25
ORGANIZADORES: Eliane Marta Teixeira Lopes Luciano Mendes Faria Filho Cynthia Greive Veiga  ANOS DE EDUCA~AO NO BRASIL

RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

Embed Size (px)

Citation preview

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 1/23

ORGANIZADORES:

Eliane Marta Teixeira Lopes

Luciano Mendes Faria Filho

Cynthia Greive Veiga

  ANOS DE EDUCA~AO NO BRASIL

a

 utentic

Belo Horizonte

  3

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 2/23

PRECEPTORAS

 L M s NO  R SIL

MARLYGON\=ALVESBICALHO RITZKAT

Como seria delicioso ser preceptora

Correr mundo come~ar vida nova agir

por mim pr6pria exercitar as minhas

faculdades ate entao desaproveitadas;

tentar a minha capacidade que eu

mesma desconhecia; ganhar 0 meu

sustento e mais alguma coisa para

ajudar e confortar meu pai minha mae

e minha irma. E depois como seria

agradavel a incumbencia de cuidar da

educa~ao de crian~as. Deliciosa tarefa

cultivar as plantinhas tenras

contemplar dia a dia os bot6es que

desabrocham

1

fJ

estido longo de mangas

compridas arrematado

no pesco<;opor uma fita cabelos pre-

sos ao alto por um coque fofo. No

rosto jovem de pele clara e delicada

os olhos denunciam um pensamen-

to distante na boca um sorriso dis-

creto e enigmatico. A mo<;a esta

sentada em meio as plantas do jar-

dim e no colo uma crian<;a gordi-

nha completa um quadro singelo

quase maternal.

Essa e Ina von Binzer nascida

em 3 de dezembro de 1856na Admi-

nistra<;aode Florestas Brunstorff em

Lauenburg na Alemanha.2 Filha de

um administrador florestal passou a

infancia em Friedrichsruh MoUn

Kiel e Schleswig em conseqiiencia

das freqiientes transferencias do pai.

Terminada sua educa<;aoescolar fez

exame de professora em Soest e final-

mente desembarcou no Rio de Janei-

ro em 1881 para assumir seu novo

cargo: preceptora. Fraulein Binzer ti-

nha apenas 22 anos. Formada profes-

sora havia aceito a tarefa de educar

os filhos de um rico fazendeiro no

interior do Rio de Janeiro. A precep-

tora aceitou 0 desafio de enfrentar 0

trabalho e a solidao em um mundo

estranho. Destemida assumiu a tare-

fa de transmitir as crian<;asbrasileiras

os prindpios da educa<;ao europeia

que havia recebido.

Ficou no Brasil ate 1883. De

sua vivencia deixou cartas ao todo

40 dirigidas a uma suposta amiga

- Grete - que ficara na Alemanha.

Sob 0 pseudonimo de UUa von Eck

narrou minuciosamente a sua vida

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 3/23

5 anos de educafao no Brasil

de IIprofessora ambulante ja que depois de uma tempora-

da em uma fazenda do Rio de Janeiro passou por urn cole-

gio de mo<;as deu aulas aos filhos de uma rica familia

paulistana e terminou sua aventura pedag6gica de volta em

uma fazenda IImorando entre cobras pretos no interior de

Sao Paulo.

As experiencias dessa preceptora certamente fazem par-

te de urn universo de vivencias compartilhadas por outras

tantas mulheres que tambem trabalharam como educadoras

em casas de familias brasileiras ricas. Muitas vezes trazia-se

para a casa dos abastados locais urna estrangeira que deveria

ajudar na tarefa de preparar as crian<;ase os jovens dessas

familias para uma vida mais culta e elegante em uma educa-

<;aonao-institucionalizada. Hospedava-se a estranha que ime-

diatamente se punha a elaborar programas e regras para as

crian<;as:aulas horarios metodos.

De sua existencia ninguem duvida as preceptoras fo-

ram uma presen<;a freqiiente nas casas das elites brasileiras

do seculo XIX presen<;aatestada por muitos viajantes estran-

geiros que percorreram 0 Brasiloitocentista pelos varios anUn-

cios publicados nos mais renomados jornais da epoca e pelas

mem6rias de seus ex-alunos.

Tambem nos livros de hist6ria da educa<;ao esta regis-

trado 0 papel dessas mulheres muitas vezes estrangeiras na

forma<;aodas crian<;asdas elites do Brasil. No entanto muitos

desses manuais reservam as preceptoras nao mais que algu-

mas palavras quando muito urn paragrafo. Reitera-se sua

presen<;ae a deficiencia da educa<;aofeminina num discurso

quase repetitivo. Afirma-se sua atua<;ao e ponto. Como se

fossem desnecessarios maiores esclarecimentos. Receio de

adentrar 0 interior das casas? Desinteresse pela educa<;aonao-

institucionalizada? Falta de informa<;oes?

Na verdade 0 desafio de recuperar elementos da pas-

sagem dessas educadoras pelo pais e tambem 0 desafio de

desvelar as estruturas do cotidiano domiciliar brasileiro do

seculo XIX urna vez que essas mulheres viviam e conviviam

nas casas das familias brasileiras.

Descortinar estruturas do cotidiano captar os papeis in-

formais embrenhar pelas tramas da organiza<;aoda casa e da

familia constitui tarefa dificil marcada por lIenormes difi-

culdades de documenta<;ao .3 Epreciso saber onde buscar

e como olhar cabe ao historiador estar alerta para 0 conteudo

 7

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 4/23

Preceptoras alemas no rasil Marly Gonralves icalho Ritzkat

implicito nas entrelinhas dos docu-

mentos. Poucas preceptoras deixaram

registro de sua passagem dai a im-

portancia do depoimento de Ina yon

Binzer para recuperar aspectosda edu-

ca<;aoe do cotidiano das elitesbrasilei-

ras em finsdo stkuloXIX por meiodos

olhos da vivencia e das memorias de

urna preceptora alema no Brasil.

SER PRECEPTORA:

MERCENARrA OU

MISSIONARrA DA EDUCA<;AO

A preceptora e por defini<;ao

urna mulher que ensina em domicilio

ou uma mulher que habita com urna

familia para fazer companhia e dar

aulas as crian<;as. Na memoria de

seus alunos apresentam-se as mais

divers as facetas da educadora: ami-

ga sensivel delicada mas tambem

professora incompetente sadica e

opressora impiedosa. Na literatura

sua presen<;a e igualmente marcada

por imagens arrogantes rigidas ob-

cecadas por regras pedantes mora-

listas mal-humoradas e pudicas; sao

tambem vistas como a pobre coita-

cla como aquele desamparado ser

feminino em urn mundo sem com-

paixao . andando de cabe<;a baixa

olhos voltados para 0 chao vestin-

do urn antiquado vestido de la; sao

ainda 0 perigo erotico que arrebata

paixoes destruindo lares amea<;an-

do a harmonia da familia. A profes-

sora arrogante e rigid a a pobre

coitada que evoca compaixao e a

sensual professora sao cliches que

tern ecoado pela historia e povoam

ate hoje 0 nosso imaginario.

As preceptpras representaram

no seu tempo urn novo tipo social

feminino ou seja a mulher que ba-

seia sua auto-estima na propria qua-

lifica<;aoprofissional. Elas parecem

nao ter sido uma raridade pois mem-

bros falidos da burguesia ou repre-

sentantes das camadas medias da

sociedade tinham de mandar suas fi-

lhas para 0 mercado de trabalho por-

que nao conseguiam alimentar ou

casar todas elas.

Assim as jovens oriundas da

aristocracia empobrecidas ou des-

providas da sorte do casamento fre-

qiientemente se empregavam como

preceptoras e governantas nas casas

de ricas familias. Uma ocupa<;ao

amarga marcada muitas vezes pela

explora<;ao e falta de reconhecimen-

to e contemplada raramente por urn

amor ou romance. 0 destino dessas

mulheres foi apropriado pela fic<;ao

de meados do seculo pass ado como

urn tema bastante frutifero. De fato

a fic<;aoutilizou-se da figura da go-

vernanta e da preceptora para criar

personagens que se tornaram conhe-

cidos em todo 0 mundo e sobretudo

as protagonistas dos romances ingle-

ses do seculo XIXpassaram a exercer

fascinio em seus leitores que se esten-

de ate os dias de hoje.

E

claro que nao

podemos deixar de mencionar as ir-

mas Bronte - Charlotte e Anne que

num mesmo ano 1847 publicaram

seus livros JaneEyre  preceptora

respectivamente. Os romances des-

crevem os problemas da profissao

de governantas e preceptoras e sao

em grande parte autobiograficos.

Anne Bronte assim como sua irma

271

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 5/23

SOOanos de educafao no Brasil

As cresC£ ntes

exigcncins de edllcn(iio

jel11illilln /e i.JnI nI11

cOlltrntn(iio de edllcndorns

pnrtiCli/nres pOl pnrte dns

ricns jnll/flins n/ell/lis.

Charlotte trabalharam como educadoras ern casas de familia.

As obras das irmas Bronti~tratam de uma realidade muito

freqiiente na Inglaterra do seculo XIX:

d

universe de gover-

nantas e preceptoras.

Janas primeiras decadas do seculo XIX familias de m-

vel medio - comerciantes e industriais - passararn a contra-

tar govemantas a exemplo da aristocracia inglesa que por seu

prestigio e

status

ainda requisitava as governantas e as pre-

ceptoras mais cultas e qualificadas. A par-

tir de 1830 houve uma superoferta de

governantas na Inglaterra e elas se vi-

ram for<;adas a procurar emprego nas

colonias: Australia India Africa do SuI.

o mercado de trabalho ingles para as mu-

lheres educadoras ja dava os primeiros

sinais de satura<;ao. Em 1851 havia na Inglaterra 21.000 mu-

lheres dedicadas as atividades de professora e govemanta a

maior parte delas era solteira.4

Mas afinal quem erarn essas mulheres que trabalhavarn

como govemantas e preceptoras? Quais as raz6es para sua con-

trata<;aopor parte das ricas farnilias?Qual era 0 seu salario?Que

forma<;aoescolar recebiam?Quais erarn os atributos apredados?

As crescentes exigencias de educa<;aoferninina levaram a

contrata<;aode educadoras particulares por parte das ricas fa-

milias alemas. As maes podiam ensinar as suas filhas as primei-

ras letras e a religiao alemdas tarefas domesticas. Para asdemais

disciplinas as meninas deveriam ser enviadas a uma escola ou

ensinadas dentro de casa por professores contratados. As gover-

nantas aparecem entao como colaboradoras da mae na tarefa de

educar os fillios mas exercem dentro da familia uma influencia

quase incondicional sobre as crian<;asa elas confiadas conce-

.dendo a mae urn papel apenas secundario na educa<;ao do-

mestica de suas filhas. 0 papel principal passa a ser assumido

pela  expert pedagogica : a preceptora. Se as mudan<;as no

conteudo da educa<;aofeminina levaram a contrata~ao de go-

vernantas pelas ricas familias por outro lado abriram as

mulheres urn campo de trabalho: a educa<;aodomestica.

Nem todas as mulheres se casavam logo depois da

puberdade algumas simples mente nao se casavam ou-

tras ficavam viuvas muito cedo. Para elas era natural que

custeassem seu proprio sustento com a ajuda da habilidade

e qualifica~ao adquiridas. No rigoroso modelo familiar do

272

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 6/23

Preceptoras alemas no rasil Marly Gonralves icalho Ritzkat

seculo XIX, pouco espac;o era reser-

vado as mulheres que nao cumpri-

am seu destino natural : casar. E

fora do lar e do casamento parecia

nao haver salvac;ao

Imposta, escolhida ou assumi-

da, a solidao das mulheres gera uma

vivencia cotidiana sofrida. No entan-

to, ha.muitas mulheres solihirias no

seculoXIX.Na Franc;a,0recenseamen-

to de 1851revela que as solitarias so-

mavam 46% das mulheres acima de

50 anos, corn 12% de solteiras e 34%

de viuvas.5 Fatores sociais e demogra-

ficos tambem geraram urn aumento

de mulheres solitarias na Inglaterra.

A migrac;ao masculina para as colo-

nias inglesas e as guerras contribuirarn

para que ern 1851houvesse urn exce-

dente de 365.159mulheres.6 Estaria ai

a fonte de govemantas e preceptoras?

As preceptoras e govemantas eram

freqiientemente recrutadas nas fami-

lias burguesas arruinadas por algu-

ma desgrac;a, filhas de pequenos

funcionarios, 6rfas, viuvas ou ainda

provenientes de familia numerosa:

Muitas familias das camadas me-

dias nao podiam se permitir ali-

mentar mais uma pessoa que nao

contribuisse para a renda da casa.

Filhas e viuvas de pastores, funcio-

narios publicos e eruditos se senti-

ram cada vez mais cobradas em

conseguir urn trabalho foradecasa.7

As preceptoras nao precisa-

vam ter qualquer preparac;ao profis-

sional para 0 desempenho de suas

atividades, mas a apresentac;ao de

urn diploma elevava suas chances no

mercado de trabalho. Alem disso, as

escolas de preparac;ao de professoras

desempenhararn urn importante pa-

pel na intermediac;ao de empregos:

Apenas Karl Bormann, diretor do

Real Instituto de Forma~ao de

Professoras e Educadoras (K6ni-

glischen Bild ungsanstalt fUr

Lehrerinnen und Erzieherinnen)

mediou, entre 1845e 1850, anual-

mente, 50 ate 60 educadoras nas

familias, e mais tarde 100ate 125.8

A segunda metade do seculo

XIX assistiu a urn grande desenvol-

vimento da profissao de educadora e

preceptora corn a extensao do siste-

ma publico de ensino medio para

moc;as e a fundac;ao de numerosos

institutos privados de formac;ao de

professoras. Diversos fatores propor-

cionaram essa nova realidade no cam-

po profissional feminino. Cresceu a

pretensao dos pais corn relac;aoa edu-

cac;aode suas filhas, e havia cada vez

mais moc;as que nao apenas presta-

vam as provas para professora, mas

que queriam tambem usufruir da qua-

lificac;aoconquistada. Assim, cadavez

mais mulheres entraram no mercado

de trabalho, e 0 magisterio foi a pro-

fissao feminina mais escolhida.

No seculo XIX, 0 mercado de

trabalho toma-se mais competitivo;

alem da utilizac;ao da mediac;ao de

terceiros e das escolas de formac;aode

professoras na busca de empregos,

toma-se habitual a procura de colo-

cac;ao por meio de anuncios de jor-

nais e revistas. 0 grande numero de

anu.ncios publicados ern diversos pe-

ri6dicos alemaes da uma ideia da di-

mensae do mercado de preceptoras

na Europa e mesmo no exterior. Nos

anuncios publicados na imprensa

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 7/23

5 anos de educarao no Brasil

  nrias

edllcadoras

alemas

qlleixavam se

de terem

sido tratadas par sells patroes

como simples crindns

alema9 procurava-se sobretudo as preceptoras que alem dos

conhecimentos escolares normais pudessem ainda dar aulas

de frances ingles e musica. Professoras diplomadas e gover-

nantas estrangeiras tambem publicavam seus anuncios pro-

curando destacar especialmente seus conhecimentos de

linguas e musica

Oesde 0 seculo XVIII as mulheres alemas foram para a

Russia a Fran\a e a Inglaterra para ensinar filhos de ricas fami-

lias locais e a partir do seculo XIXos des-

tinos tornaram-se mais ousados e distantes:

Romenia Croacia Hungria Chile Brasil

Egito Uruguai Australia oeste dos Esta-

dos Unidos e quando as permitiam Japao

e India. As chances no mercado de traba-

lho dependiam tambem da realidade politica. 0 aparelho colo-

nial na India por exemplo fiscalizava a escolha de preceptoras

para crian\as nobres e as educadoras francesas e alemas quase

nao tinham chances de serem contratadas.

Munidas de coragem e determina\ao as mulheres

aventuraram-se por lugares longinquos na esperan\a de po-

der economizar urn born dinheiro que lhes assegurasse uma

velhice tranqiiila na certeza de cumprir seu papel e como

 sacerdotisas de Minerva trabalhar para ati\ar e manter 0

fogo da cultura. lo

Mas a realidade muitas vezes era marcada por frustra-

\oes e sofrimentos: varias educadoras alemas queixavam-se

de terem sido tratadas por seus patroes como simples criadas

outras foram ingenuamente enganadas com promessas de tra-

balho e fortunas faceis e se viram diante de serias dificulda-

des financeiras em urn pais estranho com muitas dividas e

nenhum apoio.

Apesar de todas as advertencias as educadoras continua-

yam determinadas a trabalhar em outros paises onde afinal as

ofertas de emprego eram muito mais atrativas que na propria

Alemanha e os salarios muitas vezes mais altos.

Analisando os anill1cios de jornal e as intermedia\oes

realizadas por agencias especializadas na aloca\ao de gover-

nantas e preceptoras observa-se que a maior parte dessas me-

dia\oes e anuncios diz respeito a preceptoras e entre elas

prevalece a mulher evangelica que prestou 0 exame de pro-

fessora com menos de 27 anos e com conhecimento de lingua

estrangeira e muska.

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 8/23

Preceptoras alemas no Brasil Marly Gonfalves Bicalho Ritzkat

Ina von Binzer pode ser encai-

xada nesse perfil de preceptora : 25

anos (nasceu em 3/12/1856), evan-

gelica, diploma de professora e co-

nhecimentos de ingles, frances, ale-

mao e piano.

Sua trajet6ria e talvez parte de

uma trajet6ria comum a tantas outras

preceptoras alemas no seculo XIX:a

vida escolar, os anos no internato, 0

exame para professora e, finalmente,

a ida para 0 exterior.

Assim como Ina von Binzer,

outras tantas mulheres estrangeiras

tambem escolheram 0 Brasil para tra-

balhar como educadoras. A realidade

das preceptoras no pais foi observada

por alguns viajantes es rangeiros

que estiveram no Brasil, sobretudo

na segunda metade do seculo XIX.ll

A ins trw;ao particular das meninas

paulistas, assim como em outras pro-

vincias do Brasil, comec;avano lar. Se

nas primeiras decadas do Imperio ain-

da era pequeno 0 numero de profes-

soras particulares estrangeiras que

se encarregava da instruc;ao das fi-

Ihas das ricas familias brasileiras, na

segunda metade do seculo XIX, as

preceptoras ja faziam parte da rea-

lidade das elites brasileiras.

Em SaoPaulo, aMmde Ina von

Binzer, Fraulein Harras e Fraulein

Meyer foram tambem educadoras

alemas que atuavam na cidade e, ain-

da, Ida Bausch (1856-1915), Anna

Valerie von Bethge (1858-1914)e Hil-

degard Maria Schroder (falecida em

1936). Em 1878 trabalhavam como

preceptoras as senhoras Umland,

Mina Fischer e Fustenau (de Eutin),

esta ultima tendo trabalhado junto as

familias Prado e Ernesto Ramos.

Tambem Fraulein Rilling (falecida em

Erfurt em 1931) serviu na familia do

Conselheiro Antonio Prado, e Frau-

lein Bertha Mouton (de Hamburgo,

1853-1933) viveu como preceptora

durante muitos anos com a familia

Amaral de Souza. Bertha Wegner

(Redinger de nascimento) tambem

chegou em Sao Paulo como precep-

tora contratada pela familia Pereira

Queiroz. Anos mais tarde, depois de

trabalhar por algum tempo como pre-

ceptora eprofessora contratada em co-

legios, fundou sua pr6pria escola na

cidade de Sao PauloY

as freqilentes anuncios publi-

cados nos jornais paulistanos soli-

citando profess ores com imensa

capacidade e inumeras perfeic;6es 13

sac sinais daros do desejo dos pais

de oferecer uma educac;ao esmerada

a seus filhos. No

CorreiaPaulistano 4

ha varios anuncios em que familias

abastadas procuravam professor(a)

habilitado(a) para 0 ensino e a forma-

c;aode seus filhos. Apenas dois deles

pediam urn professor, os demais pre-

feriam deixar tal tarefa sob a respon-

sabilidade de mulheres. Do total dos

anuncios encontrados, 75% solicita-

vam tais professoras para 0 interior

da provincia:

PROFESSORA

Precisa-se uma professora para

ensinar piano e algumas outras

instruc;6es, em uma fazenda no in-

terior desta Provincia, para maio-

res informac;6es em casa de H. L.

Levy, Rua da Imperatriz 34.15

Tambem nos anUncios em que

professoras se ofereciam para lecionar

 7

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 9/23

  anos de educafao no Brasil

Farnaia Silva

Prado.

A esquerda

Martinho da Silva

Prado que

contratou a

preceptoraalernii

Ina Von Binzer

para cuidar

da educa iio de

seusJilhos.

em casas de familia, 0 adjetivo estrangeira , sobretudo ale-

ma , aparece ressaltado, atestando, quase por si 56, a compe-

tencia das educadoras. Ao lado desse qualificativo outro

aparece tambem com bastante freqiiencia: 0 de senhora . Tal-

vez para sossegar as esposas frente a amea<;a dessas perigosas

intrusas seduzirem seus maridos.

PROFESSORA

Uma senhora ingleza ensina a fallar inglez, francez, allemao e 0

portuguez; ensina tambem piano, cantoe dezenho; desejando en-

sinar emcasade familia.Traz consigoexcellentesrecomenda~6es.

A pessoa que a desejar pode dirigir-se a Miss Mary Beaver,

rua do Amador Bueno n. 9.16

Por vezes, aparecia ainda 0 qualificativo viuva , qua-

se como sinonimo de decencia e pudor. Para comprovar a

honradez de sua conduta, a preceptor a tinha ainda cartas de

recomenda<;ao das famllias em cujas casas trabalhou.

Uma senhora allema, ensinando francez, inglez, allemao, as-

sim como geographia, historia, arithmetica, etc. procura urn

lugar de professora em casa de uma familia de tratamento,

preferindo viver n uma fazenda. A mesma senhora e pro-

vecta professora de desenho e pintura, de musica e trabalhos

de agulha.

E

viuva, e tern em seu abono attestados de familias

de imporHincia. Para mais informa~6es dirigir-se ao illm. sr.

dr. Schaumann, e ao colegio Morton, rua da Consola~ao.17

Em torno das preceptoras e governantas criou-se urn

imaginario de rigor e sedu<;ao, disciplina e insinua<;oes. Afi-

nal, como podemos esquecer da er6tica Elza, a Fraulein

276

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 10/23

Preceptoras alemas no Brasil Marly Gonfalves Bicalho Ritzkat

rigorosa, disciplinada,pontual e instru-

Ida da fic<;aode Mario de Andrade?18

Ninguem nega as preceptoras 0

direito de procurar urn marido, desde

que essa escolha nao incluisse 0 pai ou

os irrnaos de suas alunas. Preceptores,

inspetores de ensino e outros empre-

gados poderiam flertar corn a precep-

tora da casa, mas para 0 patrao e seus

filhos a ficticia filha mais velha era

urn tabu como arnor ou objeto sexual.

Esperava-se das preceptor as,

aMmde todas as habilidades pedag6-

gicas, tambem urna conduta irretoca-

vel, afinal os pais preocupavam-se,

sobremaneira, corn a conduta moral

daquela que iria instruir suas filhas e

conviver ern suas casas.Tal preocupa-

<;aose revela no anUnciopublicado no

Jornal do Commercio de 1882:

Para completar a educac;aointellec-

tu~l e moral de uma menina cuja

familia reside n'um arrebalde des-

ta corte, precisa-se de uma senhora

respeitavel para leccionar linguas,

mu.sicae desenho: offerece-setodas

as commodidades na casa da fami-

lia da educanda onde ten que resi-

dir e vantajoso ordenado.19

Uma rigida moral pairava 50-

bre as preceptoras, procurando res-

tringir seus contatos corn os homens

da casa onde trabalhava. A experien-

cia de Fraulein Meyer como precep-

tora perrnitia-lhe aconselhar a novata

Ina yon Binzer:

o Sr. Costa foi muito atencioso e

conversou comigo; mas em geral,

como diz Fraulein Meyer com

muito espirito, nos europeias de-

vemos considerar 'cortesia' da par-

te dos homens brasileiros, quando

nao nos dao atenc;ao.20

Mas nem tudo eram flores na

vida dessas mulheres; governantas e

preceptoras viviam dolorosamente a

contradi<;ao entre os valores atribui-

dos a sua educa<;aorefinada e as fun-

<;oesque se viam obrigadas a exercer:

Atingida pelo destino (morte do

pai, ruina familiar), e uma burgue-

sa necessitada cujo trabalho se tor-

na 'prostituic;ao' de sua educac;ao.21

Se 0 celibato ja significava para

as mulheres uma humilha<;ao, elas

viam seu prestigio social cair ainda

mais diante da necessidade de tra-

balhar para ganhar a vida, pois 0

trabalho remunerado poderia signi-

ficar para aquela sociedade perda

de status social.

Afinal, quanto ganhavam as

preceptoras no Brasil? Ina yon Bin-

zer queixava-se corn freqiiencia de

seu salario. Desiludida e cansada, a

preceptora. alema sonhava ern conse-

guir as trinta libras para sua passa-

gem de navio ate Hamburgo:

Conto-lhe isso como

exemplumtra

gicum

para uso de todos os que se

deixam seduzir com ofertas de 4 a

5.000 marcos de ordenado. Alias,

receberei agora apenas 3.000.Mas

coragem nao me falta, Grete 22

Na revista Daheim aparece, ern

1882, 0 seguinte anUncio:

Uma aristocratica familia de Sao

Paulo (cidade saudavel e sem ma-

laria) no Brasil procura uma edu-

cadora com idade de 22 a 30 anos,

alem da habilidade de dar aulas

nas materias comuns espera-se

uma habilidade especial para mu-

sica. Moradia livre e mais 1.450

marcos de salario fixo e uma outra

 

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 11/23

SOOanos de educa~o no Brasil

oportunidade de ganhar mais de 2.000 marcos com aulas de

mUsica.Tarde livre e adiantamento para os custos da viagem.

C6pia dos diplomas e fotografia.23

o salario fica bem abaixo dos 3.000 marcos mencio-

nados por Fraulein Binzer, alem disso, os custos da viagem

nao seriam reembolsados, de modo que a preceptora deve-

ria trabalhar os primeiros meses apenas para pagar 0 em-

prestimo recebido para as despesas de viagem. Mas ainda

assim os salarios no Brasil se mostram bastante convidati-

vos comparando-se com outros paises - Hungria, 800 a

1.000marCOSiEspanha, 1.200 a 1.600marCOSiUruguai, 1.500

marcos, incluindo a passagem de ida e volta de navioi ou

ainda a Australia, onde 0 salario poderia, excepcionalmen-

te, atingir 2.400 marcos. Essa talvez fosse uma das razoes

que faziam do Brasil um pais atraente para as preceptoras

estrangeiras.24

Mas pagar urna professora particular era um luxo per-

mitido a poucos.

E

Ina yon Binzer quem nos revela tal reali-

dade privilegiada de alguns fazendeiros ao desabafar para a

amiga Grete a profunda solidao e a angu.stia de viver em um

pais tao estranho:

Minha ma estrela determinou que s6 haja crianc;as crescidas

nas fazendas onde por acaso poderiamos chegar; mas seus pais

saD ta~ modestos que nao podem manter nenhum professor

aqui. Sendo assim, sou eu a Unica na regiao, 0 Unico tradicio-

oal peito sentimental. As vezes choro de desespero, mas sob

nenhum pretexto voce conte isso a mamae 25

Nao apenas na fic<;aoou nas memorias das govemantas

era abordado 0 problema da solidao entre estranhos, que as ve-

zes era atenuado por urna vida familiar artificial . 0 desejo por

esse convfvio familiar era expresso pelas candidatas em anUn-

cios publicados nos jomais. Assim 0 fez urna jovem alema que,

em 1883,mandou publicar urn anUnciono

KOlnischeZeitung

Jovem culta, cat6lica, de familia fina, procura uma coloca-

c;aode auxiliar e governanta da dona de casa. 0 salario nao

sera exigido em troca da condic;ao de ser tratada como pes-

soa da familia.26

Tambem no Brasil aparece nos jornais da epoca a proble-

matica da convivencia familiar reivindicada pelas govemantas

e preceptoras. Em urn anUncio publicado no Jomal do Com

mercia

de 1882,urna professora procura coloca<;ao

em casade

  8

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 12/23

Preceptoras alemas no rasil Marly Gonralves icalho Ritzkat

.itt )ig

 ifbagogir~t embr~m Jtn

I.'- .

  t .......

-

8 1..I...h I . ,.,..

'....

Pagina de Tosto do manual de didtitica alemiio

IItilizado pOT Ina von inzer

familia, ressaltando seu desejo por

uma convivencia afetuosa em detri-

mento, ate mesmo, de seu salcirio:

PROFESSORA

Uma senhora solteira de afianc;a-

da conducta e com alguma pnitica

de leccionar precisa achar uma

casa de familia que tenha crianc;as

para aprender instrucc;aoprimaria.

Nao faz questao de ordenado mas

quer ser tratada como pessoa da fa-

milia. A quem convier dirija-se em

carta ao cartorio desta folha com

as iniciais D.M.A.27

Em grande parte dos an1incios

publicados em jomais e revistas na

Alemanha, as educadoras procuram

ressaltar seus qualificativos e habili-

dades pedag6gicas, atestando-os com

o certificado de professora adquirido

ap6s a realiza~ao de provas pubIicas.

Nao e fortuita a preocupa~ao

das candidatas em atestar suas habi-

Iidades pedag6gicas. 0 diploma de

professora passa a ser algo cada vez

mais valorizado e exigido na Alema-

nha dos fins do seculo XIX.Assim, as

familias que pretendiam contra tar

preceptoras, muitas vezes, colocavam

o diploma como uma exigencia:

Procura-se educadora diplomada

para cuidar de uma menina de 8

anos, com exigencias modestas,

para contratac;ao imediata.28

A profissionaliza~ao do traba-

 ho das educadoras na Alemanha pa-

rece ter inHuenciado tambem a

atividade das preceptoras no exte-

rior. No Brasil dos fins do seculo XIX,

o diploma de professora passa a ser

algo bastante valorizado para a en-

trada no mercado de trabalho. Em

an1inciopublicado no

CorreioPaulis

tano

prOCura-se ressaltar a forma<;ao

profissional da candidata:

UMA PROFESSORA

Approvada em Allemanha, dese-

ja empregar-se em casas de fami-

lia e collegios para leccionar as

seguintes materias: conversac;ao e

gramatica do francez, inglez e al-

lemao, piano, desenho, pintura

em aquarella e oleo; historia, geo-

graphia e artithmetica.

Informac;6es pelo diretor da esco-

la Alleman.29

EM BUSCA DE UMA

EDUCA~AOESMERADA

Ina yon Binzer tinha apenas 22

anos quando chegou ao Brasil em

1881.Mo~a alema, Ina trazia consigo

toda uma bagagem pedag6gica ad-

quirida durante anos nos colegios da

Alemanha, onde se formou professo-

ra. 0 exame oficial de professora e

79

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 13/23

500 anos de educar§o no Brasil

decorrente certificado recebido eram provas incontestaveis

de sua instrumentaliza<;ao pedagogica.

Fraulein Binzer desembarcou aqui trazendo malas, so-

nhos e muitos pIanos. Debaixo do bra<;o,urn manual de di-

datica alemao: 0 livro do Bormann, sua Biblia pedagogica .

A germanica preceptora tinha plena confian<;anos conselhos

do inseparavellivro, tanto que:

Durante a viagem, quando me assaltava 0 receio de nao

chegar a urn entendimento com os meus alunos brasilei-

ros, lembrava-me sempre do livrinho prestimoso, entre meus

apetrechos de viagem, e sentia-me logo mais calma, dizen-

do-me 'fa<;aassim'.30

  pou n ntellr;iio

dispel1sndn iI eduenr;iio dns

l1lulheres 110Brasil

surpreel1deu Illuitos vinjnlltes

estrallgeiros que nqui

estiveral l 110seeulo XIX

Ina von Binzer, assim como outras tantas educadoras

alemas que viveram e trabalharam no Brasil no sEkulopassa-

do, fora convocada pelas elites do pais, que procuravam nes-

sas educadoras estrangeiras a certeza de estar oferecendo a

seus filhos uma educa<;aodiferenciada.

Contratada como preceptora, Fraulein Binzer assumia

a responsabilidade pela educa<;aode todos os filhos da fami-

lia, que com idades diferentes exigiam da professora grande

esfor<;o.Geralmente dividia seus alunos em dois grupos: 0 dos

 pequenos e 0 dos grandes , de modo a adequar os conteu-

dos ao myel de cada um, desdobrando-se para cumprir a car-

ga de atividades e aulas. Os meninos recebiam em casa apenas

as primeiras letras, pois tao logo seriam enviados aos colegios

para serem educados. Algumas familias mais abastadas pre-

feriam enviar os filhos para a Europa na certeza de estar lhes

oferecendo a melhor forma<;aopossive .

De fato, em duas das familias pelas quais Ina von

Binzer fora contratada como preceptora, os filhos mais ve-

lhos ja estudavam na Europa: 0 filho do

Dr. Rameiro recebia sua forma<;ao na

Fran<;a,enquanto 0 Unico filho do fazen-

deiro paulista Sr. Souza era educado na

Alemanha.31 Quanto as meninas, recebe-

riam primeiro das maes e depois da pre-

ceptora toda a ed uca~ao que Ihes era

devida. Destinadas a desempenhar os papeis prescritos pela

sociedade as mulheres, a elas era reservada uma educa<;ao

cuidadosamente dosada. Os padroes morais no que diz res-

peito a educa<;aofeminina eram bastante rigorosos, muito bem

sintetizados no proverbio portugues:

280

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 14/23

Preceptoras alemas no rasil Marly Gonralves icalho Ritzkat

Urna mulher e bastante instruida,

quando Ie corretamente as suas

ora<;oese sabe escrever a receita de

goiabada. Mais do que isso seria

urn perigo para olar.32

A educa~ao feminina geral-

mente se limitava aos dominios do lar

com a contrata~ao de professoras par-

ticulares encarregadas de completar

a educa~ao ja iniciada pelas maes.

Quando enviadas a algum colegio,

sua permanencia se restringia a al-

guns poucos anos, pois tao logo en-

travam na puberdade ja eram

consideradas pelos pais prontas

para 0 casamento. A pouca aten~ao

dispensada a educa~ao das mulheres

no Brasil surpreendeu muitos viajan-

tes estrangeiros que aqui estiveram

no seculo XIX.Elizabeth Agassiz cri-

tica 0 nivel de ensino das escolas fe-

mininas, pouquissimo elevado , e 0

pouco tempo de permanencia das

meninas na escola, ja que aos 13 ou

14 anos os estudos saDdados por ter-

minados, 0 casamento as espreita e

nao tarda em toma-Ias .33

Tambem Ina von Binzer indig-

nava-se diante da resistencia por par-

te das familias ricas em mandar suas

filhas para os colegios. Para ela, esta-

va

ai

a razao principal para a estra-

nha sociedade do Brasil ser a menos

educada ou a mais selva gem que se

pode encontrar. 34

E diffcil captar 0 conteudo do

ensino propos to pela preceptora. Al-

gumas pistas apontam para a impor-

tancia dada as linguas estrangeiras:

As li<;oesrninistradas por Made-

moiselle erarn todas em frances e

alemao. Dindinha, dotada de ex-

celente ouvido musical, ensinava

piano e portugues. Pobre verna-

culo Enquanto a Gramatica Fran-

cesa era decorada a fundo, limita-

va-se 0 ensino de portugues a

minguados estudos no pequeno

volume da Enciclopedia.35

A importancia da lingua fran-

cesa pode ser verificada nao apenas

pelo nttmero de aulas dessa lingua,

mas tambem pela utiliza~ao do fran-

ces na comunica~ao da preceptora

estrangeira com seus alunos brasilei-

ros, experiencia vivenciada tambem

por Ina yon Binzer:

Atravessamos penosamente a

aula de alernao, sempre com 0 au-

xilio do frances, que ainda e 0 me-

lhor recurso, porque quando

corne<;arna falar em alernao, nao

entendo patavina.36

De fa to, 0 frances pare cia

mesmo ser a lingua de conversa~ao

dos drculos mais abastados daque-

la sociedade. Em suas memorias,

Maria Paes de Barros lembra que

todos na casa, grandes e pequenos

falavam frances.  37 Tal realidade

tambem e atestada por Ina yon Bin-

zer ja em sua primeira carta envia-

da a amiga Grete:

Parece que nao existem quase bra-

sileiros que nao falem frances, em-

bora alguns deles possuam apenas

uma vaga no<;aosobre 0 pais a que

essa lingua pertence, ignorando

rnesmo que existem mais algumas

cidadezinhas alem de Paris.38

Com 0 passar dos dias, a precep-

tora foi percebendo que 0 frances era

mesmo a lingua de conversa~ao diaria

281

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 15/23

S anos de educafio no rasil

dentro da casa nas aulas como na mesa s6 se fala frances e

com os pretos portugueS... 39

Frances alemao e ingles eram as disciplinas mais men-

cionadas em anUncios de professores nos jornais da epoca

seguindo-se: geografia desenho piano mUsica trabalhos ma-

nuais aritmetica hist6ria e s6 entao 0 portugues. Tambem

os anUncios de colegios para mo~as procuravam ressaltar 0

ensino de linguas estrangeiras como parte importante da edu-

ca~aofeminina da epoca tanto que alguns colegiosmantinham

em seu quadro docente professoras estrangeiras cuidando es-

pecialmente do ensino dessas disciplinas como e 0 caso do

 Colegio Brasileiro :

Com 0 fim de tomar familiar as allunas a pratica das linguas

estrangeiras 0 collegio tern sempre como intemas pelo menos

uma professora franeeza uma ingleza e uma allema aMmdas

professoras nacionaes adjuntas.40

o piano aparece no imagimirio da epoca com grande

destaque. lmimeras sao as pinturas ou passagens literarias onde

as m~as esenhoras casadas estao junto ao instrumento. A gran-

de moda do piano inicia-se em 1815 depois que a harpa 0 vio-

loncelo e 0 violao corne~aram a parecer indecentes. 0 piano

passa entao a ser considerado urn instrumento refinado rno-

ralmente adequado e tocar bem piano estabelece urna reputa-

~aojuvenil demonstra publicamente urna esmerada educa~ao.

Mais do que urna moda do seculo XIX tocar bern piano

era de fato 0 meio mais convincente de exibir-se em socieda-

de e fazer urn born casamento. Em fins do seculo passado a

Alernanha possuia cerca de 424 fabricas produzindo cerca de

73 mil pianos por anoY

Pelas casas que Ina yon Binzer passou as aulas de pia-

no faziam parte da rotina diaria de estudos obrigando a pro-

fessora a lecionar cinco aulas desse instrurnento por dia. Alias

a carga de aulas era grande 0 que causava na jovern precep-

tora urn profundo cansa~o:

Aqui as aulas SaDdas sete as dez; depois vem 0 almoc;oquen-

te pelo qual Madame Rameiro nos faz esperar inutilmente

ate as dez e meia de maneira que nao posso sair porque

logo ap6s 0 ultimo bocado tenho de voltar as aulas. Prosse-

guimos ate a uma hora quando temos entao trinta minutos

para 0 lanehe; a uma e meia eomec;amas aulas de piano que

vao ate as cineo quando servem 0 jantar.42

282

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 16/23

Preceptoras alemas no rasil Marly Gonfalves icalho Ritzkat

A preceptora alema se surpre-

endia diante da ansia por parte dos

brasileiros em ocupar 0 dia inteiro

com aulas e ironizava, afirmando:

 as brasileiros querem engolir cultu-

ra as colheradas.43

Mas nao era apenas a sobrecar-

ga de aulas que atormentava a jovem

educadora. As crian\as brasileiras

ma1criadas e rebel des abalavam os

nervos da germanica educadora Ina.

As crian\as eram travessas , apa-

ticas , terriveis , malcriadas ,

 mal-ed ucadas , exemplos de rebel-

dia , barulhentas , e para 0 terror

disciplinar eram impontuais E os

pais nao se incomodavam, em abso-

luto, com 0 comportamento das crian-

\as, 0 que the causava profunda

estranheza. A preceptora alema sen-

tia-se atordoada diante da rebeldia de

seus alunos romanos :

Meus atuais substratos de discipu-

los sac realmente perfeitos exem-

plos de rebeldia e somente em

Lavinia atenuou-se essa tendencia

peculiar a familia, inc1inando-a

para uma adonivel docilidade.

Com os meninos encontro-me em

posi~ao dificil, pois mais uma vez

os dois irmaos se atracaram na

aula sem que eu pudesse intervir.

Se um deles da uma resposta er-

rada, 0 outro intromete-se corri-

gindo-o com vivacidade, ao que 0

primeiro reage mais rapido que

um raio, a golpes de regua; e as-

sim, inicia-se uma seria desaven-

~a e nao uma simples rusga, que

para mim nao e nada facil apazi-

guar rapidamente.44

Diante da indisciplina incon-

trolavel de seus alunos, a educadora

alema resolve entao enrijecer seus me-

todos e expulsa 0 mais mo\o da sala.

Tranqilila ela escreveu que fez: 0 que

me parece ser 0 meio mais pratico .45

Tamanha convic\ao nao encon-

tra respaldo nos ensinamentos do pe-

dagogo alemao Karl Bormann, que

questiona a validade da expulsao do

aluno da sala como metodo de puni-

\ao, pois, ao faze-Io, 0 professor fica

impossibilitado de observar esse alu-

no. Alem disso, 0 autor ressalta que,

quando 0 proprio professor tira 0 alu-

no do ensino, nao pode ele esperar de

seus alunos a conscientiza\ao da im-

portancia da presen\a assidua na es-

cola. Porem, 0 mais grave para 0

pedagogo e 0 fato de que essa atitude

prejudica 0 aluno, e esse e 0 limite da

autoridade do professor:

Existe uma incerteza em rela~ao

a dor que 0 aluno sente ou nao,

mas existe a certeza que nos 0

prejudicamos. Nos tiramos ele da

aula e com isso deixamos um bu-

raco no seu ensino.46

as disdpulos romanos eram

o terror da germanica preceptora,

exigindo que ela recorresse aos mais

 variados recursos pedagogic os para

tratar com eles .47Foi, no entanto, di-

ante da indiferen\a dos pais em rela-

\ao ao comportamento das crian\as,

atribuida aos metodos republica-

nos adotados pelo pai, que a pro-

fessora resolveu adotar metodos

disciplinares certamente condenados

pelo lllivrinho prestimoso . Recean-

do ser condenada tambem por Gre-

te, Ina yon Binzer escreve, quase a

pedir a cumplicidade da amiga:

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 17/23

  anos de educafao no Brasil

Mas quanto ao Bormann, Grete, como voce esta vendo, ele

nao tinha preparo para lidar com crian~as brasileiras de edu-

ca~ao republicana 48

 

que IW Alel lal w em

vergollllOso foi tOl lado pelos

alllllOs brasileiros COIIIOWIlli

deliciosa bril cadeira

As diferen\as de concep\oes e ideais pedagogicos da

professora alema em face das exigencias do parecer ser das

camadas abastadas brasileiras sac reveladoras da tensao exis-

tente no encontro / convivio do eu alemao e do outro bra-

sileiro: Nao consigo habituar-me a este ensino superficial;

mas quando come\o a aprofundar-me e ainda pior. 49

Ina yon Binzer tinha dificuldade em se adaptar ao uni-

verso pedagogico brasileiro. A temporada que passou no co-

legio de mo\as no Rio de Janeiro deixou a pobre educadora

atordoada: a falta de pontualidade, a ausencia de urn progra-

ma de estudos, a dificuldade de suas alu-

nas em aprender alemao e ingles, 0

reduzido numero de salas disponiveis-

o que a obrigava a dividir urn mesmo co-

modo com outra professora, de modo que

de urn lado urn grupo de alunas decla-

mava poesias portuguesas e, de outro, a germanica Ina tenta-

va explicar as declina\oes da lingua alema. 0 pessimo

rendimento que obtinha com suas alunas levava Ina yon Bin-

zer a questionar sua propria capacidade pedagogica:

Acho sinceramente que sou pessima professora Nao aprendem

nada comigo e, se houver inspetores escolares por aqui, vou

ficar desmoralizadissima.50

Isso sem falar na indisciplina e na improvisa\ao Tudo

lhe parecia urn caos E confessa a amiga, se desculpando:

Creio que 0 proprio Bormann nao saberia muitas vezes como

agir aqui. Sinto-me desnorteada entre tantas coisas inatingiveis

mas patentes e sempre presentes.51

Os erros que por vezes cometia querendo educar as

crian\as brasileiras utilizando 0 padrao disciplinar germani-

co e revelador daquele olhar que aprisionava as diferen\as

entre 0 eu e 0 outro .

Vale a pena lembrar 0 episodio do castigo aplicado pela

professora alema. Certa vez, para conter seus alunos irrequie-

tos, a preceptora ordenou que a classe se levantasse e se sentas-

se cinco vezes. 0 que na Alemanha era vergonhoso foi tornado

pelos alunos brasileiros como uma deliciosa brincadeira.

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 18/23

Preceptoras alemas no rasil Marly Gonralves icalho Ritzkat

Desde entao Ina resolveu aban-

donar definitivamente seu manual,

reconhecendo ser indispensavel ado-

tar-se urna pedagogia brasileira e

nao alema, calcada, segundo ela, nos

moldes da terra e adaptada ao cara-

ter do povo e as condi<;oesde sua vida

domestica. E assim ela registrou ern

suas mem6rias:

As crianc;asbrasileiras, em absolu-

to, nao devem ser educadas por

alemaes; e trabalho perdido, pois

o enxerto de planta estrangeira que

se faz a juventude daqui nao pe-

gara ...)nao nos entendemos

- fa-

lamos decidida e psiquicamente

uma lingua estranha, 0 que me tor-

na a vida extremamente desagra-

davel por ca.52

o manual de didatica a que Ina

yon Binzer tantas vezes se refere,

Quarentacartaspedag gicasoi es-

crito por Karl Bormann ern 1859.53

Professor de mab~rias pedag6gicas

durante muitos anos ern varios insti-

tutos de forma<;aode professoras na

PrUssia, Bormann estava convencido

acerca da maior aptidao das mulhe-

res para 0 magisterio, comparando-

se com muitos homens possuidores,

do que ele denominava pedagogia

da palmat6ria . Assim, escreve suas

Quarenta cartas pedag gicas

dirigin-

do-se, preferencialmente, as mulhe-

res, tanto que trata seus leitores de

 minhas senhoras .

Dividido ern tres partes: 0

professor , 0 ensino e A educa-

<;ao ,0 livro tern como preocupa<;ao

central 0 professor, ou melhor, a con-

duta do born professor. Janas primei-

ras linhas de sua obra Bormann deixa

clara sua inten<;ao de construir 0 de-

ver ser do docente:

o trabalho do professor e cansati-

yo, podendo leva-Io a morte. Essa

afirmac;ao tem sua verda de. Seu

trabalho e comparavel ao de urn fa-

zendeiro. Mas a palavra do profes-

sor nao e s6 urna semente,mas deve

sercultivada sempre.Algunsmorre-

ram. A morte foi causada nao pela

profissaoem si,mas pelo comporta-

mento inadequado do professor.54

Comportamento inadequado?

Teria sido essa a razao do desgaste

ffsico e emocional da preceptora Ina

que a fez abandonar 0 emprego no

interior fluminense?

Mais do que conselhos de di-

datica do tipo fa<;aassim , 0 manual

alemao e uma sucessao de seja as-

sim . 0 professor deve ter controle

no falar, deve ser pontual, deve pro-

mover 0 pensamento e 0 raciodnio

nos alunos, deve ter urna postura fir-

me diante da classe e deve ainda ser

capaz de captar por meio dos olhos

impressOes de seus alunos.

Karl Bormann era evangelico,

e essa marca esta impregnada ern seu

texto, tanto que dedica cinco cartas

exclusivamente ao tema religioso.

Alem disso, 0 magisterio e por ele

visto como possuidor de urna for<;a

santa quando exercido corn fidelida-

de e devo<;ao .Para ele nao existe ne-

nhuma outra categoria profissional

que esteja mais perto das charnadas

fontes verdadeiras e eternas do con-

solo do que a categoria dos professo-

res: Somente no trabalho corn as

crian<;asse encontra urn poder de ali-

viar a dor e dar a paz. 55

 8

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 19/23

S anos de educarao no rasil

Parte integrante da concep rao protestante, 0 trabalho

e

percebido por Karl Bormann como uma atividade nobre, fun-

damental na constitui rao do carater do individuo. Nesse sen-

tido, 0 pedagogo dedica uma de suas cartas a esse tema

 Educa rao para a vontade de trabalhar , segundo ele:

Uma das miss6es principais da educa-;aoescolar e que as crian-

~ aprendam a conceber a natureza do trabalho no senti do

certo, que nos as acostumemos desde cedo a ve-lo como ele

e, como urn exercicio de for-;a, como urn meio para 0 ganho

do necessario para a vida externa, como uma fonte de ale-

gria mais nobre e grandiosa, e que Ihes seja transmitido 0

sentimento profundo de que nao existe nenhuma infelicida-

de maior para 0 homem do que nao poder trabalhar ou nao

ter permissao para trabalhar.56

Como seria dificil para a evangelica Ina partir de tal

principio em uma sociedade fundada no trabalho escravo e

em uma outra concep rao de trabalho.

Aspecto importante, constantemente ressaltado por

Bormann, refere-se a disciplina. Para ele, a disciplina e, em

geral, assegurada pelo born ensino. E mais, pela sabedoria e

equiHbrio do professor. A palmatoria, bem como outros me-

todos coercitivos utilizados como castigo para manter a auto-

ridade do professor sao percebidos como sinais de fracasso

moral do docente. Tal problematica e discutida pelo pedago-

go alemao em sua quinta carta, denominada Tenha pacien-

cia . Segundo 0 autor, uma ordem disciplinar para ser

cumprida nao requer apenas uma atividade de memoria e

aten rao, mas tambem urn ato de vontade:

Quando se ve com que disposi-;ao de puni-;ao os professo-

res as vezes enfrentam 0 primeiro descumprimento de uma

crian-;a, entao parece que nao se preocupavam com 0 proces-

so profundo provocado pela ordem ou pela proibi-;ao, porque

senao dariam urn tratamento diferente.57

Revoltando-se contra a burrice daqueles que querem

colher as frutas logo depois de plantar a semente ,58Bormann

recomenda que os professores deveriam se colocar sob a dis-

ciplina divina, questionando-se, antes de cobrar coisas de seus

alunos:

Questione-se quantas vezes 0 Senhor chamou voce e quantas

vezes voce nao prestou aten-;ao... pensamentos desse tipo fa-

zem a pessoa humilde e suave, e essas sac duas caracteristicas

286

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 20/23

Preceptoras alemas no Brasil- Marly Gonfalves Bicalho Ritzkat

na fisionomia do professor que nao

somente 0 enfeitam mas tambem

o caracterizam.59

Por varias vezes Ina teve a ten-

ta<;aode ressuscitar 0 Bormann no

entanto desistiu da ideia pois sabia

que nele encontraria imlmeras cen-

suras a mim .60

Fundada sobre urna etica a pe-

dagogia de Bormann e urn manual de

a<;aodo professor ou melhor urn

manual de conduta do professor. En-

fim e urn dever serIfinscrito em urn

determinado tipo de educa<;aoque Ina

yon Binzer nao conseguia compatibi-

lizar com a realidade encontrada no

Brasil do final do seculo XIX.

Cans ada sem paciencia debi-

litada fisica e psicologicamente a

preceptora alema resolve voltar

para a Alemanha 61 ap6s quase dois

anos de sua aventura pedag6gica.

Na bagagem muitas experiencias

desilus5es e alegrias que ria reco-

me<;ar uma outra vida na Alema-

nha. 0 1ivro do Bormann tambem

voltou s6 que dessa vez afundado

nas profundezas mais pro fund as

de minha mala 62.

BUSCANDO

OUTRAS HIST6RIAS

Ainda hoje permanece a ima-

gem da preceptora como aquela sol-

teirona frustrada vestida de forma

antiquada e inimiga militante dos ho-

mens. No entanto esse estere6tipo

parece ser urna exce<;ao pois na vida

real apenas poucas governantas cor-

respondiam em mod os e aparencia

ao cliche da solteirona vestida com

roupas escuras e sem erotismo. Nem

todas as mulheres que trabalharam

como preceptoras eram fisicamente

feias. Desde a metade do seculo XIX

as fotografias mostravam que nao

havia urn tipo especifico de mulher

que personificava a posi<;ao de go-

vernanta e de preceptora mas que

entre elas encontravam-se mulheres

serias e alegres bonitas e pouco vis-

tosas rigorosas e bondosas. As mu-

lheres que trabalharam na educa<;ao

domestica nao eram feias acima da

media como afirma 0 cliche e elas

nao foram pudicas ou inimigas se-

xuais. Algumas educadoras ja ti-

nham urn casamento atras de si

quando assumiram seus empregos

outras se casavam mais tarde.

o fim do seculo XIXnao signi-

ficou urn ponto final na presen<;ade

governantas e preceptoras de crian-

<;asem casas de familias abastadas

brasileiras. Atravessando 0 seculo

XX chegamos a 1914e nesse ano ain-

da encontramos varios anUncios de

mulheres educadoras estrangeiras

procurando uma coloca<;aono mer-

cado de trabalho brasileiro:

Institutrice franfllise parlant l anglais

et l allemande et ayant vefU dans ses

pays desiderait position dans fammi-

lie serieuse.6J

Muitos anUncios eram escritos

em frances 0 que parece revelar 0 va-

lor desse idioma no meio elitista bra-

sileiro. E portanto nesse idioma que

urna alema procura ressaltar as suas

qualidades de educadora:

Gouvernante: institutrice alleman-

de sachant bien  e fr nf is et un

 8

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 21/23

SOOanos de educapo no Brasil

peu d anglais desire place dans bonne familie aupres des en-

fants de 7 a  2 ans.

Donne instrution education et soins complets.64

No entanto, a profissao de preceptora ja dava os seus

1.iltimossuspiros. 0 seculo XX trouxe alternativas profissio-

nais para a mulher europeia, de modo que a educa~ao nao

figurava mais como Unica alternativa de trabalho feminino

para mo~as das camadas mais elevadas. No Brasil, urn outro

elemento deve ser ressaltado para a compreensao da pro-

gressiva decadencia das governantas e preceptoras: os cole-

gios religiosos femininos. Fundados por congrega~oes

religiosas, esses colegios espalharam-se pelo Brasil.65

Mas a educa~ao nao-institucionalizada constitui urn

importante capitulo na forma~ao das mulheres das elites

brasileiras. No entanto, ainda hoje pouco se sabe acerca des-

sa educa~ao dada em casa e menos ainda sobre as precep-

toras. Elas deixaram poucos rastros de sua passagem pelo

Brasil. Muitas nao deixaram sequer nome, sao lembradas

apenas como Fdiulein ,66uma palavra que se associa, em

nosso imaginario, quase imediatamente a imagem daquela

educadora alema austera, rigida e disciplinada. Fraulein

Binzer, Fraulein Harras, Fraulein Meyer, Fraulein Ruling,

Fraulein Wegner, e tantas outras Frauleins que por aqui

passaram e ensinaram.

NOTAS

1

BRONTE, Anne. A preceptora.

2

Sua provincia natal Holstein encontra-se dentro das fronteiras da chamada Confedera-

 ¥aOAlema de 1815, por isso estamos considerando alema, ainda que a unifica ¥ao da

Alemanha tenha se completado apenas em 1871.

3

DIAS,Maria Odila.

Cotidianoepoder.

Sao Paulo: Brasiliense,1995,p. 51.

· QUINTANEIRO, T. Retratos de

mulher:   cotidiano feminino no Brasil sob   olhar dos

viageiros do seculo

XIX.Petr6polis: Vozes, 1996,p. 156.

5

PERROT,M. A margem os solteiros e solitcirios .In: PERROT,M. (org.). Hist ria

da

vida privada.Sao

Paulo: Companhia das Letras, 1991, v. 4, p. 299.

6 QUINT ANEIRO, op. cit, p. 157.

7PINKE, 1.Die Gouvernante: Geschichteeines Frauenberufs Frankfurt am Main: Campus Ver-

lag, 1993, p. 71.

8

Ibidem, p 17

288

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 22/23

Preceptoras aJemas no Brasil Marly Gonra1ves Bicalho Ritzkat

9 Consultamos 0 jomal

Kolnische Zeitung

anos de 1883 e 1884; a revista ilustrada

Daheim

anos 1883 e 1884, e a revista Gartenlaube ano 1884.

10 Foi com essa frase que Johann Georg Kohl descreveu nos anos 30 do seculo XIXa chegada

de educadoras estrangeiras em Sao Petersburgo, na RUssia. In: PINKE, op. cit., p. 209.

11 Adele Toussaint Samson (1851), Elizabeth Agassiz (1865), Carl yon Koseritz (1883) e

Mauricio Lamberg (1896).

.-SOMMER, F.

Die Deutschenin Sac Paulo.

[s.l.], [s.e.], 1945,v. 6 (Biblioteca do Instituto Hans

Staden /SP).

13BINZER, Ina. Os

meus romanos: alegrias e tristezas de uma educadora alemii no Brasil.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994, p. 89.

14 Consultamos os anos de 1877 a 1885 do

Correio Paulistano

0 maior jomal diiirio da

capital paulista.

15Correio Paulistano

Sao Paulo, 31/7/1883.

16 Ibidem, 05/7/1883.

17 Ibidem, 19/11/1882.

18 ANDRADE, Mario. Amar verbo intransitivo. Sao Paulo: Villa Rica Editora, 16. ed., 1995.

19 Jornal do Commercio

Rio de Janeiro, 12/1/1882.

20 BINZER, op. cit., p. 118.

21 DAUPHIN, C. Mulheres s6s. In: DUBY PERROT (org.). Hist6riadas mulheresno

ocidente

v. 4, Porto: Afrontamento, s.d., p. 484.

22BINZER, op. cit., p. 91.

23 PINKE,op. cit., p. 224.

240 cambio de 02/1/1882 previa 552 rs por marco alemao.

Jornal do Commercio

Rio de

Janeiro, 03/1/1882.

De maneira que Ina yon Binzer receberia em Sao Paulo urn salario de 1.656 000 (3.000

marcos), 0 que equivaleria a aproximadamente 35 sacas de cafe de 10 quilos. Conside-

rando-se 0 prec;omaximo do cafe fino superior 469 rs 0 quilo.

Jornal do Commercio

03/1/1882.

2SBINZER,op. cit., p. 64.

26

KOinische zeitung Col6nia, 13/8/1883.

27

Jornal do Commercio

Rio de Janeiro, 12/1/1882.

28

Daheim

Leipzig, n. 2, 1884.

29Correio Paulistano Sao Paulo, 21/5/1882.

30 BINZER, op. cit., p. 22.

31 Fraulein Binzer nao menciona 0 nome do filho de Bento de Aguiar Barros (0 Sr. Souza),

mas sabe-se que a preceptora esta se referindo a Luiz de Souza Aguiar de Barros, que

veio a se casar com Alice de Souza Queiroz, filha de Luiz Pompeu de Camargo.

32

EXPILLY, J. Mulheres e costumes no Brasil Sao Paulo: Nacional; Brasllia: Instituto

Nacional do Livro, 1977, p. 269.

33 AGASSIZ, L. AGASSIZ, E. Viagem

aoBrasil

Belo Horizonte: Itatiaia; Sao Paulo: EDUSP,

1978, p. 567.

34BINZER, op. cit., p. 79.

35

BARROS,

M No tempodedantes

Sao Paulo: Brasiliense, 1946, p. 18.

36

BINZER, op cit p 23

289

7/21/2019 RITZKAT Preceptoras Alemãs No Brasil

http://slidepdf.com/reader/full/ritzkat-preceptoras-alemas-no-brasil 23/23

500 anos de educarao no Brasil

37 BARROS op. cit. p. 18.

38 BINZER op. cit. p. 18.

39 Ibdem p. 31.

40

Almanaque Laemert,

Rio de Janeiro 1881 p. 644-645.

41 GAY op. cit. p. 32.

42BINZERop.cit. p. 30

43 Ibdem p. 31.

44 Ibdem p. 96.

45Idem.

46BORMANN K. Vierzig padagogische Sendschreiben. Berlin Verlag von Wiegandt und

Grieben 1859 p. 28.

47 BINZER op. cit. p. 108.

~ Ibdem p. 115.

49 Ibdem p. 87.

50 BINZER op.cit. p. 87.

51Ibdem p. 22.

52Ibdem p. 87.

53BORMANN op. cit.

54Ibdem p. 1.

55Ibdem p. 37.

51>BORMANN op. cit. p. 130.

57Ibdem p. 19.

58Ibdem p. 21.

59BORMANN op. cit. p. 21.

60 BINZER op. cit. p. 79.

61 De regresso 11pcitria Ina von Binzer dedicou-se 11profissao de escritora. Morou em Ber-

lim ate se mudar para sua provincia natal Schleswig-Hoistein. Publicou em 1887

Leid

und Freud einer Erzieherin in Brasilien Alegrias e tristezas de uma educadora no Bra-

sil ,

mais tarde publicou dois outros livros

Zigeuner der Grosstadt Ciganos da grande

cidade , 1894 e Tante Cordulas Nichten As sobrinhas da tia Cordulas , 1897.

62Idem p. 22.

63Estado de S. Paulo, Sao Paulo 08/5/1914.

64

Idem 05/5/1914.

65Em Minas Gerais foram fund ados 41 colegios religiosos femininos no periodo de 1849 a

1930. BICALHO PORTES. Colegios

religiososfemininos em Minas Gerais localizar

 

mapear  

relatorio de Bolsa de Aperfeifoamento CNPq

mimeo.

66 Fraulein, palavra alema que designa aquela mo~a entre a puberdade e 0 casamento. Hoje

em dia caiu praticamente em desuso restringindo-se a algumas regi6es que ainda utili-

zam 0 termo. Algumas mulheres considerando-a preconceituosa e discriminat6ria na

medida em que apontava aquelas solteiras tratando-as como mercadoria de consumo

no mercado matrimonial preferiam ser tratadas

  r

Frau