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REPORTAGEM
do samba, do forró, do coco...do samba, do forró, do coco...
Rio do MaracatuRio do Maracatu
Em fevereiro de 1997, um grupo de amigos saiu do Rio deJaneiro para passar o carnaval em Recife e Olinda. Elesforam lá a fim de conhecer de perto os sons de Pernam-
buco. Após ouvir uma das diversas nações de maracatu de Reci-fe, os cariocas Bruno Abreu e Tiago Magalhães conheceramChicote. Pernambucano, ele iria mudar-se para o Rio um mêsdepois. Já na capital fluminense, a curiosidade inicial sobre osritmos pernambucanos acabou se tornando a força que os leva-ria a montar o Rio Maracatu.
Durante alguns meses, os amigos pensaram como poderiamfazer o grupo. Acabou que ele “nasceu” oficialmente em 7 demaio de 1997, à moda das nações de Pernambuco, com ata defundação e estatuto. Hoje o Rio Maracatu tem três vertentes detrabalho: as oficinas, o bloco – para carnaval de rua e shows - ea banda, que gravou o premiado disco Lapada, lançado em 2006pelo selo Rádio MEC.
O inícioChicote era o único que tinha experiência em tocar o Maracatu,
e a idéia inicial do grupo era tocar o ritmo da forma mais fiel possívelao que tinham ouvido nas ruas de Recife e Olinda. As primeirasalfaias do Rio Maracatu foram encomendadas na mesma fábricaque fazia os surdos das escolas de samba, no bairro de Cordovil, nazona norte do Rio de Janeiro. Inicialmente eram retirados o aro e asferragens do surdo, de acordo com o que foi pedido por Tiago aLula, da Artcelsior. No início, o aro era de ferro. “Nas nações (demaracatu) é usada a madeira de jenipapo”, comenta Tiago. Ojenipapo é uma madeira flexível, que pode ser envergada sem quese quebre. A amarração da alfaia, feita originalmente com corda desisal, era feita com uma corda de pesca.
Miguel Sá[email protected]
De brincadeira de amigos à banda, bloco e oficina de percussão, o RioMaracatu segue construindo sua música. Apesar de ter surgido para tocaro ritmo pernambucano, há espaço para todos os sons
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Resolvido o problema dos instrumen-tos, vinha a prática musical, que come-çou um pouco aos trancos e barrancos.“No começo nós realmente tocávamosmal. Ainda estávamos aprendendo”,comenta Bruno Abreu. Tiago lembraque, quando comentava sobre o desen-volvimento do bloco, apareciam pessoastocando ainda pior que eles. “Chega-mos à conclusão que, ou a gente ensina-va essa galera ou nunca íamos conseguirfazer esse grupo soar legal, porque omaracatu é um ritmo difícil”. E assimcomeçou o que viriam a se tornar as ofi-cinas do Rio Maracatu.
As oficinasPara poder passar conhecimento, era
preciso saber como eram os toques carac-terísticos de cada nação de maracatu(que pode ser comparado com as parti-cularidades das baterias das escolas desamba do Rio de Janeiro), estudar as cé-lulas rítmicas e passar isso aos novosbatuqueiros. “Começamos no Parquedos Patins, quando ainda não tinha nadalá, logo depois que o Tivoli saiu. No iní-cio, havia umas 20 ou 30 pessoas. Com otempo, a galera foi ficando interessada”,comenta Bruno Abreu.
Quando abriram os quiosques, o somdas alfaias começou a rivalizar com os tri-os de jazz que traziam música ao vivopara o local. “Umas duas vezes a políciachegou pedindo alvará para tocar narua”, se diverte Tiago. O Rio Maracatuteve, então, que sair de lá. Foi quandoconseguiram um acordo com a FundiçãoProgresso, que passou a ser, desde o ano2000, a casa do grupo. “Temos alunosque estão conosco há quatro anos. Elesvão a Pernambuco e chegam de lá mos-trando coisas novas. Isso é que é muitobacana”, comemora Tiago.
Para isto, foi muito importante o inter-câmbio com os mestres de maracatu doberço do ritmo, a cidade de Recife. “Pri-
meiro trouxemos o Walter França, doMaracatu Nação Estrela Brilhante.Afonso Aguiar, do Maracatu NaçãoLeão Coroado, veio três vezes. ShaconViana, do Maracatu Nação Porto Rico,também veio mais de uma vez”, comentaChicote. Ele ressalta a necessidade deste
intercâmbio para manter as referências.“Por mais que eu seja pernambucano, eunão estou mais lá. Eles conseguem man-ter o sotaque”, diz o percussionista.
Som PróprioApesar do nome, a batucada do Rio
Maracatu não se resume ao ritmo per-
nambucano. Depois da fase inicial deaprendizado, os componentes começa-ram a usar um pouco de suas influênci-as próprias no som do grupo. Até por-que, segundo os componentes, não fa-ria muito sentido um grupo de mara-catu do Rio ser totalmente fiel às tradi-ções de um ritmo pernambucano. “Per-cebemos que poderíamos bater com abaqueta no aro ou tocar a alfaia comose fosse um surdo de samba. Tambémdá para fazer uma terceira de sambacom duas baquetas ou pegar um ritmocubano chamado conga de compasso,e fazer um arranjo. Começamos a botarrepique de samba no maracatu e tocaro djambê como se fosse um timbau dabatucada de samba reggae. Acabamosnos tornando um grupo de batucada,mas a formação instrumental é toda domaracatu. Quanto mais nos aprofun-damos, mais ganhamos liberdade paracriar. Podemos usar a viração da NaçãoEncanto da Alegria com a caixa doLeão Coroado, porque a gente já co-nhece e se sente à vontade para fazeressa mistura”, explica Tiago. O RioMaracatu também começou a fazer ex-periências com fraseados e polirritmias
Quando o Rio Maracatu recebeu o
convite para gravar o disco pelo selo Rá-
dio Mec, eles aproveitaram para colocar
em prática as idéias da banda Lapada.
O grupo experimentou outras sonorida-
des, como o uso de bateria junto com a
percussão e o uso de viola caipira para
as harmonizações. O uso da bateria de-
mandou muitas conversas com os bate-
ristas Rodrigo Scofield e Fernando
Jacutinga, que economizaram no uso de
peças e mudaram um pouco o jeito de
tocar. O guitarrista e violonista Cachaça
foi quem “achou” a viola caipira no som
da banda. O resultado é uma sonorida-
de equilibrada entre as exigências do
mercado e o uso de sonoridades de raiz
da música brasileira.
Lapada: disco e prêmio
A produção foi de primeira linha.
Gravado no estúdio sinfônico da Rádio
Mec, o disco foi produzido por Pedro
Luís e gravado e mixado por Renato
Alscher, com a colaboração de Carlos
Martau na última faixa, um pout pourri
de toadas. Lançado há cerca de um
ano e meio, o álbum ganhou o prêmio
TIM de Melhor Grupo Regional em 2007.
“Quando recebemos o convite da Rádio
Mec para gravar, já tínhamos o sonho de
desenvolver este trabalho. Eles largaram
a gente lá no estúdio e nos deixaram fa-
zer o que quiséssemos”, conta Bruno
Abreu. Vale destacar que a sala do estú-
dio da Rádio Mec é uma das maiores do
país, permitindo uma boa exploração da
sonoridade dos tambores.
Começamos a botarrepique de samba nomaracatu e tocar o
djambê como se fosseum timbau da batucada
de samba reggae.Acabamos nos tornandoum grupo de batucada
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em 12 por 8, por exemplo. “Os mestresdo maracatu dão a maior força pra gen-te”, acrescenta Bruno. Isso depois de mui-tas críticas no início, tanto de cariocas,que diziam que eles tinham de tocar sam-ba, como de pernambucanos – que nãoeram os mestres das nações –, que afirma-vam não ser algo bom cariocas tocandomaracatu. O grupo provou o contrário ecriou novas possibilidades de desenvolvi-mento da música brasileira, até mesmoajudando mais pessoas a fazerem música.“Começou como brincadeira, não sabía-mos que íamos tocar tanto tempo e formarpessoas. Na primeira vez em que fizemosuma oficina paga e havia 25 pessoas eupercebi que ia dar certo”, comemoraTiago Magalhães.
Adaptações técnicasAlém do desenvolvimento musical, o
grupo também procurou adaptar a sono-ridade dos instrumentos, tentando fazerum som mais “captável”. “Ninguémconseguiu gravar as características detimbre (do maracatu) como é na rua.
www.riomaracatu.com
Para saber mais
Patrícia Oliveira - Voz e percussão
André Bala Bala - Voz, flauta e pife
Lysia Leal - Voz
Cachaça - Viola caipira e cavaquinho
Pedro Costa - Violão
Bruno Abreu - Percussão
Tiago Magalhães - Percussão
Adriano Sampaio - Percussão
Chicote - Percussão
Rodrigo Scofield - Percussão
Alfredo Alves - Percussão
Eduardo Vilela - Percussão
Léo Araripe - Percussão
Bia Mauro - Percussão
Catita Feijó - Percussão
Mariana Avillez - Percussão
Marina Garcia – Percussão
Dançarinas
Aline Valentim
Clarice Kubrusly
Isabela de Castro
Sueli Biette
O Rio Maracatu é
Primeiro porque cada alfaia tem umaafinação diferente, até mesmo aleató-ria. Quando você ouve o maracatu narua, não é o som uniforme do samba”,comenta Tiago. Para shows em palco epara a gravação, a banda está começan-do a utilizar uma pele de alfaia com pe-los para abafar o som, até porque nãoseria possível captar a articulação dosfraseados de tambor com eles soandosem algum tipo de controle.
Quem agradece é o técnico Edu Baldi.Já há um ano e meio que ele viaja com abanda do Rio Maracatu. Edu já tinha al-guma experiência com instrumentospercussivos menos tradicionais nos palcosde quando trabalhava com a extinta ban-da Forroçacana, que tocava o chamado“forró universitário”. Ele é o responsávelpelo P.A. e o monitor. “É um som comple-xo, com bastante informação, mas as vo-zes têm que aparecer. A banda procuralapidar o som cada vez mais”.
A maior preocupação do técnico écom o local do show. O problema são osque têm muita reverberação. O técnicode som afirma que a sonorização da al-faia não é tão difícil. Ela pode até mesmoser feita com os famosos SM-58, mas eletambém gosta de usar o AKG D-112.Quanto aos periféricos, Edu tem usado osdas mesas digitais que se proliferam nospalcos do país.
Na mixagem de monitor o cuidadoespecial é com as vozes, porque há muitapercussão no palco. Edu toma cuidadocom o que manda para as vias dos canto-res. A banda tem um rider técnico queela manda para o contratante, além demapas de palco e produção. Edu já traba-lhou com Zélia Duncan e Emílio Santia-go, além de ter trabalhado em casas deshow como o People e o Ballroom, no Riode Janeiro.