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EMPRESA FAMILIAR: RELAÇÕES, SENTIMENTOS E CONFLITOS
Sergio Cepelowicz
Tese submetida ao corpo docente do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para obtenção do Grau de Mestre em Ciências (M.Sc.)
Aprovada por :
Prof'. Anna Maria Campos Presidente da Banca
Pro . Everardo Rocha PUC-RlO
Prof'. Léa Tavora Ochs PUC (CCE)-RlO
Rio de Janeiro, RJ - Brasil Outubro de 1996
11
Cepelowicz, Sergio
Empresa .Familiar: Relações, Sentimentos e Conflitos. Rio de Janeiro: Coppead, 1996.
xx, 143p.
Dissertação - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Coppead.
1. Empresa Familiar. 2. Sucessão. 3. Tese (Mestr. Coppead/UFRJ)
I. Título
11l
Para Alda, minha mãe
IV
AGRADECIMENTOS
À Pro!" Anna Maria Campos, pelo seu carinho, dedicação e imensurável ajuda na orientação deste trabalho.
Aos profs. Everardo Rocha e Léa Tavora Ochs pelas sugestões para o aperfeiçoamento desta tese.
À família entrevistada, sempre compreensiva e atenciosa a mIm e ao objetivo deste trabalho, sem a qual não seria possível realizá-lo.
A Sandra, Roberto e Marcelo, amigos de longa data, pela ajuda conferida ao longo do trabalho.
A Lucília, pela sua ajuda.
Ao meu pai e minhas irmãs, pelo apoio e amor que me dão.
À família Ferreira (incluindo o Sergio) pela maneira como me acolheram.
Ao Rodrigo, amigo de todas as horas.
E, para fechar com chave de ouro, à Lu, minha esposa, pelo seu amor e por me aceitar.
v
RESUMO DA TESE APRESENTADA À COPPEAD/UFRJ, COMO PARTE
DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS (M.Sc.).
EMPRESA FAMILIAR: RELAÇÕES, SENTIMENTOS E CONFLITOS
SERGIO CEPELOWICZ
SETEMBRO DE 1996
ORIENTADORA: PROP ANNA MARIA CAMPOS PROGRAMA: ADMINISTRAÇÃO
Este estudo tem como objetivo investigar problemas e conflitos da empresa familiar a partir do prisma da família. Apoia-se no referencial teórico especializado no tema assim como numa série de entrevistas realizadas junto aos membros de uma família que controla uma empresa familiar.
Entre os pontos abordados, destacam-se a forma de estruturação familiar, a origem dos conflitos familiares, o papel do fundador, e quais os sentimentos que costumam ter forte influência nas famílias que controlam empresas familiares.
Como conclusão, evidencia-se a interligação da estrutura familiar com a empresa e como os relacionamentos dos membros da família podem afetar na empresa. Propõem-se que os estudos sobre empresas famíliares levem em conta os aspectos relacionais e psicológicos que influenciam no comportamento e na dinâmica da empresa familiar a fim que se tenha uma compreensão mais completa da sua realidade.
VI
ABSTRACT OF THESIS PRESENTED TO COPPEADIUFRJ AS PARTIAL FULFILLMENT FOR THE DEGREE OF MASTER OF SCIENCES (M.Sc.).
EMPRESA FAMILIAR: RELAÇÕES, SENTIMENTOS E CONFLITOS
SERGIO CEPELOWICZ
AGOSTO DE 1996
CHAIRPERSON: PROF" ANNA MARIA CAMPOS DEPARTMENT: ADMINISTRATION
This study aimed at investigating the problems and conflicts in a family owned business from the family perspective. On one hand it is structured on the concepts developed by several authors about family owned business. On the other hand, it is structured in the results of a series of interviews performed with the members of a family owned business.
Among the topics referred are: the type of family structure, the origin of the family conflicts, the role of the founder, and the kinds of emotional behavior that usually influences the family owned business.
As a conclusion, it is shown how the family structure and the business are linked to each other and how the relationships among the family members can influence the business. It is suggested that future works in family firms should consider these aspects in order to have a full comprehension of the dynamics of the family owned business.
SUMÁRIO
Capítulo 1 - INTRODUÇÃO E METODOLOGIA
1.1 1.2 1.2.1 1.3 1.3. 1 1.3.2 1.3.3 1.3.3.1
1.3.3.2 1.3.4 1.3.5
Pág.
Introdução 2
Objetivos Gerais e Específicos 8 Variáveis Pesquisadas 9 Nível e Natureza da Pesquisa 10 Metodologia da Pesquisa 10
Plano de Pesquisa 11 Procedimentos Para a Coleta de Dados 12 A Entrevista em Profundidade como Instrumento de Coleta 13 de Dados Procedimentos Adotados nas Entrevistas 14
Análise dos Dados 15 Delimitação da Análise da Dissertação 15
Capítulo 2 - CONCEITOS BÁSICOS 2.1 Definição de Empresa Familiar 18 2.2 As "Leis Familiares" e as "Leis da Empresa" 19 2.3 Sucessão 22 2.4 A Questão da Profissionalização 25 2.4.1 Empresa Familiar e Profissionalização 25
Capítulo 3 - A INTERLIGAÇÃO FAMÍLIA-EMPRESA 3.1 A Origem dos Conflitos 29 3.2 Histórias Comuns 31 3.3 O Comportamento Familiar e o Relacionamento farnília-
3.3.1 3.3.2 3.3.3 3.3.3.1 3.3.3.2 3.3.3.3 3.3.3.4
3.4
empresa O Sistema Familiar O Sistema Familiar e a Empresa Cultura Cultura Familiar O Processo de Individuação Expressão das Emoções Os Mitos Familiares O Fundador e a Formação da Cultura na Família e na Empresa
38 39 42 45 45 46 47 49
5 1
Capítulo 4 - CONFLITOS ENTRE MEMBROS DA EMPRESA FAMILIAR -SEUS PERSONAGENS E SEUS DRAMAS 4.1 Emoções Humanas 56 4.2 Uma Morte Anunciada 58
4.3 Poder 64 4.3.1 Os Três Motivos do Poder 66 4.3.2 Poder e o Complexo de Édipo 69 4.4 Narcisismo 73 4.4.1 4.5 4.6 4.7 4.7.1 4.7.2 4.7.3
Narcisismo, Objetos e a Empresa Inveja Culpa Rivalidade Rivalidade Entre Pai e Filho Rivalidade Entre Irmãos Outros Envolvidos e a Formação do Grupo
Capítulo 5 - ENTREVISTAS E ANÁLISE 5.1 5.2 5.3 5.3.1 5.3.2 5.3.3 5.3.4 5.3.5 5.3.6 5.3.7 5.3.8 5.3.9 5.3.10
Apresentação Breve Descrição da Família Font Análise das Entrevistas Os Cenários de De Vries A Organização Familiar A Decisão dos Filhos de Entrar na Empresa As Modificações nas Relações Familiares O Perfil do Fundador Poder Inveja Culpa Rivalidade A Formação do Grupo
Capítulo 6 - CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
80 85 90 94 95 97
100
104 104 106 106 111 114 115 117 121 123 125 128 131
6.1 As Conclusões 134 6.2 Sobre a Sucessão na Família Font 137 6.3 Sugestões Para Novas Pesquisas Sobre Empresas
Familiares 13 9
BIBLIOGRAFIA 141
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO E METODOLOGIA
2
1.1 INTRODUÇÃO
Era uma vez um padeiro. Ele possuía o dom de fazer pães como ninguém.
Logo sua reputação começou a ganhar prestígio de forma que sua modesta padaria,
que levava o nome da família, cresceu, tornando-se grande e próspera. A demanda
também cresceu fazendo com que o padeiro abrisse outra padaria no extremo oposto
da cidade. Mais tarde, resolveu abrir uma outra na cidade vizinha. Tamanho
crescimento fez com que o padeiro resolvesse tirar a mão da massa. Contratou
trabalhadores, ensinou sua técnica e passou a administrar seu negócio.
Passados 20 anos, a antiga solitária padaria deu lugar a uma empresa de 15
lojas espalhadas por toda região. O padeiro, empresário de sucesso, agora se
deparava com um problema diferente: se sentia preocupado com o futuro do seu
negócio de que tanto se orgulhava. Seus dois filhos estavam crescidos e poderiam
entrar no negócio. E assim aconteceu. Em pouco tempo, os filhos assumiam a
administração da empresa ainda sob controle do pai. Foi aí que a família,
aparentemente unida, começou a se desmantelar. Brigas entre o padeiro e os filhos
passaram a ser constantes. Eram discussões diversas. Tudo parecia pretexto para
acusações que muitas vezes remontavam à inf'ancia dos filhos.
O negócio, que até então andava bem, passou a sofrer os efeitos da crise na
família. Empregados tendiam a se agrupar em posições de defesa de cada um dos
membros da família. Alguns empregados, insatisfeitos com a situação, deixaram a
empresa depois de anos de casa. Decisões eram postergadas. A qualidade dos pães
chegou a cair.
Numa tarde, arrasado por ter ofendido o filho mais velho numa das
discussões de rotina, o padeiro resolveu ir para casa mais cedo. Estacionou seu carro
3
no local onde fora a sua primeira padaria e se esforçou para encontrar uma saída
para a situação que se criara entre ele e os filhos. Resolveu conversar com sua
esposa, fato tão raro nos últimos anos que o padeiro não lembrava da última vez que
o fizera. Curiosamente, sentia que era a coisa mais sensata a fazer. E queria fazê-lo.
A mulher do padeiro sempre tivera uma postura conciliatória. Educara os
filhos quase sozinha. Na conversa, fez com que o padeiro visse como ele estivera
afastado do convívio com os filhos e dela própria durante o crescimento de seu
negócio. Nunca deixara nada faltar-lhes. Mais que isso, sempre que podia
propiciava aos filhos belos presentes e gordas mesadas. Mas o padeiro não conhecia
seus filhos de verdade. Não os conhecia mais profundamente. Não sabia como lidar
com eles. Resolveu, junto com a mulher, que iriam conversar sobre o assunto na
presença dos filhos.
Nesta conversa o padeiro viu seus filhos o acusarem de quase tudo. Estavam,
contudo, especialmente concentrados em atacar o pai no que diz respeito a sua
presença no negócio. Para eles o pai se considerava o dono da verdade, dificultava
a participação dos filhos nas decisões do negócio e não parecia acreditar nas suas
potencialidades. Criou-se um impasse. Exaltado, o padeiro disse que não largaria da
sua posição no negócio. Os filhos resolveram deixar a empresa.
Seis meses se passaram quando o padeiro convenceu os filhos a voltarem ao
negócio. Passara esse tempo convencido de que havia criado o negócio para unir e
não separar a família. Os filhos concordaram em voltar, sob a condição de que
dentro de dois anos passariam a ter o controle da empresa. O padeiro concordou.
4
Passado três anos, o padeiro resolveu sair definitivamente do negócio. Este
continua indo bem apesar da desgastante relação vivida agora entre os irmãos. A
família do padeiro não viveu feliz, mesmo depois de o pai sair da empresa.
Esta estória não é real. Contudo, seus personagens e seus dramas são comuns
no desenvolvimento das empresas familiares. Isto porque a empresa familiar, como
diz De Vries (1990), está sustentada por um "Calcanhar de Aquiles". Dois sistemas
- família e empresa - interagem quando não são necessariamente compatíveis (o que
não quer dizer tampouco que sejam incompatíveis). O sistema famíliar tem como
função primordial assegurar a vida e a proteção de seus membros. Além disso, como
coloca LANSBERG (1983), as relações sociais na familia são estruturadas para
satisfazer os desejos individuais de seus membros. O sistema empresarial, embora
possua uma função social, tem como principal objetivo prover o mercado com bens
e serviços através de um sistema produtivo, onde cada participante deve ter uma
tarefa especifica para facilitar este processo.
Fica claro, por um lado, que as "leis" que regem o universo familiar são bem
diferentes das que regem o cenário empresarial. Contudo, não existe a priori razão
para que familiares não trabalhem bem juntos e que até se beneficiem dessa
proximidade. Compatibilizar esses mundos diferentes em sua natureza é um dos
desafios das empresas familiares. Contudo, o número significativo de empresas
familiares que prosperaram através de gerações (vide BETHLEM, 1993) gera a
dúvida: a empresa familiar possui um "Calcanhar de Aquiles" ou "Cabelos de
Sansão"?
As empresas familiares são maioria no Brasil. Segundo BETLHEM (1993)
cerca de 90% dos grandes grupos de empresas no Brasil é de propriedade familiar.
Em pesquisa divulgada por "Exame" e realizada por Ricardo Bernhoeft, consultor
5
de empresas familiares, 280 dos 300 maiores grupos nacionais são controlados por
famílias. Segundo a revista FORBES (outubro de 1989), 1/3 das 500 maiores
empresas americanas é controlado por famílias e cerca de 40% do PIB dos E.U.A. é
gerado por empresas famíliares. BECKHARD (1983, p.l) cita as pesquisas
realizadas por ALCORN e POE as quais estimaram que 90% do total de
corporações americanas são controladas por famílias. De um modo geral, a maior
parte dos empregos na economia capitalista ocidental são gerados por empresas
familiares. A partir destes dados pode-se constatar que
a empresa familiar é uma forma viável de organização produtiva, sendo maioria
entre as formas de organização. Isso faz crer que suas caracteristicas especiais lhe
proporcionem mais pontos positivos que negativos, além de justificar a grande
importância das pesquisas sobre o tema.
Apesar da importância, a literatura sobre o assunto é relativamente pouco
significativa no Brasil. Até a década de noventa a empresa familiar era somente
analisada em artigos - em grande parte superficiais - de revistas de administração. A
partir do começo da década de noventa, pode se verificar um tímido e incipiente
início de pesquisas sobre a empresa famíliar no ensino de administração com o
surgimento de livros e maior número de artigos, alguns com razoável embasamento
científico.
No Exterior, as publicações sobre o tema são em quantidade bem maior e ,
de fato, são desenvolvidas pesquisas na área em universidades e em instituições
especializadas no estudo da empresa familiar. DE VRIES (1990), entretanto,
constata que pouca atenção tem sido dada aos fatores que influenciam a empresa
familiar. Para o autor, muitos dos principais problemas de empresas familiares são
de natureza psicológica. Estão centrados em questões como: a presença de conflitos
6
familiares dentro da empresa e as questões envolvendo a sucessão. Estes tipos de
questão são em geral tratados marginalmente tanto nos livros como nos cursos de
administração. Todavia, a qualidade do relacionamento entre os membros de uma
empresa familiar parece afetar diretamente sua sobrevivência e longevidade.
GALLO E LACUEV A O 989), por exemplo, numa pesquisa com trinta empresas
familiares, verificaram que 61 % dos entrevistados (familiares ou não, que
trabalhavam nas empresas) consideravam que as transformações das pessoas
influenciavam mais nas crises que enfrentavam suas empresas do que necessidades
ou possibilidades de mudanças estratégicas.
Na verdade, parece ser cada vez maior o número de autores que, como De
Vries, defendem a tese de que o relacionamento familiar tem impacto preponderante
do cotidiano da empresa. Entre os mais conhecidos estão: LEVINSON (971),
DAVIS (1983) e BARNES & HERSHON (976).
Conflitos familiares não são privilégio de famílias proprietárias de empresas.
Se a empresa pudesse ser apontada como a grande causa desses conflitos, a solução
talvez fosse trivial. Apesar da falta de pesquisas, é sabido que o ambiente
empresarial e as disputas que aí se desencadeiam parecem "somente" estimular a
exacerbação desses conflitos. O momento da sucessão nas empresas familiares
talvez seja aquele quando tais conflitos apareçam de forma mais evidente e por isso
constitua tema tão fascinante de pesquisa.
Decisões sobre entrar em novos mercados, lançar produtos, ganhar
concorrências e conquistar clientes são difíceis e demandam muito da capacidade
administrativa dos dirigentes da empresa. Entretanto, o estudo da administração
parece começar a perceber que não adianta dar somente ênfase a discussões
essencialmente técnicas, financeiras e operacionais. Ao lado dessas discussões,
7
extremamente importantes, é fundamental atentar para o indivíduo, para o contato
interpessoal, para as emoções humanas. A força da empresa como instituição faz
com que, algumas vezes, seja esquecido que, por detrás de sua atividade, está um
grupo de pessoas. Assim, para entender o comportamento de uma empresa é
necessário, sobretudo, entender o comportamento das pessoas que a constituem.
Sem isso, o estudo da administração não avança para o entendimento das questões
que cercam o ambiente organizacional.
A empresa familiar parece ser um tipo de organização onde seja fundamental
para a compreensão de sua dinâmica entender as pessoas e seus relacionamentos.
Esta dissertação apoiou-se no ferramental da psicologia e da psicanálise, ciências
que têm como objetivo principal entender o comportamento humano e apontar
caminhos para seus problemas. Não se pretendeu fazer uma psicologia ou análise
(no sentido psicanalítico) das empresas familiares e de seus membros. O que se
pretendeu com o apoio destas ciências foi tentar compreender de forma mais ampla
e consistente como os sentimentos humanos, os relacionamentos familiares e as
emoções que brotam destes relacionamentos influenciam a empresa familiar.
Os aspectos do relacionamento familiar, embora normalmente camuflados,
revelam-se, principalmente, nos comentários sobre sucessões "bem sucedidas" e
"mal sucedidas" em empresas familiares. Aparece como "bem sucedida" aquela que
preservou a sobrevivência da empresa e não resultou em redução na sua
competitividade nem nos retornos financeiros. "Mal sucedidas" seriam sucessões
que resultaram em diminuição desses retornos, ou do tamanho da empresa ou,
simplesmente, a sua dissolução. Na melhor das hipóteses, sabe-se se a empresa
familiar sobreviveu à sucessão ou não. Não se sabe, por exemplo, a custa do quê ou
de quem a empresa familiar sobreviveu. Essas e outras questões, talvez mais
importantes, deixam de ser desvendadas. Sobretudo, pouco se sabe sobre o impacto
8
dos relacionamentos familiares no ambiente da empresa e quais são as emoções e
sentimentos que mais se evidenciam neste momento. Estes aspectos moveram o
pesquisador a desenvolver o presente trabalho.
A metodologia utilizada será explicada a seguir. No segundo capítulo, serão
definidos alguns conceitos básicos que envolvem o assunto. No terceiro capítulo, se
debaterá como a dinâmica do relacionamento familiar atua na sucessão de empresas
familiares. No quarto capítulo se fará uma exposição de alguns sentimentos que
mais influenciam no comportamento de membros de empresas familiares. No quinto
capítulo são apresentadas as entrevistas feitas junto a uma família dona de empresa
familiar e a análise dos dados à luz do referencial teórico. No sexto capítulo estarão
as conclusões e considerações finais da tese. Por último, será listada a bibliografia
consultada.
1.2. OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS
Nesta dissertação objetivou-se, de maneira geral, ampliar o nível de
conhecimento sobre a empresa familiar a partir de um maior entendimento da forma
de relação entre os membros da família que a operam. Especificamente, os objetivos
foram:
• discorrer sobre como as relações pessoais afetam a família e a empresa;
• identificar de que forma a estrutura familiar afeta as relações familiares e,
consequentemente, as relações na empresa;
• investigar que sentimentos e emoções humanas permeiam e impactam a família, a
empresa familiar e o processo de sucessão, assim como suas ongens e
consequências. Cabe salientar que o processo de sucessão é um fenômeno
9
dinâmico não restrito ao momento em que os sucessores advém ao comando da
empresa. O caso focaliza um processo há pouco iniciado de antecipação do
processo sucessório.
• ilustrar como o processo de sucessão afeta com as relações entre os membros da
família.
1.2.1 Variáveis Pesquisadas
Foram levantadas questões sobre as partes afetadas, tanto pelo lado do
fundador/sucedido como pelo lado dos sucessores. Do lado do pai/fundador, foram
identificadas como importantes:
• a percepção do envelhecimento e o enfrentamento da morte;
• seu narcisismo vis-a-vis sua relação com o poder que a empresa proporciona
Do lado dos filhos/sucessores, foram identificadas:
• a necessidade de auto-afirmação vis-a-vis as comparações em relação ao
sucedido;
• o sentimento de dúvida quanto ao interesse em trabalhar na empresa da família
Em relação ao fundador e aos candidatos a sucessores, foram identificados
alguns sentimentos que permeiam a relação interpessoal, em destaque:
• a inveja;
• a culpa;
• a rivalidade.
10
A seleção das variáveis investigadas foi obtida através, principalmente, de:
• um levantamento bibliográfico específico sobre a empresa familiar (livros, artigos
e pesquisas nacionais e estrangeiros). E também:
• de opiniões de membros de empresas familiares;
da experiência do próprio autor como filho de um fundador de uma empresa
familiar.
1.3 NÍVEL E NATUREZA DA PESQUISA
1.3.1 Metodologia de Pesquisa
o tema "empresas familiares", como mencionado anteriormente, é ainda
pouco explorado. Sabe-se que se trata de um tipo de organização peculiar,
especialmente sensível devido a sua dupla natureza: familiar e empresarial. Todavia,
o número de variáveis e especificidades passíveis de serem estudadas a partir desta
"dupla face" anuncia-se muito grande e, certamente, ainda não delimitado.
Nesse contexto, é extremamente delicado para o pesquisador a formulação de
hipóteses, havendo o risco de se tomarem precipitadas e pouco fundamentadas. Tal
limitação parece ser agravada no caso da presente dissertação, onde o foco de
estudo não é centrado em caracteristicas já estudadas das empresas familiares e sim
na relação entre os membros da familia.
Sendo assim, a pesquisa teve caracteristica essencialmente exploratória. A
pesquisa exploratória, como coloca GIL,
"tem como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar
conceitos e idéias, com vistas à formulação de problemas mais precisos ou
hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores." (Gil, 1989, p.44)
11
A pesquisa exploratória é desenvolvida em muitos casos com o objetivo de
proporcionar maior conhecimento em determinada área de pesquisa. Ela pode ser
classificada no que MARTINS (1994) chama de pesquisa não convencional. A
pesquisa não-convencional é uma alternativa de pesquisa à forma clássica baseada
no método empírico dedutivo e se baseia quase sempre em análises qualitativas (daí
muitas vezes serem chamadas de pesquisas qualitativas).
Tendo por objetivo ampliar a compreensão da dinâmica de urna empresa
familiar a partir do prisma da família e do relacionamento entre seus membros, com
base em cuidadosa (ainda que não exaustiva) pesquisa bibliográfica pela literatura
especializada foi desenvolvida a pesquisa de campo junto a uma família que inicia
um processo de sucessão, sendo que quatro de seus cinco membros estão envolvidos
nas atividades da empresa familiar.
1.3.2 Plano de Pesquisa
A primeira etapa se constituiu na tentativa de encontrar, principalmente na
literatura especializada sobre empresas familiares disponíveis nas principais
bibliotecas do Rio de Janeiro, toda e qualquer referência sobre a influência do
relacionamento familiar na empresa. Com isso, foi possível elaborar dois capítulos
que resumem os principais aspectos verificados por diversos autores em suas
respectivas pesquisas, livros, artigos e ensaios.
12
A segunda etapa se constituiu na elaboração de algumas perguntas básicas
(para servir como guia para as entrevistas) e das entrevistas propriamente ditas. Foi
adotada a orientação de que todos os membros da família deveriam ser ouvidos,
estivessem ou não trabalhando na empresa familiar. Tratando-se de um tema tão
delicado como o relacionamento familiar e as emoções de cada um, foi dificil
encontrar um número razoável de famílias que estivessem disponíveis para tal tipo
de entrevistas. Só foi possível realizar as entrevistas junto a uma única família, que
se mostrou compreensiva às aspirações do autor.
A terceira etapa se constituiu na análise das entrevistas à luz dos conceitos
estabelecidos com base na revisão bibliográfica especializada, identificando ou não
sua ocorrência no caso focalizado.
A intenção não foi esgotar o assunto, mas apenas levantar a atenção sobre
alguns aspectos relevantes do tema e em especial atentar para a realidade brasileira,
ainda tão carente de pesquisas na área da empresa familiar. O produto final desta
dissertação foi a contribuição para avançar o entendimento do problema, sugerindo
a futuros pesquisadores uma ampliação do embasamento teórico que deles vai
merecer, possivelmente, procedimentos mais sistematizados.
1.3.3 Procedimentos para a Coleta de Dados
Dado que a dissertação se propôs a explorar dimensões ainda não
contempladas, foi feita a opção da entrevista em profundidade. A entrevista em
profundidade segundo MARTINS (1994) é uma metodologia onde o entrevistador
interroga a fundo um grupo de poucas pessoas. Essa metodologia é usada em
situações em que o objeto de pesquisa não pode ser facilmente detectado e
analisado.
13
1.3.3.1 A Entrevista Em Profundidade como Instrumento de Coleta de
Dados
No intuito de investigar os fatores relacionais e sentimentais que interferem
na dinâmica da relação família-empresa familiar foi necessário um instrumento que
possibilitasse ao pesquisador chegar ao cerne de problemas tão íntimos, profundos,
complexos, que normalmente as pessoas têm dificuldade de revelar. A entrevista, de
uma forma geral, possibilita ao pesquisador obter informações sobre o que as
pessoas entrevistadas pensam, desejam, crêem, sentem, fazem, assim como de suas
razões para esses feitos. As vantagens específicas da entrevista foram possibilitar:
• a obtenção de dados em profundidade acerca do comportamento dos
entrevistados;
• a obtenção de dados referentes a diversos aspectos da vida do entrevistado.
A entrevista, em comparação com o questionário, apresenta outras vantagens
como:
• possibilita a obtenção de um número maior de informações já que é muito mais
fácil não responder a um questionário do que deixar de responder uma pergunta
do entrevistador;
• oferece maior flexibilidade, já que durante entrevistas pode-se aprofundar em
certos aspectos, tirar dúvidas com o entrevistado e estabelecer conjuntamente a
mais conveniente forma para colher os dados (local, hora, tempo de duração, etc);
• possibilita a percepção de aspectos do comportamento do entrevistado revelados
em sua expressão corporal, tonalidade de voz e ênfase nas respostas que podem
ser investigados.
14
A entrevista em profundidade, contudo, requer que os entrevistados estejam
dispostos a pensar e a refletir sobre o que lhes é perguntado. Isto porque as
perguntas formuladas exigem respostas que estão fora do padrão adotado em grande
número de pesquisas como as do tipo "sim ou não", ou as que medem a intensidade
do impacto de uma variável em determinado fenômeno.
1.3.3.2 Procedimentos Adotados nas Entrevistas
Procurou-se nas entrevistas extrair o máximo de informações junto aos
participantes. Como o teor das perguntas fosse bastante pessoal e remontasse várias
vezes a episódios e experiências que o entrevistado não gostaria de lembrar e/ou
teria dificuldade em se expressar (ainda mais em circunstância como a de uma
entrevista), tentou-se desenvolver as entrevistas em clima o mais informal possível.
Deixou-se que os entrevistados falassem livremente e, à medida que um aspecto
relevante fosse citado, procurou-se aprofundar seu debate.
Dado que nas entrevistas o contato fisico e a empatia entre entrevistador e
entrevistado é fundamental, foi considerado fundamental que o entrevistado se
conscientizasse da importância da tese para o pesquisador, para a sociedade e no
caso, para ele próprio. Muitas observações puderam ser captadas nas entrelinhas do
que foi dito, num olhar, num gesto.
Em questões mais delicadas tentou-se "redescobrir" a história dos eventuais
conflitos, desgostos e raivas. Muitas vezes, contudo, não foi possível alcançar a
profundidade necessária para análise.
15
1.3.4 Análise dos Dados
A entrevista, sob a ótica da psicanálise, permanece questionável. Ampliar a
quantidade de informações ou o teor das perguntas não implica necessariamente
ganhar profundidade, mesmo porque, é um pressuposto da psicanálise que a maior
parte dos desejos que movem os indivíduos sejam desconhecidos. A fala através da
linguagem possui uma concepção consciente e outra latente. A primeira representa o
próprio relato do indivíduo enquanto a segunda é a expressão do seu desejo, mas
que só é descoberto através da interpretação psicanalítica. Assim sendo, a análise
realizada das entrevistas restringiu-se a concepção consciente dos depoimentos.
Contudo, o estudo de uma só família impede qualquer tipo de generalização a
partir dos resultados obtidos das entrevistas. Sendo assim, os resultados desta
dissertação não são passíveis de generalização. A família analisada deve ser
compreendida como um caso que serve como ilustração das idéias defendidas e
propostas nesta dissertação.
1.3.5 Delimitação da Dissertação
o objetivo estabelecido para esta dissertação não pretendeu incluir outros
aspectos como os de natureza econômica e de mercado, embora admitindo que
possam influenciar as empresas familiares. Concentra-se este trabalho, portanto, às
dimensões psicológicas envolvidas na forma como os membros de uma família
lidam com as questões empresariais e familiares na empresa.
Esse estudo irá explorar exclusivamente as sucessões de pnmelra para
segunda geração, enfatizando fatores que dizem respeito a estas sucessões como,
por exemplo, a figura do fundador. Não se desprezam oportunidades de
16
aprendizagem no estudo sobre as sucessões de segunda, terceira, quarta gerações,
mas deliberadamente optou-se por analisar com mais profundidade os personagens
"clássicos" envolvidos na dinâmica das sucessões de primeira geração, ou seja, o
fundador do sexo masculino e o seu filho(s), sucessor(es) e também do sexo
masculino. O motivo desta opção reside no fato de a bibliografia específica que
embasou esta tese estar predominantemente calcada em livros, pesquisas e artigos
que tiveram como objeto de estudos empresas de primeira geração. Julgou-se que
seria muito dificil traçar evidências e elementos comuns num campo onde a teoria
praticamente inexiste, se o foco de estudo fosse demasiado abrangente. Quanto à
limitação ao(s) sucessor(es) de sexo masculino, pesquisa realizada pelo Centro de
Desenvolvimento da Empresa Nacional (Ceden) junto a 1 83 empresas familiares,
publicada na revista EXAME de quatro de abril de 1 990, apontou que 83% dos
herdeiros das empresas são homens. Todavia, a opção não significa atribuir à
mulher presença menor ou marginal nas empresas familiares. Na verdade, já é
significativa a presença de fundadoras e sucessoras, número que tem crescido nas
últimas décadas. Nos E.u.A., por exemplo, já existem pesquisas sobre empresas
fundadas e/ou sucedidas por mulheres (como o intitulado "My mother, the founder,
my daughter the boss" de Easy Klein, D&B Reports, 1992).
Do acima exposto, fica este estudo delimitado aos aspectos psicológicos e
psicanalíticos relativos a sucessão em empresas familiares de primeira para a
segunda geração, sendo sucessores e sucedido do sexo masculino. Recomenda-se no
entanto que os resultados apresentados sejam ampliados por outros trabalhos de
pesquisa com preocupações mais abrangentes.
CAPÍTULO 2 CONCEITOS BÁSICOS
1 7
18
2.1 DEFINIÇÃO DE EMPRESA FAMILIAR
Nas definições de empresa familiar disponíveis na literatura, os autores
divergem quanto a alguns aspectos. Nenhuma foge porém da idéia de que a empresa
é controlada totalmente ou majoritariamente por uma família.
DONNELLEY citado por LODI ( l986,p.5/6) diz que empresa famíliar "é
aquela que se identifica com uma família há pelo menos duas gerações e quando
essa ligação resulta numa influência recíproca. Portanto, a empresa de fundador sem
herdeiros não é uma empresa familiar, por mais que sofra as injunções de uma
personalidade. E, portanto, uma empresa onde a família põe o dinheiro apenas como
investidora também não é uma empresa familiar."
Para BERNHOEFT (1 989,p.35) "uma empresa famíliar é aquela que tem sua
origem e sua história vinculadas a uma família; ou ainda, aquela que mantém
membros da família na admínistração dos negócios."
Como Donneley, LODI (1978,p.6) acredita que "a empresa de fundador sem
herdeiros não é uma empresa famíliar." Também não seria empresa familiar aquela
"onde a família põe o dinheiro apenas como investidora." Esta seria a chamada
"empresa de capital famíliar", aquela onde o controle acionário está nas mãos de
uma família que geralmente não exerce atividade executiva na empresa. Segundo o
autor,
"o conceito de empresa familiar nasce geralmente com a segunda geração
de dirigentes, ou porque o fundador pretende abrir caminho para eles entre
seus antigos colaboradores, ou porque os futuros sucessores precisam
criar uma ideologia que justifique sua ascensão ao poder." (Lodi, op.cit)
1 9
Para GALLO e LACUEVA ( 1989, p.8 1 ) empresas familiares são empresas
que "conservam uma maioria importante de seu capital social nas mãos da família;
empresas em cuja estrutura de responsabilidades, a maioria das responsabilidades de
alta direção recaem em membros da família."
Elegeu-se a definição de DA VIS (1989) para orientação do estudo. Segundo
o autor, empresas familiares são aquelas
"em que as políticas e direção estão sujeitas à influência significativa de uma
ou mais unidades familiares. Essa influência é exercida através do controle e
algumas vezes através da participação de alguns familiares na
administração. É essa interação entre dois sistemas de organização, família
e empresa, que estabelece a característica básica da empresa familiar e
define sua singularidade." (Davis, 1 989, p.1 31 )
2.2 AS "LEIS FAMILIARES" E AS "LEIS DA EMPRESA"
Como mencionado na introdução, o fato de a empresa familiar estar calcada
na intercessão de dois ambientes, empresarial e familiar, cada qual estabelecendo
seu conjunto de valores, normas, princípios, comportamentos e regras, toma a
interação desses dois ambientes bastante complexa.
A empresa familiar, segundo DA VIS & STERN (1 980), como qualquer
empresa, é influenciada pelo mercado, pela tecnologia, por fatores ambientais e pela
incerteza. Mas ela também lida, simultaneamente, com o "negócio da família" . Na
empresa familiar, os vínculos emocionais se tomam aspecto crucial no seu
20
desenvolvimento. As intensas relações entre os membros da família extrapoladas ao
ambiente empresarial provocam grande impacto na sua estrutura e comportamento.
Os autores apontam como importante aspecto psicológico do processo que relações
disfuncionais num subgrupo com grande influência no sistema não se limitarão ao
próprio subgrupo mas se espalharão para o âmbito do grupo maior. Assim, a forma
de se relacionar e agir da família exerce grande impacto na empresa como um todo.
LANSBERG (1983) diz que um primeiro aspecto da diferença do modus
vivendi da família e da empresa são as normas e princípios que regulam o processo
de dar e receber. Ou seja, a troca de "recursos" na famiJia é função dos laços
afetivos entre seus membros, que se preocupam com as necessidades específicas de
cada um, tendo como objetivo o bem estar geral tanto do momento como no futuro.
Na empresa, ao contrário, critérios produtivistas e econômicos regem a troca.
Esta deve ser calcada tanto no valor de mercado do bem ou serviço em questão
como também no tempo em que se concretizará.
A mistura dos princípios familiares e econômicos na empresa gera problemas
e confusões. O fundador, por exemplo, diz Lansberg, tem dificuldades em discutir e
determinar quanto os filhos que trabalham na empresa devem ser recompensados.
Embora se acredite muito em nepotismo nesse tipo de problema, o autor diz que
estudos têm mostrado que fundadores tem remunerado seus familiares com valores
abaixo do mercado. Para justificar tal ação, os fundadores falam que os membros da
família "têm a obrigação de ajudar" na empresa. Além disso, remunerá-los com base
no mercado causaria uma percepção negativa por parte dos outros empregados.
Outro aspecto realçado por Lansberg são as normas que ditam o que é certo
nos dois contextos. Na família existem dois tipos básicos de normas. No primeiro,
21
entre pais e filhos, a fonna dominante é o conceito de necessidade, isto é, os pais se
sentem moralmente obrigados a agir com o intuito de atender às necessidades dos
filhos. No segundo, entre innãos, a nonna dominante é a igualdade, isto é, cada
filho deve receber a mesma parte dada aos demais, assim como ter as mesmas
oportunidades.
Na empresa a nonna que deve operar é a meritocracia. Ou seja, a recompensa
de cada empregado é função do quanto ele contribui para alcançar os objetivos da
empresa. Aqueles que contribuem mais, além de ocupar posições de mais destaque e
poder, devem receber parcelas maiores dos recursos existentes na empresa.
Estas são apenas alguns exemplos das diferenças entre a empresa e família
que tomam dificil estabelecer a fonna justa de recompensa. Em muitos casos,
quando o peso do lado familiar se sobressai, problemas de nepotismo são
frequentes, o que pode gerar reações de descontentamento tanto entre membros da
familia como entre os demais empregados.
A empresa familiar também tem muitos aspectos positivos. DAVID &
STERN (1 980) defendem que grande número de empresas familiares representam
um lugar mais humano para o trabalho do que a típica organização produtiva. Existe
a preocupação e o cuidado com os empregados como indivíduos, fazendo com que
o negócio familiar caminhe positivamente como uma familia que cuida de seus
membros. FRlSHKOFF (1994) compartilha de mesma opinião. Para essa autora, a
empresa familiar pode oferecer uma grande oportunidade para a humanização das
organizações, ao espalhar sentimentos comuns na família como amor e carinho.
22
2.3 SUCESSÃO
Toda história de uma empresa familiar começa com o a figura do seu
fundador. Normalmente, o fundador é o principal executivo da empresa até que, por
vontade própria ou não, passe o comando para um ou mais de seus herdeiros
familiares, geralmente os filhos. Neste momento, é caracterizada "oficialmente" a
sucessão na empresa, que passa a ser comandada pela segunda geração da família.
LODI (1986, p.7) dê fine que a sucessão numa empresa familiar "está ligada
ao fator hereditário e onde os valores institucionais da firma identificam-se com um
sobrenome de família ou com a figura de um fundador."
o momento da entrada dos filhos na empresa e a sucessão ocorrem em
grande número quando os filhos já são adultos ou estão próximos de se tomarem.
Os filhos estão prontos para buscar seu lugar ao sol tanto na empresa como na
família. Na empresa, os filhos querem maior participação, tomar decisões e
conquistar seu espaço. Na família, eles querem ser vistos como adultos, mudar
certas regras que os inferiorizavam, questionar relações e comportamentos. Isso faz
com que esses momentos sejam delicados tanto para a empresa como para as
família. A sucessão pode significar, por exemplo, que o sucedido passe a dedicar
mais tempo para a família; que irmãos briguem ou se tomem mais amigos; que pai
brigue com filho, dentre tantos outros exemplos. A sucessão, por conseguinte,
parece estar diretamente relacionada a momentos de mudanças na relação dos
membros da família, assim como a momentos importantes nas suas vidas pessoais.
Em destaque estão o fundador diante de seu envelhecimento fisico e os filhos
buscando "o seu lugar ao sol".
23
Alguns aspectos parecem frequentes na sucessão. Por exemplo, BARNES e
HERSHON (1976), em pesquisa com 32 empresas familiares, constataram que
geralmente as transições na empresa e na família ocorrem à mesma época. KEPNER
(1983), ao investigar sobre os momentos de transição da família, afirma que a
gravidade que envolve tal momento é ainda maior quando as transições em família
coincidem com as da empresa. E constata que os maiores problemas na relação
família-empresa tendem a aparecer justamente durante períodos em que a transição
está ocorrendo em cada um dos sistemas simultaneamente.
Já GALLO E LACUEVA (1989), em pesquisa que envolveu 30 empresas
familiares em oito países diferentes, veríficaram que o envelhecimento e/ou morte
de pessoas chave e o "amadurecimento" da nova geração eram apontados em 63%
dos casos como fatores influentes na crise estrutural que vivenciavam essas
empresas.
HANDLER (1991) realizou uma pesquisa junto a trinta e duas empresas
famíliares de segunda geração, tendo verificado que dois aspectos das relações
interpessoais entre seus membros se destacam nos casos de sucessões "bem
sucedidas": o nível de respeito mútuo e compreensão entre o fundador e os
membros da segunda geração e a conciliação entre os filhos e entre estes e outros
parentes.
SCHEFFER (1995), em pesqUIsa realizada junto a sessenta empresas
familiares no Rio Grande do Sul, observou que o segundo fator dificultante no
processo de sucessão é representado pelas interferências do relacionamento familiar,
onde se destacam: a rivalidade entre familiares pela posse do controle famíliar; a
pouca distinção entre o interesses da empresa e da família; o despreparo da família
para o entendimento do processo sucessório; temor de que o sucessor não valorize o
24
patrimônio deixado; escolha do sucessor entre possíveis candidatos; e a insegurança
profissional do sucessor quanto ao seu cargo ter sido conquistado por mérito ou
paternidade.
No cenário empresarial brasileiro atual, por exemplo, estão ocorrendo
intensamente casos de sucessão em empresas familiares. Criadas em larga escala nas
décadas de cinqüenta e sessenta, muitas dessas empresas hoje tem seus fundadores
em idade avançada, alguns já deixando e outros prestes a deixar o comando. Os
conflitos familiares e a disputa pelo poder em várias dessas empresas têm levado o
processo sucessório ao impasse. Assim, empresas familiares têm sido vendidas ou
divididas como forma de resolver esses problemas.
Todos esses resultados encontrados nas pesquisas consultadas comprovam a
forte influência da qualidade do relacionamento entre membros das empresas
familiares no bom andamento da empresa, da familia e da sucessão. Com isso,
pode-se rever o fenômeno da sucessão como algo que não se restringe a
continuidade da empresa. É um fenômeno mais amplo, que não se inicia na empresa
e sim na familia. A sucessão na empresa acompanha a sucessão na vida, onde os
filhos sucedem os pais. A história de uma sucessão contada com base
exclusivamente nos fatos relativos à empresa, dá apenas uma das dimensões do
fenômeno e faz com que seja praticamente impossível entendê-lo.
Questões relacionadas à sucessão serão objeto do capítulo 3.
25
2.4 A QUESTÃO DA PROFISSIONALIZAÇÃO
Diz-se que uma empresa familiar se profissionalizou quando sua
administração executiva passou das mãos dos familiares para a de executivos
profissionais. Também diz-se que uma empresa familiar se profissionalizou quando
passa a adotar métodos administrativos que valorizam a eficiência produtiva e a
meritocracia. Esta conceituação, contudo, pode gerar alguma confusão pois,
implicitamente, está se admitindo que toda empresa familiar não é profissional, isto
é, baseia sua administração em critérios não-econômicos e valoriza seu pessoal mais
pelo fato de "ser da família". Assim, a empresa familiar fica caracterizada como
uma empresa não profissional e seus dirigentes como incompetentes, duas
afirmações não necessariamente verdadeiras. A confusão parece residir na crença de
que empresa familiar não possa ser profissional, e também de que a
profissionalização represente um estágio mais avançado que as empresas familiares
deverão atingir em prol da sua sobrevivência
Mais correto seria contrastar empresas familiares a empresas abertas, isto é,
empresas que não se associam diretamente a um nome ou a um rosto, ou a uma
família, tendo seu controle acionário pulverizado nas mãos de muitos acionistas,
como são a maioria das consideradas grandes empresas capitalistas mundiais, as
chamadas Public Companies como a Coca-Cola, Chevrolet, Exxon, etc.
2.4.1 Empresa Familiar e Profissionalização
São várias as formas de profissionalização de empresas familiares. Uma, já
comentada, é quando a administração executiva da empresa passa da família para
executivos profissionais não membros da família. Essa forma é chamada
"profissionalização do capital", já que em geral a família mantém-se dona da
26
empresa, participando indiretamente do andamento da empresa através da ocupação
por seus membros de cadeiras no conselho de administração.
Outra forma é quando a família, além de deixar a administração da empresa,
perde o controle acionário. Se o controle acionário se pulverizar a empresa se toma
uma public company.
Para BERNHOEFT (1989), a profissionalização da empresa familiar é
fundamental para sua sobrevivência a longo prazo. O autor defende que a
continuidade dos negócios familiares depende não só da profissionalização da
administração mas também da separação da família da direção dos negócios,
mantendo, quando possível, o controle acionário da empresa.
BARNES & HERSHON colocam que
"como qualquer argumento para objetividade, a opção pelo profissionalismo
tem como base a lógica. Faz sentido para o negócio, e de certo modo
também para as famílias. O negócio é guiado de forma a evitar a interação
das vidas pessoais com as práticas administrativas, e ajuda evitar males
como o nepotismo e herdeiros pouco capazes, que geralmente causam
crises de transição. n (Barnes & Hershon, 1 976,p.73)
Contudo, a empresa familiar pode permanecer sob administração da família
por gerações e assim mesmo ser profissional e competitiva como mostrou
BETHLEM (1993). A empresa profissionalizada é uma alternativa (ou não) para a
empresa familiar. Entretanto, não há oposição entre o fato de a empresa ser familiar
e também ser profissional. Desde que a atividade da empresa valorize critérios tais
27
como eficiência, produtividade, meritocracia, não há porque não aceitar que uma
empresa familiar possa ser profissional.
28
CAPÍTULO 3
A INTERLIGAÇÃO FAMÍLIA-EMPRESA
29
3.1 A ORIGEM DOS CONFLITOS
Os conflitos que envolvem a sucessão numa empresa familiar têm origem
essencialmente fora da empresa, geralmente em momento anterior à sucessão, e
relacionados as complexas relações familiares. Como colocam BECKHARD e
DYER (1983), no momento da sucessão, rivalidades, conflitos e ciúme entre filhos,
maridos e esposas, pais e filhos reemergem1• Como a causa dos problemas e
conflitos tem sua origem muitos anos antes, é dificil para os membros da família
detectá-la. Além disso, os problemas aparecem muitas vezes de formas disfarçadas
ou mesmo inconscientes. Em relação a esta forma é importante citar Zalesnick e De
Vries:
... . . quando os conflitos são inconscientes, mesmo quando irrompem em
atos, o indivíduo ouvirá apenas aquilo que o estado atual de sua ansiedade e
a solidez das suas defesas lhe permitem. É como se uma economia
psicológica criasse um equilíbrio entre os desejos instintivos, de um lado, e
uma consciência punitiva, do outro, quando ocorre um ataque ao amor
próprio da pessoa. Nessa economia, o meio de intercâmbio consiste nas
defesas, num repertório de técnicas inconscientes destinadas a fazer frente
as idéias e ansiedades dilaceradoras." (Zalesnick e De Vries, 1 975,p.59)
A Artex, uma empresa familiar de Santa Catarina, quando se
profissionalizou, viveu momentos de disputa familiar derivados de um conturbado
relacionamento familia-empresa. RlSKI (1993) em sua dissertação de mestrado
sobre o processo de profissionalização da Artex, fez alguns registros.
1 o "reemergir" é o tempo próprio da psicaná1ise. Freud fez destaque para isso no seu trabalho "Além do Princípio do Prazer" (19201 onde Introduz o conceito de "compulsão a repetição" .
"Observando-se o relacionamento da família com a empresa, pode-se
constatar que o predomínio do envolvimento emocional, tal como adverte
Davies, foi uma característica marcante nas inter-relações familiares,
detectada especialmente quando diante de diferenças de opiniões quanto
ao rumo dos negócios, em detrimento da racionalidade necessária à
solução de problemas empresariais." (Riski, 1 993, p.1 36)
30
Um dos casos mais conhecidos de conflitos familiares envolvendo sucessão é
o de Abraão Kansisky, dono da Cofap, numa disputa sobre o controle da empresa
com seus filhos e envolvendo também sua primeira mulher. Em certo momento,
Abraão disse: "A gente tem que escolher, ou a família ou o negócio. Eu decidi
dedicar minha vida ao negócio." O que pode ter levado Abraão a ter tomado decisão
tão radical parece ter sido a grande dificuldade de relacionamento entre os membros
da família, evidenciada na discussão sobre o futuro da empresa.
O que representa a empresa de tão especial para sucessores e sucedidos?
Para o pai/fundador ela representa grande parte de sua própria vida, símbolo
do seu crescimento e status profissional e pessoal. É ainda onde conheceu o poder,
onde é prestigiado, respeitado e até temido.
Para o filho/sucessor, a empresa representa uma chance de auto-afirmação,
de desenvolver suas potencialidades, de poder conduzir seu futuro com mais
autonomia.
Dada essa importância, o ambiente da empresa familiar se toma tão
disputado, tão defendido, tão desejado pelos familiares, estejam ligados diretamente
ao dia-a-dia da empresa ou não. No cenário empresarial, impor idéias, tomar
3 1
decisões, obter poder, conquistar a confiança de outras pessoas, competir, ser
reconhecido, são ações que devem ser buscadas constantemente. O cenário é
propício para que aflorem emoções e sentimentos. Alguns desses sentimentos e
emoções podem aparecer claramente no comportamento das pessoas; outros podem
estar camuflados nas ações praticadas. Embora vários autores destaquem os
problemas de relacionamento e os conseqüentes conflitos entre os membros das
empresas familiares, poucos se aprofundam no esclarecimento da natureza destes
sentimentos. Para uma melhor compreensão dos mesmos é importante entender seus
motivos. A literatura sobre sucessão nas empresas familiares destaca algumas
emoções e sentimentos que mereceram análise no próximo capítulo. São eles:
enfrentamento da morte, rivalidade, desejo de poder, a culpa, o narcisismo e a
inveja.
3.2 mSTÓRIAS COMUNS
O ser humano é, a um só tempo, um ser genérico e específico, no sentido de
que lida com as forças homogeneizantes da socialização e a força interna de
individuação. O comportamento humano tende a ser em grande parte conduzido por
regras sociais, estereótipos, tipificações, que o tomam mais semelhante e propenso
às repetições. No caso das empresas familiares, a força das pressões
homogeneizantes sobre certas formas de comportamento de seus membros são
comuns tanto no ambiente familiar como na empresa, reforçando-se mutuamente.
Certas características parecem se repetir mesmo em empresas familiares situadas em
países diferentes, como constataram GaBo e Lacueva (1 989).
Um dos casos mais comuns é o que DE VRlES (1 990) chama de Spoiled
Kid Sydrome. No típico cenário o principal protagonista é o empreendedor que
32
trabalha muito, completamente obsessivo com o seu negócio. Geralmente homem,
ele trabalha dia e noite, não pensando em mais nada. Obviamente, esse estilo de
vida lhe deixa muito pouco tempo para sua família. Embora ciente do que está
fazendo, não consegue se ajudar. As demandas dos negócios, na sua percepção, são
irresistivelmente grandes. Ele racionaliza seu comportamento dizendo que faz o que
é melhor para sua família, e que por conta de seus esforços, todos estarão melhores
no futuro. Falha em perceber, entretanto, que pode estar canibalizando este futuro.
Talvez não haja futuro, pois freqüentemente esses homens tomam-se estranhos para
suas mulheres e filhos.
Tal comportamento leva ao sentimento de culpa por parte do pai. Uma
maneira comum de lidar com estes sentimentos é "subornar" os membros da familia,
como recompensa por não estar disponivel seja emocionalmente, seja de outra
forma. A recompensa pode começar com um ursinho de pelúcia quando os filhos
são pequenos e se metamorfosear em carros esporte, jóias, viagens, ou
apartamentos. Infelizmente, esses presentes nunca irão substituir a atenção que
faltou na infãncia. Simultaneamente, para aquele que dá, a entrega de bens materiais
se transforma na maneira de compensar as dificuldades experimentadas. Dá para os
seus filhos o que ele mesmo uma vez desejou para si, sem cogitar que tais desejos
não sejam idênticos ao dos filhos. Assim, suas melhores intenções de criar uma vida
melhor para os filhos nem sempre se concretizam, além de introduzir uma distorção
de valores, na medida em que bens materiais se transformam nos critérios mais
importantes, em prejuízo de outros valores e de sentimentos de afeição e respeito
mútuo. Essa troca - bens materiais por emoção e afeto - pode eventualmente
caracterizar uma "barganha Faustiana." Este tipo de barganha também é apontada
por FRISHKOFF ( 1994) e CAMBIEN (1960) como um dos aspectos importantes do
relacionamento entre pais e filhos com repercussão nas empresas familiares.
33
Na reportagem "Quem está no alto da pirâmide?" da revista EXAME de 6 de
fevereiro de 1 99 1 , são mostrados alguns resultados da pesquisa realizada pela
psicóloga Marilu Almeida no Núcleo de Estudos da Mulher, da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro. A autora investigou opinião de oitenta
mulheres casadas com executivos "de topo". Segundo a autora, a maior parte das
mulheres ouvidas acha que a ausência do marido em casa torna o diálogo com os
filhos mais difícil, prejudicando a formação das crianças. Para 95% das mulheres
ouvidas, o alto nível de vida proporcionado pelo marido não compensa essa lacuna.
Contudo, a maioria das entrevistadas também mostra certa cumplicidade com o
papel do marido. Caso contrário, dizem, eles correriam o risco de "estagnação
profissional" .
LODI traça uma cenário bastante semelhante ao de De Vries.
"A raiz do problema das crises na hora da sucessão empresarial fica muitas
vezes a uma distância de vinte-trinta anos quando esse pai/presidente
dedicou tanto engenho e energia ao empreendimento ao ponto de não se
dedicar suficientemente à família e à educação dos filhos. Especializou-se
no papel de homem de negócios a ponto de não ter outros papéis na vida,
como os de pai, marido, amigo, companheiro. Os filhos sacrificados por
essa drenagem de talento não tiveram orientação, crescendo
desarmoniosamente." ( Lodi, 1986,p. 21/22)
Outro cenário comum encontrado e analisado por De Vries (op.cit) tem como
base a existência de pais "ineficazes emocionalmente", isto é, que apresentam
dificuldades em dar amor e carinho aos filhos, reservando-lhes tempo limitado. O
autor coloca que os filhos muitas vezes, em função dessa fragilidade, acabam por
iniciar uma luta pela pouca atenção dos pais. Esta situação desperta, logo na
34
imancia, sentimentos de inveja e ciúme que não são fáceis de ser resolvidos e
muitas vezes permanecem gerando conflitos ao longo da vida. Em entrevista à
Revista Exame de 7 de dezembro de 1994, o psiquiatra Haim Grüspun, diretor da
clínica psicológica do Instituto Sedes Sapientiae, ligado à PUC de São Paulo,
baseado na experiência de já ter analisado a situação de cerca de quatro mil jovens,
diz que: "Não existe terapia que compense ou técnica que apague as marcas
deixadas pela carência afetiva, emocional e amorosa."
Segundo De Vries, com o tempo, muitos dos filhos tomam seu próprio rumo
na vida, saindo de casa e até mudando de cidade, o que ajuda a diminuir os
ressentimentos familiares. Assim, passam a olhar de certa distância seus familiares,
sentindo que são, apesar de tudo, importantes na sua vida. Entretanto, ao se
juntarem na empresa familiar podem acabar por quebrar este padrão.
"Consequentemente, de uma forma ou de outra, os membros da família
acabam presos uns aos outros. Eles podem se sentir enganados. E com isso
acabar repetindo os mesmos conflitos num círculo vicioso - uma
continuação dos antigos jogos emocionais da infância." (De Vries,1990,
p.65)
A pressão para que os filhos entrem na empresa da familia existe quase
sempre de alguma forma. Se ela não vem dos próprios pais, ela vem da sociedade.
Como colocam MILLER & RlCE (1 967), as pessoas em geral assumem que os
filhos já tem seu emprego na empresa da familia, desconsiderando suas
qualificações e desejos. É comum perguntas do tipo "você já está trabalhando com
seu pai?" como se o fato fosse inevitável. Resta saber se os filhos, conscientemente
ou não, acreditam que esse seja o seu verdadeiro e único destino.
35
A empresa familiar, neste sentido, é algo herdado a priori pelos filhos quer
eles se tomem de fato sucessores ou não. Eles herdam a empresa porque, pelo
simples fato de existir, ela representa, internamente para os filhos, um símbolo da
competência do pai, de sua grandiosidade. A presença da empresa, por outro lado,
representa o "desejo", pelo menos aparente, dos familiares, amigos, das pessoas em
geral de que os filhos sucedam o pai. O resultado desse processo é representado no
conflito pai-filho que se revela nas sucessões em empresas familiares.
MILLER & RICE (1967) acrescentam que expectativas quanto à
performance dos filhos também podem gerar distorções no relacionamento familiar.
O terceiro cenário abordado por De Vries tem como base, além da ineficaz
capacidade emocional do pai, mencionada anteriormente, seu comportamento
dominador. Não é fácil para o filho que entra na empresa, principalmente o mais
velho, viver na sombra de um pai empreendedor, geralmente um homem de
negócios de grande sucesso, de personalidade autoritária e que gosta imensamente
do poder. Segundo De Vries, o fenômeno é mais verificado em homens do que em
mulheres. Ainda sobre este aspecto, CAMBlEN (1960) e MILLER & RICE (1967)
apontam que o filho sente que jamais conseguirá realizar algo que seja
verdadeiramente digno de comparação com as realizações do pai. Roberto,
primogênito de Abraham Kansisky, dono da Cofap, disse a revista Exame de 2 1 de
julho de 1 993: "Se a empresa quebrar nas mãos do meu pai, ninguém falará nada,
pois foi ele quem a construiu. Mas, se o desastre acontecer sob o meu comando
serei chamado de incompetente, de irresponsável."
De Vries observa, no entanto, que a situação se altera em relação a filhos
mais novos:
"Filhos nascidos mais tarde, ou filhos de segundo casamento, tendem a ter
melhores condições. O empreendedor os percebe menos como uma ameaça
ao seu poder e mais como símbolo de potência e vitalidade" (De Vries,1990,
p.66).
36
Outro fator levantado por De Vries é a presença do que Freud chamou de
Complexo de Édipo. Resumidamente, o complexo reflete sentimentos sexuais
inconscientes na criança em relação aos pais.
"Muitos empreendedores parecem ter experimentado uma vitória simbólica
do Complexo de Édipo ao ultrapassar seus pai, ganhando uma porção maior
do amor e afeto da sua mãe. Entretanto, eles não estão dispostos a permitir
triunfo semelhante a seus filhos. Ao invés disso, alguns empreendedores
vão incorrer continuamente em ações que menosprezem e diminuam os
filhos. Em conseqüência, alguns filhos desistem, se dão mal na escola, e
agem de forma irresponsável. Transformam-se na antítese dos seus pais,
temporariamente ou eternamente." (De Vries, 1 990, p.66).
LEVINSON também parece concordar com esse ponto. Com referência à
pesquisa feita por Collins & Moore ele defende que
" . . . o empreendedor tipicamente tem conflitos não resolvidos com seu pai...
Ele se sente então desconfortável em ser supervisionado, e começa seu
próprio negócio tanto para superar seu pai como para escapar da
autoridade e rivalidade de figuras mais fortes." (Levinson, 1 971 , p.91)
Neste sentido, a rivalidade com o pai movida pelo Complexo de Édipo funciona
como fator responsável pelo perfil empreendedor destes homens. LEVINSON
37
(1983) lembra que o empreendimento empresarial é ação basicamente masculina.
Embora muitas mulheres tenham iniciado um negócio, poucos se desenvolveram
(até a data do seu trabalho) a um tamanho significativo.
Também DYER (1 986) propõem que os membros da família, em especial os
filhos, sofrem pressões de sentimentos de inferioridade em relação ao "poderoso
pai". Tais sentimentos levam os filhos a reagir basicamente de duas formas: ou se
sentem vítimas da situação ou assumem uma postura agressiva e violenta. No
primeiro caso, o ressentimento que o filho sente do pai faz com que adote a postura
de não-confronto. Ele pode deixar a empresa e chega a se afastar da família. Ou,
segundo Davies ( 1989), pode permanecer na empresa mas contribuir para o próprio
fracasso, demostrando a si mesmo (e a seu pai) que não é capaz de sucedê-lo. No
segundo caso, suas reações são auto-destrutivas como ir mal na escola, usar drogas,
se alcoolizar. A Revista Exame de 7 de dezembro de 1 994, revela resultados de uma
pesquisa realizada pela "Fortune" nos E.U.A onde 36% dos filhos de executivos
passam, a cada ano, por tratamento para problemas psiquiátricos ou de abuso de
drogas, contra "apenas" 1 5% dos filhos de não executivos. Em qualquer dos dois
casos, fica claro que os filhos se sentem incapazes de fazer frente ao pai e procuram
uma justificativa para o seu fracasso, mesmo que este não tenha acontecido e nem
necessariamente vá ocorrer. O fracasso só existe na cabeça do filho.
Lodi também enfatiza o conflito pai e filho como um dos aspectos que mais
influi na sucessão:
"A semente da destruição pode estar no próprio fundador, seja no caráter
deste homem, seja em sua visão de mundo, seja na forma como ele percebe
e permite que as diferenças psicológicas entre pai e filho perturbem a mente
do sucessor. Toda crise sucessória está assentada num conflito edipiano
entre pai e filho, onde os problemas de carreira do filho, os problemas de
planejamento e de organização da firma, as decisões de novos produtos e
investimentos servem de palco para o drama."(Lodi, 1 986, p.44)
38
o resultado de tais situações, que têm em comum a falta de capacidade dos
pais (principalmente o pai) de amar a família, pode ser desastroso para a empresa e
para a familia. DE VRIES (1990) coloca que quando o amor inexiste ou se faz
pouco presente nas familias, toma-se altamente disputado, alvo de grande
competição. As disputas familiares e na empresa se confundem. A empresa,
enquanto lugar de competição por excelência, acaba se tomando o lugar onde as
frustrações emocionais aparecem com mais evidência, do que resultam as disputas
entre familiares. Decisões são tomadas com bases em critérios emocionais ao invés
de baseadas em critérios de racionalidade econômica. Como muitas das disputas que
influenciam as escolhas têm suas origens em outro espaço-tempo (na infiincia),
tomam-se extremamente confusas e dificeis de ser entendidas, se considerado
somente o que está acontecendo com a empresa naquele momento. Gallo e Lacueva
(1989) verificaram, por exemplo, que em 72% das empresas familiares que
analisaram, algum membro da família havia deixado a empresa motivado pelas
mudanças e conflitos provocados pela sucessão.
3.3 o COMPORTAMENTO FAMILIAR E O
RELACIONAMENTO FAMÍLIA-EMPRESA
Grande parte dos estudos sobre a empresa familiar é realizada a partir da
perspectiva da empresa. Poucos estudos adotam o prisma familiar, apesar de a
relação empresa-familia ser influenciada tanto pela empresa como pela família. A
39
abordagem sob o prisma da família deve partir do entendimento de algumas
caracteristicas do sistema familiar.
3.3.1 O Sistema Familiar
Segundo a definição de KEPNER a familia é um
" sistema social aprovado pela lei e costumes para cuidar das
necessidades dos seus membros. A 'cola' que a mantém junta ao longo das
vicissitudes das transições do seu ciclo de vida e as complexas e
complicadas l igações interpessoais são os vínculos emocionais e os laços
afetivos que se desenvolvem entre seus membros, assim como um senso de
responsabilidade e lealdade à família como um sistema." (Kepner,1983,p.60)
Funcionando como um sistema, a ação de cada indivíduo na família não é isolada
por si s6. Ela afeta os outros membros, com mais ou menos intensidade, conforme a
importância da ação individual para a familia.
Além disso, Kepner atribui à família o atendimento de algumas necessidades
emocionais e sociais de seus membros. Entre elas, destaca:
a) A necessidade de pertencer a um grupo. Suprir esta necessidade proporciona
ao indivíduo o sentido de auto-valorização.
b) A necessidade de intimidade. A intimidade é encontrada na família porque nela
seus membros são valorizados e estimados pelo que são, e não pelo que deveriam
ser.
40
c) A necessidade de automia e a busca de identidade. É na família que o
indivíduo dá início e desenvolve sua necessidade de se diferenciar, distinguindo-se
dos demais.
A fim de suprir essas necessidades de seus membros, a família se organiza de
forma a estabelecer para cada membro as expectativas quanto ao papel que lhe cabe
desempenhar. Para Kepner, a organização da família tradicionalmente se dá em três
subsistemas: o do casal, o dos pais e o dos filhos.
o subsistema do casal possui duas funções básicas: atender as necessidades e
anseios da relação marido e mulher e, ao mesmo tempo, do sistema familiar como
um todo. É o subsistema que atua nas decisões da família e, como exemplifica
Kepner, irá controlar as finanças e os recursos, decidir onde e quando a família irá
nas férias, como a família se relacionará com os parentes, que pessoas serão
incluídas no círculo social, etc.
Segundo Kepner, logo após o casamento os casais começam a estabelecer as
regras pelas quais cada um irá desempenhar suas tarefas respectivas. Há três formas
de lidar com a liderança no subsistema do casal: a simétrica, a complementar e a
recíproca.
Na forma simétrica prevalece o espírito competitivo entre o casal, onde cada
um parece querer provar superioridade em relação ao outro. Com o tempo, esta
briga por status pode se tornar a única maneira de a família se relacionar.
Na forma complementar o casal divíde entre si as responsabilidades na
família Tradicionalmente cabia ao homem ser responsável pela obtenção da renda
familiar enquanto à mulher cabiam os afazeres domésticos e a atenção aos filhos.
41
Hoje em dia, com a maIOr igualdade social entre homem e mulher, as
responsabilidades em geral são alocadas de modo que marido e mulher
desempenhem um pouco de cada função (os dois trabalham, cuidam dos filhos, etc).
Na forma reciproca, utilizada por muitos casais, os membros do casal
alternam sua forma de se relacionar (pode ser complementar ou simétrica),
conforme a situação e em função de seus talentos e recursos.
o subsistema dos pais se refere ao casal com filhos. No papel de pai e mãe, o
casal busca uma forma para educar e criar os filhos. A forma encontrada, seja ela
consciente ou não, influenciará diretamente na maneira como os conflitos entre os
filhos serão contornados.
o subsistema dos filhos representa um grupo em formação, onde a educação
e o aprendizado das regras sociais são transmitidos pelos pais. Os filhos se
relacionam de duas formas distintas. De um lado, agem como amigos, se ajudando e
cuidando uns dos outros. Por outro, competem entre si pelo amor, atenção e a
aprovação dos pais.
Um momento delicado na relação dos subsistemas ocorre em função das
crescentes disputas do casal e de expectativas frustradas de cada um em relação ao
amor do companheiro. Nestes casos é comum que a criança seja incorporada no
subsistema do casal como um terceiro membro, onde os três passam a ter suas vidas
interpostas umas com as outras. Por exemplo: o pai (ou mãe) se torna o protetor da
criança e esta se torna o protetor do pai (ou da mãe). Em outros casos, os pais
buscam na criança o apoio para as disputas entre o casal. Assim, a criança pode se
tornar uma espécie de advogado ou juiz no subsistema dos pais ou, ainda mais
grave, servir como canalizadora dos males do sistema familiar. Algumas vezes os
42
filhos podem canalizar esses males em sintomas como casos de doença, baixo
desempenho na escola ou num agir de forma irresponsável.
3.3.2 O Sistema Familiar e a Empresa
DA VIS (1983) coloca que as famílias, assim como as empresas, têm uma
forma muito específica de se organizar. O objetivo principal da forma de
organização familiar é buscar a união do núcleo famíliar (pai, mãe e filhos).
Davis explica que a organização familiar regula o comportamento dos
membros da família, principalmente através de "regras verbais de conduta" e "fortes
padrões de restrição de comportamento", mantidos de forma inconsciente. Isto serve
para manter o "paradigma familiar". Davis cita o trabalho de Reiss, para quem:
"O paradigma familiar é um conjunto de suposições, convicções, ou crenças
que cada família guarda sobre o seu ambiente, as quais levam a família a
provar certos segmentos do mundo e ignorar outros. Evidências sugerem
que a vida de cada família se configure nos limites do paradigma que
emerge ao longo do desenvolvimento familiar." (Davis, 1983, p.50/51 )
Para Davis, ao eleger um segmento do mundo para interagir, a família acaba
reforçando suas suposições iniciais, ou seja, o paradigma familiar torna os sistemas
familiares extremamente estáveis. Reiss, citado por Davíes, distingue três categorias
básicas de organização famíliar: a "sensível ao consenso", a "sensível à distância
interpessoal" e a "sensível ao ambiente".
As famílias "sensíveis ao consenso" têm como principais caracteristicas:
• percebem o ambiente como sendo ameaçador e hostil;
43
• possuem internamente forte necessidade para o consenso quando se trata de
assuntos importantes;
• refletem constante tensão em manter um acordo ineterrupto e fechado.
As famílias "sensíveis à distância interpessoal" por sua vez:
• são compostas por indivíduos que percebem o ambiente dividido em número
igual ao dos membros da família, sendo que cada membro tem acesso a uma fração
desse ambiente e se preocupa somente com ela;
• são mais fragmentadas, estando cada membro preocupado em mostrar domínio
sobre sua fração;
• apresentam pequena troca entre seus membros e pouco entendimento de
problemas familiares
Finalmente, as famílias "sensíveis ao ambiente":
• são capazes de equilibrar os interesses individuais de seus membros com a
necessidade de união da família;
• são flexíveis em relação ao nível de sua interligação com o mundo.
Davis ressalva, contudo, que estas categorias de famílias não distinguem
famílias consideradas "normais" das "patológicas". Famílias que conseguem atingir
formas harmoniosas de convívio podem estar inseridas em qualquer das três
categorias. A tendência em ser excessivamente fragmentada, por exemplo, pode não
representar para a família barreira para a boa "performance" familiar, sendo a
fragmentação vista como parte do seu "estilo".
44
Problemas começam a surgIr quando a tendência a um tipo de
comportamento se toma exagerada, passando a guiar os comportamentos dos
membros da família. Davis, assim como Kepner, identifica que as famílias que
exageram na sensibilidade ao consenso se tomam "emaranhadas", ou seja, os
membros reagem sensivelmente entre si, ficam muito envolvidos com a psicologia
do outro e enfrentam dificuldades para definir sua própria identidade. DA VIS &
STERN (1980 apud Wynne, 1958, p.2 l8) identificam este tipo de relação de
pseudomutual relationship, quando os membros da família agem de forma a evitar
as diferenças interpessoais. Uma imagem de que tudo vai bem é projetada para o
mundo exterior, mas, na verdade, existe um profundo sentimento de hostilidade que
parece só poder ser evitado através da falsa imagem.
Por outro lado, quando a família exagera na distância interpessoal ela pode se
tomar "desengajada", isto é, seus membros podem se afastar um dos outros em
demasia. O ambiente dessa família se toma freqüentemente vazio, pois seus
membros vivem suas vidas de forma isolada e o grupo famíliar parece não mais
fazer sentido.
Em algumas famílias "emaranhadas", notam-se alguns comportamentos
comuns entre seus membros:
• o de evitar o conflito e o surgimento de questões famíliares mais dificeis;
• o de lutar para que o consenso de que tudo esteja bem prevaleça, mesmo
sabendo que nem tudo está bem.
Em famílias "emaranhadas", os conflitos existentes podem ou não ser
capazes de desintegrar a família. Em qualquer dos casos, contudo, servem para
45
estabelecer certa distância entre os membros e como forma de evitar que questões
importantes sejam discutidas.
DA VIS (1983) assume como hipótese bastante provável que as famílias que
possuam empresas sejam, predominantemente, do tipo "sensíveis ao consenso",
particularmente nas primeiras gerações da empresa, devido às características do
fundador. Tal hipótese se fundamenta em inúmeros casos de conflitos e brigas em
empresas familiares onde comportamentos derivados da "sensibilidade ao consenso"
têm-se revelado.
3.3.3 Cultura
As semelhanças entre comportamentos e relacionamentos dos membros de
empresas familiares podem, sob determinado aspecto, chegar a caracterizar "micro
culturas", resultado da interligação entre o ambiente familiar com a empresa. Sem
chegar a fazer uma "antropologia" das empresas familiares, alguns autores têm
buscado explicar o processo de formação da cultura das empresas familiares. Neste
processo, a importância da figura do fundador, tanto na formação da cultura da
família como da empresa, aparece como destaque na l iteratura sobre o tema.
3.3.3.1 Cultura Familiar
Segundo Kepner (1983) cultura pode ser defmida como
.. uma maneira de perceber e pensar, de julgar, avaliar e sentir; uma maneira
de agir em relação aos outros e de fazer as coisas e resolver os problemas.
A cultura lida com problemas de integração interna e sobrevivência social e,
por isso, tende a ser transmitida como um conjunto das soluções adotadas
para as próximas gerações. O padrão cultural adotado ou herdado, ao
prover um conjunto de dicas para a ação, serve para reduzir a ansiedade;
dá sentido, valor e significado ao que poderia ser vivenciado como eventos
confusos e esmagadores. Famílias desenvolvem regras para reforçar sua
cultura. Estas regras são geralmente ocultas, mas podem ser deduzidas
através do comportamento e da comunicação." (Kepner, 1983,p.62)
46
Com base nessa definição, Kepner aponta que a cultura familiar pode ser
descrita na forma como expressa as relações e sentimentos de seus membros. Os
conflitos familiares, o processo de individuação e a expressão emocional são
exemplos da dimensão cultural da família.
3.3.3.2. O Processo de Individuação
Os conflitos familiares para Kepner são reflexo da maneira pela qual o
sistema familiar lida com as diferenças entre seus membros. Algumas dessas
diferenças são mais delicadas, quando, por exemplo, um membro se opõem aos
objetivos e à forma do sistema familiar. Muitas famílias crêem que não deve haver
diferenças e, assim, reprimem qualquer gesto que estimule a discussão e o
questionamento das regras e costumes da família. Entretanto, a repressão do conflito
que motivou a discórdia não faz com que o mesmo desapareça. Pior, pode ficar
reprimido, escondido, reaparecendo de forma mais agressiva e violenta no futuro.
Nessas familias, o processo de individuação da criança é problemático, resultando
em relações de dependência entre pais e filhos, onde um não pode viver sem o
outro.
Por outro lado, tentar manejar tais conflitos pode também representar
momentos dificeis para a família. Muitas vezes, a decisão de não evidenciar os
47
problemas e conflitos está relacionada à empresa, fruto por exemplo da pressão que
deriva do fato de a empresa não poder ter sua imagem abalada por constrangimentos
familiares. É, contudo, dificil culpar a empresa como causadora das discórdias
familiares, já que não é fácil criticar a fonte do seu próprio sustento.
A maneira de lidar com as diferenças em família é notadamente diferente nos
tipos de casais. É comum nas famílias de casais com "relações simétricas" que as
diferenças sejam tratadas de forma espontânea e contínua. Essa forma de
tratamento, devido ao ambiente competitivo da família, impede muitas vezes que a
discussão das diferenças entre seus membros traga beneficios para suas relações.
Já entre casais que se relacionam de forma "complementar", com a
responsabilidade de cada um bem diferenciada e a liderança sendo exercida de
forma autoritária, há uma tendência de se definir o que é "certo" e o que é "errado".
Rejeitam-se as ações que interfiram no status quo. Nessas famílias, a individuação
da criança é moldada segundo os conceitos estabelecidos pelos pais.
As famílias "recíprocas", por sua vez, tendem a ter comportamento mais
aberto diante das diferenças, buscando no diálogo uma forma de consenso. É
comum nessas famílias certos mecanismos ou "rituais" que estimulem a auto-estima
dos seus membros após as discussões. Tais famílias tendem a estimular a
individuação da criança, incentivando-a a participar no andamento da vida familiar.
3.3.3.3 Expressão das Emoções
A possibilidade de expressar as emoções é outro reflexo da cultura familiar.
Como coloca KEPNER, as emoções e os sentimentos nos fazem discernir entre o
48
que gostamos ou não, a maneira de nos relacionar com os outros e o que queremos
fazer das nossas vidas. Algumas culturas familiares
"são baseadas na premissa de que sentimentos são irreais, embaraçosos, e
não dignos de confiança, de forma que os membros nunca aprendem
corretamente a nomear e diferenciar certos sentimentos de outros."
(Kepner, 1983, p.63),
Assim, a expressão dos sentimentos acaba seguindo um padrão estabelecido
pela cultura familiar. Em algumas famílias, por exemplo, pode predominar a
expressão de sentimentos negativos, caracterizando uma relação tensa entre os
membros. Ao contrário, outras familias estimulam a expressão de sentimentos tanto
positivos como negativos, onde estes últimos servem como sinais de que algo deve
ser atentado e possivelmente corrigido.
Pais de comportamento agressivo e autoritário muitas vezes cerceIam a
possibilidade de expressão de sentimentos por parte dos filhos. Estes ficam
impedidos de manifestar para o exterior muitas reações de amor e ódio frente aos
pais. Os impulsos agressivos, como explicam KLEIN & RIVIERE (1970), passam a
ser aplicados para o interior do próprio indivíduo na tentativa de conter e controlar o
caminho das suas emoções sejam elas harmonizadoras ou destrutivas2. Uma das
conseqüências é a manifestação dessa repressão emocional em alguma parte do
corpo, através de um sintoma que inexplicavelmente se inicia e se revela de dificil
controle sob forma medicamentaI.
2 Não é intuito afirmar que a origem da agressividade, para Melauie Klein, é fruto da agresslvidade do outro. No pensamento da autora, ela é produto da pulsão de morte, cuja intensidade seria Inata. O conceito de pulsão de morte foi introduzido no trabalho de Freud "Além do Princípio do Prazer" (1920)
3.3.3.4 Os Mitos Familiares
ROCHA (1994) explica que o mito é
.. . . . uma narrativa. É um discurso, uma fala. É uma forma das sociedades
espelharem suas contradições, exprimirem seus paradoxos, dúvidas e
inquietações. Pode ser visto como uma possibilidade de se refletir sobre a
existência, o cosmos, as situações de 'estar no mundo' ou as relações
sociais" (Rocha, 1 994,p.7)
49
O mito também se faz presente na fallÚlia, à medida que ele, como coloca
Rocha (op.cit), "serve para significar muitas coisas, representar várias idéias, ser
usado em diversos contextos."
A percepção da realidade e os mitos familiares são, segundo KEPNER
(1983), outro aspecto da cultura familiar. A percepção da realidade, embora
individual, é compartilhada pelos membros da família, que criam uma espécie de
"matriz de valores e percepções comuns". Desses aspectos comuns, dois se
destacam: os mitos mantidos pela família e a maneira pela qual estes mitos
permanecem inalterados.
Os IlÚtos familiares são formados a partir de crenças estabelecidas ao longo
da vida familiar. É a partir destes mitos que a familia concebe a sua própria imagem,
permitindo uma visão positiva de si mesma, ainda que as evidências sejam
contrárias. Kepner dá como exemplo pais que tiveram relativa facilidade na criação
de seus filhos continuam a ver a familia como um modelo de felicidade, mesmo que
o filho adolescente esteja bebendo demais e que a filha tenha fugido de casa pela
quarta vez.
50
Os mitos familiares também são referências para a percepção dos seus
membros. Por exemplo, o filho que quando criança era muito tímido e frágil
fisicamente, continua como adulto sendo tratado como uma criança que não
consegue fazer as coisas por conta própria.
Os mitos familiares podem ser frutos da forma de estruturação estabelecida
pela família. Em determinada familia, por exemplo, foi "concedido" ao pai,
fundador de uma empresa familiar e empresário de sucesso, todos os méritos
referentes à "categoria" sucesso profissional. Assim, ficou reservado exclusivamente
ao pai a capacidade de ganhar dinheiro, de ser competente profissionalmente e de
ter sucesso, como se essas possibilidades só fossem de direito seu ou somente
competentes a ele. O sintoma dessa forma de estrutura familiar é que os filhos,
adultos, vivem, cada qual ao seu modo, grandes dramas de realização profissional.
O pai, por sua vez, também parece de alguma maneira compactuar com essa
situação, preservando assim sua posição de "único competente".
Se, por um lado, os mitos podem prejudicar a formação do (a) filho (a) como
adulto, por outro, podem lhe trazer certo tipo de prazer. Por exemplo, a manutenção
do mito que o (a) categoriza como incapaz e frágil, pode lhe garantir a continuação
da atenção especial por parte dos pais.
Além disso, os mitos familiares intemalizados no indivíduo são levados à sua
vida adulta. Na empresa, dependendo do contexto, os filhos podem ter mais ou
menos facilidade para alcançar um objetivo em função do tipo de mito que ele
representa. Por exemplo, o filho visto como mais extrovertido e agressivo
(características valorizadas no ambiente empresarial) pode ser considerado a priori
aquele com o "dom" para tomar conta da empresa.
5 1
Em última instância, os mitos familiares, ao perpetuarem a imagem passada
dos membros da familia, são uma forma sutil de negar as mudanças que ocorrem
com o tempo e o chegar da vida adulta. Essa negação pode representar alívio e fonte
de prazer tanto para os pais como para os filhos. Para o pai, por exemplo, pode
evitar o stress proveniente de possíveis mudanças na organização familiar,
mantendo sua eterna figura de centro do poder e das decisões, como o único
suficientemente competente na família para gerir a empresa.
3.4 O FUNDADOR E A FORMAÇÃO DA CULTURA NA
FAMÍLIA E NA EMPRESA
As empresas familiares de primeira geração têm em comum entre si a figura
do fundador. Este, por ser em geral pessoa de personalidade marcante, exerce
enorme influência tanto no ambiente da empresa como na família. A sua forte
presença é uma das diferenças que marcam o comportamento das empresas
familiares de primeira geração em relação às de segunda, terceira e demais gerações.
A figura do fundador está associada à do líder, principalmente na empresa,
mas também na família. Max Weber, citado por DYER (l 986,p.60) foi quem
primeiro teorizou sobre as formas de liderança e burocracia. Ele categorizou três
tipos de líderes: tradicional, legal e carismático.
Segundo Dyer, os fundadores de empresa familiar parecem estar associados
ao tipo carismático. Dyer (op.cit. apud House, 1 977, p.60) lista as principais
caracteristicas do fundador. Primeiramente, fundadores são vistos como pessoas
muito confiantes, dominadoras e com grande convicção sobre suas idéias.
,.
Além disso, fundadores de empresa familiar em geral tendem a:
• desconfiar de outras figuras autoritárias; .
• rejeitar ajuda de outros;
• exercer seu poder de forma arbitrária e inconstante;
• ser reservado sobre suas atividades;
52
• controlar e organizar totalmente as atividades tanto da empresa como da família;
• relutar em delegar coisas para outros;
• desenvolver uma filosofia seguida implicitamente;
• considerar a si mesmos "grandes demais".
McClelland, citado por BARRY (1975) aponta o desejo de realização do
fundador como uma característica que merece destaque, isto é, o desejo de
estabelecer metas e desafios, de deter a responsabilidade sobre os resultados e de
estabelecer as recompensas para os participantes com base nas suas performances.
Indivíduos com alto desejo de realização tendem a trabalhar um grande número de
horas, gostam de trabalhos inovadores e são meticulosos na análise de cada
empreendimento. Eles gostam do trabalho e geralmente relutam em se afastar do
mesmo.
Davis (1983), elabora uma relação entre o sucesso das empresas familiares
com o desejo de realização de seus participantes. Se por um lado essa característica
é fundamental para os primeiros anos da empresa e o seu desenvolvimento, por
outro lado, pode gerar alguns problemas no futuro. BARRY (1975) aponta que o
fundador considera a empresa sujeita exclusivamente ao seu controle e tem
dificuldades em delegar autoridade e responsabilidades para outros. Esta dificuldade
53
em dividir o poder tem sérias implicações para a sucessão, quando o sucessor está
justamente buscando mais responsabilidades e mais poder.
Muito do senso de realização do fundador e de sua criatividade pode ser
explicada, segundo ZALESNIK & DE VRIES (1975), por uma in:f'ancia cheia de
dificuldades, até dramáticas, que envolveram morte, solidão, pobreza e a emigração
entre outras. Os autores citam o trabalho de Collins, Moore e Unwalla, "The
Enterprising Man", onde numa série de entrevistas com cerca de oitenta empresários
temas foram falados repetidamente temas como "morte", "fuga à pobreza", "os pais
que foram embora", "fuga à insegurança". A vivência de situações adversas e a
vontade de vencer tais situações pode ser um componente do complexo quadro que
forma a personalidade do fundador.
DYER (1986) buscou traçar uma relação entre a personalidade dos pais e a
cultura familiar. O autor encontrou na sua pesquisa alguns padrões culturais nas
empresas familiares que parecem corroborar com os cenários descritos por DE
VRIES (1990), apresentados na seção 2.1 deste trabalho. O primeiro padrão
encontrado por Dyer é nomeado "família patriarcal/matriarcal". Nesta, o pai (mãe) é
o centro das atenções da família, que vive em função dos seus desejos e sob sua
autoridade. As decisões importantes só são tomadas pelo pai (mãe), esperando-se
que o resto da família aceite suas decisões de bom grado. Em conseqüência, no caso
da "família patriarcal", por exemplo, tanto a esposa como os filhos acabam por
representar papéis subservientes em relação ao pai, ficando extremamente
dependentes dele, que se torna, pouco a pouco, a pessoa que decide boa parte do
que irão fazer na vida. Em contrapartida à confiança que lhe é depositada, o pai
pouco reparte sua vida com a esposa e filhos. Estes pouco sabem de suas atividades
e das notícias da empresa.
54
Um segundo padrão cultural encontrado por Dyer é a "família conflituosa"
que se caracteriza pela ausência de objetivos comuns entre seus membros. Os
relacionamentos são baseados na desconfiança e cada membro parece querer se
proteger ao invés de atuar em prol da família. Como resultado, há grande número de
conflitos e incapacidade de resolvê-los amigavelmente (podendo via de regra parar
na justiça).
Os cenários descritos por DE VRIES (1 990), apesar de serem comuns às
empresas famíliares, não são as únicas formas de relacionamento entre os seus
membros. Na verdade, existem famílias que conseguem lidar com seus problemas e
conflitos de maneira positiva, não destrutiva, com boas conseqüências no
andamento da empresa. Dyer aponta um outro padrão cultural nas empresas
famíliares: a "família colaborativa". Essas famílias começam a se distinguir das
demais por ter no seu líder, o pai (mãe), uma figura participativa que não somente
confia a seu cônjuge e filhos os acontecimentos de sua vida, mas demanda suas
opiniões e ajuda na hora de tomar suas decisões. Assim, cada membro da família vai
podendo encontrar seu próprio espaço na medida em que entendem que há espaço
para todos e que a participação de cada um é importante. À medida que a família
aprende a se relacionar de forma cooperativa, cada ação subsequente é feita para
manter a união e a solidariedade existentes.
Ainda segundo Dyer, fundadores geralmente criam empresas paternalistas e
vivem em uma família "patriarcal" ou "conflituosa". O autor encontrou, entre as
empresas familiares de primeira geração, poucos exemplos de empresas
"participativas" e observou raras famílias "colaborativas".
CAPÍTULO 4
. CONFLITOS .ENTRE MEMBROS DA EMPRESA FAMILIAR
- SEUS PERSONAGENS E SEUS DRAMAS
55
56
4.1 EMOÇÕES HUMANAS
No capítulo anterior, a empresa famíliar e a sucessão foram vistas sob o
prisma da família. Foi explicada a forma como é constituído o sistema familiar e
possíveis impactos do mesmo no modus vivendis tanto da família como da
empresa. Buscou-se ainda discutir acerca da formação da cultura na família e na
empresa, destacando-se a figura do fundador.
o presente capítulo tem como foco não mais o sistema famíliar como um
todo, mas as partes que o compõem, isto é, marido, esposa, pai, mãe, filho, filha,
irmão e irmã. Cada membro da família possui, ao mesmo tempo, conflitos
individuais e outros que são fruto da relação famíliar. Tais conflitos são derivados
em grande instância das emoções primítivas de amor e ódio e da busca da auto
preservação e do prazer.
Ao entrar em contato com suas emoções o ser humano tende a querer se
apropriar dos sentimentos de amor e daqueles que lhe proporcionam prazer. Ao
contrário, busca relegar os sentimentos penosos e desagradáveis. Como explica
Freud,
"as provas da psicanálise demostram que quase toda relação emocional
íntima entre duas pessoas que perdura por certo tempo - casamento,
amizade, as relações entre pais e filhos - contém um sedimento de
sentimentos de aversão e hostilidade, o qual só escapa à percepção em
conseqüência da repressão ... Quando essa hostilidade se dirige contra
pessoas que de outra maneira são amadas, descrevêmo-Ia como
ambivalência de sentimentos e explicamos o fato, provavelmente de maneira
demasiadamente racional, por meio das numerosas ocasiões para conflitos
de interesse que surgem precisamente em tais relações mais próximas".
(Freud, 1 921 ,p.1 28)
57
A reação humana frente aos sentimentos desagradáveis que vivencia é muito
peculiar. KLEIN & RIVIERE defendem que estes tipos de sentimentos
" . . . vêem-se automaticamente relegados para fora de nós; admitimos que se
localizem em outra parte que não em nós. Renegãmo-Ios e repudiãmo-Ios
como emanando de nós; na expressão pouco correta do ponto de vista
gramatical porém psicologicamente exata, culpamos a alguém mais por
eles. Na medida em que tais forças destrutivas são reconhecidas em nós,
pretendemos que ali chegaram arbitrariamente e através de algum agente
externo, e devem voltar ao lugar que lhes compete." (Klein e Riviere, 1970,
p.27/28)
Como a maior parte deste tipo de comportamento descrito por Klein e
Riviere ocorre no inconsciente, não é com facilidade que o ser humano pode
compreender seus comportamentos e atitudes. Entretanto, a compreensão ou pelo
menos o conhecimento destes sentimentos - e de sua forma de manifestação - é
fundamental para uma ação mais consciente.
Foram destacadas algumas emoções e sentimentos freqüentemente
referenciados nos estudos e pesquisas sobre empresas familiares para uma análise
mais detalhada. Entre as emoções estão: o desejo de poder, a rivalidade e a culpa.
Também estarão em foco os sentimentos humanos em relação à morte e o
narcisismo, que frequentemente se destacam no fundador. Entretanto, estas são
apenas algumas das muitas emoções e sentimentos que influem no comportamento
humano e que exercem influência na dinâmica da família e na empresa familiar.
58
4.2 UMA MORTE ANUNCIADA
Um dos problemas mais dificeis e mais complexos para o ser humano talvez
seja o de enfrentar a morte. A morte, como coloca DA MATTA (1991 ), é um
problema filosófico e existencial do homem, especialmente o homem dos tempos
modernos.
"De fato, questões como saber se a morte pode ser vencida, conhecer o
significado da morte, ficar profundamente angustiado com o fato paradoxal
que a morte é a única experiência social que não pode ser transmitida,
discutir a imortalidade, o tempo, a eternidade e, sobretudo, tomar a morte
como algo Isolado, é uma questão moderna ligada ao individualismo como
ética do nosso tempo e das nossas instituições sociais". (Da Matta, 1991 ,
p.143/144)
KLEIN & RIVIERE (op.cit) evidenciam o temor da morte:
"Meu argumento é o de que tememos acima de tudo a ação de forças
destrutivas que operam dentro de nós e contra nós. A morte representa o
extremo mais avançado de destruição que somos capazes de conceber, e a
nossa própria morte representa evidentemente o ponto culminante da
atuação das forças inerentes de destruição dentro de nós. Ora, só foi no
correr dos últimos duzentos ou trezentos anos da história secular do homem
que a realidade da morte tornou-se amplamente reconhecida como
necessidade imanente, acompanhando um processo de destruição que se
opera em nosso corpo. n (Klein & Riviere, op.cit, p.29/30)
59
KÜBLER-ROSS (1991) explica que a repulsa a morte é, do ponto de vista
psiquiátrico, bastante compreensível
ne talvez se explique melhor pela noção básica de que, em nosso
inconsciente, a morte nunca é possível quando se trata de nós mesmos. É
inconcebível para o inconsciente imaginar um fim real para nossa vida na
terra e se a vida tiver um fim, este sempre será atribuído a uma intervenção
maligna fora de nosso alcance. Explicando melhor, em nosso inconsciente
só podemos ser mortos; é inconcebível morrer de causa natural ou de idade
avançada. Portanto, a morte em si está ligada a uma ação má, a um
acontecimento medonho, a algo que em si clama por recompensa ou
castigo." (Kübler-Ross, E. , 1 991 ,p.14)
A inevitabilidade da morte, além de levantar questões como as citadas por Da
Matta, Kübler-Ross e Klein & Riviere, provoca para um grande número de pessoas
sentimentos que vão desde a raiva até o medo e a depressão. Muitos acumulam
durante a vida grande nível de poder e prestígio, e, em função desse poder, detêm a
obediência de outras pessoas e a força de influenciar suas vidas. Acabam se
julgando tão poderosos que se acreditam imortais. DE VRIES (1990), constata que
muitos presidentes de empresa falam da morte como se ela fosse algo que só
pudesse atingir aos outros e não a si mesmos.
A intensa ligação entre o fundador e a empresa parece em muitos casos
superar o nível do empreendimento, do trabalho e da fonte de sustento. A empresa
acaba por representar a própria vida do fundador à medida que ela passa a ter um
valor simbólico. Segundo DE VRIES (op.cit), a empresa se toma parte do âmago de
sua identidade. O alto grau de dependência da empresa como uma medida de auto
estima o faz bastante ansioso quanto à capacidade de seus sucessores continuarem
60
seu legado ou destruírem o que construiu com tanto empenho. Retirar-se da
empresa, passar o comando, ver outros ocupando o seu lugar, podem, na cabeça do
fundador, representar a própria morte.
LEVINSON (1971) parece concordar com De Vries, ao afirmar que o
fundador encara a empresa de três formas: essencialmente como uma extensão si
mesmo, como um veículo para gratificação pessoal e, acima de tudo, uma conquista
sua.
A seguinte passagem de BERNHOEFT (1 989) parece também corroborar
com a posição de De Vries e de Levinson:
"Imaginemos por alguns instantes o que pode sentir o fundador de uma
empresa, quando olha suas conquistas (prédios, equipamentos, empregos,
imagem, status, etc) e relembra os momentos de dúvida, luta e incerteza que
viveu no passado. Este conjunto de emoções e sentimentos cria um vínculo
tão intenso entre a sua própria vida e a vida da empresa, que é dificil separá
las. Para muitos, a empresa é a sua própria razão de ser ou sua realização
maior, mais intensa ainda que os filhos, a família, etc." (Bernhoeft, 1 989,
p.39)
ZALESNICK & DE VRIES ( 1975) defendem que o empresário tem na
empresa uma espécie de "válvula de escape" para frustrações e traumas de longa
data, sobretudo na inf'ancia e que se mantém pela sua vida em boa parte de forma
inconsciente. Para os autores,
"na busca da legitimidade e da dominação de suas frustrações da infância o
empresário verificará finalmente que realizações sâo insuficientes. Ele
necessita de apoio social, da estima, e admiração que há muito lhe são
recusadas, para compensar sentimentos de rejeição centralizados na
imagem paterna. Ele é forçado a executar suas idéias, e a empresa torna-se
um meio tangível para a auto-estima que deseja. a materialização de suas
idéias, entretanto, também é uma proposição perigosa; o êxito pode induzir
culpa originada de sentimentos ambivalentes relacionados com a rejeição
paterna." (Zalesnick e De Vries, 1975, p.1 88)
61
Um exemplo de um empresário com uma forte ligação com sua empresa era o
de Mamede Paes Mendonça, ex-dono de uma das maiores redes de supermercados
do país e falecido em outubro de 1994. Mamede, que começou do zero com uma
enxada na mão, mostrou grandes dificuldades em se desfazer de parte da rede,
decisão indesejada mas aparentemente indispensável desde que uma forte crise
atingiu os seus negócios. Em meados de 1992, como relata a revista Exame de
primeiro de abril de 1992, foi discutida a possibilidade de concordata da rede, idéia
que era defendida por um dos filhos, Jaime. "Prefiro morrer ou ir direto à falência.
Mas não vou a concordata", disse Mamede. Tal situação serviu para esfriar as
relações de Mamede com Jaime, seu potencial sucessor e a quem Mamede elogiava
como diretor comercial. Até bem recentemente antes de falecer, Mamede vinha
relutando em vender outras filiais da rede, venda esta que serviria para melhorar a
situação financeira da empresa. Quanto a sucessão nenhum plano formal foi
elaborado ou conduzido.
Em pesquisa realizada por COHN (1991), o autor perguntou a donos de
empresas familiares quais as razões que os levariam a passar adiante a empresa. A
maioria (34%), respondeu: dar oportunidades aos filhos. Esse também foi um desejo
verificado por JOE (1994) em pesquisa que envolveu 614 donos de empresas
familiares, dos quais somente 25% tinham um plano de sucessão escrito, 34%
62
tinham plano não escrito e 40% não tinham plano algum. Percebe-se que há uma
mistura de intenções, um "querer e não-querer" ser sucedido por parte dos donos de
empresas familiares.
o vislumbramento da decadência fisica e da morte pode contribuir para a
dificuldade e hesitação do fundador na escolha do sucessor. O momento de "passar
o bastão" e entregar o comando da empresa, resultado de anos de trabalho e
dedicação, pode ser tão dramático que muitos fundadores preferem outra alternativa:
não escolher. Com isso, o problema, inevitável, fica postergado e sem definição,
para ser resolvido muitas vezes de forma improvisada, quando o fundador já tiver
falecido. BARNES e HERSHON (1 976) em pesquisa que englobou mais de vinte e
cinco empresas familiares verificaram que a maior parte das sucessões de primeira
para segunda geração se dá quando o fundador já morreu.
FRlSHKOFF (1994) aponta o medo da morte como um problema "supremo"
a ser enfrentado pelo sucedido e pelos membros da empresa familiar. A autora diz
que o fundador acredita que vai perder seu status de "herói" quando morrer. Ao
mesmo tempo, quer ser lembrado pelas suas contribuições e realizações. Estes
medos e receios acabam, muitas vezes, incapacitando o fundador a executar a sua
sucessão, e impedindo-o de escrever um testamento ou algo do gênero.
DE VRlES (1 988) aponta que o desejo do sucedido em deixar um legado
pode se transformar em grave problema. Ao vislumbrar sua sucessão, teme que o
ocupante de seu lugar desrespeite e/ou modifique aquilo que construiu. Não só
prédios ou fábricas, mas aspectos intangíveis como a sua filosofia. A empresa passa
a conter uma carga emocional, e o empreendedor tem dificuldade em separar-se
dela. Qualquer influência que possa ameaçar o controle total que exerce sobre a
empresa é capaz de deflagrar atos irracionais. Toma-lhe dificil repartir o poder, a
63
autoridade, e a responsabilidade. Ele opõe-se a qualquer intromissão em sua
autonomia e dominação, por recear a repetição de situações infantis ameaçadoras
(isso pode constituir uma espécie de paranóia). Além disso, o empresário tende a
considerar iniciativas de terceiros em relação à empresa como tentativa de afastá-lo
do controle. Daí a oposição de empresários a planejar suas sucessões.
Um exemplo curioso é o da Vicunha, um grande grupo têxtil do país. Seu
maior acionista Jacks Rabinovich preparou com cuidado a entrada de seu único
filho homem, Eduardo, na empresa. Primeiro, Eduardo trabalhou numa financeira
sem vínculos com a Vicunha. Depois, ao engressar na empresa, Eduardo recebeu de
Jacks um plano de estágio que fez com que Eduardo passasse dois anos rodando em
todos os departamentos da empresa. Feito isso, Jacks recomendou e Eduardo aceitou
fazer um curso de Administração de Indústrias Têxteis nos E.U.A.. Ao voltar, foi
assessor direto do pai até que este, um belo dia, comunicasse aos diretores que
Eduardo era o novo "manda-chuva" da Vicunha. Tudo aparentemente perfeito. Só
que o outro lado de Jacks não parecia estar disposto a ceder seu comando com tanta
facilidade. Jacks contínuava a pressionar os diretores em favor de suas idéias e
chegou a mudar decisões tomadas por Eduardo. A situação se tomou insustentável
até que Eduardo lançasse o ultimato ao pai: "só há espaço para um no comando.
Sugiro a entrada de um executivo profissional". No fim, aparentemente percebendo
seu duplo jogo de ações e íntenções, Jacks concordou que Eduardo ficasse no
comando da empresa.
Abílio Diniz, controlador da cadeia de supermercados Pão de Açúcar, depois
de brigar com quase todos os irmãos pelo controle dos negócios, disse à Exame que
desejava passar o controle aos seus filhos: "desejo perpetuar este grupo para além de
minha vida e da de meus filhos. " O quanto as palavras de Diniz são sinceras só com
o tempo se saberá.
64
Já na Artex houve sérios problemas no processo de profissionalização da
empresa, como relata RISKI ( 1993). O processo - que não visava excluir totalmente
a família das atividades da empresa - acabou conduzido sob forte divergência
familiar até chegar ao litígio judicial. Uma das causas foi o fato de que o processo
acabou alienando a nova geração familiar de maiores chances de trabalhar na
empresa. "Isto revela que as questões na relação família-empresa postas em jogo por
efeito do processo de profissionalização não foram reguladas por um acordo
prévio . . . . " (RISKI, op.cit, p. 144).
4.3 PODER
Poder, segundo ZALESZNIK & DE VRlES ( 1975,p.37) é o "potencial que as
pessoas tem para exercer influência sobre o comportamento de outras. É a
capacidade de modificar, canalizar e persuadir outra pessoa a fazer algo que ela não
faria necessariamente se não fosse influenciada nesse sentido."
A psicanálise encara a busca do poder como um dos desejos do ser humano.
Zalesnik e de Vries contam que as
n . . . Investigações feitas por Freud dos distúrbios psicológicos conduziram à
formulação do conceito de que sexo e agressão constituem as duas forças
principais subjacentes ao desenvolvimento humano. O desejo de poder
representa um misto de sexo e agressão. Exceto nos casos de patologia
extrema, trata-se de um misto refinado e ligado às realidades e ideais
sociais e aos relacionamentos humanos." (Zalesnik e de Vries,1 975, p.34)
o desejo pelo poder origina-se segundo KLEIN e RIVIERE (1 970),
..... da intenção de controlar os perigos existentes em nós mesmos . . • . O
mais temido é sempre o caráter incontrolável do desejo e da agressividade
de cada um e bem assim o desamparo em que todos nos encontramos
diante de tais impulsos. Uma das maneiras de alcançar a segurança é visar
a um poder onipotente a fim de controlar todas situações potencialmente
penosas, e de ter acesso a todas as coisas úteis e desejáveis , tanto dentro
como fora de nós." (Klein e Rivere, 1 970,p.68/9)
65
Lorde Acton, citado por FEGHALI ( 1988,p.iii) afirma que "todo poder
corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente". Freqüentemente, a
sociedade ocidental se depara com questões envolvendo o abuso do poder por parte
daqueles que ocupam os cargos diretivos. A organização da sociedade ocidental é
baseada no direito do cidadão. Para garantir esses direitos um código de leis é
elaborado e instituições são erguidas para exercer esta garantia. Contudo, homens e
mulheres que representam essas instituições são muitas vezes flagrados abusando de
seu cargo e da autoridade que recebem da sociedade, talvez motivados pelo desejo
de poder.
Nas empresas, uma das características mais evidentes é o estabelecimento das
relações de poder. Sabe-se logo ao entrar numa empresa "quem manda em quem".
Crescer na estrutura hierárquica da empresa se torna ao mesmo tempo um meio e
um desejo de obtenção de poder.
Para Zalesnick & De Vries ( 1975, p.37), é preciso entender a motivação pelo
poder . Para os autores, motivo é "uma tensão interna, uma necessidade que, para
sua satisfação, requer alguma atividade, via de regra no ambiente e geralmente
66
envolvendo pessoas." Uma das formas de se diferenciar a motivação pelo poder de
outras causas do comportamento, explicam os autores, é distinguindo as chamadas
necessidades primárias das necessidades secundárias do ser humano. "As
necessidades primárias referem-se as tensões cíclicas e repetitivas que geram
atividade e, por fim, satisfação e quietude." Ou seja, quando temos fome, por
exemplo, passamos por um processo que vai desde a manifestação da vontade de
comer até o momento de satisfação, passando pelo momento de saciação da fome.
As necessidades secundárias, ou derivadas,
"constituem alvos de atos mais complexos e elaborados, que só
simbolicamente se relacionam com os processos corporais, de forma que o
estudo do poder como necessidade derivada coloca em evidência a
natureza dos processos simbólicos do raciocínio, especíalmente as
elaborações da mente inconsciente." (Zalesnick e De Vries, op.cit)
A motivação pelo poder, portanto, se trata de uma necessidade de ordem secundária.
Para Zalesnick e De Vries, o desejo de poder pode ser explicado basicamente
como função de três motivos: motivo compensador, motivo autônomo e como um
traço do caráter que distingue o homem político dos outros tipos de homens.
4.3.1 Os Três Motivos do Poder
Segundo Zalesnik e De Vries ( 1975, pAO), Alfred Adler é o principal
expoente da teoria que defende que o desejo pelo poder é uma forma de
compensação do indivíduo frente as condições de inferioridade e de dependência
vividas na inflincia. Para Adler, a pessoa mentalmente sã, em contra partida,
67
"procura aliviar seus sentimentos de inferioridade tentando superar obstáculos e, de
forma geral, afinnar-se na vida."
Para Zalesnick e De Vries a grande critica a Adler é o fato desse autor
explicar o desejo de poder como resultado unicamente do complexo de
inferioridade.
"O desenvolvimento humano faz-se por estágios. A experiência da privação
varia de acordo com o estágio da vida em que foi sofrida. As privações
ocorridas na primeira infância podem impedir o desenvolvimento da
estrutura psicólógica, de forma que a pessoa permanece dependente em
relação aos objetos externos, incapaz de confiar no seu próprio carãter e
nos seus recursos internos. .. . Considerar o anseio pelo poder como
privações que tenham sido sentidas não toma em conta a perversidade
inerente à conversão do anseio pelo poder em ação .. . e que podem atuar
como substitutos ou derivativos de ímpetos humanos mais fundamentais."
(ZalesnicK & De Vrles, 1 975, p.42)
Assim, ou autores defendem· que nem todas as pessoas interessadas pelo
poder tenham motivações em sentimentos de inferioridade. Na verdade, o poder
pode ser considerado muitas vezes como um motivo autônomo "que se relaciona
com um desejo inato de dominação, um dote biológico dos seres humanos . . . . "
(Zalesnick e De Vries,op.cit,p.43). Este é o ponto seguinte.
Zalesnick e De Vries defendem que o motivo compensador, derivado de
conflitos no desenvolvimento do indivíduo, não "exaure" as possibilidades de
motivos autônomos de poder. Para os autores é concebível que
"a autonomia de motivos como o poder e a dominação depende de certas
condições inatas do ego e da capacidade de permanecer livre dos conflitos
ou de resolvê-los. Neste ponto, são interdependentes os elementos inatos e
conflitantes. Os motivos derivados tornam-se, portanto, uma fonte de prazer
e um empurrão para um comportamento de ajuste. Por serem 'livres de
conflitos', esses motivos derivados funcionam autonomamente, e o motivo
busca suas próprias modalidades de expressão e satisfação. .. . A
curiosidade da criança, seu comportamento explorador e seu desejo de
dominação fatores esses que podem ser vistos como precursores de um
motivo de poder autônomo e altamente socializado, requerem estimulação
por parte dos seus pais. Sozinha, porém, a estimulação não provoca um
comportamento explorador nem, no fim das contas, a dominação, se não for
ativada por inatas capacidades perceptivas, cognitivas e motoras."
(ZalesnicK & De Vries, 1975, p.44)
68
Zalesnick e De Vries por fim apontam que a motivação pelo poder pode ser
entendida de uma forma mais ampla, fruto do caráter desenvolvido pelo indivíduo.
"Aquilo que uma pessoa é, para si mesma e para as outras, não constitui
uma representação casual; nem constitui , simplesmente, a corporificação
dos papéis cujo desempenho dela se espera. No caráter há tanto constância
como integração, de forma que a pessoa pode ser reconhecida por outras
enquanto mantém certo sentido de identidade por si mesma. As
interpretações da função do executivo, na política e na empresa, geralmente
esboçam os numerosos papéis cujo desempenho dele se espera. Os papéis
constituem simplesmente as expectativas que as outras pessoas alimentam
com respeito ao comportamento da pessoa que ocupa algum posto dentro
de uma estrutura reconhecível." (ZalesnicK & De Vries, 1975, p.46)
69
Nesse contexto, ou autores acreditam que a motivação pelo poder não é
somente derivada de complexos de inferioridade, nem tampouco fruto de motivos
autônomos. É resultado de tudo que forma o caráter do indivíduo que se desenvolve
junto com a sua personalidade. Este é um processo dinâmico, influenciado tanto
pela estima dos outros como pelo "sentimento de orgulho e realização no dOllÚnio
do ambiente por parte de si mesmo".
4.3.2 Poder e o Complexo de Édipo
A orientação para o poder de um indivíduo, como traço de seu caráter é,
segundo Zalesnick e De Vries, é fortemente influenciada pelo Complexo de Édipo.
o Complexo de Édipo foi conceituado por Freud ao longo de sua obra. Uma
das faces do Complexo defende a tese de que a criança experimenta um romance
triangular com os pais aproximadamente dos três ao seis anos de idade. O filho(a)
sente grande apego pela mãe e tem ciúme do pai por este possuir também uma
relação com a mãe e que em certos sentidos é maior que a sua. O filho deseja então
substituir o pai mas é impedido porque teme o pai, que é maior e mais poderoso que
ele.3
Com o passar do tempo, o filho homem pode "resolver" o seu Complexo de
Édipo ao renunciar livremente aos desejos de ter a mãe só para si e de substituir o
pai. Tal feito é fruto em parte, segundo Zalesnick e De Vries, da adnússão de que o
3 o conceito do Complexo de Édipo possui outras faces e ê de fato mais complexo. Ele não se reduz aos sentimentos de amor e ódio entre pais e filhos englobando outros conceitos como o do "Complexo de Castração" e o da "Primazia do Falo". O Complexo de Édipo nio ê idêntico para ambos os sexos, ê ambivalente e se caracteriza também pela sua tragicidade. O conceito do Compelxo de Édipo aparece ao longo obra freudIana. Ver, por exemplo, "A Dissolução do Complexo de Édipo" (1924) e "A Organização Genita1 1nfanW: uma Interpolação na Teoria da Sexualidade" (1923).
70
pai é de fato mais forte e poderoso. Sem poder vencer o pai, o filho passa para um
processo de identificação, se espelhando no pai e querendo ser como ele. Contudo,
"se a criança se mantiver fixada no triângulo edípico, estará prejudicando'
seriamente sua capacidade de crescer, cumprir os deveres escolares,
aprender e ampliar sua experiência." (Zalesnick e De Vries, op.cit,p.56)
Zalesnick e De Vries apontam que há grande controvérsia se realmente os
filhos temem os pais, mas acreditam que se o relacionamento do menino com seu
pai se basear exclusivamente no medo, ele poderá enfrentar grandes dificuldades em
lidar com pessoas que apresentem autoridade e de agir como homem.
"O medo infiltrante ao pai leva à identificação como agressor. O indivíduo
vive subordinado a pessoas mais poderosas que ele enquanto se revela um
tirano em suas relações com os mais fracos ou dele dependentes. Tais
indivíduos são 'personalidades autoritárias', atuando por processos
limitados e restritos." (Zalesnick e De Vries, op.cit,p.56)
Por outro lado mais positivo, o filho pode transformar seu medo do pai em
respeito, sentindo prazer em estabelecer um relacionamento próximo com ele.
"O filho pode sentir as possibilidades de domínio através do exemplo que
seu pai dá e através do aprendizado dos ideais, das habilidades e das
posições que seu pai assume." (Zalesnick e De Vrles, op.cit,p.57)
A orientação para o poder, segundo Zalesnick e De Vries (op.cit), é uma
maneira de organizar "os legados do desenvolvimento humano que invadem os
sentimentos da pessoa a respeito de si própria, seus apegos a outras pessoas e suas
71
atitudes em relação ao trabalho e à carreira." Indivíduos que ainda guardam
problemas referentes ao Complexo de Édipo tendem a manifestar certas
caracteósticas peculiares. Alguns tem dificuldades em empregar o poder, pois se
sentem culpados ou ansiosos diante da autoridade que lhes cabe. Para tomar
decisões esses indivíduos necessitam se distanciar dos outros, ao mesmo tempo em
que buscam formas racionais de justificação para o seu exercício do poder. Outros
manifestam seus conflitos através de uma tendência em ver as situações de maneira
extremamente competitiva.
A identificação da causalidade entre o Complexo de Édipo e a oóentação do
indivíduo para o poder, segundo FEGHALI (1988) permite interpretar a orientação
pelo poder como uma caracteóstica universal e inata do desenvolvimento humano.
Como colocado anteóormente, a empresa tem um significado maior em si
mesma para o fundador. Para LEVINSON ( 1971 ) ela é, ao mesmo tempo, sua
"criança" e "amante". Segundo esse autor, as pessoas que sejam percebidas também
desejando poder para si na empresa provavelmente sairão ou serão demitidas.
Dentre elas, se encontram os potenciais sucessores, o que leva a tantas empresas
familiares declinarem quando seus fundadores envelhecem ou morrem.
Na Cofap, os filhos do fundador Abraham Kansisky, Roberto, o mais velho e
Renato, dois anos mais novo, sempre mantiveram uma disputa pela sucessão do pai.
Talvez pela diferença de temperamento chegavam a passar meses sem se falar,
segundo nos conta reportagem da revista Exame de Julho de 1 993. A rivalidade
entre os dois porém foi parcialmente esquecida quando concordaram junto com o
pai em estabelecer um concreto plano de sucessão em 199 1 . Chegaram a derrubar a
parede que existia entre as salas de cada um como uma prova de união.
72
Roberto e Renato pareciam acreditar que com a saída de Abraham teriam o
controle da empresa e concordaram com a presença de um executivo profissional na
direção da empresa enquanto eles e o pai se sentariam no conselho de
administração. A data estava marcada para onze de julho daquele ano, quando
Abraham faria setenta e cinco anos. Porém ao voltar de uma viagem e se deparar
com uma aparente manobra de Roberto com alguns diretores contra ele, Abraham
cancelou sua sucessão. "Só saio da empresa dentro de um caixão" disse ele.
Roberto resolveu sair da empresa, fato que já tinha ocorrido no passado.
Desta vez Abraham foi categórico: "Não deixo ele voltar". Renato ficou na empresa
mas sua situação não se modificou. Na verdade, Abraham não considera nenhum
dos filhos e possivelmente ninguém nesse planeta capaz de sucedê-lo. Sobre o seu
sucessor comentou: "procurei um homem melhor do que eu, e não encontrei. Depois
procurei um homem igual a mim, e também não encontrei." Sobre os filhos: "Juntos,
dão um profissional melhor do que eu. Separados, não vejo condições de nenhum
deles assumir." Melhor mantê-los então separados.
Ainda em 1 992 se iniciou uma complicada disputa judicial pelo controle da
empresa que envolveu Abraham, Roberto, Renato e Balbina, mãe dos dois e
primeira esposa de Abraham. O fim do processo foi noticiado pela Gazeta Mercantil
de 1 9 de setembro de 1 995. Foram vendidas ações dos familiares, exceto Abraham,
cerca de 40% do capital votante da Cofap para o Bradesco. Abraham permanece no
controle da empresa como membro do conselho de administração.
O grupo de supermercados Pão de Açúcar, por quase dez anos, viveu um
clima de beligerância e disputa de poder entre os irmãos Abílio, Lucília, Alcides
Arnaldo, Sônia e Vera pelo o comando do Grupo. As brigas chegaram ao ponto de a
matriarca, Floripes Pires Diniz ir a público dizer que não deixaria Valentim - seu
73
marido, fundador do grupo e já fora do dia-a-dia da empresa - se tomar minoritário
na participação do Grupo. A disputa dos filhos coincidiu com uma crise sem
precedentes na saúde da empresa. O número de lojas em 1 986 era de 622, passou
para 549 em 1 989 e chegou a 216 no fim de 1 993. A solução encontrada para
contornar as crises da família e da empresa foi a venda de parte do patrimônio que
serviu tanto para saldar dívidas como para comprar a participação de alguns
familiares. Alcides foi o primeiro a sair vendendo suas ações em 1 988 e em 1 993,
Arnaldo, Sônia e Vera também venderam suas ações. No fmal deste mesmo ano,
Abílio, o irmão mais velho, passou a ser o dono do grupo com 51,5% do total das
ações e com ele só permanece a irmã mais nova, Lucília com 1 3,5% das ações.
Valentim que antes da restruturação era o que possuía maior número de ações ficou
com 35%. A saúde financeira do grupo melhorou com aumento das vendas e na
produtividade. Já a saúde das relações entre os familiares, com a separação dos
irmãos, deteriorou-se.
4.4 NARCISISMO
Narcisismo é uma palavra cuja origem deriva da lenda mitológica grega de
Narciso, jovem extremamente belo que se apaixonou por sua própria imagem ao vê
la refletida na água. Como colocam LAPLANCHE E PONTALIS (I 995,P.287),
narcisismo, "por referência ao mito de Narciso, é o amor pela imagem de si mesmo"
Inicialmente, Freud descreveu o narcisismo como uma fase na evolução da
vida mental do indivíduo, intermediária entre o auto-erotismo e o amor objetaI, isto
é, o amor pelo outro. Contudo, a partir da chamada "23 Tópica" de Freud
(consolidação dos conceitos de lei, Ego e Superego), o narcisismo, assim como o
74
Complexo de Édipo, é entendido como parte estruturante do indivíduo, presente em
todos os seres humanos.
o desenvolvimento do narcisismo parte, segundo FREUD (1914), de um
narcisismo primário ("Eu Ideal") característico dos primeiros meses de vida onde o
ego do indivíduo ainda não está totalmente formado. Nesta fase, o narcisismo da
criança é a própria revivência do narcisismo dos pais e o seu desejo é representado
pelo desejo parental. O narcisismo primário é substituído pelo narcisismo
secundário (''Ideal do Eu") a partir do desenvolvimento do ego e da percepção da
criança que ela e a mãe não são uma unidade. Essa experiência é consolidada no
Complexo de Édipo. Em resumo, pode-se dizer que aquilo que imaginamos ser ("Eu
ideal") é pontuado por uma "voz" que nos diz o que somos e o que não somos
("Ideal do Eu"). A partir daí, agimos em função do que queremos ser e não somos, e
daquilo que nos falta.
Os líderes (e aí inclui-se o fundador) parecem ser pessoas que possuem um
caráter narcisista acentuado, como querem mostrar DE VRIES & MILLER (1990).
Estes autores salientam que todos nós apresentamos sinais de comportamento
narcisista. Ser considerado narcisista, contudo, não é bem aceito na sociedade (diz a
lenda que a paixão de Narciso por si mesmo foi um castigo dos Deuses). Narcisismo
é uma palavra "feia", em geral empregada para criticar alguma pessoa. Entretanto,
"entre os indivíduos que apresentam tendências narcisistas limitadas,
encontramos alguns muito dotados e capazes de grande contribuição à
sociedade. São os indivíduos tendendo aos extremos do espectro
comportamental que dão ao narcisismo sua má reputação" (DE Vries e
Miller, op.cit, p.8).
75
Freud, citado por De Vries & MiIler (op.cit, p.7), apresentou em seus estudos
a descrição da personalidade do líder em relação aos seus subordinados: "o líder não
necessita do amor dos outros; ele pode ter uma natureza dominadora absolutamente
narcisista, estar seguro de si e independente". Mais tarde, Freud adicionou à sua
teoria o que chamou "personalidade narcisista Iibidinal", caracterizada como
"um indivíduo principalmente ocupado com sua sobrevivência,
independente e impossível de intimidar. Uma grande agressividade é, então,
possível que se manífeste, às vezes pelo fato de que o Iider está sempre
pronto para o trabalho. Essas pessoas impressionam os outros pela sua
forte personalidade. Podem agir como verdadeiros bastiões para os outros,
ou seja como verdadeiros líderes." (DE Vries e Miller, op.cit, p.7).
Abaixo, estão as principais caracteristicas das pessoas narcisistas
identificadas por De Vries e Miller. A intensidade de cada caracteristica é variâvel
de pessoa para pessoa, o que define seu perfil específico. Os narcisistas são
apresentados como pessoas que:
• confiam mais em si próprio que nos outros, acreditando ser auto-suficientes (no
seu íntimo, contudo, ressentem-se de um sentimento de perda e de vazio);
• preocupam-se com fantasias de sucesso sem limite, de estabelecer sua
competência, de poder, de superioridade, de beleza ou amor ideal;
• são exibicionistas; desejam que os outros partilhem da alta estima que têm de si
e que satisfaçam suas necessidades;
• acreditam merecer atenções especiais, reagindo com surpresa e raiva se alguém
não faz o que eles, narcisistas, querem;
• estão inclinados a acreditar que não podem confiar no amor ou na lealdade de
ninguém; e
76
• revelam ausência de empatia: incapacidade para reconhecer os sentimentos dos
outros.
o fundador, ao criar sua empresa, percorreu um trajeto que envolveu obter
apoio de pessoas para implantar e dar continuidade à idéia original da empresa. É
comum encontrar-se nas empresas familiares funcionários de longa data, muito leais
ao fundador. Essas e outras caracteristicas fazem crer que o fundador é de fato uma
pessoa que tem na sua personalidade traços narcisistas que o tomam um líder.
Na empresa, de um lado, o "fundador-narcisista" pode agir de forma que
conflite com as aspirações de sucessão de seus filhos herdeiros, como por exemplo,
ao exigir destes uma postura de obediência e concordância, ignorar suas
necessidades, decidir tudo por conta própria, sentir-se ameaçado pela presença dos
filhos. Do outro lado, o sucessor também pode apresentar reações narcisistas que
podem entrar em choque com as do pai. Estas reações tendem a se manifestar com
mais ou menos intensidade conforme o tipo de narcisismo desenvolvido tanto pelo
fundador como pelo sucessor.
Segundo De Vries & Miller existem três tipos básicos de orientações
narcisistas: o tipo reativo, auto-ilusório e construtivo, sendo o tipo reativo é o mais
danoso dos três. A origem da orientação narcisista se dá na inI'ancia, fruto de duas
"construções mentais" que refletem as expectativas primitivas da criança. Pela
primeira, a criança deseja exibir suas capacidades de desenvolvimento e quer ser
admirada pelos pais. Pela segunda, a criança deseja se fundir com os pais, resultado
da atribuição de poderes ilusórios que lhes atribuiu. "Tipicamente a criança passa
gradualmente de : 'Eu sou perfeito e você me admira para: 'Você é perfeito e eu faço
parte de você. ,,4
• Kohut, citado por De Vries & MWer, atribui à impoBBibWdade de integrar, no curso da inilincia, duas importantes esferas do ego: o Ego grandioso e a imagem parental idealizada,
77
Normalmente, a criança é capaz de enfrentar e reduzir a frustração causada
pela incapacidade dos pais em preencher suas expectativas primitivas. Com o tempo
e a experiência, a criança consegue compreender a diferença entre o "ideal de
perfeição" e o que pode ser "suficientemente bom". Assim, ela passa a encarar os
pais de forma mais realista, resultado de uma imagem interna a respeito dos mesmos
mais equilibrada. Contudo, na presença de pais rejeitadores e pouco atentos às suas
necessidades, a criança não consegue manter a auto-estima em nível adequado.
"Consequentemente, as necessidades da infância não são nem modificadas,
nem neutralizadas, mas continuam a prevalecer, o que tem por resultado um
desejo persistente e uma procura do reconhecimento narcisista durante
toda a vida adulta. A via do narcisismo reativo é desde então toda traçada."
(De Vries & Miller,1990,p.10)
o indivíduo dotado de narcisismo reativo pode manifestá-lo através de
persistente sentimento de impotência. Tal sentimento leva à criação de uma imagem
de "diferença" (specialness) para si próprio, tentando compensar o sentimento
(ainda presente) de não ter sido amado pelos pais. Em conseqüência, este indivíduo
tende a deformar os eventos que vívencia no mundo exterior para evitar a ansiedade
e sentimentos de perda e de decepção. Algumas das características apresentadas
pelo narcisista reativo são: o exibicionismo, a grandiosidade, impiedade, frieza e
desejo de dominação.
que seriam as duas construções mentais mencionadas. Para maiores detalhes ver Kohut,H. -"Creativemess Charisma, group psychology". In: ORNSTEIN, P.H. (orgl The search for the self(vol.21 N.Y. Internstional Universities Press, 1978, p.826.
78
Como líder numa empresa, o narcisista reativo pode manifestar atitudes
como: ignorar as necessidades dos subordinados, não tolerar a crítica, agir sem
consultar ninguém, "esmagar" seus opositores, não admitir derrota.
o narcisismo auto-ilusório se desenvolve na criança de modo bastante
diferente do narcisismo reativo. A criança é levada a crer que é amada
incondicionalmente pelos pais, independente da relação real vivida com eles. Como
consequência, a criança tem dificuldade de compreender a figura dos pais de uma
forma equilibrada pois os "ideais de perfeição eram muito elevados para lhe
permitirem interiorizar elementos apaziguadores e estabilizantes." (De Vries &
Miller, op.cit.p. l l)
Nesse contexto, a criança exerce um papel de mandatário de seus pais, sendo
responsável por satisfazer as "esperanças parentais não realizadas . . . . Os pais
utilizam seus filhos para preencherem suas próprias necessidades, sobrecarregando
os de seus desejos recônditos." (De Vries & Miller, op.cit.p. 12). A mãe, por
exemplo, frustrada amorosamente pelo marido, pode usar o filho homem para
preencher o vazio deixado pelo cônjuge, estabelecendo com o filho, ao menos
parcialmente, a relação que desejava ter com o marido. Como resultado, esta relação
mãe-filho acaba gerando maleficios para ambos. Por um lado, impede a mãe de
resolver seus problemas com o marido. Por outro, o filho acaba internalizando as
ilusões da mãe e vive crendo em capacidades que não necessariamente possui. Além
disso, o seu contato com o mundo exterior é bastante conturbado pois, internamente,
quer se mostrar apto a exercer os desejos e as expectativas da mãe.
Algumas caracteristicas do narcisista auto-ilusório são: ausência de empatia,
maquiavelismo, medo do fracasso e a preocupação com suas próprias necessidades.
79
Como líder na empresa, o narcisista auto-ilusório possui características
comuns aos reativos, tendendo a ser mais acessíveis. Ele manifesta mais
preocupação com seus subordinados do que os reativos, porém essa preocupação
pode ser mais desejo de ser simpático do que um verdadeiro interesse. São inseguros
e têm grande desejo de serem amados. Talvez por isso tolerem um pouco mais as
críticas.
o narcisismo construtivo é mais positivo dos três tipos de narcisismo. Este
tipo de narcisista não possui a
"necessidade de deformar a realidade para lidar com as frustrações da vida.
Assim sendo, eles não tem tendência à ansiedade. Utilizam, com menos
frequência, defesas primitivas, são mais próximos de seus sentimentos,
desejos, pensamentos. Irradiam, frequentemente, uma sensação de
vitalidade positiva, derivada da confiança que tem em seu próprio valor."
(De Vries & Miller, op.cit,p.1 2)
De Vries & MiIler apontam que tais características são fruto de uma infiincia
onde a criança teve a oportunidade de experimentar seus impulsos primitivos,
"( . • . ) porque seus pais não esperavam que ela fosse especial, que ela
reproduzisse suas atitudes morais, por exemplo. ( . . . ) A criança podia
desenvolver e mostrar aquilo que estava ativo nela durante cada fase de seu
desenvolvimento. Porque a criança podia mostrar sentimentos
ambivalentes, ela podia aprender a considerar ao mesmo tempo ela mesma
e o sujeito (o outro) como sendo 'bom' e 'mau'; ela não precisava separar o
'bom' objeto do 'mau' objeto." (De Vries & Miller, 1990 apud Miller, 1 981 ,p.1 2)
80
Os narcisista construtivos são frequentemente: criativos, confiantes,
ambiciosos, dotados de senso de humor e orgulhosos.
Como líder na empresa o narcisista construtivo é mais aberto as criticas,
procurando coletar informações de outros para sua tomada de decisão. São auto
confiantes mas também sabem reconhecer a competência alheia. Têm por vezes a
capacidade de inspirar os outros em prol de um objetivo comum.
4.4.1 Narcisismo, Objetos e a Empresa
Como foi dito nos primeiros parágrafos deste tópico, o narcisismo
desenvolve-se desde uma fase primária, onde não há distinção entre o Eu da criança
e o objeto (por exemplo, a mãe), até chegar a fase que corresponde a relação entre
duas pessoas distintas.
Zalesnick e De Vries dividem em três estágios o desenvolvimento do Eu e
sua relação com os objetos. O primeiro estágio corresponde ao narcisismo primário
mencionado. A medida em que o ego se desenvolve, a criança começa a
experimentar situações que comprovam a sua separação em relação a mãe, a sua
dependência em relação a ela e a existência do pai, que impede uma relação
exclusiva coma mãe.
"A separação e a individuação sobrevem gradualmente, por um lado, sob os
benefícios dos bons cuidados e, pelo outro, sob a gradual criação de
capacidades perceptivas para distinção entre o Eu e o mundo exterior. Uma
separação segura conduz também à capacidade de formar uma avaliação
imparcial de objetos e de ajustar respostas tanto às necessidades próprias
como alheias." (Zalesnick e De Vries, 1 975,p.78)
81
A experiência de separação faz com que a criança desenvolva mecanismos de
defesa que caracterizam o segundo estágio ou estágio intennediário. A pessoa
(criança)
" . . . cria laços de defesa através da fantasia de que seus objetos-amor fazem
parte de sua auto-imagem. Neste estágio intermediário, a pessoa incorpora
esses objetos à sua auto-imagem enquanto se apega a eles. Como já
indicado, entretanto, não são só as faces benévolas dos objetos que são
incorporadas e infundidas de amor e apego. O indivíduo incorpora também
as imagens hostis e negativas, e esses fragmentos inaceitáveis do Eu ficam
à disposição para projeções sobre outras pessoas." (Zalesnick e De Vries,
op.cit., p.78/9)
Cabe salientar que tais fragmentos inaceitáveis estão na maior parte das vezes
inconscientes.
Um exemplo deste segundo estágio pode ser observado nas crianças que, ao
lutar com a necessidade de separar-se da mãe, encontram defesa num objeto
inanimado, ao qual passam a ter um apego especial e através dele podem controlar
as ansiedades e angústias que vivem. Freud relatou em "Além do Princípio do
Prazer"(1920) a brincadeira do "fort-da" de seu neto com um carretel. A criança,
depois que a mãe passou a deixá-lo parte do dia sozinho, frequentemente brincava
de jogar longe o carretel, que assim sumia de sua visão. A fazê-lo, balbuciava algo
que Freud entendeu como "fort" (correpondente em alemão a "ir embora"). Quando
encontrava o carretel, por sua vez, balbuciava "da" (correspondente em alemão a
82
"ali"). Era uma brincadeira que representava o desaparecimento e o retomo da mãe
compensada pela criança ao encenar ela própria o sumiço e a volta do carretel,
passando de uma situação eminentemente passiva (ser deixada pela mãe) para uma
ativa (fazer sumir e depois achar o carretel).
o terceiro e último estágio indica uma reciprocidade entre duas pessoas
distintas onde o Eu e o objeto se encontram diferenciados.
A história de Henry Ford contada por Zalesnick e De Vries serve de exemplo
de como o desenvolvimento narcisista pode afetar as relações na empresa. Ford
vivia muito empenhado pela criação do seu Modelo T e queria poder controlar todos
as fases e aspectos da produção do carro. Para isso, Ford possuía como assessores
seu filho Edsel Ford e Harry Bannet. Curiosamente, Ford desenvolveu um apego a
Bennet, um homem que provinha de um ambiente sinistro de Detroit, ligado a
gângsters e assassinos. Já a relação com Edsel - um homem sensível, formado e
avesso a agressividade em relação a outras pessoas - era baseada na humilhação e
rejeição de Ford. Bennet, frequentemente, assumia o controle sobre decisões mais
radicais como as operações anti-greves, estimulando a sabotagem e a espionagem
contra funcionários suspeitos. Quando a Ford Motor Company passou a ter
problemas, Ford mais uma vez rejeitou a ajuda do filho e "pareceu aproximar-se
ainda mais de Bennet, cujos conselhos e sugestões apenas lançavam mais lenha à
fogueira das idéias paranóicas e suspeitosas de Ford" (Zalesnick e De Vries, 1975,
p.77).
"As observações partidas do bom senso, referentes às relações entre Ford
e seus subordinados, não conseguem explicar seu apego a um homem agressivo
e maldoso, bem como a simultânea rejeição do filho, bem intencionado e
construtivo. Contudo, esse apego estranho e auto-derrotista faz parte de uma
83
compulsão à própria defesa contra objetos inconscientes que estão
representados no Eu. As pessoas apegam-se a objetos reais que satisfaçam às
exigências da sua fantasia. As fantasias compreendem imagens antagônicas
daquilo que é bom e daquilo que é mau, nos relacionamentos de poder, amor e
dependência." (Op.cit.).
Ford carregava consigo o fato de ter se sentido rejeitado e repelido pelos
próprios pais. A partir daí fracionou suas percepções em relação a eles da mesma
forma que o fez em relação a Bennet e a seu filho. O pai poderoso se tomou, a nível
consciente, o símbolo de suas reações negativas enquanto a mãe era idealizada. As
imagens fracionadas dos pais foram transportadas para sua relação tanto com
Bennet quanto com seu filho.
"Projetando sobre os dois essas imagens fracionadas, ele conseguiu criar
um drama no mundo real, através do desdobramento de imagens do seu
passado. Dessa forma, Ford procurou extirpar as imagens hostis que era
capaz de afastar ou de curar. Sua aceitação e supervalorização de Harry
Bennet como seu próprio lado raivoso, agressivo e áspero permitiu a Ford
regular sua ansiedade com respeito a ser rejeitado e repelido . . . . Edsel Ford,
que representava a imagem do filho bondoso e amoroso, precisava ser
rejeitado e tratado com dureza porque aquele Eu terno e amável refletia os
desejos alimentados pelo próprio Ford de manter um relacionamento mais
íntimo com seu pai, que inconscientemente ele também temia" (Op.cit.).
Além de impedir um bom relacionamento com o filho, o comportamento de
Ford praticamente impedia também que Edsel pudesse impor suas próprias idéias e
seu perfil de trabalho. Em certa ocasião, subordinados de Ford tentavam mostrar a
84
Ford que o Modelo T deveria ser substituído pois se tomara obsoleto. Contudo, o
apego de Ford ao seu carro era tanto que recusava ouvir falar no assunto de todas as
fonnas. Uma vez chegou a destruir com as mãos um modelo alternativo que seus
subordinados haviam desenvolvido para substituir o Modelo T. O resultado da
resistência de Ford foi que concorrentes como a General Motors conseguiram
avançar e ganhar posições no mercado.
"Como explicar esse apego irracional a um objeto inanimado? A
explicação é dada pelo fato de se investirem objetos inanimados (como
substitutos de pessoas) com sentidos derivados de auto-imagens. Aquele
modelo apresentava um conteúdo simbólico para Henry Ford." (Op.cit.,
p.81 )
Simbolizava a relação com seu pai, pois o Modelo T era essencialmente um carro
construído para fazendeiros e o pai de Ford era fazendeiro. O modelo T era um elo
de ligação de Ford com seu pai e ao seu passado. Contudo, Ford, como colocam
Zalesnick e De Vries (op.cit), "pagou o preço deste vínculo: perdeu a objetividade
relativamente à finalidade e mutabilidade do veículo e prejudicou sua capacidade de
ser pai para seu próprio filho."
A situação de Ford é um exemplo significativo do referencial simbólico da
empresa para seus fundadores. Em vários casos esse referencial impede o
desligamento natural do fundador da empresa e, consequentemente, a ascensão dos
filhos.
85
4.5 INVEJA
Inveja é outra palavra "feia". A palavra inveja como coloca DE VRIES
( 1993, p.72) vem do substantivo latino invidia e do verbo invidere e quer dizer
"olhar maliciosamente". Assim, " . . . a inveja é relacionada a sentimentos de malícia
ou de hostilidade, a um desejo nocivo, a um sentimento de mortificação e de má
vontade suscitada pela existência de vantagens detidas por outrem . . . . " À medida que
se aprofunda o estudo da inveja esta se revela uma reação bastante complexa, como
explica K. Abraham citado por DE VRIES ( 1993, p.72): "o invejoso manifesta não
somente o desejo de possuir o que pertence aos outros, mas ele enxerta pulsões
malignas para com o possuidor privilegiado." Além disso, De Vries completa que
" . . . a inveja também parece ser uma reação muito embaraçosa, um sentimento que
não realça em nada a nossa imagem. De fato, reconhecer a presença da inveja em si
mesmo equivale a admitir um sentimento de inferioridade. "
Muitas vezes, confundimos a inveja com o sentimento de ciúme. Melaine
Klein, citada por De Vries explica que:
"a inveja é o sentimento de cólera que o sujeito experimenta quando
percebe que o outro possui um objeto desejãvel, sendo sua reação de
apropriar-se dele ou destruí-lo. Ademais, a inveja supõem a relação do
sujeito com uma única pessoa, remontando à primeira relação de
exclusividade vivida com a mãe. O ciúme funda-se sobre a inveja, mas estã
ligado a uma relação com pelo menos duas outras pessoas. Ele se relaciona,
acima de tudo, com o amor ao qual a pessoa pensa ter direito, mas do qual
ele se sente privado ou ameaçado em proveito do seu rival." (Klein, M.,
citada em De Vries, 1993,p.73)
86
A inveja pode se apresentar de várias fonnas. Uma das destacadas por De
Vries é a inveja entre gerações. Segundo o autor essa manifestação da inveja é mais
comum no relacionamento entre pais e filhos. Os pais
"privarão assim seus filhos de certos privilégios ou prazeres, baseando suas
decisões em numerosas justificações, ainda que, na realidade, sejam
impelidos pelo desgosto de não ter aproveitado tais oportunidades na
mesma idade." (op.cit, p.79)
Nas empresas e organizações essa fonna de inveja aparece envolvendo as
gerações mais antigas, que agem contra a ascendência das mais jovens. Para De
Vries,
"o amargor que eles (os executivos mais velhos) experimentam diante da
idéia de ver o jovem executivo sair-se bem onde eles próprios malograram
pode conduzi-los a pôr armadilhas ou estratagemas que colocarão os novos
recrutas em cheque, sob o pretexto de fornecer ao jovem executivo
ocasiões múltiplas de se valorizar, mas na verdade induzindo circunstâncias
que arruinarão sua carreira." (op.cit)
A inveja entre gerações também pode ser fruto da influência do tipo de
sistema familiar "sensível ao consenso". DA VIS ( 1983) encontra resultados
semelhantes aos de De Vries, ou seja: uma grande dificuldade da geração antiga em
deixar a nova geração crescer e, eventualmente, assumir o controle da empresa.
Filhos dos fundadores têm grande dificuldade em se desenvolver como adultos e
como profissionais na empresa porque vivem esperando do pai uma espécie de
consentimento, um sinal de aprovação. O pai, do outro lado, não realiza este gesto
porque pode significar a perda de seu controle, da sua posição de superioridade e
87
um passo no caminho de sua morte. O filho, ao não receber a aprovação do pai, não
se desenvolve, justificando a posição do pai e assim o "círculo se fecha".
Para DE VRIES (op.cit), a sucessão dá um caráter dramático à ação da
inveja nas empresas. Isso acontece quando o futuro sucessor é impedido de chegar
ao poder sendo "destronado" pelo sucedido, possivelmente seu pai, por ser alvo de
sua inveja.
Na Artex, como descreveu RISK1 (1993), o processo de profissionalização,
conduzido por representantes da família que comandavam a empresa, acabou
aumentando as barreiras à entrada da nova geração, embora isso não fosse
intencional. Sem termos condições de afirmar até que ponto a "inveja entre
gerações" existiu ou não nesse caso, vale o registro.
A inveja parece despertar no fundador, entre outras vezes, quando a sua
decadência fisica é evidente. Pode ser doloroso ter que enfrentar o fato que seu
sucessor, possivelmente seu filho, está vivendo o contrário, isto é, o apogeu de suas
habilidades fisicas e mentais. Diante de tal situação, alguns pais encaram o fato com
mais tranquilidade, até com um certo orgulho: orgulho de ver no filho uma
continuação de si próprio, de sua antiga aparência e vigor fisico, e orgulho deste
filho estar "seguindo os seus passos". Com isso, a continuidade da empresa, outro
desejo do pai, também estaria garantida.
"Em teoria isso seria óbvio. Agir com base no desejo, entretanto, é diferente.
É preciso um certo grau de maturidade e sabedoria para que isto aconteça.
Precisa-se ter um senso de generativity. Ao invés de se sentir invejosos da
geração mais jovem, o fundador precisa da capacidade de ter prazer em ver
homens e mulheres jovens fazendo as coisas por conta própria" (De Vries,
1 993, p.69)
88
Alguns sucedidos, contudo, sentem grande inveja do sucessor pela sua
jovialidade e por tudo que ele tem pela frente. Com isso, alguns iniciam uma
"campanha" contra seus filhos onde uma das principais armas é o distanciamento (o
distanciamento entre gerações pode ser motivado por outros fatores além da inveja).
Através dele, o caminho fica mais longo para os sucessores que, de outra forma,
poderiam aprender muitas coisas com a experiência do fundador. A distância acaba
dificultando o relacionamento entre pai e filhos. Quando, por exemplo, este
distanciamento é muito grande, o filho pode criar uma imagem do pai que não é
verdadeira (e vice-versa) o que pode inibir possíveis troca de experiências. Na
empresa, a inveja motiva muitos sucedidos a boicotar as ações dos filhos, alguns
sendo até humilhados pelo pai como foi o caso de Edse1 Ford, citado anteriormente.
Os filhos também manifestam inveja dos pais. Freud identifica a origem da
inveja no momento em que a criança começa a perceber as diferenças anatômicas
entre os sexos. Essa hipótese levou ao conceito freudiano da inveja do pênis, que
teria influência na formação do caráter da mulher (ao homem existiria a inveja da
capacidade de procriação da mulher). Segundo De Vries, em época mais recente,
surgiram novas propostas, outras leituras sobre o conceito, onde
" . . . a noção da inveja do pênis apresenta-se como metáfora descrevendo
certas etapas do desenvolvimento humano ligadas ao imaginário da união e
separação sentidas pela criança diante da mãe (ou da pessoa mais
próxima). Também se liga ao dispersar da consciência sexual e à atribuição,
em nível social, de poder e de impotência." (De Vries, 1993,p.75)
89
Como adultos, os filhos têm duas formas de lidar com a inveja. Podem
enfrentá-la, tentando lidar com o mal-estar que ela provoca ou tentar reprimi-la.
Optando por esta segunda forma, a inveja pode aparecer de maneira modificada e
que lhes pode ser destrutiva. De Vries destaca três tipos: a primeira delas é a
"idealização". Ao idealizar uma pessoa nos colocamos distantes, ina1cançáveis.
Quando sentimos inveja de uma pessoa e fazemos dela um ser excepcional, "acima
do bem e do mal", estamos tentando diminuir esta inveja. A sensação de inveja,
como colocado anteriormente, tende a ser reprimida pois é considerada inferior.
Assim, a idealização é também uma forma de conter nossos impulsos agressivos
derivados da inveja e, assim, manter nossa imagem inabalada. Nas empresa
familiares muitos filhos vêem seu pai como um sujeito "grande demais", alguém que
deu certo na vida apesar das grandes dificuldades que enfrentou. O filho, ao se
sentir pressionado para ter o mesmo sucesso do pai, mas se julgando incapaz de
conquistá-lo da mesma forma, inconscientemente ou não, coloca o pai num pedestal
inatingível. Tal alternativa, contudo, não resolve seus problemas e só torna mais
frágíl a relação entre os dois. Na empresa, essa idealização pode impedir que o filho
exerça suas reais capacidades, sendo por isso considerado incapaz de suceder seu
pai.
A segunda maneira que aparece a inveja é a "retirada". Aqui a pessoa
imagína as piores consequências para sua inveja, chegando mesmo a imagínar que
seria capaz de destruir o outro. Para fazer frente a esse tipo de pensamento,
inconsciente em geral, a pessoa sai de cena, impedindo a si mesma de agír. Como
coloca De Vries,
"o que se oferece ao olhar do observador, é um ser que nem tenta entrar em
competição, mas que procura desvalorizar-se a si mesmo. A retirada torna-
90
se o antídoto supremo. Ora, um tal comportamento gera sentimentos de
impotência e reações de impotência." (De Vries, 1 993,p.77)
Muitas empresas familiares talvez não façam sucessores dentro da família porque
possíveis candidatos nem chegam a iniciar na empresa, motivados por esta forma de
inveja que os impede de agir. Esses potenciais sucessores podem acreditar que não
competindo com o pai pela empresa estarão livres dos sentimentos que os afligem.
A terceira e mais destruidora maneira para De Vries é a "desvalorização". Os
que agem dessa forma parecem possuir fortes sentimentos de vingança e são pessoas
amarguradas. Além disso, as pessoas parecem "possuídas pela necessidade de se
vingar, de provar que são tão bons, senão melhores que o objeto de sua inveja",
como descreve De Vries (1993,p.78). Parecem gostar de criticar e humilhar os
outros sempre que lhes pareça oportuno. É sabido o grande número de
empreendedores autoritários que, frequentemente, humilham seus empregados e
subordinados (incluindo seus filhos) como se esta fosse a forma normal para tratar
tais pessoas.5
4.6 CULPA
Em "Totem e Tabu"( 1913), Freud identifica a origem histórica do sentimento
de culpa do filho em relação ao pai a partir do estudo das sociedades chamadas
primitivas. Estas sociedades ditas "totêmicas" teriam sido as primeiras a
estabelecerem duas regras de convívio presentes até hoje: a proibição ao incesto e
ao patricídio. Freud descreve que nossos ancestrais viveriam numa horda onde o
S As atitudes destrutivas do ser humano são explicadas por Freud a partir de seu dualismo interno resultado da pulsão de vida IEros) e da pulsão de morte. Sobre isto, ver "Além do Principio do Prazer" (1920).
91
macho mais forte (o pai) tinha direito sobre as fêmeas. Os filhos, também
desejavam a fêmea-mãe e as outras remeas da horda mas temiam o pai, mais forte e
mais poderoso. Em algum momento, porém, os filhos percebem que unidos são mais
fortes que o pai e, assim, se revoltam contra ele, assassinando-o e o devorando. O
lugar do pai fica vago mas não é ocupado por nenhum dos filhos que, embora
desejem ocupar o lugar do pai, sabem que se o fazem estarão revivendo a situação
anterior do assassinato e razão da revolta praticada. Assim, não tem outra alternativa
se não estabelecerem uma regra contra o incesto. O assassinato do pai gera, por
outro lado, um grande sentimento de culpa por parte dos filhos pois estes odiavam o
pai por proibir seus anseios sexuais, mas também o amavam e o admiravam. Depois
que o ódio foi satisfeito pelo parricídio, o amor se colocou em primeiro plano no
remorso dos filhos pelo que fizeram. Como coloca Freud
"após terem se livrado dele, satisfeito o ódio e posto em prática os desejos
de identificarem-se com ele, a afeição que todo esse tempo havia sido
recalcada estava fadada a fazer-se sentir e assim o fez sob a forma de
remorso. Um sentimento de culpa surgiu, o qual, nesse caso, coincidia com
o remorso sentido por todo o grupo." (Freud, 191 3,p.146)
Freud (1 930) explica teoricamente o aparecimento do sentimento de culpa a
partir da execução ou intenção de uma pessoa em praticar um ato "mau", isto é, um
ato que ela sabe que deve ser reprimido. Quando isso ocorre, há uma tensão entre a
tentativa de satisfação do ato pelo ego e a repressão por parte do superego. Esta
tensão é o sentimento de culpa.
Para KLEIN e RlVlERE o sentimento de culpa remonta aos primeiros dias
do indivíduo, quando ele ainda é um bebê. As autoras explicam que
"os sentimentos de amor e gratidão surgem direta espontaneamente no
bebê como reação ao amor e cuidados dispensados pela mãe. O poder do
amor - que é a manifestação das forças que tendem a preservar a vida - está
presente no bebê lado a lado com os impulsos destrutivos, e encontra sua
primeira e fundamental expressão na relação do bebê com o seio da mãe, a
qual evolui em amor por ela como pessoa . . . . quando na mente do bebê
surgem os conflitos entre amor e ódio, e os temores de perder o ser amado
torna-se ativo, um passo extremamente importante tem lugar no
desenvolvimento. Tais sentimentos de culpa e sofrimento entram como
elemento novo na emoção do amor." (Klein e Riviere, 1 970,p.1 03/104)
92
Para as autoras o sentimento de culpa tende a se fazer presente durante a vida
adulta. É bastante comum sentirmos culpa pelos nossos impulsos de ódio em relação
a pessoas que amamos.
"Tendemos bastante a manter em segundo plano esses sentimentos de
culpa, por serem extremamente penosos. Manifestam-se eles, porém, de
diversas formas disfarçadas, e constituem fonte de perturbação nas nossa
relações pessoais" (Klein e Riviere, op.cit., p.98)
A criança, por exemplo, em momentos de raiva, incapacitada de reagir aos
pais, pode desejar a morte dos mesmos. Esse desejo pode por sua vez resultar em
fortes sentimentos de culpa, como descreve DE VRIES (1990).
Ao se decidir por entrar na empresa muitos sucessores não pensam se o que
estão fazendo é realmente aquilo que desejam fazer. LEVINSON ( 1971) aponta que
a resposta mais frequente dos filhos sobre as razões de tomarem tal decisão é a
oportunidade que a empresa lhes proporciona e o sentimento de culpa de não fazê
lo. Comum são também os casos em que a decisão do filho é baseada na
dependência criada entre ele e seu pai. Por outro lado, para ZALESNICK e DE
93
VRIES (1975, p. 1 41 ) "a culpa, antecipadamente sentida, de que assumir o poder é
deslocar o pai, constitui em algumas pessoas uma ansiedade suficientemente forte
para inibir gravemente sua capacidade de liderança." Assim, o filho racionaliza sua
relutância em entrar na empresa com base na oportunidade e na culpa. Lutando
contra sua dependência, é mais provável que continue a brigar com o pai na empresa
porque ainda está tentando escapar do seu controle.
Os filhos também podem sentir culpa em relação aos pais por estes lhes
terem proporcionado durante a criação um ambiente de riqueza, ao contrário da
maior parte das pessoas de sua comunidade. Como apontam MILLER & RICE
(1967), parte da depreciação que alguns filhos fazem de si mesmo parte desse
sentimento de culpa. Essa culpa pode se intensificar quando os pais valorizam
demais o fato de proporcionarem um alto padrão de vida aos filhos lembrando dos
sacrificios que passaram para chegar à situação de conforto. Assim, além de
culpados os filhos também podem se sentir em eterna dívida com os pais.
A culpa e a ansiedade de uma pessoa podem também ser consequências do
desejo de poder. Primeiramente, como colocam ZALESNICK & DE VRIES
(1975,p.42), "aquilo que deseja fazer a outras, a pessoa receia que façam a ela, e
esse efeito recíproco gera ansiedade. Uma segunda consequência é a culpa
decorrente de abrigar desejos ilícitos e de deixar de observar padrões de conduta
que a pessoa mantém na sua consciência e nos seus ideais". Neste sentido, a culpa
pode funcionar como um "freio" na busca pelo poder. Mas também pode ter o efeito
contrário. Pelo menos é o que parece ser o caso de Antônio Ermírio de Morais da
Votorantim. Obcecado pelo trabalho, Antônio pode ter se apoiado na culpa para se
dedicar com tanto empenho ao trabalho e à empresa. Segundo disse um de seus
amigos mais íntimos à Revista Exame de primeiro de Abril de 1 992, "a entrega
obsessiva de Antônio Errnírio ao trabalho foi a forma por ele encontrada para que
94
sinta merecedor de sua situação econômica privilegiada, num país em que há tanta
pobreza."
4.7 RN ALIDADE
A rivalidade é outro sentimento muito presente em empresas famíliares,
principalmente envolvendo o pai, fundador, e filho, sucessor. Segundo KLEIN &
RIVIERE:
"O impulso em direção à competição, e a rivalidade de modo geral, provém
de diversas fontes de interação, autopreservadoras, sexuais e agressivas.
Em certo grau é, naturalmente, um traço do caráter em geral normal e útil.
Quando se encontra gravemente inibido encontramos, escondida nas
profundezas da mente, uma atitude derrotista. A pessoa não confia em si
mesma para empenhar·se em luta contra as outras, ou para vencer, sem
ocasionar a estas um mal irreparável, e sem ser ela mesma severamente
punida por se arriscar a causar-lhe esse mal. Um desenvolvimento
exagerado do impulso de competir pode conduzir a um intenso sofrimento
mental e a um constante desentendimento nas relações humanas, embora
podendo ser fonte de consideráveis realizações ..... (Klein & Riviere, 1 970,
p.64/65)
A rivalidade entre pai e filho como aponta LEVINSON ( 1974) é um
fenômeno que tem origem com o Complexo de Édipo. Ela se inicia com o desejo da
criança de sair de sua posição de fraqueza e incompetência ao emular o pai (no caso
do filho homem), tentando tomar o lugar do mesmo aos olhos da mãe. Idealmente, a
rivalidade é "resolvida" quando o filho reconhece que não pode competir com o pai
95
pela atenção e afeto da mãe, mas que se puder ser como o pai obterá alguém como a
mãe. Contudo, esse processo de identificação muitas vezes é mal-sucedido. Se a
criança sente que foi excepcionalmente frustrada nesse intuito, pode, ao se tomar
adulto, experimentar uma rivalidade excessiva. LEVINSON coloca que
"algumas vezes a rivalidade se perpetua quando o filho ainda acredita que a
mãe o prefere em relação ao pai ou que ele ainda pode ganhar a 'batalha'
contra o pai. Essa rivalidade não resolvida se torna inconsciente. Ela
geralmente se reflete na intensa e agressiva competição com o pai e
subsequentemente com outros . . ..... (Levinson, 1 983, p.73)
Outros podem ser os irmãos.
LEVINSON (1971) acredita ser a rivalidade o conflito fundamental na
empresa familiar. Nas próximas seções estarão destacadas a rivalidade entre pai e
filho, a rivalidade entre irmãos e entre outros membros da farnilia. Além disso, se
verá como a empresa familiar influencia na formação do grupo em uma
organização.
4.7.1 Rivalidade Entre Pai e Filho
Levinson acredita que a empresa tenha um grande significado simbólico para
o fundador. Em função disso e de problemas psicológicos que provêm da infância,
ele tem grande dificuldade em delegar autoridade. Quando se aproxima a sucessão,
ele se recusa a se retirar do comando da empresa, agindo sob influência do
Complexo de Édipo.
96
Levinson afirma que este tipo de comportamento tem grande impacto na
relação entre pai e filho. Mesmo se, por um lado, o fundador, conscientemente,
tenha o desejo de passar a empresa para o filho e que este se desenvolva como
pessoa, por outro, inconscientemente, acredita que, se deixar a empresa irá perder
sua masculinidade. A própria presença do filho homem na empresa também pode
representar uma ameaça a sua masculinidade. Ainda de forma inconsciente, o
fundador precisa continuar a mostrar sua competência, isto é, sua capacidade de
continuar conduzindo a empresa sozinho como sempre fez.
LEVINSON (1974) defende que quanto mais dominante o fundador, mais
poderoso é dentro da empresa e maior é sua dificuldade em escolher seu sucessor.
Duas razões despontam para isso: primeiro, devido a sua grande rivalidade, o
fundador não consegue apontar pessoa capaz de ser tão bom ou até melhor que ele.
Segundo, ao acumular um grande poder, o fundador contribui para que seus rivais
(ou aqueles que desejem o poder) saiam da empresa.
Levinson acredita que a rivalidade do filho é um reflexo da do pai. O filho
entra na empresa com desejo de crescer, ganhar mais responsabilidades e liberdade
de agir por conta própria. Todos esses desejos, contudo, são muitas vezes frustrados
pelas atitudes do pai e dificultam a presença do filho, ao qual não quer "passar a
bola".
Para Levinson, o filho se percebe encarado ainda como uma criança pelo pai,
que por sua vez demonstra, muitas vezes, arrogância, falta de confiança e desprezo.
Além disso, o filho, na empresa, está financeiramente dependente do pai que nomeia
e promove os funcionários. Como as atitudes do pai neste âmbito também são
imprevisíveis, a dependência se toma dificil, causando um grande ressentimento por
parte do filho e um agravamento da relação com o pai.
97
Como resultado da situação, o descontentamento, o ressentimento e a raiva
tendem a se manifestar. Os filhos se tomam muitas vezes hostis com seu pai
(posteriormente o filho pode se sentir também culpado por esta hostilidade). Já o pai
vê no filho um ingrato, incapaz de apreciar os sacrificios que sempre fez por ele e
pela família.
A hostilidade como forma de manifestação da rivalidade entre pai e filhos e
entre irmãos é também uma característica do tipo de sistema familiar "sensível ao
consenso" como foi destacado no item 3.3.2 . DAVIES (1983), se referindo entre a
hostilidade entre irmãos, aponta que esta pode chegar ao ponto em que a empresa,
como saída para os conflitos, é dividida em unidades separadas entre os irmãos.
4.7.2 Rivalidade Entre Irmãos
A rivalidade também aparece entre irmãos. Começa na infância e em muitas
famílias se desenvolve até a fase adulta. Na empresa, essa rivalidade chega ao ponto
em que cada decisão é motivo para disputa entre os irmãos. É realçada, segundo
LEVINSON (1971), quando o pai age de forma a colocar os irmãos uns contra os
outros, ou quando escolhe um deles como o seu grande sucessor. Na escolha, o
fundador e pai, "esbarra" na idéia de que para os pais, os filhos são iguais e amados
da mesma forma e intensidade. Embora os pais neguem, muitos, têm de fato uma
preferência. Diante disso, como dar o comando da empresa a um e não dar a outro
sem gerar discórdia e rivalidade?
Há algumas diferenças a considerar entre o comportamento dos filhos.
Levinson compara o filho mliÍs velho ao filho mais novo.
"Comumente, o filho mais velho sucede ao pai. Este costume reafirma a
crença do irmão (ou irmãos) mais novo de que o mais velho é de fato o
favorito. Em qualquer tipo de evento o irmão mais velho frequentemente tem
uma atitude arrogante em relação ao mais jovem. Na infância, o irmão mais
velho é maior, fisicamente mais forte, mais competente, e mais sabido que o
mais novo meramente por causa da diferença de idade . . . .. (Levinson,
1 971 ,p.94)
98
Levinson lembra que raramente o irmão mais novo consegue igualar seus atributos
com os do irmão mais velho antes de chegarem à idade adulta. Quando esta chega,
muitas vezes a diferença entre ambos já está tão consolidada na relação, que o mais
velho tem dificuldades de olhar para o mais novo e admiti-lo tão competente e capaz
como ele.
Além disso, o irmão mais velho, por entrar primeiro em contato com os pais,
em geral recebe por parte destes um controle mais forte. Em consequência, os
irmãos mais velhos tendem a desenvolver um comportamento mais rigido, serem
mais exigentes consigo mesmos e dar muito de si. Sendo verdadeiros juízes de si
próprios, os mais velhos também acabam muitas vezes querendo fazer o mesmo com
mais novos, ou seja, ser seus juízes.
Levinson aponta que o irmão mais novo geralmente tem dificuldade de
superar os problemas de relacionamento com o irmão mais velho, principalmente
pelo fato de este último continuar vendo-o como menos capaz, menos esperto. Se,
na empresa, o irmão mais velho, de fato, possui mais poder que o mais novo,
acabar-se configurando o caso de uma profecia que se confirma a si mesma (self
fulfilling prophecy). Ou seja, o irmão mais novo acaba em posição hierárquica
inferior na empresa.
99
Embora esteja lutando por seu lugar ao sol, o irmão mais novo,
inconscientemente, pode estar preso à idéia de que, de fato, é direito do irmão mais
velho ter posição superior na empresa. No caso em que o irmão mais novo ocupe
posição superior em relação ao mais velho, pode ocorrer-lhe sentimentos de culpa
por ter "atacado" o mais velho e tomado o lugar que era seu de direito.
A revista Exame noticiou em primeiro de abril de 1992 que os membros do
alto comando do Grupo Votorantim - leia-se José Ermírio de Morais, Antônio
Ermírio e Ermírio Pereira (segunda geração familiar do grupo) - iriam para o
Conselho de Administração e dariam lugar aos seus respectivos primogênitos, todos
funcionários do Grupo." Vamos abrir espaço para os mais jovens", disse José
Ermírio.
Na véspera da data da execução do plano Antônio Ermírio mostrou que as
coisas não seriam como anunciadas. "Esse negócio de sucessão com data marcada
não existe, essas coisas têm que acontecer de forma natural". "Naturalmente" parece
ser a única forma pela qual Antônio Ermírio parece admitir deixar o poder, ou seja,
quando morrer. A sucessão, que parecia ter mais da simpatia de José Ermírio, então
com 65 anos, parece não ter podido andar sem o aval de Antônio Ermírio, então
com 62. "A sucessão está adiada. Por enquanto fica tudo como está, e nem sabemos
quando voltaremos a tratar desse assunto. Agora não é hora de mexer no grupo.
Sinto-me feliz assim; por que aposentar-me?", pergunta Antônio Ermírio. Por outro
lado, Antônio Ermírio parece não ser radical em relação ao assunto, embora este
pareça de alguma forma irritá-lo: "o primeiro sinal de que um homem está
esclerosado é quando ele perde a capacidade de fazer autocritica, e isso eu não
perdi. Só um imbecil não sabe que, a cada dia que passa, estamos todos mais perto
1 00
do outro lado e que o cemitério está cheio de insubstituíveis. Não é por falta de
herdeiros que vamos deixar de fazer a sucessão."
4.7.3 Outros Envolvidos e a Formação do Grupo
A rivalidade entre pai e irmãos pode atingir outros membros da família,
estejam trabalhando ou não na empresa. À medida que crescem a rivalidade e a
disputa na empresa, é comum que os lados procurem apoio entre os membros da
família. Aí, entram em cena a mãe (esposa) e os herdeiros que mesmo não
trabalhando na empresa contam com ela para sobreviver e/ou participem de seu
conselho ou tenham ações.
Dentre essas pessoas, a mãe (esposa) tem destaque. Como a maioria dos
casos de sucessão ocorre entre pai e filhos, o papel da esposa parece secundário.
Muitas esposas, contudo, têm grande força no andamento da empresa familiar, na
medida em que influenciam significativamente os demais membros da família e
influem nos seus relacionamentos.
BARNES e HERSHON (1976) constataram em sua pesquisa que as
transições ocorrem simultaneamente na empresa e na família, criando em geral
clima de incerteza e tensão. Frequentemente, a mãe exerce influência nos
bastidores, sem muito aparecer. Ela acaba por apaziguar muitos conflitos, por ser
uma pessoa, em geral de fora da empresa, mas com alta credibilidade sobre os que
estão dentro. As mães também podem se sentir atingidas pela sucessão já que
muitas se beneficiam do prestígio e poder que possuem em função da empresa.
Trabalhar na empresa da família pode levar ao fim de muitos
relacionamentos familiares mas também pode torná-los mais sólidos. O convívio
101
diário, o enfrentamento conjunto de problemas, a partilha de dificuldades, a
superação de obstáculos, a conquista em conjunto, são acontecimentos que estreitam
as relações entre aqueles que estão na empresa, dando-lhes a sensação de pertencer
a um grupo e fazendo com que acreditem que juntos poderão conquistar outras
coisas no futuro. Desta forma, trabalhar juntos na empresa pode fazer com que pai e
filhos desenvolvam entre si urna identidade.
A formação do grupo é uma forte barreira à explosão dos sentimentos de
aversão e hostilidade, como coloca Freud:
"Quando o grupo se forma, a totalidade dessa intolerância se desvanece,
temporária ou permanentemente, dentro do grupo. Enquanto uma formação
de grupo persiste ou até onde ela se estende, os indivíduos do grupo
comportam-se como se fossem uniformes, toleram as peculiaridades de
seus outros membros, igualam-se a eles e não sentem aversão por eles."
(Freud, 1 921 , p.1 29)
Freud ( 1 921) explica que a união entre líderes e seguidores está baseada na
tendência das pessoas a se identificar com outras a seu redor. Ao mesmo tempo que
os seguidores se vêem entre si como iguais, eles se identificam com o líder. Num
ambiente onde coexistam líderes e seguidores, o seguidor vê no outro seguidor uma
pessoa como ele e, simultaneamente, se identifica com o líder. Assim se cria o
grupo. Enxergar o outro à sua semelhança desperta no grupo sentimentos de união e
de pertencimento, como também garante o sentido e a razão para fazer as coisas. A
pré-condição para o sucesso desse processo de identificação é a ilusão de que ele é
mútuo, e que o líder ama a todos da mesma maneira.
102
A identificação, como descreveu FREUD (1921 ,p. 133), "é a mais remota
expressão de um laço emocional com outra pessoa". Normalmente nos grupos o
líder substitui na mente dos seguidores a figura do pai; de um pai que ama a todos
os filhos de maneira igual e que aplica esse amor na vida real e que por isso
possibilita à família ser o "grupo natural". Na empresa familiar, o processo de
identificação dos seguidores em relação ao líder tem uma intensidade que talvez
nenhuma outra organização possa permitir. Tal intensidade é consequência de o
líder ser ao mesmo tempo o pai de seus seguidores, seus filhos. Em empresas não
farnilires é possível que seguidores não vejam o líder como substituto para seus
respectivos pais, o que poderia ameaçar a unidade do grupo. Essa ameaça não existe
na empresa familiar. Além disso, os filhos naturalmente desejam se identificar com
os pais. Assim, a formação do grupo na empresa e sua perpetuação pode representar
a concretização deste desejo, gerando um enorme potencial para o grupo na empresa
familiar.
Quem pode sofrer nesse caso são os familiares que não estão na empresa e
não podem vivenciar as situações que o grupo vivencia. No caso do filho que não
trabalha na empresa, tal situação pode gerar um sentimento de ciúme da relação
does) irmão(s) com o pai e de inveja pela posição que alcançaram. Como coloca
FRISHKOFF,
"indivíduos que não são parte ativa da empresa sentem que não pertencem
mais à famflia; eles se sentem como outsiders. Isto cria uma certa dístância
não amigável e desconfortável para os membros da família, assim como um
desejo de maior aproximação emocional. H (Frishkoff, 1994,.72)
CAPÍTULO 5
ENTREVISTAS E ANÁLISE
103
1 04
5.1 APRESENTAÇÃO
Neste capítulo serão apresentados os resultados de cerca de sete horas de
entrevistas realizadas junto aos membros da família Font, dona de uma empresa
familiar. O objetivo das entrevistas foi tentar confirmar ou não os conceitos, idéias e
hipóteses apresentados nos capítulos anteriores. A história da família Font parece
ser bastante representativa, ilustrando experiências que podem vir a aparecer em
diversas outras famílias.
Entretanto, nem todos os conceitos e hipóteses citados nos capítulos dois,
três e quatro serão passíveis de análise. Alguns destes conceitos, necessitariam de
um maior aprofundamento e detalhamento por parte dos entrevistados no conteúdo
de seus depoimentos, o que não foi possível durante as entrevistas.
5.2 BREVE DESCRIÇÃO DA FAMÍLIA FONT
• Fernando Font é o pai, tem 61 anos, filho de imigrantes judeus, engenheiro de
formação e empresário (trabalhou quase toda a vida como administrador). Viveu
uma inf'ancia bastante modesta em termos de recursos. Quando criança também
perdeu o pai. Nos anos 60, casou-se com Júlia e teve três filhos: Joana, hoje com
30 anos, Diogo, 27 anos, e Tiago, 25 anos. Depois de formado, trabalhou em
empresas privadas e no governo federal. Nos anos sessenta, fundou em sociedade
a CETIM, uma empresa de empreendimentos. Cerca de dois anos depois, se
tomou o sócio único e a empresa passou a se chamar SATURNA atuante no
mercado da construção civil. Em paralelo, desenvolveu a GRANJA
ARCOVERDE que vendia frangos e a FÉRTIL, uma empresa de reflorestamento.
Em meados do anos oitenta, com a crise no mercado da construção civil, fechou a
105
Saturna. Nos anos noventa fechou também a Granja Arcoverde. Hoje, as
atividades se concentram na Fértil, que passa por momentos de dificuldade
financeira, e na MOON, uma empresa de importação com cerca de um ano de
vida. Enquanto a Fértil é de propriedade de Fernando e Júlia, a Moon é uma
empresa que tem como sócios Fernando, Júlia, Diogo e Tiago, cada qual com
25% da empresa e todos de fato trabalham nesta empresa. Sua atividade hoje é a
importação de álbuns de fotografia e porta-retratos.
• Júlia Font é a mãe, 55 anos, filha de imigrantes judeus, paisagista. Depois do
casamento, suas atividades se concentraram ao redor da família. Formou-se em
paisagismo depois de casada, mas não exerce a profissão de forma contínua. É
sócia de Fernando nas empresas mas não trabalha nas mesmas, exceto na Moon,
onde possui 25% das ações. Nessa empresa, embora não esteja full-time no
escritório como os demais, Júlia trabalha ativamente, sendo ela quem teve a idéia
original do negócio.
• Joana é a filha mais velha, 30 anos. Formada em Comunicação e Mestre em
Antropologia. Não ingressou nos negócios da família, tomando desde cedo uma
postura independente. Saiu de casa aos 22 anos e hoje mora nos E.V.A. com o
marido norte-americano.
• Diogo tem 27 anos e é formando em administração de empresas. Está há cerca de
cinco anos trabalhando com o pai, não tendo trabalhado em outra empresa
anteriormente. Em 1995, saiu da casa dos pais. Dos três filhos é o que tem mais
facilidade de se relacionar com Fernando.
• Tiago tem 24 anos e é engenheiro. No final do curso de engenharia estagiou no
Banco Nacional e na Ipiranga. Ao voltar de uma viagem após a formatura, foi
106
incentivado pelo pai e pelo innão a entrar na finna. Ambos argumentavam que
precisavam dele na empresa. Com algumas dúvidas se deveria aceitar o convite,
aceitou e está há um ano e meio na empresa.
5.3 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
5.3.1 Os Cenários de De Vries
Nos três cenários descritos por DE VRIES ( 1990) expostos no capítulo três,
o autor enfatizou, entre outros aspectos, a ausência do pai afetivamente, como
amigo e companheiro dos filhos. Muitas vezes, isso incentivava um significativo
distanciamento no relacionamento entre pai e filhos. Na família Font, isso não
parece ter acontecido em relação aos filhos homens. O relacionamento entre o pai,
Fernando, e os filhos Diogo e Tiago, parece ter sido bastante próximo, onde
Fernando exerceu forte influência nos valores dos filhos.
Diogo: "Acho que desde lIe pequenininho eu lIve a InHuencia 110 meu pai. Meu pai
sempre loi muito presente."
Tiaoo: "Quando eu era pequeno, a relaçilo com meu pai era ótima, me dava super..IJem
com ele. Adorava meu pai, Bostava lIe Hcar com ele sozinho. E achava que ele me dava
uma resposta, um uatamento especial Eu sentia Isso. E isso me satisfazi. muitO, era isso
que eu Queria. Meu pai era presente."
A proximidade também fez com que Fernando pudesse compartilhar do seu trabalho
- que sempre teve grande importância em sua vida - com seu filhos e também com
Júlia, sua esposa.
1 07
Diogo: "Ele sempre passou para nós o trabalho dele com gramle enUlslasmo, como uma
coisa lalal e Intaressante_ Ele sampre falou da em prosa como se a empresa fosse nossa
empresa, não somente a empresa dele,"
Ao compartilhar da vida que levava na empresa com a família, Fernando
ajudou a reforçar o relacionamento familiar, pois não fez do seu trabalho um tabu
ou algo de sua exclusividade. Além disso, contribuiu para despertar o interesse dos
filhos não somente pela empresa, mas também pelo trabalho. A empresa não se
transformou para Fernando num símbolo de seu sucesso que somente poderia ser
usufruído por ele. Nas suas próprias palavras:
'1m relação ao trabalho, eu nunca Ilarllel o trabalho como se fOsse uma coisa só minha.
Nesse ponto a Júlla sempre fOI uma pessoa multo abena, ela participava e participa
muito e eu sempre dIVIIII MUito o trabalho com ell. Então eu sempre dMdl muRo com os
meninos e com a lúlla, O DlOIO era mais interessado, mais partlclpatIVo e o nago
acompanhava um pouco mais de lonle. Eu contava Uldo para a lúlla, conto Ulllo para ela.
Ela participa, dli multas sugestões inUlltiVas e que as vezes são bastante úteis e então
sempre houve essa grande partiCipação lia JÚlia."
Júlia: n • • • no começo, a empresa era uma coisa IIlStante, quase .ue só concessão do
Fernando. Era uma coisa dele e eu Unha um acompanhamento mais superficial. Com o
passar 1I0s anos. esse meu acompanhamento 101 se aprofundanllo ao ponto lIe • lente
conversar muito sobre os negócios, sobre os problemas lia eRlPresa, os
relacionamentos. ISso bem antes de eu ter QUalquer função efeUVa na empresa."
A chegada de Fernando em casa, vindo do trabalho, é lembrada com grande
emoção por Tiago:
1 08
MA chelada do meu pai em casa era um momenlo mullo bom, um momenlo mullo alegre.
Não Unha essa de chegar em casa e mamlar os Hlhos li merda como a lenle escuta sobre
OUbaS famOlas. Ele chegava bem. E eu alnlla pensava 'DO, ele Ui Cheganllo tarde porque
esUi Uabalhando, lue enobrecedor'."
Na família Font, desde cedo, os filhos homens criaram suas imagens em
relação ao trabalho do pai. Talvez pela proximidade da relação, as imagens foram
quase sempre positivas. Pode-se, aSsim, crer que: contar o trabalho para os filhos e
estar próximo a eles, foram dois fatores existentes na família Font que estimularam
em Diogo e Tiago o desejo de trabalhar com o pai na empresa.
Com Júlia, Fernando também compartilhou desde cedo o seu trabalho. Esse
pode ter sido um dos fatores que solidificou a relação um tanto sacrificada pela
grande dedicação de Fernando ao trabalho.
Entretanto, o mesmo não pode ser dito em relação a Joana, a filha mais velha.
Joana cresceu na época em que Fernando estava mais envolvido com o trabalho e
foi a filha que recebeu menos sua atenção direta na inf'ancia.
Joana: H Na infância, apesar da grande Imagem que eu Unha do meu pai, nosso
relacionamenlo era distanle. Eu pouco sabia sobre o uabalho dele, que pelo menos
comigo não era comentado. Eu acho que o esfOrço dele li empresa InHuenclou na
dedicação lue ele pOli e me dar e no nosso relacionamemo, poiS eu não me lembro lIe
passarmos mullo lempo lunlos."
Apesar da proximidade sentida pelos filhos homens, Fernando é capaz de
admitir sua ausência em alguns momentos:
1 09
o Talvez eu nio dei tanta atençio, tania prasança 8slca lIuanlo os pais modarnos 1110
boje am dia, assim de dividir com a mie. Os Dlbos talvez tenbam um pouco de
ressendmenlO porqua au não dei muha alanção para elas quanllo eles aram pequenos,
muho embora a ganta tivesse muitos momenlOs lunlOs, am viagens, nos Dns-de
semana_ Não acbo que os OIbos tenllam prelulllcallo o meu uabalbo, nem acllo lIue o
uabalbo tanba preludlcado muhO. Talvaz até o Inverso. Talvez ou pullasse tar dallo um
pouco mais de atanção a eles, não sei até que ponto a Joana, prlnclpalmante, resslnta_ A
Joana talvez lenba ressendllo um pouco uma faba de atenção lia mlnba pano. Porllue ela
talvaz sela dos Uês Dlbos aquela lIua tom maIS dmculdada lia ralaclonamanto comigo."
Júlia: "Eu acbo lIue a Joana senUu lIe cena maneira que ela não teve a presença do
Fernanllo assim como o Dlooo e, principalmente, o Dago tlvaram. Era mais dmc" para o
Fernanllo nalluala época, 10110 ampoloado, cbelo da coisas para raarlZar, as coisas
acontacaodo, laroar mdo para ampurrar o carrlnbo lia Joana. Eodo ala dave ter pensado:
'Ab é, vocês preferem esse lado do que o meu, eu também preOro o meu lado do que o
ligado a vocês', Eu slnlO Isso", diz JÚlla.
Diogo: "Eu veio que a Joana tem muhO mello lIe se aproXImar e, ao mesmo te.po, ela
tom uma curiosidade lia sabor o que está aconteceollo na amprasa. Ela não pergunta, e
IIBando a lente começa a falar de uabalbo, ala vira a cara. Mas lIapols, ela pergunta para
mlnba mie sobra o quo astava acontecanllo a Hca muhO ansiosa a sobe lIuando vê que a
gente está preocupado."
Pelas declarações, principalmente de Fernando e Júlia, pode-se apostar que
Joana foi quem sofreu mais com a grande dedicação de Fernando à empresa,
podendo ter se sentido preterida na atenção recebida, principalmente do pai, em
relação à própria empresa, à vida do casal e aos irmãos. A partir daí, Joana adotou
1 10
uma postura quase sempre de confrontação com os pais: teve atitudes "rebeldes":
não viajava junto com a família, buscou um caminho profissional que não
coincidiria com o do pai, foi cedo morar sozinha e, finalmente, foi morar fora do
país. Tal situação familiar - onde a atenção e o tempo de dedicação aos filhos são
sacrificados pela empresa e que DE VRIES (1990) explorou nos seus cenários -
leva muitas vezes à mágoa, ao ressentimento e ao afastamento dos membros da
família. Joana parece ser a "vítima" do ambiente familiar que reproduziu - ao menos
parcialmente - este tipo de cenário na família Font.
No terceiro cenário descrito por De Vries, o autor realça a imagem grandiosa
que os filhos tem do pai empreendedor. A imagem de sucesso e competência do pai
atinge um alto nível na visão dos filhos. Desta forma, a imagem do pai fica perto da
perfeição, idealizada, e é dificil para o filho pensar em competir com o sucesso do
pai e/ou acreditar que o pai também erre na vida. Como lembra Tiago:
"I até bole. bole menos. mas de uns anos pra cl1. eu Unha muRa lIificuldalle lIe ver os
defeitos do meu pai. Um lIefeRo dele me deIXava muRo Irmado. até hole eu nco. Por.ue a
Imagem do meu pai era 110 a lIe um herói. um super-bomem .ue tullo pollla. aue teve uma
Infincla pobre e subiu na Vida com esforço e dellicaçilo. Um vencellor. I o .ue eu me
lembro era o orlulbo que eu sentia lIele por ter sidO um cara que conseDulu sair do nalla
ou quase nalla para uma shuaçilo excelente."
A imagem do pai grandioso pode dificultar o relacionamento entre pai e
filhos quando estes se tomam adultos. Quando adultos, os filhos têm dificuldades de
dismítificar o pai, sentindo-se confusos em vê-lo como um homem capaz de acertar
e errar, de fazer coisas boas e más. Isso parece ser um ponto sensível na relação de
Fernando com os três filhos, embora somente Tiago tenha se manifestado de forma
1 1 1
mais aberta sobre o assunto. Joana tem também uma imagem grandiosa do pai,
apesar da nítida dificuldade de relacionamento com Fernando.
DYER (1 986) ressalta que a reação dos filhos, ao se sentirem inferiores em
relação ao pai, pode descambar para dois tipos de comportamento: um de não
confronto e outro agressivo. O comportamento de Tiago, embora não seja de não
confronto, assume algumas vezes uma atitude agressiva:
nago: "Eu me senda em divida com o meu pai, aoe me proporclonoo todas as coisas,
não tollas, lIas moitas Coisas. E. até hoje eu acho aoe eu me sinto em divida. Eo sinto Isso
e tento me Ilbenar. Apesar de ter dmcoldade, eu tento me Ilbenar e, As vezes, a maneira
de me Ilbenar é meIO drAstica, melo rode. Hoje em dia eo brigo moRo com meu paL com
minha mãe. Tento me opor a multas cOisas que não fazem bem para mim. Eo tento me
opor e a lIaRelra de opor, como é uma coisa complicada e aoe mIstUra seotimemos
muRos prlJDhlvos, sempre é uma maneira muRo fone."
Essa agressividade reflete um tanto da dificuldade de Tiago em se colocar diante do
pai que foi tão idealizado no passado e que agora aparece de maneira mais humana,
com erros e acertos, sendo ora "bom" e ora "mau". Assim, a agressividade de Tiago
parece refletir um tanto o descontentamento de perceber, hoje, o pai como uma
pessoa "normal", ao contrário do super-homem imaginado no passado.
5.3.2 A Organização Familiar
nago: ". Joana e eo conversamos antes dela Ir morar nos LU . . Ela acha que a
famHla era dividida. Um bloco era meos pais, outro era ela, que era mais diSSidente e ale
qoerla oma modança no estilo de vida da famOia. E o outro, o Dlogo, aue era mais
conUnulsta. aceitava mais o esUlo dOS maus pais e se IdanUftcava mais. E au ara muRo
1 12
IIlVldldo enue a famOla e a maneira de ser dos meus pais, toda a segurança .ue ela uazia
e. do ouuo lado. uma rebeldia de querer um nelóclo diferente. realmente diferente. _ Eu
acho que a loana se sendu multo isolada e multo chatealla por estar sozinha. E ela
realmente tem uma vida separalla lia famOla. E agora ela fOI morar fOra. E a Joana vê Isso
como uma consumação. uma consumaçlo da simbiose 110 resto lia famOla. Virou 11110
geléla. _
Os meus pais são multo fechallos e Isso é um uoço bem caracterlsUco deles. Hole
mesmo. na empresa. a gente estava dlscudndo um assunto. e se perluntava 1sso é preto
ou branco;r . E se um IIlzla que era branco. o ouuo dnha que delOnller que era branco
lIesmo. mesmo não achanllo. E. mesmo quando nlo se esta discutindo um assunto
qualquer. de repente surge uma porção de defesas de um para o outro. E o que eu percebi
com o tempo é .ue Isso preludlca o relacionamento. pelO menos o meu relacionamento
com eles, E eu acho Que o 110 Dlogo e lia Joana com eles também. POnlue é como se o
relacionamento InlllVldual não pudesse eXlsUr."
Nas palavras de Tiago têm-se uma explicação para a fonua como a família se
organizar. Os pais, Fernando e Júlia, agiam e agem para manter o paradigma
familiar como colocado por DA VIES (1 983). Assim, se estabelecem como uma
família "sensível ao consenso" na maior parte das vezes. Isso é parcialmente
comprovado pela relação que se estabeleceu entre a família e Joana, única pessoa
que de alguma fonua contestou o paradigma familiar de fonua mais radical. Pode
ter havido uma reação da família ao processo de individuação de Joana, que se
mostrava significativamente oposta ao paradigma familiar. Isso teria reforçado sua
atitude inicial de ter uma vida separada da família.
Júlia e Fernando parecem fonuar um casal do tipo complementar como
definido por KEPNER ( 1983), que divide as responsabilidades na família. Segundo
1 1 3
a autora, é típico de casais "complementares" a defesa do status quo, onde é
definido claramente o que é certo e errado para os padrões da família. Júlia conta
que Diogo, na imancia, tinha medo de se levantar da cama para ir falar com o pai
quando este chegava à noite.
Júlia: "Eu nio sei se ele [DloIO) linha medo, se era medO lIe infringir as regras."
Isto pode revelar que desde cedo Diogo (e possivelmente os outros filhos)
internalizaram a existência de regras que deveriam ser mantidas.
Joana: "Acho que na nossa 'amOla as lIilerenças Individuais nio eram muito aceilas.
Quando alguém agia conua o que prlnclpalmenle os meus pais achavam lue era errado
havia muita IIlscussíio. EnlrellnlO, as crises lue resulllvalll deSlas .. scussões não eram
solucionadas mas IIlvez esqueclllas, luer dIZer, empurra lias para lIebaiXo do IIpele . . .
Hole, acho lue meus pais, por exemplo, senlem dlnculllalles em aceitar lue oPlel por
uma pronsslo lIilerenle da deles e que, ueSle senUdo, nlo lêm muitO como Inlerlerlr la
mlnha lralelÓrla pronsslonal ", lembra Joana.
Contudo, a família Font age outras vezes como uma família "sensível ao
ambiente", como definido por Davies (vide item 3.3.2) . Percebe-se isto quando os
pais, (principalmente Fernando), mostram suas preocupações com a individualidade
de cada um e apoiam a liberdade dos filhos para traçar as suas vidas. Por exemplo,
numa passagem de sua entrevista, Fernando expôs como ele e Júlia pensavam sobre
a idéia de que os filhos, em geral, devessem seguir o caminho dos pais, ou trabalhar
com eles:
"Nós lemos um amigo por exemplo lue laia: 'Dão, eu acho que meu Hlho lem que
Irabalhar comigo. Eu lenho uma empresa, vou deiXar essa empresa para ele, enlio eu nlo
1 14
perluntel se _ueria ou Rio queria'. Nós ficamos escandalIZados. o pai Impor ao filho
trabalhar com ele."
5.3.3 A Decisão dos Filhos de Entrar na Empresa
Diogo: "Quamlo eu estava fazendo a faculdade de engenharia e resoM largar, eu
nio tinha uma noçio bem clara do _ue Iria fazer. Enlio eu botei num papel todas as
possibilidades Que eu tinha e chamei o meu pai para conversar. Oma das possibilidades
era trabalhar com ele e ele disse _ue gostaria muito. _ue precisava multo. Ele nio fOrçou
a barra para _ue eu trabalhasse com ele, mas ele PDIIOU a sardinha para esse lado e fez
bastante fOrça", dIZ 01010.
Diogo parece ter podido optar sem maiores pressões e com liberdade se
desejava ou não entrar na empresa. Já com Tiago, a situação era bem diferente pois
Diogo já estava trabalhando lá e as coisas estavam dando certo entre ele e Fernando.
Dago: "Quando eu realiZei os meus estálios na Iplranla e no Banco Nacional. eu
passei normalmente pelos processos seletiVos e Isso me dava uma Satisfaçio multo
grande_ Eu achava _ue Quando eu safsse da faculdade e fosse trabalhar numa empresa.
sendo contratado pelos meus mémos, Que Isso Iria me trazer uma grande sansfaçito. Ao
mesmo tempo a empresa do meu pai tava passando e ainda tá por um momento dlftcll.
Era um nelóclo de 'Vem, vem aiudar a gente'. E Unha um aspecto Interessante de estar na
empresa 110 meu pai, de pOder dar a minha conUlbulçito e ter uma Innuóncla multo maior
sobre os resultados. Eu fiquei dIVidido e cerca de um mês depois Que eu voltei de Viagem
eu acabei Indo trabalhar com meu pai. Da outra pane, a minha mie me deu multa fOrça
para eu Ir trabalhar com o meu pai e com o meu Irmito. Nio somente fOrça, mas com
comentArlos do tipo: 1Ialo, eles precisam de vocó',"
1 1 5
Júlia: " . . . O Feraando lostava que o DiolO estava lá trabalbaDllo com ele e o 01010
também lostava de estar lá. Quando fOI a vez do nalo eu senU lIue a empresa estava
precisando de uma outra pessoa Que UVesse o mesmo Interesse .o mesmo envolVimento,
a mesma honesd'ade,lIue pudesse dar alluma coisa de si para lIue a empresa pudesse
crescer Rum momemo .ue a empresa estava precisando. Então eu acho .ue eu esdllulel
para lIue Isso acontecesse e empurrei um pouco para lIue lsso acontecesse no caso do
Tialo. Como a coisa dnha dado ceno com o Dlogo, eu achava Que a coisa mais natural era
Que o Tiago viesse também contribuir. Mas eu sempre achei Que os dois Iriam encontrar
caminhos legais, estando ou não na empresa", lembra lálla.
Diogo: ·_ 0 Tialo demorou muRo a vir trabalhar com a gente."
Um aspecto interessante na frase de Diogo é que, na verdade, Tiago iniciou
seu trabalho com o pai e o irmão cerca de um mês após voltar de viagem que fez
logo depois de sua formatura. De fato, não decorreu um grande periodo até que
Tiago entrasse na firma. A frase de Diogo, assim como a certa pressão de Júlia,
podem significar que, de alguma forma, eles achavam que era dever de Tiago entrar
na empresa, ajudar o pai e dar a sua "contribuição". Parece ter existido,
principalmente no caso de Tiago, pressão para que os filhos entrem na firma da
família como descrita por MILLER & RlCE (1967). No caso da família Font,
contudo, a pressão também se faz evidente entre os próprios filhos.
5.3.4 Modificações nas Relações Familiares
Tiago: "Eu acho lIue eXiste muRo pouca separação entre o ambiente Jamlllar e a
empresa. Hole em dia, o relacionamento trabalho-JamDla está um negócio
completamente misturado. Isto é muhas vezes um negócio não saudável. Por exemplo,
eu tenhO muha dificuldade de me relacionar com meu pai e com a minha mãe, ao mesmo
1 16
lempo, no trabalho porque eles sempre licam se lIellOlleOllo um ao outro. A milha mãe,
por outro lado é uma pessoa que não eSlé muno acosmmada ao trabalho assim de dia-a
dia em que as coISas precisam ser IInas e mistura muItO as conversas de casa em horas
que são lIe trabalho. Isso me agoniza muito _
Em relação ao meu pai, como a lenle lem am relaclonamenlO prolisslonal muno
Inlenso, alé mesmo Iara 110 trabalho, em casa, nos Iim-lIe-semana, à nane, en não lenho
muno saco para conviver soclalmenle e a genle não lem ddo um relacionam eniO de
amlzade.w
Júlia: "Eu acho que a minha relação com eles IFernando, Dlogo e nago) mudou
depois aoe eo comecei a trabalhar na firma. Acho que hé om eSforço para loe bala uma
mOllança. Mas eu não sei alé loe ponto esté senllo bem Slcedldo. Porque esse ranço
familiar , esses problemas lamlllares acabam senllo transportallos para a empresa. E
10110 monllo se esforça para separar um pouco e, de repenle, alullo escorrega e vira
outra vez. DepoIS lue eu comecei a trabalhar na empresa, a relação com o nago
lIelerioroo. Eu era mais amlla do lIago. O lIalo nio 10lera muno as minhas IImcalllalles
no trabalho, o fala de eu não nunca ter slllO muho boa Im malemédca, por eXlmplo. Ele
licou Impaclenle I lnloleranle comigo e acho que Isso delerlorou a nossa relaçio.
ulla vez eo Ioi melo qoe Impellllla lIe participar lIe uma reunião que eu dnha
muno Interesse em participar. E, lIe repenle, eo Ioi comunicada: 'Não, agora você não
entra aqui: Eu acho que se não fossl lamOla, eles não pollerlam falar assim comigo. Mas,
como é família, pode. Porque se lU losse uma pessoa estranha, loe trabalhasse na
empresa e tivesse om carla lIe lllreção, eles não pOderiam IIlzlr 'não, hole você não
pardclpa'_ A minha expectativa é que, à medida em lue lO fOr trabalhanllo melhor, eles
possam me valorizar maIS e lue lO lInha maIS dlrenOS como froto 110 meo trabalho. Mas,
1 17
hoje, eu me sinto marllnaliZalla por ser mulher, por não estar todos os dias no escrnórlo,
uma série de coisas.
Em termos de casal, as coisas acabaram IIcando mais cansaUVas para o
Fernando. Como eu Oco muno ligada e ansiosa para saber das coisas Quando ele chega
em casa, acho Que ele não conselue dar mais uma lIeslilada. Porque eu cOlleço a
perguntar e a gante começa a lalar da uabalho mais uma vez. A gante tava até
conversando Que talVez seja melhor não lalar da uabalho o tampo todo."
A presença de Diogo e mais tarde de Tiago e Júlia na empresa, representou
uma série de mudanças nos relacionamentos individuais e familiares. Os
depoimentos sugerem que a intensidade do convívio no trabalho extrapola para
outros ambientes e que isso gera inicialmente desconforto e até algum tipo de
desgaste nas relações. Como conseqüência, esse desgaste pode acabar se refletindo
no próprio trabalho tomando as pessoas muito "cansadas" uma das outras. A família
busca um equilíbrio entre o convivio profissional e familiar, tentando não extrapolar
o ambiente profissional e o "falar de trabalho" para fora da empresa. Esse equilíbrio
parece ser fundamental para que as relações não se deteriorem e acabem se tomando
relações somente profissionais, impedindo que a família trabalhe junta
prazerosamente.
5.3.5 O Perfil do Fundador
O perfil de Fernando Font parece ser característico dos fundadores descritos
por ZALESNICK e DE VRIES (1975) e apresentados no quarto capítulo. Os
fundadores tem em comum uma experiência de vida sofrida, passando por uma
infância cheia de dificuldades, algumas dramáticas, que envolveram morte, solidão,
pobreza e a emigração, entre outras. Fernando não foge a regra: filho de imigrantes,
1 1 8
teve uma inf'ancia pobre, perdeu o pai ainda quando criança e conseguiu estudar
graças a uma bolsa de estudos.
Fernando: ROe um modo leral o que eu me lembro da mlnba infânCia é que ela foi
triste. Teve muRos momenlos alegres mas leve uma carga de trlsleza mURo graOlle e
sombria."
Outra característica marcante de Fernando é o seu desejo de realização,
característica destacada por McClelland e citada por BARRY (1975). A trajetória de
vida de Fernando é um exemplo típico do fundador com alto grau de desejo de
realização.
Fernando: 'logO que eu me formei eu 'li trabalbava como IUnclonlirlo do Banco do
Brasil mas. paralelamenle. eu Unba uma aUVldade de consullorla. Não Isolallamenle, pois
eu Ir8balbava 'unlO • uma nlRla de consollOrla e planejam enio. Pouco lempo depois. uns
quatro anos depois de formado, eu comecei a monlar uma nrma mlnba de consullorla. Foi
quanllo eu vollel da Europa, do eSléllo, mais ou menos dois anos depois de formallo.
ERlão IIi foi um começo, uma lenlaUVa lIe fazer alluma coisa por conla própria. Eu era
IUnclonlirlo do Banco do Brasil e naquela época era considerada uma lias melbores
carreiras em lermos de remuneração, mas eu sempre uve muRo medo de lermlnar a
mlnba vida fazendo carreira como IUnclonlirlo do Banco do Brasil. Endo eu sempre me
preocupei em não me escraviZar no Banco lia Brasil e ler uma coisa assim .ue
dependesse mais de mim .ue dos outros. Endo eu acbo que eu UVe logO essa sensação.
essa VOnla1l8 de l8r aUlonomla. Eu passei a dar aula lambém uns dois ou trls anos depois
lIepols de formado e lIava alia para cursos de aperfelçoamenlo, de pÓS-graduação. Os
meu alunos, muRos deles eram mais velbos do que eu, endo ISSo foi lIando uma
conftança em mim lIe que eu poderia fazer alguma coisa por mim mesmo. Na 18alldalle,
eu Irabalbel como assalariado alé 14 .uando eu passei a ler um ueDóclo que uão era
1 19
100% meu. Era uma sociedade mlnba com um banco de Invesllmento. Eu IInba uma
pamclpação mlnorhárla porque eu 010 Unha capital, mas eu Unba uma autonomia muRo
IraRde na allRlloisuaçlo. Eotlo, Ira praUcamente uma coISa mlnba. Eu trabalbava pra
burro, Virava sábado, lIomlnoo, porque sempre Unba várias coisas mas fOI uma época
muRo sallsfatórla, muRo excRantl I lratlflcante."
As palavras de Fernando corroboram com as características apontadas por
McClelland segundo as quais o fundador é uma pessoa que trabalha um grande
número de horas ("Eu trabalhava pra burro, virava sábado, domingo, porque sempre
tinha várias coisas"), gosta de trabalhos inovadores e do próprío trabalho ("eu
sempre me preocupei em não me escravizar no Banco do Brasil e ter uma coisa
assim que dependesse mais de mim que dos outros. Então eu acho que eu tive logo
essa sensação, essa vontade de ter essa autonomia").
o senso de realização do fundador e sua criatividade podem ser explicados,
segundo Zalesnick & De Vries (op.cit), pelos obstáculos enfrentados durante a
inrancia e juventude. Os autores citam o trabalho de Collins, Moore e Unwalla,
"The Enterprísing Man", onde numa série de entrevistas com cerca de oitenta
empresários, temas como "morte", "fuga à pobreza", "os pais que foram embora",
"fuga à insegurança", foram falados repetidamente. A vivência de situações adversas
e a vontade de vencer tais situações pode ser um dos principais componentes da
complexa personalidade do fundador. Nesse sentido, Fernando tende a se encaixar
no perfil "clássico" do fundador, uma vez que teve uma infãncia sofrida, envolvendo
dificuldades financeiras e a morte de um ente próximo: o pai.
Além disso, as características gerais do fundador apontadas por DYER
(1986) parecem ir ao encontro do perfil de Fernando, caracterizado por uma
personalidade marcante que exerce grande influência no ambiente familiar e no da
120
empresa. Em relação à primeira característica, é notório nos depoimentos dos filhos
a importância da opinião e aceitação de Fernando de seus atos. A imagem criada do
pai foi tão forte que chega a ser dificil para os filhos perceberem as falhas de
Fernando. Quanto à segunda, podemos destacar a influência de Fernando na escolha
profissional dos três filhos (os homens seguindo a carreira do pai e a filha buscando
o caminho diametralmente contrário) e na maneira como a família se estruturou
(descrita anteriormente).
Quanto as caracteristicas específicas do fundador listadas por Dyer, nem
todas são presentes em Fernando e algumas não foram possíveis de serem
verificadas. Fernando não parece ser uma pessoa que:
• rejeita ajuda e reluta em delegar coisas para outros ("Tem passado muito, muitas
decisões a gente que toma. Vocês que decidam e depois me digam. Ela não está
decidindo uma porção de coisas mais", diz Diogo. "De repente está acontecendo
alguma coisa importante (no escritório)e eles estão sabendo e eu não estou
sabendo e aí eu posso ficar a tarde toda remoendo, remoendo e eles já
resolveram. O Fernando tem muito este tipo de consideração comigo, ele telefona
e geralmente ele me dá todo esse tipo de atenção", comenta JÚlia.)
• controla e organiza totalmente as atividades tanto da empresa como da família;
• considera a si mesmo "grande demais"
Fernando, por outro lado, parece:
• ser reservado sobre suas atividades;
• desenvolver uma filosofia seguida implicitamente (muito mais importante do que
pai e filho conversem é a observação que os filhos fazem e o exemplo que os pais
1 2 1
deixam. U m exemplo vale por vinte palavras, por vinte conselhos", é a filosofia
que Fernando usou para educar os filhos.)
Além disso, Fernando parece alternar momentos em que exerce seu poder de
forma arbitrária e inconstante e outros em que é flexível e prega pela participação
dos outros. Não foi possível verificar se Fernando habitualmente desconfia de outras
figuras autoritárias.
Quanto ao perfil narcisista do fundador, Fernando não parece possuir as
caracteristicas citadas por DE VRlES & MILLER (1 990) nem se servir da empresa
como uma defesa para o seu desenvolvimento narcisista na forma apontada por
ZALESNlCK e DE VRlES (1 975) e exemplificada com a história de Henry Ford.
Não foi possível durante as entrevistas com Fernando fazer uma análise da
forma como ele encara a morte e de que forma isto tem influenciado na relação com
os familiares e na empresa.
5.3.6. Poder
A disputa pelo poder no comando da empresa parece não se evidenciar.
Contribui muito para isso: a postura participativa de todos na empresa,
principalmente no que se refere a atividade da Moon, a ascendência que Fernando
exerce sobre Diogo e Tiago e o respeito destes pela sua maior experiência nos
negócios. Talvez pelo pouco tempo relativo em que estão na empresa, Diogo e
Tiago não competem com Fernando pelo poder. Este parece estar disposto a ir
cedendo cada vez mais espaço aos filhos, deixando com que eles cada vez mais
interfiram nas decisões e na estratégia da empresa. Dessa maneira, e levando-se em
1 22
conta a amizade entre Diogo e Tiago, é possível que o poder possa ser dividido,
cada um o exercendo da forma que melhor lhe compete.
Fernando: "Na Moon, eu, a Júlla, o OIogo e o nalo, cada um tem 25% das ações, Então
eles vesUram muho a camisa de donos. E são muho ciosos de que as decisões
estratégicas, as decisões Importantes tem lue ser tom Idas por consenso. As vezes. eu e
a Júlla temos uma opinião, nma determinada Ilnba, então eles relutam e querem dlscuUr,
e a lente então laz discussões até cheglr num acorllo, um consenso. Mas eles realem
muho conua alluma alhulle que a geDte tome e lue esteja conua a OPinião e a visão
deles. Mas. as vezes. eles não estão sempre jUltos. Por exemplo, eu tenho uma opinião, o
nago ouua e o 01010 ftca no melo do caminho. As vezes ele esta mais do meu lallo e as
vezes está mais do lado dO nalo. Mas eu acho Isso bacana, até democrliUco. São
posições vlilldas. lue pollem ser ftlosoftcamente diferentes, mas são genulnas, vlilldas e
acho bacana aue hala opiniões diferentes e aue a gente discuta democraUcamente. E ai
eu e a Júlla procuramos respehar a OPinião deles. As vezes, auando um é voto vencidO
não tem jeho. AI eu digo: lIago, danou-se, foi Uls a um. Não tem Jeho: E ele reconhece: 'ta
bom, eu hll voto vencido, então vamos em frente, vaRlos lazer asslll: As vezes. eu sou voto
vencido. Eu sou o único lue acbo uma coISa mas os ouuos uls são conua e eu aceho.
Quer IIlzer, hlnclona realmente a democracia.", comenta Fernando.
Além do aspecto democrático que predomina na empresa, a disputa pelo
poder é sensivelmente diminuída pelo fato de Fernando estar de fato 'passando a
bola' para os filhos.
Diogo: "Ele (Fernando) tem passado muhas coisas para a gente, muhas decisões é a
gente que toma. Ele diz: 'Vocês é que declllam e depoIS me digam: Ele não está decidindo
uma porção de COISas mais. Ele acha lue a gente têm tanto conhecimento COIIO ele da
123
problemliUca a silo lIeclsõas aua nilo vila mudar o rumo da empresa . . . a ele Iam
passallo daclsões calla vaz mais Impomnles."
Tiago: "Na empresa ela lem vonlalle de passar as coisas mas acho que a ganle alnlla
nilo consagulu se enlrosar para ala podar passar a au recebar IIlrallo. Acho qoa as vezas
ale auar passar e eo nilo eSlou com vonlllle e, oOlras vezas. eo eSloo asperando ele
passar, mas nilo vem. Mull8s vezes a maRelra lIala passar é dizendo: ' resolve sozlnbo,
você lem aue aprenller a fazar', ooe é oma maneira vlillda IImbém. Umas vezes. ele qoer
passar as coISas de uma forma mullo minuciosa e oUlras lanlls ele dalxa a genla fazer
IS coISas do ROSSO lello mas chell ulla hora em qoe ele aSloora e luar aua a lenla faça
do lellO dele."
F ernando nota que as vezes os filhos também querem tomar mais decisões na
empresa. E "se unem, me colocando meio de lado como se eu fosse um 'coroa' que
estaria querendo se meter." Não parece existir disputa pelo poder na Empresa.
Contudo, o comentário de Fernando pode ser uma pequena observação de um
movimento dos irmãos em busca de uma autonomia ainda maior. Como estão
bastante unidos, essa busca tende a ser feita em conjunto pelos dois "contra" a
hegemonia do pai.
5.3.7 Inveja
Júlia: "_ E nessa altUra do 1010 lambém au slnlo uma Invela por elas nilo precisarem
eSlar lendo que 10llr IInlO quanlo eu. Palie sar qoa eles lambém lanham IUIIS mas para
ales as 10llS são menores. Poraoa cada um lIeles lli Iam uma POSição lIafinlda, ou por
aSl8ram formados ou por lli leram acumulado uma capacidade Inlrlnseca. E eu não lanho
assa capaclllada, enlão eu me SIRlo mais enfraquecida. Nas IUIIS alas asilo mais
fonalecldos masmo para Imr enlre elas por uma opinlilo, por ulHa slmaçilo, por uRla
1 24
lIiverlêncla e eu sinto Invela disso. E acbo lue Isso preludlca na empresa. nas
discussões."
Fernando: "Eu acbo Que a lúlla sente mulla Invela do meu relacionamento com os
rapazes. Hole mesmo ela falou: 'puxa, Que Inveja Que eu tõ de vocês Que tavam boje la no
escrltárlo'. Acontece Que alora lue a lúlla trabalba conosco tem muItOs assunlOs lue
estio borbulhamlo la no escrltárlo e Que ela, multo justamente, gostaria de saber. E as
coisas 'pIntam', acontecem la no escrltárlo. Então ela acaba sabendo das noticias
'reQuenta"as', ilI noite, Quando eu cbelo em casa ou Quando ela IlIa para o escrllárlo. E.
multas vezes, lue ela Illa eu dlIO: 'Iúlla, alora eu não posso' e ai ela Insiste: 'Mas conta
como 101 a reunião'. Collada, multo genuinamente e lusUficadamente pois a vllla lIela
também ta envolvllla com nisso ai e ela sente lnvela Que estou junto. Ela sente lnvela Que
eu saio para almoçar 10110 IIla com eles. Ela 1I1z: 'ali, você 101 almoçar IOra com elesi' Então
eu Quero Jantar lora também'. Então ala senta, fala e admite Que tem Invaja 110 meu
relacionamento com eles." - Fernando.
Pelos depoimentos de Fernando e Júlia, nota-se que a inveja aparece na
família Font de uma forma distinta da chamada 'inveja entre gerações ' citada por
DE VRIES (1 991). Júlia admite sua inveja da capacidade do filhos e por estes terem
maior desenvoltura na empresa. Sua inveja, entretanto, não parece motivar qualquer
ação destrutiva em relação aos mesmos. Fernando, por outro lado, não parece
exercer nenhuma ação contra os filhos que se possa atribuir à inveja. Ele,
provavelmente, se enquadra no tipo de pai descrito por De Vries que tem orgulho de
ver no filho uma continuação de si próprio e de verificar que este filho está
seguindo os seus passos.
Em relação às três formas de inveja destacadas por De Vries - "idealização",
"retirada" e "desvalorização" - pode-se perceber que:
125
• Apesar da grande admiração que todos os filhos sentem por Fernando, em
nenhum deles essa admiração tomou a forma de idealização descrita por De Vries
que muitas vezes impede o desenvolvimento dos filhos.
• A "retirada", na forma como destacou De Vries, também não é evidente.
Contudo, Joana, desde cedo em sua vida optou por um estilo de vida alternativo
aos padrões da família, que pode ser fruto, entre outras causas, da inveja do
relacionamento dos pais e da atenção maior dada aos seus irmãos, como
comentado por JÚlia.
• Não são notados traços da "desvalorização" nos membros da família Font.
5.3.8. Culpa
Diogo: "Eo Qoero resolver o problema dele (Fernando) Qoe é vender a seRarla. En
nilo qnero deiXar ele com esse pepino para resolver _ eo nilo poderia deiXar ele sozinho
_ O meo pai sampre foi o mao masUe. mas eo nilo me sinto davador dala. Eo nilo sinto qna
eo tenha obrllaçilo de fazer Isso por estar devendo alloma coisa a ele. l oma coisa qoe
ao lenho .oa fazar. nilo lenho oma conclnsilo mollo Clara do por.oê disso. Nilo sei se é
oma coISa da minha famma. da uadlçilo lodaica. coltOral. Eo velo aoe moitas pessoas nilo
silo assim. mas eo lenbo asse relaclonamanlO 110110 préximo e valo Isso com meos
Irmilos também. Alé a minba Irmil. Indo no senUdo conUArio. en velo lIoe é caosa da
mesma edocaçilo aoa eo UVa. Eo slnlO a fOrça .oa ela é obrigada a fazar para Ir no lanlldo
conlrArlo. Ela tem qoe fazar om a&forço mollo granda para ISSO e ala nilo se aproxima
por.,e a força da uaçilo. a auaçilo é mollo grande. E o meo Irmilo nilo qoer ftcar mollo
preso. mas acaba ftcando e se senle colpado e ele costoo mollo a vir uabalhar com a
1 26
gente pela culpa, pelo mello de licar preso. E acabou vlmlo e ta se sendnllo
razoavelmente preso e tentanllo não mosDar, mas tá. n
Tiago: M • • • eu sempre tIVe dificuldade em negar Qualquer coisa para o meu paL
Num dia ele chega e diz: 1Iago, voci tem que fazer Isso." E, multas vezes, eu lazla sem
vontade e com extremo mau humor. Isso acaba renednllo na minha relação com ele . . . Se
ele me pede alguma coisa e eu sei que eu não tenho a obrllação de lazer, eu Oco mexlllo,
com meus sendmentos conlUsos. Por exemplo, até um tempo auás uma cara leia 110 meu
pai era algo muRo pesado, multo IOne. Eu me senda multo mal. Eu me senda culpado. Hole
está um pouco melhor mas eu ainda me sinto culpado_
Quanllo eu niio tava uabalhanllo com ele eu me senda melo culpallo de não tar lá
alullando. Eu tava uabalhanllo na Iplranla na época e via lue a sIluaçiio tava IIlIIcll e
conversava também com eles, E me senUa melo culpallo lIe não tar alullando ali no dla-a
dla_
Eu acho também lue o meu pai se dedica multo mais a empresa 110 que eu. E Isso
é também um aspecto de culpa que eu sinto pela lIedicaçiio que elellá ao Daballlo lue é
multo maior lue a minha. Por exemplo, luando ele acorlla multo cedo, vai para o
computador e bale uma porção lIe canas. Ele prolluz muItO mais. E eu sinlo lue devia
prolluzlr tanlo Quanlo ele_
Sempre me send em IIlvIda com meu pai. De ler lue ler um sucesso eluivalenle
ao que o meu pai teve. E me senUa culpado, não só com ele mas com o mundo, por ter Ullo
uma sltOação privilegiada, ter podlllo estudar em bons colégiOs. de viajar, lIe ler
posslblllllade de praUcamente lazer rodo que eu quisesse."
1 27
Fernando: 'lu lenho um ceno senUmenlO de culpa de que talVez um lIos
componenles do falO dos rapazes estarem babalhamlo comllo seja o fato deles
acharem que lem lue me ajullar. Isso me lia um senUmenlo de culpa. Nio sei alá lue
ponlo Isso á real ou é fantasia minha. A leele la conversou allumas vezes e eu acho que
lenba sido inftuêncla lia lúlla, lIela ler pelllllo assim: 'olha, vocês devem aludar o papar.
Por exemplo, se nio houvesse nenhuma pressio por pane da lúlla, eu nio sei se a
decisão deles babalhar comllo seria a mesma ou se eles pensariam dUerenle."
Nota-se nas palavras de Diogo e principalmente nas de Tiago uma vontade
profunda de fazer algo por Fernando, de corresponder as suas expectativas. E, em
certo grau, um sentimento de culpa em relação ao pai, pelo que ele fez por eles, e
por não atender sempre as suas vontades. Apesar de existir um desejo consciente de
seguir o caminho de Fernando, de trabalhar com ele, nota-se também o lado da
culpa, da pressão de não fazê-lo. Ao falar do momento em que se decidiu pela
faculdade de engenharia (na época, pensou em estudar algo com relação à artes),
Tiago diz: 'eu me livrei um pouco da minha vontade', como se fora um alívio deixar
aquela vontade de lado, isto é, a vontade que o ligava às artes, e poder ter a vontade
de fazer algo que era compatível com a vontade do pai. Estas situações parecem ser
manifestações das dificuldades dos filhos em crescer à sombra de um pai
empreendedor, de muito sucesso e "grande demais" descrita no terceiro cenário de
DE VRIES (1 990).
Tiago considerou bastante se deveria ou não entrar para a empresa da família.
Contudo, é de se pensar que uma grande culpa de não estar ajudando o irmão e
principalmente o pai na empresa, deve ter tido uma grande influência. Como
apontou LEV1NSON (1971), muitos sucessores decidem entrar na empresa
motivados por um sentimento de culpa de não fazê-Io. Na medida em que a figura
de Fernando sempre foi muito importante para Tiago, - que o teve como uma
128
espécie de super-herói -, seria um peso enorme e motivo de grande sentimento de
culpa, não atender a um pedido do pai (ainda reforçado pelo pedido do irmão, da
mãe e a situação que a empresa atravessava). Diogo e, principalmente, Tiago
também mostram sentir-se culpados em relação a Fernando por ele lhes ter
proporcionado uma criação num ambiente de riqueza, aspecto identificado por
MILLER & RlCE (1967).
Fernando, ao colocar para os filhos que eles devem rever periodicamente se
estão satisfeitos em continuar trabalhando na empresa, mostra compreensão sobre
as dúvidas e individualidades de cada filho, fazendo possível que estes trabalhem
sem o peso de pensar que estão na empresa para sempre ou até que o pai diga que
eles poderiam sair.
5.3.9. Rivalidade
Tiago: " . . . hole eu não vejo multa rivalidade entre mim e o DiOgo. A genle lem
sido muRo companheiro. se aiudando moRo um ao ootro. Eo slnlo oma rlvallllade com
meu pai por.ue meo pai Quer mostrar .oa é IIlIer. Qoe é o cheia e ali umas vezes a lente
Qoer participar IIlsso e mostrar Qua ele não é o Ifder sozinho. o IIder absolulO sempre. Eu
acho Que ele acredita .oe a ganle lem contribuição para dar e eSllmula Isso. mas Quando
os IInimos se acirram ele leOla blo.uear loda assa coisa Que ele acredita. Mas não é a
maioria das vezes. n
Júlia: "Agora .ue eu eSlou trabalhando com eles exlsle e não exlSle uma
diferença. Eu percebi Que o Fernando não la Hcar moRo feliZ Que eo ncasse no escrRérlo.
Ele alnlla lem traços de machISmo. assim. eu acho Que sa eo ncasse /oll-Umll no
escrRérlo. ISlo ia Incomollar ele. Então eu percebi Qua ao podaria alodar. Que eu pollerla
contrlbolr. Qoa eu lanho alé multa coisa para contribuir mas loe eo lenho Qoe saber me
129
manler 111 marlem. Elllão. as vezes é lllfícll para mim porque eu slnlO Isso lullo e Oco as
vezes Irumalla. desaponl8da. chalealla. Na verllalle. a Moon parllu muRo de uma vonlade
minha de lmporlBr élbuns de IOlolraoa que eu vinha pensamlo hé mais lIe qualro anos."
A rivalidade entre Fernando e os filhos descrita por Tiago, parece ser
superada pelo grande sentimento que existe entre eles. Do lado de Fernando, há um
profundo agradecimento pelo fato de os filhos estarem ao seu lado numa hora em
que as coisas não vão muito bem para a empresa. Ao mesmo tempo, Fernando não
parece encarar a presença dos :filhos como uma ameaça a sua posição ou
masculinidade como sugere LEVINSON (1971). Pelo contrário, Fernando
demonstra um forte prazer em ver que seus filhos são também bons profissionais, e
mais que isso, boas figuras humanas.
Fernando: ·0 01010 _ Iem uma senslbilillalle de relacloRamenlO humano e ele lem SiIlO
um pai e uma mãe para mim. Ele é muRo carinhoso. ele procura enlenller os meus
problemas_"
o trabalho conjunto na família parece ter também sacramentado a amizade
entre Diogo e Tiago. Apesar de antigas rivalidades de infância e adolescência ainda
estarem presentes em alguns momentos, como relatou Tiago, os irmãos parecem ter
mínimizado estas rivalidades em troca de uma relação de amizade que, na palavra
dos dois, "se completa".
Fernando, ao contrário dos pais citados por LEVINSON (1971), não age de
forma a colocar um :filho contra o outro. Apesar de se mostrar mais confiante na
experiência que Diogo adquiriu na empresa, não age de forma a preterir Tiago em
relação ao irmão.
130
A situação vivida por Fernando, Diogo e Tiago na empresa não corrobora
com a análise de LEVINSON (1971) no que diz respeito a ascensão do irmão mais
velho e a certa aceitação do irmão mais novo de sua suposta posição hierárquica
inferior, tanto na empresa como na família. Para isso, contribui o fato de Fernando
dar autonomia a ambos os filhos em número significativo de decisões da empresa e
também a amizade entre os filhos. Além disso, o fato de a empresa também se
estruturar de forma que os filhos tenham a mesma participação, como é o caso da
Moon, é um estímulo para que os irmãos se vejam com os mesmos díreitos.
A rivalidade entre os filhos e a mãe parece ser a mais complexa. Como
coloca Fernando:
"Eu vejo muna rivalidade enue os rapazes e a lúlla. Eles se senlem muRo aUngldos pela
alenção lue eu .ou para a lúlia e o carinho. e eles são muRo grosseiros com a lúlla e
ualam ela muRo mal. prlnclpalmenle proftsslonalmenle. põem ela lá em baixo. E eu puxo
ela pra cima e defen'o e Isso cria um amblenle muRo chalo."
Diogo e Tiago parecem estar unidos numa repúdia à mãe, principalmente em
questões que se referem à empresa. Pode ser que os filhos tenham algum prazer em
se ver em situação de superioridade em relação a posição da mãe na empresa e pelo
fato de ela depender um tanto deles para o seu crescimento profissional. Por outro
lado, Julia parece exercer hoje também um outro papel para os filhos. Ela parece
absorver grande parte dos sentimentos de tensão, raiva, ciúme, e inveja que se fazem
presentes na família como um todo e que também se manifestam no trabalho da
empresa.
Embora não se mencione claramente, parece haver uma rivalidade de Joana
em relação a Fernando. Talvez sob a influência do sucesso do pai, Joana quis provar
1 3 1
sua capacidade: foi sempre boa aluna, boa profissional e quis cedo também viver a
sua própria vida, saindo de casa. Tal rivalidade pode ter sido um fator de influência
para que Joana não fosse trabalhar na empresa.
5.3.10 A Formação do Grupo
A formação do grupo em tomo do líder, como descreve FREUD ( 1921), age
como fator impulsionador da união entre os seus membros, impedindo a explosão de
sentimentos negativos e hostis. A família Font parece estar vivendo, com a exceção
de Joana, como se fora um grupo da forma descrita por Freud. A presença de Júlia,
Diogo e Tiago ao lado de Fernando na empresa - todos dispostos a darem o que
podem para melhorar a situação atual - foi determinante para que a família se
unisse. Diogo e Tiago talvez tenham reforçado suas amizades dentro da empresa ao
passarem por um processo de identificação entre si e, em paralelo, com Fernando
como líder do grupo. Essa identificação se toma mais fácil na medida em que ambos
já nutriam uma grande admiração e amor por Fernando, sendo natural também
tomá-lo como líder na empresa. Talvez seja por conta do processo necessário à
formação do grupo que se tenha acirrado a relação entre Júlia e os filhos. Os filhos,
como seguidores, se identificam entre si pois se vêem como iguais, despertando
sentimentos de união e de pertencer a algo. É no mínimo difícil eles verem Júlia
como uma 'igual', pois ela, como mãe, sempre esteve desempenhando um outro
papel, talvez mais próximo do de Fernando. Só que, na empresa, por não ter a
competência e a ascendência de Fernando, Júlia não pode ser a líder. Ela então
permanece num vácuo, sem ser líder nem seguidora.
Como mencionado no capítulo anterior, nas empresas familiares o líder
também é, simultaneamente, o pai e os seguidores, os filhos. Assim, a formação do
132
grupo tende a ter uma força especial. E isso parece ser o caso na família Font,
apesar dos problemas que coexistem. Nas palavras de Júlia:
"Eu acho que hole é muRo Imponanle qua a 'amOla eSleia coesa. é uma coisa
ImpresclDllivel. Com isso. cada um se eSforçou para lua Isso aconlecasse_Eu acho que
paio falO de a lanla aSlar unido é uma coisa muRo promissora. Acho lua á uma
lellcldada lmallnar qua assa união vallarar um crasClmanlO para lodos nós."
Quando o grupo se forma, quem está fora dele pode sofrer. No caso, Joana,
pela sua vida independente da família e por sua decisão em não trabalhar na
empresa acabou por estabelecer sua posição fora do grupo. Se, por um lado, sua
posição pode ser racionalmente entendida (afinal, foi o caminho que ela optou
livremente), por outro é dificil negar o estreitamento das relações dos quatro que
estão na firma e um certo distanciamento de Joana com o resto da família.
Coincidência ou não, hoje ela decidiu ir morar fora do país. Em outras palavras, o
trabalho na empresa familiar pode, ao contrário do que se comumente noticia na
imprensa, intensificar a relação dos membros de uma família. E pode afastar os
familiares, não pelas brigas causadas pelas disputas na empresa, mas sim pela
ausência do(s) membro(s) que não participam do grupo que se forma com o trabalho
na empresa.
133
CAPÍTULO 6
CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
1 34
6.1 AS CONCLUSÕES
Nesta tese, com base no referencial teórico apresentado e no caso da família
Font, buscou-se evidenciar que os relacionamentos familiares, sejam eles
conflituosos ou não, não se confinam ao ambiente familiar. Ao serem transportados
para a empresa, afetam a sua dinâmica. Contudo, as relações na empresa também
geram reflexos na família. Sendo assim, qualquer análise abrangente sobre empresas
familiares deve levar em conta, necessariamente, o aspecto das relações familiares e
a inter-relação família-empresa.
A origem de muitos dos problemas e conflitos familiares que acabam
refletindo na empresa são de natureza do psiquismo humano e se localizam, em
grande parte, na infãncia, decorrente das relações dos filhos com pai e mãe e entre
si. Essa origem distante faz com que seja dificil para as pessoas em geral
identificarem os problemas que reemergem nas relações, levando ao desgaste.
Entretanto, na vida adulta, essas "forças" tendem a provocar tensões e ansiedades
capazes de desvirtuar não somente o relacionamento entre os familiares como
também seus comportamentos na familia e na empresa. Foi comum nos depoimentos
da família Font as referências ao passado, algumas vezes à infância, como maneira
de explicar os comportamentos e relacionamentos atuais da familia.
A forma de organização do casal e do núcleo familiar, na medida em que
influi na individualidade e desenvolvimentos de cada membro, determina em grande
parte os problemas de relacionamento na familia. Geralmente, tais problemas são
resultados da incapacidade da família em aceitar as diferenças que um ou mais
membros evocam. Algumas familias acreditam que diferenças são "perigosas" e
estão dispostas a desestimular a heterogeneidade e, assim, manter o status quo.
1 3 5
Como consequência, a falta de liberdade individual, de expressão e o
estabelecimento dos mitos familiares, entre outros fenômenos, afetam o potencial de
vida dos filhos, muitas vezes gerando graves rivalidades que repercutem na
empresa. A pouca distinção entre o ambiente familiar e o da empresa é um fator
agravante neste caso, confundindo os interesses da empresa com o convívio social e
amoroso em casa. Nos depoimentos dos filhos da familia Font pôde se verificar
quanto a individualidade e o questionamento das regras, entre outros fatores, eram
importantes.
o pai/fundador é um tipo de pessoa de caracteristicas marcantes e exerce
grande influência na forma de organização familiar, em geral centrada nele mesmo.
Sua personalidade é caracterizada, de um lado, pelos desejos de realização, pela
forma como exerce o poder e pelo narcisismo; e, de outro lado, pela sua maneira de
encarar o envelhecimento vis-à-vis o enfrentamento da morte. Estes aspectos
merecem ser destacados quando se analisam as disputas e os problemas das
empresas familiares de primeira geração. Sem a tentativa de compreensão da
personalidade do pai/fundador é muito difícil entender porque relacionamentos tão
profundos e duradouros acabam por ruir a partir de problemas na empresa.
Tentando-se entender a personalidade do fundador, pode-se explicar porque ele, por
exemplo, age muitas vezes contra seus familiares, tentando impedir sua sucessão
tanto na empresa como na vida. No caso da familia Font foi possível verificar a
preocupação do pai/fundador com o crescimento dos filhos na empresa vis-à-vis a
confirmação de seu próprio sucesso, o que contribuiu para a presença dos filhos na
empresa.
A personalidade autoritária desenvolvida por muitos pais/fundadores impede,
todavia, que estes entrem em contato com os aspectos de sua personalidade citados
acima, o que traz mais dificuldade para os problemas familiares e empresariais.
136
Os conflitos familiares podem se manifestar na empresa de diversas formas.
Constatou-se que algumas das formas mais comuns são através dos sentimentos de
inveja, culpa e rivalidade. A empresa é palco para que os membros da família
liberem estes sentimentos entre si, provocando reações que afetam o dia-a-dia da
empresa. Portanto, é fundamental que os membros da família questionem muitos
dos problemas que emergem na empresa à luz destes sentimentos
Embora não se tenha feito propriamente uma investigação psicológica ou
psicanalítica das empresas familiares e de seus membros, foram usados, com grande
valia, alguns poucos conceitos e teorias dessas áreas de estudo. Isto ajudou na busca
de um entendimento mais amplo dos sentimentos que influem na dinâmica destas
empresas e do comportamento típico de seus principais personagens. Quer-se
acreditar que o uso desses conceitos e teorias pode vir a ser útil em outros trabalhos
na área das empresas familiares.
A história da família Font servIU como ilustração para grande parte dos
conceitos descritos nos capítulos três e quatro. Além disso, mostrou como o
processo de sucessão não se restringe à empresa e faz parte da vida familiar. O
"pontapé inicial" do processo sucessório parece ser dado com o próprio nascimento
dos filhos, à medida em que as relações familiares e os sentimentos que permeiam
estas relações vão se repetir na vida da familia na empresa. Assim sendo, a sucessão
na empresa é parte de uma sucessão maior, a sucessão de pais e filhos na vida.
Vale ressaltar que os resultados das entrevistas não são passíveis de
generalizações, seja porque não foi este o objetivo da dissertação, seja porque a
metodologia adotada não permitiria tal procedimento.
137
A partir dos dados conseguidos pôde-se efetivamente traçar um perfil da
inter-relação família-empresa com a identificação não somente da maneira de
organização familiar, mas, principalmente, dos sentimentos e emoções que afloram
durante os conflitos.
Mesmo estando limitada ao caso da família Font, a metodologia foi adequada
ao objetivo geral deste estudo tendo proporcionado maior conhecimento sobre tema
tão carente de pesquisa.
6.2 SOBRE A SUCESSÃO NA FAMÍLIA FONT
A sucessão na Família Font está longe de ser definida. É cedo para uma
análise definitiva e mesmo fazer previsões visto que a sucessão é um fenômeno que
observa uma dinâmica própria de cada caso. Todavia, passados cerca de cinco e
dois anos desde que Diogo e Tiago, respectivamente, entraram na empresa da
família (um tempo relativamente curto), pergunta-se: a sucessão está sendo "bem
sucedida"?
Provavelmente, em uma nota de jornal fictícia leríamos a seguinte notícia:
• Rio de Janeiro, 15/03/96 - A empresa da família Font
vive um momento com resultados financeiros negativos .
Coincidentemente, nos últimos anos passaram a trabalhar
na empresa Diogo e Tiago Font, filhos do fundador da
empresa, Fernando Font. Parece ser mais um caso de
sucessão que acaba mal.
138
Contudo, como observador privilegiado da "verdadeira" história, posso
propor outra nota fictícia com base na minha interpretação dos fatos observados .
• Rio de Janeiro, 15/03/96 - A empresa da família Font não
atravessa um bom momento financeiro, como é o caso de
grande parte das pequenas e médias empresas nos anos
noventa. A sucessão que se inicia na empresa não parece
ter contribuído para essa situação. Muito pelo contrário.
Diogo e Tiago, filhos do fundador Fernando Font, vão indo
muito bem e dado grandes contribuições para a empresa,
segundo as palavras do próprio Fernando. A sucessão
provocou, contudo, alguns fatos curiosos. Fernando, por
exemplo, revela um sentimento diferente hoje pelos
filhos, uma mistura de maior amizade, gratidão e
admiração. Diogo e Tiago, por sua vez, tiveram a
oportunidade de solidificar seus relacionamentos. É bem
verdade que ambos vêm tendo uma relação mais
desgastante com a mãe, Júlia, que também trabalha na
empresa, e que Joana, a filha mais velha anda meio longe
da família, indo até morar nos E.U.A . . Mas, nada melhor
que ouvir as duas a respeito: 'meu relacionamento com a
minha família tem futuro. Só que, agora que moro muito
longe, vamos ter que elaborar uma nova maneira de nos
relacionar', aposta Joana. 'Todos os conflitos se tornarão
menores pelo poder de coesão entre a gente. No final das
contas, a gente está muito unido', aposta JÚlia. Parece
ser um caso de sucessão que todos querem que dê certo e
por isso não deve acabar mal.
1 39
São apresentadas a seguir sugestões de outras oportunidades de pesquisa em
empresas familiares que despertaram a atenção do autor ao longo do presente
trabalho e que podem aprofundar a compreensão de seus problemas.
6.3 SUGESTÕES PARA NOVAS PESQUISAS SOBRE EMPRESAS
FAMILIARES
As oportunidades de pesquisa no estudo da empresa familiar são realmente
grandes. Para elaborar esta dissertação, passou-se ao largo de vários temas sem
contudo aprofundá-los. Cabe aqui indicar aqueles que no julgamento deste autor
mereceriam o esforço de outras pesquisas. Dentre eles, pode ser citado o aspecto
cultural que envolve as empresas familiares. Analisar a formação da cultura de
empresas familiares no Brasil pode representar valiosa contribuição ao
entendimento do tema. Outro estudo poderia enfocar as influências da origem
religiosa-cultural das famílias fundadoras na história de empresas familiares.
A combinação família patriarcal e empresa paternalista citada por DYER
(1986) poderia ser investigada nas empresas familiares brasileiras. Pode-se
pesquisar a situação dessas familias e empresas, investigando até que ponto, as
situações aqui observadas confirmam ou não as observações feitas por Dyer em
outro(s) contexto(s).
Dado que vem crescendo a participação da mulher na gestão de empresas
familiares, seja como fundadora e/ou sucessora, o tema parece merecer pesquisa.
Outro tema interessante é o "mito" da incompetência gerencial das empresas
familiares. Valeria a pena um estudo mais abrangente que verificasse até que ponto
1 40
as práticas administrativas ditas "produtivas" e "profissionais" são aplicadas em
empresas familiares.
Considerando que no Brasil, muitas empresas familiares estão chegando ou
chegaram há poucos anos na segunda geração parece oportuno investigar o cenário
dessas sucessões, focalizando, entre outros aspectos, o perfil dos sucessores, suas
linhas administrativas e a influência das relações familiares na empresa.
Tendo sido reconhecido reconhecidas as limitações deste trabalho e a
amplitude do tema abordado, cabe sugerir que o modelo conceitual aqUI
desenvolvido seja usado em outros trabalhos com uma amostra maior.
14 1
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