43

RevistaSapientia-Edicao13.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

  • 02

  • EDITORIAL

    A 13 EDIO DA NICA REVISTA COM CONTEDO

    Equipe Revista Sapientia

    Direo GeralPriscila Canto Dantas do Amaral Zillo

    Coordenadora e Editora-ChefeAna Paula S. Lima

    Editora-AssistenteAnari C. Recchia

    RevisoIvo Yonamine

    ColaboradoraJuliana Piesco

    Edio de ArteBlueCherry Comunicao e Marketing

    AgradecimentosRubens Ricupero,Cludia Assaf,Claudia Simionato,Filipe Figueiredo,Sumaia rabe Pereira,Daniela Medeiros,Leymah Gbowee,Igor Barca,Danilo V. Bandeira,Ana Carolina Albuquerque,Thain Vansan,Beth Vansan,Fronteiras do Pensamento,FAAP.

    A Revista Sapientia uma publicao do Curso Sapientia, preparatrio para o Concurso de Admisso Carreira de Diplomata. Seu contedo tem cunho estrita- Relaes Exteriores ou quaisquer outros rgos do governo. Tampouco as opinies dos entrevistados e autores dos artigos publicados expressam ou espelham as opinies da instituio Sapientia. Esta revista imparcial poltica e ideologicamente e procurar sempre democratizar as discusses, ouvindo diferentes opinies sobre um mesmo tema. Nosso maior objetivo fomentar o debate, salutar democracia e construo do conhecimento e da sabedoria dos candidatos Carreira de Diplomata.A marca Sapientia patenteada. permitida a reproduo das matrias e dos artigos, desde que previamente autorizada por escrito pela Direo da Revista Sapientia,com crdito da fonte.

    www.cursosapientia.com.br

    ADVERTNCIA

    EXCLUSIVO SOBRE O CACD NO BRASIL

    A importncia dos pases emergentes para o processo de reviso do sistema

    multilateral internacional, o Sistema de Soluo de Controvrsias do MERCOSUL, o balano

    da Era Patriota e a evoluo do conceito de Responsabilidade ao Proteger so temas da

    nossa edio de outubro.

    Em entrevista de capa, o Embaixador Rubens Ricupero falou exclusivamente Revista

    Sapientia sobre as estratgias de pases como Brasil e China, que objetivam reformar a

    governana internacional. Ao relembrar passagens histricas de sua carreira no Ministrio das

    Relaes Exteriores (MRE) e em outras pastas, Ricupero narra os bastidores da Poltica Externa

    Independente (PEI), o momento do golpe de 1964 e os meses que antecederam o lanamento do

    Plano Real, quando foi Ministro da Fazenda do governo Itamar Franco.

    Em Opinio Crtica de Convidado, a doutoranda Daniela Medeiros faz um levanta-

    mento dos principais fatos que caracterizaram a gesto do Ministro Patriota a frente do MRE. Ela

    defende que o sucessor de Celso Amorim conduziu a PEB sob as diretrizes de um protagonismo

    engajado em busca de uma diplomacia altiva e ativa. J na seo "Espao Aberto", o historiador

    Filipe Nbrega analisa o discurso da Presidenta Dilma Rousseff na abertura da 68 Sesso da

    Assembleia-Geral das Naes Unidas.

    Em Sapientia Inspira, entrevistamos a ativista liberiana Leymah Gbowee, que

    liderou grande contingente de mulheres, em mobilizao contra a ditadura e a guerra civil

    que assolavam a Libria. Por suas lutas em prol dos Direitos Humanos, ela foi laureada com

    o Prmio Nobel da Paz, em 2011.

    Na coluna Vida de Diplomata, a Segunda-Secretria Cludia Assaf, acreditada junto

    Delegao Permanente do Brasil na ONU, em Nova Iorque, discorre sobre as diferenas

    fundamentais entre as funes diplomticas e as consulares, alm de destacar o valor das

    emoes no cotidiano profissional.

    No espao Professor Sapientia Comenta, o diplomata e professor de Poltica

    Internacional do Curso Sapientia, Danilo Vilela Bandeira, sistematiza a evoluo do conceito de

    Responsabilidade ao Proteger, cuja proposio pela diplomacia brasileira na Assembleia Geral

    da ONU, em 2011, inovou o debate internacional sobre segurana.

    Em Vida de Concurseiro, selecionamos informaes sobre as melhores

    bibliotecas de algumas capitais e cidades mdias, para voc poder estudar em paz, em

    ambiente tranquilo, rumo aprovao!

    Na coluna Un Caf Avec Sapientia, o Professor Igor Barca analisa o uso dos pronoms

    personnels complments e suas excees.

    Desejamos uma tima leitura!

    Al. Santos, 200 - 1 andarCEP: 01418-000So Paulo / SPTelefone: (11)[email protected]

  • CAPA OUTUBRO 2013

    ENTREVISTA DE CAPA06

    12

    OPINIO CRTICA DE CONVIDADO

    PROFESSOR SAPIENTIA COMENTA

    ESPAO ABERTO: ARTIGO ENVIADO

    RUBENS RICUPERO

    HISTRICO E ANLISE DO CONCEITO DERESPONSABILIDADE AO PROTEGER

    A ERA PATRIOTA16

    20

    23 VIDA DE DIPLOMATA

    CHARGE

    INICIATIVAS SAPIENTIA

    42 SAPIENTIA INDICA

    43

    SAPIENTIA INSPIRA38

    FOTO: DIVULGAO/ FAAP

    35 UN CAF AVEC SAPIENTIAOS PRONOMES Y E EN

    O DISCURSO DE DILMA ROUSSEFFNA ASSEMBLEIA -GERAL DA ONU

    A INTERFERNCIA DAS EMOESE O PROFISSIONALISMO

    33

    VIDA DE CONCURSEIRO

    AGENDA DE EVENTOSEM OUTUBRO

    O GRANDE IRMO

    SUMARIO

    27GUIA DE BIBLIOTECAS

    UMA GUERREIRA A SERVIO DA PAZ

  • 06

    R

    ENTREVISTA

    POR ANA PAULA S. LIMAE ANARI C. RECCHIA

    H, no mundo, uma dualidade que, na Frana do sculo XIX, era descrita com o Partido da Resistncia e o Partido do Movi-mento. H sempre um grupo que do Partido do Movimento, que quer mudar as coisas, e h outro que no quer. O Brasil faz parte do Partido do Movimento, mas note-se que se trata de um pas reformista, no de um revolucionrio.

    EMBAIXADORRUBENSRICUPERO

    Foto: Roberto Fleury/ UnB AgnciaFoto: Divulgao

    Rubens Ricupero nasceu em maro de 1937, no fim do perodo entreguerras. Meses mais tarde, Vargas instauraria um novo regime poltico no Brasil, o Estado Novo. Era uma poca de mudanas aceleradas em mbitos interno e externo. Logo, viriam a Segunda Guerra, o suicdio de Vargas, a Guerra Fria. O garoto do Brs, bairro operrio de So Paulo, crescera em um momento de constantes transformaes e era, antes mesmo do ingresso no Itamaraty, em 1958, observador atento das mudanas em curso no Brasil e no mundo. Em um primeiro momento, a carreira diplomtica proporcionou ao futuro Embaixador a oportunidade de acompanhar os desdobramentos histricos com maior proximidade. So inmeras histrias de bastidores, como o dia da renncia de Jnio Quadros, ocasio em que foi detido no Congresso aps levar uma mensagem de Afonso Arinos, Chanceler do perodo, para dissuadir os parlamentares

    de aceitarem a deciso do chefe do Executivo. Os anos de consolidao da carreira ofereceram-lhe, em um segundo momento, a possibilidade de participar ativamente dos rumos da histria do pas. Como repre-sentante do Brasil no exterior, exerceu cargos de liderana no Acordo Geral de Tarifas e Comrcio (GATT, na sigla em ingls), onde acompanhou as negociaes da Rodada Uruguai; foi Embaixador nos Estados Unidos e Secretrio-Geral da Conferncia das Naes Unidas sobre Comrcio e Desenvolvimento (UNCTAD). No plano interno, assumiu dois ministrios, o do Meio Ambiente e da Amaznia Legal e o da Fazenda. Como chefe da ltima pasta, foi responsvel pela implementao do Plano Real. O Embaixador recebeu a Revista Sapientia em seu escritrio, onde falou das estratgias de pases emergentes para reformar o sistema de governana global, da diplomacia brasileira e dos anos em que serviu o governo brasileiro.

  • 07

    Sapientia: Em alguns de seus livros, como Vises do Brasil e Rio Branco: o Brasil no mundo, percebemos a recorrncia do tema da insero internacional do nosso pas. A Professora Maria Regina Soares Lima aponta para a ambivalncia dessa insero, que estaria presente na atuao do Brasil em vrios regimes internacionais, como, por exemplo, o do meio ambiente, em que o Brasil tanto grande emissor quanto defensor ferrenho das metas de desenvolvi-mento sustentvel. O senhor acredita que a origem dessa insero ambivalente remeta ao sculo XIX, quando o Brasil cedia tratados desiguais Gr-Bretanha, ao mesmo tempo em que resistia no trfico negreiro?

    Rubens Ricupero H, no mundo, uma dualidade que, na Frana do sculo XIX, era descrita com o Partido da Resistncia e o Partido do Movimento. H sempre um grupo que do Partido do Movi-mento, que quer mudar as coisas, e h outro que no quer. O Brasil faz parte do Partido do Movi-mento, mas note-se que se trata de um pas reformista, no de um revolucionrio. O Brasil no quer destruir o sistema, como a Alemanha nazista quis na dcada de 1930, mas reform-lo. Ele deseja

    Sapientia: O senhor poderia desenvolver essa ideia?

    Foto: Divulgao

    Rubens Ricupero Eu acho essa observao da Maria Regina muito pertinente, e sua observao foi muito bem colocada. De fato, essa ambivaln-cia vem de longe, pelo menos do sculo XIX, e reflete as contradies do desenvolvimento brasileiro. Em uma obra importante, o Professor Roberto Schwarz fala das ideias fora do lugar, referindo-se s ideias liberais importadas da Europa pelos intelectuais brasileiros e implanta-das em um Brasil que era ainda uma sociedade escravocrata, completamente diferente das socie-dades europeias, onde j no havia mais escravido. Essa ambivalncia se manifesta at os dias atuais, e acredito que, s vezes, isso se deva nossa incapacidade de traduzir na prtica os nossos ideais. Por exemplo, ningum mais duvida da sinceridade dos governos brasileiros de quere-rem colocar em prtica os direitos humanos, mas a gente sabe que a polcia continua executando as pessoas sumariamente. A diferena que no mais como no governo militar, no qual havia uma poltica deliberada do Estado de torturar e reprimir. Hoje, a maioria dos governadores e a Presidente prefeririam que essas coisas no acon-tecessem, mas ainda no conseguem impedir esses abusos, porque a realidade social do pas ainda no est em um nvel que permita o respeito generalizado desses direitos humanos em todas as partes. Essa dificuldade aplica-se tambm ao meio ambiente. Eu fui Ministro do Meio Ambiente e da Amaznia h vinte anos, e na Amaznia a gente v isso. Os objetivos do governo so evitar a destruio, mas ela continua a ocorrer, sobretudo porque as presses econmicas provocam tenses sociais muito grandes. Parece-me que essa questo da ambiguidade que nasce da prpria situao do pas tambm no exclusiva ao Brasil. Ns temos que lembrar que outros pases,

    que, dentro das estruturas da ordem internacional, haja mudanas que tornem o sistema mais capaz de responder s mudanas atuais. Uma delas seria dar ao Brasil um estatuto mais alto, mas no apenas isso. O Brasil reconhece que no basta uma posio permanente no Conselho de Segu-rana, preciso haver tambm mudanas nas regras comerciais para a agricultura e nas demais reas que levem mais em conta os interesses de pases mais frgeis, como os africanos. Temos perdoado as dvidas que esses pases tm conosco. Temos mostrado na prtica nosso desejo de contribuir. Ento, eu diria que o fato de ser reformista caracteriza mais a posio brasileira no sistema internacional do que a ambiguidade. As

    como Rssia e China, tm graves problemas de direitos humanos e de democracia, e isso no os impede de serem membros do Conselho de Segu-rana. Os EUA mesmo tm problemas srios em muitas reas. Eu diria at, mudando um pouco o enfoque da Maria Regina, que o que mais carac-teriza o Brasil em sua insero no sistema internacional que o Brasil no um defensor do status quo, mas um pas que deseja a sua reforma.

  • 08

    Rubens Ricupero A segunda questo, de certa forma, est em vias de ser solucionada. No caso do Fundo de Reservas, pelo que entendo, os outros pases no quiseram que a China entrasse com uma contribuio maior. A ideia que todos contribuam com US$ 16 ou 18 bilhes igualmente. No caso do Banco, no sei como ser resolvido, mas a meu ver, o ideal evitar que um dos pases tenha uma posio majoritria, porque a vai-se reproduzir o problema dos Estados Unidos. Em relao questo sobre o que esses fundos podem

    Sapientia: Ento, seguindo o seu raciocnio, podemos inferir que a posio da diplomacia brasileira, de concertar-se com Rssia, ndia e China, acertada?

    Foto: Divulgao

    Rubens Ricupero A razo de ser dos BRICS vem da, porque no h muito em comum entre esses pases. Agora, o que eles podem ter em comum em algumas reas e no em todas, bom ressal-tar uma ao para mudar o sistema internacional em uma direo que esteja mais de acordo com as mudanas trazidas pela histria. Alguns exemplos: a busca de um sistema mais multilateral, em que no haja unilateralismos excessivos dos pases que so mais poderosos militarmente; a reforma do Conselho de Segurana, de forma a abrigar novos atores; a reforma do sistema financeiro, do FMI, para ter uma direo que no seja totalmente controlada pelos ocidentais.

    Sapientia: O senhor acredita que a criao de mecanismos alternativos, como a Arranjo Contin-gente de Reservas e o Banco dos BRICS, pode fazer frente ao FMI? Outra pergunta: como lidar com o desequilbrio entre os membros do grupo na medida em que a China o ator mais relevante?

    Quando, no G20, os BRICS propuseram um aumento de recursos do FMI, atravs de um fundo, o New Arrangements to Borrow (NAB), esses pases entraram com recursos. Trata-se de um caso interessante e concreto, e no retrico. Eles podem fazer isso tambm em outros setores, mas preciso ser realista. No prprio Conselho de Segurana, h problemas. A China, obviamente, no deseja o ingresso da ndia, ento no se pode contar com esse grupo para todas as reformas. Mas, em questes de crise financeira, econmica e monetria, o BRICS pode fazer muito. Eu sou muito favorvel tanto criao do banco para financiar infraestrutura quanto do fundo de reser-vas destinado a ajudar pases como a ndia que, neste momento, passa por dificuldades. Acredito que seja uma maneira inteligente o Brasil aumen-tar seu poder de influncia por meio desse grupo.

    grandes potncias, ainda que digam o contrrio, no querem a reforma e tendem a resistir a mudanas. Por esse motivo, eu acho que, para entender a posio do Brasil no presente e no futuro, temos de levar em conta essa caracters-tica. O Brasil, como um Estado emergente em ascenso, deseja que o sistema o acomode, dando-lhe mais voz. Essa vocao, no entanto, no de agora. A busca de uma reforma da ordem econmica, dos setores de finanas e monetrio, do Conselho de Segurana, da governana do meio ambiente e dos direitos humanos uma tendncia muito antiga da diplomacia brasileira. Na II Conferncia de Paz de Haia, em 1907, tivemos um episdio com o Rui Barbosa, e novamente em 1926, na SDN, quando o Brasil teve uma reao excessiva, retirando-se do rgo.

  • 09

    Sapientia: Como foi essa cerimnia de formatura?

    Sapientia: Quais so suas lembranas da renn-cia de Jnio?Rubens Ricupero Eu estava em Braslia nessa poca, era oficial de gabinete. Fui um dos primeiros voluntrios a irem para Braslia. Foi um perodo muito tumultuado, depois veio o Joo Goulart, o parlamentarismo... Foi a aproximao do golpe militar. A renncia teve episdios dramticos. Eu levei uma mensagem do Afonso Arinos ao Congresso, para que eles no aceitassem a renn-cia, e acabei preso pela polcia do Congresso. Aps a renncia de Jnio, fiquei como oficial de gabinete do San Tiago Dantas, que continuou e aprofundou a PEI. O Jnio, por exemplo, no chegou a reatar as relaes do Brasil com URSS, algo que foi feito na chancelara seguinte. Sa de Braslia em meados de 1963, antes do golpe militar. Pedi para ser removido

    Rubens Ricupero Olha, eu entrei na poca do Presidente Juscelino Kubistchek, e essa polarizao foi mais forte alguns anos antes, at a poca do suicdio do Presidente Vargas, em 1954. Em 1958, essas discusses ideolgicas ainda estavam presentes, mas haviam perdido um pouco da fora de outrora, porque os anos JK foram de euforia, de desenvolvimento material, do Plano de Metas e da construo de Braslia. S no final do governo JK comeou a aparecer no Brasil uma corrente que sustentava que a PEB deveria-se afastar da linha excessivamente pr-Ocidental e pr-EUA da Guerra Fria. Essas pessoas acreditavam que a PEB deveria dar mais nfase ao desenvolvimento, que era o que unia o Brasil a pases que tambm no estavam no centro da luta ideolgica anticomunista. Era a poca do Movimento Terceiro-Mundista e de grandes lderes como Nehru, na ndia; Tito, na Iugoslvia; Zhou Enlai, na China; Sukarno, na Indonsia. No MRE, havia uma oposio clara, porque a viso tradicional ainda predominava em termos de chefia. O Juscelino, embora tivesse tido iniciativas interessantes de poltica externa, como a proposta da OPA, no foi muito inovador nessa rea. Nas questes fundamentais, como na luta contra o colonialismo portugus e na Guerra da Arglia, o Brasil ainda tinha uma posio muito Guerra Fria, recusando-se a ver os movimentos de independncia apoiados pela URSS como movimentos nacionais e autnomos. A Revoluo Cubana, naquele momento, polarizou muito a sociedade e os jovens, sobretudo os do IRBr, que viram, no mundo e em Jnio Quadros,

    Rubens Ricupero O meu discurso causou muito impacto. No comeo de 1961, talvez estivssemos no momento mais perigoso da Guerra Fria. Foi o ano da Invaso da Baa dos Porcos, da tentativa de derrubada do governo cubano, da comunistizao de Cuba, da crise de Berlim, da construo do muro... Nessa poca, a percepo de que o mundo poderia terminar em holocausto nuclear, em uma guerra incontrolada era muito viva. O meu discurso abordava o perigo do aniquilamento da vida, e a audincia ficou muito impressionada, porque, em geral, essas coisas (cerimnias como a formatura do IRBr) so muito festivas. E meu discurso era um discurso dramtico. O Jnio ficou meio desequilibrado, pois no esperava. Ento ele comeou dizendo que o orador da turma tinha sido muito pessimista... De certa, maneira ele fez uma crtica. E eu disse, quando publiquei o meu discurso no livro Vises do Brasil, que estou aqui at hoje, e ele mesmo renunciou.

    Sapientia: poca de seu ingresso no Itama-raty, em 1958, a sociedade brasileira vivia um momento de polarizao entre os chamados nacionalistas e cosmopolitas. Havia o debate feito pelo Hlio Jaguaribe, do ISEB, e tambm os debates entre Guerreiro Ramos e Florestan Fernandes. Como era o clima poltico no Itama-raty quando o senhor entrou? Havia essa polari-zao dentro da instituio?

    uma esperana de mudana. Tanto era assim que a minha turma escolheu Jnio como paraninfo, provo-cando uma viva reao da chefia do Itamaraty. O diretor do IRBr poca, Embaixador Antnio Camilo de Oliveira, pediu para a nossa turma repensar, sugerindo que escolhssemos algum como Roberto Campos, que era exatamente o tipo de postura que ns queramos combater. Eu valorizo muito o aporte que o Roberto Campos trouxe, mas ele era visto pelos mais jovens como um homem muito ligado aos EUA. Ns batemos o p e no aceitamos outro nome. Jnio foi nosso paraninfo, e eu, o orador.

    fazer, no h inteno de confronto com o FMI, at porque, no caso das reservas, j houve uma experincia similar na sia, depois da crise de 1997, a Iniciativa de Chiang Mai. O fundo dos BRICS vai complementar o FMI. Isso obrigar o rgo a ter uma posio mais moderada. Acho que a inteno no criar algo que constitua um sistema parte, mesmo porque no faria sentido. O interesse dos BRICS o de reformar o sistema por dentro, e no de abandon-lo para criar outro.

  • 10

    Sapientia: Quer dizer ento que se falava muito de poltica externa naquela poca?

    Sapientia: Sobre a inflao, gostaramos de perguntar sobre o perodo de implementao do Plano Real, quando o senhor era Ministro da Fazenda. Quais eram as apreenses e as expec-tativas, no dia do lanamento do Plano?Rubens Ricupero Eu recebi do ento Presidente Itamar Franco a instruo de aplicar o Plano Real com a equipe que o havia concebido. Era a equipe do Fernando Henrique Cardoso. O Andr Lara Resende havia sado antes da minha entrada, mas todos os outros ficaram e ficaram comigo at o fim. Preparei tudo sobre a fase da introduo do real. Em fevereiro de 1994, ainda sob a orientao de FHC, havia-se introduzido a URV (Unidade Real de Valor), unidade de conta que preparou a introduo do Plano Real. A nova moeda mesmo s veio mesmo a ser introduzida em 1 de julho de 1994.

    Sapientia: Agora, um tema sobre a historiografia diplomtica, que consagra Alexandre de Gusmo, Duarte da Ponte Ribeiro e Baro do Rio Branco como os maiores expoentes da poltica externa brasileira. O senhor concorda com essa classificao? Quais so os grandes nomes da diplomacia brasileira, em sua opinio?Rubens Ricupero Na verdade, eu acho que esses trs nomes que voc citou tm um papel muito desigual. O Alexandre de Gusmo no bem brasileiro. Ele nasceu aqui, mas era portu-gus. at um anacronismo dizer que ele brasileiro, porque, na poca, no se concebia isso. Ele nasceu na colnia, mas foi um homem da Corte, que pensava como um portugus. O Duarte da Ponte Ribeiro foi um excelente diplo-mata, mas ele no teve um impacto to grande na grande poltica externa do Imprio. O Visconde de Uruguai, que foi um poltico, e o Visconde do Rio Branco, pai do Baro do Rio Branco, so mais

    Sapientia: Mas quais eram as expectativas de sucesso do Plano, considerando a sucesso de planos fracassados do final da dcada de 1980?Rubens Ricupero Olha, havia muitas dvidas mesmo dentro da equipe. E, no pas, o ceticismo

    Rubens Ricupero Vivamente. Havia muita mobili-zao por causa dessa radicalizao. S que a diferena que eu vejo que, naquela poca, a sociedade brasileira estava muito polarizada e radicalizada, no tanto em relao poltica externa, embora a PEB tivesse a sua contribuio, mas, sobretudo, por causa do embate comunismo-anticomunismo. Havia o setor mais conservador, classe mdia, que via em Jango um governo que estava levando o Brasil a uma radicalizao de esquerda, como em Cuba. Do outro lado, estavam os mais radicalizados, que queriam a reforma de estrutura, ainda que fosse pela fora. Essa situao lembra um pouco hoje o que vemos na Venezuela e, em certo grau, na Bolvia e Equador. Trata-se de um racha na sociedade, seguindo linhas ntidas de classe. A poltica externa entrava a como compo-nente, porque as pessoas que se opunham ao governo denunciavam uma posio que era considerada pr-Cuba, pr-URSS, pr-China e que era um perigo para o Ocidente.

    era generalizado, porque ns tivemos sete planos, trs deles com mudana do padro monetrio. Houvera dois grandes traumas no governo Collor, por causa do confisco e do cruzado. Tudo parecia estar dando certo naquele momento, e no deu. As pessoas achavam que a inflao estava no DNA do Brasil. Dentro da equipe, claro, ningum exter-nalizava isso, mas os economistas, que eram muito bons, sabiam que o Brasil ainda tinha condies muito precrias. Quando eu entrei, tive uma reunio com a equipe e perguntei quando era o Dia D. No lembro se usei essa expresso, mas eu me referia ao dia de introduo da nova moeda. E a eu fiquei surpreso de descobrir que no havia nenhuma ideia precisa e de ver a diviso deles na discusso. Uma das minhas contribuies, acho, foi fixar uma data. Creio que tive mais duas impor-tantes contribuies: uma foi o papel poltico, pois fui intermedirio entre uma equipe e um Presi-dente que no se gostavam; outra foi o de persuadir a opinio pblica, com aqueles progra-mas de televiso que eu fazia, de que daquela vez daria certo. Ouso pensar que foi um elemento importante no xito do plano porque as pessoas acreditaram e aderiram. Curiosamente, foram contribuies fora da minha rea. Em algum momento, eu pensei que poderia ser Ministro das Relaes Exteriores, e no fui, mas fui Ministro do Meio Ambiente e da Amaznia, e Ministro da Fazenda (risos). Para vocs verem como a vida... curiosa.

    para Viena, porque o Embaixador Mrio Gibson Barboza, que depois foi Ministro, havia sido meu chefe de gabinete. Mas a o Brasil j estava em crise, e a poltica externa foi um componente no desprezvel da crise.

  • Sapientia: O senhor gostaria de acrescentar outros nomes?

    11

    representativos da poltica exterior do sculo XIX. O Duarte da Ponte Ribeiro era tcnico na questo de fronteiras, mas acho que seria um exagero atribuir a ele um papel maior. O Rio Branco, sim, um caso interessante. No sculo XIX, o servio consular e o servio diplomtico no se comuni-cavam, e normalmente no se passava de um para outro. O Rio Branco foi do servio consular o tempo todo, s no final que ele passou para o servio diplomtico. Mas ele era, no fundo, um profissional. Como ele mesmo dizia, desde muito cedo aprendeu na sala de visitas da casa do pai a discutir os assuntos externos. Eu no tenho dvida nenhuma de que a grande figura at hoje o Baro do Rio Branco. E provavelmente vai ficar para sempre como uma figura inigualvel, por uma razo muito simples: coube a ele resolver em definitivo os problemas de fronteira que, de todos os problemas com que lida a diplomacia, so os mais concretos. O Itamaraty no tem metas de produo. O Itamaraty lida com polticas que so intangveis. E, dessas polticas intangveis, a mais tangvel a fronteira. Quer dizer, no caso do Rio Branco, voc pode dizer, e no exagero, que ele assegurou ao Brasil 900 mil km. No tudo inteiramente novo, alguma coisa j estava, mas ele eliminou todas as dvidas. Ento, qual ser o novo brasileiro que ir-nos assegurar isso? difcil de pensar que haja algum no Brasil que

    Rubens Ricupero Acho que h outras figuras grandes e importantes, como Joaquim Nabuco, um agente diplomtico que era amigo do presi-dente e de todo mundo. Foi o maior Embaixador que tivemos. Depois disso, h outras figuras, como o Arajo Castro, que foi um pensador muito importante; o Santiago Dantas, que no era um diplomata profissional, mas foi um homem que deu uma contribuio de valor; o Oswaldo Aranha, que tambm no era diplomata, mas foi um ministro muito importante; San Tiago Dantas e Arajo Castro, nomes ligados PEI. No perodo militar, tambm tivemos ministros importantes, como o Azeredo da Silveira e o Saraiva Guerreiro. Este, embora mais discreto, teve de vencer proble-mas difceis, como a Guerra das Malvinas, na qual se saiu muito bem. Eu pararia por a, porque os que vieram depois esto muito prximos de ns, e no simples apreci-los com iseno. Mas posso dizer que os meus colegas que estiveram frente do MRE nos ltimos tempos se saram todos com muita distino.

    Foto: Divulgao

    possa produzir algo comparvel ao Baro do Rio Branco, no ? Porque ele foi o homem para esse assunto. Ele foi um grande pensador e executor de poltica externa.

  • 12

    PROFESSOR SAPIENTIA COMENTA

    HISTRICO E ANLISE DO CONCEITO DERESPONSABILIDADE AO PROTEGERDiplomata e editor-chefe da sexta edio da revista JUCA, do IRBr. Professor de Poltica Internacional do Curso Sapientia.

    A As grandes tragdias humanitrias que macularam com sangue a dcada de 1990 ensejaram acalorado debate sobre a necessidade de flexibili-zao da soberania dos Estados em face de violaes de direitos humanos. A incapacidade de a comunidade internacional responder de forma satisfatria s hecatombes de Ruanda, em 1994, e Srebrenica, em 1995, colocou em questo a inviolabi-lidade deste que fora o pilar central das relaes internacionais desde, ao menos, o Tratado de Vestflia, de 1648. dentro desse contexto que se deve compreender a emergncia da Responsabilidade de proteger (R2P) e de seu conceito correlato, a Respon-sabilidade ao Proteger (RwP). Embora, em uma primeira anlise, trate-se de ideias amparadas por projetos polticos antagnicos, as divergncias entre ambos os conceitos so muito menos acentuadas do que eventos recentes levam a crer. Fatos ocorridos nos ltimos anos, particularmente a evocao pouco criteriosa do conceito como instrumento legitimador das intervenes da Rssia na Osstia do Sul, em 2008, e da OTAN na Lbia, em 2011, fizeram que a responsabilidade de proteger fosse igualada, na percepo do pblico leigo, ao intervencionismo puro. O conceito original, entretanto, era muito mais complexo e nuanado. Foi com o fito de recuperar a riqueza propositiva da ideia que a Presidenta Dilma Rousseff e o Chanceler Antonio Patriota elaboraram, em 2011, o necessrio conceito de Responsabilidade ao Proteger. A formalizao do conceito de responsabili-dade de proteger deu-se em 2001, com o lanamento do relatrio da Comisso Internacional sobre Interveno e Soberania do Estado (ICISS), capita-neada pelo Canad. A Comisso surgira com a misso de elaborar uma resposta conceitual s catstrofes humanitrias da dcada de 1990 e, em suas concluses, arrolava uma srie de medidas preventivas que deveriam ser esgotadas antes de a comunidade internacional permitir a violao da

    soberania estatal com o fito de alcanar um objetivo supostamente nobre - a proteo da vida de civis ameaados pelo prprio Estado. Para os propsitos deste artigo, parece-me til comparar os textos originais de trs iniciativas distintas: 1) a definio do conceito pelo ICISS em 2001; 2) a incorporao do conceito ao documento World Summit Outcome, da Assembleia Geral, em 2005; 3) a atualizao proposta pela Chancelaria brasileira ao Conselho de Segurana, em 2011, no perodo posterior desastrada interveno da OTAN na Lbia. Analisemos o primeiro:

    THE RESPONSIBILITY TO PROTECT: CORE PRINCIPLES(1) Basic PrinciplesA. State sovereignty implies responsibility, and the primary responsibility for the protection of its people lies with the state itself.B. Where a population is suffering serious harm, as a result of internal war, insurgency, repression or state failure, and the state in question is unwilling or unable to halt or avert it, the principle of non-intervention yields to the international responsibility to protect.[] (3) ElementsThe responsibility to protect embraces three specific responsibilities:A. The responsibility to prevent: to address both the root causes and direct causes of internal conflict and other man-made crises putting populations at risk.B. The responsibility to react: to respond to situations of compelling human need with appro-priate measures, which may include coercive measures like sanctions and international prosecu-tion, and in extreme cases military intervention.C. The responsibility to rebuild: to provide, particu-larly after a military intervention, full assistance with recovery, reconstruction and reconciliation, addressing the causes of the harm the intervention was designed to halt or avert.

    Por Danilo Bandeira

  • 13

    (4) PrioritiesA. Prevention is the single most important dimension of the responsibility to protect: prevention options should always be exhausted before intervention is contemplated, and more commitment and resources must be devoted to it.B. The exercise of the responsibility to both prevent and react should always involve less intrusive and coercive measures being considered before more coercive and intrusive ones are applied.

    Note-se que, a um enunciado inicial categrico ("Nos casos em que uma populao esteja sofrendo danos severos, como resultado de guerra, insurgncia, represso ou falhas estatais, e o Estado em questo no quiser ou no for capaz de interromper tais aes, o princpio da no interven-o d lugar ao princpio da responsabilidade internacional de proteger"), seguem-se postulados que matizam a assertiva e colocam-na como instru-mento a ser utilizado em ocasies extremas, caso todas as alternativas menos invasivas tenham fracas-sado. Essas alternativas englobam foco nas medidas preventivas, que visam a eliminar as causas do conflito em questo, e no combater seus sintomas ("A preveno a dimenso mais importante da responsabilidade de proteger"). No se trata, pois, de uma defesa irrefletida do intervencionismo. O desenvolvimento que a proposta recebeu no mbito da ONU resultou em verso menos equilibrada do conceito, consubstanciada nos pargrafos 138 e 139 do World Summit Outcome, de 2005. Neles, l-se:

    138. Each individual State has the responsibility to protect its populations from genocide, war crimes, ethnic cleansing and crimes against humanity. This responsibility entails the prevention of such crimes, including their incitement, through appropriate and necessary means. We accept that responsibility and will act in accordance with it. The international commu-nity should, as appropriate, encourage and help States to exercise this responsibility and support the United Nations in establishing an early warning capability.139. The international community, through the United Nations, also has the responsibility to use appropri-ate diplomatic, humanitarian and other peaceful means, in accordance with Chapters VI and VIII of the Charter, to help protect populations from genocide, war crimes, ethnic cleansing and crimes against humanity. In this context, we are prepared to take collective action, in a timely and decisive manner, through the Security Council, in accordance with the

    Charter, including Chapter VII, on a case-by-case basis and in cooperation with relevant regional organi-zations as appropriate, should peaceful means be inadequate and national authorities manifestly fail to protect their populations from genocide, war crimes, ethnic cleansing and crimes against humanity. We stress the need for the General Assembly to continue consideration of the responsibility to protect popula-tions from genocide, war crimes, ethnic cleansing and crimes against humanity and its implications, bearing in mind the principles of the Charter and international law. We also intend to commit ourselves, as necessary and appropriate, to helping States build capacity to protect their populations from genocide, war crimes, ethnic cleansing and crimes against humanity and to assisting those which are under stress before crises and conflicts break out.

    Em que pesem menes responsabili-dade dos Estados de prevenir a ocorrncia de crimes contra a humanidade ("Essa responsabilidade implica a preveno de tais crimes...") e utilizao prvia de meios pacficos de auxlio e dissuaso ("A comuni-dade internacional, por meio da ONU, tambm tem a responsabilidade de usar os meios diplomticos, humanitrios e outros meios pacficos apropriados para ajudar a proteger populaes"), o instrumento enfatizado no texto a interveno "coletiva, decisiva e imediata" intermediada pelo Conselho de Segurana. Trata-se de vis mais propenso interveno do que aos aspectos preventivos da responsabilidade de proteger o que foi visto pelas potncias ocidentais como oportunidade para uma atuao ofensiva durante a crise na Lbia em 2011. O processo que culminou com a derrubada e o assassinato do lder lbio Muammar Kadafi marcou o momento em que a discricionariedade das aes das potncias ociden-tais atingiu seu paroxismo, no bojo de uma operao que extrapolou mesmo as flexveis disposies do World Summit Outcome. Se fosse respeitada a preocupao com os princpios da Carta e do Direito Internacional constante do documento , o mandato conferido pela Resoluo 1973 do Conselho de Segurana no teria sido infringido de maneira to flagrante. Nesse cenrio, parece natural que a contra- proposta brasileira sobre o tema enfatize as dimen-ses originais do conceito de responsabilidade de proteger. A nota conceitual apresentada pela chance-laria brasileira ao Conselho de Segurana resgata as preocupaes do texto de dez anos antes de forma particularmente instrutiva, de vez que, em seus 11 pargrafos, promove uma sntese clara e eficiente do

  • 14

    Ministro Patriota fala imprensa sobre a situao na Lbia e na Sria, aps reunio do Conselho de Segurana.

    Foto: JC Mcllwaine/ UN Photo

    percurso que conecta a responsabilidade de proteger original, como concebida no relatrio do ICISS, responsabilidade ao proteger. Para nossos propsi-tos, basta que atentemos para os seguintes pargra-fos, que propem um balano das consequncias da interveno da OTAN na Lbia, em maro de 2011, e buscam aprender com os erros cometidos:

    7. Even when warranted on the grounds of justice, legality and legitimacy, military action results in high human and material costs. That is why it is imperative to always value, pursue and exhaust all diplomatic solutions to any given conflict. As a measure of last resort by the international community in the exercise of its responsibility to protect, the use of force must then be preceded by a comprehensive and judicious analysis of the possible consequences of military action on a case-bycase basis. []9. Yet attention must also be paid to the fact that the world today suffers the painful consequences of interventions that have aggravated existing conflicts, allowed terrorism to penetrate into places where it previously did not exist, given rise to new cycles of violence and increased the vulnerability of civilian populations. 10. There is a growing perception that the concept of the responsibility to protect might be misused for purposes other than protecting civilians, such as regime change. This perception may make it even more difficult to attain the protection objectives pursued by the international community. 11. As it exercises its responsibility to protect, the international community must show a great deal of responsibility while protecting. Both concepts should evolve together, based on an agreed set of funda-mental principles, parameters and procedures, such

    as the following: (a) Just as in the medical sciences, prevention is always the best policy; it is the emphasis on preven-tive diplomacy that reduces the risk of armed conflict and the human costs associated with it; (b) The international community must be rigorous in its efforts to exhaust all peaceful means available in the protection of civilians under threat of violence, in line with the principles and purposes of the Charter and as embodied in the 2005 World Summit Outcome; (c) The use of force, including in the exercise of the responsibility to protect, must always be authorized by the Security Council, in accordance with Chapter VII of the Charter, or, in exceptional circumstances, by the General Assembly, in line with its resolution 377 (V); (d) The authorization for the use of force must be limited in its legal, operational and temporal elements and the scope of military action must abide by the letter and the spirit of the mandate conferred by the Security Council or the General Assembly, and be carried out in strict conformity with interna-tional law, in particular international humanitarian law and the international law of armed conflict; (e) The use of force must produce as little violence and instability as possible and under no circumstance can it generate more harm than it was authorized to prevent; (f) In the event that the use of force is contemplated, action must be judicious, proportionate and limited to the objectives established by the Security Council;

    So evidentes os pontos de confluncia entre o relatrio produzido pelos canadenses e a proposta brasileira. Em ambos, h nfase na preveno, em detrimento de aes cujo fim

  • 15

    remediar um mal j consumado. Nesse sentido, a proposta brasileira vai alm e aprofunda-se na metfora mdica, ao sugerir que uma interveno no pode, em nenhuma hiptese, gerar danos mais profundos do que aqueles que ela visa a prevenir. Trata-se, primeira vista, de postulado intuitivo, que constata precauo bvia; a experincia histrica das intervenes humanitrias, entretanto, demonstra que, com frequncia perturbadora, a comunidade internacional ignora as consequncias derivadas do no respeito a esse princpio. No outro o objetivo da diplomacia brasileira ao declarar, em seu documento: "O mundo sofre, hoje, as dolorosas consequncias de interven-es que agravaram conflitos j existentes, permiti-ram que o terrorismo penetrasse em territrios onde ele no existia e deram origem a novos ciclos de violncia, aumentando a vulnerabilidade das popu-laes civis. A referncia bvia, aqui, a desagre-gao profunda qual foi submetida a Lbia pas autoritrio, mas at ento estvel, livre de terrorismo e relativamente prspero aps a desastrada interven-o da aliana militar ocidental, em cujo rastro prosperara toda sorte de extremismos. tambm o exemplo da Lbia em que uma zona de excluso area converteu-se em uma operao aberta de mudana de regime, cujo clmax, brbaro e sangrento, em nada contribuiu para a reconciliao de uma sociedade dividida que leva a proposta brasileira a enfatizar a necessidade de se respeitarem estritamente os limites dos mandatos concedidos pelo Conselho de Segurana. Trata-se, aqui tambm, de frisar o bvio isto , que tropas internacionais esto autorizadas a realizar apenas as aes previstas expressamente nas resolues do Conselho de Segurana que as mobilizaram.

    Essas no eram inquietaes estranhas aos formuladores do conceito de responsabilidade de proteger. A experincia histrica, porm, no lhes fora generosa a ponto de fornecer exemplos irrefu-tveis de utilizao poltica, pelo Conselho de Segu-rana, da doutrina da interveno humanitria, razo pela qual no h previso explcita no documento original quanto aos limites que devem ser impostos ao de foras autorizadas pelo rgo. No mesmo sentido, no lhes parecia evidente que uma interven-o animada por propsitos supostamente nobres poderia resultar na desarticulao de uma nao, constatao da qual se beneficiaram os defensores de respostas mais equilibradas a crises humanitrias. A concluso natural que emerge do contra-ponto entre os trs documentos analisados no desvela ineditismos: atores polticos, particular-mente aqueles que dispem de grandes recursos de poder, fazem uso pouco escrupuloso de concei-tos para legitimar aes que lhes trazem benefcios. A responsabilidade de proteger, conceito conce-bido com o fito de obter um fim nobre, no escapa a essa afirmao. Da deriva a falsa dicotomia que parece ter-se apresentado quando do aparecimento do conceito de responsabilidade ao proteger: se contraposta maneira pela qual a responsabili-dade de proteger foi instrumentalizada no caso lbio, a responsabilidade ao proteger constitui, de fato, negao do que se viu no pas africano; se cotejada com os princpios delineados no docu-mento de 2001, entretanto, a proposta brasileira representa, antes, tentativa de reequilibrar o debate por meio do resgate do esprito original de um conceito complexo, pacfico e eminente-mente diplomtico.

    Reunio do Conselho de Segurana da ONU sobre mulheres, paz e segurana.

    O artigo expressa uma anlise do autor e no representa formalmente a posio do Ministrio das Relaes Exteriores.

    Foto: Debra Berkowitz/ UN Photo

  • 16

    OPINIAO CRITICA DE CONVIDADO

    A ERA PATRIOTA

    A Os meses de agosto e setembro de 2013 esto destinados a entrar para a histria da Poltica Externa Brasileira, no somente pela deciso de adiamento da visita de Estado que a Presidenta Dilma Rousseff faria aos Estados Unidos da Amrica, mas tambm pela demisso do Chanceler Antonio Patriota, ocasionada pela crise deflagrada com a retirada do senador da oposio da Bolvia Roger Pinto Molina da Embaixada brasileira naquele pas. Cabe, neste contexto, uma breve reflexo acerca do perodo em que Patriota esteve frente do Ministrio das Relaes Exteri-ores (MRE). O presente artigo prope-se menos a uma reflexo crtico-analtica, o que pode vir a ser tema de futuros trabalhos, e mais a uma exposio retrospectiva dos principais feitos realizados na gesto do agora ex-Ministro, buscando uma carac-terizao da poltica externa do governo Dilma. Quem l estas linhas poderia questionar: h algo que possa caracterizar especificamente os 32 meses em que Patriota esteve frente do Itamaraty? A resposta a essa pergunta encontra-se alm dos fatos. A poltica externa, como poltica pblica de Estado, deve ser analisada dentro do seu propsito de defesa dos interesses nacionais, sendo vista como um processo sem bruscas rupturas. Desse modo, cada governo que assume um mandato imprime suas diretrizes na conduo de nossos assuntos externos, sem romper com os pilares fundamentais da busca de desenvolvimento, autonomia, independncia nacional, autodeterminao dos povos, defesa dos direitos humanos, entre outras finalidades. Isso significa que a gesto Patriota teve, sim, peculiari-dades que a caracterizam, mas ela se insere em um processo mais amplo que a poltica externa de Estado e no de governo. Fosse pelo sobrenome bastante alusivo, fosse pela tradio familiar, ou pelos postos que ocupara na carreira, Antonio Patriota seria o Minis-tro ideal para dar continuidade ao legado da Era

    Amorim. Este soubera conjugar os interesses do mandato de Lula com as diretrizes da Poltica Externa Brasileira, dialogando com o lder do Executivo e aplicando sua lgica conduo externa do pas. No que a Patriota faltasse tamanha habilidade, o fato que o agora ex-Ministro no reproduziu com Dilma a relao Lula-Amorim. Entretanto, apesar das crticas e da crise que se anuncia na mdia em relao liderana no Itama-raty, faamos justia ao legado de Patriota. Vale ressaltar que sua gesto deixa impor-tantes feitos na histria diplomtica brasileira, mesmo que em cenrio menos favorvel que o de seu antecessor. Durante a chancelaria de Patriota, o Itamaraty foi alvo de investigao que resultou no corte dos ditos supersalrios de alguns diploma-tas no exterior; teve o Concurso de Admisso Carreira Diplomtica atrasado em alguns meses; e recebeu outras graves crticas. Isso se considerar-mos o contexto interno do Ministrio. Um olhar mais amplo na conjuntura do pas e na estrutura externa faria que observssemos o agravamento de uma crise econmica no Brasil, a desacelerao econmica nos BRICS e o reforo do tema da segu-rana no sistema internacional, com a ecloso da Primavera rabe e das ameaas latentes de grandes conflitos. Ao analisar poltica externa, devemos sempre considerar o sistema no qual ela se desenvolve. Entre a proposta da Reponsabilidade ao Proteger e a crise com a Bolvia, foram inmeros os acontecimentos que permitiriam caracterizar a Era Patriota como espcie de continuidade da gesto anterior. Buscou-se reforar o que Celso Amorim chamou de protagonismo engajado do Brasil na conduo de uma poltica externa altiva e ativa. Em seu discurso de posse, ao afirmar que a Poltica Externa Brasileira preservaria as conquistas dos ltimos anos, Patriota reafirmou a prioridade sul-americana, com nfase na relao

    Por Daniela Medeiros

    Mestre em Relaes Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas Unesp, Unicamp e PUC/SP. Doutoranda em Cincias Sociais pela Unesp Marlia. Professora do Curso de Relaes Internacionais da Fundao Escola de Comrcio lvares Penteado - FECAP.

  • 17

    Foto: UN Photo/Mark Garten

    com a Argentina, sem, contudo, negligenciar parcerias tradicionais. O primeiro destino de viagem tanto do Ministro quanto da Presidenta j seria caracterstico da gesto, a Argentina. Fazia-se fundamental conciliar as posies com o pas vizinho e terceiro parceiro comercial para aprofundar o processo de integrao regional. A essa viagem seguiram-se outras aos demais membros do MERCOSUL. Ainda no mbito dessa organizao, o Embaixador Samuel Pinheiro Guimares assumiu o cargo de Alto Representante-Geral para o MERCOSUL, no qual permaneceu por quase um ano e meio. A preocu-pao com o entorno geogrfico foi observada tambm na atuao do pas na UNASUL, na CELAC e em suas relaes com o CARICOM. Quanto s parcerias tradicionais, ainda no primeiro semestre da gesto, o Ministro esteve nos EUA, na Alemanha, na Venezuela, na ndia e na China, pases com os quais o Brasil procurou reforar as parcerias bilaterais estratgicas. No clube dos emergentes, a Rssia foi destino de viagem em 2012. Apesar da crtica de esvaziamento do ativismo multilateral brasileiro no exterior, devemos considerar que o pas se engajou em uma srie de campanhas que garantiram a presena do Brasil em importantes organizaes e rgos multilaterais. Entre essas iniciativas, podemos mencionar a eleio do agrnomo Jos Graziano para o cargo de Diretor Geral da Organizao das Naes Unidas para Alimentao e Agricultura (FAO, na sigla em ingls), a escolha do Brasil para o Conselho Econmico e Social da ONU (ECOSOC, na sigla em ingls), para o Conselho de Direitos Humanos da mesma organi-zao (CDH) e para o Conselho Executivo da Organi-

    zao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO, na sigla em ingls). O Brasil foi tambm reeleito para o Comit de Consoli-dao da Paz, do qual faz parte desde a criao, em 2005. De todas essas campanhas, no entanto, foi a candidatura do Embaixador Roberto Azevdo a Diretor Geral da Organizao Mundial do Comrcio (OMC) que representou grande passo para afirmar a presena do pas no exterior. Nesse ponto, uma importante ressalva faz-se necessria: Azevdo no representa o Brasil na OMC, mas atua como Diretor-Geral da organizao. Consideramos, entretanto, que o fato de termos brasileiros na liderana de impor-tantes instituies internacionais refora o engajamento do pas nos temas da agenda, alm de sua atuao na prtica do discurso de reforma da governana global. Outro fato de relevncia fundamental, no incio da gesto Patriota, foi o Brasil assumir a presidncia do Conselho de Segurana da ONU no ms de fevereiro de 2011. O Ministro, naquela ocasio, discursou e defendeu a interdependncia entre paz, segurana e desenvolvimento, pedra angular da Poltica Externa Brasileira, que faz referncias a preceitos histricos de nossa diplo-macia. Se o tema histria diplomtica, lembremos que se celebrou o centenrio de morte do Baro do Rio Branco. Foi nos embalos das comemoraes em memria do Patrono da Diplomacia que o Brasil continuou a participar de importantes reunies multilaterais, prtica estimulada pelo Chanceler daquele perodo, recordando a Conferncia de Haia de 1907. Atualmente, o Brasil participa de impor-tantes organizaes internacionais, agrupamentos, coalizes, grupos e mecanismos, tais como G20 financeiro, BRICS, IBAS, ASA, ASPA, BASIC, CPLP e OTCA. Se os crticos afirmam que a atuao brasileira deixa a desejar em relao a gestes anteri-ores, devemos lembrar a mxima do filsofo espanhol Jos Ortega y Gasset, que assevera: o homem o homem e a sua circunstncia. O contexto dos prprios emergentes j no o mesmo, assim como o do prprio sistema internacional. J no primeiro ms da gesto Patriota, eclodiu a Primavera rabe. Nesse contexto, importa reforar o pleito do Brasil pela defesa da paz e da soluo pacfica de controvrsias, princpios que esto no artigo 4 da Constituio Brasileira de 1988. Ainda vale ressaltar a posio brasileira diante da Resoluo 1973 sobre a Zona de Excluso Area na Lbia. O pas absteve-se, juntamente com Rssia, Alemanha, China e ndia e justificou-se o

    A gesto Patriota lanou duas grandes bandeiras: o conceito de Reponsabilidade ao Proteger e a defesa da participao da sociedade civil na formulao da poltica externa.

  • 18

    Foto: UN Photo/Mark Garten

    posicionamento, alegando que o trecho todas as medidas necessrias para proteger os civis daria vazo para aes extremas. Nesse ponto, podemos colocar um dos grandes temas em debate na gesto Patriota, o lanamento do conceito de Responsabilidade ao Proteger, sobre o qual o Ministro e a Presidenta tiveram oportunidade de discursar e defender uma avaliao na forma pela qual o princpio de Responsabilidade de Proteger era aplicado. Interessa notar um trecho do discurso de posse de Patriota que seria fundamental para susten-tar algumas posies durante sua gesto, especial-mente no caso da Sria e da Lbia, seguindo as bases fundamentais da PEB: Continuaremos a privilegiar o dilogo e a diplomacia como mtodo de soluo de tenses e controvrsias; a defender o respeito ao direito internacional, no interveno e ao multi-lateralismo; a militar por um mundo livre de armas nucleares; a combater o preconceito, a discriminao e a arbitrariedade; e a rejeitar o recurso coero sem base nos compromissos que nos irmanam como comunidade internacional.. Ainda sobre os temas da agenda multi-lateral, devemos enfatizar a Conferncia das Naes Unidas sobre Desenvolvimento Susten-tvel (CNUDS), a Rio+20. Nessa ocasio, o Brasil logrou enfatizar a discusso acerca do tema central nos trs pilares (ecaonmico, social e ambiental), sem retroceder em relao s nego-ciaes anteriores. Durante os debates da CNUDS, e em seu documento final, pde-se inserir o combate pobreza como tema central da discusso para promover-se o desenvolvimento sustentvel. Na mesma tnica, em 2012, a Presidenta

    Dilma, em seu discurso na ONU, lanou o que chamou de novo paradigma das Relaes Internacionais: crescer, incluir, conservar e prote-ger, o que ela tambm citou na Assembleia de 2013. Ainda no ramo das negociaes ambientais, o pas participou das reunies das partes das Conven-es de Diversidade Biolgica e de Mudana Climtica. Nesta, importa ressaltar a disposio do pas em negociar acordos vinculantes para o perodo posterior a Quioto. Deve-se considerar que o Brasil logrou alar novos voos na gesto Patriota. O pas assumiu o comando da Fora-Tarefa Martima no Lbano (a UNIFIL, na sigla em ingls). Essa foi a primeira vez em que um pas no membro da OTAN assumia o posto. Alm disso, o pas teve de se posicionar sobre questes de grande relevncia para o sistema: o caso da Sria, no qual defende uma soluo pacfica e negociada; o caso da Lbia, que abordamos anterior-mente; o reconhecimento da Palestina como Estado Observador na ONU; os testes nucleares na Coreia do Norte. A posio do pas insere-se na tradio de negociao e defesa da paz. Ainda em termos de posicionamentos crticos, o pas, j na gesto de Figueiredo, descobriu-se alvo de espionagens feitas pelos Estados Unidos da Amrica. O governo brasileiro, ao no receber as requeridas explicaes do tradicional parceiro, respondeu de duas formas: com o adiamento da viagem que a Presidenta Dilma faria ao pas, em outubro de 2013, e com um discurso contundente em relao postura dos EUA na abertura da 68 Sesso da Assembleia Geral das Naes Unidas. Em relao ao Ir, na chancelaria de Patriota, o voto "contra" esse Estado na ONU, em maro de 2011, foi visto pela mdia

    1.O voto contra o Ir no Conselho de Direitos Humanos da ONU foi, em verdade, um voto a favor do envio de um relator independente para investigar a situao dos direitos humanos naquele pas.

    O Secretrio-Geral da ONU Ban Ki-moon em encontro com Patriota e com os demais chanceleres dos Estados-membros do MERCOSUL. Durante a gesto Patriota, foi reafirmada a prioridade sul-americana.

  • 19

    Foto: UN Photo/JC McIlwaine

    como afastamento da poltica que vinha sendo praticada no governo Lula. Segundo o raciocnio da imprensa, ao afastar-se do Ir, o Brasil dialogaria de maneira mais prxima com os EUA. Chegou-se a cogitar que o voto teria atendido um pedido do Presidente Obama, mas a representante do Brasil no rgo, Embaixadora Maria Nazareth Farani Azevdo, afirmou, poca, que no se tratava de um voto contra o Ir, mas a favor do fortalecimento do sistema de direitos humanos. No mbito das novidades, iniciou-se um processo para aproximar a sociedade civil da diplo-macia, o que, para alm do lanamento de portais online como o blog Diplomacia Pblica, contm a ideia do lanamento de consultas pblicas sobre assuntos de interesse nacional. Essa iniciativa coloca em questionamento a participao do cidado na Poltica Externa Brasileira, buscando diminuir o abismo existente entre o pblico em geral e os assuntos que importam para o pas na seara internacional. Foi, todavia, um acontecimento em nosso entorno geogrfico que causou grandes reflexes e debates acerca da orientao diplomtica. Referimo-nos suspenso do Paraguai do MERCOSUL, sob a justificativa de cumprimento da clusula democrtica em vigor. Os demais pases do bloco entenderam que o dispositivo teria sido desrespeitado em funo do rito sumrio no processo de impeachment sofrido pelo Presidente Fernando Lugo. Crticos alegam que o debate foi uma forma de permitir a entrada da Venezuela no bloco. O Paraguai era o nico pas que ainda no havia aprovado o pas no MERCOSUL, ingresso que, de fato, ocorreu durante a suspenso paraguaia. A Poltica Externa Brasileira no perodo em que Antonio Patriota esteve na liderana do Itama-raty caracterizou-se por episdios histricos, como o lanamento de um princpio internacional como a Responsabilidade ao Proteger, e tambm por crises, como a retirada do senador da oposio Roger Molina, sem salvo-conduto do governo boliviano, em direo a um asilo no Brasil. A no negociao entre os dois pases acerca do tema causou a crise diplomtica que culminou no afasta-mento de Patriota. Em termos gerais, a gesto Patriota, considerando o curto espao de tempo, realizou importantes feitos no MRE. Os investimentos de longo prazo sero objeto de anlise em momento oportuno, quando os resultados das investidas brasileiras em temas diversos estaro mais visveis. Ao tratar de poltica externa, faz-se necessrio ter

    em mente que a diplomacia ganha notoriedade quando ela aparenta no dar certo, pois, na maior parte das vezes, ela caminha silenciosamente na consecuo de suas metas de articular consensos e de harmonizar interesses muito distintos. Antonio Patriota ocupar o posto de chefe da delegao do Brasil na ONU, cujo chefe anterior foi o atual Minis-tro, Luiz Alberto Figueiredo. Conforme indica o discurso da Presidenta Dilma na Assembleia Geral da ONU em 2013, a escolha do novo Ministro foi acertada. Dilma, na ocasio, reforou a nfase que se pretende dar ao multilateralismo como ferramenta fundamental na promoo da paz internacional e do desenvolvi-mento. Luiz Alberto Figueiredo possui um currculo que o caracteriza como diplomata experiente em assuntos multilaterais. O novo Chanceler tem experincia em assuntos relacionados a meio ambi-ente e desenvolvimento. Ele foi negociador-chefe da Conferncia das Naes Unidas sobre Desen-volvimento Sustentvel e chefiou a misso do Brasil na ONU, apenas para citar alguns dos seus ltimos postos, alm da Subsecretaria-Geral de Meio Ambi-ente, Energia, Cincia e Tecnologia. Dilma quer os melhores especialistas brasileiros em postos-chave para reforar o ativismo internacional do pas em prol do reforo do multilateralismo. Patriota j mostrou seu valor, e Figueiredo vem dar protagonismo ao Itamaraty e nfase nos assuntos relacionados a desenvolvi-mento sustentvel. Agora, basta observar os prxi-mos 16 meses da gesto Figueiredo.

    O novo Chanceler, Luiz Alberto Figueiredo, um experiente negociador assuntos multilaterais. Ele foi negociador-chefe daConferncia das Naes Unidas sobre Desenvolvimento Sustentvel (foto) e chefiou a misso do Brasil na ONU.

  • 20

    ESPACO ABERTO: ARTIGO ENVIADO

    O DISCURSO DE DILMA ROUSSEFF NA 68 ASSEMBLEIA-GERAL DAS NAES UNIDAS

    N No dia 24 de setembro de 2013, na sede da Organizao das Naes Unidas, em Nova Iorque, a Presidenta Dilma Rousseff abriu o Debate Geral da 68 Assembleia-Geral das Naes Unidas (AGNU). O discurso de cerca de vinte e trs minu-tos abrangeu aspectos que guiam a Poltica Externa Brasileira e prenunciou outros que certa-mente estaro presentes nos anos vindouros. Por essas razes, recomendado que o discurso seja lido na ntegra, podendo ser acessado no Portal Planalto da Presidncia da Repblica. Desde a primeira Sesso Ordinria da AGNU, em 1946, o Brasil responsvel pelo discurso que abre os trabalhos do rgo. A partir de 1959, a fala brasileira realizada pelo Chefe de Estado ou pelo Ministro das Relaes Exteriores, o que demonstra a importncia da ocasio como enunciado tanto da poltica externa nacional como da postura do pas perante temas relacionados ao respectivo perodo. Exemplos histricos da relevncia e da pertinncia da solenidade so os discursos brasileiros nos primrdios da Organizao das Naes Unidas. Assim foram os proferidos pelo ex-Chanceler Oswaldo Aranha, que inaugurou a primeira Sesso Especial da AGNU, gnese da tradio de abertura brasileira mantida at hoje, e pelos Embaixadores Luiz Martins de Souza Dantas e Pedro Leo Velloso Netto, que abriram a primeira Sesso Ordinria. Ademais, devemos ressaltar o discurso do Ministro Joo Neves da Fontoura, em 1952, que propunha a ligao permanente da ONU ao princpio da democracia; o Discurso dos trs Ds, a saber, Desarmamento, Descolonizao e Desenvolvimento, proferido pelo Ministro Arajo Castro em 1963; a apresentao, a partir de 1967, pelos Ministros Jos de Magalhes Pinto e Mrio Gibson Barboza, da tese do Congelamento do Poder Mundial de Arajo Castro; e a retomada da presena constante do Presidente da Repblica perante a Assembleia, em 2002, por Luiz Incio Lula

    da Silva. Antes de Lula, o ltimo chefe de Estado e de Governo a discursar na abertura por dois anos consecutivos fora Fernando Collor de Mello, nos anos de 1990 e 1991. Na introduo, Dilma declarou apoio regional ao Presidente da Sesso, John Ashe, de Antgua e Barbuda, eleito com apoio brasileiro, como candidato de consenso entre os Estados da Amrica Latina e do Caribe nas Naes Unidas. Tambm expressou repdio ao atentado ocorrido no Qunia, na vspera da Assembleia Geral. A maior parte da primeira metade do discurso de Dilma, no entanto, centrou-se nos casos de espio-nagem e invaso de privacidade na internet, denunciados pelo ex-funcionrio do governo dos EUA Edward Snowden. A Presidenta citou direta-mente a responsabilidade dos EUA no caso, sem ficar restrita a indiretas ou insinuaes abstratas, postura mais comum nesse tipo de discurso. A atitude da Presidenta dividiu opinies, mas pode ser interpretada como demonstrao de firmeza nas acusaes. Dilma ressaltou ser um agravante a partici-pao de empresas privadas nos episdios de espionagem e classificou o caso como grave de violao dos direitos humanos. Para ela, o ocorrido, assim como a tecnologia envolvida, transcende o relacionamento bilateral de dois pases e afeta toda comunidade internacional. Depois de apontar o problema, Dilma apresentou propostas concretas para o estabelecimento de um marco civil multilateral para a governana e o uso da internet e de medidas que garantam uma efetiva proteo dos dados que trafegam na rede. O citado marco civil multilateral teria como meta garantir princpios como: liberdade de expresso, privacidade do indivduo e respeito aos direitos humanos; governana democrtica, multi-lateral e aberta, exercida com transparncia, estimulando a criao coletiva e a participao da

    Filipe Figueiredo

    Bacharel em Histria pela Universidade de So Paulo, tradutor e redator do blog Xadrez Verbal.

    1.http://www2.planalto.gov.br/imprensa/discursos/discurso-da-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-na-abertura-do-debate-geral-da-68a-assembleia-geral- das-nacoes-unidas-nova-iorque-euas.

  • 21

    Foto: UN Photo/Rick Bajornas

    sociedade, dos governos e do setor privado; univer-salidade que assegura o desenvolvimento social e humano e a construo de sociedades inclusivas e no discriminatrias; diversidade cultural, sem imposio de crenas, costumes e valores; e neutrali-dade da rede, ao respeitar apenas critrios tcnicos e ticos, tornando inadmissvel restries por motivos polticos, comerciais, religiosos ou de qualquer outra natureza. Os princpios esto concatenados com alguns fundamentos que guiam a Poltica Exterior do Brasil. Certamente, o item mais importante o primeiro, que atrela rede mundial de computadores temas de direitos humanos j consolidados, em contraste ao atual limbo jurdico internacional nesse tipo de comunicao. Alguns dias depois da abertura, no dia 28 de setembro, Guido Westerwelle, Ministro de Relaes Exteriores da Alemanha, pas aliado do Brasil no Grupo dos Quatro e tambm alvo de espionagem ciberntica, ao discursar perante a Assembleia Geral, falou da necessidade de normatizar o fluxo de dados pela internet, assim como existem normas para o fluxo de dados financeiros e econmicos. No dia 07 de outubro, Dilma anunciou que encaminhar para a ONU, como base de sua proposta, o texto do Marco Civil da Internet, elaborado de forma cooperativa e atualmente em trmite no Congresso Nacional, apensado ao PL 5403/2001. No dia 09 do mesmo ms, Dilma acordou com a Corporao da Internet para Atribuio de Nomes e Nmeros (ICANN) a realizao, no Brasil, de um encontro de cpula mundial sobre governana na rede mundial de computadores. O pioneirismo em tratar do tema em um frum de elevada importncia e visibilidade,

    seguido por demonstraes de apoio internacional e por aes concretas, em mbito tanto domstico quanto internacional, pode render ao Brasil posio estratgica pertinente ao tema no cenrio internacional. Dilma aproveitou o tema da Sesso, a Agenda ps-2015, para enfatizar alguns aspectos de poltica interna, como a reduo da mortalidade infantil, respaldando suas afirmaes com dados da prpria ONU, provavelmente para evitar que seu discurso fosse chamado de vazio. Contextualiz-lo no ponto central dos debates na ONU seria uma forma de evitar eventuais acusaes de uso eleitoral da ocasio. A Presidenta tambm resgatou o tema das manifestaes populares, especificamente as ocorri-das no Brasil em junho do presente ano. Afirmou que seu governo no reprimiu, pelo contrrio, ouviu e compreendeu a voz das ruas, pois essa a origem de sua militncia. Tambm resgatou os cinco grandes pactos que props em 24 de junho. Ao fazer isso, Dilma conectou dois temas fundamentais da Poltica Externa Brasileira, a democracia e o desen-volvimento, e ressaltou como um fortalece o outro mutuamente. Ainda no tema da Agenda ps-2015, Dilma relacionou a nova agenda internacional com a Conferncia das Naes Unidas sobre Desenvolvi-mento Sustentvel, popularmente conhecida como Rio+20, realizada no Brasil em junho de 2012. Ao estabelecer essa associao, a Presidenta enalteceu a capacidade de o Brasil se antecipar nova agenda. Note-se que o relator da CNUDS foi o atual Chanceler brasileiro, Luiz Alberto Figueiredo, empossado no dia 28 de agosto, menos de um ms antes do discurso da Presidenta na Assembleia Geral, o que demonstra a coeso do discurso e fortalece a posio adiantada do pas. Dilma no apenas colocou o Brasil como formulador da agenda do desenvolvimento, papel histrico do pas, mas como um proponente que se antecipa. Ao tratar de temas econmicos, a Presidenta afirmou que, embora a fase mais aguda da crise tenha passado, a fragilidade da economia mundial permanece, com efeitos que devem ser remediados, como altos ndices de desemprego. A lder do Execu-tivo explicou que os pases emergentes, sozinhos, no podem garantir a retomada do crescimento global e que a cooperao vital, pois esto todos no mesmo barco. Sobre o tema, em encontro paralelo Cpula do G-20, em 05 de agosto, os pases do BRICS trataram do estabelecimento do

    Dilma discursa na abertura da 68a Assembleia-Geral da ONU.

    2.http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=34462&ord=13.http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/reuniao-informal-dos-lideres-do-brics-a-margem-da-cupula-do-g-20-em-sao-petersburgo- sao-petersburgo-5-de-setembro-de-2013

  • 22

    Foto: UN Photo/Amanda Voisard

    Novo Banco de Desenvolvimento e do Arranjo Contingente de Reservas (CRA, na sigla em ingls), que ter montante inicial de cem bilhes de dlares. No mesmo encontro, comentaram a estag-nao do processo de reforma do Fundo Monetrio Internacional e a necessidade urgente de imple-mentar a Reforma de Quotas e Governana de 2010 do FMI. A necessidade de reforma do FMI foi reafir-mada por Dilma na Assembleia Geral, assim como por vrios outros lderes, em uma demonstrao, na poltica exterior nacional, tanto de concertao quanto de pertinncia. Ainda no tema de reforma da governana mundial e do reconhecimento da importncia de novas representaes entre os pases chamados de emergentes, Dilma lembrou o simbolismo de 2015. O ano, alm de marco para o desenvolvimento de nova agenda de desenvolvimento, o 70 aniversrio das Naes Unidas e o 10 da Cpula Mundial de 2005, sendo a ocasio para realizar a reforma urgente que pedimos desde aquela cpula: a reforma do Conselho de Segurana da ONU. Diversos discursos na Assembleia Geral abordaram o tema, como o de Manmohan Singh, Primeiro-Ministro da ndia, pas aliado do Brasil em diversos fruns, e o de Guido Westerwelle, cujo apoio ao pleito de um assento brasileiro permanente em um reformado Conselho de Segurana foi explcito. Alm disso, diversos discursos continham o mesmo tom, forte e pessi-mista, de Dilma, que afirmou que chegar ao ano de 2015 sem uma reforma encaminhada do CSNU seria uma derrota coletiva. Ao tratar de alguns dos principais temas da contemporaneidade, como as tenses israelo- palestinas e o conflito interno na Sria, Dilma tambm

    reafirmou alguns princpios que orientam a PEB e a posio do Brasil, como a nfase ao multilateralismo, regido pelo Direito Internacional; a busca pelo dilogo, exemplificado em uma soluo de dois Estados para a situao palestina; e o repdio a intervenes unila- terais, em uma crtica velada ao governo de Barack Obama e sua insistente proposta de uso de fora militar em relao ao conflito na Sria. A Presidenta afirmou que o multilateralismo foi o nico elemento que garantiu a paz nos ltimos anos. A postura reflete sentimento da comunidade internacional, assim como interesse nacional, seja domstico, originado na grande comunidade srio-libanesa no Brasil, citada no discurso, seja internacional, vide a relao interna aos BRICS e o fato de a Rssia ter sido a principal propo-nente de soluo negociada para o conflito. O discurso da Presidenta Dilma Rousseff que abriu o Debate Geral da 68 Assembleia-Geral das Naes Unidas importante resumo e clara exemplificao da Poltica Externa Brasileira, no que se refere tanto a temas contemporneos como a alguns princpios histricos que guiam a relao do Brasil com outros pases e com a comunidade internacional. Ao demonstrar pioneirismo em tratar de assunto recente como a rede mundial de computadores em frum de elevada importncia e visibilidade, o discurso se adqua ao propsito de orientar futuras aes das relaes externas brasilei-ras e tambm agrega prestgio ao Estado e ao governo. Sua leitura e anlise e, principalmente, sua compreenso so essenciais para qualquer cidado interessado nos rumos nacionais, para qualquer estudioso do campo das Relaes Internacionais e para todas as pessoas envolvidas, de forma direta ou indireta, com os temas da diplomacia.

    A presidenta na sesso inaugural do Frum Poltico de Alto Nvel sobre Desenvolvimento Sustentvel, criado com o objetivo de implementar as metas estabelecidas na declarao final da Rio+20.

  • 23

    E Em algum momento da carreira, o diplo-mata brasileiro poder necessitar de estar preparado tcnica e emocionalmente para atender o cidado que procura uma Represen-tao brasileira no exterior. a atuao do diplo-mata na rea consular. No Brasil, as funes do cnsul e do diplomata esto unificadas em uma nica carreira do Servio Exterior, diferentemente do que ocorre com alguns outros pases. Enquanto as funes diplomticas se referem representao poltica do Estado, seja no mbito bilateral, seja no multilateral, as funes consu-lares lidam com as demandas do cidado brasileiro ou estrangeiro, desde a emisso de vistos e documentos como autorizao de viagem para menor, passaportes, procuraes, registros de nascimento e bito etc. indo at a assistncia ao brasileiro que precisa de ajuda ou orientao. Existem, basicamente, quatro tipos de Representao brasileira no exterior, mas nem todas oferecem o servio consular. As Repre-sentaes podem ser um Consulado, uma Embaixada, uma Delegao ou um Escritrio. O Consulado a repartio brasileira dedi-cada precipuamente prestao do servio consular. A deciso pelo estabelecimento de um ou mais Consulados brasileiros em deter-minado pas depender, em especial, da quantidade de cidados brasileiros ali residentes. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Brasil conta com mais de um Consulado, em diferentes cidades do pas, alm do Consu-lado na capital, em Washington D.C. A Embaixada, por sua vez, localiza-se na capital do pas e cuida das relaes bilaterais entre o Brasil e o Estado onde est acreditada, podendo acumular jurisdies de

    Por Cludia Assaf

    VIDA DE DIPLOMATA

    No so raras as situaes em que o diplomata se depara com casos em que pode ir alm das suas obrigaes. Em matria consular e poltica, as emoes ao contrrio do que o senso comum prega - podem lev-lo a exercer seu trabalho com alto nvel de profissionalismo.

    A INTERFERNCIA DAS EMOESE O PROFISSIONALISMO

    outros pases, caso em que chamada de Embaixada no residente do pas tal. Por exemplo, ainda no existe Embaixada do Brasil no Reino do Bareine. A Embaixada do Brasil no Kuaite, alm de cuidar das relaes bilaterais Brasil-Kuaite, acumula as relaes bilaterais Brasil-Bareine. Por oportuno, cabe assinalar que o termo Embaixada refere-se, na realidade, a dois elementos bem definidos: Residncia oficial, onde mora o Embaixador; e Chancelaria, onde se trabalha. Chance-laria e Embaixada so termos, equivocada-mente, usados como sinnimos por muitos. Quando a quantidade de brasileiros ou outros fatores relevantes no justificam o estabeleci-mento de um Consulado brasileiro em deter-minado pas, os servios consulares so oferecidos por um Setor Consular da Chance-laria da Embaixada brasileira. J uma Delegao representa o Estado junto aos Organismos Internacionais. o caso da Delegao Brasileira junto s Naes Unidas, em Nova York (DELBRASONU), onde atualmente estou lotada; a Delegao Brasileira junto s Naes Unidas e demais Organismos Internacionais, em Genebra (DELBASGEN), que cuida do Conselho de Direitos Humanos e da Organizao Mundial de Sade entre outros organismos; a Delegao Brasileira junto Organizao Mundial do Comrcio e outras Organizaes Econmicas, em Genebra (DELBRASOMC); a Delegao Brasileira junto Agncia Internacional de Energia Atmica (DELBRASAIEA), em Viena; e assim sucessiva-mente. A Delegao, cada uma em sua temtica, cuida dos interesses brasileiros na dimenso multilateral.

    1.Cludia Assaf Segunda-Secretria e atualmente trabalha na Misso Permanente do Brasil junto s Naes Unidas.

  • 24

    Foto: Arquivo Pessoal

    A diplomata Cludia Assaf serviu na Embaixada do Brasil no Catar, entre 2008 e 2012.

    H, ainda, os Escritrios, que podem ser de distintas naturezas. Por exemplo, h o Escritrio de Representao do Brasil em Ramala, que cuida das relaes Brasil-Palestina, ligado Embaixada em Tel Aviv; e h o Escritrio Comercial do Brasil em Taip. Ambas as Representaes prestam servios consulares. Tecnicamente, o servio consular brasileiro informatizado e conta com estrutura tecnolgica estado da arte, nos padres inter-nacionais, tanto a parte notarial quanto a de emisso de vistos para estrangeiros e passa-portes brasileiros o denominado Sistema Consular Integrado (SCI), j em funcionamento em toda a rede consular brasileira. Cursos de capacitao online e presenciais habilitam o diplomata e os demais servidores a operar o sistema, que possui mecanismos de segurana sofisticados por meio de credenciais de segurana a depender da funo exercida pelo funcionrio. Mesmo que a preferncia vocacional de atuao ao longo da carreira no se relacione a temas consulares, o diplomata poder eventual-mente encontrar-se em situao na qual dever atuar na rea consular. Isso porque, ao servir em uma Embaixada geograficamente localizada em regio de seu interesse profissional, o Setor Consular provavelmente ficar sob sua respon-sabilidade. Nesse momento, no bastar o diplo-

    mata dominar a tcnica do servio, mas precisar ser capaz de lidar com o cidado em nome do Estado brasileiro, uma responsabili-dade muito grande. Foi precisamente o que ocorreu comigo na minha primeira remoo: servi por quase cinco anos, de 2008 a 2012, na Embaixada do Brasil no Catar. Emocionalmente, o Servio Consular demanda muito do servidor. O diplomata um ser humano e, como tal, emociona-se diante dos casos concretos que chegam Representao brasileira. Quando deixei o Instituto Rio Branco, trabalhei na Diviso do Oriente Mdio I, minha rea de maior interesse na carreira. Em seguida, parti para meu primeiro posto no exterior e optei por um pas no Oriente Mdio, o Catar, em busca do maior conhecimento da rea em que escolhi especializar-me e da maior fluncia do rabe clssico, idioma que estudava havia alguns anos. Alm da assessoria ao Embaixador em temas bilaterais, fui nomeada chefe do Setor Consular da Embaixada do Brasil em Doha. Receber, nas dependncias da Embaixada, uma cidad aos prantos, espancada pelo marido; ser informada de que um cidado est sendo deportado apenas pelo motivo de ser HIV positivo, nem ele mesmo saber disso e voc ter de dar essa notcia a ele; atender a um telefonema annimo informando haver uma cidad em crcere

  • 25

    A Segunda-Secretria Cludia Assaf trabalha atualmente na Delegao Permanente do Brasil na ONU, em Nova Iorque.

    Foto: Arquivo Pessoal

    privado havia mais de dois meses; receber ligao, no meio da madrugada, de pais humildes e desesperados no Brasil, porque o filho menor foi deixado para trs no Catar enga-nado por empresrio brasileiro inescrupuloso do futebol; monitorar uma cidad com grave problema psiquitrico em trnsito que acabou internada no hospital pblico por mais de um ms; ou dar a notcia de falecimento a familiares no Brasil no so situaes a que estamos expos-tos rotineiramente na nossa vida pr-Itamaraty. No fcil. Mexe com nosso emocional, ao mesmo tempo em que, legalmente, no se admite a interferncia da emoo no agir do servidor pblico. Apesar disso, constatei que, ao longo dos meus primeiros anos de carreira, frente do Setor Consular da Embaixada em Doha, a emoo tornou-se a grande aliada neste tipo de trabalho, sem prejuzo da obedincia lei e ao princpio da impessoalidade da Adminis-trao Pblica. Seja pela solidariedade ao prximo, seja pela salvaguarda da dignidade humana, o diplomata tem o poder de diminuir o sofrimento de um cidado com base na emoo que sente. O servidor de excelncia ser aquele que conseguir combinar, com responsabilidade, a medida certa da emoo com a impessoalidade exigida pelo cargo.

    Essa dose certa de emoo no fazer consular a que chamo de humanismo. Desde situaes as mais simples, como o atendimento no balco para expedir um passaporte, a mais complexas, em que, pela lei, no precisaramos agir, mas o humanismo no fazer consular exigir relativamente pouco do diplomata se comparar-mos com a satisfao do cidado, que viver no simples atendimento o sentido de pertenci-mento a seu Estado. Diante do cidado s vezes com raiva, s vezes rude, s vezes perdido por causa da situao em que se inseria, eu no tinha dvida: boa dose de humanismo no atendi-mento e tudo se resolvia, mesmo que na simples explicao paciente de que no detnha-mos a competncia legal para solucionar o caso dele, seguida de orientao realista, em detrimento da resposta seca no h nada que possamos fazer. Alm de mais elegante, o humanismo poupa trabalho, j que o cidado deixa a Chancelaria com um plano a seguir na resoluo de seu problema. a inteligncia emocional urgentemente necessria. A ttulo de ilustrao, apresento um caso que mostra claramente como uma ateno mnima da Representao brasileira pode maxi-mizar a satisfao dos que nos procuram. Embora a substncia do caso possa parecer

  • 26

    irrelevante ao leitor, a situao era de extrema importncia para os envolvidos. Um casal de idosos na faixa de oitenta anos de idade cada, cujo sonho era pisar em todos os pases, faltava-lhe apenas cumprir a regio do Golfo Prsico, Catar includo. Visto turstico para os pases daquela regio emitido por meio dos hotis locais, que estabeleciam mltiplas exigncias no necessariamente determinadas por lei, entre as quais, o limite de idade de sessenta anos, o que eles no sabiam. Um dia, funcionrio do Setor Consular da Embaixada mostrou-me mensagem de correio eletrnico do casal pela qual o senhor, j em tom de desistn-cia, apenas dividia conosco sua decepo por ter esgotado as possibilidades de obteno de visto para o Catar. Como no se emocionar, se represento um Estado cujos valores no discriminam por idade? Em vez de, simplesmente, enviar a resposta padro, a de que a Embaixada no teria competncia legal para intervir no assunto, decidi verificar, primeiramente, o que de fato havia ocorrido, em contato direto com os hotis citados pelo casal. Unnimes, seus gerentes explicaram-me a questo da idade, mas um deles pediu que o casal o contactasse para dar seguimento ao visto. Em vez da resposta padro, informei ao casal o ocorrido. Parece que funcionou: passados uns meses, a Ouvidoria Consular do Itamaraty unidade criada em 2009 que vem revolucionando o tratamento consular do Estado brasileiro rumo excelncia congratulava oficialmente nossa Embaixada por causa do agradecimento que recebera do casal, findo o priplo. O sincero agradecimento do senhor deixa clara a desproporo entre o baixo custo de pesquisar com os hotis o problema e o alto benefcio materializado na percepo positiva que eles tiveram do servio consular brasileiro, embora soubessem no ser obrigao da Embaixada em faz-lo: () Ciente da complexidade de obteno de vistos junto aos pases do Golfo Prsico, (), fui obrigado a me submeter a um injustificvel desgaste para consegui-los (). Vi soobrar qualquer expecta-tiva de obt-los a partir de Porto Alegre. Foram naqueles momentos que tive a maior prova do que vale um gesto de boa vontade e ateno de uma embaixada. Quando, decepcionado, j estava

    excluindo ditos pases do roteiro, recebi um email da Embaixada no Qatar que me concedeu alvissareira solidariedade, encampando o meu pleito e abrindo as portas para os demais pases adjacentes. (). Com abnegado esprito pblico, a diplomata Cludia Assaf, respon-dendo pela Embaixada, foi incansvel tanto na mediao como na articulao, capitaneando as aes com as demais representaes no Golfo, implementando uma rede de contatos. () Est a, pois, uma amostra do quanto importante o Brasil contar com uma equipe vocacionada para este mister, ajustada, esforada e consentnea com a importncia que o Pas representa no concerto das naes, deixando de lado a ortodoxia e partindo para aes modernas, eficientes e bem azeitadas. () Quero sempre me sentir orgulhoso de ver a bandeira brasileira desfraldada nos mais recnditos pontos do mundo e saber que est a identificar, naquele espao representativo, nossos conterrneos honrando com os seus compromissos. Como esse caso, muitos outros me bateram porta. Impulsionada pela emoo, sentia-me desafiada a tentar dar um final feliz a cada um sempre que possvel. Um dos casos resultou at mesmo em nota publicada no Estado , tamanha a satisfao do cidado, em decorrncia da dose de humanismo a guiar o agir consular. Trata-se de situaes em que no estamos obrigados, por lei, a agir nesse nvel de detalhe, mas, com um pouco de humanismo e solidariedade, fazendo aos outros o que gostaria que fizessem comigo, que nada mais que permitir a emoo participar, com responsabili-dade, do fazer diplomtico, neste caso, consular. Claro que h obstculos para agir assim, pois demanda tempo de trabalho e, com a sublotao e a alta carga de trabalho dirio, ainda mais desafiante pr em prtica essa ateno especial aos cidados que procuram uma Representao consular, mas ouvir a emoo foi a frmula que encontrei quando prestava servios consulares. Embora apaixonada pelo aprendizado advindo do trabalho que atualmente desenvolvo no multi-lateralismo como parte da Delegao Brasileira junto s Naes Unidas, admito que foi a rea consular a que mais mexeu com minha emoo at agora nesses primeiros sete anos de carreira.

    2.Matria disponvel em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,estas-notas-nao-sao-aceitas,691552,0.htm

  • 27

    O

    VIDA DE CONCURSEIRO

    O ambiente de estudos influencia, de forma decisiva, a produtividade do candidato. Selecionamos as melhores bibliotecas para voc aproveitar todos os recursos de que elas dispem e melhorar sua capaci-dade de aprendizado.

    GUIA DE BIBLIOTECAS:FOCO NOS ESTUDOS

    Por Anari C. Recchia e Ana Paula S. Lima

    O Baro do Rio Branco era um homem comprometido com as causas em que atuava. H relatos de que trabalhava quase sem interrupo por dias seguidos, sustentado por doses macias de caf, alimentando-se mal, quase no dormindo, chegando s vezes a extremos de frenesi na corrida desesperada para imprimir, rever, encader-nar e entregar as defesas, rplicas e trplicas dentro do prazo. Pelo menos seis entre dez candidatos do Concurso de Admisso Carreira Diplomtica se reconhecem no excerto acima, extrado do livro Rio Branco: o Brasil no mundo, de Rubens Ricupero. O nmero chega a dez entre dez em vspera de primeira fase. A estratgia, no entanto, no se mostrou acertada nem para o patrono da diplomacia brasileira. O prprio Baro reconheceu ser essa rotina insustentvel. Confessou ao amigo Eduardo Prado: pensei afrouxar de todo essa vez (...) fiquei fora de combate (...), trocando as palavras quando falava ou tentava escrever, e invertendo slabas. Para no ficar fora de combate, como o Baro, aconselhvel planejar uma rotina de estudos mais humana, comeando pela escolha do local onde se ir estudar. Pensando nisso, a Revista Sapientia selecionou, nessa primeira parte do guia, as principais bibliotecas das capitais das regies Sul e Sudeste, alm de cidades mdias do estado de So Paulo, e de Braslia e Salvador. As bibliotecas escolhidas apresentam, em sua maio-ria, ambientes tranquilos e amenos, para que o candidato possa proceder s suas leituras, interpretaes e exerccios, sem a necessidade de entrar em frenesi, inverter slabas e confundir o Oiapoque com o Chu. Grande parte delas conta com cafs e vistas para reas verdes, que so recursos essenciais para os momentos de cansao ou de estresse.

    Na prxima edio da revista, a seo Vida de Concurseiro trar a segunda parte do guia, com uma seleo de bibliotecas de outras capitais do pas. Se tiver alguma dica para compartilhar, escreva para [email protected].

    Biblioteca Pe. Alberto Antoniazzi (PUC-MG)

    A biblioteca do campus Corao Eucars-tico abriga um dos melhores acervos do Estado e est aberta ao pblico em geral. O candidato do CACD pode encontrar ali grande parte dos livros da bibliografia do concurso e tirar fotocpias de partes das obras consultadas. O local conta com mesas de estudo individuais e coletivas, alm de lanchonetes nas proximidades. Endereo: Av. Dom Jos Gaspar, 500 Corao EucarsticoTelefone: (31) 3319-4242Funcionamento: De segunda a sexta-feira, das 7h15 s 22h20; sbado, das 7h15 s 15h50.

    Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da UFMG

    As bibliotecas universitrias do pas, sobretudo as das Faculdades de Cincias Humanas, esto entre as preferidas dos candidatos do CACD, pois contam com grande parte da bibliografia do concurso. A biblioteca da FFCH da UFMG conta com mesas de estudo coletivas e individuais. A retirada de livros por pessoas que no estudem ou trabalhem na instituio possvel somente na modalidade rpida, ou seja, por perodo mximo de duas horas.

    BELO HORIZONTE - MG

  • 28

    Biblioteca Professor Luiz de Bessa

    Foto: Lcia Sebe/ Imprensa MG

    Biblioteca Central da UnB

    Com sagues amplos e envidraados, a biblioteca da UnB apresenta uma grande vanta-gem: o horrio de funcionamento. possvel estudar no local at quase meia-noite, em mesas retangulares que podem ser usadas por uma ou duas pessoas. O acervo da biblioteca vasto, com diversas obras pertinentes ao concurso.Endereo: Avenida L3 Norte, Campus Universi-trio Darcy Ribeiro, gleba ATelefone: (61) 3307-2417Funcionamento: De segunda a sexta-feira, das 7h

    BRASLIA - DF

    Biblioteca Pblica Municipal Prof. Ernesto Manoel Zink Localizada no centro da cidade, no mesmo terreno que abriga o Museu de Arte Contempornea de Campinas, a biblioteca possui acervo com mais de 30 mil ttulos, incluindo obras raras e uma mapoteca. possvel emprestar livros ou lev-los de casa, para estudar no local. Endereo: Avenida Benjamin Constant, n 1.633 CentroTelefone: (19) 2116-0423

    CAMPINAS - SP

    Endereo: Avenida Antnio Carlos, 6627 PampulhaTelefone: (31) 3409-5074 Funcionamento: De segunda a sexta-feira, das 8h s 22h.

    Biblioteca Pblica Estadual Professor Luiz de Bessa

    A Biblioteca da Praa da Liberdade, como conhecida, est abrigada em um edifcio cujo projeto inicial foi elaborado pelo arquiteto Oscar Niemeyer. a principal biblioteca da capital mineira e conta com amplo acervo, disponvel para o pblico em geral. O acesso internet gratuito e restrito a 30 minutos por pessoa.Endereo: Praa da Liberdade, 21 FuncionriosTelefone: (31) 3269-1166Funcionamento: De segunda a sexta-feira, das 8h s 20h; sbado, das 8h s 12h.

    s 23h45; sbado, domingo e feriados, das 8h s 17h45.

    Biblioteca Demonstrativa de Braslia

    Vinculada Fundao Biblioteca Nacional (Ministrio da Cultura), a BDB uma das mais antigas da cidade e a mais popular. Atual-mente, recebe uma mdia de 1.500 leitores por dia. H mesas coletivas e carteiras individuais. No acervo, encontram-se obras de Amado Cervo, Paulo Fagundes Vizentini e Henrique Altemani, entre outros.Endereo: Avenida W3 Sul, EQS 506/507 Telefone: (61) 3244-2066Funcionamento: De segunda a sexta-feira, das 7h30 s 23h; sbado, das 8h s 14h.

    Biblioteca Pedro Aleixo

    Sua origem est no ano de 1823, na Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa do Imprio do Brasil. A Biblioteca da Cmara possui um acervo aproximado de 400 mil volumes. S de obras raras so 4.700, entre a primeira edio de livros raros, livros esgotados, livros de editores famosos, peridicos valiosos, obras clssicas do pensamento ocidental e livros dos viajantes que retrataram o Brasil dos sculos XVIII e XIX.Endereo: Centro de Documentao e Informao da Cmara dos Deputados, Praa do Trs Poderes Anexo II Trreo Congresso Telefone: (61) 3216-5694Funcionamento: De segunda a sexta-feira, das 9h s 18h30.

  • 29