do problema de desigualdades / nãoRaça brancos; apresentou dados sobre o perfil racial dos

Remuneração média das mulheres 33% empregados; menor que dos homens; Empresa não apresenta programa para incentivar a Estrutura de cargos e salários igualdade de oportunidades;desfavorável às mulheres; 30% do quadro de funcionários é composto por

Empresa não apresenta programa para mulheres. A empresa não forneceu a posiçãoincentivar a igualdade de oportunidades. funcional destas;

Não há reivindicação específica do sindicato sobreo tema.

Saúde e Falta divulgação sobre os riscos de Diminuição no número de acidentes graves;Segurança acidentes de trabalho; Implementação de programas diretamente

Desrespeito ao período de descanso. relacionados ao tema; Empresa dificilmente reconhece nexo causal entre

LER e o trabalho desenvolvido pelo empregado; Empresa não encaminha cópia de CAT ao sindicato; Não há nenhuma cláusula sobre o tema no ACT; O sindicato não é informado sobre as atividades da

CIPA.

Trabalho Embora a Unilever tenha firmado Embora a Unilever tenha firmado compromisso comInfantil compromisso com a Delegacia Regional a DRT/GO, não tomou nenhuma medida para auxiliar

do Trabalho de Goiás (DRT/GO), não tomou na erradicação do Trabalho Infantil, exceto cláusulanenhuma medida operacional para auxiliar de rompimento em contrato com fornecedores casona erradicação do Trabalho Infantil se verifique a existência de trabalho infantil na

produção; Não há fiscalização formal por parte da empresa.

Meio Poluição do Rio Meia Ponte, que corta a Implantação do Sistema de Gestão Ambiental;Ambiente cidade de Goiânia; Redução de resíduos;

Não apresentação de programa de Redução do consumo de água e energia elétrica;recuperação de passivo ambiental herdado; 100% de efluente líquido tratado antes do

lançamento no Rio Meia Ponte; Não possui programa de gestão ambiental; Não negociou e não disponibiliza aos sindicatos

seus planos de ação ambiental.

Atuação na Não assume responsabilidade pelas Empresa fornece assistência aos produtorescadeia condições de trabalho dos trabalhadores agrícolas que fornecem para ela;produtiva rurais de sua cadeia produtiva; Não assume responsabilidade pelas condições de

Falta de iniciativas para comunidade local. trabalho dos trabalhadores rurais na cadeia produtiva.

UNILEVERSíntese dos Pontos Críticos X Resultados do Monitoramento

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A justiça dos Estados Unidos decidiu que um pro-cesso por discriminação sexual impetrado por seis fun-cionárias do Wal-Mart em 2001 passará a ser uma açãocoletiva, que irá cobrir as 750 mil funcionárias do grupoe também 850 mil ex-funcionárias. Trata-se do maiorprocesso de discriminação no trabalho na história da-quele país. O caso poderá custar bilhões de dólares e jáprovoca impacto na imagem na empresa.

Com 1,6 milhão de funcionários, o Wal-Mart é omaior empregador privado do mundo. No processo, aempresa é acusada de sistematicamente pagar menos àsmulheres do que aos homens e oferecer menos oportu-nidades de promoção. Na rede varejista, 65% dos fun-cionários são mulheres, mas apenas 33% dos cargos degerência são ocupados por elas.

O Wal-Mart vai apelar e alega que não houve discrimi-nação e que as decisões sobre aumentos e promoção foramfeitas pelas lojas individuais, não em nível corporativo.

Mais de 1,6 milhão demulheres processam o

Wal-Mart

As ações do Wal-Mart caíram e, preocupado coma fuga de clientes, já gastou milhões de dólares em anún-cios mostrando que trata bem as mulheres. No início domês, anunciou que aumentará salários e melhorará algu-mas práticas no trabalho.

Os advogados que impetraram o caso disseramque não aceitarão acordo, a menos que a empresa firmecláusulas rígidas de que tratará melhor as mulheres e pro-ponha acordo maior do que qualquer outro anterior emum caso de discriminação no trabalho. De acordo comeles, a meta é mudar a forma como o Wal-Mart tratasuas funcionárias.

A rede varejista vem enfrentando uma série deprocessos por hora extra não remunerada e por impediras atividades sindicais. Também está sendo investigadose tinha conhecimento de que uma de suas prestadorasde serviço empregava migrantes ilegais.

Fontes: NY Times, UOL Mídia Global e Business Week

O Wal-Mart atua no Brasil des-de 1994 e, no período entre novem-bro de 1999 e março de 2000, foi es-tudado pelo Instituto ObservatórioSocial, numa parceria com a Confe-deração Nacional dos Trabalhadoresdo Comércio (CONTRACS/CUT) e ossindicatos dos empregados no co-mércio de Osasco e Região, de Bau-ru e de São Paulo. Contato formal foimantido com a empresa para que elaparticipasse do estudo, mas ela nãoquis participar. Assim, a pesquisa sebaseou em fontes sindicais, entrevis-tas com trabalhadores e documen-

Observatório pesquisou Wal-Mart no Brasil

tos públicos.Entre os resultados mais im-

portantes, o estudo apontou restriçãoà liberdade sindical, com dificuldadede acesso dos dirigentes aos locaisde trabalho e não fornecimento de in-formações; desrespeito a cláusulas fir-madas nas convenções coletivas evários problemas em relação à saúdee segurança do trabalho, como a fre-qüência de casos de acidentes e do-enças ocupacionais.

Em relação à discriminação degênero e raça, apurou-se que tambémno Brasil as mulheres estão em fran-

ca minoria nos escalões mais altos.A impossibilidade de acesso a dadosinternos da empresa não permitiu iden-tificar evidências concretas de discri-minação em função de cor da pele,embora os entrevistados tenham afir-mado que seus chefes diretos são pre-dominantemente pessoas de cor bran-ca e do sexo masculino. O assédio se-xual contra as trabalhadoras foi referidocom certa freqüência nos depoimentos.

Recentemente, o Wal-Mart com-prou a rede Bompreço do grupo holan-dês Royal-Ahold e o IOS está monito-rando a rede (matéria na página 55).

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Observatório recebe prêmioA publicação do IOS “Minera-

ção Predatória na Amazônia Brasi-leira”, do jornalista Marques Casaraconquistou, em dezembro de 2003,o Prêmio Esso de Jornalismo na ca-tegoria Informação Científica, Tecno-lógica e Ecológica.

A reportagem denuncia osgraves danos sociais e ambientaiscausados por mineradoras no Ama-pá. A publicação é da CUT, CNMA(Comissão Nacional de Meio Ambi-ente da CUT) e Observatório Soci-al, com apoio da LO Noruega.

Criado em 1955, o Prêmio éo mais tradicional concurso dirigi-do à imprensa brasileira e, pela pri-meira vez, premia uma publicaçãocutista.

Trabalhadores brasileiros ealemães: 20 anos de solidariedade

A central sindical alemã DGB Bildun-gswerk Nord-Süd Netz, junto com outras en-tidades, organizou um seminário de três diassobre os vinte anos de solidariedade entre ale-mães e brasileiros. Sob o tema “Reorganiza-ção social no Brasil e na Alemanha em tem-pos de globalização”, os participantes come-moraram as duas décadas de trabalho soli-dário.

Tudo começou em 1984, quando sindi-calistas brasileiros da Volkswagen, Mercedese General Motors foram conhecer as condi-ções de vida e de trabalho das respectivasfirmas na Alemanha e entraram em contatocom sindicalistas alemães.

De lá para cá muita coisa aconteceu: aluta conjunta contra as demissões através dapressão às empresas no país de origem; asprimeiras comissões de fábrica no Brasil; asredes multilaterais dos trabalhadores na áreametalúrgica, química e siderúrgica;o FórumCarajás, que trouxe à opinião pública as con-seqüências do minério de ferro aos seres hu-manos e ao meio ambiente; o apoio à cons-trução da Escola Sul da CUT; a organizaçãodo Observatório Social; o envolvimento como Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra; o encontro com a experiência do Orça-mento Participativo de Porto Alegre e a pre-sença no Fórum Social Mundial.

Maria Edinalva Bezerra Lima, diretorada CUT e membro do conselho do IOS, parti-cipou do evento como convidada. Em suaexposição, ela enfocou a posição das mulhe-res no Brasil.

O Observatório Social Europa apresen-tou os trabalhos desenvolvidos. Michael Lin-nartz, do departamento internacional da cen-tral sindical IG BCE, disse que um dos maio-res resultados é que não apenas as relaçõesentre brasileiros e alemães melhoraram,como também as relações entre os sindica-tos alemães IG BCE e IG Metall. Da mesmaforma, as relações entre os sindicatos ale-mães e a central sindical holandesa FNV tam-bém foram beneficiadas.

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Desafio dos Sindicatosé tema do 4º Seminário

Pesquisa e Ação

2º Seminário Pesquisa e Ação SindicalTema: Organização nos locais de

Trabalho, Negociação Coletiva e Campanhanas Empresas Multinacionais

Data e local: 19 a 21 de junho de 2002,em Florianópolis

1º Seminário Pesquisa e Ação SindicalTema: Promoção dos direitos

fundamentais no trabalhoData e local: 18 a 20 de setembro de 2001,

em Florianópolis

3º Seminário Pesquisa e Ação SindicalTema: Responsabilidade Social Empresarial

Data e local: 3 a 5 de novembro de 2003,em São Paulo

Os SemináriosPesquisa e Ação

Desde 2001, sindicalistas e traba-lhadores reúnem-se anualmente para de-bater temas de interesse durante os se-minários Pesquisa e Ação. Veja abaixo ostemas das edições anteriores:

Entre os dias 21 e 23 de julho de 2004 se rea-liza em São Paulo o Seminário Pesquisa e Ação Sin-dical. O evento ocorre a cada ano e o tema destaedição é “Globalização, Multinacionais e ReformaSindical”. Para debater este tema, serão convidadosdirigentes sindicais, trabalhadores e pesquisadores.

Atualmente, existem poucas organizações noslocais de trabalho no Brasil. As que existem funcio-nam de forma ainda precária. Esse fato, constatadoem pesquisas desenvolvidas pelo Observatório Soci-al, explica-se por duas razões: a legislação sindicalque cria dificuldades e a ação das empresas, queinibe ou até proíbe a organização sindical dentro dasfábricas.

A legislação sindical atual beneficia as empre-sas multinacionais, na medida em que pulveriza asnegociações coletivas em vários sindicatos por muni-cípios. Ao mesmo tempo, a forma de organização daprodução nas empresas multinacionais mudou mui-to. Hoje elas se articulam em verdadeiras redes oucadeias produtivas globais, bem como se utilizamenormemente de subcontratações e da terceirização.Este cenário traz para os sindicatos a necessidadede se organizar e atuar numa maior escala, abarcan-do os terceirizados ao longo da cadeia de produção,ao mesmo tempo em que é necessário atuar commais força em nível nacional e internacional.

A proposta do Seminário é debater essa situa-ção e analisar como a Reforma Sindical pode contri-buir para melhorar a organização dos trabalhadores.Um dos objetivos é conhecer diferentes modelos deorganização sindical de países europeus, do Merco-sul e da Améria da Norte. A idéia é incentivar o deba-te sobre o modelo mais adequado à realidade brasi-leira, que consiga defender o emprego, renda e dosdireitos no trabalho.

O evento é promovido pelo Instituto Observató-rio Social, com apoio da CUT Brasil e do Centro deSolidariedade da AFL-CIO (EUA).

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ERRAMOS:Na edição nº 5 da Observatório Social Em Revista, foram cometi-dos dois equívocos na matéria CUT cria Secretaria da Mulher. Napágina 14, onde se lê: “Atenta às questões de gênero, em feverei-ro de 2004 a CUT criou a Secretaria Nacional Sobre a MulherTrabalhadora...” o correto é: “Atenta às questões de gênero, emjunho de 2003 a CUT criou a Secretaria Nacional Sobre a MulherTrabalhadora...”. E na página 16, onde se lê: “Desde 2000, façoparte da Executiva Nacional da CUT”, leia-se: “Desde 1997, façoparte da Executiva Nacional da CUT”.

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IOS realiza oficinasEstimular a organização e a comuni-

cação entre sindicatos de uma mesma em-presa e entre categorias e propor novos de-bates para o movimento dos trabalhadoressão algumas das missões do Instituto Ob-servatório Social.

Para isso, tem desenvolvido projetoscomo o Conexão Sindical, que busca articu-lar as organizações através de uma redede comunicação na qual os seus represen-tantes possam compartilhar ativamente in-formações. O objetivo é qualificar os traba-lhadores nas negociações e promover osseus direitos fundamentais. Para isso, o IOSmantém o informativo semanal Boletim dasRedes, o ambiente do Conexão no sitewww.observatoriosocial.org.br/conex e rea-liza oficinas para capacitar para o uso da in-formática.

Responsabilidade Social - Outro de-bate desenvolvido pelo Instituto é o da Res-ponsabilidade Social Empresarial e as pers-pectivas para a atuação sindical. Depois derealizar seminário nacional sobre o tema eeditar publicação apresentando o debate, oIOS organizou diversas oficinas com sindi-calistas, além de outras previstas até o finalde 2004.

Café: vida,produção e trabalhoO Instituto Observatório So-

cial lançou, no mês de junho, o es-tudo Café: vida, produção e tra-balho - Agricultores familiares eassalariados rurais, que analisa acadeia produtiva do café, com ên-fase nas condições de vida e tra-balho nas duas principais regiõesprodutoras do Brasil: o Sul de Mi-nas Gerais e o Noroeste do Espíri-to Santo. A publicação, desenvolvi-da pela equipe do Observatório So-cial, vem somar-se às ações daCoalizão do Café e da Aliança Na-cional do Café para atingirem suameta comum: a melhoria das con-dições de vida e de produção dosagricultores familiares, trabalhado-res rurais e demais trabalhadoresdo café.

Esta é a terceira publicaçãodo Instituto sobre o tema. Em se-tembro de 2002 foi lançado “Cafédo BraZil: o sabor amargo da cri-se”. Em maio de 2003, foi lançado“Café e Pobreza - Sara Lee: teoriae prática na responsabilidade soci-al”, que trata da atuação dessa mul-tinacional no Brasil.

Participantes da1ª Oficina sobre

RSE, realizada emSão Bernardo do

Campo, SP, em2003

Sindicalistasoperandocomputadoresdurante oficina

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EParticipantes do intercâmbio durante o SeminárioPúblico realizado no último dia do evento

Grupo de alemães e brasileirosem visita à Bosch Aratu, BA

A delegação do intercâmbio em frenteà sede da Unilever, em Vinhedo, SP

Delegaçãoem frenteà unidade daAkzo Nobelde SãoBernardo doCampo, SP

Holandeses e brasileirosem frente à unidade da

Philips, em Manaus, AM

Dirigentes sindicais euro-peus de seis corporações multi-nacionais que atuam no Brasil -as holandesas Akzo Nobel, Phi-lips e Unilever e as alemãs Bayer,Bosch e ThyssenKrupp - se reu-niram com sindicalistas brasilei-ros e representantes das empre-sas para debater suas realida-des. O Intercâmbio ocorreu do dia6 a 12 de março, em São Paulo,com a participação de cerca de200 pessoas.

Durante o evento foram ob-tidos compromissos importantesda maioria das empresas em re-lação a direitos fundamentais dostrabalhadores; e o encontro pro-porcionou ainda um avanço sig-nificativo na cooperação e solida-riedade internacional.

As atividades envolveramdebates sobre o fortalecimento

Intercâmbio sindical

Evento promove cooperaçãoe solidariedade internacional

das negociações coletivas e aorganização nos locais de traba-lho; o modelo sindical e trabalhis-ta brasileiro; a ampliação da co-operação internacional entre ostrabalhadores e o compromissode responsabilidade social dasempresas. Também houve visi-tas a fábricas das empresas en-volvidas no projeto. No último diado evento foi realizado seminá-rio público, do qual participaramrepresentantes da OIT (Organi-zação Internacional do Trabalho),PCN/OCDE (Ponto de ContatoNacional da Organização para aCooperação e DesenvolvimentoEconômico), governo brasileiro erepresentantes das empresas,exceto da Unilever.

Esta foi a terceira edição doIntercâmbio. O primeiro ocorreuna Holanda em junho de 2003 eo segundo na Alemanha em se-tembro. Mais dois estão previs-tos para 2004: o primeiro será de6 a 15 de novembro, na Alema-nha; e o segundo será de 20 a30 de novembro, na Holanda.

Os intercâmbios integramo projeto Observatório SocialEuropa, que tem apoio da UniãoEuropéia, de sindicatos euro-peus e das empresas matrizes.Fazem parte do projeto o Institu-to Observatório Social, as cen-trais sindicais DGB Bildun-gswerk (Alemanha) e FNV Mon-diaal (Holanda), a CUT (Brasil) eos respectivos sindicatos.

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