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Ricardo Bruno Mendes Goncalves - Praticas de Saude Processos de Trabalho e Necessidades
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5/8/2018 Ricardo Bruno Mendes Goncalves - Praticas de Saude Processos de Trabalho e Necessidades - slidepdf.com
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BR1259.1 E-Mail: [email protected]
Pedido:100826-40
Usuario.Elida - BR1259.1
Cadernos CEFOR. Textos, 11992 pags. 01-53 / Goncalves, Ricardo Bruno
Mendes / Praticas de sauce: processos de trabalho enecessidades
Observacoes.Favor enviar via e-mail para
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U nive rs id ad e F ed era l d e S ao Jo ao D el R ey
UFSJ
A v S eb as tla o Gonc alv es C oe lh o 4 00
Chanadour
3 5501-2 96 - D ivin 6polis - M G
BRAs IL
Cadernos EFOR. T tos, 11992 pags. oncalves, Ricardo BrunoMendes / Praticas de saude: processos de trabalho enecessidades
Local: BR1.1Opcoes: BR526.1 / BR85.1 / BR1.1
Atendido / Paginas: , . . ------- ,-----"-1~========== : ; ; ; : : , "t"
Rejeitado / Motivo: I , _ 1 \
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CADERNOSCEFOR
Ii-
sene textos
1
PRATICAS DE SAUDE:
PROCESSOS DE TRABALHO
E NECESSIDADES
RICARDO BRUNO MENDES GON<;AL VES
04023 -sAo P,I\\_,LO - BRASIL_ - . _ . . . . . . -
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G629p
Goncalves, Ricardo Bruno Mendes
Praticas de saude: processos de
trabalho e necessidades. - Sao Paulo:
CEFOR, 1992.53 p. (Cadernos CEFOR - Textos, 1)
Bibliografia.
1. Processos de trabalho 2.Praticas
de saude L'I'itulo. Il, Sene.
CDU 614.2
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Prefeita do Municipio de Sao Paulo
LllZA ERUNDINA DE SOUSA
Secretario Municipal da Sande
DR. CARLOS ALBERTO PLETZ NEDER
Diretora do Centro de Reeursos Humanos
ISAMARAGMvA. •.CIR.INO .GOUVEIA
Diretor db Centrode Formacao dos Trabalhadores da Saude
JOSE JOAOLANCEIRO DA PALMA
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CONSELHO EDITORIAL: Clarissa Lacerda Nazario, Edna Muniz de Souza, Ivan Fran..-
Junior, Jose Joso Lanceiro da Palma, Luis Roberto de Souza, Marina M. Abreu
Ferreira, Maria do Carmo Sales Monteiro.
PRODU<;AO VISUAL: Maria Alice Mirett Sommerfeld.
ASSESSORIA EM INFORMATICA: Mauro Roberto Tucci.
COMPOSI<;AO: Gislaine Fabilia C. Ferreira, Marilsa Guazzelli Lustoza.
REVISAO: Ivan Franc;a Junior, Nelly Carmen Fernandes Bastos.IMPRESSO NA GRAFICA DO CEFOR: Cleonice dos Santos, Decio Trotta Junior, Eny
de Araujo, Marcia Tadeu de Mello.
.'
ENDERE<;O PARA CONTATOS:
CEFOR - CENTRO DE FORMA<;AO DOS TRABALHADORES DA SAUDE
RUA GOMES DE CARVALHO, 250 - VILA OLiMPIA.
CEP 04547-001 - sxo PAULO, SP, BRASIL.
TEL.(OII) - 5314815,5422-474,5423139, FAX (011)5315108.
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APRESENTAC;Ao
Criado pelo Decreto 28625, de 30 de marco de 1990, e inaugurado em agostodeste mesmo ano, 0CEFOR e uma estrutura vinculada ao Centro de Recursos H~a,nos da
Secretaria Municipal da Saiide de Sao Paulo, que tem como objetivo a realizacao e apoio as
aeoes de formacao e desenvolvimento dos trabalhadores da saude.
Estas acoes visam, atraves da busca de uma ••ntegrayao critica entre ensino e
trabalho, considerando as diferentes realidades locais, aconstrucao de novas concepeoes e
praticas no interior da rede, no sentido da melhoria.e transformacao da qualidade dos
services, da construcao do Sistema Dnico de Sande e de um modelo de a,tenyao voltado
para os problemas e necessidades da populacao.
Os CADERNQS CEFOR tern a pretensao de ser mais urn instrumento a service
deste processo. Urn instrumento de difusao tanto da produeao teorica como de experiencias
concretas, que incite a reflexao, 0debate, a critic a e a pluralidade.
A reproducao deste material e livre, para fms nao comerciais, desde que citada a
fonte. Os textos sao, evidentemente, de responsabilidade do autor.
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CADERNOS CEFOR
PRATICAS DE SAUDE: PROCESSOS DE TRABALHO E NECESSIDADES~:
RICARDO BRUNO MENDES GON<;AL YES
1.
Alguns tipos de trabalho humane, mais do que outros, mesmono ccntextos de
culturas e sociedades diferentes e em mementos completamente diferentes da historia, sao
mais tacilmente desvinculados da ideia geml de 'trabalho, aparentando serem-forrnas de
atividadedistintas, mais nobres, mais livres das injuncoesrnateriais que costumam-estar
associadas ao estereotipo do "mundo do trabalho" comoalgo pesado, sofrido,repletodas
leis ferreas da necessidade e distante da criatividade e da liberdade. Dentre esses tipos de
trabalho, urn dos mais notaveis e 0 trabalho em saiide, principalmenteise reduzido a
atividade de seu trabalhador mais tipico, e em muitos sentidos principal, 0medico.
Se sao mais facilmente desvinculados e porque certamente saomais facilmente
desvinculaveis: esse equivoco do pensamento, para que possa ocorrer e reiterar-se, deve
estar necessariamente base ado em caracteristicas objetivasdo trabalho em saiide .'~quenao
obstante quaisquer equivocos segue sendo um-trabalho ~ que 0 diferenciam-de- modo
peculiar no contexte da divisao social do trabalho.Eao mesmo tempo, necessariamente,
como esse equivoco nao ocorre em nenhum conjunto.absttato de cerebros, mas siruna
realidade mais inclusiva das praticas sociais, realidade dentro-r.da qual 0 pensamento,equivocado ou nao, se redefine como urn mornento integrado it acao, ele.entao implica
possibilidades especificas de articulacao clas praticas de saude no .conjunto 'das.pratieas
socials de que participa. Desde ja se pode adinntarque..entre as caractenstieas que.baseiam
esse equivoco, ganham especial relevo: 1) 0 peso aparentemente maior.das dirnensoes
intelectuais clo trabalho sobre as manuais; 2) a associacao mais diretaentre os valores
ligados a seus produtos e os principios ideologicos mais importantesno prccesso historico
de estmtura9aojdesestrutura9aojreestrutura9ao das sociec1ades capitalistas ocidentais.. nas
epocas moderna e conternporanea; 3) a posicao social ~ situacao nas hierarquias e
estratificacoes sociais - que e obtida e reproduzida mediata e imediatamente atraves do
trabalho pe los agentes sociais que 0 realizarn.
Os tipos de trabalho referidos sao portanto diferenciados de forma tripla: 1)
diferenciados, como qualquer outre tipo de trabalho, pOl' sua especificidade tecnica (a
natureza peculiar de seus objetos, de suas tecnologias, da qualificacao tecnica requerida de
seus agentes); 2) diferenciados, tambem, pOl'parecerern ser "algo mais" do que trabalho, de
natureza oposta e hierarquicamente superior ao trabalho, e perrnitirern 0acesso, por parte
de seus agentes, atraves de mecanismos vinculados a essa aparencia, a obtencao de parcel as
relativarnente maiores de riqueza (dinheiro), ou poder, ou, mais freqiientemente, de ambos;
3) diferenciados, ainda, por perrnitirem, atraves de mecanismos vinculados a mesma
aparencia, por parte.dos consumidores de seus produtos, a reproducao de representacoes e
acoes referidas a SU3S proprias individualidac1es e socialidades que tendem a conservar a
vida humana alienada de sua realidade atual e de suas potencialidades imanentes .:
*) P ro fe ss or d o Departamento de Mcdicina Prcvcntiva da Faculdadc de Mcdicina tin Univcrsidadc d e S ao ' Paulo
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SERlE TEXTOS
Essas caractensticas, que devem ser compreendidas em sua unidade, pois
dependem umas das outras, nao sao, no nivel de generalidade em que forarn apresentadas,
especificas das praticas de saiide. 0 exame a que se procedera acerca de suas
especificidades menos abstratas procurara alcancar 0 objetivo de desdobrar a explicacao a
respeito dessa tripla diferenciacao para 0 caso de trabalho em saude, de modo a que se
possa compreender mais adequadamente essa formulacao sintetica, que afinal e 0 ponto de
chegada da investigacao, e nao 0 seu ponto de partida.
Aceitando provisoriamente como ihipoteses adequadas essas conclusoes
prematuras, pode-se compreender a motivacao deste texto, it medida que a com preen sao
das praticas de saude que privilegie positivamente;e nao criticamente, essa diferenciacao,
aparecera entao como reforco, pela via complemental' do conhecimento, da reproducao deseu carater alienado e alienante. .
Dizendo de forma afirmativa 0 que logo acima foi dito de modo negativo, esta
reflexao se orienta no sentido de buscar contribuir, examinando as praticas de saude em sua
dimensao basica de trabalho, para a construcao de uma compreensao de sua dinamica que
seja adequada it sua objetividade, por supor que 1sso se constitua em ferramenta muito
irnportante para a transformacao da realidade. Duas observacoes relativamente resrritivas
sao necessarias aqui: ern primeiro lugar, por referencia ao poder esclarecedor do.caminho
que se pretende perCOITer, e preciso deixar claro que, l11eSl1l0partindo da conviccao de que
a dimensao-trabalho das praticas sociais constitui-se na base mais fundamental de sua
efetivacao, elas nao se reduzem a essa dimensao, e portanto nao devem ser reduzidas a essadimensao pelo pensamento que queira explicri-las.Em segundo lugar, mesmo que urna
teoria adequada do trabalho humane em geral, especificada para as praticas de saude, possa
permitir sua melhor compreensao possivel, ainda assim so conservara sua fecundidacle se
for mantida severamente sob vigilancia, pois as teorias nao sao propriamente aclequaclas em
si mesmas, mas tornam-se adequadas na medida em que as praticas tornam-se adequadas e
';impoem sua retificacao,
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CADERNOS CEFOR
II
II.
Antes de pensar 0 trabalho em sa tide, e necessano apontar e reconhecer
conceitualmente a qual universo de fenomenos faz-se referencia ao utilizar 0 termo
"trabalho". Procurar-se-a faze-lo em um processo de aproximacao gradativa, de tal modo
que, partindo de ideias que exprimem aspectos muito abstraidos da realidade, seja possivel
chegar a um conjunto de detenninacoes que pare9a suficiente para dar conta do trabalho
humane em geral. Mesmo essas ideias que parecern iniciais, entretanto, nao 0sao senao ja
como resultado de um processo do pensamento, que partindo dos trabalhos imediatamente
clados vai extraindo deles toda peculiaridade, toda particularidade, ate chegar a elas. 0 que
se fara entao 6 0corneco do caminho de volta do abstrato ao concreto I;no ponto em que
este texto chegar aos seus leitores, esse caminho talvez tenha comecado a ser feito,
o perdendo-se completamente seus possiveis meritos se nao for prosseguido.
As duas ideias mais gerais e abstratasque encaminham it delirnitacao do conceito
de trabalho humane sao as de 'energia' e 'transforrnacao", conjugaclas em um unico
processo, que pode ser representado graficamente assim:
E![]--------~~--~----~
Com isso sequel' expressar que 'algo" que havia 'antes' se transforma em 'outro
algo" que ha 'depois ', atraves de lim processo no qual celia quantidade de energia se
aplicou. Deve-se .notar que todosos conteudos concretes dos mais diversificados tipos de
trabalho estao abstraidos nessa formulacao, tendo subsistido apenas uma anterioridade e
Ulna posterioridade vinculadas uma it outra por urn processo de transformacao nao
espontanea: isso permite ja configurar 0 trabalho sob a forma necessaria de 'processo'
exc1uindo do seu campo de aplicacao conceitual toda consideracao anterior acerca do "algo
antes' e do 'algo depois ' e da 'energia consumida, que pudesse ser feita tomando esses
mementos em si rnesmos, e nao enquanto mementos do processo de trabalho.
A delirnitacao generalissima a que se chegou permite tambem, alern de perce bel' a
processualidade, afastar as transformacoes espontaneas, como ja se disse, que tomariam a
forrna
[) Cf. Marx, K., Inlr"du~iin ;lC!jli", da ('cll111)mia'''[ilka. in hlm:;i ; . vida c ohra. Sao Paulo. Nova Cultural, 1991 (5' cd.), 1'1 ' . 1-25.
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D---E-!--~ c
SERlE TEXTOS
em que nao ocorre consumo de energia. Da mesma forma, deve ser .afastada a
meta aplicacao de energia ao 'algo antes', independentemente do 'algo depois', quetomaria a f01111a
o -=E;..:_!';"__"_---'--~
h e m 'como 0aparecimento do 'algo depois apartir do nada:
________ ~E~!~ ~~
Por outro lado, e evidente que diversos tipos de transformacao nas quais se
dispende energia cabem na representacao feita, e que no conviria incluir nos limites do
conceito de trabalho: tal e 0caso das transformacoes vnaturais" (por exemplo: a queda de
uma arvore atingida por um raio) ou casuais (por exemplo, a queda de uma xicara atingida
par um cotovelo distraido).
Esta ultima observacao obriga imediatamente, portanto, a urn primeiro
aperfeicoamento/correcao cla representacao grafica e da conceituacao: nao sendo "naturais"
nem casuais, as transformacoes mediadas por gasto de energia as quais se aplicara 0
coriceito de 'processo de trabalho" se determinarn entao como "intencionais'. Entenda-se
portantoo processo de trabalho como contendo, sob a forma de urn de seus mementos, a
correspondencia a um carecimento (C) que 0 "algo depois ' e capaz de satisfazer. Por
enquanto, essa correspondencia e indiferente ao conteudo concreto dessecarecimento. S6
existem carecimentos vinculaclos a objetos, decerto, mas a esta altura da conceituacao, 0
carecimento importa apenas enquanto confere ao movimento do conjunto do processodetrabalho uma finalidade, um carater teleologico. Portanto:
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CADERNOS CEFOR
As afirmacoes do ultimo paragrafo obrigam a assinalar alguns pont os
problematicos, nelas contidos, que nao devem passar despercebidos. Em primeiro lugar,cabe esc1arecer as aspas duplas
2no adjetivo "naturals", tal como foram empregadas acima.
Poder-se-ia, caso assim nao fosse, a partir da distincao entre 'natural' e "intencional ' supor,
como ponto de partida para a concepcao de 'homem' que esta sen do empregada, uma
externalidade radical entre 'homerri' e 'natureza'. Com isso.vcomecar-se-ia a pensar 0
'trabalho humano retirando-o e opondo-o ao ambito da natureza, 0que traria problemas a
desenvolvinientos posteriores. Lernbre-se a que veio a expressao entre aspas: tratava-se de
distinguir 0trabalho humano de transformacoes como as que ocorrem quando uma arvore eabatida por um raio, ou uma rocha e erodida pelo vento, ou uma floresta consumida pelo
fogo.rtranforrnacoes essas das quais esta ausente qualquer sentido teleologico. Entretanto,
se ao processode genese do homem nao convier nenhuma influencia metafisica, ha que
admitir-se que e da propria natureza que ele emerge, e que e na propria natureza que ele sediferencia edesenvolve, ou, em outras palavras, que sua essencia e natural (sem aspas,
agora), que ele apenas efetiva potencialidades imanentes a natureza a qual pertence, assim
como a parte que pertence ao todo. Se entretanto 0todo a que a parte pertence nao eanterior nem exterior as partes de que se constitui, mas est a nelas, dever-se-a tambern
concluir que a natureza se desenvolve e diferencia no homern, ou, em outras palavras, que
sua essencia e ser natureza humanizada. Tudo isto nao quer dizer que 0homem e a
natureza sao identicos, mas que se deve distingui-los como parte e todo, que se reunern sem
violentar suas respectivas legalidades, nern da parte, nem do todo. Ora, 0 que aqui
evidencia a distincao do homem (parte) na natureza (todo), que bern pode tambem ser
apreendido na teoria de que os homens fazem sua propria historia, embora em condicoes
previamente dadas, e a presenca nele, homem, diferentemente dos reinos mineral e vegetal,
e do restante do reino animal, da teleologia, enquanto todas essas outras partes da natureza:
apresentam, como ele, causalidade, mas nao teleologia.f __
Duas observacoes impoem-seaqui: pOI' um lade, que a teleologia C'os homens
fazem sua propria historia") que distingue 0homem no interior danatureza nao pode
violentar a causalidade ("em condicoes previamente dadas") que nao 0 distingue, mas 0
identifica a ela (em si mesmo, em sua constituicao biologica, e fora de si mesmo.ina
constituicao fisica, quirnica, e biologic a dos outros objetos naturais que se poem parade).
Isto quer dizer que 0conceito fisico de 'trabalho (produto de uma forca pelo deslocamento
de seu ponto de aplicacao), que bem se aplica as transformacoes naturais exemplificadas,deve tambem bem se aplicar aos processos de trabalho humanos, que nao podem contrariar
a legalidade causal que esse conceito exprime, mas que a ela acrescem sua finalidade
essencial. Ora, obviamente se segue que a teleologia humana consiste em uma utilizacao,
para fins proprios, daquela legalidade causal, 0que irnplica descobrir como se estabelece,
nos processos de trabalho, a mediacao da teleologia pela causalidade, 0que se voltara a
tratar quando se discutir os instrumentos de trabalho. Por outro lado, a presenca de
carecimentos ao lado de acoes transformadoras que dispendem energia e que produzem
resultados que satisfazem esses carecimentos parece, pelo menos a um prirneiro olhar, .
caracterizar 0 reino animal tanto quanto 0 homem, 0 que obriga a urn segundo"- ,
2) Cornoja sc tera notado, as a:pas duplas cstao scndo utilizadas ncstc tcxto para indicar discurso indireto, enquanto as aspas simples creservado 0 ernprego indicador de que as palavras assinaladas devcm scr tomadas no scntido que cnfatiza 0 significante em 'detrimento do significado, ou que dcstaca 0 caratcr conccitual..
3) Cf, Heller, " 0 eot idiano e a hist<iIia, Paz c Terra, Rio de Janeiro - Sao Paulo, 1989, Pl '. 1ss.
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II
SERlE TEXTOS
compromfgso a ser retomado adiante: 0 de encontrar os criterios de distincao entre a
teleologia humana e essa aparente teleologia animal.
Em segundo lugar, e de forma conexa com a ultima observacao feita, sera
necessario proceder a um exame um pouco mais adequado, mais adiante, do que, se
designou como 'carecimento". Poi dito que, pOI'enquanto, sua presenca e necessaria apenas
como forma de vincular 0 movimento de transformacao a um fim presente desde 0 inicio.
Mas, se por um lado e relativamente facil desvincular essa ideia de outras proximas, tais
como a que interpreta a queda da arvore como sendo adequada para que se cumprisse 0
seu destino, ou a que ve na mesma transformacao a explicitacao da divindade conforme
seus proprios designios, ou ainda a que quer que 0 fim do movimento seja aproximar a
arvore - corpo pes ado - do centro da terra, seu suposto lugar natural, pOI'outro lade 0termo
'carecimento" pode vincular-se a dois outros significados que sera conveniente afastar.
Trata-se de dotar a ideia de 'carecirnento" quer de fundamentos psicologicos, quer de
fundamentos "naturals". Sem prejuizo da necessidade de voltar a este assunto adiante,
pode-se pOI'ora ja fixar a ideia de que tanto como 0proprio homem, parte da natureza que
se diferencia de si mesmo na historia, seus (dele) carecimentos so poderao tel' as mesmas
caracteristicas: neles so cabe a naturalidade propriamente humana, e portanto, ,se
diferenciam na historia.
Retomando a conceituacao do processo de trabalho no ponto em que foi
interrompida para esses esclarecimentos necessaries, 0 proximo passo consistira em
examinar as relacoes entre 0e 6.POI' que 0 se transforma em f : : : : . ? Como.setransforma?
As respostas comecam pOI' afirmar que 6nao pode provir de qualquer 'algo
antes', mas de um mimero restrito, aqui reduzido, pOl' s implicidade, a um so desses 'algo
antes', representado porD. Inversamente, D nao pode transformar-se em qualquer 'algo
depois', mas em um mimero restrito, reduzido, pOI'simplicidade, a unidade, e representado
pOI'f : J . Ha portanto uma relacao necessaria entreDeb., tal que permite vel' em6uma
potencialidade de 0, inscrita em suas qualidades, ao mesmo tempo em que nao .estao
inscritas nas qualidades de0omo potencialidade, nem 0 nem¢'pOI'exemplo., Em urn
galho de arvore suficientemente rigido esta contida potencialmente uma alavanca, mas em
urn ramo tenro e flexivel nao esta, 0que quer dizer que a qualidade 'rigidez/flexibilidade"
(entre outras) contem a alavanca. Entretanto, a mesma qualidade com polaridade invertida
contem uma vara de pescar, embora em ambos os casos fragment os adequados devam ser
extraidos da arvore.
Exatninando as coisas de outro angulo, em busca de responder pOI' que 0 se
transforma em 6, ve-se que, entretanto, 0 nao deixa transparecer pOI' si mesmo,
imediatamente, suas qualidades que contem6em potencia: essas qualidades precisam ser
evidenciadas ativamente; al6111disso.idado que 0pode conter mais qualidades do que as
que se efetivam em 6, sua configuracao como momento de um processo de trabalho
implica a reducao de suas multiplas qualidades apenas as que interessam a efetivacao de6
Isto tudo quer dizer que D, em sua relacao com 0 processo de trabalho, 6 ao
mesmo tempo um "objeto" da natureza e um objeto no "natural", um objeto humanizado.
Esta na natureza enquanto parte do todo que POI; si mesma nao se diferencia do todo, e que
sequel' pode ser concebida fora de suas relacoes com 0todo; nao 6 "natural" a medida em
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~0---'----70 T _ _ = - E . : . . . _ ! ----7-)~ c
CADERNOS CEFOR
quetem que ser delimitado e desprendido do todo para entrar no processo de trabalho.
Enquanto parte da natureza, nao e propriatnente um objeto; vem a ser um objet() somentequando um sujeito 0 delimita e desprende, sendo 0modopeloqual se da essa delirqita9i:'iPe
esse desprendimentoguiadopelo plhar que anteve em um certo fragmento dallNgre~a,um
certo resultado potencial. Por exemplo, se se pretender uma alavanca, 0ramo quya.c()l11t~m
em potencia tem certos limites e deve ser cortado de certo modo; ja se se pretender uma
atiradeira,oslimites serao outros, porque a forquilha e a rigiciezlateral del ramo no ponto
de bifurca9aoe que importam. Em todos esses casos, Dnaose qelimitapor simesmo, mas
e delimitado por urn olhar que contem um projeto: porisso sediss~.que,em sua rela9aocomo processo detrabalho, D nao e um "objeto natural" ao mesmo tempo em que esta na
natureza .
. Para dar conta dessas novas caractensticas do. 'algo antes', p\!ssar-se-a arepresentar 0processo de trabalho com novos aperfeicoamentos/correcoes:
Nesta nova representacao, OT (objeto do trabalho) esta no lugar de uma parte!das
qualidades de 0 .recortadas como sendo urn b"vittual, por serem essas qualidades capazes
deconterem 0 projeto de6("t::;').Deve-se atentar para 0 fato de que,se a passagem
o -----? OT representa 0'algo antes' procurando dar conta de sua dupla determinacao,
nessa passagem nao se deu ainda nenhuma transformacao. Faz-se abstracao do fato de qUy
muito poucos trabalhos lidam com objetos existentes na natureza, aplicando-se a maioria.a
objetos produzidos em processos anteriores. Pode-se fazer a abstracaona medida em quenao invalida 0raciocinio - atepermite, pOI'simplicidade, que fiquemais claro - masnao se
deve esquecer a imensa importancia desse fato, a ser retomado posteriormente.
Eimportante notal' 0fato de que foi 0projeto de6.0que permitiu discriminar
algumas qualidades da natureza sob a forma de urn objeto do trabalho, e que doravante 0
tomara as caracteristicas de um "objeto natural". Toda objetualidade da natureza decorre da
presenca de um sujeito, para 0qual ela e objeto, 0que enlaca subjetividade e objetividade
de modo inseparavel; se esse sujeito transformar a si proprio enquanto se reproduz as
custas de sua metabolizacao da natureza, ambos tornar-se-ao historicos. Ao mesmo tempo,
a transformacao do homem encontra seus limites tambem nas suas possibilidades de
produzir para si novos "objetos naturais"; mas como a natureza contem infinitos 0 ,suporta infinitos projetos e infinitos homens: segue-se que ahistoricidade de que serevestem, homem.e natureza, e necessariamente aberta. 0esquadrinhamento e 0
esquartejamento da natureza contido na delimitacao dos objetos do trabalho constitui-se dequalquer modo na base ontologica mais profunda para a diferenciacao, historica da razao
humana e, ao mesmo tempo, para seus conteudos objetivados, 0conhecimento acumulado.
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SERlE TEXTOS
Encontraram-se duas respostas para a busca das conexoes entre 0~~:.~s
qualidades reais de 0 e oprojeto de~ ,que permite sua objetualizacao. Atnbas;asFoi~asmostraratn-se nao apenas necessarias ao projeto de trabalho, mas.necessarias umaAoutm.
!Ent~etam?' .....ao.. sao -:.evidentemente '.suficie~tes para •.des~ncadear . a ..•tral1SfC)fllla9aOptoprlamente dita. Isto tern sido representado ate. agoraE!' qlle. e nece~sarioyntao·~·,t~ in inar. " " ;;;'~" ;, . :, ', . , \
. ..... .'<: Naf0ftnuI~esta. apenas representadaa ideia de q\lec~rt~ qllanticlad~~~enefgl~se
despr{md~np processo~ Jaque se assumiuque esse .cons\l!D.ocleenyrgi,anape;:'natllral"
.nem casual, mas.·intencional, a questao queimediatamente se p6e~ef~r~-seAF~I~9~o~ntre
essa intencionalidade e 0gasto de energia. Tome-se um exemplo simples: esse g~s,t().e~s~a
relacao encontram-se no gesto de extensao do brace. que apanha um fruto. 0 fruto que
pende esquecido na arvore (0) visto, com base na eXPerienc:i~ anterior.("~"), como
possivel fruto a ser comido (OT), e 0brace que para ele seest~ndejli colhf/e.8~e. pro.cluto
( ~ ) . E preciso saber quais frutos sao comestiveis e que os frutos 'sao arrancaveis para que
faca senti do 0gesto, entretanto, bem como e preciso ter braces suficientemente longos e
com extremidades preenseis para ousa-lo. 0 brace e a mao condensam a um so tempo as
qualidades do fruto (ser alimenticio e arrancavel) como do projeto do sujeito que executa 0
trabalho: ter frutos a disposicao para matar a fome. Se se tratasse de um animal, todavia,o
brace e a mao revelar-se-iam talvez insuficientes para condensar as determinacoes do
projeto e da natureza, pois 0animal cone e morde. Uma clava de madeira ou osso ou pedra
seria capaz de dar forma adequada, nesse caso, ao gasto de energia. Enquanto extensao do
brace a clava revela, ao mesmo tempo, a capacidade de estabelecer, entre aintencao e 0
gesto, a mediacao de uma teoria a respeito do objeto do trabalho e de uma teoria sobre 0
.pr6prio trabalho. Nao e por outra razao que osantropologos .identificam como primeira
yariedadeda.especie Homo 0 hominideo (Homo habilis) cujos restos f6ss~is.fQram
encontrados ao lade de utensilios de pedra: tel' guardado 0urensilio.usado uma vez, para
ser usado de novo em uma outra ocasiao, revela a capacidadede intelectualizar a execucao
< ; 1 0 trabalho.separadamente do proprio ate de executa-lo.
Esses-utensilios, os instrumentos de trabalho (1),0 brace a . mao e a clava,
correspondemportanto a forma pela qual a energia se incorpora ao processo de.trabalho, e
devem apresentara capacidade de sintetizar, como se disse, as qualidades de Deo projeto
deL).em uma acao transformadora. Convern examina-los melhor, entretanto, para verdeonde vem esseseu poder sintetizador, bem como para bem avaliar quecaracteristicas
imprimem ao trabalho humano.
Ao falar do senti do teleol6gico do processo de trabalho humano, excluiu-se, por
nao 0 apresentarem, as chamadas .transformacoes "naturais", Estas tiltimas foram
exemplificadasatraves da arvore fulminada pelo raio, da rocha erodida pelo vente e da
floresta incendiada. Ora, os dois primeiros exemplospermanecem - mas nao
necessariamente, para sempre - "naturais", enquanto que 0 terceiro tornou-se.nao so uma
.das formas usuais de obter terra agricultavel, mas tambem 0rneiode obter fins menos
nobres e uma das mais tragicas evidencias da humanizacao aIienada .da natureza, A
queimada e um processo de trabalho que sevale do poder de uma parte da natureza de
transformar a outra, nao mais em sua ocorrencia "natural", mas em sua ocorrencia
teleologicamente vinculada a um carecimento. "0 meio de trabalho e uma coisa ou um
complexo de coisas que 0 trabalhador insere entre si mesmo e 0 objeto de trabalho e lhe
serve para dirigir sua atividade sobre esse objeto. Ele utiliza as propriedades mecanicas,
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CADERNOS CEFOR
I
I
~fisicas,quimicas das coisas, para faze-las atuarem como forcas sobreoutras coisas, de
acordo com 0 fim que tem em mira".4 Deve-se ressaltar aqui, outra V f ! : Z , a importancia deter tomado a partida a distincao entre homem e natureza como relativa, de vez que um
complexo instrumento de trabalho robotizado e movido por um conjunto de trabalhadores
tende a ser apreendido como um produto unilateral da razao humana, quando nao como
"deus ex machina' de poderes fantasmagoricos. Com 0 que foi dito, entenda-se entao que 0
instrumento de trabalho deriva seu poder transformador da propria natureza: mais
precisamente se dint que tem 0 seu poder transfotmador derivado da propria natureza, e
ainda, de sua propria natureza. Uma pedra nao e em si mesma um instrumento de trabalho:
torna-se um instrumento de trabalho quando 0 sujeito dotado de um projeto a utiliza, mas
apenas enquanto, ao utilizar-se dela, se vale de suas qualidades. 0 brace e a mao sao
instrumentos de trabalho enquanto a atividade transformadora do homern se valer de suas
qualidades naturais; mas por outro lado a atividade transformadora so aparecera comotrabalho quando utilizar propriedades naturais. Na propria delimitacao dos objetos do
trabalho, na objetualizacao de um fragmento da natureza, 0 poder objetivante dos
instrumentos e um momento essencial: urn fruto que estivesse em um lugar inacessivel,
pendente de um galho muito alto da arvore, continuaria sendo um fruto e continuaria
sendo comestivel, mas por no ser mais arrancavel nao seria mais um objeto do trabalho
atual. Sua presenca ao lade de outros frutos, arrancaveis.ve um poderoso ativador do
,,;:desenvolvimento da Razao, que aprende da natureza a fazer a analogi a, ao mesmo tempo
em que aprende a aplicar-se em sua objetivacao sob a forma de novos instrurnentos. Uma
longa vara pode assim vir a ser urn instrurnento: "Deste modo, faz de uma coisa da
',~ao de sua propria atividade, um orgao que acrescenta a seus proprios orgaos
" corpora '>'"ru-entando seu proprio COl-pO natural, apesar da Biblia".5 Esse e 0 sentido em
'qlle de~e e r compreendida a afirmacao da unidade entre homem e natureza: a humanidade.
natural e a naturalidade humana do homem.
.c-:
Se foi possivel compreender a forma pela qual a energia e gasta para obter 0 efeito
desejado, atraves da identificacao e da conceituacao dos instrumentos de trabalho, cabe
agora observar melhor essa propria energia. No plano da natureza, abstraida da presenca do
h0111em nela, 0 termo 'energia' aponta para apresen9a, nela, das condicoes para que
ocorram trabalhos, tais como sao compreendidos pela fisica, 0 que permite compreende-la
como um "sistema energetico", Se 0 trabalho humane nao pode contrariar, mas tem que
superar as determinacoes naturais puras, tern que consumir energia: essa energia consiste
portanto no conjunto de qualidades humanas naturais que podem ser ativadas para obter
transformacoes, que e designado forca de trabalho. Entretanto, como a superacao referida
logo atras consiste basicamente na introducao de teleologia, uma parte da f01"9ade trabalho
devera ser consumida dispondo objet os e instrumentos do trabalho em sua relacao
adequada, enquanto outra parte devera ser consumida atraves da propria discriminacao de
quais sao essas relacoes adequadas e em sua manutencao variada durante 0 processo, de
modo a que os fins sejam alcancados. Em outros termos, a forca de trabalho fornece
energias mecanicas e energias intelectuais que controlam essas energias mecanicas. A
atividade coordenada intelectual-mecanica de consumo de energias conforme 0 fim
buscado se chama 'trab~lho'. Como todo resultado do processo de trabalho contem energia
sob uma forma capaz de, ao ser consumida, satisfazer um carecimento, assim a forca detrabalho, energia que ao ser consumida satisfaz os requerimentos da atividade de trabalhar,
e
4) Marx. K.. ~ Rio de Janeiro. Civilizacao Brasilcira, 1968, (Livro 1. Volume 1). 1'.203.~",_Idem. idem. '
:./".~.
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SERlE TEXTOS
c
deve ser ela propria resultado de processos de trabalho, pouco importando no momento
que esses "processes de trabalho" fossem, no momento da genese do hornem.rprocessos"naturais", como os que produzem a forca de trabalho dos animais. 0 que distingue 0
processo de trabalho humano, neste contexto, portanto, nao e a presenca de energia, ou sua
entrada em acao, mas, outra vez, a especifica forma de sua entrada em acao e de sua
manutencao na acao, que caracterizam a atividade human a do trabalho como vinculada a
uma finalidade sempre presente antes e durante 0 processo. "no fim do processo de
trabalho aparece um resultado que ja existia antes idealmente na imaginacao do
trabalhador. Ele nao transforma apenas 0 material sobre 0 qual opera; ele imprime ao
material 0 projeto que tinha conscientemente em mira, 0 qual constitui a lei determinante
do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinacao nao eum ato fortuito. Alem do esforco dos.orgaos que trabalham, e mistera vontade adequada
que se manifesta atraves da atencao durante todo 0 curso do trabalho. 6 Chame-se
'finalidade '(F) essa tensao da vontade. Pode-se entao aperfeicoar/corrigir a representacao
grafica do wocesso de trabalho conforme se segue: 0 simbolo E! sera substituido pelos
simbolos T fT, com isso se querendo dizer que 0conjunto de qualidades e potencialidades
humanas (FT) necessarias aacao transformadora (T) e consumido, vem a objetivar-se,
tanto na estrita transformacao de OT em~, mediada pelo s instrumentos (I), quanto na fase
anterior (D--:>- OT), 0 que e designado pelas setas interrompidas, simbolos da atividade
(T) de consutno produtivo de FT subordinada a finalidade (F). Como essasubordinacao
percorre todo 0 processo, deve-se represent a-l a tambem como 0 antecedendo e
circunscrevendo,
E possivel cornpreender agora mais um conjunto de determinacoes na
transformacao em que consiste 0 processo de trabalho: alem das qualidades de 0 e do
projeto de ~("~"), tem-se agora 0 consumo produtivo da forca de trabalho (FT) pela
atividade do trabalho (T), .atraves de instrumentos que sao "0 ponto de encontro da
finalidade do trabalhe e do delerminismo da natureza, 0 lugar de sua determinacao
reciproca't e vinculando todos esses aspectos, a finalidade (F), significando a interiorizacao
produtiva do carecimento (C). Logo, acrescentando agora a representacao da constituicao
6) Idem, p.2027) Giannotti, 1.A., 0 ardil do trahalho, in Giannotti, 1.A., Trahalh" c Rcncxii,,: cnsai"s para uma dialCtica da sllciahilidadc, Sao Paulo,
Brasilicnse, 1984 (2'. cd.),p.88.
F "
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CAD ERNOS CEFOR
de F em funcao da presenc;a de C e da necessidade de, para alem de "sentir" C, objetivar ..
essa carencia na producao de ~ :
H/T/FT
/ I\\
/ ~I
/ /
F I
/ F FI
kI t : : -}
H j F 0 OT
1
\
F,
H ie
I
A finalidade aparece de tres modos, como se pode ver: na constituicao db Homern
dotado de uma Finalidade (H/F), por efeito da presenca do Hornern dotado de Carecimento
(H/c); na constituicao do Hornem em atividade (H/T/FT) por efeito da presenca ida
Finalidade nele (H/F); e na persistencia produtiva des sa atividade, ate que 0resultado esteja
posto, pela transformacao de OT~6, e desde a delimitacao de QJ a partir da natureza.
A finalidade, porern, nao e urna qu~lquer dessas _pres?nc;as, ~ ~ so~a del as; ma~ elas
todas ao mesmo tempo, como uma smtese de relacoes: faltando 0pnrneiro aspecto deixa-se
de perceber que, em urn sentido, 0carecimento antecede ao processo de trabalho, que se
determinaria como produtor de carecimentos unilateralmente; faltando 0segundo aspecto,
deixa-se de perceber que, em um sentido, a constituicao da finalidade da-se antes e fora do
processo de trabalho; faltando 0terceiro aspecto, deixa-se de perceber que, em um sentido,
a objetivacao da finalidade independe de sua constituicao. Ora, a primeira dessas "perdas"
implica interpretar 0 processo de trabalho como posicao de um resultado, enquantoa
dialetica.carecirnento I processo de trabalho 0interpreta como um cicIo; a segunda "perda"
implica a impossibilidade de distinguir adequadamente a teleologia humana da aparente
teleologiaanirnal; a terceira "perda" acarreta a conseqiiencia de nao poder-se compreenderalgo essencial do trabalho humane: desde quando haja disponibilidade de instrumentos
adequados, como as maquinas, 0trabalho humano, enquanto atividade, P9Qe ser realizado
sem que 0 projeto do resultado esteja tensamente presente subordinando a, vontade, 0 que
vetn a ser condicao objetiva das especificas formas de alienacao do trabalho que se
efetivam nas scciedades capitalistas contemporaneas.
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PROCESSO DE TRABALHO """'-::-- -;.
CARECIMENTO
SERlE TEXTOS
A triplice determinacao da finalidade que se discutiu acima assume toda sua
importancia, todavia, quando se considera que 0processo de trabalho humano, tal comodescrito ate agora, tem a forma aparente de um cicIo vicioso do tipo:
Observando melhor, percebe-se entretanto que, ao fim do ciclo, mudancas
necessariamente ocorreram: 0trabalhador ampliado pelos instrumentos - a individualidade
tecnica 8 -, ao repetir-se 0ciclo ten! incorporado a si a destreza adicional que resulta da
pratica; a natureza ten! sido mais conhecida e suas potencialidades trazidas mais para perto
do homem, alem de carregar agora as cicatrizes de seu processo de humanizacao; 0homem
cujo carecimento houver sido satisfeito ja nao sera 0mesmo homem, mas urn homern que
pelo menos uma vez se satisfez; 0 carecimento que tiver sido satisfeito ja nao sera
tampouco 0 mesmo, mas, modificado pelo ate de con sumo, tera sido diferenciado e
especificado. De tudo isso segue-se que, mesmo nos altos niveis de abstracao em que 0processo de trabalho foi apreendido, a repeticao de seu cicIo implica necessariamente a
re-producao de todos os seus aspectos parciais, onde sobressaem a re-producao do homem
e a humanizacao da natureza, e nao sua reposicao monotona. E ambos os processos, sendo
dimensoes de um so, terao ocorrido como ampliacao do dominio de forces naturais, nele
proprio e fora dele proprio. A mais notavel conseqiiencia esta na possibilidade que se abre,
de que a repeticao do cicIo possa dar-se de modo a consumir menos tempo ou, 0que vem a
dar no mesmo, .que no rnesmo tempo se possa consumir produtivamente mais forca de
trabalho, com 0 result ado de ampliar 0 leque de possibilidades de aplicacao do trabalho,
com vistas a outros carecimentos, que nao os mais brut os e primordiais.
Abrem-se assim as portas da historia.
i. _
Cabe agora retomar um problema deixado em suspenso em fase anterior deste
texto: onde se diferencia 0 processo de trabalho humano da atividade metabolizadora da
natureza apresentada pelos animais? 0 especifico sentido da teleologia humana fornece a
resposta: "Mas 0 que distingue 0 pior arquiteto da melhor abelha e que ele figura na mente
sua construcao antes de transforma-la em realidade".9 A parte as conotacoes psicologicas
que se pode querer atribuir, como fundamento, as intencoes, que permitem identificar pelo
menos fragmentos disso nos comportamentos de caes e gatos, abelhas, aranhas e formigas,
pata ficar apenas com os animais mais freqiienternente lembrados, e possivel evidenciar
uma diferenca qualitativa radical entre 0que seriam as intencoes dos animais e as do
homem. Mesmo que se queira chamar "intencoes' ao que subjaz ao comportamento animal
8) cr. Giannotti, J.A., 01'. Cit, 1'.109.9) Marx, K.,op.cit., 1'.202.
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CADERNOS CEFOR
r
e se exterioriza sob a forma de persistencia na obtencao do que necessitam, ou ate mesmo
sob a forma das artimanhas que desenvolvem para obte-lo, nunca se encontra, no 'casodeles, 0testemunho objetivo de que esse "intentar' possa ocorrer separadamente, no espas:o
e no tempo, da execucao das acoes. No caso do homem, se e possivel afirmar essa
separacao como natural, constituindo-se portanto em sua forma objetivamente natural de
"intentar", e porque os instrumentos de trabalho 0 atestam de modo inequivoco. Em
primeiro lugar por sua persistencia: sao guard ados para serem reutilizados, 0que implica
teretn sido pens ados em funcao de seu uso, fora do espas:o e do tempo em que estao sendo
efetivamente utilizados. Em segundo lugar, e decisivamente, porque sao produzidos,
porque sao resultados de processos de trabalho cujo sentido teleol6gico esta orientado para
outros processos de trabalho, e nao para a satisfacao imediata de carecimentos. Na celebre
expressao de Benjamin Franklin, "man is a tool-making animal".
A imensa amplitude da diferenca po de ser avaliada, por exemplo, pelo
desenvolvimento da capacidade de "construir na cabeca" os process os de trabalho, 0que
implica 0que se chamou de "esquadrinhamenro e esquartejarnento" da natureza, isto e, seu
conhecimento, at incluido 0auto-conhecimento. Melhor ainda pode ser apreendida no
corolario da separacao entre 0pensar e 0fazer: os hornens podem dividir entre si essas
funcoes e com isso ampliar ainda mais 0seu dominic das forcas naturais, bem como
podem, 0que nao result a necessariamente do anterior, estabelecer suas relacoes entre si
com base ness a divisao, e com isso apropriarem-se diferenciadarnente das condicoes do
processo de trabalho, e, por decorrencia, dos seus resultados.
Alem de produzir resultados que desaparecern no consumo satisfazendo
carecimentos (consumo improdutivo) e resultados que entram em outros processos de
trabalho para serem consumidos como instrumentos (consumo produtivo), 0processo de
trabalho pode tambern produzir resultados que entrain em outros processos de trabalho
'como objetos do trabalho, 0 que configurara tambem consumo produtivo. Rigorosamente,
q termo "pede" usado nas afirmacoes precedentes e inadequado: 0periodo mais remoto da
liistoria humana e chamado paleolitico pC·que nele se produzern instrumentos de trabalho
de pedra; autilizacao de peles de animais como protecao ja presume a conexao do trabalho
de caca-los com 0trabalho de transformar as peles brutas em vestuario, Apenas em s~u
instante de genese pode-se imaginal' 0 horriem como aparentemente igual aos simios: se ja
naoe um simio, contudo, e exatamente porque tra balha de modo humano, e se trabalha demodo humano e exatamente pOl'que produz instrumentos de trabalho - no minima
guardando aqueles extraidos da natureza - em vez de meramente "encontra-los",
Por outro lado, compreenda-se que a representacao grafica tornou-se agora
impossivel, 0que nao significa que nao se possa faze-la na mente, em suas linhas gerais,
construindo uma rede de processos de trabalho que se alimentam reciprocamente.
Compreenda-se ainda que a representacao do processo de trabalho que abstraia dessa
articulacao reticulada e relativamente inadequada, pois ele sempre se da sob essa forma, e
nao como apareceu na ultima formula apresentada.
Estas observacoes devem ser conectadas aquelas feitas a respeito da repeticao do
cicIo do processo de trabalho: as alteracoes entao apontadas como resultantes da repeticao
do cicIo, acrescente-se agora as que decorrem de pensa-lo como organizadoem uma rede
de onde emergem, de um lado, a reproducao do homem atraves do consumo dos resultados
do processo, e de outro, a ampliacao do conjunto de forcas naturais dominadas, atraves do
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SERlE TEXTOS
consumo produtivo de instrumentos e objetos do trabalho, A conservacao, neste ultimo
caso, dos resultados de certos processos em outros processos , constitui a matriz daquela
ampliacao, que por sua vez desdobra as possibilidades de re-producao do homem tambem
ampliadamente. Nao estao mais apenas abertas as portas da historia: 0homem tera
adentrado por elas de forma definitiva.
Esta ultima afirmacao deve ser tomada em seu pleno sentido valorativo. A historia
nao aparece ai como 0cenario cambiante onde 0homem vern a ser, mas como esse proprio
vir a ser: dominic progressivamente maior das forcas naturais e enriquecimento do homem,
diferenciado em suas necessidades. 0 fa to de este nao ser um .processo naturalmente
natural, regido tao somente pela causalidade, mas de ser um processo humanamente
natural, regido tambem pela teleologia, traduz-se em sua nao-inevitabilidade, em suaobstaculizacao potencial, em sua reversibilidade possivel, mas nao.nega 0carater de valor
positivo objetivo que deve ser atribuido a tudo que 0 favorece, assim como deve ser
atribuido 0carater de anti-valor objetivo a tudo que 0impeca ou possa impedi-lo. 10
Tal como foi interpretado, 0processo de trabalho constitui um dos poles de uma
triplice relacao dialetica que inclui 0 homem e II natureza, e cujodesenvolvimento e. a
substancia da historia. Essa interacao e representavel do seguinte modo: 11 ... .
H N
PT
o homem aparece ai como produto e criador da natureza atraves do processo de
trabalho, e como produto e criador do processo de trabalho atraves da natureza. Entretanto,
toda a exposicao feita ate aqui pode comprometer-se, por inteiro, se a conceituacao doprocesso de trabalho for deixada no ponto em que esta, por facultar uma compreensao em
que figura como aplicavel it atividade de um so homem, ou de muitos homens isolados que,
"depois" de trabalharem, entao entrassem em contacto entre si.
A nao ser em situacoes mitologieas, 0 homem nao trabalha nunca isolado dos
outros homens, mas sempre em sua forma natural de ser: como homem social. E 0que vem
a ser isto? 0 homem nao existe, nao vive, nao trabalha, nao se reproduz, senao organizado
em grupos de homens: os carecimentos que, transformados em finalidades, guiam todos os
processos de trabalho, nao sao os carecimentos dele, trabalhador individual, que sente
fome, frio ou tedio, mas sim os carecimentos do grupo, do cla, da tribo, da comunidade,
que inclui sempre homens e mulheres de diversas idades e que nao exatamente "escolhe"
existir, viver e reproduzir-se como grupo, mas naturalmente so pode existir, viver e
10) cr. Hellcr, A .. 01' . cit.II) cr. Meszaros, I.,MalT a tcoria ciaalicna~iio. Rio de Janeiro. Zahar, 1981.1'.9655.
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CADERNOS CEFOR
reproduzir-se como grupo. Essa forma historica primordial de socialidade se modifica, sem
deixar de se-lo, pelo fato de que esse homern, menos individuo do que ser imediatamente
generico, "animal de rebanho" em certo senti do, precisamente atraves do desenvolvimento
historicodas potencialidades imanentes a essaforma social comunitaria primitiva, vira a
ser outro homem, cujas relacoes com seus produtos, com seu trabalho, com SUl : \ essencia
generica e com os outros homens se manifestem sob forma alienada. Em todo caso, em
diferentes'condicoes historicas de reproducao social, segue sendo urn ser social: "A
sociedade nao se compoe de individuos; ela exprime a soma de relacoes, condicoes, etc.,
nas quais se encontram esse individuos, uns por referencia aos outros". 1 2
12) Marx, K" P,jnc1l'es d'une ,Jjti<lue de l'cc,lJJOmic l'"iitique, in Ocuvre, Economic II, Paris, Gallimard, 1968, p, 281.
De outro angulo de aproximacao, para alem desse que privilegia a destinacao
social dos produtos, a socialidade se revela tambem no proprio interior do processo de
trabalho,0 qual apenas excepcionalmente e realizado por urn so homem, de 0t~ ,6Nao
fosse 'ja pela producao coletiva de objetos e instrumentos, pelo consumo imediatamente
coletivo deles na producao. A chave mais essencial da socialidade humana, contudo,
dependendo de todas as condicoes acima referidas, mas superando-as, deve ser
compreendida como ao mesmo tempo a base ( no senti do de ponto de partida, de resultado
anterior historicamente alcancado que a producao ja encontra), e 0resultado (no sentido,
de ponte de chegada) do processo de trabalho como processo de re-producao arnpliada do
dominic das forcas naturais que sao acionadas e acumuladas mas a medida em que tudo
isso se constitui em producao e re-producao dos proprios individuos. Em outras palavras,
so atraves de relacoes entre si os homens-individuos-trabalhadores "entram" nos processos
de trabalho; essas relacoes nao sao apenas "subjetivas", mas se objetivam em relacoes comos objetos e os instrumentos de trabalho, e quando 0processo termina deve haver como!
resultado, ao mesmo tempo:produtos, re-producao ampliada das forcas naturais
dominadas.rreproducso das relacoes sociais referidas aos objetos e aos instriimentos e,
dentro e atraves disso tudo, re-producao dos proprios individuos-trabalhadores.
'"Obviamente, esses individuos irnplicam suas "relacoes, condicoes, etc.", e portanto sao,
\ynquanto individuos, mediada e necessariamente seres sociais.
Deve-se agora reconsiderar 6. Viu-se que 0processo de trabalho detenninaise
como um sistema de forcas naturais dominadas que funciona C0l110 intermediario entre 0 '
homem e a natureza, isto e , como intermediario na diferenciacao do homem como Set
natural. Viu-se que as caractensticas dessa mediacao so podem ser adequadamenteapreendidas como socio-historicas. Nao se exatninou porern, ainda, 0fato de que a relacao
do trabalhador com os objetos e os instrumentos de trabalho nao e da mesma especie que a
relacao com os resultados imediatos do processo IL], porque se aquelas sao relacoes de
imediatez necessaria (os instrumentos sao 0 prolongamento do corpo fisico e da mente do
trabalhador na xlirecao das caracteristicas qualitativas do objeto), esta ultima nao e .Transformados os objetos, os resultados; como nova objetivacao dos instrumentos, dos
objetos, e da atividade do trabalho, estao post os no mundo, sem nada neles que indique de
qual proeesso de trabalho provieram. Exteriorizarn-se, escapam ao processo que os eriou, e
cabe explicar 0que determinara que sejarn consumidos produtivamente (sob a fOl111ade
novos objetos e de novos instrumentos) ou improdutivamente (satisfazendo imediatamente
carecimentos humanos), e 0 que determinara quem os consumira. Nada implicaautomaticamente que qs trabalhadores que os produzirarn deles se apropriem, para 0
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Essa forma social cria condicoes, principalmente atraves da producao de
excedentes (por referencia ao consumo) para que, por.umato unilateral, a apropriacao
privada desses excedentes estabeleca no .mesmo movimento a desigualdade ea diferenca
entre os homens. Desigualdade na distribuicao das condicoes objetivas da producao,
diferenca como particularizacao de individuos que, sern perderem sua genericidade,deixam
de tel' sua individualidade coincidindo imediata, extensiva e exclusivamente com ela. A
desigualdadeimplica necessariamente uma relacao: a divisao natural do trabalho conforme
sexo, idade e destreza relacionados a funcoes tecnicas do trabalho passa a ser
sobredeterminada pOl' uma divisao social do trabalho em que os homens se relacionarn
entre si atraves de suas relacoes desiguais com as condicoes objetivas da producao e , O
processo de trabalho contem, tanto em sua forma comunitaria, quanto em qualquer de suas
formas desiguais de relacoes dos homens entre si que aconteceram depois, atraves da
distribuicao dos homens conforme suas relacoes com as condicoes objetivas da producao, a
reproducao dessas relacoes, que se manifesta na apropriacao desigual dos resultados. 0
processo de trabalho e realizado, portanto, de um modo que depende dessas relacoes
sociais de producao e distribuicao, que nao pode ser indiferente it qualidade e it quantidade
das forcas 'naturais dominadas que nele atuam. A isto chama-se 'modo de producao, ' , e
compreende-se que 0conceito aponta para epocas historicas menos oumais longas, em quea re-producao social, sern cessar de diferenciar-se de si mesma e acumular potencialidades
parasuasuperacao por outro 'modo', mantern-se, em sua estrutura mais geral, conservada.
Os resultados ®dos processos de trabalho condensam todas essas determinacoes: 1) a
efetivacao das possibilidades discriminadas em urn fragmento da natureza (D), 2) atraves
de sua apreensao intelectual como um objeto do trabalho (OT) e de 3) sua transformacao
atraves de instrumentos de trabalho (I) acionados pela 4) atividade (T) que ao consumir a
forca de trabalho (FT), 5) subordina-se intelectual e organicamente ao projeto (F) de
resultado capaz de satisfazer urn certo carecimento (C), ao l11eSl11Oempo e no mesmo
movimento em que as relacoes sociais estabelecidas pela desigual distribuicao de0,OT, I,FT e F entre os homen~ e reposta como desigual distribuicao desses resultados, e ao mesmo
tempo e no mesmo movimento em que a satisfacao dos carecimentos mediada pel adesigualdade da distribuicao dos resultados e reposta como homens desigual (uns mais,
outros menos) e diferentemente (uns de um modo, outros de outro) satisfeitos. Enquanto
condensacao dessas determinacoes, os resultados dos processos de trabalho nao sao
meramente 'algo depois", mas podem agora ser chamados de 'produtos', simbolizados por
P.
SERlE TEXTOS
consumo ou para a troca. Como explicar entao sua "distribuicao", os mecanismos quedeterminam as formas e quantidades de seu consumo?
Ora, assinalou-se acima que a producao deve reproduzir tambem asrelacces,sociaisreferidas aos objetos eaos .instrumentos, que estao na base sobre a qual. se realiza,
que estao em seus pont os de partida. Isto quer dizer que, antes que 0 processo comece,
necessariamente alguma forma de relacao estara estabelecida entre os homens e as
condicoes da producao, ou, que ha necessariamente uma distribuicao previa das condicoes
do processo entre os homens. Uma das formas, a primeira manifestada na historia, de
dar-se essa distribuicao, e aquela chamada 'comunitaria', em que a distribuicao e global,
porque 0homem e ainda um "animal de rebanho": nao se trata de que todos e cada um dos
homens se apropriede Ulna parte aliquota igual das condicoes da producao e,portanto, dosresultados; trata-se sim de que todos e cada urn dos homens se apropria, por .si mesmo ou
atraves dos outros, do conjunto das condicoes da producao e, portanto, dos seus resultados.
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Procurando aperfeicoar/corrigir a representacao grafica que vinha sendoconstruida, mesmo que fazendo abstracao, por impossibilidade grafica, da necessaria
articulacao "reticulada" dos. processos de trabalho e de sua socio-historicidade, tem-seentao:
H/T/FT
FV71\/Ir\D OT
" ,
H i ed
JNote-se que as modificacoes iQtroduzidasconsistem na colccacaodeP fora. dos
'parenteses que circunscrevemos momentosessenciais do processode trabalhd'(os objetos,
9s instrumentos,a atividadedo .trabalhoje na colocacao de 'd' (distribuicaojentre os
produtos e os carecimentos, ficando subentendida a presenca de 'd' .entre os homens e as
condicoes.dadas ao inicio do processo. Simplificando por PT os momentos "'essenciaisdoprocesso, para dar passagem a ultima representacao, ter-se-a:" , .•
(.PT~-~
Lembre~~eageraque oscarecimentos que desencadeiam os processos de trabalho,
e que sao por eles sat!§feites', nao·sao senao mediadamente os dos proprios homens que
participam em cada um-deles, mas desde que unidos aos carecimentos de todos os outros
homens, que participam de todos os outros processos de trabalho. Deve-se incluir at
tambem os carecimentos configurados na necessidade de reproduzirem-se as relacoessociais sob as quais as processos de trabalho se dao, de tal forma a chegar-se a uma
representaeao em que cada processo deva internalizar, atraves de mediacoesvariavelmentecomplexas, mas sempre sustentadas pelos produtos, 0conjunto de carecimentos presentes
em cada estrutura socio-historica de re-producao do homem como ser natural. Isto e 0quese procura representar com a ultima formula:
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SERlE TEXTOS
?~
~tC2
(PT1-->
"1)..2.C1
*tf'(>0'3<C---PT~
Cn
tt~
t "
&
Neste ultimo esquema, os processes de trabalho aparecem integrados por meio das
relacoes . entre..os "carecimentos que precisam internalizar para realizar-se. Poder-se-ia
inverter a representacao para evidenciar a dimengao complementar da mesrria Ilnidade:
nessecaso, os carecimentos apareceriam integrados pormeio dosprccessos de trabalhoem
que se externalizam. Mesmo levando em conta a ainda extrema simplificacao desse
esquema para a compreensao da vida concreta dos homens, dele se pode deduzir
necessidade de compreender sempre os processos de trabalho eos carecimentos ;c()mo
compondo estruturas reciprocamente relacionadas que recobrem 0conjunto davida social.
Daqui por diante passar-se-a entao a procurar examinar um pouco melhor essa estrutura de
carecimentos.
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CADERNOS CEFOR
III.
De toda a exposicao anterior se conclui que 0 homem e um ser natural com
carecimentos e poderes. Examinou-se, aindaque abstratamente, essespcderes.esviu-se que
estao.sujeitos: ai.modificacoes eadesenvolvimento.Dai 0 dever de examinar agora os
carecimentos, ja.partindo.da.certeza de que, se suas formas de objetivacao.se modificam.e
desenvolvem, nao pedem eles senao necessariamente modificar-se e. desenvolver-se,
Qualquer fixidez "naturalista" para a compreensao dos carecimentos deve ser aqui
abandonada, neles buscando-se descobrir a socialidade e a historicidade. Desde ja, nesse
sentido, passar-se-a entao a chama-los 'necessidades'. "Positivamente, ohomem deve ser
descrito em termos de suas necessidades e poderes, E ambos estao igualmente sujeitos a
modificacoes e desenvolvimento. Em conseqiiencia, nao pode .haver nada de fixo em
relacao a ele, exceto 0que se segue de sua determinacao como ser natural, ou seja, 0fato
de que ele e um ser com necessidades - deoutro modo nao poderia set chamado de ser
1 d . 1 - deri b . ,,13natura - e po eres, sem os quais um ser natura nao po ena so reviver.
A determinacao do homem, enquanto ser natural, como ser dotado denecessidades, que nesse plano nao o diferencia em nada dos-outros seres natura is, deve ser
compreendida como a limitacao dos sells impulsos ativos a:
objetos-ainda-nao-objetualizados situados fora dele, na natureza com ele. Tais objetos se
objetua1izam efetivamente, entretanto, so atraves do exercioio de seus poderes: nesse nivel,
portanto.vnecessidades" e'poderes' revelam-se dimensoes de uma so totalidade parcial - 0
ser natural. As necessidades aparecem como aquilo que precisa "necessariamente,,14 sersatisfeito para que esse ser continue sendo um ser. Nesse quadro de referencia
proporcionadopela natureza, 0fundamento ontologico essencial do homem decorre do fato
de que se ele, como ser natural que e , aplica poderes que.revelam-no como especificamente
, diferente dos outros seres naturais, como ja se viu, esses poderes implicam necessariamente
que suas necessidades, so podendo ser pensadas - porque so assim existem - como
contrapartida desses poderes, revelar-se-ao especificamente diferentes das dos outros seres
naturais.
Ou seja, as necessidades sao a referencia da parte (homem) ao todo (natureza) de
que e parte, na medida em que essa participacao nao e fortuita, mas, ontologicamente,
essencial, 0 homem precisa "necessariamente" ter necessidades, referir-se ativamente anatureza, para ser. A objetivacao dessa condicao dando-se atraves do trabalho, como forma
naturalmente humana de vir a ser, acarreta a consubstancialidade das caracteristicas do
trabalho edas necessidades. Estas nao serao nunca "naturais", como tampouco 0e 0trabalho; nao serao caracteristicas de um ser natural abstrato, como alimentar-se, por
exemplo, mas especificas quanto ao conteudo e a forma: precisa alimentar-se de um certo
modo, comendo coisas especificas e de uma maneira especifica, pois so assim se reproduz
como ser humano, ser natural socio-historico. 0 conjunto dos objetos especificos que deve
consurnir e a forma pela qual devern ser consumidos constituem as necessidades que0,
13) Meszaros, l..p. cit., p. 149.14) Ha certa dificuldadc na Iingya portuguesa, que mal poderia scr evitada atraves do recurso a sinonimos, em distinguir entre 0 scntido
de 'neeessidade", 'nCCCS5ariO'como um devcr-ser obrigatorio ("nccessitc", "neccssairc", em frances; "necessity", "necessary", emingles; "notwendigkcit", "notwendig". COl alemao) c 0 sentido de impulso, apctite, dcscjo, cxigencia, sempre substantive ("besoin'"em francesr'tnced". em Ingles; "Bcdurfnis", ern alcmao). Neste segundo sentido sc osta cmprcgando neste tcxto 0 termo'nocessidadc'. Quando utilizado no primeiro scntido, sera posto entre aspas duplas, scmprc que 0 contexte nao dispcnsar 0
esclarccimento,
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"necessariamente" deve satisfazer para reproduzir-se, 0que implica os modos de produzir
esses objetos e distribui-Ios.15
•Essas necessidades .."necessaries" nao sao;·.·portanto,· fixaslxmas .variarao;
ampliando-se.ediversificando -rse coma ampliacao ea diversifieacao doidominio das forces
naturaisque.seobjetivam.nos objetos dessas necessidades. Quando.ccprimeiro frutotiver
sido colhidoecomido peloprimeiro homem, que ja.nao sera, pelomodo eomotiver
exercido-seus poderes naturais.iidentico.aespecie de que tiverderivadoasua-neeessidadede
comer tera-deixadol.de-ser .a necessidade .de-um-ser-meramente-natural, para ser .a
necessidade.-de um ser humanamente natural; que e <naturalmentecapaz de pensar: a
atividadee osinstrumentos que usou e a satisfacao da ferne, de modoseparado de seu .
exercicio e consumo. Com isso, nao tera apenas produzidoum alimento e 0consumido,
mas tera produzido uma nova necessidade, e portanto.i.um novohomem.Ou seja,"a
prime ira necessidade ela propria, uma vez satisfeita, a a.s:aode a satisfazer, e o.instrumento
ja adquirido para essa satisfacao, empurram anovas-necessidades, - e esta producao de
novas necessidades e 0primeiro fato historico:·16As necessidades "necessarias" sao,
portanto, hist6ricas: constituem 0conjunto de necessidades.de todaordem que devem estar
presentes para a reproducao do homem emum certopedodo e em umacertasociedade, e ..
eventualmente, em cada grupo particular de homensnessa.sociedade.
Deve-se notar que essa socio-historicidade e a contra partida da socio-historicidadedos processos de trabalho, que criam osobjetos para as necessidades, enquanto ao mesmo
tambern 0 inverso.e verdadeiro; ja que as novas necessidades criam os sujeitos para os.novos processos de trabalho. Deve-se notar ainda que as necessidades "necessarias"; assim
concebidas, sao sempre objetualizadas, so podendo ser adequadamente definidas nessa
relacao com os objetos (produtos) que resultam dos processos de trabalho. Nao ha
necessidades "necessarias'tde ainda-nao-objetos: os txucarramae nao tern os dentifricios
entre suas necessidades "necessaries"; nao ha tampouco necessidades "necessaries" de
ex-objetos: os "civilizados" nao tern, entre suas necessidades "necessarias", arcos e flexas.
Por 'objetualizacao' nao se entenda, portanto, a mera referencia formal a um objeto
qualquer, mas a referencia substantiva ao que, em cada objeto concreto, condensa os
processes de trabalho como.processos de re-producao social.
Correlatamente, e claro que nao ha necessidades "necessarias" que possam ser
inconscientes: qualquer que seja a apreciacao critica que se pode fazeracercadas
necessidades "necessarias", que permite contrastar, por exemplo, necessidades "reais" e
necessidades "imaginarias", necessidades "justas" e necessidades "superfluas",
necessidades "basicas" e necessidades "de ostentacao", em todos esses casos tratar-se-ao
d ·d d . 17sempre e necessi a es conscientes,
E fundamental nao confundir 0 carater socio-historico das necessidades
"necessarias", sua caracteristica de serem sempre produzidas, determinadas
socio-historicamente, com a ideia freqiientemente irnplicita de "necessidade social", no
sentido de "necessidade da sociedade". No primeiro sentido, trata-se sempre de.
necessidades de individuos, que como sao sempre de individuos socio-historicamente
15) Cf. Heller, .,Teoria de las necesidades en Marx, Barcelona, Ediciones Peninsula, 1986.16) Marx.K; L'jdcolollie allemande, Paris, Editions Sociales,l968, p. 57-58.17) Cf.Heller, A ., op. cit., p.79
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determinados, isto e , que estao em relacoes socio-historicascom outros individuos, sao
produzidas par' essas relacoes e para essas relacoes, sem deixarem nunca de serem
individuals. No segundo caso, insinua-se a ideia de que 'o conjunto estruturado derelacoes,
a 'soci6dade,e ere' proprio sujeito deriecessidades, que seriarn eritao-r'necessidades-dasociedade". ,,",
Nessesenti?o, a' socied~de .. e entendida nao comoatotalidade;amediaou
tendenciade desenvolvimento das necessidades lndividuaisdocorresponderiteparticular,
nem tampouco como necessidadepessoal "social izada" ,mascom'o sistema de riecessidades
ge..al, por,cirlIa dos individuos e de suas necessidadespessoais" 18, Essaconcepyao. serve
para opor - esubordinar - as necessidades individuals as "necessidades sociais", que nas
sociedades concretas historicainel1te realizadas revelaram-se sempre necessidades de:alguns
individuos travestidas em necessidades gerais, Ao mesmo tell1po,e defonna c?rrelata;se
tais supostas "necessidades sociais" forem sobrepostas as necessidadesindividuais,os
individuos que nao as manifestarem serao sempre interpretaveis c0ll10' nao as tendo ainda
"adequadarnente reconhecido'Vdesde que, e claro, outros, individuosse arvorem emjuizes,
interpretes do que e justo ou nao, em nome da "sociedade". As conse1iiencias nos planes
concretos de apreensao da realidade e. da pratica sao quase evidentes 9,. salientando-se a
cIassica problematica 'dos "educadores" (que ensinariam aos outros 0 que seria justo e 0
que deveria ser trazido ao plano da consciencia, sem queriirrguem se perguntas~eqtiem os
teria educado) e, no campo das praticasde saude, a problematic a envolvida ernopcoes que,
defendidas par um presumivel "interesse geral", passam porcitna dasmecessidades
conscientes dos individuos e justificam-se, antes e depois, por seus resultados tecnioos.Recusando a ideia de "necessidade social" pelo que nela se pressupoe acerca das relacoes
entre' individuoe sociedade, em que esta e fixada como abstracao em relacao aquele..
dever-se-a mesmo'1 assim voltar a aspectos mais concretos da problematica envolvida,
adiante; ao tratar-se.das necessidades de saiide 20
Urn ultimo conjunto de demarcacoes teoricas precisa ser estabelecido ainda,
acerca das necessidades humanas, e que guarda relacao com os dilemas acima apontados,
Trata-se do fato de que, para superar positivamente a antinomia "necessidades
sociais'Ynecessidades individuais.nao basta a rejeicao da categoria "necessidades sociais",
mas e precisodescobrir 0 modo de afirmacao do movimento socio-historico -das
necessidades como valor positivo, que possa orientar a atividade essencial - a necessidade ~
de estabelecernonnas, a objetivacao moral, de modo que 0 reconhecimento das
necessidades comoindividuais nao acarrete sua "subjetivizacao" .em infinitos e relativos
"valores" equivalentes, e a paralisia da praxis teleologicamente orientada para a socialidade
dos mesmos individuos,
o que se pode dizer nesse sentido, com base no que ja foi exposto, e que, nos
limites da historia transcorrida, funciona como uma lei do movimento, simultaneo e
consubstancial, de ampliacao do dominio das forcas naturais e de re-producao das
necessidades, a geracao de certas necessidades "necessarias" que, nao obstante sua
presenca, nao podem ser adequadamente satisfeitas no ambito da estrutura historica de
18) Cf. Heller, A. , op, cit., p.7719) Idem, p.7820) Cf. Marx, K., Maou5cdtos ccoo6mico-fiIo56fico5, Lishoa, Edicoes 70, 1989, p. 194 C S5.,a proposito da antinornia
individuojsocledade,
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, ..!~
socialidade que as gerou. Nao se trata aqui exatamente da famosa contradicao entre as
relacoes de producao e 0 desenvolvimento das forcas produtivas, mas de algocorrelacionado: nao e que se deixe de ampliar a qualidade e a quantidade das objetivacoes,
sobretudo materiais, e com isso, de ampliar-se a quantidade e a qualidade do consumo
dessas objetivacoes, Isso certamente e verdadeiro, mas tomar as coisas restritivamente
nesse sentido equivale ja a circunscrever as necessidades ao ambito do que imediatamente
pode ser obtido atraves do consumo imediato, ou seja, deslocar SUEt apreciacao qualitativa
referida ao devir do homem como ser natural que se amplia, diversifica e "enri,quece,,21,
para uma apreciacao quantitativa infinita e ilimitada: mais consumo, de mais objetos. Ora,
e precisamenteesse 0 sentido que' tomam, no capitalismo, .aquelas necessidades
"necessaries" especiais acima referidas: nao sao necessidades de ampliacao quantitativa doconsumo, pois essas, se nao podem ser inteiramente satisfeitas, sao no entanto
perfeitamente funcionais, mas sim necessidades de diversificacao qualitativa do homem.
Essas necessidades "necessarias" - "necessaries" porque tern que estar presentes, por forca
da propria logica do desenvolvimento do capitalismo - nao podem, entretanto, ser
satisfeitas, salvo em um movimento de transcendencia da estrutura de poderes que as
geram. A elas se aplica 0conceito de 'necessidades radicais'. 22
As necessidades radicais expressam a confluencia da causalidade (elas nao vern"de fora", mas de dentro da propria estrutura historica de re-producao da socialidade:
traduzem suas tendencias imanentes objetivas) com a teleologia (elas nao sao um
tipo-ideal, mas um tipo empirico, identico a existencia de seus portadores, que necessitam
"necessariamente" a remocao dos obstaculos soeio-historicos a sua satisfacao).
•
Se isto nao permite a invalidacao etica de nenhum componente individual daestrutura de necessidades "necessarias" historicamente dada, permite entretantoidentificar
criterios capazes de apontar, em necessidades orientadas positivamente para a manutencao, das antinomias do capitalismo, "valores" negativos, anti-valores, ao mesmo tempo em que
servem para diferenciar, dentro daquela estrutura, a base de objt"~~'Iidadea partir da qual se
pode constituir 0 projeto para sua superacao, Em outras palavras, facultam distinguir, ao
nivel da consciencia dos sujeitos, os impulsos ("drives", apetites, desejos, exigencias) que
os determinam como sujeito coletivo dotado de um dever (obrigacao, inevitabilidade,
inelutabilidade) de superacao por referencia a estrutura de necessidades "necessarias" e a
estrutura de poderes que as re-produzem. Ou, em outros termos ainda, do conjunto denecessidades "necessaries", socio-historicamente produzidas, objetualizadas, conscientes,individuais, destaca-se um sub-conjunto que se opoe, porque opoe set portadores, ao
modo de re-producao historico da socialidade; esse sub-conjunto tambem foi
socio-historicamente produzido, tambem e objetualizado, tambem e consciente, tambem eindividual, e configura, para seus portadores, mais do que uma necessidade, um dever,
moral, que traduz a necessidade (besoin, need, Bediirfnis) de efetivacao das possibilidades
imanentes de "enriquecimento humano" ja configuradas, e se expressa na necessidade (
necessite, necessity, notwendigkeit) de constituir-se e expandir-se ~bmo sujeito etico de
forma objetivamente congruente com sua genese e diferenciacao.
A constituicao desse sujeito coletivo dotado de urn dever - nao de uma utopia, no
21) A tematica do "enriquecimento" Iitomada, no seu sentido de livre manifcstacao de todas as capacidades e sentimentos humanos,livre manifestar;iio da atividade multipla dos indlviduos, dos Manuscritoscconomico-filosoflcos. Cf. Marx, K. op. cit., e tambem asanalises que dessa categoria fazcm Agnes Heller (op.cit., esp. capitulos IV c V) e ISIVan Meszaros (op. eit., csp. capitulos VI, JX e X)
22) Cf. Heller, A ., 01'. cit ., Pl '. 87 c 5S.
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sentido usual desse terTll0-implica a tendencial generalizacao do micleo radical de suas
- . necessidades "neces~arias",.2A que equivale a constituicao efetiva de um novo valor/~, historico objetivo, por um laoo, e a requalificacao como anti-valores objetivos, por outro
lado, das necessidades que eJpressam tao' somente a inercia da estrutura social. Se esses
anti-valores objetivos (no sentido de sua genese e .de sua configuracao historica, nao de.. . ~,
nenhuma caracteristica "em-si" que contenham) sao identificaveis em principio, por
referencia a estrutura socio-historica capitalista de re-producao da socialidade, sao-no mais
especificamente, na fetichizacao das necessidades. Se a fetichizacao capitalista das
necessidades, a culminancia historica do processo mais geral de alienacao do homem, pode
assim ser tomada como 0 criterio objetivo geral de discrirninacao das dimensoes de
anti-valor presentes tanto na estrutura de necessidades "necessarias" como,
obrigatoriamente, nos processos de trabalho a elas corre~ondentes, havera entretanto todo
um universo de mediacoes entre esse criterio geral e suas formas particulares e
individuais de objetivacao, sempre seconsiderando que so esse ultimo nivel corresponde
ao concreto, em relacao ao qual 0 " geral", se fixado em oposicao a ele, nao sera mais do
que uma abstracao nao razoavel. Enquanto abstracao razoavel, contudo, tais generalidades
servem, como se afirmou ao inicio deste texto, de comecos de caminhos. Ou seja,
presume-se que 0 movimento seja continuado em direcao ao concreto, na descoberta das
formas particulares (os sujeitos, os instrumentos, os objetos, suas representacoes simbolicas
e interacionais, sua configuracao sob a forma de nonnatividades e de legalidades juridicas,
etc.) assumidas por cada individualidade concreta, em S 1 mesma e em suas relacoes de
conjunto.
o esforco que se fez ate aqui, primeiro no sentido de conceituar 0 'processo de
trabalho em geral ' , depois no sentido de conceituar as 'necessidades em geral ', como
contrapartidas, ambos, de sua relacao unitaria, esse esforco tem, portanto, que ser
prosseguido. Daqui por diante, procurar-se-a prossegui-lo atraves de uma .dupla
particularizacao. Em primeiro lugar, como ja tera sido possivel perceber, tanto nas tiltimas
observacoes a respeito do processo de trabalho, quanto nas iiltimas observacoes a respeito
da)' necessidades, sera impossivel prosseguir sem considerar, em ambos os casos, 0 modo
de 'producao, isto e, as relacoes sociais organizados conforrne as quais os homens entao
"entram" nos processos de trabalho/re-producao das necessidades, que sem essa,
consideracao permanecem excessivamente abstratos. Ora, esta completamente fora de'.
questao prosseguir nessa direcao neste texto, pol' varias ordens de motivos: irrelevancia
para os fins propostos, extrema complexidade e, last but not least, incompetencia do autor.No sentido de oferecer uma referencia minima, que seja apenas suficiente para introduzira
tematica das praticas de saude, procurar-se-a chamar a atencao, todavia, daqui para a frente,
para as conexoes entre os processos de trabalho/re-producao das necessidades e sua
constituicao sempre subordinada a modos historicos de producao. Em segundo lugar,
far-se-a is> restring indo a aproximacao, ate para dar viabilidade ao "minimo"
acimaprometido, a consideracao dos processos de trabalho em saude e a re-producao das
necessidades de saiide.
23) Marx trata assim, pOI' cxcmplo, des5bs critcrios gerais: "A lei da acumulacao capitalista, mistificada em lei natural, na realidade s6
significa que sua natureza cxclui todoclccrcscimo do grau de cxploracao do trabalho ou toda clcvacao do pre~o do trabalho que
possarn comprometcr scriarncnte a rcproducao continua da rclacao capitalista e sua rcproducao em escala scm pre ampliada, E.knJ.QUcS cr assjm num modo de producao em que 0 trabalhador cxistc para as neccssidadcs de cxpansao dos val orcs cxistentes, ao inves
de a riqueza material existir para as neecssidades de desenvolvimenlo do trabalhador. Na rcligiao, 0 SCI'humane c dominado por
criacoes de seu proprio cercbro; analogamcntc, na producao capitalism. clc c subjugado pclos produtos de suas proprias maos." - cr .Marx, K. ,0 capital, 01 ' . cit., Livro I,Volume 2, p. 727. Os grifos ni io estao no original ; foram acrescentados aqui para reforcar aexpressao da antinomia entre as neccssidades "neccssarias" C . .. tern que ser assirn...") e as nccessidadcs radicals C ' . .. necessidadesde desenvolvimcnto ..."). em concxao com a supcracao possivcl da antinomia, contida no movirncnto de negacao daquilo que cexprcsso como negative na ult ima frasc do texto.
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IV.
Tendo examinado as determinacoes gerais do processo de trabalho, e
compreendido suas relacoes de consubstancialidade com 0 processo de re-producao das
necessidades, sera agora possivel tomar 0 trabalho em saiide como objeto de atencao. Eclaro que nao se pode, entretanto, pensar algo como 0"trabalho em sat ide em geral": todas
as suasdimensoes gerais estao contidas nos desenvolvimentos anteriores do texto, daqui
para a frentes6 cabendo, em niveis ainda relativamente abstratos, mas nao "gerais",
referir-se a formas historicas de sua realizacao. Observe-se bern que isso nao quer dizer que
o conjunto de aspectos da realidade que estao contemporaneamente associ ados as praticas
de saude como seus objetos - 0 corpo humane enquantoestruturamorfo-funcional
biologica, por exemplo - nao sejam comuns (em si mesmos, nao objetualizados) a todas asepocas historicas, nem que certos estimulos externos suficientementefortes nao
provocassem sempre, em todas as epocas, a sensacao subjetiva de dor, nemque esses
corpos humanos nao estivessem sempre em algum ponto de sua trajetoria vital "natural"
entre 0nascimento e a morte. 0 que se quer dizer e que essas regularidades biologicas n30.
se constituern "naturalrnente" em aspectos do processo de trabalho em saude; cujos
agentes bern puderam procurar e recortar em outros fragmentos da realidade suas bases de
objetivacao, como se vera.
Entretanto, para que qualquer conjunto de fragmentos da realidade natural humana
se viessem a constituir em objetos do trabalho em saude, tera sido sempre necessario,
obrigatorio, que estivessem associados, sob a forma dos produtos deles passiveis de seremextraiveis, a necessidades necessarias em processo de constitui9ao/reprodu9ao/re-produ9aO.
Tera sido sempre precise, portanto, que correspondessem a necessidades necessarias, e nao
~ supostas necessidades "naturals": nesse sentido, n30 lui nada, rigorosamente nadavque
seja sempre, por si mesrno, parte ou substrato de urna necessidade de saude "geral".
Inversamente, tudo que vier a constituir-se em necessidade de saiide humana passara por
e~se conjunto de determinacoes genetico-estruturais dentro do qual 0homem vem a ser
humano, isto e , individuo imediatamente socio-historico em sua individualidade, sendo i '1
mais importante, mas nao a unica dessas determinacoes, a objetualizacao em processos de
trabalho.
Aquilo que se disse acima a respeito do trabalho em saude, negando a
possibilidade de pensa-lo, enquanto trabalho em saude, como trabalho em satide em
geral, vale para todos os outros processos de trabalho ja determinados em suas
especificidades, e para todas as outras necessidades, ja configuradas especificamente em
objetos. Enquanto processos especificos, por principio nao podem ser tomados "em geral";
enquanto processos "em geral", tal corno se fez nas secoes anteriores deste texto, tern que
ser abstraidos de suas especificidades. Essas ressalvas, quase obvias, nao sao aqui postas
com meras intencoes de delimitacao rigorosa, por formalidade logica. Ocorre que, como se
comentou logo na secao inicial deste texto, 0trabalho em saude costuma ser pensado
preferencia1mente como ''trabalho em sat ide em geral", com 0que se reduz a um acessorio
essa sua dimensao fundamental - a de trabalho -, fazendo repousar sua compreensao sobreoutras dimensoes, essas sim acessorias, tais como a "criatividade", a "cientificidade", 0
"humanismo", a "neutralidade", etc., etc. Nessa Fortna dominante de pensar - e agir -
costuma-se dizer axiomaticamente que "a medicina e uma so", ficando por conta do que e"externo" a ela (a sociedade, as necessidades, os interesses, a ignorancia, 0esclarecimento,
etc.) que na realidade ela nunca seja de fato "uma so", ao mesmo tempo em que suas
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SERlE TEXTOS
dimensoes "internas" (seus agentes, seus procedimentos tecnologicamente articulados em
um processo de trabalho, tudo enfim que a institui como pratica social) sao postas
convenientemente "fora" do espaco e do tempo relativamente "sujos" da reproducao social,
e "isentos" por referencia as forcas hist6ricas que delimitamesse espaco e esse tempo.
Ora, enquanto processos de trabalho especificos,os processosde trabalho em
saiide nao contem, comodados invariantes internos a si proprios, nenhum objetot'natural"
e nenhuma necessidade "natural". Seus objetos, e as necessidades que satisfarao, serao
sempre .humanamente naturais, isto e , social e historicamente determinados. Sua propria
existencia como processos de .trabalho individualizados,reiteradamente realizados por
agentes socia is que entao se definiriam como 'trabalhadores em saude ' dentro de uma
divisao social do trabalho, mesmo essa existencia nao e "natural", mas historica esocialmente determinada. Isto nao impede que na forma contemporaneamente presente de
processo de traba1ho em saude nas sociedades capitalistas ocidentais, todas essas
determinacoes socio-historicas sejam negadas pela consciencia atuante dos agentes do
trabalhoe pela consciencia trans-individual dos portadores de necessidades que ele atende:
para alem de consciencias objetivamente inadequadas, consciencias alienadas, essas formas
de consciencia import am como finalidade do processo de trabalho (F), por urn lado, porque
entao compreende-las significa compreender as bases objetivas da alienacao, e como
auto-consciencia dos sujeitos socio-historicos especificos que se constituem ern-sua relacao
nao exc1usiva com esses processos de trabalho, porque entao se pode compreender as
conexoes entre um campo especifico de praticas e a reproducao social, e identificar ai,
simultaneamente, as necessidades radicais e os processos de trabalho que tendem a suaobjetualizacao. Neste sentido, pode-se entao ousar pretender construir um projeto
especifico de praxis.'-n_"_ - " i f
Sera necessario pensar que criterios penn item entao identificar, em processos de
trabalho socio-historicamente especificos, uma continuidade que perrnita identificar em sua
diferenca sua identidade abstrata de processos de trabalho em saude. S6 ha um meio de
faze-lo, que nao se reduza a ja afastada possibilidade de partir de supostas bases "naturals"
e chegar a urn "processo de trabalho em saiide em geral", ou nao recaia no nominalismo de
aceitar, sem mais, como processos de trabalho em saude, todas as praticas cujos agentes
assim as denominem. Sera preciso recorrer, entao, aos fundamentos ontologicos do
conjunto da reflexao que vem sendo feita, que foram definidos atraves da triplice relacao
entre 'homem ', 'natureza', e 'trabalho ', para encontrar a partir dai os fundamentos
ontologicos que permit am designar por 'saude ' um certo conjunto de aspectos dessa triplice
relacao em seu desdobramento historico, Com isso nao se tera chegado a uma definicao de
saiide, no sentido usual do termo 'definicao", 0que seria contraditorio com os proprios
pontos de partida, mas a criterios ontologicamente fundados que viabilizem a
discriminacao das praticas de saiide nao no nivel geral, onde estarao esses criterios, mas no
nivel historico especifico, em que elas se constituem. E claro que tais criterios, enquantopermitem em seu conjunto uma compreensao do mundo real, constituem-se ao mesmo
tempo na base deurn 'vir a ser' voltado moralmente para um 'dever ser': no limite,
ambiciona-se discriminar 0que e pratica de saude verdadeiramente human a do que epratica de saiide alienada, vctada para a reproducao de formas objetivas do 'vir a ser'
humane que obstaeulizam a plena expressao de suas potencialidades ja efetivamente dadas.
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CADERNOSCEFOR
No contexte delimitado pela.triplice relacaoa quesefezreferencia logo acima, 0
aproveitamento parcial id a classica reflexao de Canguilhem24 parece suficiente paraestabelecer, pelo menos como umponto de.partida a serretificado/ratificado, osctiterios de
fundamentacao.ide umaconc.epgao.positiva de 'saude,', Esses.criterips.podem .ser
identificados, conf0l'111eC:anguilhem"nl1,'npnnativida<:leyita}.:, na. identl<:la,de.pare:ial ••ntre·
'vida', e ••apacidade.dd. instituirt:lol'ffil1s, ou, confqrme a recontextMalizagao. desse cOl1ceitq
que., seprqpos;acima,na> 'normatividade humana' ,necessalia1l1ente., .deterrpinad,Sl
socio-historic~mente,em~uea.proplja atividade do trabalho se.revelar~com()aativida,de
normativa.pon eXcelencia2,Se1'a com-base nesse criterio,de t);:lture:za9ntqlogica,; mas nao
"gerall por .refetencia.a.suas .objetivacces, que se identif.icar~ 'qJtt;:;'lp(tlhqemsaiide em sua
espeeificidadec-bem.como se poderia, emuma investigagaoQistoric;:t.deg1'ande amplitude
que' assim 0pretendesse, identificarvsuas formas. de.objetivagao que,naoassumem, a
condicaode processes de trabalho. Neste texto, em que.por relativa.brevidadese estarasobretudohuscando compreender as determinacoes dosprocessos de.trabalho.em.satide na
atualidade, tratar-se-a muito superficialmente, e com 0intuito principal da comparacao, no
que possa ser esclarecedora, de alguns poucos processos de trabalho em saude presentesem
sociedades preteritas.
. r -=?
Antes ainda de faze-lo,' cahe um esclarecimento de grande importancia: ja que 0
processo de trahal}·C:~m saude nao se ohjetiva, via de regra, em um produto destacado, no
tempo e no espa~~4s condicoes de sua geracao (os momentos essenciais do processo de
trabalho) e das condicoes de seu consumo, que problemas podem ocorrer.ao pensa-lo como
processo de trabalho, quando se sahe que a delimitacao conceitual do prliesso de trabalho
em geral baseou-se evidentemente na producao de hens materiais, que se destacam
enquanto produtos, colocando toda a problernatica essencial de sua apropriacao? Ha que
reconhecer que, em formas de organizacao social haseadas na producao de 'mercadorias',
todos os processos de trabalho cujo resultado se incorpora imediatamente no proprio vir a
.ser do homem individual, ou no vir a ser das condicoes ohjetivas de reproducao de suas
'relacoes sociais, como sao os casos exemplares dos trabalhos em educacao e saude, nao
podendo tomar a forma imediata de .mercadorias - e nao podendo ser apropriados, portanto
- terao sempre um estatuto especial 26, por comparacao com os processos de trahalho que
se ohjetivam em bens materia is. Isto e particularmente verdadeiro no capitalismo, em que a
producao de mercadorias e meio - ahsolutamente necessario, mas meio, ainda assim - para
a producao de mais-valia e a acumulacao de capital. Como processo de trabalho, entretanto,ahstraindo sua dimensao nula de producao de valor e restringindo 0 raciocinio a sua
dimensao de producao de resultados que correspondem a necessidades, como interacao do
homem com ohjetividades que discrimina e transforma, com vistas 'it re-producao de suas
necessidades, os processos de trabalho em saiide e educacao nao se diferenciam dos outros,
a nao ser pOl'suas especificidades.
A essas especificidades, cahe hem aprecia-las: se 0ohjeto desses process os de
trahalho e 0 'homem ', sera com ..a condicao de que seja apreendido em sua objetividade, e
essa inclui, como um momento necessario, a subjetividade. 0 termo 'subjetividade" nao e
utilizado aqui para referir-se a nenhum pantano tenebroso de misterios, trancado nas
24) Cf. Canguilhcm, G..Lo Nornrol y 10patol6gico. Mexico, Sigle XXI, 1983. '.25) Cf. Mendes-Goncalves, R.B ., Medicina e hbtolia: rakes sodales del trabajo medico, Mexico, Siglo XXI, 1984, 1'1' . 29-58.26) Cf. Mendes-Goncalves, R.B., 01 ' . cit, 1'1' . 101-143, ondc sc faz urua tentativa de cxarninar esse estatuto especial por referencia as
formas de organizacao da producao de services de saude nas socicdadcs capitalistas contcmporancas, baseada nos conceitos de'trabalho produtivo' e 'trabalho improdutivo,
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SERlE TEXTOS
profundezas do ser e inacessivel ao pensamento e a aeao, mas as relacoes, mediadas por
desejos, afetos, paixoes, repulsas, odios, normatividade e· trabalho, que. cacm .homemestabelece com atotalidade em quevem a ser, e com suas parteszincluindo ele.proprio, e
quefazem dele urn slijeito.Tal comorse afirmou anterionnentequeosobjetosnaturaisse
gbjetualizam porreferenCiaa sujeit~sque os: discriminatn..diz-seagoraqueos sujeitos S6
constituem como.tais. apenas<emsua relac;aocom· objetos: .ambos seconstituem..mutuamente no ll1esmomovimento. Asubjetividade human a assim compreendida e e9tao
possivel atribuir-se naturalidade. e compreender que. enquanto natU1'6Zahumana.em vez de
algoconstitufdo.parasempre em seumomento de "cria9ao'\e algo que estaernpennanentevir a ser.e algo imediatamente .socio-historico em sua propria individualidade. Esta
caracteristica objetiva do 'homem'; a.de sernaturalmente.subjetivo, desdobra-se tambem
em sua capacidade de ser normativo em relacao« natureza e a simesmo; ern seu vir a.ser,
e apreendida como objeto de trabalho permite discriminaros processes de trabalho em
saude, e mesmo compreender sua reducao, de que se trataniaQiante.a precesses de
trabalho referidos a doenca.
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CADERNOS CEFOR
v.
Uma das mais antigas formas de trabalho social separado que parece ter existido
esta situada pelo menos ao redor do que se tenderia a compreender, di acordo com os
criterios acima delineados, como necessidade de saiide. Trata-se do trabalho de xama,! . ... ..,, - ,"
n~,nenclatura preferfvel as de "feiticeiro" ou de "paje", devido aos preconceitos culturais
associados a estas ultimas. 0 xama executa 0 trabalho de mediacao entre os homens e 0
universe, a cuja compreensao comeca-se a ter acesso, apos 0 penoso esforco que a
antropologia moderna ainda nao completou as ultimas conseqiiencias, 0 universo (0 todo)
e conhecido e explicado em bloco, como que atraves de uma revelacao (contida na nocao
de 'mite"), ficando cada parte, cada fragmento da realidade, como a reiteracao de urn papel
sempre igual em urn drama sempre repetido ..Nesse contexto, homens, coisas, animais eeventos naturais sao todos concebidos como personagens, entidades com existencia propria
,e diferenciada, capazes de intencoes e desejos, embora desempenhem suas partes a partir de
. urn script pre-fixado. 0 xama e encarregado de mediar as relacoes entre 0hornem comum e
esse vasto universo que inc lui ele proprio, cheio de coisas animadas, porque se the atribui a
capacidade de falar e entender ~s linguagens das coisas.
Parte dessas coisas animadas - entidades - recobre a nocao de 'mal', nao como
porcao separada e contraria a natureza, mas como porcao integrada e essencial dela. Alguns
dos eventos, que hoje sao associados a ideia de "doenca" estao contidos nessa nocao de
'mal', mas nao todos, e outros eventos que hoje se julga nada terem a vet com a "doenca",
sao, no entanto, parte do 'mal'. Devendo dirigir-se ao mal e controla-lo para a obtencao dos
resultados visados pelo hornem, 0xama vai aos poucos fixando uma pauta regular de'
intercambios, provavelmente muito variavel de sociedade para sociedade, dentro daqual se
i~tegram, tambem variavelmente, aspectos da vida humana ligados a estrutura de
normatividade que se vai constituindo, e pass a assim a ser responsavel pela execucao do
trabalho separado de resolver problemas que, chamem-se ou nao "doencas", implicam
restricoes na capacidade humana de vi vel' a vida tal equal vinha sendo vivida, e assim
avaliados como negativos, constituem-se em necessidades de saude, E importante nao
compreender as diferencas entre as delimitacoes do xama pol' referencia a essas demandas e
as do medico moderno como devidas a ignorancia maior ou menor: lembre-se que ao ,"
conceber 0 mal sob uma certa forma, 0 que 0 xama esta fazendo corresponde ao passq .O..oT do processo de trabalho, que nao deve ser pensado como certo ou errado em si mesmo,
mas fundamentalmente em sua adequacao ao conjunio do processo de trabalho
socio-historicamente determinado de que faz parte. Isto e , 0 recortejj] > OT (a
concepcao tecnologicamente operante de "doenca") que 0xama faz, deve conter, como se
viu antetiormente, mediados pela agudeza do recorte, 0projeto dos resultados, a eficacia
dos instrumentos, a possibilidade da satisfacao de uma necessidade contida em uma
estrutura de necessidades que percorre todos os outros processos de trabalho, uma
necessidade necessaria cuja re-producao define objetivamente a subjetividade individual e
trans-individual do homem concreto dessa sociedade.o
Essa necessidade nao e pensavel como "certa" ou "errada", mas como necessidadesocio-historicamente deterrninada, que so mostra todo seu significado noconjunto da
sociedade em que 0xam~ vive e trabalha. E esta e a sociedade comunitaria primitiva, nao
uma outra, em que outras concepcoes acerca dos objetos da natureza seriam naturalmente
necessarias,
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"/
SERlE TEXTOS
Tem-se a tendencia a imaginar que um medico do futuro, desembarcado nessa
sociedade de uma maquina do tempo - ou de um aviao militar ou missionario - faria um
grande sucesso, com sua capacidade efetivamente muito maior de curar doencas, Terrfvel
engano, que explica oJ~n6meno cultural catastrofico, aparentemente misterioso, no qual 0
contactosiibito de sociedades desse tipo com os produtos e os processos de trabalho .de
sociedades muito mais complexas, acarreta uma rapida e intensa desagregacao social, com
a morte fisica, inclusive, dos mernbros da sociedade mais simples. 0 que esse homem
concreto precisa - sua necessidade necessaria, socio-historicamente determinada - e
efetivamente do trabalho do xama, que the explica a natureza da entidade que 0 aflige e
procura "exorciza-la" atraves de procedimentos que naoapenas se dirigem aot'doente",
mas ao mesrno tempo 0integram a vida social como urn individuo que, como os outros,
sabe em que mundo esta e mantern integros seus sentimentos de relacao com esse mundo,
isto e, reproduz-se como sujeito. Eventualmente, uma importancia apenas secundaria sera
atribuida ao fato de que esse "doente" se "cure" (conforme os padroes atuaisde julgamento
sobre 0que e "curar-se"), Eo padrao social de julgamento de que ele proprio e portador
que importa, porque nao apenas contem uma ideia concreta e objetiva do que e "cura", mas
toda a sua identidade no conjunto do que ele subjetivamente.jenquanto sujeito)entendeque
seja 0mundo.
A concepcao de "doenca" do xama - uma entidade que se apossa de um.individuo,
ou que se agrega a ele, fazendo-o sofrer - desencadeia 0 passo 0~ OT como um
procedimento ritual que se pode intuitivamente compreender por analogi a corn
procedimentos religiosos de reconhecimento de entidades espirituais que ocorrem noo presente, desde que nao se leve a analogi a muito longe. 0 procedimento ritual .de
presentificacao .deentidades, no presente, e de natureza essencialmente religiosa, e mesmo
quando visa obter resultados praticos - como, freqiientemente, a' curade doencas -
distingue-se do trabalho do xama por duas razoes: em primeiro lugar, porque inclui a nocao
de que as entidades as quais se dirige, e cuja intermediacao solicita, nao estao na realidade
imediata, mas alem dela, enquanto para 0 xama, seu pensamento nao propriamente/
religiose, mas magico, concebe as entidades no mesmo plano de realidade imediata onde
estao todas as outras coisas, e as manipula atraves dos rituais. Opoem-se aqui, portanto,
religiao e tecnologia27
. Em segundo lugar, porque enquanto pratica religiosa, oapelo a
entidades espirituais para a obtencao de objetivos "deste" mundo nao configura senao uma
pratica marginal por referencia as necessidades de saiide; marginal, nao porque seja -quando 0for - mantida a margem, mas porque corresponde, no conjunto das necessidades
necessarias dos proprios solicitantes, a um comportamento vivido contraditoriamente:
anseiam curar-se, e precisam que isso se de sob a forma socialmente valida, atraves do
consumo do trabalho em saude que, nao obstante, nao se mostra suficiente para isso;
quando obtem da pratica religiosa esse resultado, deixam de obter, nao mesmo movimento,
a satisfacao de todo um conjunto de necessidades simultaneas e consubstanciais que
obteriam atraves do trabalho em saiide. Os limites dessa analogia demonstram, outra vez,
que 0significado preciso de cada momento do proeesso de trabalho so se deixa apreender
na sua relacao com (3 conjunto do processo.
It
Uma vez reconhecida a doenca-entidade, 0que Ja nao e pouco, de vez que aconstituicao historica da linguagem, em conexao intima com os processos de trabalho,
27) Cf.Lukacs,G.,~.vol. I,Barceiona,Gtijalbo, 1965,1'1'. I04css.
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CADERNOS CEFOR/
•
•
o
assinala como um momento de grande importancia tecnologica a 'nomeacao' da coisa que
se quer trabalhar, 0 que 0 pensamento magico apreende como a aquisicao de um poder
sobre essa coisa28, de posse de OT, .portanto, 0 trabalho deve agora dirigir-se a
transformacao OT --t P, atraves do uso de instrumentos adequados. Esses iiltimos, como ja
.se.viu, devem condensat-es caracteristicas de OT e F. No caso do xama-serem capazes de
atingir (apropriar-se)a entidade-doenca presentee de expulsa-la. Boa parte desses
instrumentos de trabalho do xama terao portanto qualidades imediatamente rituais, como a
nomeacaos ja comentada, mas quando ele se valer de uma planta como parte de seu
trabalho, nao se suponha que faz uso das propriedades farmacologicas da mesma, mas
perceba-se que e das propriedades rituais que ele se vale, pois sao para ele as iinicas que
fazem sentido.
Nao haveria nenhum senti do, a nao ser 0 da mera erudicao, emolhar para 0
trabalho do xama se ele nao oferecesse, em sua relativa simplicidade, chaves para a
compreensao do presente, enquanto historia em curso. Isto porque e relativamente-facil
compreende-lo como "historico", ja que a imensa distancia que 0 separa do presente
dificulta, pelo contrario, compreende-lo em suahistoricidade substantiva: na dimensao em
que acumula saberes capazes de fazerem a sociedade mudar enquanto se reproduz.
Tende-se aver essas mudancas com facilidade nas epocas de crise, em que se aceleram, em
que se tornam mais transparentes as forcas tao humanas, so humanas, que precipitam a
mudanca e rompem de vezcom a inercia historica que tera caracterizado umdeterminado
tipo de organizacao social. Tende-se, ao mesmo tempo, a nao ver as mesmas forcasde
mudanca se acumulando mais ou menos lentamente na reproducao social aparentemente
estavel que carecteriza a maior parte do tempo historico, 0 que leva a compreender as
revolucoes, quando, acontecem, como se fossem raios caidos de ceus azuis. Ao mesmo
tempo, ainda, tende-se a nao vel' esse aciimulo de forcas nos espacos ainda mais
particulares dos processos de trabalho e de re-producao quotidiana.das necessidades, onde
estasua matriz basica de geracao, Por isso, salvo nos momentos de mudanca, tudo parece
passar-secomo se a historia tivesse acabado.
Atraves de muitas particularizacoes, de muitas mudancas de sentido e de objetos
aparentes, durante toda a hist6ria das sociedades ocidentais, ate ha cerca de dois seculos, os
objetos de trabalho postos nos processos de trabalho em saiide tiveram sempre a
caracteristica de "entidades". Um unico periodo importante constituiu-se em excecao, eporisso,quando a medicina modern a constituiu-se como pratica social, a partir do fim do
seculo XVIII, tendeu a buscar nesse passado remoto todos os seus simbolos, como se ela
fosse um movimento interrompido pelos azares da historia, final mente retomado. Esse
perfodo de excecao foi a Grecia classica, e a medicina nao e a unica pratica a ir la buscar
seus supostos ou verdadeiros antecedentes. Pel a importancia desse momento historico,
deve-se examina-lo, mesmo que superficialmerite.
Sociedade baseada no trabalho escravo e no cornercio..a Grecia classica nao se
diferenciaria de outras tantas da antigiiidade, no que diz respeito a uma estrutura
originalfssima de necessidades, sem a conjuncao de varies fatores que resultam
simultaneamente em uma forma peculiar de estrutura da propriedade, onde se inclui umarelativa igualdade " de patrimonio entre os cidadaos livres, uma -liberdade . e uma
28) idem, idem.
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o
SERlE TEXTOS
independencia relativas das comunidades urbanas, se co.mparadas as macro-estruturasdespoticas dos estados escravistas conternporaneos "seus, com 0 conseqiiente
estabelecimento da democracia politica- ainda que urna.democracia de cidadaosdonos de
escravos-c-por umlado,enquallt~ poroutrose desenvolve de forma consciente-e universal •
uma racionalidade capaz de romper. com a estrutura rnitico-reiigiesa; antropomerfica
("personlJlizadori:l") do saberquotidiano e constituir as bases do conhecimento sistematico
da natureza de carater filosofico-cientifico 29, de modes a que este conhecimento pudesse
depois, w>ltandb~ se.jncorporar a quotidianidade, aoniveldps pracessosdetrabalho e de
reproducaodas necessidades, de onde ten I emergido, vir a;ser no futuro uma das mais
poderosas forcas humanas. , "0 '. . r ? , ~ •
A medicina hipocratica, forma especifica de processo de trabalho em saiide que sedesenvolve nessa sociedade de modo a satisfazer as necessidades de saude~s cidadaos
livres, situa-se no eixo desse desenvolvimento quase sobrenatural da humanidade na
sociedade grega. A concepcao de natureza como estado d~ .equilibrio dinamico da
realidade, dentroda qual 0homem se inclui.Teva.a concepcaode 'doen~a' 'cornoreacae
espontanea natural (da na!ureza) ao desequilibrio, com "intencoes" de cur~ 0. Dado 0Iugar
do hornem dentro da natureza, essa concepcao de 'doen9a'. so pode, 16gica>e
tecnologicarnente, estar subordinada auma concepcao positiva de 'saude''!IJnao comb
estado neutro e silencioso do qual estaausente odesequilibrio, mas como objetivo aser
alcancado atraves da compreensao e da adesao as regras verdadeiramentenaturais, objetivo-
quee representado como constituindo a mais alta aquisicao permitida ap · homem como
parte da natureza. A 'doenca ' nao e aqui urn "set", mas um estado qualitative da natureza;ao mesmo tempo, nao e do homem, mas apenas esta nele, a medida em que eleeparte da
natureza. ·e
Para proceder ao recorte do objeto do trabalho, 0medico "grego empreendeua
classificacao, pela obseivacao, do imenso rol de alteracoes naturais que faziam 0homern
sofrer, chamando a esse processo 'clinica'. Anotou quantos tipos de alteracoes havia e
como transcorriam, interpretando esses transcursos como desenvolvimentos espontaneos
do esforco da natureza por ;:e~quilibrar-se.
Seu plano de trabalho (F) passou a ser, nessa ordem de concepcoes, 0de imitar.rc"
de favorecer a natureza a encontrar 0caminho do esforco bern sucedido mais rapida e
facilmente, ou mesmo, se possivel, evitar os fracassos da natureza, transformando um
esforco mal-sucedido em seu oposto. Reconhecer' 0 tipo de desequilfbrio presente
(0-7 OT), essa fase preliminar e indispensavel do processo de trabalho, passou a
chamar-se 'diagnostico". Saber para onde 0 conjunto de processos de reequilibrio se
encaminha passou a ser a chave para a construcao intelectual da finalidade, echamou-se
'prognostico". Para 0medico conternporaneo, 0 tel1TIOficou associ ado a uma especie de
previsao probabilisticamente fundamentada, que serve sobretudo para pesar os danos
relativos das alternativas terapeuticas e da propria doenca, a fim de tomar decisoes; para
esse medico grego, entretanto, sem prognostico nao ha nenhuma possibilidade de trabalhar,
pois nele se configuram os instrumentos de trabalho, que quererao ajudar a natureza, e nao,
como no caso do medico moderno, contraria-la e domina-lao
29) c r. Lukacs. G..op.cit., PI' 147 C 55.30) c r. Canguilhem, G.• op. cit., 1'1'. 18.
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CADERNOS,CEFOR
E compreensivel que assim se satisfizessem as necessidades de saude dos cidadaos
livres da polis, tao proprietaries quanto 0medico do saber filosofico geral sobre a natureza,
e por is so so muito inadequadamente associaveis a ideia de "pacientes", que denota
passividade; medico e paciente, Iado a Iado, deviam empreender 0esforco de favorecer 0
esforco curativo natural, dentro da mais ampla perspectiva de adequar 0 conjunto das
atividades da vida ao fluxo dinamico da natureza. Ao mesmo tempo, os homens
pertencentes as outras classes sociais, desde os escravos ate os pequenos artesaos livres,
satisfaziam suas necessidades de saude atraves do consumo dos services de um outro
trabalhador, diferente desse medico Hipocratico. A diferenca nao deve ser tomada em
primeiro Iugar como expresso de injustica, 0que certamente e, mas como expresso de
necessidades de saiide realmente diferentes. 0 "medico" que realizava esse outro trabalho,
paradoxalmente mais proximo do processo de trabalho em saude da epoca contemporanea,
visa va restabelecer a funcionalidade dos COl-pOS trabalhadores em um senti do "ortopedico",
que reduzia sua pratica as lesoes do externo do corpo, - cortes, laceracoes.rfraturas,
abscessos - e herdava suas fracarnente teorizadas nocoes de objeto e seus instrumentos da
lenta acumulacao originada nas praticas magicas, e se beneficiava indiretamente de
algumas aquisicoes da medic ina hipocratica, desde que recontextualizadas. Esse "medico"
prosseguiu em sua historia de pequeno artesao pelos seculos afora, ate vir a ser 0
cirurgiao-barbeiro da Idade Media e se reencontrar umdia com os presumidos herdeiros de' .
Hipocrates, no alvorecer da medicina clinica do presente. Ja a medicina hipocratica,
desaparecida sua base social concreta de necessidades, desapareceu deixando atras de si,
nao obstante, uma serie de saberes acumulados, que guardados marginalmente pelos arabes
e pel os religiosos, dariam impulso a teorizacao racional dos objetos e instrumentos detrabalho, quando novas "necessidades sociais" viessem a servir de base objetiva para isso.ti
Se na Ahtigiiidade Classica, em uma parte mtlit~ pequena do mundo e referido a
uma parcel a muito pequenada populacao, desenvolveu-se urn processo de trabalho em
saude no qual a doenca deixou de ser, durante alguns seculos, uma entidade com vida
propria, logo depois essa forma de concebe-la voltou a prevalecer ate 0seculo XVIII. A
m'ais import ante das concepcoes "ontologicas" de doenca apos 0interregno grego foi a que
se desenvolveu com 0 cristianismo, e dominou a Idade Media. Aqui a "doenca" passou a fJ I
ser a prov.icao, 0 preco a ser pago pelo paraiso, com um carater contraditoriamente
negativo, e 0nucleo da atividade terapeutica, por paradoxal que possa parecer, desloca-s¢,~
da intervencao para a expectancia, para 0 acompanharnento isolidario do transe do
sofrimento para a morte e para a vida eterna. A corrente principal do trabalho em saiide no
periodo, portanto, se for obedecido 0 criterio de discriminacao . proposto, e menos
constituida pelos cirurgioes-barbeiros ou pelos fisicos, "medicos" do interno do corpo, do
que pelo trabalho religioso de assistencia, forma adequada de atendimento das
necessidades. Por ser expectante e passiva, essa medicina crista, bern como outras tantas
esferas do trabalho humano, suscita lim desenvolvitnento tecnologico relativamente
escasso, razao pela qual UIT'; preconceito muito difundido chama a Idade Media "idade das
trevas". E claro que, do ponto de vista predominante posteriormente, tamanha passividade
parece realmente tenebrosa, mas para are-producao das estruturas sociais-Iiedievais era a
tinica petfeitamente adequada. Alem disso, deixa como heranca para as sociedades futuras
uma caracteristica do processo de trabalho que mal comeca a ser posta em causa, a medida
em que sua negacao qesponta como necessidade: sua organizacao sob \ a forma de
'assistencia', com as assimetrias, hierarquias e poderes implicados, e 0 bloqueio das
possibilidades de construcao de uma necessldade'positlva de saiide .. ~~ $ :
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CADERNOS CEFOR
VI.
Com 0 inicio do perfodo de transicao para 0 capitalismo, desde 0 seculoe Xv],
poe-se em movimento. 0 amplo esforeo de construcao da racionalidade moderna,
=impulsionado com vigorcada vez maior pelas transformacoes na base da estrutura social.
De Ccpernico.r.a Galileurcatraves de Descartes, ate Newton, O . homern refez
revolucionariamente sua coneepcao de universo, natureza e conhecimento; da expansao
maritima e .daexploracao colonial, atraves da crise do regime feudal ate a Revolucao
Francesa, asestruturas da sociedade se partem e sao substituidas por uma nova forma de
relacao entre os homens atraves do trabalho.
E importante ter em conta0
movimento de constituicao de uma nova forma deracionalidade porque e dentro dele que encontra uma serie de amparos omovimento de
constituicao de uma nova' forma de racionalidade medica, isto e, de uma nova forma de
efetivar O~ OT e ao mesmo tempo OT--4> P. Rigorosamente, seria preciso compreender
que as praticas de saude forarn uma das frentes mais importantes de constituicao da
racionalidade moderna como um todo. Mas seria falso supor este movimento como sendo
de natureza exclusivamente - ou mesmo fundamentalmente - intelectual. Seu sucesso
decorre antes da capacidade, de~onstrada na pratica, de dar conta de forma mais efetiva
dasnovas "necessidades sociais" de saude, emergentes com 0capitalismo.
Simplificando a imensa variedade de novas necessidades, se tomadas em suas
formas concretas, e procurando reconhecer apenas dois eixos principais, relativamentegerais, ao redor dos quais se estruturam essas necessidades, e ressalvando tambem que sua'
distincaoern "doi~;' nao deve ser levada as iiltimas conseqiiencias, pois na verdade sao
dimensoes abstratas de uma mesma dinamica geral, trate-se entao de reconhecer as bases
subjetivas das transformacoes dos processes de trabalho em satide na transicao para 0
capitalismo.
Em primeiro lugar, considere-se 0significado social novo, original, que adquirem
os corpos humanos, como sede da forca de trabalho, com 0advento do capitalismo. E : claro
que agora, como antes, 0trabalho, como transformacao da natureza, continuara a depender
da presenca de energia, e esta continuara a estar presente nos corpos dos homens, alem de
poder ser captada da natureza. Agora, porem, sera preciso, sera necessario que essa energiapotencial, essa capacidade de trabalhar seja livre, propriedade exclusiva do seu portador,
devendo ser vendi do temporariamente 0seu uso: tal e a natureza das novas relacoes de
producao que se instalo.m. Para 0 capital nao sao adequadas nem a servidao nem a
escravidao, embora as sociedades capitalistas concretas possa interessar a manutencao
parcial dessas relacoes aparentemente arcaicas. Essa forca de trabalho livre, pronta para ser
vendida e consumida nos processos de trabalho, deve estar disponivel em quantidades e
.qualidades adequadas a nova dinamica da producao social, muito mais vulneravel a sua
carencia relativa. Essa necessidade estrutural generica esta na raiz de todo um conjunto de
praticas desencadeadas com 0objetivo de efetivamente controlar a ocorrencia de escassez
de trabalhe..e entre essas praticas se situam as de saiide, dado que foi possivel acionar
certos trabalhos capazes de responder a essa demanda. Duas vertentes principais de atuacaose abriram aqui para 0 trabalho em saiide, nao excludentes: 1) controlar a ocorrencia de
doenca (nesse plano, doenca = incapacidade de trabalhar), evitando-a, 0que corresponde a
todo um modelo de processo de trabalho que se descrevera adiante e 2) recuperar a forca de
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SERlE TEXTOS
trabalho incapacitada pela doenca, repondo-a no processo de trabalho, 0que corresponde a
urn segundo modelo de processo de trabalho a ser tambem estudado adiante.
Errr'segundoiugar, mas naomenosimportante ~na verdade apenas.umaoutra face
do que foiditoacima -associedadescapitalistass6se viabilizarama base de.princfpios
politicos-ideologieoscapazes de'mante-las relativamente estaveis.Ie-entre esses principios
urn eta inteiratnente-novo em-relacao ao trabalho em saiide.c'Irata-se-dci.principio-da
igualdaderra' Egalite-de 1789); Naoseiesta dizendo que>associedadescapitalistassao
igualitariasrrnas sim que essas sociedadesbaseiam-se na aeeitacao.: da .ideia de que 'a
igualdade e nao so desejavel como possiveI, e que elas sao-ocarninho rnais-rapido para
atingi-la. Evidentemente, e possivel demonstrar que a desigualdade basica e estrutural nas
sociedades capitalistas, no plano do conhecimento, eportantoemumplgnosujeito adiscussao; no plano concreto da re-producao social; entretanto, tern sido possivelmantere
fundamentar essa ideologia, durante a maier parte do tempo, as custas..do consenso
provisorio arduamente obtidc.es vezes apenas gracasao recursoa .forea ffsica.A obteneao
do consenso acerca das virtudes potenciaisdessa.forma deorganizacao sociak.Iegoacimareferida, nao pode se basear apenas empalavras, contudo,maspassa neoessariamentepor
conflitos e negociacoes em que as concessoes feitas.sao aceitas, aomenos durante urn certo
tempo, comoprovas sufieientes daquelas virtudes; E as proxirnas negociacoes que vierem a
ocorrer se darao sernpre em urn pararnar renovado de realidades obj eti vas, que deve
caracterizar-se, enquanto se mantiver a estrutura basica dessas sociedades, pela manutencao
daquela desigualdade basica e ao mesmo tempo por ganhosefetivos das partes "mais
desiguais",
Nessa dinamica politico-ideologica derivada do principio da igualdade-
ampliaram-se gradativ~~mente, emescala quantitativa e qualitativa, osdireitos garantidos as
classes subaltern as. Uma das vertentes.nas quais esses direitos efetivamente se ampliam e,
'ern princfpio, de forma funcional relativamente a estrutura basica dessas sociedades.e ado
consumo. Outra vertente, complementar e indissociavel dessa, e a propria concepcao -
habitual mente reformada e reatualizada nas constituicoes - acerca dos limites dos direitos
sociais, dos direitos politicos, dos direitos decidadania. '
o trabalho em saude reorganizou-se e desenvolveu-se nas sociedades capitalistas
ao redor dessesdois eixos acima citados: como forma de controlar a doenca em escala
social relativamente ampla e efetiva, como forma de recuperar a forca de trabalho na
mesma escala e finalmente, como forma de arnpliar efetivamente osdireitos eo consumo
das classes subalrernas.
Tome-se essas formas de articulacao social do trabalho em saiide por aquilo que
passam a significar dentro do processo de trabalho: as "necessidades sociais" a que deve
corresponder. Quando a transicao para 0 capitalismo se iniciou, todavia, nem essas
necessidades nern a capacidade de, relativamente, satisfaze-Ias estava dada: os agentes
sociais desse trabalho foram efetivamente capazes de responder a essas demandas, em sua
',~ continua transformacao, na pratica. Como a historia humana continua, e uma tarefa
potencial, aberta para 0 futuro, que continuem a ser capazes, mas so na pratica poderao
demonstrar isso, quer se-mantenha a estrutura social basica, quer se modifique.
Fez-se referencia a dois model os abstratos, complementares, atraves dos quais 0
trabalho em saude dell conta das necessidades de saude proprias das sociedades capitalistas.r,
-T
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Paralelamente a' esse grande modelo geral de organizacao do trabalho em saiide
desenvolveu-se, principalmente a partir do seculo XIX, um outro, referido a necessidade de
recuperacao da forca de trabalho. Assim como 0 modelo coletivo "matou" a
doenca-entidade substituindo-apelo fenomeno coletivo, neste segundo caso tambem se
CAD ERN OS CEFOR
u1n.relative ao controle da doenca, outro a recuperacao dos doentes. Examinemos melhor
esses modelos. I
No primeiio caso; era preciso transformar N (cOntrot~ '.dasdoen9as, em escala
social) em F (projeto para 0trabalho). Para isso desenvolveii-se uma concep¢ao, um recorte
possivel de 0sob a forma de QT, que coiitivesse potencialmente P. Trata-se da concepcao
cia doencacomo fel1omeno coletivo.
. . . .Lembre-se que OT nao e umobjetonatural, trias 0resllltad6de urn oIharannado
de um projeto. Nab ha, rigorosamente, algo que possa set etetnamente e
"verdadeiramente''[ chamado de "doenca", e ja se viram varias formas de preeeder a esse
recorte em m.~tos historieos antetiores. O· novo recorte, .a que se fazagora referenda,derivou da experieneia historica com as epidemias e' do desenvolvimentoda eapacidade de
formalizacao irnatematica cdo raciocinio abstrato propriada- racionalidade cientffica
moderna. Observou-se - nao por tetautnentado a inteligenciarrias pot ter rnudado oolhar -
que contando os casos de doenca e relacionando-os com 6 tempo,"o espaco e com as
caracteristicas. dosdoentes edos ambientes em queeIes:vi~ia~l, podiam set tiradas dua~
conclusoes: 1) era possivelprever - e acertarnessa pre"isao-'quantos casos ocorreriam em .'
utna proxima unidade de tempo e em um espac;o (ge6grafico e demografico) delimitado; 2) .
era possivel verificat a associacao entre a ocorrencia de doenca e um ou varios.fatores
presentes no homem ou no ambiente. 0 fundamental foi que essas duasconclus6es
permitiam recortar um OT (por exemplo, 0conjunto de casos da doencaX em uma certa <f
localidade) cujas caracteristicas (as associacoes com fatores do homem ou do meio) se .1 "
transformavam em possibilidades de transforrnar OT em P (diminuicao ou estabilizacao do
mimero de casos novos por ocorrer). Os instrumentos de trabalho que se desenvolveram
foram entao, dentre mitros, o-saneamento arnbiental (= controle de, fatores asscciados a
doencas) e a educacao em sauder (= evitar' 0 contacto com osfnesmosfatores). As
estatisticas de mortalidade da Inglaterra e do Pais de Gales, as mais antigas e confiaveis
existentes, demonstram bem 0 substancial impacto desse trabalho na modificacao do
padrao de mortalidade, so inferior a melhora dos padroes iiutricionais (que tesultaram de
outras praticas, nao das de saude),
c
Esse grande modele tecnologico do trabalho em saude trazia incorporada, dentrodele, uma contradicao complexa, entretanto. E que 0"fenomeno coletivo", pelo qual a
doenca era tomada, podia, e continua podendo, ser tornado como "natural", isto e , referidoa especie humana, concebida como um conjunto em si mesmo homogeneo de individuos,
submetidos a diferencas ambientais externas casuais; mas tambem podia, e continua
podendo, ser tomado como essencialmente social, isto e, referido a estrutura da sociedade
D como causadora de doenca. As conseqiiencias politicas das duas posicoes, des de que
incorporadas a pratica, sao evidentemente diferentes, bem como 0 sao tambem as
diferencas tecnologicas: a primeira tende a ser rnais conservadora, embora muitas vezes
tenha tido efeitos nao tao conservadores assim; a segunda tende a negacao potencial da
estrutura social e ao esforeo por sua superacao - no limite, neste caso, para produzir saiide
e preciso mudar a sociedade.
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SERlE TEXTOS
procedeu it liquidacao da concepcao ontologica, recortando agora a doenca como alteracao
morfologica e/ou funcional do corpo humano. A doenca, que tinha circuladocomo urn serem tantos espacos diferentes, passou a ter sede e desenvolvimento exclusivos no espaco do
corpo biol6gico .itldivipu;;tl•. q9l119..uma caracteri~ti9a ...ele.unw forrn.a. patoIggica (em
oposicao itnOrrn!il)de , estaro cOrp9·
o surgimento desta nova concepcao instrumental __ndiyidu!lliz!inte e biq16gka,-
no principio do seculo XIX, nao correspondeu, entretanto, imediatamente, ao completo
desenvolvimento do processo de trabalho nela baseado, ~st9porque a.yfetiva transformacao
de 0 em OT precisou esperar pelo desenv91vim~t).toda teoria de OT, isto e. pelo
desenvolvimento das ciencias complementares ..da., fisiologia .•y da patologia.rcomo
instrumentos capazes de realizarem na pratica a teoria d!idgetlc;:a enquanto alteracaomorfo-funcional, isto e. capazes de realizarem na praticao diagnostico, (D~OT).Alem
disso, foi preciso esperar pelo seculo XX para 0desenvolvimento dos.instturnentos capazes
de efetivarem na pratica a transformacao OT --7 P,basical11ente consistentes no ~rsenal
terapeutico farmacologico e nas tecnicas de qirurgia. muitq}il11Jtacl:as.?nteso aparecimento
da anestesia. Dai que 0 predominio deste segundo .•W0deIo§lyja ul11fenomeno tipicodo,
seculo XX, em que se tornou quase automatisq)·.pensar. no trabalho medicoqqmo
equivalente a trabalho em saude, enquanto 0 seculoXIX assistiu ao.relativo predominiodo.modelo anterior.
I.'
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i
\
CADERNOS CEFOR
VII.
Veja-se entao, mais de perto, as caracteristicas do - modele clinico,. baseado na
clinica anatomo-patologica, emseu desenvolvimento ate a atualidade.- \ \
Comparado ao modele epidemiologico, baseado na concepcao de "doenca" como
fenomeno coletivo, de apresentava uma grande vantagem potencial, que foi transformada
napratica em realizacao quaseplena. Trata-se de sua articulacaomais integrada comas
grandes necessidades sociais de saude proprias das sociedades capitalistas, conforme
discutidas anteriormente. E facil perceber como isso se deu: na mesma medida em que 0
principio politico-ideologico da igualdade e individualizante (todos - isto e, cada um -s~ o
iguais .perante a lei), a medicina anatomo-clinica tambem e individualizante: a doenca pode :" .
seradmitida nesse modele como ate influenciada pela vida de relacao do individuo doente,
mas como fenomeno positivo e recortada exclusivamente no espac;o do seu corpo
individual. Por outro lado, esse corpo individual em .que ela ocorre nao e nenhum corpo
concreto; socialmente determinado em suas relacoes, mas sim 0 corpo. relativamente
abstrato reduzido as suas dimensoes biologicas, A medicina individual dira que a doenca
tuberculose, por exemplo, e a mesma em todos os-individuos tuberculosos, deixando de .•fora, nesse recorte, todas as variacoes como nao sendo essenciais, e entre elas, asdimensoes sociais de cada corpo individual. Ern-urn s6 movimento, portanto..-a clinica
anatomo-patologica "se casa" com 0individualismo politico-ideologico, que e a forma
mais concreta de realizacao do principio da igualdade, e com a naturalizacao do fenomeno
assim recortado, que deixa de ser imediatamente social. 0 produto do processo de trabalhoassim estruturado e um bem so consumivel individualmente, com 0que 0acesso a ele sp
torna peca-funcional-nas negociacoes que parcialmente resolvem os conflitos sociais. Com
isso, esse e 0modelo que chega it dominancia. .
De inicio, todo 0processo de trabalho e possivel de ser desempenhado, em cada
unidade,por um iinico trabalhador: 0medico. Ele deve cuidar do diagn6stico (O-+OT) e
da terapeutica (OT ~ P), e a relativa escassez de instrumentos usados nas duas fases/-"
permite que ele seja proprietario de todas as condicoes do processo, que cabem todas no .
seu cerebro, no seu corpo (olhos, nariz, maos) e na sua maleta (estetosc6pio, lancetas,
sanguessugas) .
o trabalho medico, contudo, como todos os demais, tambem e separavel em seus
momentos de projeto e execucao, em seus momentos relativamente "mais intelectuais" e
em seus momentos relativamente "mais manuais", E desde 0 inicio, inclusive para que
fosse possivel a construcao da teoria das doencas, teve que desenvolver-se em locais de
trabalho adequados a relacao tecnica medico-paciente, agora nuclearmente estabelecida
entre 0medico e 0corpo do paciente. Esse local de trabalho, num sentido amplo tambem .
um instrumento de trabalho, constituiu-se no hospital moderno+'.
Instituicao relativamente grande e complicada, 0hospital levou ao aparecimento
de toda uma colecao de trabalhos "infra-estruturais", sem os quais nao pode funcionar, e
que se constitufram .na primeira extensao do medico em um trabalhador coletivo. 0 mais
31) Ate 0 seculo XVIII os hospitals eram casas de exclusao e amontoamento de toda especic de marginais, inclusive de moribundos,sendo excepcional a prescnca do medico em seu interior.
/ ...
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SERlE TEXTOS
importante desses trabalhos foi 0 do enfermeiro, encarregado sobretudo de funcoes
relativamente "mais manuais", associadas, aoprocesso terapeutico, e de funcoescomplementares, nao obstante essenciais, a realizac;:ao do processo como urn todo. A
preservacao do micleo "mais intelectual" (diagnostico e prescricao, alem de certas tecnicas'
privil\~iadas) manteve 0medico'como dominante e determinante do processo.
< I
Mais tarde; 0 trabalho do enfermeiro tambem se '.dividiu, .ficando com 0
profissional mais qualificado - enfermeiro propriamente dito-. as funcoes "mais
, intelectuais" da parte "mais manual", e restando para seus auxiliares ~s funcoes "me not.
intelectuais" da mesma parte. 'r»
"
De ponto de vista exclusivamente e abstratamente tecnico, nenhum desses postosde trabalho do trabalhador medico coletivo e dispensavel, e portanto naturalmente
subalternos seus agentes, mas a tecnicanao existe isolada de sua apropriacaediferenciada
na reproducao das diferencas de classe, e 0controle dos momentos "mais intelectuais" do
trabalho garante 0 poder sobre 0 conjunto do processo, alem deoutras hierarquizacoes
sociais.importantes. Reproduz-se denti!{ do trabalhador medico coletivo, desta maneira,
dentro de certos limites, 0mesmo tipo de dinamica geral caracterfstica da reproducao
social, acarretando contradicoes que opoe, de trm lado, uma racionalidade puramellte
tecnica, mas abstrata, e de outro lado, a necessidade de reproducao de relacao sociais, em si
mesma tarnbem abstrata. A rigor, esses dois poles contraditorios so existem em sua
unidade, de tal forma que cum poe limites a plena expresso do outro, ja que se do urn
atraves do outro: a divisao tecnica do trabalho atraves da divisfu5 social do trabalho, e,'vice-versa. A historia socialda medicina, olhada do angulo da organizacao interna dessa
pratica, e a historia das solucoes.e impasses criados e recriados ao redor des sa contradicao:
-Ao mesmo tempo em que;,se dividia internamente - "vertical mente", em uma
metafora espacial - o· trabalhador medico coletivo passou -a se dividir tambem
"horizontalmente", et;l"e:tapa historica posterior. Essa divisao "horizontal" comporta dois
tipos de expressao:a~cd~~!ituic;ao de profissionais medicos especializados em partes dos
processos diagnosticos e'1:~rtpehtic<.ts, e a agregacao de outros profissionais com areas de
atuacao complementares:1'80!'1entDlogo, 0 fonoaudiologo, 0 terapeuta ocupacional, 0
fisioterapeuta, 0 psicologo, 0 assistente social, 0 cientista social e 0 administrador. Essa
agregacao obedece ora ao acrescentamento de outras funcoes complementares, semelhantesem estatuto a enfermagem, como e 0 caso dos para-medicos, ora as necessidades de
ampliacao do campo de jurisdicao da medicina, como e 0 caso dos psicologos, dos
assistentes sociais e dos cientistas sociais. no caso destes ultirnos, um novo tipo de
relacionamento contraditorio aparece, e que dira as vezes respeito a propria nocao
instrumental de "doenca", 0 que e afinal "curar-se"? Pode-se chamar de "cura" 0que
acontece com um tuberculoso tratado, ao mesmo tempo em que outros tantos adoecem,
mas isso e discutivel. Pode-se chamar de "cura" 0 que acontece com urn atropelado
tratado, ao mesmo tempo em que sua familia se arruina para que isso ocorra, mas isso e
discutivel. Pode-se tambern chamar de "cura" a ausencia de ovos de um parasita intestinal
em urn exame de fezes realizado ap6s o tratamento, mesmo que se saiba que apos algum
tempo a infestacao se restabelecera pOl' terem permanecido intactas suas causas, mas issotambem e discutivel. Afinal, 0que e "curar-se"? Estranhando a natureza do produto,
mesmo sem saber se esta estranhando a natureza da concepcao do objeto do trabalho
(lembrar que OT e um projeto de P), e esses outros profissionais agregados ao trabalhador
medico coletivo, por causa de suas as vezes distintas concepcoes acerca do fenomeno
,",,,
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social humano ou do fenomeno emocional humano, tendem mais facilmente a entrar em
conflito, ora com 0 lado individualizante, ora com 0 lade biologizante da concepcao de"doenca" da clinica anatomo-patologica.
Em principio poder-se-ia pensar que esse conflito pudesse ser produtivo,
suscitando 0 desenvolvimento de novas tecnicas de intervencao; assim seria, se se tratasse
apenas de uma dissensao tecnica, mas por nao poder se-lo apenas, pois esta
necessariamente em jogo todo urn conjunto de dimensoes sociais, termina geralmente por
esterilizar-se.
Todo esse conjunto de fatores foi acrescido, na maioria das sociedades
capitalistas, pela organizacao do proprio trabalho sob a forma de empresas prestadoras de
services de tipo capitalista, elas proprias. Quaisquer que fossem os meritos - fala-se em
aumento da produtividade e da competencia tecnica por efeito da competicao estimulada
pela necessidade de lucro, e outras vantagens do mesmo tipo, todas supostamente inerentes
a iniciativa privada de forma exclusiva - 0fato social ineludivel e que a empresa capitalista
tem que visar antes de mais nada 0 lucro, quer queira, quer nao, 0 lucro do capital,
investido diretamente em saiide, 0 lucro das empresas produtoras de bens e services
consumidos no trabalho em saiide, a multiplicacao dos postos de trabalho associados a
necessidade de extensao permanente de cobertura a uma gama permanentemente ampliada
de necessidades, tudo isso junto levou ao que costuma ser referido como "crise
contemporanea da medicina", querendo-se com isso dizer que 0 gasto social no setor
tornou-se desproporcionalmente grande em relacao a outras demandas e em relacao ao
beneficio dele decorrente.
Uma outra dimensao ao mesmo tempo tecnica e social do trabalho medico deriva
do inevitavel aprofundamento de sua integracao ao conjunto dos trabalhos sociais. Mais emais, no trabalho em saiide assim como em todos os outros, as condicoes particulares de
realizacao do trabalho tornam-se solidarias de outros ramos da diviso social dotrabalho e
de suas exigencias/necessidades. Ao discutir-se 0passo 0---7 OT como passo do processo
de trabalho no qual se faz um certo recorte (dentre muitos em tese.possiveis) da natureza,
foi feita uma referencia de passagem ao fato de que a maior parte dos objetos do trabalho
passarao a ser, com 0aprofundamento da divisao do trabalho, objetos artificiais, produtos
de outros processos de trabalho. O'rnesmo se da com os instrumentos de trabalho, 0que eparticularmente importante para 0trabalho em saiide, que passa a ter que incorporar.icomo
"necessidade social" a que deve satisfazer, 0 consumo de instrumentos de trabalho
produzidos em outros setores. E por demais conhecida a relacao contradit6ria dai
decorrente em conseqiiencia das caracteristicas da industria farmaceutica e da industria deequipamentos de diagnostico e de terapeutica, para que precise ser explicada aqui, mas e ,
importante tomar essa relacao de mutua dependencia e delimitacao como ilustrativa do que
se afirrnou.rao dizer 'ser impossivel cornpreender 0 trabalho apenas por suasdimensoes
tecnicas, enfatizando a necessidade de compreender as necessidades as quais esta referido,
, bem como, por decorrencia, suas caracteristicas tecnicas (aparentemente so tecnicas) como
.determinadas por toda uma rede de articulacoes sociais historicas.\
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CADERNOS CEFOR
VID.
Nesse contexto, uma nova forma de aproximacao com 0 outro modelo. de
organizacacdo trabalho em .sajide, 0 epidemiol6gico,passou aencontran.espaeo par 3 .
expressar-se, Durante todo 0 periodo e.rnque 0 trabalhoemsaudequase ..qlle ~e.identificqu
exclusivamente com 0modelo individual da clfnica, 0modele epidemiologico nao tinha
desaparecido: ap~llascl~ixa.rao proscenio para recolher-se aos.bastidqres,masp~nnaneceu
sempre desempenhando funs:oes vitais.. sobretudo no. controle ..dgsdo~U9as infecciosas,
atraves do saneamento do meio, da vigilancia epidemio16gica~dasjmunizac;oes, a.tividadesl·
que, como bem expressa 0. saber politico popularbrasileiro,."nao dao v()to", .mesmo que.
sejam muito eficientes. .
Com a "crise" acima referida, teve origem uma aproximacao na qual 0modele
epidemiologico foi utilizado para dar conta tambern da assistencia ao. doenteindividual.
Explique-serem vez de simplesmente considerar que a solucao do problema das doencas
esta contida na expansao e generalizacao e aperfeicoamento do. tratamento medico,
passou-se a considerar a possibilidade de tomar 0 tratamento medico como uma das
ferramentas, um dos instrumentos, nem sempre 0melhor.-ao lade de medidas incidentes
diretamente no plano coletivo, paracontrolar a doenca. "Controlar" deixou de ser apenas
equivalente a "evitar", "prevenir", passando a significar "evitar + tratar". Os mesmos
modelos de raciocfnio matematico sobre 0coletivo ja comentados anterionnente permitem,
pOl' exemplo, priorizar as acoes face a um determinado problerna.vdeterminar os
rendimentos (em termos de custos e em termos de resultados) de cada acao e de cadaconjunto de acoes, conjuntamente sobre 0 indivfduo e sobre 0 coletivo. .
A primeira vantagem e obvia, tao obvia que carrega consigo uma imensa-tentacao
tecnocratica: em vez do "saco sem fundo" do raciocinio "mais doenca - - -omais medicos",
pode-se dispor de um modele conceitual viabilizador de um calculo racional de custos e
beneficios, de uma determinacao racional acerca das caracteristicas qualitativas e
quantitativas desejaveis para os recursos humanos e materiais a serem empregados.
A segunda vantagem ja nao e tao obvia: se esse modelo permite em tese uma
racionalizacao modernizada das praticas de saude que nao .tem em si mesma nenhuma
contradicao fundamental com a reproducao social como um todo, traz no entanto em.seu
bojo dois tipos de conflitos latentes cuja importancia so e possivel aquilatar em analises
sobre sociedades concretas.
Em primeiro lugar, preste-se atencao ao fato de que 0modelo aItera, pelo menos
potencialmente, as condicoes objetivas sabre as quais se estabelecem as hierarquias no
interior do trabalho coletivo de saude. no limite, 0momento "mais intelectual" do trabalho
se desloca do binomio diagnostico/prescricao a nivel de cada individuo para a esfera do
diagnostico sobre 0coletivo e a prescricao sobre 0coletivo, isto e, do medico para 0planejador em saiide, seja este ultimo medico ou nao quanto a seu diploma de graduacao,
mas certamente nao sendo mais medico quanto a seu trabalho. Aqui, de novo, verifica-se atese de que as caracteristicas tecnicas do processo de trabalho sao ao mesmo tempo 0
suporte de suas caracteristicas sociais, e que ao modifica-las, ou pretender modifica-las, se
estara necessariamente atuando nessa esfera mais ampla.
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SERlE TEXTOS
Em segundo lugar, conforme ja se salientou em outro momento deste texto, ao
localizar-se sobre 0 coletivo 0objeto do trabalho, e sempre mais dificil ocultar sua facepropriamente social, alem de meramente coletiva, 0 que torna 0 campo das praticas de
satide rnais vulneravel it critica<s()cialeit pressao social. As decisoesrespeitantes a essas
op\)Oesseraosempre,portatlt(), decisoes essencialmente polfticas.
r>e,ye-seenfatizar,·contudo, que 0 tratamento .dad()<a.tetna~i~~·.t?da,.·nestetexto,situQu-see,m ~rnpla~o.de abstracao U l I . - odas sociedades c)apit~li~tasenr~eral, no maximo-que impecle a sua aplicacao automatica a questoes~oncretas de9ualquer sociedadeparticular. Para isso, e necessario levar em consideracao urn grande ritimero de eventos de
significado tambem particular, e eventualmente concluir pela pertinencia apenas parcial dasanalises realizadas.
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Dadas essas referencias gerais, foram identificados modelos hist6ricos de
organizacao tecnologica do processo de trabalho em saiide: 0 do xama, 0 do medico
hipocratico, 0 modele clinico e 0 modele epidemiologico, estes dois iiltimos
concomitantes. Todos eles apresentam os requisitos conceituais apontados, de
representarem possibilidades alternativas e realizadas de organizacao "interna" do processo
de trabalho coerentemente articuladas a re-producao de estruturas de necessidades. Os dois
tiltimos apresentam, nesse ultimo sentido, uma peculiaridade em relacao aos dois primeiros
e a todos os outros que os antecederam: configura-se neles um rnomento historico em que
as praticas de saiide devem necessariamente estar referidas a "necesstdades socials",isto e, a necessidades de grupos especificos de individuos que logram, exatamentepor
causa de sua objetivacao pelo trabalho, alcancar 0estatuto de necessidades "da sociedade",
de tOd05 os individuos, Neste sentido, tanto 0modele epidemiologico, mais explicitamente
em suas primeiras formas concretas - a Medizinischepolizei alema e a "rnedicina urbana"
CADERNOS CEFOR
IX.
Dois conjuntos de questoes restam para ser fixadas, nos sentidos apontados pelas
iiltimas observaeoes da-secao anterior. Em primeiro lugar, em rela9ao avigencia do
conceito de 'modele'; para que seevite pensar 0 futuro como uma questao .de
"modelagem" adequada. Em segundo lugar, em relacao v a iestrutura denecessidades
necessarias e ao lugar das necessidades de saude dentro dela , para que a$"necessidades
sociais" do capitalismo nao se venha opor nenhum outre conjunto abstrato de necessidades
"socials", capaz de transformar 0homem, no maximo, em individuo despersonalizado,
esmagado pela comunidade despotica de.um capital social efetivado em forma estatal.
A primeira nocao, associ ada quase intuitivamenteao termo 'rnodelote a denorma, ideal a ser copiado, regra a ser implementada. Ora, nao foi primariamente com esse.
sentido que 0conceito de 'modele' foi utilizado neste texto, e nao por acaso, mas porque
nao e correto usa-lo assim, sem que um conjunto muito grande de mediacoes em relacao
ao concreto seja interposto, e tao grande que alterara 0conteudo empirico do que se
chamou 'modele'. Conceitualmente, 'modele' aponta para a necessidade ineludivel de
consistencia pratica entre objetos do trabalho, .instrumentos e a acao do agente do
trabalho,para que 0processo possa efetivamente objetivar-se em um produto. Nao se pode
tratar um individuo acometido por uma doenca infecciosa de transmissaoihfdrica
construindo uma rede geral de tratamento e suprimento de agua; nao se pode alterar
previsivelmente 0 estado imunitario de uma populacao por referencia a um agente
infeccioso curando os doentes: ambas as impossibilidades tecno16gicas sao indicadorasnegativasdaquela consistencia pratica absolutamente necessaria.
Seri~~lmplifiicador, entretanto, situar apenas ai, na adequacao tecnicada relacao
estabelecida no interior do processo entre agentes, instrumentos e objetos por referencia
aos produtos, todo 0significado abrangido pelo conceito de 'modele'. Nao se recupera a
£or9a de trabalho inutilizada por efeito da doenca atraves de acoes de vvigilancia
epidemio16gica; nao se estabiliza a relacao entre capital e populacao com antibi6ticos. Em
outros termos, essas dimensoes "externas" do processo de trabaIho, que foram
compreendidas como "necessidades sociais" do capitalismo em termos de saiide, devem
encontrar correspondencia adequada tambem com os mementos "internosj- do processo,alem de esses precisarem estar dispostos coerentemente entre si. C
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SERlE TEXTOS
franeesa - quanto 0 modelo clinico, sobretudo no seculo XX, atraves dos meeanismos
sociais de expansao do acesso ao consumo, sao "medic inas sociais,,32 .
. AconeomiUmcia dos modelosclinieo e epidemiologico abre sempre., a
possibilidade de que sejam opostos tadiealmente na pratica, mas sua referencianecessaria
aquele eonjuntode neeessidades (as "necessidades sociais" do capitalismo) faz com que
essa oposicao seja sempre posta secundariamente a sua integracao. Houve um tempo, ate
aproximadamente a passagem do seculo XIX para 0seculo XX, em que. essa integracao se
deu por mera justaposicao de praticas, sendo nesse periodo aefetividade das praticas
epidemiologicas muito maior do que a das praticas clinicas.t.ern .relacao aquelas
necessidades. no periodo subseqi.iente, a "medicina social" vai estruturar-se sobretudo a
partir das praticas clinicas, como se viu, ficando as praticas epidemiologicas em umaposicao claramente suplementar.
Ora, as propostas de integracao surgidas nas ultimas decadas podem visar algo
diverso deuma meramente "nova" relacao suplementar entre osclois modelos, emboranem
sempre 0facam de modo conseiente e explicito. Tratar-se-ia, nesse caso, de um modelo
radicalmente novo, ate por ser um so, e nao uma composicao de dois outros, como se pode
b Ie d - d - , . id 33perce er, por exemp 0, nos esrorcos e construcao aacao programatrca em sau e .
Contudo, neste caso, como nos casos historicos antecedentes, 0ambito circunscrito pelo
eonceito de 'rnodelo" permanece 0mesmo, nao incluindo imediatamente e primariamente
urn carater normativo, que pudesse resolver-se em julgamentos do tipo certo/errado. Um
outrotipo de carater normativo se impoe, todavia, mediado por um criterio etico referido aodevir do homem, e so secunclariamente referido as caracteristicas tecnologicas que tornam
um ou outro proe¥sso de trabalho coerente com um ou outro devir. Neste sentido mediado,
o conceito de 'novo modelo" implica uma dimensao moral, mas detiva-a da relacao com 0
todo, -enao de sua "pura" consistencia tecnologica: ora, essa relacao com 0todo nao cabe, a
nao ser parcialmente, na articulacao entre as dirnensoes "interna" e "externa" do modelo,
por duas razoes: em primeiro lugar, porque sao "ideais" as condicoes de sua elaboracao;
faltando-lhes a base de objetivacao das necessidades necessarias - neste caso, radicais - qlle'
permitiria sua contraposicao as "necessidades sociais"; em segundo lugar, porque oes:pac;o
onde se geram as praticas e representacoes acerca das relacoes entre os processes de
trabalho ea reproducao social deve tel' sempre uma configuracao politica, irredutivel -
embora freqiientemente reduzida - a uma problematica tecnica. Dai se segue que.ise aumnovo modele se vier a aderir, pOl' suas potencialidades, sera apenas em sua dim ensao de
utopia produtiva, projeto concebido a partir das caracteristicas objetivas do presente, onde
convivem 0 futuro, enquanto potencialidade imanente, e 0 passado, enquanto inercia
reprodutiva. Enquanto utopia produtiva, 0novo modele serve como baliza para a analise de
situacoes eoneretas e para a descoberta das possibilidades objetivas de introducao de
mudancas nessas situacoes orientadas para ele, que entao ira, se chegar a ser, se efetivando
como modele real, certamente diferente do projeto que tera orientado seus comecos,
II1I
Nesse sentido preciso, um 'modele' e um ideal, mas um fragil ideal que se
burocratiza e esteriliza quando tecnicamente despolitizado, quer por seus opositores, quer
sobretudo por seus clefensores. Cabe antes ate do que como "ideal" defini-lo como clever
32) Cf. Foucault, M., Micrnfisica do poder , Rio de Janeiro, Graal, 1985. I \p.79 e 55.33) Cf. Schraiber, L.B.(org.), ProgramaCao em ,atide hoje, Sao Paulo, Hucitcc, 1990'.
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moral, e neste caso, escapando a contraditoria pretensao de definir pelos indivtduos quais
sao suas necessidades justas, 0dever moral se confunde com a busca das conexoes entre 0
processo de trabalho, tal como possa ir-se orientando para 0novo modelo, ea. genese das
necessidades radicais de saiide.
Aqui reencontra-se 0segundo e ultimo conjunto de questoes a ser tratado nesta
ultima secao: a relacao entre os processos de trabalho em saiide e as necessidades de saiide,
tomadas desse angulo particular que persegue a mudanca social.
Quando foi discutida essa relacao, na .secao VI, particularizando para 0
capitalismo, tratou-se do conjunto dessas necessidades de saude atraves de dois eixos
tematicos referidos as estruturas de normatividade do homem comum: os significados
economicos da forca de trabalho e os significados politico-ideologicos da igualdade esua
repercussao sobre as pautas individuais de consumo. Ora, e evidente que, nessa.maneira de
expor as coisas, as necessidades de saiide aparecem como "necessidades socia is",
necessidades "da sociedade", e ja se discutiu anteriormente que. tal entidade - a sociedade-
assim fixada por oposicao aos individuos que a cornpoem, nao passa de um fetiche. As
"necessidades sociais" do capitalismo sao as necessidades individuais do grupo de
individuos que personifica 0capital, que assume como "suas" as necessidadesdecorrentes~ .
de uma relacao social que, assim, se re-produz. As necessidades individuais dos outros
individuos, que nao podem ser estas enquanto necessidades individuais, como.e facilmente
compreensivel, se re-produzem entao em um processo amplamente caracterizavel como de
dominacao: esses outros individuos constituiram rcomo suas, individuais, necessarias,
carencias ...especificas que reproduzem, menos ou mais contraditoriamente, aquelas
necessidades individuais que se tornam dominantes. A ideia de "necessidades sociais" nad
e inteiramente falsa, 'portanto, ao cabo desse processo, pois se saorepresentaveis assim e
- porque todas as necessidades individuais nelas se reconhecem. Mais contraditoriamente;
por exemplo, quando modificacoes radicais nas condicoes objetivas de exercicio da
normatividade desencadeiam oposicoes violentas: esse e 0caso exemplar da Revoltada
Vacina 34. Menos contraditoriamente, por exemplo, quando 0 consumo de services
medicos torna-se moeda corrente nas negociacoes do pacto populista, para ficar ainda na.
historia do Brasil. Em qualquer caso, entretanto, sera atraves de um amplo e
multidimensional processo social que 0 individuo comum passara a ter como suas,
gradativamente, necessidades necessarias referidas a saude que se compoem coerentementecom as "necessidades sociais" e se confundem com elas, assim como vera interditadas, por
ilegitimidade, aquelas necessidades necessarias que escapam a essa coerencia.
De todas essas necessidades necessarias referidas a saude, aquela que mats
coerentemente compoe com as "necessidades sociais" e a do consumo de services de
assistencia a doenca - services medicos em sentido amplo. Ja se discutiu como isto se da
pel a reducao da saiide ao resultado de atos de consumo individual, e embora historicamente
essa reducao tenha privilegiado a doenca como objeto de trabalho, com 0que a saude ficou
necessariamente definida como negacao, e portanto subordinada a definicao de doenca, na
ultima dec ada a propriasaude aparece pseudo-positivamente como 0resultado tambem do
consumo daquilo que parece negar a doenca: dietas especiais, exercicios, alimentossucedaneos de alimentos "perigosos", remedies protetores, etc. Em todosos casos, nao se
34) Cf. Costa. N.R.. LUI"' tl]'hanas c contrplc sanjtriJiQ.Petropolis, Vozcs/ABRASCO. 1985.
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. .
SERlE TEXTOS
trata apenas de uma redueao ao consumo, 0que e da logica do modo de producao, mas de .
uma redu~ao ao individuo, que faz com que, ao ser a necessidade necessaria maxima decada e todo individuo a posse do equivalente universal de todos os consumos, 0dinheiro, a
propria individualidade seja re-produzida quotidianamente atraves de sua reducao a
infmitos atos de consumo.
Nao se deve confundir a argumentacao, como se fosse 0 caso de ver algum
proveito no nao-consumo de services de assistencia medica, para que entao se desse 0
plena florescimento da genuina individualidade humana. E claro, patente, evidente e logico
que, em qualquer forma de organizacao social futura em que a humanidade mais rica do
homem possa expressar-se, uma das bases objetivas dessa riqueza sera sempre dada pela
possibilidade de cura das doencas, alem doseu controle e alem da diminuicao do
sofrimento individual provocado por elas. Entretanto, e muito diferente que a necessidade
disso seja vivida como algo a ser satisfeito exclusivamente atraves do consume individual,
ou que, altemativamente, seja vivida como conjunto de praticas que, ultrapassando 0
consumo de um service, implica uma postura ativa e mediatamente social em relacao ao
andamento humane da vida. A consciencia da necessidade do service individual de
assistencia, vivida praticamente como coisa que adquirida- na maior quanti dade possivel
resultara na "maior" - nao seria logico dizer "melhor" neste contexto - saude possivel pata
o adquirente, e so para ele, e solidaria da ma-consciencia diante da antinomia que
necessariamente entao se poe. Essa antinomia esta inscrita no fato de que, nao sendo
infinitamente multiplicaveis os services consumiveis, pois ate mesmo dentro da logicado
capitalismo sao "desproporcionalmente" caros, sua distribuicao sera necessariamentedesigual, implicando, para cada individuo que possa beneficiar-se deles, a existencia de,
outros individuos que deixam de se beneficiar. Cada "saiide" obtida implica "nao-saudes"
comoefeitos necessaries. Como no plano da vida social essa oposicao impliea limitese
prejuizos para a propria "saiide" obtida, pois, embora nao 0 saiba seu proprietario.. ela
depende objetivamente das "saudes" dos outros, produz-se uma relacao antinomica entre
cada ate de consumo e os resultados visados, insohivel em si mesma. Nao ha, entretanto,
nenhuma originalidade nessa antinomia, que se reproduz, no capitalismo, em todos os
campos de construcao e re-producao dos individuos como seressociais. Ela e talvez,
apenas mais dolorosa, mas expressa 0mesmo conjunto de inversoes: de meios paraa plena
vivencia da vida, os objetos do consumo se transformam em fins; de necessidades
qualitativamente especificas, as necessidades desses objetos se transform am em "sacos semfundo" cujalogica e apenas quantitativa; de enriquecimento da personalidade individual
resta apenas a dependencia alienada, e empobrecimento objetivo esubjetivo do homem. 35
Tudo 0 que se disse acima, referido ao modele clinico, aplica-se ao modele
epidemiologico, mutatis mutandi. Nesse caso nao e mais 0individuo consumidor 0polo
conformador de necessidades e praticas, porem a comunidade abstrata do estado, que
pensa, necessita e age por ele, apesar dele, e contra ele, se necessario for. As qualidades
titeis dos efeitos obtidos, tal como no caso do modele clinico, diluem-se na
sobredeterminacao antinomica dos significados sociais dos mesmos efeitos: 0 individuo e
protegido da doenca para que melhor possa ser con sumida sua forca de trabalho pelo
capital que 0 explora, 0 que necessariamente exclui a saiide de suas possibilidades
vivenciais.
35) Cf. Heller , A ., Icoria de las necesjdades en Marx, 01' . cit., p. 53 c ss,
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No campo das praticas de saude configura-se em grau extremo a alienacao das
necessidades humanas pense-se no congelamento de cadaveres para serem
"ressuscitados" no futuro, pense-se na sinistra dialetica dos transplantes de orgaos de
jovens saudaveis mortos em acidentes epidemiologicamente previsiveis, pense-se no
contraste entre 0custo social das tecnicas de alimentacao parenteral e a mortalidade
associada a desnutricao, 0 orgulho pela criatividade cientifica e tecnol6gica do genero
humane turba-se pelaextrema pobreza de espiritoe pela extrema miseria com que e
obrigado a andar de par. Paradoxalmente, entretanto, este e tambem um dos campos emque 0carater antinomico do capitalismo e primeiro e melhor apercebido: ja porque e apr6pria "necessidade social" do capitalismo que fundamenta, mesmo ,que de forma
CADERNOS CEFOR
De pouco adianta, entretanto, a consciencia parcial dessas antinomias, se 0dever
de supera-las nao constitui um sujeito social ativo que encarna 0 futuro imanente dessa
realidade: aqui se encontra 0tema crucial do sujeito da mudanca hist6rica. Evidentemente,
o tratamento que se pode dar a esse tema neste texto e muito parcial e unilateral, mas aomesmo tempo e absolutamente necessario, de vez que as categorias teoricas que vern sendo
trabalhadas nao apenas buscam um sujeito que as "utilize", mas rigorosamente, a medidaem que enquanto categorias expressam sua existencia real como sujeito, exigem-no para
sua pr6pria existencia te6rica. A constituicao do sujeito da mudanca hist6rica consistindo
na praxis coletiva que assume como dever a su~erac;ao das condicoes objetivas que
bloqueiam .a satisfacao das necessidades radicais 6, presume a necessidade da propria
teoria como necessidade radical: como no capitalismo seestabelecem mediacoes entre a
producao da teoria e sua utilizacao na praxis, entretanto, a teoria ve-se obrigada a "seguir a
pista" das necessidades humanas concretas, e a s6 saber ex-post sua qualidade de teoria
verdadeiramente objetiva. Como as necessidades radicais nao sao fantasmagorias, mas
necessidades conscientes, individuais, s6cio-historicamente geradas e referidas a
objetivacoes, todas as esferas da praxis relacionam-se de algum modo com as antinomias
nelas inscritas de modo positivo, isto e: as necessidades radicais sao necessidades de
objetos reais, estao referidas as "necessidades existenciais", a cultura, ao descanso, ao
relacionamento interpessoal afetivoe sexual, a educacao, a saude, etc. 0 sujeito hist6ricoque encarna como dever coletivo sua realizacao constitui-se assim quando supera sua
fragmentacao em imimeras necessidades particulares e as reune em um todo orientado para
a formacao social, que necessita entao superar em um todo.
A busca de um novo modele para 0processo de trabalho em saiide, para alem da
superacao tecnica das antinomias entre 0individual e 0coletivo, encontra aqui, na fusa6
com esse sujeito historico, 0seu teste de maioridade. Deve-se entender que esse sujeito
hist6rico nao existe antes e fora de seu contacto ativo com os processos de objetivacao,
como se se auto-produzisse atraves de uma profunda introspeccao: ele vem a ser sujeito no
mesmo movimento em que se objetiva na praxis, no mesmo movimento em que se
auto-conhece como portador de necessidades radicais e identifica os processos de trabalho
que tendem - apenas - a ir ao encontro dessas necessidades. A primeira dessas
identificacoes, como portador de necessidades, passa pela segunda, pelas formas possiveis
de sua satisfacao, e vice-versa, mesmo considerando que a satisfacao de necessidades
radicais e impossivel por definicao, constituindo-se antes em um processo de mudanca.
estendido na hist6ria em que busca a realizacao se perseguem sem data fixa de reencontro.
36) Cf. Heller, A ., Jepna de las Dcccsidaclcs en Marx, 01'. cit., 1'1 ' . 87-113.
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SERlE TEXTOS
canhestra, a ilegitimidade das diferencas dentro do genero humano, atraves de praticas,
entre as quais as de saude, que em qualquer dos seus modelos fundam-se biologicamente
na abolicao de diferencas substantivas entre os homens. Que os mesmos modelos;
abstraindo as diferencas e desigualdades reais, colaborem para a reproducao de ideologias
que no querem ver essas diferencas e desigualdades como estruturais, isto e apenas urn lado
da moeda; desde sua genese nos seculos XVII e XVIII , as praticas de saiide do capitalismo
foram'sempre um campo hipersensivel para a percepcao do contradit6rio.
Construir um modelo e explorar 0 contraditorio, desde a mera demincia ate a
verificacao das formas positivas de sua superacao tendencial. Seria inadequado, contudo,
buscar apreender a priori 0que sejam necessidades radicais de saiide, pois essas s6 sao
apreensiveis no concreto, enquanto manifestacao subjetiva de um sujeito em objetivacao,
impensaveis que sao em si mesmas, fora de suas relacoes em estruturas de necessidades. 0
que a teoria permite sao criterios tentativos para sua identificacao. 0 primeiro desses
criterios, de carater geral, reside em terem todas as caracteristicas das necessidades
necessarias e serem ao mesmo tempo "impossiveis", no sentido de que sua satisfacao
generalizada implica outro homem e outros processos de objetivacao, mediados por
relacoes sociais de outra natureza. Procurar identifica-las e satisfaze-Ias, nao obstante sua
"impossibilidade" imediata, e construir esse novo hom em atraves de novos processos de
objetivacao. Sem deixar de advertir para 06bvio de que tal mudanca e um processosocial
total, e nao apenas urn processo "sanitario", como as vezes parece ser 0pensamento de
tantos messianismos da area da saude, cabe busca-las conforme os seguintes criterios:
a) quando 0tipo de individuo que se reproduz tendencialmente atraves de sua.
satisfacao tenha suas dimensoes individual e social nao antagonizadas, como pode ser 0
caso de todas as nece~sidades epidemiologicas, desde que conscientes e individuais, pois so
serao genuinamente do individuo a medida em que os outros individuos forem urn fim para
.. ele, a medida em que ele necessite para si 0que necessita para os outros. De modo inverso,
lentretanto, quando ele necessita do controle epidemiologico dos outros como um meio para
si proprio, para suas necessidades de dinheiro, poder e possessividade, a rnesma
necessidade aparente se configura entao como alienada.
b) quando 0 espac;o de configuracao das necessidades ultrapassa 0 espac;o
biol6gico do corpo e refere-se imediatamente a totalidade da personalidade individual viva,tais necessidades tendem para a radicalidade, pois ao superar a dicotomia corpo-individuo
tende-se a percebe-lo em sua forma imediatamente social, no minimo atraves de sua vida
de relacao, 0 mesmo movimento aparente se nega, contudo, quando ao bio16gico do corpo
apenas somam-se outras esferas, igualmente instrumentalizadas, enquanto meios para ele,
individuo, que permanece fora delas, uti1izando-as para fins que estao fora delas, em coisas
ou em seus equivalentes.
c) quando os recortes de existencia das necessidades ultrapassam 0plano da
individualidade abstrafa para reencontra-la em trans-individualidades em que ele se
reconhece. A necessidade aqui e do individuo enquanto mulher, enquanto homem,
enquanto trabalhador, enquanto adolescente, enfim, enquanto sub-genero de natureza
socio-historica que aparece como valor transcendente a mera individualidade sem nega-la,
mas afirmando-a como especffica e concreta. Em sentido inverso, todavia, as mesmas
necessidades aparentes podem conter apenas a exc1USRO do genero humano pela
absolutizacao de qualquer uma de suas manifestacoes concretas ou de todas elas.
t
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d) quando a necessidade de saiide toma a forma de enriquecimento consciente, em
oposicao it dependencia da assistencia, ref1etindo a individualidade concreta contra a do
consumidor abstrato e an6nimo. Ainda neste caso, ha que diferenciar, porem, entre 0enriquecimento da participacao ativa e consciente e 0empobrecimento da personalizacao
de-fachada, auto-engodo de consumidor VIP quealmeja a diferenca como um fim em si
mesma, e nao pelo que possa ter de.substanti va e qua litativa.
e) quando a necessidade se relaciona com planos mais inclusivos de realizacao
vida individual e social e vem imediatamente referida a valores socio-historicos objetivos
de enriquecimento da humanidade. Este e 0criterio mais transparente, porque neste caso a
propria necessidade e ja radicalizada por sua referencia a .outras radicalizacoes. No campo
da saude, tal e 0caso das necessidades comunitarias, que expressam a consciencia da saiide
como meio e fim da vida humana, e nao como instrumento, apenascontingent~mente
expresso sob uma forma fenomenica particular. Ainda aqui, porem, . e preciso diferenciar 0radical do pseudo-radical; diferenciar a necessidade objetiva, mesmo quecontingente, da
necessidade retorica que, a despeito de qualquer objetividac:ie;busca se impordogmaticamente.
Os criterios tentativamente apresentados, antes de tudo como material para .0.
debate, muito longe da pretensao equivocada de co~stituirem um decalogo exa~~tiv() de
regras fechadas, mostram em todos os casos os sinais da dificuldade de uma definicao
precisa e fixa. Devem servir no minimo para a exclusao de uma logica apriorfstica, que
pudesse estabelecer um rol qualquer de necessidades radicais para serem sacralizadas, e nomaximo para sugerir em situacoes concretas - pois so nesse nivel, 0da plena concretude,
aparecern nece$siclad~,f reais, radicais ou nao - caminhos para discutir e implantar
\.mudan9as nos processes de trabalho, de tal modo que essa pratica fundamental, 0. trabalho,
possa fundamentar objetivamente as opcoes da militancia que 0homern secoloca para avida.
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REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
A lista de referencias que se seguem constitui-se apenas dos textos que estiverammaisdiretamente presentes na elaboracao deste trabalho.
01. Canguilhem, G., Lo normal y 1 0 pato16gico, Buenos Aires.-Siglo XXI, 1971.
02. Donnangelo, M.C.F. e Pereira, L., Saude e Sociedade, Sao Paulo, Duas
Cidades, 1976.
03. Foucault, M., Microfisica do poder, Rio de Janeiro, Graal, 1985 (5il•ed.)
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