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EMPRESA FAMILIAR: RELAÇ Õ ES, SENTIMENTOS E CONFLITOS Sergio Cepelowicz Tese submetida ao corpo docente do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para obtenção do Grau de Mestre em Ciências (M.Sc.) Aprovada por : Pro. Anna Maria Campos Presidente da Banca Pro . Everardo Rocha PUC-O Pro. Léa Tavora Ochs PUC (CCE)-RlO Rio de Janeiro, - Brasil Outubro de 1996

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EMPRESA FAMILIAR: RELAÇÕES, SENTIMENTOS E CONFLITOS

Sergio Cepelowicz

Tese submetida ao corpo docente do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para obtenção do Grau de Mestre em Ciências (M.Sc.)

Aprovada por :

Prof'. Anna Maria Campos Presidente da Banca

Pro . Everardo Rocha PUC-RlO

Prof'. Léa Tavora Ochs PUC (CCE)-RlO

Rio de Janeiro, RJ - Brasil Outubro de 1996

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Cepelowicz, Sergio

Empresa .Familiar: Relações, Sentimentos e Conflitos. Rio de Janeiro: Coppead, 1996.

xx, 143p.

Dissertação - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Coppead.

1. Empresa Familiar. 2. Sucessão. 3. Tese (Mestr. Coppead/UFRJ)

I. Título

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11l

Para Alda, minha mãe

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IV

AGRADECIMENTOS

À Pro!" Anna Maria Campos, pelo seu carinho, dedicação e imensurável ajuda na orientação deste trabalho.

Aos profs. Everardo Rocha e Léa Tavora Ochs pelas sugestões para o aperfeiçoamento desta tese.

À família entrevistada, sempre compreensiva e atenciosa a mIm e ao objetivo deste trabalho, sem a qual não seria possível realizá-lo.

A Sandra, Roberto e Marcelo, amigos de longa data, pela ajuda conferida ao longo do trabalho.

A Lucília, pela sua ajuda.

Ao meu pai e minhas irmãs, pelo apoio e amor que me dão.

À família Ferreira (incluindo o Sergio) pela maneira como me acolheram.

Ao Rodrigo, amigo de todas as horas.

E, para fechar com chave de ouro, à Lu, minha esposa, pelo seu amor e por me aceitar.

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RESUMO DA TESE APRESENTADA À COPPEAD/UFRJ, COMO PARTE

DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS (M.Sc.).

EMPRESA FAMILIAR: RELAÇÕES, SENTIMENTOS E CONFLITOS

SERGIO CEPELOWICZ

SETEMBRO DE 1996

ORIENTADORA: PROP ANNA MARIA CAMPOS PROGRAMA: ADMINISTRAÇÃO

Este estudo tem como objetivo investigar problemas e conflitos da empresa familiar a partir do prisma da família. Apoia-se no referencial teórico especializado no tema assim como numa série de entrevistas realizadas junto aos membros de uma família que controla uma empresa familiar.

Entre os pontos abordados, destacam-se a forma de estruturação familiar, a origem dos conflitos familiares, o papel do fundador, e quais os sentimentos que costumam ter forte influência nas famílias que controlam empresas familiares.

Como conclusão, evidencia-se a interligação da estrutura familiar com a empresa e como os relacionamentos dos membros da família podem afetar na empresa. Propõem-se que os estudos sobre empresas famíliares levem em conta os aspectos relacionais e psicológicos que influenciam no comportamento e na dinâmica da empresa familiar a fim que se tenha uma compreensão mais completa da sua realidade.

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VI

ABSTRACT OF THESIS PRESENTED TO COPPEADIUFRJ AS PARTIAL FULFILLMENT FOR THE DEGREE OF MASTER OF SCIENCES (M.Sc.).

EMPRESA FAMILIAR: RELAÇÕES, SENTIMENTOS E CONFLITOS

SERGIO CEPELOWICZ

AGOSTO DE 1996

CHAIRPERSON: PROF" ANNA MARIA CAMPOS DEPARTMENT: ADMINISTRATION

This study aimed at investigating the problems and conflicts in a family owned business from the family perspective. On one hand it is structured on the concepts developed by several authors about family owned business. On the other hand, it is structured in the results of a series of interviews performed with the members of a family owned business.

Among the topics referred are: the type of family structure, the origin of the family conflicts, the role of the founder, and the kinds of emotional behavior that usually influences the family owned business.

As a conclusion, it is shown how the family structure and the business are linked to each other and how the relationships among the family members can influence the business. It is suggested that future works in family firms should consider these aspects in order to have a full comprehension of the dynamics of the family owned business.

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SUMÁRIO

Capítulo 1 - INTRODUÇÃO E METODOLOGIA

1.1 1.2 1.2.1 1.3 1.3. 1 1.3.2 1.3.3 1.3.3.1

1.3.3.2 1.3.4 1.3.5

Pág.

Introdução 2

Objetivos Gerais e Específicos 8 Variáveis Pesquisadas 9 Nível e Natureza da Pesquisa 10 Metodologia da Pesquisa 10

Plano de Pesquisa 11 Procedimentos Para a Coleta de Dados 12 A Entrevista em Profundidade como Instrumento de Coleta 13 de Dados Procedimentos Adotados nas Entrevistas 14

Análise dos Dados 15 Delimitação da Análise da Dissertação 15

Capítulo 2 - CONCEITOS BÁSICOS 2.1 Definição de Empresa Familiar 18 2.2 As "Leis Familiares" e as "Leis da Empresa" 19 2.3 Sucessão 22 2.4 A Questão da Profissionalização 25 2.4.1 Empresa Familiar e Profissionalização 25

Capítulo 3 - A INTERLIGAÇÃO FAMÍLIA-EMPRESA 3.1 A Origem dos Conflitos 29 3.2 Histórias Comuns 31 3.3 O Comportamento Familiar e o Relacionamento farnília-

3.3.1 3.3.2 3.3.3 3.3.3.1 3.3.3.2 3.3.3.3 3.3.3.4

3.4

empresa O Sistema Familiar O Sistema Familiar e a Empresa Cultura Cultura Familiar O Processo de Individuação Expressão das Emoções Os Mitos Familiares O Fundador e a Formação da Cultura na Família e na Empresa

38 39 42 45 45 46 47 49

5 1

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Capítulo 4 - CONFLITOS ENTRE MEMBROS DA EMPRESA FAMILIAR -SEUS PERSONAGENS E SEUS DRAMAS 4.1 Emoções Humanas 56 4.2 Uma Morte Anunciada 58

4.3 Poder 64 4.3.1 Os Três Motivos do Poder 66 4.3.2 Poder e o Complexo de Édipo 69 4.4 Narcisismo 73 4.4.1 4.5 4.6 4.7 4.7.1 4.7.2 4.7.3

Narcisismo, Objetos e a Empresa Inveja Culpa Rivalidade Rivalidade Entre Pai e Filho Rivalidade Entre Irmãos Outros Envolvidos e a Formação do Grupo

Capítulo 5 - ENTREVISTAS E ANÁLISE 5.1 5.2 5.3 5.3.1 5.3.2 5.3.3 5.3.4 5.3.5 5.3.6 5.3.7 5.3.8 5.3.9 5.3.10

Apresentação Breve Descrição da Família Font Análise das Entrevistas Os Cenários de De Vries A Organização Familiar A Decisão dos Filhos de Entrar na Empresa As Modificações nas Relações Familiares O Perfil do Fundador Poder Inveja Culpa Rivalidade A Formação do Grupo

Capítulo 6 - CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

80 85 90 94 95 97

100

104 104 106 106 111 114 115 117 121 123 125 128 131

6.1 As Conclusões 134 6.2 Sobre a Sucessão na Família Font 137 6.3 Sugestões Para Novas Pesquisas Sobre Empresas

Familiares 13 9

BIBLIOGRAFIA 141

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CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO E METODOLOGIA

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2

1.1 INTRODUÇÃO

Era uma vez um padeiro. Ele possuía o dom de fazer pães como ninguém.

Logo sua reputação começou a ganhar prestígio de forma que sua modesta padaria,

que levava o nome da família, cresceu, tornando-se grande e próspera. A demanda

também cresceu fazendo com que o padeiro abrisse outra padaria no extremo oposto

da cidade. Mais tarde, resolveu abrir uma outra na cidade vizinha. Tamanho

crescimento fez com que o padeiro resolvesse tirar a mão da massa. Contratou

trabalhadores, ensinou sua técnica e passou a administrar seu negócio.

Passados 20 anos, a antiga solitária padaria deu lugar a uma empresa de 15

lojas espalhadas por toda região. O padeiro, empresário de sucesso, agora se

deparava com um problema diferente: se sentia preocupado com o futuro do seu

negócio de que tanto se orgulhava. Seus dois filhos estavam crescidos e poderiam

entrar no negócio. E assim aconteceu. Em pouco tempo, os filhos assumiam a

administração da empresa ainda sob controle do pai. Foi aí que a família,

aparentemente unida, começou a se desmantelar. Brigas entre o padeiro e os filhos

passaram a ser constantes. Eram discussões diversas. Tudo parecia pretexto para

acusações que muitas vezes remontavam à inf'ancia dos filhos.

O negócio, que até então andava bem, passou a sofrer os efeitos da crise na

família. Empregados tendiam a se agrupar em posições de defesa de cada um dos

membros da família. Alguns empregados, insatisfeitos com a situação, deixaram a

empresa depois de anos de casa. Decisões eram postergadas. A qualidade dos pães

chegou a cair.

Numa tarde, arrasado por ter ofendido o filho mais velho numa das

discussões de rotina, o padeiro resolveu ir para casa mais cedo. Estacionou seu carro

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no local onde fora a sua primeira padaria e se esforçou para encontrar uma saída

para a situação que se criara entre ele e os filhos. Resolveu conversar com sua

esposa, fato tão raro nos últimos anos que o padeiro não lembrava da última vez que

o fizera. Curiosamente, sentia que era a coisa mais sensata a fazer. E queria fazê-lo.

A mulher do padeiro sempre tivera uma postura conciliatória. Educara os

filhos quase sozinha. Na conversa, fez com que o padeiro visse como ele estivera

afastado do convívio com os filhos e dela própria durante o crescimento de seu

negócio. Nunca deixara nada faltar-lhes. Mais que isso, sempre que podia

propiciava aos filhos belos presentes e gordas mesadas. Mas o padeiro não conhecia

seus filhos de verdade. Não os conhecia mais profundamente. Não sabia como lidar

com eles. Resolveu, junto com a mulher, que iriam conversar sobre o assunto na

presença dos filhos.

Nesta conversa o padeiro viu seus filhos o acusarem de quase tudo. Estavam,

contudo, especialmente concentrados em atacar o pai no que diz respeito a sua

presença no negócio. Para eles o pai se considerava o dono da verdade, dificultava

a participação dos filhos nas decisões do negócio e não parecia acreditar nas suas

potencialidades. Criou-se um impasse. Exaltado, o padeiro disse que não largaria da

sua posição no negócio. Os filhos resolveram deixar a empresa.

Seis meses se passaram quando o padeiro convenceu os filhos a voltarem ao

negócio. Passara esse tempo convencido de que havia criado o negócio para unir e

não separar a família. Os filhos concordaram em voltar, sob a condição de que

dentro de dois anos passariam a ter o controle da empresa. O padeiro concordou.

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Passado três anos, o padeiro resolveu sair definitivamente do negócio. Este

continua indo bem apesar da desgastante relação vivida agora entre os irmãos. A

família do padeiro não viveu feliz, mesmo depois de o pai sair da empresa.

Esta estória não é real. Contudo, seus personagens e seus dramas são comuns

no desenvolvimento das empresas familiares. Isto porque a empresa familiar, como

diz De Vries (1990), está sustentada por um "Calcanhar de Aquiles". Dois sistemas

- família e empresa - interagem quando não são necessariamente compatíveis (o que

não quer dizer tampouco que sejam incompatíveis). O sistema famíliar tem como

função primordial assegurar a vida e a proteção de seus membros. Além disso, como

coloca LANSBERG (1983), as relações sociais na familia são estruturadas para

satisfazer os desejos individuais de seus membros. O sistema empresarial, embora

possua uma função social, tem como principal objetivo prover o mercado com bens

e serviços através de um sistema produtivo, onde cada participante deve ter uma

tarefa especifica para facilitar este processo.

Fica claro, por um lado, que as "leis" que regem o universo familiar são bem

diferentes das que regem o cenário empresarial. Contudo, não existe a priori razão

para que familiares não trabalhem bem juntos e que até se beneficiem dessa

proximidade. Compatibilizar esses mundos diferentes em sua natureza é um dos

desafios das empresas familiares. Contudo, o número significativo de empresas

familiares que prosperaram através de gerações (vide BETHLEM, 1993) gera a

dúvida: a empresa familiar possui um "Calcanhar de Aquiles" ou "Cabelos de

Sansão"?

As empresas familiares são maioria no Brasil. Segundo BETLHEM (1993)

cerca de 90% dos grandes grupos de empresas no Brasil é de propriedade familiar.

Em pesquisa divulgada por "Exame" e realizada por Ricardo Bernhoeft, consultor

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de empresas familiares, 280 dos 300 maiores grupos nacionais são controlados por

famílias. Segundo a revista FORBES (outubro de 1989), 1/3 das 500 maiores

empresas americanas é controlado por famílias e cerca de 40% do PIB dos E.U.A. é

gerado por empresas famíliares. BECKHARD (1983, p.l) cita as pesquisas

realizadas por ALCORN e POE as quais estimaram que 90% do total de

corporações americanas são controladas por famílias. De um modo geral, a maior

parte dos empregos na economia capitalista ocidental são gerados por empresas

familiares. A partir destes dados pode-se constatar que

a empresa familiar é uma forma viável de organização produtiva, sendo maioria

entre as formas de organização. Isso faz crer que suas caracteristicas especiais lhe

proporcionem mais pontos positivos que negativos, além de justificar a grande

importância das pesquisas sobre o tema.

Apesar da importância, a literatura sobre o assunto é relativamente pouco

significativa no Brasil. Até a década de noventa a empresa familiar era somente

analisada em artigos - em grande parte superficiais - de revistas de administração. A

partir do começo da década de noventa, pode se verificar um tímido e incipiente

início de pesquisas sobre a empresa famíliar no ensino de administração com o

surgimento de livros e maior número de artigos, alguns com razoável embasamento

científico.

No Exterior, as publicações sobre o tema são em quantidade bem maior e ,

de fato, são desenvolvidas pesquisas na área em universidades e em instituições

especializadas no estudo da empresa familiar. DE VRIES (1990), entretanto,

constata que pouca atenção tem sido dada aos fatores que influenciam a empresa

familiar. Para o autor, muitos dos principais problemas de empresas familiares são

de natureza psicológica. Estão centrados em questões como: a presença de conflitos

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familiares dentro da empresa e as questões envolvendo a sucessão. Estes tipos de

questão são em geral tratados marginalmente tanto nos livros como nos cursos de

administração. Todavia, a qualidade do relacionamento entre os membros de uma

empresa familiar parece afetar diretamente sua sobrevivência e longevidade.

GALLO E LACUEV A O 989), por exemplo, numa pesquisa com trinta empresas

familiares, verificaram que 61 % dos entrevistados (familiares ou não, que

trabalhavam nas empresas) consideravam que as transformações das pessoas

influenciavam mais nas crises que enfrentavam suas empresas do que necessidades

ou possibilidades de mudanças estratégicas.

Na verdade, parece ser cada vez maior o número de autores que, como De

Vries, defendem a tese de que o relacionamento familiar tem impacto preponderante

do cotidiano da empresa. Entre os mais conhecidos estão: LEVINSON (971),

DAVIS (1983) e BARNES & HERSHON (976).

Conflitos familiares não são privilégio de famílias proprietárias de empresas.

Se a empresa pudesse ser apontada como a grande causa desses conflitos, a solução

talvez fosse trivial. Apesar da falta de pesquisas, é sabido que o ambiente

empresarial e as disputas que aí se desencadeiam parecem "somente" estimular a

exacerbação desses conflitos. O momento da sucessão nas empresas familiares

talvez seja aquele quando tais conflitos apareçam de forma mais evidente e por isso

constitua tema tão fascinante de pesquisa.

Decisões sobre entrar em novos mercados, lançar produtos, ganhar

concorrências e conquistar clientes são difíceis e demandam muito da capacidade

administrativa dos dirigentes da empresa. Entretanto, o estudo da administração

parece começar a perceber que não adianta dar somente ênfase a discussões

essencialmente técnicas, financeiras e operacionais. Ao lado dessas discussões,

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extremamente importantes, é fundamental atentar para o indivíduo, para o contato

interpessoal, para as emoções humanas. A força da empresa como instituição faz

com que, algumas vezes, seja esquecido que, por detrás de sua atividade, está um

grupo de pessoas. Assim, para entender o comportamento de uma empresa é

necessário, sobretudo, entender o comportamento das pessoas que a constituem.

Sem isso, o estudo da administração não avança para o entendimento das questões

que cercam o ambiente organizacional.

A empresa familiar parece ser um tipo de organização onde seja fundamental

para a compreensão de sua dinâmica entender as pessoas e seus relacionamentos.

Esta dissertação apoiou-se no ferramental da psicologia e da psicanálise, ciências

que têm como objetivo principal entender o comportamento humano e apontar

caminhos para seus problemas. Não se pretendeu fazer uma psicologia ou análise

(no sentido psicanalítico) das empresas familiares e de seus membros. O que se

pretendeu com o apoio destas ciências foi tentar compreender de forma mais ampla

e consistente como os sentimentos humanos, os relacionamentos familiares e as

emoções que brotam destes relacionamentos influenciam a empresa familiar.

Os aspectos do relacionamento familiar, embora normalmente camuflados,

revelam-se, principalmente, nos comentários sobre sucessões "bem sucedidas" e

"mal sucedidas" em empresas familiares. Aparece como "bem sucedida" aquela que

preservou a sobrevivência da empresa e não resultou em redução na sua

competitividade nem nos retornos financeiros. "Mal sucedidas" seriam sucessões

que resultaram em diminuição desses retornos, ou do tamanho da empresa ou,

simplesmente, a sua dissolução. Na melhor das hipóteses, sabe-se se a empresa

familiar sobreviveu à sucessão ou não. Não se sabe, por exemplo, a custa do quê ou

de quem a empresa familiar sobreviveu. Essas e outras questões, talvez mais

importantes, deixam de ser desvendadas. Sobretudo, pouco se sabe sobre o impacto

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dos relacionamentos familiares no ambiente da empresa e quais são as emoções e

sentimentos que mais se evidenciam neste momento. Estes aspectos moveram o

pesquisador a desenvolver o presente trabalho.

A metodologia utilizada será explicada a seguir. No segundo capítulo, serão

definidos alguns conceitos básicos que envolvem o assunto. No terceiro capítulo, se

debaterá como a dinâmica do relacionamento familiar atua na sucessão de empresas

familiares. No quarto capítulo se fará uma exposição de alguns sentimentos que

mais influenciam no comportamento de membros de empresas familiares. No quinto

capítulo são apresentadas as entrevistas feitas junto a uma família dona de empresa

familiar e a análise dos dados à luz do referencial teórico. No sexto capítulo estarão

as conclusões e considerações finais da tese. Por último, será listada a bibliografia

consultada.

1.2. OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS

Nesta dissertação objetivou-se, de maneira geral, ampliar o nível de

conhecimento sobre a empresa familiar a partir de um maior entendimento da forma

de relação entre os membros da família que a operam. Especificamente, os objetivos

foram:

• discorrer sobre como as relações pessoais afetam a família e a empresa;

• identificar de que forma a estrutura familiar afeta as relações familiares e,

consequentemente, as relações na empresa;

• investigar que sentimentos e emoções humanas permeiam e impactam a família, a

empresa familiar e o processo de sucessão, assim como suas ongens e

consequências. Cabe salientar que o processo de sucessão é um fenômeno

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dinâmico não restrito ao momento em que os sucessores advém ao comando da

empresa. O caso focaliza um processo há pouco iniciado de antecipação do

processo sucessório.

• ilustrar como o processo de sucessão afeta com as relações entre os membros da

família.

1.2.1 Variáveis Pesquisadas

Foram levantadas questões sobre as partes afetadas, tanto pelo lado do

fundador/sucedido como pelo lado dos sucessores. Do lado do pai/fundador, foram

identificadas como importantes:

• a percepção do envelhecimento e o enfrentamento da morte;

• seu narcisismo vis-a-vis sua relação com o poder que a empresa proporciona

Do lado dos filhos/sucessores, foram identificadas:

• a necessidade de auto-afirmação vis-a-vis as comparações em relação ao

sucedido;

• o sentimento de dúvida quanto ao interesse em trabalhar na empresa da família

Em relação ao fundador e aos candidatos a sucessores, foram identificados

alguns sentimentos que permeiam a relação interpessoal, em destaque:

• a inveja;

• a culpa;

• a rivalidade.

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A seleção das variáveis investigadas foi obtida através, principalmente, de:

• um levantamento bibliográfico específico sobre a empresa familiar (livros, artigos

e pesquisas nacionais e estrangeiros). E também:

• de opiniões de membros de empresas familiares;

da experiência do próprio autor como filho de um fundador de uma empresa

familiar.

1.3 NÍVEL E NATUREZA DA PESQUISA

1.3.1 Metodologia de Pesquisa

o tema "empresas familiares", como mencionado anteriormente, é ainda

pouco explorado. Sabe-se que se trata de um tipo de organização peculiar,

especialmente sensível devido a sua dupla natureza: familiar e empresarial. Todavia,

o número de variáveis e especificidades passíveis de serem estudadas a partir desta

"dupla face" anuncia-se muito grande e, certamente, ainda não delimitado.

Nesse contexto, é extremamente delicado para o pesquisador a formulação de

hipóteses, havendo o risco de se tomarem precipitadas e pouco fundamentadas. Tal

limitação parece ser agravada no caso da presente dissertação, onde o foco de

estudo não é centrado em caracteristicas já estudadas das empresas familiares e sim

na relação entre os membros da familia.

Sendo assim, a pesquisa teve caracteristica essencialmente exploratória. A

pesquisa exploratória, como coloca GIL,

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"tem como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar

conceitos e idéias, com vistas à formulação de problemas mais precisos ou

hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores." (Gil, 1989, p.44)

11

A pesquisa exploratória é desenvolvida em muitos casos com o objetivo de

proporcionar maior conhecimento em determinada área de pesquisa. Ela pode ser

classificada no que MARTINS (1994) chama de pesquisa não convencional. A

pesquisa não-convencional é uma alternativa de pesquisa à forma clássica baseada

no método empírico dedutivo e se baseia quase sempre em análises qualitativas (daí

muitas vezes serem chamadas de pesquisas qualitativas).

Tendo por objetivo ampliar a compreensão da dinâmica de urna empresa

familiar a partir do prisma da família e do relacionamento entre seus membros, com

base em cuidadosa (ainda que não exaustiva) pesquisa bibliográfica pela literatura

especializada foi desenvolvida a pesquisa de campo junto a uma família que inicia

um processo de sucessão, sendo que quatro de seus cinco membros estão envolvidos

nas atividades da empresa familiar.

1.3.2 Plano de Pesquisa

A primeira etapa se constituiu na tentativa de encontrar, principalmente na

literatura especializada sobre empresas familiares disponíveis nas principais

bibliotecas do Rio de Janeiro, toda e qualquer referência sobre a influência do

relacionamento familiar na empresa. Com isso, foi possível elaborar dois capítulos

que resumem os principais aspectos verificados por diversos autores em suas

respectivas pesquisas, livros, artigos e ensaios.

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12

A segunda etapa se constituiu na elaboração de algumas perguntas básicas

(para servir como guia para as entrevistas) e das entrevistas propriamente ditas. Foi

adotada a orientação de que todos os membros da família deveriam ser ouvidos,

estivessem ou não trabalhando na empresa familiar. Tratando-se de um tema tão

delicado como o relacionamento familiar e as emoções de cada um, foi dificil

encontrar um número razoável de famílias que estivessem disponíveis para tal tipo

de entrevistas. Só foi possível realizar as entrevistas junto a uma única família, que

se mostrou compreensiva às aspirações do autor.

A terceira etapa se constituiu na análise das entrevistas à luz dos conceitos

estabelecidos com base na revisão bibliográfica especializada, identificando ou não

sua ocorrência no caso focalizado.

A intenção não foi esgotar o assunto, mas apenas levantar a atenção sobre

alguns aspectos relevantes do tema e em especial atentar para a realidade brasileira,

ainda tão carente de pesquisas na área da empresa familiar. O produto final desta

dissertação foi a contribuição para avançar o entendimento do problema, sugerindo

a futuros pesquisadores uma ampliação do embasamento teórico que deles vai

merecer, possivelmente, procedimentos mais sistematizados.

1.3.3 Procedimentos para a Coleta de Dados

Dado que a dissertação se propôs a explorar dimensões ainda não

contempladas, foi feita a opção da entrevista em profundidade. A entrevista em

profundidade segundo MARTINS (1994) é uma metodologia onde o entrevistador

interroga a fundo um grupo de poucas pessoas. Essa metodologia é usada em

situações em que o objeto de pesquisa não pode ser facilmente detectado e

analisado.

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13

1.3.3.1 A Entrevista Em Profundidade como Instrumento de Coleta de

Dados

No intuito de investigar os fatores relacionais e sentimentais que interferem

na dinâmica da relação família-empresa familiar foi necessário um instrumento que

possibilitasse ao pesquisador chegar ao cerne de problemas tão íntimos, profundos,

complexos, que normalmente as pessoas têm dificuldade de revelar. A entrevista, de

uma forma geral, possibilita ao pesquisador obter informações sobre o que as

pessoas entrevistadas pensam, desejam, crêem, sentem, fazem, assim como de suas

razões para esses feitos. As vantagens específicas da entrevista foram possibilitar:

• a obtenção de dados em profundidade acerca do comportamento dos

entrevistados;

• a obtenção de dados referentes a diversos aspectos da vida do entrevistado.

A entrevista, em comparação com o questionário, apresenta outras vantagens

como:

• possibilita a obtenção de um número maior de informações já que é muito mais

fácil não responder a um questionário do que deixar de responder uma pergunta

do entrevistador;

• oferece maior flexibilidade, já que durante entrevistas pode-se aprofundar em

certos aspectos, tirar dúvidas com o entrevistado e estabelecer conjuntamente a

mais conveniente forma para colher os dados (local, hora, tempo de duração, etc);

• possibilita a percepção de aspectos do comportamento do entrevistado revelados

em sua expressão corporal, tonalidade de voz e ênfase nas respostas que podem

ser investigados.

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14

A entrevista em profundidade, contudo, requer que os entrevistados estejam

dispostos a pensar e a refletir sobre o que lhes é perguntado. Isto porque as

perguntas formuladas exigem respostas que estão fora do padrão adotado em grande

número de pesquisas como as do tipo "sim ou não", ou as que medem a intensidade

do impacto de uma variável em determinado fenômeno.

1.3.3.2 Procedimentos Adotados nas Entrevistas

Procurou-se nas entrevistas extrair o máximo de informações junto aos

participantes. Como o teor das perguntas fosse bastante pessoal e remontasse várias

vezes a episódios e experiências que o entrevistado não gostaria de lembrar e/ou

teria dificuldade em se expressar (ainda mais em circunstância como a de uma

entrevista), tentou-se desenvolver as entrevistas em clima o mais informal possível.

Deixou-se que os entrevistados falassem livremente e, à medida que um aspecto

relevante fosse citado, procurou-se aprofundar seu debate.

Dado que nas entrevistas o contato fisico e a empatia entre entrevistador e

entrevistado é fundamental, foi considerado fundamental que o entrevistado se

conscientizasse da importância da tese para o pesquisador, para a sociedade e no

caso, para ele próprio. Muitas observações puderam ser captadas nas entrelinhas do

que foi dito, num olhar, num gesto.

Em questões mais delicadas tentou-se "redescobrir" a história dos eventuais

conflitos, desgostos e raivas. Muitas vezes, contudo, não foi possível alcançar a

profundidade necessária para análise.

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15

1.3.4 Análise dos Dados

A entrevista, sob a ótica da psicanálise, permanece questionável. Ampliar a

quantidade de informações ou o teor das perguntas não implica necessariamente

ganhar profundidade, mesmo porque, é um pressuposto da psicanálise que a maior

parte dos desejos que movem os indivíduos sejam desconhecidos. A fala através da

linguagem possui uma concepção consciente e outra latente. A primeira representa o

próprio relato do indivíduo enquanto a segunda é a expressão do seu desejo, mas

que só é descoberto através da interpretação psicanalítica. Assim sendo, a análise

realizada das entrevistas restringiu-se a concepção consciente dos depoimentos.

Contudo, o estudo de uma só família impede qualquer tipo de generalização a

partir dos resultados obtidos das entrevistas. Sendo assim, os resultados desta

dissertação não são passíveis de generalização. A família analisada deve ser

compreendida como um caso que serve como ilustração das idéias defendidas e

propostas nesta dissertação.

1.3.5 Delimitação da Dissertação

o objetivo estabelecido para esta dissertação não pretendeu incluir outros

aspectos como os de natureza econômica e de mercado, embora admitindo que

possam influenciar as empresas familiares. Concentra-se este trabalho, portanto, às

dimensões psicológicas envolvidas na forma como os membros de uma família

lidam com as questões empresariais e familiares na empresa.

Esse estudo irá explorar exclusivamente as sucessões de pnmelra para

segunda geração, enfatizando fatores que dizem respeito a estas sucessões como,

por exemplo, a figura do fundador. Não se desprezam oportunidades de

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16

aprendizagem no estudo sobre as sucessões de segunda, terceira, quarta gerações,

mas deliberadamente optou-se por analisar com mais profundidade os personagens

"clássicos" envolvidos na dinâmica das sucessões de primeira geração, ou seja, o

fundador do sexo masculino e o seu filho(s), sucessor(es) e também do sexo

masculino. O motivo desta opção reside no fato de a bibliografia específica que

embasou esta tese estar predominantemente calcada em livros, pesquisas e artigos

que tiveram como objeto de estudos empresas de primeira geração. Julgou-se que

seria muito dificil traçar evidências e elementos comuns num campo onde a teoria

praticamente inexiste, se o foco de estudo fosse demasiado abrangente. Quanto à

limitação ao(s) sucessor(es) de sexo masculino, pesquisa realizada pelo Centro de

Desenvolvimento da Empresa Nacional (Ceden) junto a 1 83 empresas familiares,

publicada na revista EXAME de quatro de abril de 1 990, apontou que 83% dos

herdeiros das empresas são homens. Todavia, a opção não significa atribuir à

mulher presença menor ou marginal nas empresas familiares. Na verdade, já é

significativa a presença de fundadoras e sucessoras, número que tem crescido nas

últimas décadas. Nos E.u.A., por exemplo, já existem pesquisas sobre empresas

fundadas e/ou sucedidas por mulheres (como o intitulado "My mother, the founder,

my daughter the boss" de Easy Klein, D&B Reports, 1992).

Do acima exposto, fica este estudo delimitado aos aspectos psicológicos e

psicanalíticos relativos a sucessão em empresas familiares de primeira para a

segunda geração, sendo sucessores e sucedido do sexo masculino. Recomenda-se no

entanto que os resultados apresentados sejam ampliados por outros trabalhos de

pesquisa com preocupações mais abrangentes.

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CAPÍTULO 2 CONCEITOS BÁSICOS

1 7

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18

2.1 DEFINIÇÃO DE EMPRESA FAMILIAR

Nas definições de empresa familiar disponíveis na literatura, os autores

divergem quanto a alguns aspectos. Nenhuma foge porém da idéia de que a empresa

é controlada totalmente ou majoritariamente por uma família.

DONNELLEY citado por LODI ( l986,p.5/6) diz que empresa famíliar "é

aquela que se identifica com uma família há pelo menos duas gerações e quando

essa ligação resulta numa influência recíproca. Portanto, a empresa de fundador sem

herdeiros não é uma empresa familiar, por mais que sofra as injunções de uma

personalidade. E, portanto, uma empresa onde a família põe o dinheiro apenas como

investidora também não é uma empresa familiar."

Para BERNHOEFT (1 989,p.35) "uma empresa famíliar é aquela que tem sua

origem e sua história vinculadas a uma família; ou ainda, aquela que mantém

membros da família na admínistração dos negócios."

Como Donneley, LODI (1978,p.6) acredita que "a empresa de fundador sem

herdeiros não é uma empresa famíliar." Também não seria empresa familiar aquela

"onde a família põe o dinheiro apenas como investidora." Esta seria a chamada

"empresa de capital famíliar", aquela onde o controle acionário está nas mãos de

uma família que geralmente não exerce atividade executiva na empresa. Segundo o

autor,

"o conceito de empresa familiar nasce geralmente com a segunda geração

de dirigentes, ou porque o fundador pretende abrir caminho para eles entre

seus antigos colaboradores, ou porque os futuros sucessores precisam

criar uma ideologia que justifique sua ascensão ao poder." (Lodi, op.cit)

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1 9

Para GALLO e LACUEVA ( 1989, p.8 1 ) empresas familiares são empresas

que "conservam uma maioria importante de seu capital social nas mãos da família;

empresas em cuja estrutura de responsabilidades, a maioria das responsabilidades de

alta direção recaem em membros da família."

Elegeu-se a definição de DA VIS (1989) para orientação do estudo. Segundo

o autor, empresas familiares são aquelas

"em que as políticas e direção estão sujeitas à influência significativa de uma

ou mais unidades familiares. Essa influência é exercida através do controle e

algumas vezes através da participação de alguns familiares na

administração. É essa interação entre dois sistemas de organização, família

e empresa, que estabelece a característica básica da empresa familiar e

define sua singularidade." (Davis, 1 989, p.1 31 )

2.2 AS "LEIS FAMILIARES" E AS "LEIS DA EMPRESA"

Como mencionado na introdução, o fato de a empresa familiar estar calcada

na intercessão de dois ambientes, empresarial e familiar, cada qual estabelecendo

seu conjunto de valores, normas, princípios, comportamentos e regras, toma a

interação desses dois ambientes bastante complexa.

A empresa familiar, segundo DA VIS & STERN (1 980), como qualquer

empresa, é influenciada pelo mercado, pela tecnologia, por fatores ambientais e pela

incerteza. Mas ela também lida, simultaneamente, com o "negócio da família" . Na

empresa familiar, os vínculos emocionais se tomam aspecto crucial no seu

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desenvolvimento. As intensas relações entre os membros da família extrapoladas ao

ambiente empresarial provocam grande impacto na sua estrutura e comportamento.

Os autores apontam como importante aspecto psicológico do processo que relações

disfuncionais num subgrupo com grande influência no sistema não se limitarão ao

próprio subgrupo mas se espalharão para o âmbito do grupo maior. Assim, a forma

de se relacionar e agir da família exerce grande impacto na empresa como um todo.

LANSBERG (1983) diz que um primeiro aspecto da diferença do modus

vivendi da família e da empresa são as normas e princípios que regulam o processo

de dar e receber. Ou seja, a troca de "recursos" na famiJia é função dos laços

afetivos entre seus membros, que se preocupam com as necessidades específicas de

cada um, tendo como objetivo o bem estar geral tanto do momento como no futuro.

Na empresa, ao contrário, critérios produtivistas e econômicos regem a troca.

Esta deve ser calcada tanto no valor de mercado do bem ou serviço em questão

como também no tempo em que se concretizará.

A mistura dos princípios familiares e econômicos na empresa gera problemas

e confusões. O fundador, por exemplo, diz Lansberg, tem dificuldades em discutir e

determinar quanto os filhos que trabalham na empresa devem ser recompensados.

Embora se acredite muito em nepotismo nesse tipo de problema, o autor diz que

estudos têm mostrado que fundadores tem remunerado seus familiares com valores

abaixo do mercado. Para justificar tal ação, os fundadores falam que os membros da

família "têm a obrigação de ajudar" na empresa. Além disso, remunerá-los com base

no mercado causaria uma percepção negativa por parte dos outros empregados.

Outro aspecto realçado por Lansberg são as normas que ditam o que é certo

nos dois contextos. Na família existem dois tipos básicos de normas. No primeiro,

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entre pais e filhos, a fonna dominante é o conceito de necessidade, isto é, os pais se

sentem moralmente obrigados a agir com o intuito de atender às necessidades dos

filhos. No segundo, entre innãos, a nonna dominante é a igualdade, isto é, cada

filho deve receber a mesma parte dada aos demais, assim como ter as mesmas

oportunidades.

Na empresa a nonna que deve operar é a meritocracia. Ou seja, a recompensa

de cada empregado é função do quanto ele contribui para alcançar os objetivos da

empresa. Aqueles que contribuem mais, além de ocupar posições de mais destaque e

poder, devem receber parcelas maiores dos recursos existentes na empresa.

Estas são apenas alguns exemplos das diferenças entre a empresa e família

que tomam dificil estabelecer a fonna justa de recompensa. Em muitos casos,

quando o peso do lado familiar se sobressai, problemas de nepotismo são

frequentes, o que pode gerar reações de descontentamento tanto entre membros da

familia como entre os demais empregados.

A empresa familiar também tem muitos aspectos positivos. DAVID &

STERN (1 980) defendem que grande número de empresas familiares representam

um lugar mais humano para o trabalho do que a típica organização produtiva. Existe

a preocupação e o cuidado com os empregados como indivíduos, fazendo com que

o negócio familiar caminhe positivamente como uma familia que cuida de seus

membros. FRlSHKOFF (1994) compartilha de mesma opinião. Para essa autora, a

empresa familiar pode oferecer uma grande oportunidade para a humanização das

organizações, ao espalhar sentimentos comuns na família como amor e carinho.

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2.3 SUCESSÃO

Toda história de uma empresa familiar começa com o a figura do seu

fundador. Normalmente, o fundador é o principal executivo da empresa até que, por

vontade própria ou não, passe o comando para um ou mais de seus herdeiros

familiares, geralmente os filhos. Neste momento, é caracterizada "oficialmente" a

sucessão na empresa, que passa a ser comandada pela segunda geração da família.

LODI (1986, p.7) dê fine que a sucessão numa empresa familiar "está ligada

ao fator hereditário e onde os valores institucionais da firma identificam-se com um

sobrenome de família ou com a figura de um fundador."

o momento da entrada dos filhos na empresa e a sucessão ocorrem em

grande número quando os filhos já são adultos ou estão próximos de se tomarem.

Os filhos estão prontos para buscar seu lugar ao sol tanto na empresa como na

família. Na empresa, os filhos querem maior participação, tomar decisões e

conquistar seu espaço. Na família, eles querem ser vistos como adultos, mudar

certas regras que os inferiorizavam, questionar relações e comportamentos. Isso faz

com que esses momentos sejam delicados tanto para a empresa como para as

família. A sucessão pode significar, por exemplo, que o sucedido passe a dedicar

mais tempo para a família; que irmãos briguem ou se tomem mais amigos; que pai

brigue com filho, dentre tantos outros exemplos. A sucessão, por conseguinte,

parece estar diretamente relacionada a momentos de mudanças na relação dos

membros da família, assim como a momentos importantes nas suas vidas pessoais.

Em destaque estão o fundador diante de seu envelhecimento fisico e os filhos

buscando "o seu lugar ao sol".

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Alguns aspectos parecem frequentes na sucessão. Por exemplo, BARNES e

HERSHON (1976), em pesquisa com 32 empresas familiares, constataram que

geralmente as transições na empresa e na família ocorrem à mesma época. KEPNER

(1983), ao investigar sobre os momentos de transição da família, afirma que a

gravidade que envolve tal momento é ainda maior quando as transições em família

coincidem com as da empresa. E constata que os maiores problemas na relação

família-empresa tendem a aparecer justamente durante períodos em que a transição

está ocorrendo em cada um dos sistemas simultaneamente.

Já GALLO E LACUEVA (1989), em pesquisa que envolveu 30 empresas

familiares em oito países diferentes, veríficaram que o envelhecimento e/ou morte

de pessoas chave e o "amadurecimento" da nova geração eram apontados em 63%

dos casos como fatores influentes na crise estrutural que vivenciavam essas

empresas.

HANDLER (1991) realizou uma pesquisa junto a trinta e duas empresas

famíliares de segunda geração, tendo verificado que dois aspectos das relações

interpessoais entre seus membros se destacam nos casos de sucessões "bem­

sucedidas": o nível de respeito mútuo e compreensão entre o fundador e os

membros da segunda geração e a conciliação entre os filhos e entre estes e outros

parentes.

SCHEFFER (1995), em pesqUIsa realizada junto a sessenta empresas

familiares no Rio Grande do Sul, observou que o segundo fator dificultante no

processo de sucessão é representado pelas interferências do relacionamento familiar,

onde se destacam: a rivalidade entre familiares pela posse do controle famíliar; a

pouca distinção entre o interesses da empresa e da família; o despreparo da família

para o entendimento do processo sucessório; temor de que o sucessor não valorize o

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patrimônio deixado; escolha do sucessor entre possíveis candidatos; e a insegurança

profissional do sucessor quanto ao seu cargo ter sido conquistado por mérito ou

paternidade.

No cenário empresarial brasileiro atual, por exemplo, estão ocorrendo

intensamente casos de sucessão em empresas familiares. Criadas em larga escala nas

décadas de cinqüenta e sessenta, muitas dessas empresas hoje tem seus fundadores

em idade avançada, alguns já deixando e outros prestes a deixar o comando. Os

conflitos familiares e a disputa pelo poder em várias dessas empresas têm levado o

processo sucessório ao impasse. Assim, empresas familiares têm sido vendidas ou

divididas como forma de resolver esses problemas.

Todos esses resultados encontrados nas pesquisas consultadas comprovam a

forte influência da qualidade do relacionamento entre membros das empresas

familiares no bom andamento da empresa, da familia e da sucessão. Com isso,

pode-se rever o fenômeno da sucessão como algo que não se restringe a

continuidade da empresa. É um fenômeno mais amplo, que não se inicia na empresa

e sim na familia. A sucessão na empresa acompanha a sucessão na vida, onde os

filhos sucedem os pais. A história de uma sucessão contada com base

exclusivamente nos fatos relativos à empresa, dá apenas uma das dimensões do

fenômeno e faz com que seja praticamente impossível entendê-lo.

Questões relacionadas à sucessão serão objeto do capítulo 3.

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2.4 A QUESTÃO DA PROFISSIONALIZAÇÃO

Diz-se que uma empresa familiar se profissionalizou quando sua

administração executiva passou das mãos dos familiares para a de executivos

profissionais. Também diz-se que uma empresa familiar se profissionalizou quando

passa a adotar métodos administrativos que valorizam a eficiência produtiva e a

meritocracia. Esta conceituação, contudo, pode gerar alguma confusão pois,

implicitamente, está se admitindo que toda empresa familiar não é profissional, isto

é, baseia sua administração em critérios não-econômicos e valoriza seu pessoal mais

pelo fato de "ser da família". Assim, a empresa familiar fica caracterizada como

uma empresa não profissional e seus dirigentes como incompetentes, duas

afirmações não necessariamente verdadeiras. A confusão parece residir na crença de

que empresa familiar não possa ser profissional, e também de que a

profissionalização represente um estágio mais avançado que as empresas familiares

deverão atingir em prol da sua sobrevivência

Mais correto seria contrastar empresas familiares a empresas abertas, isto é,

empresas que não se associam diretamente a um nome ou a um rosto, ou a uma

família, tendo seu controle acionário pulverizado nas mãos de muitos acionistas,

como são a maioria das consideradas grandes empresas capitalistas mundiais, as

chamadas Public Companies como a Coca-Cola, Chevrolet, Exxon, etc.

2.4.1 Empresa Familiar e Profissionalização

São várias as formas de profissionalização de empresas familiares. Uma, já

comentada, é quando a administração executiva da empresa passa da família para

executivos profissionais não membros da família. Essa forma é chamada

"profissionalização do capital", já que em geral a família mantém-se dona da

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empresa, participando indiretamente do andamento da empresa através da ocupação

por seus membros de cadeiras no conselho de administração.

Outra forma é quando a família, além de deixar a administração da empresa,

perde o controle acionário. Se o controle acionário se pulverizar a empresa se toma

uma public company.

Para BERNHOEFT (1989), a profissionalização da empresa familiar é

fundamental para sua sobrevivência a longo prazo. O autor defende que a

continuidade dos negócios familiares depende não só da profissionalização da

administração mas também da separação da família da direção dos negócios,

mantendo, quando possível, o controle acionário da empresa.

BARNES & HERSHON colocam que

"como qualquer argumento para objetividade, a opção pelo profissionalismo

tem como base a lógica. Faz sentido para o negócio, e de certo modo

também para as famílias. O negócio é guiado de forma a evitar a interação

das vidas pessoais com as práticas administrativas, e ajuda evitar males

como o nepotismo e herdeiros pouco capazes, que geralmente causam

crises de transição. n (Barnes & Hershon, 1 976,p.73)

Contudo, a empresa familiar pode permanecer sob administração da família

por gerações e assim mesmo ser profissional e competitiva como mostrou

BETHLEM (1993). A empresa profissionalizada é uma alternativa (ou não) para a

empresa familiar. Entretanto, não há oposição entre o fato de a empresa ser familiar

e também ser profissional. Desde que a atividade da empresa valorize critérios tais

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como eficiência, produtividade, meritocracia, não há porque não aceitar que uma

empresa familiar possa ser profissional.

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CAPÍTULO 3

A INTERLIGAÇÃO FAMÍLIA-EMPRESA

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3.1 A ORIGEM DOS CONFLITOS

Os conflitos que envolvem a sucessão numa empresa familiar têm origem

essencialmente fora da empresa, geralmente em momento anterior à sucessão, e

relacionados as complexas relações familiares. Como colocam BECKHARD e

DYER (1983), no momento da sucessão, rivalidades, conflitos e ciúme entre filhos,

maridos e esposas, pais e filhos reemergem1• Como a causa dos problemas e

conflitos tem sua origem muitos anos antes, é dificil para os membros da família

detectá-la. Além disso, os problemas aparecem muitas vezes de formas disfarçadas

ou mesmo inconscientes. Em relação a esta forma é importante citar Zalesnick e De

Vries:

... . . quando os conflitos são inconscientes, mesmo quando irrompem em

atos, o indivíduo ouvirá apenas aquilo que o estado atual de sua ansiedade e

a solidez das suas defesas lhe permitem. É como se uma economia

psicológica criasse um equilíbrio entre os desejos instintivos, de um lado, e

uma consciência punitiva, do outro, quando ocorre um ataque ao amor

próprio da pessoa. Nessa economia, o meio de intercâmbio consiste nas

defesas, num repertório de técnicas inconscientes destinadas a fazer frente

as idéias e ansiedades dilaceradoras." (Zalesnick e De Vries, 1 975,p.59)

A Artex, uma empresa familiar de Santa Catarina, quando se

profissionalizou, viveu momentos de disputa familiar derivados de um conturbado

relacionamento familia-empresa. RlSKI (1993) em sua dissertação de mestrado

sobre o processo de profissionalização da Artex, fez alguns registros.

1 o "reemergir" é o tempo próprio da psicaná1ise. Freud fez destaque para isso no seu trabalho "Além do Princípio do Prazer" (19201 onde Introduz o conceito de "compulsão a repetição" .

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"Observando-se o relacionamento da família com a empresa, pode-se

constatar que o predomínio do envolvimento emocional, tal como adverte

Davies, foi uma característica marcante nas inter-relações familiares,

detectada especialmente quando diante de diferenças de opiniões quanto

ao rumo dos negócios, em detrimento da racionalidade necessária à

solução de problemas empresariais." (Riski, 1 993, p.1 36)

30

Um dos casos mais conhecidos de conflitos familiares envolvendo sucessão é

o de Abraão Kansisky, dono da Cofap, numa disputa sobre o controle da empresa

com seus filhos e envolvendo também sua primeira mulher. Em certo momento,

Abraão disse: "A gente tem que escolher, ou a família ou o negócio. Eu decidi

dedicar minha vida ao negócio." O que pode ter levado Abraão a ter tomado decisão

tão radical parece ter sido a grande dificuldade de relacionamento entre os membros

da família, evidenciada na discussão sobre o futuro da empresa.

O que representa a empresa de tão especial para sucessores e sucedidos?

Para o pai/fundador ela representa grande parte de sua própria vida, símbolo

do seu crescimento e status profissional e pessoal. É ainda onde conheceu o poder,

onde é prestigiado, respeitado e até temido.

Para o filho/sucessor, a empresa representa uma chance de auto-afirmação,

de desenvolver suas potencialidades, de poder conduzir seu futuro com mais

autonomia.

Dada essa importância, o ambiente da empresa familiar se toma tão

disputado, tão defendido, tão desejado pelos familiares, estejam ligados diretamente

ao dia-a-dia da empresa ou não. No cenário empresarial, impor idéias, tomar

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decisões, obter poder, conquistar a confiança de outras pessoas, competir, ser

reconhecido, são ações que devem ser buscadas constantemente. O cenário é

propício para que aflorem emoções e sentimentos. Alguns desses sentimentos e

emoções podem aparecer claramente no comportamento das pessoas; outros podem

estar camuflados nas ações praticadas. Embora vários autores destaquem os

problemas de relacionamento e os conseqüentes conflitos entre os membros das

empresas familiares, poucos se aprofundam no esclarecimento da natureza destes

sentimentos. Para uma melhor compreensão dos mesmos é importante entender seus

motivos. A literatura sobre sucessão nas empresas familiares destaca algumas

emoções e sentimentos que mereceram análise no próximo capítulo. São eles:

enfrentamento da morte, rivalidade, desejo de poder, a culpa, o narcisismo e a

inveja.

3.2 mSTÓRIAS COMUNS

O ser humano é, a um só tempo, um ser genérico e específico, no sentido de

que lida com as forças homogeneizantes da socialização e a força interna de

individuação. O comportamento humano tende a ser em grande parte conduzido por

regras sociais, estereótipos, tipificações, que o tomam mais semelhante e propenso

às repetições. No caso das empresas familiares, a força das pressões

homogeneizantes sobre certas formas de comportamento de seus membros são

comuns tanto no ambiente familiar como na empresa, reforçando-se mutuamente.

Certas características parecem se repetir mesmo em empresas familiares situadas em

países diferentes, como constataram GaBo e Lacueva (1 989).

Um dos casos mais comuns é o que DE VRlES (1 990) chama de Spoiled

Kid Sydrome. No típico cenário o principal protagonista é o empreendedor que

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trabalha muito, completamente obsessivo com o seu negócio. Geralmente homem,

ele trabalha dia e noite, não pensando em mais nada. Obviamente, esse estilo de

vida lhe deixa muito pouco tempo para sua família. Embora ciente do que está

fazendo, não consegue se ajudar. As demandas dos negócios, na sua percepção, são

irresistivelmente grandes. Ele racionaliza seu comportamento dizendo que faz o que

é melhor para sua família, e que por conta de seus esforços, todos estarão melhores

no futuro. Falha em perceber, entretanto, que pode estar canibalizando este futuro.

Talvez não haja futuro, pois freqüentemente esses homens tomam-se estranhos para

suas mulheres e filhos.

Tal comportamento leva ao sentimento de culpa por parte do pai. Uma

maneira comum de lidar com estes sentimentos é "subornar" os membros da familia,

como recompensa por não estar disponivel seja emocionalmente, seja de outra

forma. A recompensa pode começar com um ursinho de pelúcia quando os filhos

são pequenos e se metamorfosear em carros esporte, jóias, viagens, ou

apartamentos. Infelizmente, esses presentes nunca irão substituir a atenção que

faltou na infãncia. Simultaneamente, para aquele que dá, a entrega de bens materiais

se transforma na maneira de compensar as dificuldades experimentadas. Dá para os

seus filhos o que ele mesmo uma vez desejou para si, sem cogitar que tais desejos

não sejam idênticos ao dos filhos. Assim, suas melhores intenções de criar uma vida

melhor para os filhos nem sempre se concretizam, além de introduzir uma distorção

de valores, na medida em que bens materiais se transformam nos critérios mais

importantes, em prejuízo de outros valores e de sentimentos de afeição e respeito

mútuo. Essa troca - bens materiais por emoção e afeto - pode eventualmente

caracterizar uma "barganha Faustiana." Este tipo de barganha também é apontada

por FRISHKOFF ( 1994) e CAMBIEN (1960) como um dos aspectos importantes do

relacionamento entre pais e filhos com repercussão nas empresas familiares.

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Na reportagem "Quem está no alto da pirâmide?" da revista EXAME de 6 de

fevereiro de 1 99 1 , são mostrados alguns resultados da pesquisa realizada pela

psicóloga Marilu Almeida no Núcleo de Estudos da Mulher, da Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro. A autora investigou opinião de oitenta

mulheres casadas com executivos "de topo". Segundo a autora, a maior parte das

mulheres ouvidas acha que a ausência do marido em casa torna o diálogo com os

filhos mais difícil, prejudicando a formação das crianças. Para 95% das mulheres

ouvidas, o alto nível de vida proporcionado pelo marido não compensa essa lacuna.

Contudo, a maioria das entrevistadas também mostra certa cumplicidade com o

papel do marido. Caso contrário, dizem, eles correriam o risco de "estagnação

profissional" .

LODI traça uma cenário bastante semelhante ao de De Vries.

"A raiz do problema das crises na hora da sucessão empresarial fica muitas

vezes a uma distância de vinte-trinta anos quando esse pai/presidente

dedicou tanto engenho e energia ao empreendimento ao ponto de não se

dedicar suficientemente à família e à educação dos filhos. Especializou-se

no papel de homem de negócios a ponto de não ter outros papéis na vida,

como os de pai, marido, amigo, companheiro. Os filhos sacrificados por

essa drenagem de talento não tiveram orientação, crescendo

desarmoniosamente." ( Lodi, 1986,p. 21/22)

Outro cenário comum encontrado e analisado por De Vries (op.cit) tem como

base a existência de pais "ineficazes emocionalmente", isto é, que apresentam

dificuldades em dar amor e carinho aos filhos, reservando-lhes tempo limitado. O

autor coloca que os filhos muitas vezes, em função dessa fragilidade, acabam por

iniciar uma luta pela pouca atenção dos pais. Esta situação desperta, logo na

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imancia, sentimentos de inveja e ciúme que não são fáceis de ser resolvidos e

muitas vezes permanecem gerando conflitos ao longo da vida. Em entrevista à

Revista Exame de 7 de dezembro de 1994, o psiquiatra Haim Grüspun, diretor da

clínica psicológica do Instituto Sedes Sapientiae, ligado à PUC de São Paulo,

baseado na experiência de já ter analisado a situação de cerca de quatro mil jovens,

diz que: "Não existe terapia que compense ou técnica que apague as marcas

deixadas pela carência afetiva, emocional e amorosa."

Segundo De Vries, com o tempo, muitos dos filhos tomam seu próprio rumo

na vida, saindo de casa e até mudando de cidade, o que ajuda a diminuir os

ressentimentos familiares. Assim, passam a olhar de certa distância seus familiares,

sentindo que são, apesar de tudo, importantes na sua vida. Entretanto, ao se

juntarem na empresa familiar podem acabar por quebrar este padrão.

"Consequentemente, de uma forma ou de outra, os membros da família

acabam presos uns aos outros. Eles podem se sentir enganados. E com isso

acabar repetindo os mesmos conflitos num círculo vicioso - uma

continuação dos antigos jogos emocionais da infância." (De Vries,1990,

p.65)

A pressão para que os filhos entrem na empresa da familia existe quase

sempre de alguma forma. Se ela não vem dos próprios pais, ela vem da sociedade.

Como colocam MILLER & RlCE (1 967), as pessoas em geral assumem que os

filhos já tem seu emprego na empresa da familia, desconsiderando suas

qualificações e desejos. É comum perguntas do tipo "você já está trabalhando com

seu pai?" como se o fato fosse inevitável. Resta saber se os filhos, conscientemente

ou não, acreditam que esse seja o seu verdadeiro e único destino.

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35

A empresa familiar, neste sentido, é algo herdado a priori pelos filhos quer

eles se tomem de fato sucessores ou não. Eles herdam a empresa porque, pelo

simples fato de existir, ela representa, internamente para os filhos, um símbolo da

competência do pai, de sua grandiosidade. A presença da empresa, por outro lado,

representa o "desejo", pelo menos aparente, dos familiares, amigos, das pessoas em

geral de que os filhos sucedam o pai. O resultado desse processo é representado no

conflito pai-filho que se revela nas sucessões em empresas familiares.

MILLER & RICE (1967) acrescentam que expectativas quanto à

performance dos filhos também podem gerar distorções no relacionamento familiar.

O terceiro cenário abordado por De Vries tem como base, além da ineficaz

capacidade emocional do pai, mencionada anteriormente, seu comportamento

dominador. Não é fácil para o filho que entra na empresa, principalmente o mais

velho, viver na sombra de um pai empreendedor, geralmente um homem de

negócios de grande sucesso, de personalidade autoritária e que gosta imensamente

do poder. Segundo De Vries, o fenômeno é mais verificado em homens do que em

mulheres. Ainda sobre este aspecto, CAMBlEN (1960) e MILLER & RICE (1967)

apontam que o filho sente que jamais conseguirá realizar algo que seja

verdadeiramente digno de comparação com as realizações do pai. Roberto,

primogênito de Abraham Kansisky, dono da Cofap, disse a revista Exame de 2 1 de

julho de 1 993: "Se a empresa quebrar nas mãos do meu pai, ninguém falará nada,

pois foi ele quem a construiu. Mas, se o desastre acontecer sob o meu comando

serei chamado de incompetente, de irresponsável."

De Vries observa, no entanto, que a situação se altera em relação a filhos

mais novos:

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"Filhos nascidos mais tarde, ou filhos de segundo casamento, tendem a ter

melhores condições. O empreendedor os percebe menos como uma ameaça

ao seu poder e mais como símbolo de potência e vitalidade" (De Vries,1990,

p.66).

36

Outro fator levantado por De Vries é a presença do que Freud chamou de

Complexo de Édipo. Resumidamente, o complexo reflete sentimentos sexuais

inconscientes na criança em relação aos pais.

"Muitos empreendedores parecem ter experimentado uma vitória simbólica

do Complexo de Édipo ao ultrapassar seus pai, ganhando uma porção maior

do amor e afeto da sua mãe. Entretanto, eles não estão dispostos a permitir

triunfo semelhante a seus filhos. Ao invés disso, alguns empreendedores

vão incorrer continuamente em ações que menosprezem e diminuam os

filhos. Em conseqüência, alguns filhos desistem, se dão mal na escola, e

agem de forma irresponsável. Transformam-se na antítese dos seus pais,

temporariamente ou eternamente." (De Vries, 1 990, p.66).

LEVINSON também parece concordar com esse ponto. Com referência à

pesquisa feita por Collins & Moore ele defende que

" . . . o empreendedor tipicamente tem conflitos não resolvidos com seu pai...

Ele se sente então desconfortável em ser supervisionado, e começa seu

próprio negócio tanto para superar seu pai como para escapar da

autoridade e rivalidade de figuras mais fortes." (Levinson, 1 971 , p.91)

Neste sentido, a rivalidade com o pai movida pelo Complexo de Édipo funciona

como fator responsável pelo perfil empreendedor destes homens. LEVINSON

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37

(1983) lembra que o empreendimento empresarial é ação basicamente masculina.

Embora muitas mulheres tenham iniciado um negócio, poucos se desenvolveram

(até a data do seu trabalho) a um tamanho significativo.

Também DYER (1 986) propõem que os membros da família, em especial os

filhos, sofrem pressões de sentimentos de inferioridade em relação ao "poderoso

pai". Tais sentimentos levam os filhos a reagir basicamente de duas formas: ou se

sentem vítimas da situação ou assumem uma postura agressiva e violenta. No

primeiro caso, o ressentimento que o filho sente do pai faz com que adote a postura

de não-confronto. Ele pode deixar a empresa e chega a se afastar da família. Ou,

segundo Davies ( 1989), pode permanecer na empresa mas contribuir para o próprio

fracasso, demostrando a si mesmo (e a seu pai) que não é capaz de sucedê-lo. No

segundo caso, suas reações são auto-destrutivas como ir mal na escola, usar drogas,

se alcoolizar. A Revista Exame de 7 de dezembro de 1 994, revela resultados de uma

pesquisa realizada pela "Fortune" nos E.U.A onde 36% dos filhos de executivos

passam, a cada ano, por tratamento para problemas psiquiátricos ou de abuso de

drogas, contra "apenas" 1 5% dos filhos de não executivos. Em qualquer dos dois

casos, fica claro que os filhos se sentem incapazes de fazer frente ao pai e procuram

uma justificativa para o seu fracasso, mesmo que este não tenha acontecido e nem

necessariamente vá ocorrer. O fracasso só existe na cabeça do filho.

Lodi também enfatiza o conflito pai e filho como um dos aspectos que mais

influi na sucessão:

"A semente da destruição pode estar no próprio fundador, seja no caráter

deste homem, seja em sua visão de mundo, seja na forma como ele percebe

e permite que as diferenças psicológicas entre pai e filho perturbem a mente

do sucessor. Toda crise sucessória está assentada num conflito edipiano

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entre pai e filho, onde os problemas de carreira do filho, os problemas de

planejamento e de organização da firma, as decisões de novos produtos e

investimentos servem de palco para o drama."(Lodi, 1 986, p.44)

38

o resultado de tais situações, que têm em comum a falta de capacidade dos

pais (principalmente o pai) de amar a família, pode ser desastroso para a empresa e

para a familia. DE VRIES (1990) coloca que quando o amor inexiste ou se faz

pouco presente nas familias, toma-se altamente disputado, alvo de grande

competição. As disputas familiares e na empresa se confundem. A empresa,

enquanto lugar de competição por excelência, acaba se tomando o lugar onde as

frustrações emocionais aparecem com mais evidência, do que resultam as disputas

entre familiares. Decisões são tomadas com bases em critérios emocionais ao invés

de baseadas em critérios de racionalidade econômica. Como muitas das disputas que

influenciam as escolhas têm suas origens em outro espaço-tempo (na infiincia),

tomam-se extremamente confusas e dificeis de ser entendidas, se considerado

somente o que está acontecendo com a empresa naquele momento. Gallo e Lacueva

(1989) verificaram, por exemplo, que em 72% das empresas familiares que

analisaram, algum membro da família havia deixado a empresa motivado pelas

mudanças e conflitos provocados pela sucessão.

3.3 o COMPORTAMENTO FAMILIAR E O

RELACIONAMENTO FAMÍLIA-EMPRESA

Grande parte dos estudos sobre a empresa familiar é realizada a partir da

perspectiva da empresa. Poucos estudos adotam o prisma familiar, apesar de a

relação empresa-familia ser influenciada tanto pela empresa como pela família. A

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39

abordagem sob o prisma da família deve partir do entendimento de algumas

caracteristicas do sistema familiar.

3.3.1 O Sistema Familiar

Segundo a definição de KEPNER a familia é um

" sistema social aprovado pela lei e costumes para cuidar das

necessidades dos seus membros. A 'cola' que a mantém junta ao longo das

vicissitudes das transições do seu ciclo de vida e as complexas e

complicadas l igações interpessoais são os vínculos emocionais e os laços

afetivos que se desenvolvem entre seus membros, assim como um senso de

responsabilidade e lealdade à família como um sistema." (Kepner,1983,p.60)

Funcionando como um sistema, a ação de cada indivíduo na família não é isolada

por si s6. Ela afeta os outros membros, com mais ou menos intensidade, conforme a

importância da ação individual para a familia.

Além disso, Kepner atribui à família o atendimento de algumas necessidades

emocionais e sociais de seus membros. Entre elas, destaca:

a) A necessidade de pertencer a um grupo. Suprir esta necessidade proporciona

ao indivíduo o sentido de auto-valorização.

b) A necessidade de intimidade. A intimidade é encontrada na família porque nela

seus membros são valorizados e estimados pelo que são, e não pelo que deveriam

ser.

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40

c) A necessidade de automia e a busca de identidade. É na família que o

indivíduo dá início e desenvolve sua necessidade de se diferenciar, distinguindo-se

dos demais.

A fim de suprir essas necessidades de seus membros, a família se organiza de

forma a estabelecer para cada membro as expectativas quanto ao papel que lhe cabe

desempenhar. Para Kepner, a organização da família tradicionalmente se dá em três

subsistemas: o do casal, o dos pais e o dos filhos.

o subsistema do casal possui duas funções básicas: atender as necessidades e

anseios da relação marido e mulher e, ao mesmo tempo, do sistema familiar como

um todo. É o subsistema que atua nas decisões da família e, como exemplifica

Kepner, irá controlar as finanças e os recursos, decidir onde e quando a família irá

nas férias, como a família se relacionará com os parentes, que pessoas serão

incluídas no círculo social, etc.

Segundo Kepner, logo após o casamento os casais começam a estabelecer as

regras pelas quais cada um irá desempenhar suas tarefas respectivas. Há três formas

de lidar com a liderança no subsistema do casal: a simétrica, a complementar e a

recíproca.

Na forma simétrica prevalece o espírito competitivo entre o casal, onde cada

um parece querer provar superioridade em relação ao outro. Com o tempo, esta

briga por status pode se tornar a única maneira de a família se relacionar.

Na forma complementar o casal divíde entre si as responsabilidades na

família Tradicionalmente cabia ao homem ser responsável pela obtenção da renda

familiar enquanto à mulher cabiam os afazeres domésticos e a atenção aos filhos.

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Hoje em dia, com a maIOr igualdade social entre homem e mulher, as

responsabilidades em geral são alocadas de modo que marido e mulher

desempenhem um pouco de cada função (os dois trabalham, cuidam dos filhos, etc).

Na forma reciproca, utilizada por muitos casais, os membros do casal

alternam sua forma de se relacionar (pode ser complementar ou simétrica),

conforme a situação e em função de seus talentos e recursos.

o subsistema dos pais se refere ao casal com filhos. No papel de pai e mãe, o

casal busca uma forma para educar e criar os filhos. A forma encontrada, seja ela

consciente ou não, influenciará diretamente na maneira como os conflitos entre os

filhos serão contornados.

o subsistema dos filhos representa um grupo em formação, onde a educação

e o aprendizado das regras sociais são transmitidos pelos pais. Os filhos se

relacionam de duas formas distintas. De um lado, agem como amigos, se ajudando e

cuidando uns dos outros. Por outro, competem entre si pelo amor, atenção e a

aprovação dos pais.

Um momento delicado na relação dos subsistemas ocorre em função das

crescentes disputas do casal e de expectativas frustradas de cada um em relação ao

amor do companheiro. Nestes casos é comum que a criança seja incorporada no

subsistema do casal como um terceiro membro, onde os três passam a ter suas vidas

interpostas umas com as outras. Por exemplo: o pai (ou mãe) se torna o protetor da

criança e esta se torna o protetor do pai (ou da mãe). Em outros casos, os pais

buscam na criança o apoio para as disputas entre o casal. Assim, a criança pode se

tornar uma espécie de advogado ou juiz no subsistema dos pais ou, ainda mais

grave, servir como canalizadora dos males do sistema familiar. Algumas vezes os

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42

filhos podem canalizar esses males em sintomas como casos de doença, baixo

desempenho na escola ou num agir de forma irresponsável.

3.3.2 O Sistema Familiar e a Empresa

DA VIS (1983) coloca que as famílias, assim como as empresas, têm uma

forma muito específica de se organizar. O objetivo principal da forma de

organização familiar é buscar a união do núcleo famíliar (pai, mãe e filhos).

Davis explica que a organização familiar regula o comportamento dos

membros da família, principalmente através de "regras verbais de conduta" e "fortes

padrões de restrição de comportamento", mantidos de forma inconsciente. Isto serve

para manter o "paradigma familiar". Davis cita o trabalho de Reiss, para quem:

"O paradigma familiar é um conjunto de suposições, convicções, ou crenças

que cada família guarda sobre o seu ambiente, as quais levam a família a

provar certos segmentos do mundo e ignorar outros. Evidências sugerem

que a vida de cada família se configure nos limites do paradigma que

emerge ao longo do desenvolvimento familiar." (Davis, 1983, p.50/51 )

Para Davis, ao eleger um segmento do mundo para interagir, a família acaba

reforçando suas suposições iniciais, ou seja, o paradigma familiar torna os sistemas

familiares extremamente estáveis. Reiss, citado por Davíes, distingue três categorias

básicas de organização famíliar: a "sensível ao consenso", a "sensível à distância

interpessoal" e a "sensível ao ambiente".

As famílias "sensíveis ao consenso" têm como principais caracteristicas:

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• percebem o ambiente como sendo ameaçador e hostil;

43

• possuem internamente forte necessidade para o consenso quando se trata de

assuntos importantes;

• refletem constante tensão em manter um acordo ineterrupto e fechado.

As famílias "sensíveis à distância interpessoal" por sua vez:

• são compostas por indivíduos que percebem o ambiente dividido em número

igual ao dos membros da família, sendo que cada membro tem acesso a uma fração

desse ambiente e se preocupa somente com ela;

• são mais fragmentadas, estando cada membro preocupado em mostrar domínio

sobre sua fração;

• apresentam pequena troca entre seus membros e pouco entendimento de

problemas familiares

Finalmente, as famílias "sensíveis ao ambiente":

• são capazes de equilibrar os interesses individuais de seus membros com a

necessidade de união da família;

• são flexíveis em relação ao nível de sua interligação com o mundo.

Davis ressalva, contudo, que estas categorias de famílias não distinguem

famílias consideradas "normais" das "patológicas". Famílias que conseguem atingir

formas harmoniosas de convívio podem estar inseridas em qualquer das três

categorias. A tendência em ser excessivamente fragmentada, por exemplo, pode não

representar para a família barreira para a boa "performance" familiar, sendo a

fragmentação vista como parte do seu "estilo".

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44

Problemas começam a surgIr quando a tendência a um tipo de

comportamento se toma exagerada, passando a guiar os comportamentos dos

membros da família. Davis, assim como Kepner, identifica que as famílias que

exageram na sensibilidade ao consenso se tomam "emaranhadas", ou seja, os

membros reagem sensivelmente entre si, ficam muito envolvidos com a psicologia

do outro e enfrentam dificuldades para definir sua própria identidade. DA VIS &

STERN (1980 apud Wynne, 1958, p.2 l8) identificam este tipo de relação de

pseudomutual relationship, quando os membros da família agem de forma a evitar

as diferenças interpessoais. Uma imagem de que tudo vai bem é projetada para o

mundo exterior, mas, na verdade, existe um profundo sentimento de hostilidade que

parece só poder ser evitado através da falsa imagem.

Por outro lado, quando a família exagera na distância interpessoal ela pode se

tomar "desengajada", isto é, seus membros podem se afastar um dos outros em

demasia. O ambiente dessa família se toma freqüentemente vazio, pois seus

membros vivem suas vidas de forma isolada e o grupo famíliar parece não mais

fazer sentido.

Em algumas famílias "emaranhadas", notam-se alguns comportamentos

comuns entre seus membros:

• o de evitar o conflito e o surgimento de questões famíliares mais dificeis;

• o de lutar para que o consenso de que tudo esteja bem prevaleça, mesmo

sabendo que nem tudo está bem.

Em famílias "emaranhadas", os conflitos existentes podem ou não ser

capazes de desintegrar a família. Em qualquer dos casos, contudo, servem para

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estabelecer certa distância entre os membros e como forma de evitar que questões

importantes sejam discutidas.

DA VIS (1983) assume como hipótese bastante provável que as famílias que

possuam empresas sejam, predominantemente, do tipo "sensíveis ao consenso",

particularmente nas primeiras gerações da empresa, devido às características do

fundador. Tal hipótese se fundamenta em inúmeros casos de conflitos e brigas em

empresas familiares onde comportamentos derivados da "sensibilidade ao consenso"

têm-se revelado.

3.3.3 Cultura

As semelhanças entre comportamentos e relacionamentos dos membros de

empresas familiares podem, sob determinado aspecto, chegar a caracterizar "micro­

culturas", resultado da interligação entre o ambiente familiar com a empresa. Sem

chegar a fazer uma "antropologia" das empresas familiares, alguns autores têm

buscado explicar o processo de formação da cultura das empresas familiares. Neste

processo, a importância da figura do fundador, tanto na formação da cultura da

família como da empresa, aparece como destaque na l iteratura sobre o tema.

3.3.3.1 Cultura Familiar

Segundo Kepner (1983) cultura pode ser defmida como

.. uma maneira de perceber e pensar, de julgar, avaliar e sentir; uma maneira

de agir em relação aos outros e de fazer as coisas e resolver os problemas.

A cultura lida com problemas de integração interna e sobrevivência social e,

por isso, tende a ser transmitida como um conjunto das soluções adotadas

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para as próximas gerações. O padrão cultural adotado ou herdado, ao

prover um conjunto de dicas para a ação, serve para reduzir a ansiedade;

dá sentido, valor e significado ao que poderia ser vivenciado como eventos

confusos e esmagadores. Famílias desenvolvem regras para reforçar sua

cultura. Estas regras são geralmente ocultas, mas podem ser deduzidas

através do comportamento e da comunicação." (Kepner, 1983,p.62)

46

Com base nessa definição, Kepner aponta que a cultura familiar pode ser

descrita na forma como expressa as relações e sentimentos de seus membros. Os

conflitos familiares, o processo de individuação e a expressão emocional são

exemplos da dimensão cultural da família.

3.3.3.2. O Processo de Individuação

Os conflitos familiares para Kepner são reflexo da maneira pela qual o

sistema familiar lida com as diferenças entre seus membros. Algumas dessas

diferenças são mais delicadas, quando, por exemplo, um membro se opõem aos

objetivos e à forma do sistema familiar. Muitas famílias crêem que não deve haver

diferenças e, assim, reprimem qualquer gesto que estimule a discussão e o

questionamento das regras e costumes da família. Entretanto, a repressão do conflito

que motivou a discórdia não faz com que o mesmo desapareça. Pior, pode ficar

reprimido, escondido, reaparecendo de forma mais agressiva e violenta no futuro.

Nessas familias, o processo de individuação da criança é problemático, resultando

em relações de dependência entre pais e filhos, onde um não pode viver sem o

outro.

Por outro lado, tentar manejar tais conflitos pode também representar

momentos dificeis para a família. Muitas vezes, a decisão de não evidenciar os

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problemas e conflitos está relacionada à empresa, fruto por exemplo da pressão que

deriva do fato de a empresa não poder ter sua imagem abalada por constrangimentos

familiares. É, contudo, dificil culpar a empresa como causadora das discórdias

familiares, já que não é fácil criticar a fonte do seu próprio sustento.

A maneira de lidar com as diferenças em família é notadamente diferente nos

tipos de casais. É comum nas famílias de casais com "relações simétricas" que as

diferenças sejam tratadas de forma espontânea e contínua. Essa forma de

tratamento, devido ao ambiente competitivo da família, impede muitas vezes que a

discussão das diferenças entre seus membros traga beneficios para suas relações.

Já entre casais que se relacionam de forma "complementar", com a

responsabilidade de cada um bem diferenciada e a liderança sendo exercida de

forma autoritária, há uma tendência de se definir o que é "certo" e o que é "errado".

Rejeitam-se as ações que interfiram no status quo. Nessas famílias, a individuação

da criança é moldada segundo os conceitos estabelecidos pelos pais.

As famílias "recíprocas", por sua vez, tendem a ter comportamento mais

aberto diante das diferenças, buscando no diálogo uma forma de consenso. É

comum nessas famílias certos mecanismos ou "rituais" que estimulem a auto-estima

dos seus membros após as discussões. Tais famílias tendem a estimular a

individuação da criança, incentivando-a a participar no andamento da vida familiar.

3.3.3.3 Expressão das Emoções

A possibilidade de expressar as emoções é outro reflexo da cultura familiar.

Como coloca KEPNER, as emoções e os sentimentos nos fazem discernir entre o

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que gostamos ou não, a maneira de nos relacionar com os outros e o que queremos

fazer das nossas vidas. Algumas culturas familiares

"são baseadas na premissa de que sentimentos são irreais, embaraçosos, e

não dignos de confiança, de forma que os membros nunca aprendem

corretamente a nomear e diferenciar certos sentimentos de outros."

(Kepner, 1983, p.63),

Assim, a expressão dos sentimentos acaba seguindo um padrão estabelecido

pela cultura familiar. Em algumas famílias, por exemplo, pode predominar a

expressão de sentimentos negativos, caracterizando uma relação tensa entre os

membros. Ao contrário, outras familias estimulam a expressão de sentimentos tanto

positivos como negativos, onde estes últimos servem como sinais de que algo deve

ser atentado e possivelmente corrigido.

Pais de comportamento agressivo e autoritário muitas vezes cerceIam a

possibilidade de expressão de sentimentos por parte dos filhos. Estes ficam

impedidos de manifestar para o exterior muitas reações de amor e ódio frente aos

pais. Os impulsos agressivos, como explicam KLEIN & RIVIERE (1970), passam a

ser aplicados para o interior do próprio indivíduo na tentativa de conter e controlar o

caminho das suas emoções sejam elas harmonizadoras ou destrutivas2. Uma das

conseqüências é a manifestação dessa repressão emocional em alguma parte do

corpo, através de um sintoma que inexplicavelmente se inicia e se revela de dificil

controle sob forma medicamentaI.

2 Não é intuito afirmar que a origem da agressividade, para Melauie Klein, é fruto da agresslvidade do outro. No pensamento da autora, ela é produto da pulsão de morte, cuja intensidade seria Inata. O conceito de pulsão de morte foi introduzido no trabalho de Freud "Além do Princípio do Prazer" (1920)

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3.3.3.4 Os Mitos Familiares

ROCHA (1994) explica que o mito é

.. . . . uma narrativa. É um discurso, uma fala. É uma forma das sociedades

espelharem suas contradições, exprimirem seus paradoxos, dúvidas e

inquietações. Pode ser visto como uma possibilidade de se refletir sobre a

existência, o cosmos, as situações de 'estar no mundo' ou as relações

sociais" (Rocha, 1 994,p.7)

49

O mito também se faz presente na fallÚlia, à medida que ele, como coloca

Rocha (op.cit), "serve para significar muitas coisas, representar várias idéias, ser

usado em diversos contextos."

A percepção da realidade e os mitos familiares são, segundo KEPNER

(1983), outro aspecto da cultura familiar. A percepção da realidade, embora

individual, é compartilhada pelos membros da família, que criam uma espécie de

"matriz de valores e percepções comuns". Desses aspectos comuns, dois se

destacam: os mitos mantidos pela família e a maneira pela qual estes mitos

permanecem inalterados.

Os IlÚtos familiares são formados a partir de crenças estabelecidas ao longo

da vida familiar. É a partir destes mitos que a familia concebe a sua própria imagem,

permitindo uma visão positiva de si mesma, ainda que as evidências sejam

contrárias. Kepner dá como exemplo pais que tiveram relativa facilidade na criação

de seus filhos continuam a ver a familia como um modelo de felicidade, mesmo que

o filho adolescente esteja bebendo demais e que a filha tenha fugido de casa pela

quarta vez.

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50

Os mitos familiares também são referências para a percepção dos seus

membros. Por exemplo, o filho que quando criança era muito tímido e frágil

fisicamente, continua como adulto sendo tratado como uma criança que não

consegue fazer as coisas por conta própria.

Os mitos familiares podem ser frutos da forma de estruturação estabelecida

pela família. Em determinada familia, por exemplo, foi "concedido" ao pai,

fundador de uma empresa familiar e empresário de sucesso, todos os méritos

referentes à "categoria" sucesso profissional. Assim, ficou reservado exclusivamente

ao pai a capacidade de ganhar dinheiro, de ser competente profissionalmente e de

ter sucesso, como se essas possibilidades só fossem de direito seu ou somente

competentes a ele. O sintoma dessa forma de estrutura familiar é que os filhos,

adultos, vivem, cada qual ao seu modo, grandes dramas de realização profissional.

O pai, por sua vez, também parece de alguma maneira compactuar com essa

situação, preservando assim sua posição de "único competente".

Se, por um lado, os mitos podem prejudicar a formação do (a) filho (a) como

adulto, por outro, podem lhe trazer certo tipo de prazer. Por exemplo, a manutenção

do mito que o (a) categoriza como incapaz e frágil, pode lhe garantir a continuação

da atenção especial por parte dos pais.

Além disso, os mitos familiares intemalizados no indivíduo são levados à sua

vida adulta. Na empresa, dependendo do contexto, os filhos podem ter mais ou

menos facilidade para alcançar um objetivo em função do tipo de mito que ele

representa. Por exemplo, o filho visto como mais extrovertido e agressivo

(características valorizadas no ambiente empresarial) pode ser considerado a priori

aquele com o "dom" para tomar conta da empresa.

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5 1

Em última instância, os mitos familiares, ao perpetuarem a imagem passada

dos membros da familia, são uma forma sutil de negar as mudanças que ocorrem

com o tempo e o chegar da vida adulta. Essa negação pode representar alívio e fonte

de prazer tanto para os pais como para os filhos. Para o pai, por exemplo, pode

evitar o stress proveniente de possíveis mudanças na organização familiar,

mantendo sua eterna figura de centro do poder e das decisões, como o único

suficientemente competente na família para gerir a empresa.

3.4 O FUNDADOR E A FORMAÇÃO DA CULTURA NA

FAMÍLIA E NA EMPRESA

As empresas familiares de primeira geração têm em comum entre si a figura

do fundador. Este, por ser em geral pessoa de personalidade marcante, exerce

enorme influência tanto no ambiente da empresa como na família. A sua forte

presença é uma das diferenças que marcam o comportamento das empresas

familiares de primeira geração em relação às de segunda, terceira e demais gerações.

A figura do fundador está associada à do líder, principalmente na empresa,

mas também na família. Max Weber, citado por DYER (l 986,p.60) foi quem

primeiro teorizou sobre as formas de liderança e burocracia. Ele categorizou três

tipos de líderes: tradicional, legal e carismático.

Segundo Dyer, os fundadores de empresa familiar parecem estar associados

ao tipo carismático. Dyer (op.cit. apud House, 1 977, p.60) lista as principais

caracteristicas do fundador. Primeiramente, fundadores são vistos como pessoas

muito confiantes, dominadoras e com grande convicção sobre suas idéias.

,.

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Além disso, fundadores de empresa familiar em geral tendem a:

• desconfiar de outras figuras autoritárias; .

• rejeitar ajuda de outros;

• exercer seu poder de forma arbitrária e inconstante;

• ser reservado sobre suas atividades;

52

• controlar e organizar totalmente as atividades tanto da empresa como da família;

• relutar em delegar coisas para outros;

• desenvolver uma filosofia seguida implicitamente;

• considerar a si mesmos "grandes demais".

McClelland, citado por BARRY (1975) aponta o desejo de realização do

fundador como uma característica que merece destaque, isto é, o desejo de

estabelecer metas e desafios, de deter a responsabilidade sobre os resultados e de

estabelecer as recompensas para os participantes com base nas suas performances.

Indivíduos com alto desejo de realização tendem a trabalhar um grande número de

horas, gostam de trabalhos inovadores e são meticulosos na análise de cada

empreendimento. Eles gostam do trabalho e geralmente relutam em se afastar do

mesmo.

Davis (1983), elabora uma relação entre o sucesso das empresas familiares

com o desejo de realização de seus participantes. Se por um lado essa característica

é fundamental para os primeiros anos da empresa e o seu desenvolvimento, por

outro lado, pode gerar alguns problemas no futuro. BARRY (1975) aponta que o

fundador considera a empresa sujeita exclusivamente ao seu controle e tem

dificuldades em delegar autoridade e responsabilidades para outros. Esta dificuldade

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em dividir o poder tem sérias implicações para a sucessão, quando o sucessor está

justamente buscando mais responsabilidades e mais poder.

Muito do senso de realização do fundador e de sua criatividade pode ser

explicada, segundo ZALESNIK & DE VRIES (1975), por uma in:f'ancia cheia de

dificuldades, até dramáticas, que envolveram morte, solidão, pobreza e a emigração

entre outras. Os autores citam o trabalho de Collins, Moore e Unwalla, "The

Enterprising Man", onde numa série de entrevistas com cerca de oitenta empresários

temas foram falados repetidamente temas como "morte", "fuga à pobreza", "os pais

que foram embora", "fuga à insegurança". A vivência de situações adversas e a

vontade de vencer tais situações pode ser um componente do complexo quadro que

forma a personalidade do fundador.

DYER (1986) buscou traçar uma relação entre a personalidade dos pais e a

cultura familiar. O autor encontrou na sua pesquisa alguns padrões culturais nas

empresas familiares que parecem corroborar com os cenários descritos por DE

VRIES (1990), apresentados na seção 2.1 deste trabalho. O primeiro padrão

encontrado por Dyer é nomeado "família patriarcal/matriarcal". Nesta, o pai (mãe) é

o centro das atenções da família, que vive em função dos seus desejos e sob sua

autoridade. As decisões importantes só são tomadas pelo pai (mãe), esperando-se

que o resto da família aceite suas decisões de bom grado. Em conseqüência, no caso

da "família patriarcal", por exemplo, tanto a esposa como os filhos acabam por

representar papéis subservientes em relação ao pai, ficando extremamente

dependentes dele, que se torna, pouco a pouco, a pessoa que decide boa parte do

que irão fazer na vida. Em contrapartida à confiança que lhe é depositada, o pai

pouco reparte sua vida com a esposa e filhos. Estes pouco sabem de suas atividades

e das notícias da empresa.

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Um segundo padrão cultural encontrado por Dyer é a "família conflituosa"

que se caracteriza pela ausência de objetivos comuns entre seus membros. Os

relacionamentos são baseados na desconfiança e cada membro parece querer se

proteger ao invés de atuar em prol da família. Como resultado, há grande número de

conflitos e incapacidade de resolvê-los amigavelmente (podendo via de regra parar

na justiça).

Os cenários descritos por DE VRIES (1 990), apesar de serem comuns às

empresas famíliares, não são as únicas formas de relacionamento entre os seus

membros. Na verdade, existem famílias que conseguem lidar com seus problemas e

conflitos de maneira positiva, não destrutiva, com boas conseqüências no

andamento da empresa. Dyer aponta um outro padrão cultural nas empresas

famíliares: a "família colaborativa". Essas famílias começam a se distinguir das

demais por ter no seu líder, o pai (mãe), uma figura participativa que não somente

confia a seu cônjuge e filhos os acontecimentos de sua vida, mas demanda suas

opiniões e ajuda na hora de tomar suas decisões. Assim, cada membro da família vai

podendo encontrar seu próprio espaço na medida em que entendem que há espaço

para todos e que a participação de cada um é importante. À medida que a família

aprende a se relacionar de forma cooperativa, cada ação subsequente é feita para

manter a união e a solidariedade existentes.

Ainda segundo Dyer, fundadores geralmente criam empresas paternalistas e

vivem em uma família "patriarcal" ou "conflituosa". O autor encontrou, entre as

empresas familiares de primeira geração, poucos exemplos de empresas

"participativas" e observou raras famílias "colaborativas".

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CAPÍTULO 4

. CONFLITOS .ENTRE MEMBROS DA EMPRESA FAMILIAR

- SEUS PERSONAGENS E SEUS DRAMAS

55

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4.1 EMOÇÕES HUMANAS

No capítulo anterior, a empresa famíliar e a sucessão foram vistas sob o

prisma da família. Foi explicada a forma como é constituído o sistema familiar e

possíveis impactos do mesmo no modus vivendis tanto da família como da

empresa. Buscou-se ainda discutir acerca da formação da cultura na família e na

empresa, destacando-se a figura do fundador.

o presente capítulo tem como foco não mais o sistema famíliar como um

todo, mas as partes que o compõem, isto é, marido, esposa, pai, mãe, filho, filha,

irmão e irmã. Cada membro da família possui, ao mesmo tempo, conflitos

individuais e outros que são fruto da relação famíliar. Tais conflitos são derivados

em grande instância das emoções primítivas de amor e ódio e da busca da auto­

preservação e do prazer.

Ao entrar em contato com suas emoções o ser humano tende a querer se

apropriar dos sentimentos de amor e daqueles que lhe proporcionam prazer. Ao

contrário, busca relegar os sentimentos penosos e desagradáveis. Como explica

Freud,

"as provas da psicanálise demostram que quase toda relação emocional

íntima entre duas pessoas que perdura por certo tempo - casamento,

amizade, as relações entre pais e filhos - contém um sedimento de

sentimentos de aversão e hostilidade, o qual só escapa à percepção em

conseqüência da repressão ... Quando essa hostilidade se dirige contra

pessoas que de outra maneira são amadas, descrevêmo-Ia como

ambivalência de sentimentos e explicamos o fato, provavelmente de maneira

demasiadamente racional, por meio das numerosas ocasiões para conflitos

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de interesse que surgem precisamente em tais relações mais próximas".

(Freud, 1 921 ,p.1 28)

57

A reação humana frente aos sentimentos desagradáveis que vivencia é muito

peculiar. KLEIN & RIVIERE defendem que estes tipos de sentimentos

" . . . vêem-se automaticamente relegados para fora de nós; admitimos que se

localizem em outra parte que não em nós. Renegãmo-Ios e repudiãmo-Ios

como emanando de nós; na expressão pouco correta do ponto de vista

gramatical porém psicologicamente exata, culpamos a alguém mais por

eles. Na medida em que tais forças destrutivas são reconhecidas em nós,

pretendemos que ali chegaram arbitrariamente e através de algum agente

externo, e devem voltar ao lugar que lhes compete." (Klein e Riviere, 1970,

p.27/28)

Como a maior parte deste tipo de comportamento descrito por Klein e

Riviere ocorre no inconsciente, não é com facilidade que o ser humano pode

compreender seus comportamentos e atitudes. Entretanto, a compreensão ou pelo

menos o conhecimento destes sentimentos - e de sua forma de manifestação - é

fundamental para uma ação mais consciente.

Foram destacadas algumas emoções e sentimentos freqüentemente

referenciados nos estudos e pesquisas sobre empresas familiares para uma análise

mais detalhada. Entre as emoções estão: o desejo de poder, a rivalidade e a culpa.

Também estarão em foco os sentimentos humanos em relação à morte e o

narcisismo, que frequentemente se destacam no fundador. Entretanto, estas são

apenas algumas das muitas emoções e sentimentos que influem no comportamento

humano e que exercem influência na dinâmica da família e na empresa familiar.

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4.2 UMA MORTE ANUNCIADA

Um dos problemas mais dificeis e mais complexos para o ser humano talvez

seja o de enfrentar a morte. A morte, como coloca DA MATTA (1991 ), é um

problema filosófico e existencial do homem, especialmente o homem dos tempos

modernos.

"De fato, questões como saber se a morte pode ser vencida, conhecer o

significado da morte, ficar profundamente angustiado com o fato paradoxal

que a morte é a única experiência social que não pode ser transmitida,

discutir a imortalidade, o tempo, a eternidade e, sobretudo, tomar a morte

como algo Isolado, é uma questão moderna ligada ao individualismo como

ética do nosso tempo e das nossas instituições sociais". (Da Matta, 1991 ,

p.143/144)

KLEIN & RIVIERE (op.cit) evidenciam o temor da morte:

"Meu argumento é o de que tememos acima de tudo a ação de forças

destrutivas que operam dentro de nós e contra nós. A morte representa o

extremo mais avançado de destruição que somos capazes de conceber, e a

nossa própria morte representa evidentemente o ponto culminante da

atuação das forças inerentes de destruição dentro de nós. Ora, só foi no

correr dos últimos duzentos ou trezentos anos da história secular do homem

que a realidade da morte tornou-se amplamente reconhecida como

necessidade imanente, acompanhando um processo de destruição que se

opera em nosso corpo. n (Klein & Riviere, op.cit, p.29/30)

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KÜBLER-ROSS (1991) explica que a repulsa a morte é, do ponto de vista

psiquiátrico, bastante compreensível

ne talvez se explique melhor pela noção básica de que, em nosso

inconsciente, a morte nunca é possível quando se trata de nós mesmos. É

inconcebível para o inconsciente imaginar um fim real para nossa vida na

terra e se a vida tiver um fim, este sempre será atribuído a uma intervenção

maligna fora de nosso alcance. Explicando melhor, em nosso inconsciente

só podemos ser mortos; é inconcebível morrer de causa natural ou de idade

avançada. Portanto, a morte em si está ligada a uma ação má, a um

acontecimento medonho, a algo que em si clama por recompensa ou

castigo." (Kübler-Ross, E. , 1 991 ,p.14)

A inevitabilidade da morte, além de levantar questões como as citadas por Da

Matta, Kübler-Ross e Klein & Riviere, provoca para um grande número de pessoas

sentimentos que vão desde a raiva até o medo e a depressão. Muitos acumulam

durante a vida grande nível de poder e prestígio, e, em função desse poder, detêm a

obediência de outras pessoas e a força de influenciar suas vidas. Acabam se

julgando tão poderosos que se acreditam imortais. DE VRIES (1990), constata que

muitos presidentes de empresa falam da morte como se ela fosse algo que só

pudesse atingir aos outros e não a si mesmos.

A intensa ligação entre o fundador e a empresa parece em muitos casos

superar o nível do empreendimento, do trabalho e da fonte de sustento. A empresa

acaba por representar a própria vida do fundador à medida que ela passa a ter um

valor simbólico. Segundo DE VRIES (op.cit), a empresa se toma parte do âmago de

sua identidade. O alto grau de dependência da empresa como uma medida de auto­

estima o faz bastante ansioso quanto à capacidade de seus sucessores continuarem

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seu legado ou destruírem o que construiu com tanto empenho. Retirar-se da

empresa, passar o comando, ver outros ocupando o seu lugar, podem, na cabeça do

fundador, representar a própria morte.

LEVINSON (1971) parece concordar com De Vries, ao afirmar que o

fundador encara a empresa de três formas: essencialmente como uma extensão si

mesmo, como um veículo para gratificação pessoal e, acima de tudo, uma conquista

sua.

A seguinte passagem de BERNHOEFT (1 989) parece também corroborar

com a posição de De Vries e de Levinson:

"Imaginemos por alguns instantes o que pode sentir o fundador de uma

empresa, quando olha suas conquistas (prédios, equipamentos, empregos,

imagem, status, etc) e relembra os momentos de dúvida, luta e incerteza que

viveu no passado. Este conjunto de emoções e sentimentos cria um vínculo

tão intenso entre a sua própria vida e a vida da empresa, que é dificil separá­

las. Para muitos, a empresa é a sua própria razão de ser ou sua realização

maior, mais intensa ainda que os filhos, a família, etc." (Bernhoeft, 1 989,

p.39)

ZALESNICK & DE VRIES ( 1975) defendem que o empresário tem na

empresa uma espécie de "válvula de escape" para frustrações e traumas de longa

data, sobretudo na inf'ancia e que se mantém pela sua vida em boa parte de forma

inconsciente. Para os autores,

"na busca da legitimidade e da dominação de suas frustrações da infância o

empresário verificará finalmente que realizações sâo insuficientes. Ele

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necessita de apoio social, da estima, e admiração que há muito lhe são

recusadas, para compensar sentimentos de rejeição centralizados na

imagem paterna. Ele é forçado a executar suas idéias, e a empresa torna-se

um meio tangível para a auto-estima que deseja. a materialização de suas

idéias, entretanto, também é uma proposição perigosa; o êxito pode induzir

culpa originada de sentimentos ambivalentes relacionados com a rejeição

paterna." (Zalesnick e De Vries, 1975, p.1 88)

61

Um exemplo de um empresário com uma forte ligação com sua empresa era o

de Mamede Paes Mendonça, ex-dono de uma das maiores redes de supermercados

do país e falecido em outubro de 1994. Mamede, que começou do zero com uma

enxada na mão, mostrou grandes dificuldades em se desfazer de parte da rede,

decisão indesejada mas aparentemente indispensável desde que uma forte crise

atingiu os seus negócios. Em meados de 1992, como relata a revista Exame de

primeiro de abril de 1992, foi discutida a possibilidade de concordata da rede, idéia

que era defendida por um dos filhos, Jaime. "Prefiro morrer ou ir direto à falência.

Mas não vou a concordata", disse Mamede. Tal situação serviu para esfriar as

relações de Mamede com Jaime, seu potencial sucessor e a quem Mamede elogiava

como diretor comercial. Até bem recentemente antes de falecer, Mamede vinha

relutando em vender outras filiais da rede, venda esta que serviria para melhorar a

situação financeira da empresa. Quanto a sucessão nenhum plano formal foi

elaborado ou conduzido.

Em pesquisa realizada por COHN (1991), o autor perguntou a donos de

empresas familiares quais as razões que os levariam a passar adiante a empresa. A

maioria (34%), respondeu: dar oportunidades aos filhos. Esse também foi um desejo

verificado por JOE (1994) em pesquisa que envolveu 614 donos de empresas

familiares, dos quais somente 25% tinham um plano de sucessão escrito, 34%

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tinham plano não escrito e 40% não tinham plano algum. Percebe-se que há uma

mistura de intenções, um "querer e não-querer" ser sucedido por parte dos donos de

empresas familiares.

o vislumbramento da decadência fisica e da morte pode contribuir para a

dificuldade e hesitação do fundador na escolha do sucessor. O momento de "passar

o bastão" e entregar o comando da empresa, resultado de anos de trabalho e

dedicação, pode ser tão dramático que muitos fundadores preferem outra alternativa:

não escolher. Com isso, o problema, inevitável, fica postergado e sem definição,

para ser resolvido muitas vezes de forma improvisada, quando o fundador já tiver

falecido. BARNES e HERSHON (1 976) em pesquisa que englobou mais de vinte e

cinco empresas familiares verificaram que a maior parte das sucessões de primeira

para segunda geração se dá quando o fundador já morreu.

FRlSHKOFF (1994) aponta o medo da morte como um problema "supremo"

a ser enfrentado pelo sucedido e pelos membros da empresa familiar. A autora diz

que o fundador acredita que vai perder seu status de "herói" quando morrer. Ao

mesmo tempo, quer ser lembrado pelas suas contribuições e realizações. Estes

medos e receios acabam, muitas vezes, incapacitando o fundador a executar a sua

sucessão, e impedindo-o de escrever um testamento ou algo do gênero.

DE VRlES (1 988) aponta que o desejo do sucedido em deixar um legado

pode se transformar em grave problema. Ao vislumbrar sua sucessão, teme que o

ocupante de seu lugar desrespeite e/ou modifique aquilo que construiu. Não só

prédios ou fábricas, mas aspectos intangíveis como a sua filosofia. A empresa passa

a conter uma carga emocional, e o empreendedor tem dificuldade em separar-se

dela. Qualquer influência que possa ameaçar o controle total que exerce sobre a

empresa é capaz de deflagrar atos irracionais. Toma-lhe dificil repartir o poder, a

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autoridade, e a responsabilidade. Ele opõe-se a qualquer intromissão em sua

autonomia e dominação, por recear a repetição de situações infantis ameaçadoras

(isso pode constituir uma espécie de paranóia). Além disso, o empresário tende a

considerar iniciativas de terceiros em relação à empresa como tentativa de afastá-lo

do controle. Daí a oposição de empresários a planejar suas sucessões.

Um exemplo curioso é o da Vicunha, um grande grupo têxtil do país. Seu

maior acionista Jacks Rabinovich preparou com cuidado a entrada de seu único

filho homem, Eduardo, na empresa. Primeiro, Eduardo trabalhou numa financeira

sem vínculos com a Vicunha. Depois, ao engressar na empresa, Eduardo recebeu de

Jacks um plano de estágio que fez com que Eduardo passasse dois anos rodando em

todos os departamentos da empresa. Feito isso, Jacks recomendou e Eduardo aceitou

fazer um curso de Administração de Indústrias Têxteis nos E.U.A.. Ao voltar, foi

assessor direto do pai até que este, um belo dia, comunicasse aos diretores que

Eduardo era o novo "manda-chuva" da Vicunha. Tudo aparentemente perfeito. Só

que o outro lado de Jacks não parecia estar disposto a ceder seu comando com tanta

facilidade. Jacks contínuava a pressionar os diretores em favor de suas idéias e

chegou a mudar decisões tomadas por Eduardo. A situação se tomou insustentável

até que Eduardo lançasse o ultimato ao pai: "só há espaço para um no comando.

Sugiro a entrada de um executivo profissional". No fim, aparentemente percebendo

seu duplo jogo de ações e íntenções, Jacks concordou que Eduardo ficasse no

comando da empresa.

Abílio Diniz, controlador da cadeia de supermercados Pão de Açúcar, depois

de brigar com quase todos os irmãos pelo controle dos negócios, disse à Exame que

desejava passar o controle aos seus filhos: "desejo perpetuar este grupo para além de

minha vida e da de meus filhos. " O quanto as palavras de Diniz são sinceras só com

o tempo se saberá.

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Já na Artex houve sérios problemas no processo de profissionalização da

empresa, como relata RISKI ( 1993). O processo - que não visava excluir totalmente

a família das atividades da empresa - acabou conduzido sob forte divergência

familiar até chegar ao litígio judicial. Uma das causas foi o fato de que o processo

acabou alienando a nova geração familiar de maiores chances de trabalhar na

empresa. "Isto revela que as questões na relação família-empresa postas em jogo por

efeito do processo de profissionalização não foram reguladas por um acordo

prévio . . . . " (RISKI, op.cit, p. 144).

4.3 PODER

Poder, segundo ZALESZNIK & DE VRlES ( 1975,p.37) é o "potencial que as

pessoas tem para exercer influência sobre o comportamento de outras. É a

capacidade de modificar, canalizar e persuadir outra pessoa a fazer algo que ela não

faria necessariamente se não fosse influenciada nesse sentido."

A psicanálise encara a busca do poder como um dos desejos do ser humano.

Zalesnik e de Vries contam que as

n . . . Investigações feitas por Freud dos distúrbios psicológicos conduziram à

formulação do conceito de que sexo e agressão constituem as duas forças

principais subjacentes ao desenvolvimento humano. O desejo de poder

representa um misto de sexo e agressão. Exceto nos casos de patologia

extrema, trata-se de um misto refinado e ligado às realidades e ideais

sociais e aos relacionamentos humanos." (Zalesnik e de Vries,1 975, p.34)

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o desejo pelo poder origina-se segundo KLEIN e RIVIERE (1 970),

..... da intenção de controlar os perigos existentes em nós mesmos . . • . O

mais temido é sempre o caráter incontrolável do desejo e da agressividade

de cada um e bem assim o desamparo em que todos nos encontramos

diante de tais impulsos. Uma das maneiras de alcançar a segurança é visar

a um poder onipotente a fim de controlar todas situações potencialmente

penosas, e de ter acesso a todas as coisas úteis e desejáveis , tanto dentro

como fora de nós." (Klein e Rivere, 1 970,p.68/9)

65

Lorde Acton, citado por FEGHALI ( 1988,p.iii) afirma que "todo poder

corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente". Freqüentemente, a

sociedade ocidental se depara com questões envolvendo o abuso do poder por parte

daqueles que ocupam os cargos diretivos. A organização da sociedade ocidental é

baseada no direito do cidadão. Para garantir esses direitos um código de leis é

elaborado e instituições são erguidas para exercer esta garantia. Contudo, homens e

mulheres que representam essas instituições são muitas vezes flagrados abusando de

seu cargo e da autoridade que recebem da sociedade, talvez motivados pelo desejo

de poder.

Nas empresas, uma das características mais evidentes é o estabelecimento das

relações de poder. Sabe-se logo ao entrar numa empresa "quem manda em quem".

Crescer na estrutura hierárquica da empresa se torna ao mesmo tempo um meio e

um desejo de obtenção de poder.

Para Zalesnick & De Vries ( 1975, p.37), é preciso entender a motivação pelo

poder . Para os autores, motivo é "uma tensão interna, uma necessidade que, para

sua satisfação, requer alguma atividade, via de regra no ambiente e geralmente

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envolvendo pessoas." Uma das formas de se diferenciar a motivação pelo poder de

outras causas do comportamento, explicam os autores, é distinguindo as chamadas

necessidades primárias das necessidades secundárias do ser humano. "As

necessidades primárias referem-se as tensões cíclicas e repetitivas que geram

atividade e, por fim, satisfação e quietude." Ou seja, quando temos fome, por

exemplo, passamos por um processo que vai desde a manifestação da vontade de

comer até o momento de satisfação, passando pelo momento de saciação da fome.

As necessidades secundárias, ou derivadas,

"constituem alvos de atos mais complexos e elaborados, que só

simbolicamente se relacionam com os processos corporais, de forma que o

estudo do poder como necessidade derivada coloca em evidência a

natureza dos processos simbólicos do raciocínio, especíalmente as

elaborações da mente inconsciente." (Zalesnick e De Vries, op.cit)

A motivação pelo poder, portanto, se trata de uma necessidade de ordem secundária.

Para Zalesnick e De Vries, o desejo de poder pode ser explicado basicamente

como função de três motivos: motivo compensador, motivo autônomo e como um

traço do caráter que distingue o homem político dos outros tipos de homens.

4.3.1 Os Três Motivos do Poder

Segundo Zalesnik e De Vries ( 1975, pAO), Alfred Adler é o principal

expoente da teoria que defende que o desejo pelo poder é uma forma de

compensação do indivíduo frente as condições de inferioridade e de dependência

vividas na inflincia. Para Adler, a pessoa mentalmente sã, em contra partida,

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"procura aliviar seus sentimentos de inferioridade tentando superar obstáculos e, de

forma geral, afinnar-se na vida."

Para Zalesnick e De Vries a grande critica a Adler é o fato desse autor

explicar o desejo de poder como resultado unicamente do complexo de

inferioridade.

"O desenvolvimento humano faz-se por estágios. A experiência da privação

varia de acordo com o estágio da vida em que foi sofrida. As privações

ocorridas na primeira infância podem impedir o desenvolvimento da

estrutura psicólógica, de forma que a pessoa permanece dependente em

relação aos objetos externos, incapaz de confiar no seu próprio carãter e

nos seus recursos internos. .. . Considerar o anseio pelo poder como

privações que tenham sido sentidas não toma em conta a perversidade

inerente à conversão do anseio pelo poder em ação .. . e que podem atuar

como substitutos ou derivativos de ímpetos humanos mais fundamentais."

(ZalesnicK & De Vrles, 1 975, p.42)

Assim, ou autores defendem· que nem todas as pessoas interessadas pelo

poder tenham motivações em sentimentos de inferioridade. Na verdade, o poder

pode ser considerado muitas vezes como um motivo autônomo "que se relaciona

com um desejo inato de dominação, um dote biológico dos seres humanos . . . . "

(Zalesnick e De Vries,op.cit,p.43). Este é o ponto seguinte.

Zalesnick e De Vries defendem que o motivo compensador, derivado de

conflitos no desenvolvimento do indivíduo, não "exaure" as possibilidades de

motivos autônomos de poder. Para os autores é concebível que

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"a autonomia de motivos como o poder e a dominação depende de certas

condições inatas do ego e da capacidade de permanecer livre dos conflitos

ou de resolvê-los. Neste ponto, são interdependentes os elementos inatos e

conflitantes. Os motivos derivados tornam-se, portanto, uma fonte de prazer

e um empurrão para um comportamento de ajuste. Por serem 'livres de

conflitos', esses motivos derivados funcionam autonomamente, e o motivo

busca suas próprias modalidades de expressão e satisfação. .. . A

curiosidade da criança, seu comportamento explorador e seu desejo de

dominação fatores esses que podem ser vistos como precursores de um

motivo de poder autônomo e altamente socializado, requerem estimulação

por parte dos seus pais. Sozinha, porém, a estimulação não provoca um

comportamento explorador nem, no fim das contas, a dominação, se não for

ativada por inatas capacidades perceptivas, cognitivas e motoras."

(ZalesnicK & De Vries, 1975, p.44)

68

Zalesnick e De Vries por fim apontam que a motivação pelo poder pode ser

entendida de uma forma mais ampla, fruto do caráter desenvolvido pelo indivíduo.

"Aquilo que uma pessoa é, para si mesma e para as outras, não constitui

uma representação casual; nem constitui , simplesmente, a corporificação

dos papéis cujo desempenho dela se espera. No caráter há tanto constância

como integração, de forma que a pessoa pode ser reconhecida por outras

enquanto mantém certo sentido de identidade por si mesma. As

interpretações da função do executivo, na política e na empresa, geralmente

esboçam os numerosos papéis cujo desempenho dele se espera. Os papéis

constituem simplesmente as expectativas que as outras pessoas alimentam

com respeito ao comportamento da pessoa que ocupa algum posto dentro

de uma estrutura reconhecível." (ZalesnicK & De Vries, 1975, p.46)

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Nesse contexto, ou autores acreditam que a motivação pelo poder não é

somente derivada de complexos de inferioridade, nem tampouco fruto de motivos

autônomos. É resultado de tudo que forma o caráter do indivíduo que se desenvolve

junto com a sua personalidade. Este é um processo dinâmico, influenciado tanto

pela estima dos outros como pelo "sentimento de orgulho e realização no dOllÚnio

do ambiente por parte de si mesmo".

4.3.2 Poder e o Complexo de Édipo

A orientação para o poder de um indivíduo, como traço de seu caráter é,

segundo Zalesnick e De Vries, é fortemente influenciada pelo Complexo de Édipo.

o Complexo de Édipo foi conceituado por Freud ao longo de sua obra. Uma

das faces do Complexo defende a tese de que a criança experimenta um romance

triangular com os pais aproximadamente dos três ao seis anos de idade. O filho(a)

sente grande apego pela mãe e tem ciúme do pai por este possuir também uma

relação com a mãe e que em certos sentidos é maior que a sua. O filho deseja então

substituir o pai mas é impedido porque teme o pai, que é maior e mais poderoso que

ele.3

Com o passar do tempo, o filho homem pode "resolver" o seu Complexo de

Édipo ao renunciar livremente aos desejos de ter a mãe só para si e de substituir o

pai. Tal feito é fruto em parte, segundo Zalesnick e De Vries, da adnússão de que o

3 o conceito do Complexo de Édipo possui outras faces e ê de fato mais complexo. Ele não se reduz aos sentimentos de amor e ódio entre pais e filhos englobando outros conceitos como o do "Complexo de Castração" e o da "Primazia do Falo". O Complexo de Édipo nio ê idêntico para ambos os sexos, ê ambivalente e se caracteriza também pela sua tragicidade. O conceito do Compelxo de Édipo aparece ao longo obra freudIana. Ver, por exemplo, "A Dissolução do Complexo de Édipo" (1924) e "A Organização Genita1 1nfanW: uma Interpolação na Teoria da Sexualidade" (1923).

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pai é de fato mais forte e poderoso. Sem poder vencer o pai, o filho passa para um

processo de identificação, se espelhando no pai e querendo ser como ele. Contudo,

"se a criança se mantiver fixada no triângulo edípico, estará prejudicando'

seriamente sua capacidade de crescer, cumprir os deveres escolares,

aprender e ampliar sua experiência." (Zalesnick e De Vries, op.cit,p.56)

Zalesnick e De Vries apontam que há grande controvérsia se realmente os

filhos temem os pais, mas acreditam que se o relacionamento do menino com seu

pai se basear exclusivamente no medo, ele poderá enfrentar grandes dificuldades em

lidar com pessoas que apresentem autoridade e de agir como homem.

"O medo infiltrante ao pai leva à identificação como agressor. O indivíduo

vive subordinado a pessoas mais poderosas que ele enquanto se revela um

tirano em suas relações com os mais fracos ou dele dependentes. Tais

indivíduos são 'personalidades autoritárias', atuando por processos

limitados e restritos." (Zalesnick e De Vries, op.cit,p.56)

Por outro lado mais positivo, o filho pode transformar seu medo do pai em

respeito, sentindo prazer em estabelecer um relacionamento próximo com ele.

"O filho pode sentir as possibilidades de domínio através do exemplo que

seu pai dá e através do aprendizado dos ideais, das habilidades e das

posições que seu pai assume." (Zalesnick e De Vrles, op.cit,p.57)

A orientação para o poder, segundo Zalesnick e De Vries (op.cit), é uma

maneira de organizar "os legados do desenvolvimento humano que invadem os

sentimentos da pessoa a respeito de si própria, seus apegos a outras pessoas e suas

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atitudes em relação ao trabalho e à carreira." Indivíduos que ainda guardam

problemas referentes ao Complexo de Édipo tendem a manifestar certas

caracteósticas peculiares. Alguns tem dificuldades em empregar o poder, pois se

sentem culpados ou ansiosos diante da autoridade que lhes cabe. Para tomar

decisões esses indivíduos necessitam se distanciar dos outros, ao mesmo tempo em

que buscam formas racionais de justificação para o seu exercício do poder. Outros

manifestam seus conflitos através de uma tendência em ver as situações de maneira

extremamente competitiva.

A identificação da causalidade entre o Complexo de Édipo e a oóentação do

indivíduo para o poder, segundo FEGHALI (1988) permite interpretar a orientação

pelo poder como uma caracteóstica universal e inata do desenvolvimento humano.

Como colocado anteóormente, a empresa tem um significado maior em si

mesma para o fundador. Para LEVINSON ( 1971 ) ela é, ao mesmo tempo, sua

"criança" e "amante". Segundo esse autor, as pessoas que sejam percebidas também

desejando poder para si na empresa provavelmente sairão ou serão demitidas.

Dentre elas, se encontram os potenciais sucessores, o que leva a tantas empresas

familiares declinarem quando seus fundadores envelhecem ou morrem.

Na Cofap, os filhos do fundador Abraham Kansisky, Roberto, o mais velho e

Renato, dois anos mais novo, sempre mantiveram uma disputa pela sucessão do pai.

Talvez pela diferença de temperamento chegavam a passar meses sem se falar,

segundo nos conta reportagem da revista Exame de Julho de 1 993. A rivalidade

entre os dois porém foi parcialmente esquecida quando concordaram junto com o

pai em estabelecer um concreto plano de sucessão em 199 1 . Chegaram a derrubar a

parede que existia entre as salas de cada um como uma prova de união.

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Roberto e Renato pareciam acreditar que com a saída de Abraham teriam o

controle da empresa e concordaram com a presença de um executivo profissional na

direção da empresa enquanto eles e o pai se sentariam no conselho de

administração. A data estava marcada para onze de julho daquele ano, quando

Abraham faria setenta e cinco anos. Porém ao voltar de uma viagem e se deparar

com uma aparente manobra de Roberto com alguns diretores contra ele, Abraham

cancelou sua sucessão. "Só saio da empresa dentro de um caixão" disse ele.

Roberto resolveu sair da empresa, fato que já tinha ocorrido no passado.

Desta vez Abraham foi categórico: "Não deixo ele voltar". Renato ficou na empresa

mas sua situação não se modificou. Na verdade, Abraham não considera nenhum

dos filhos e possivelmente ninguém nesse planeta capaz de sucedê-lo. Sobre o seu

sucessor comentou: "procurei um homem melhor do que eu, e não encontrei. Depois

procurei um homem igual a mim, e também não encontrei." Sobre os filhos: "Juntos,

dão um profissional melhor do que eu. Separados, não vejo condições de nenhum

deles assumir." Melhor mantê-los então separados.

Ainda em 1 992 se iniciou uma complicada disputa judicial pelo controle da

empresa que envolveu Abraham, Roberto, Renato e Balbina, mãe dos dois e

primeira esposa de Abraham. O fim do processo foi noticiado pela Gazeta Mercantil

de 1 9 de setembro de 1 995. Foram vendidas ações dos familiares, exceto Abraham,

cerca de 40% do capital votante da Cofap para o Bradesco. Abraham permanece no

controle da empresa como membro do conselho de administração.

O grupo de supermercados Pão de Açúcar, por quase dez anos, viveu um

clima de beligerância e disputa de poder entre os irmãos Abílio, Lucília, Alcides

Arnaldo, Sônia e Vera pelo o comando do Grupo. As brigas chegaram ao ponto de a

matriarca, Floripes Pires Diniz ir a público dizer que não deixaria Valentim - seu

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marido, fundador do grupo e já fora do dia-a-dia da empresa - se tomar minoritário

na participação do Grupo. A disputa dos filhos coincidiu com uma crise sem

precedentes na saúde da empresa. O número de lojas em 1 986 era de 622, passou

para 549 em 1 989 e chegou a 216 no fim de 1 993. A solução encontrada para

contornar as crises da família e da empresa foi a venda de parte do patrimônio que

serviu tanto para saldar dívidas como para comprar a participação de alguns

familiares. Alcides foi o primeiro a sair vendendo suas ações em 1 988 e em 1 993,

Arnaldo, Sônia e Vera também venderam suas ações. No fmal deste mesmo ano,

Abílio, o irmão mais velho, passou a ser o dono do grupo com 51,5% do total das

ações e com ele só permanece a irmã mais nova, Lucília com 1 3,5% das ações.

Valentim que antes da restruturação era o que possuía maior número de ações ficou

com 35%. A saúde financeira do grupo melhorou com aumento das vendas e na

produtividade. Já a saúde das relações entre os familiares, com a separação dos

irmãos, deteriorou-se.

4.4 NARCISISMO

Narcisismo é uma palavra cuja origem deriva da lenda mitológica grega de

Narciso, jovem extremamente belo que se apaixonou por sua própria imagem ao vê­

la refletida na água. Como colocam LAPLANCHE E PONTALIS (I 995,P.287),

narcisismo, "por referência ao mito de Narciso, é o amor pela imagem de si mesmo"

Inicialmente, Freud descreveu o narcisismo como uma fase na evolução da

vida mental do indivíduo, intermediária entre o auto-erotismo e o amor objetaI, isto

é, o amor pelo outro. Contudo, a partir da chamada "23 Tópica" de Freud

(consolidação dos conceitos de lei, Ego e Superego), o narcisismo, assim como o

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Complexo de Édipo, é entendido como parte estruturante do indivíduo, presente em

todos os seres humanos.

o desenvolvimento do narcisismo parte, segundo FREUD (1914), de um

narcisismo primário ("Eu Ideal") característico dos primeiros meses de vida onde o

ego do indivíduo ainda não está totalmente formado. Nesta fase, o narcisismo da

criança é a própria revivência do narcisismo dos pais e o seu desejo é representado

pelo desejo parental. O narcisismo primário é substituído pelo narcisismo

secundário (''Ideal do Eu") a partir do desenvolvimento do ego e da percepção da

criança que ela e a mãe não são uma unidade. Essa experiência é consolidada no

Complexo de Édipo. Em resumo, pode-se dizer que aquilo que imaginamos ser ("Eu

ideal") é pontuado por uma "voz" que nos diz o que somos e o que não somos

("Ideal do Eu"). A partir daí, agimos em função do que queremos ser e não somos, e

daquilo que nos falta.

Os líderes (e aí inclui-se o fundador) parecem ser pessoas que possuem um

caráter narcisista acentuado, como querem mostrar DE VRIES & MILLER (1990).

Estes autores salientam que todos nós apresentamos sinais de comportamento

narcisista. Ser considerado narcisista, contudo, não é bem aceito na sociedade (diz a

lenda que a paixão de Narciso por si mesmo foi um castigo dos Deuses). Narcisismo

é uma palavra "feia", em geral empregada para criticar alguma pessoa. Entretanto,

"entre os indivíduos que apresentam tendências narcisistas limitadas,

encontramos alguns muito dotados e capazes de grande contribuição à

sociedade. São os indivíduos tendendo aos extremos do espectro

comportamental que dão ao narcisismo sua má reputação" (DE Vries e

Miller, op.cit, p.8).

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Freud, citado por De Vries & MiIler (op.cit, p.7), apresentou em seus estudos

a descrição da personalidade do líder em relação aos seus subordinados: "o líder não

necessita do amor dos outros; ele pode ter uma natureza dominadora absolutamente

narcisista, estar seguro de si e independente". Mais tarde, Freud adicionou à sua

teoria o que chamou "personalidade narcisista Iibidinal", caracterizada como

"um indivíduo principalmente ocupado com sua sobrevivência,

independente e impossível de intimidar. Uma grande agressividade é, então,

possível que se manífeste, às vezes pelo fato de que o Iider está sempre

pronto para o trabalho. Essas pessoas impressionam os outros pela sua

forte personalidade. Podem agir como verdadeiros bastiões para os outros,

ou seja como verdadeiros líderes." (DE Vries e Miller, op.cit, p.7).

Abaixo, estão as principais caracteristicas das pessoas narcisistas

identificadas por De Vries e Miller. A intensidade de cada caracteristica é variâvel

de pessoa para pessoa, o que define seu perfil específico. Os narcisistas são

apresentados como pessoas que:

• confiam mais em si próprio que nos outros, acreditando ser auto-suficientes (no

seu íntimo, contudo, ressentem-se de um sentimento de perda e de vazio);

• preocupam-se com fantasias de sucesso sem limite, de estabelecer sua

competência, de poder, de superioridade, de beleza ou amor ideal;

• são exibicionistas; desejam que os outros partilhem da alta estima que têm de si

e que satisfaçam suas necessidades;

• acreditam merecer atenções especiais, reagindo com surpresa e raiva se alguém

não faz o que eles, narcisistas, querem;

• estão inclinados a acreditar que não podem confiar no amor ou na lealdade de

ninguém; e

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• revelam ausência de empatia: incapacidade para reconhecer os sentimentos dos

outros.

o fundador, ao criar sua empresa, percorreu um trajeto que envolveu obter

apoio de pessoas para implantar e dar continuidade à idéia original da empresa. É

comum encontrar-se nas empresas familiares funcionários de longa data, muito leais

ao fundador. Essas e outras caracteristicas fazem crer que o fundador é de fato uma

pessoa que tem na sua personalidade traços narcisistas que o tomam um líder.

Na empresa, de um lado, o "fundador-narcisista" pode agir de forma que

conflite com as aspirações de sucessão de seus filhos herdeiros, como por exemplo,

ao exigir destes uma postura de obediência e concordância, ignorar suas

necessidades, decidir tudo por conta própria, sentir-se ameaçado pela presença dos

filhos. Do outro lado, o sucessor também pode apresentar reações narcisistas que

podem entrar em choque com as do pai. Estas reações tendem a se manifestar com

mais ou menos intensidade conforme o tipo de narcisismo desenvolvido tanto pelo

fundador como pelo sucessor.

Segundo De Vries & Miller existem três tipos básicos de orientações

narcisistas: o tipo reativo, auto-ilusório e construtivo, sendo o tipo reativo é o mais

danoso dos três. A origem da orientação narcisista se dá na inI'ancia, fruto de duas

"construções mentais" que refletem as expectativas primitivas da criança. Pela

primeira, a criança deseja exibir suas capacidades de desenvolvimento e quer ser

admirada pelos pais. Pela segunda, a criança deseja se fundir com os pais, resultado

da atribuição de poderes ilusórios que lhes atribuiu. "Tipicamente a criança passa

gradualmente de : 'Eu sou perfeito e você me admira para: 'Você é perfeito e eu faço

parte de você. ,,4

• Kohut, citado por De Vries & MWer, atribui à impoBBibWdade de integrar, no curso da inilincia, duas importantes esferas do ego: o Ego grandioso e a imagem parental idealizada,

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Normalmente, a criança é capaz de enfrentar e reduzir a frustração causada

pela incapacidade dos pais em preencher suas expectativas primitivas. Com o tempo

e a experiência, a criança consegue compreender a diferença entre o "ideal de

perfeição" e o que pode ser "suficientemente bom". Assim, ela passa a encarar os

pais de forma mais realista, resultado de uma imagem interna a respeito dos mesmos

mais equilibrada. Contudo, na presença de pais rejeitadores e pouco atentos às suas

necessidades, a criança não consegue manter a auto-estima em nível adequado.

"Consequentemente, as necessidades da infância não são nem modificadas,

nem neutralizadas, mas continuam a prevalecer, o que tem por resultado um

desejo persistente e uma procura do reconhecimento narcisista durante

toda a vida adulta. A via do narcisismo reativo é desde então toda traçada."

(De Vries & Miller,1990,p.10)

o indivíduo dotado de narcisismo reativo pode manifestá-lo através de

persistente sentimento de impotência. Tal sentimento leva à criação de uma imagem

de "diferença" (specialness) para si próprio, tentando compensar o sentimento

(ainda presente) de não ter sido amado pelos pais. Em conseqüência, este indivíduo

tende a deformar os eventos que vívencia no mundo exterior para evitar a ansiedade

e sentimentos de perda e de decepção. Algumas das características apresentadas

pelo narcisista reativo são: o exibicionismo, a grandiosidade, impiedade, frieza e

desejo de dominação.

que seriam as duas construções mentais mencionadas. Para maiores detalhes ver Kohut,H. -"Creativemess Charisma, group psychology". In: ORNSTEIN, P.H. (orgl The search for the self(vol.21 N.Y. Internstional Universities Press, 1978, p.826.

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Como líder numa empresa, o narcisista reativo pode manifestar atitudes

como: ignorar as necessidades dos subordinados, não tolerar a crítica, agir sem

consultar ninguém, "esmagar" seus opositores, não admitir derrota.

o narcisismo auto-ilusório se desenvolve na criança de modo bastante

diferente do narcisismo reativo. A criança é levada a crer que é amada

incondicionalmente pelos pais, independente da relação real vivida com eles. Como

consequência, a criança tem dificuldade de compreender a figura dos pais de uma

forma equilibrada pois os "ideais de perfeição eram muito elevados para lhe

permitirem interiorizar elementos apaziguadores e estabilizantes." (De Vries &

Miller, op.cit.p. l l)

Nesse contexto, a criança exerce um papel de mandatário de seus pais, sendo

responsável por satisfazer as "esperanças parentais não realizadas . . . . Os pais

utilizam seus filhos para preencherem suas próprias necessidades, sobrecarregando­

os de seus desejos recônditos." (De Vries & Miller, op.cit.p. 12). A mãe, por

exemplo, frustrada amorosamente pelo marido, pode usar o filho homem para

preencher o vazio deixado pelo cônjuge, estabelecendo com o filho, ao menos

parcialmente, a relação que desejava ter com o marido. Como resultado, esta relação

mãe-filho acaba gerando maleficios para ambos. Por um lado, impede a mãe de

resolver seus problemas com o marido. Por outro, o filho acaba internalizando as

ilusões da mãe e vive crendo em capacidades que não necessariamente possui. Além

disso, o seu contato com o mundo exterior é bastante conturbado pois, internamente,

quer se mostrar apto a exercer os desejos e as expectativas da mãe.

Algumas caracteristicas do narcisista auto-ilusório são: ausência de empatia,

maquiavelismo, medo do fracasso e a preocupação com suas próprias necessidades.

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Como líder na empresa, o narcisista auto-ilusório possui características

comuns aos reativos, tendendo a ser mais acessíveis. Ele manifesta mais

preocupação com seus subordinados do que os reativos, porém essa preocupação

pode ser mais desejo de ser simpático do que um verdadeiro interesse. São inseguros

e têm grande desejo de serem amados. Talvez por isso tolerem um pouco mais as

críticas.

o narcisismo construtivo é mais positivo dos três tipos de narcisismo. Este

tipo de narcisista não possui a

"necessidade de deformar a realidade para lidar com as frustrações da vida.

Assim sendo, eles não tem tendência à ansiedade. Utilizam, com menos

frequência, defesas primitivas, são mais próximos de seus sentimentos,

desejos, pensamentos. Irradiam, frequentemente, uma sensação de

vitalidade positiva, derivada da confiança que tem em seu próprio valor."

(De Vries & Miller, op.cit,p.1 2)

De Vries & MiIler apontam que tais características são fruto de uma infiincia

onde a criança teve a oportunidade de experimentar seus impulsos primitivos,

"( . • . ) porque seus pais não esperavam que ela fosse especial, que ela

reproduzisse suas atitudes morais, por exemplo. ( . . . ) A criança podia

desenvolver e mostrar aquilo que estava ativo nela durante cada fase de seu

desenvolvimento. Porque a criança podia mostrar sentimentos

ambivalentes, ela podia aprender a considerar ao mesmo tempo ela mesma

e o sujeito (o outro) como sendo 'bom' e 'mau'; ela não precisava separar o

'bom' objeto do 'mau' objeto." (De Vries & Miller, 1990 apud Miller, 1 981 ,p.1 2)

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Os narcisista construtivos são frequentemente: criativos, confiantes,

ambiciosos, dotados de senso de humor e orgulhosos.

Como líder na empresa o narcisista construtivo é mais aberto as criticas,

procurando coletar informações de outros para sua tomada de decisão. São auto­

confiantes mas também sabem reconhecer a competência alheia. Têm por vezes a

capacidade de inspirar os outros em prol de um objetivo comum.

4.4.1 Narcisismo, Objetos e a Empresa

Como foi dito nos primeiros parágrafos deste tópico, o narcisismo

desenvolve-se desde uma fase primária, onde não há distinção entre o Eu da criança

e o objeto (por exemplo, a mãe), até chegar a fase que corresponde a relação entre

duas pessoas distintas.

Zalesnick e De Vries dividem em três estágios o desenvolvimento do Eu e

sua relação com os objetos. O primeiro estágio corresponde ao narcisismo primário

mencionado. A medida em que o ego se desenvolve, a criança começa a

experimentar situações que comprovam a sua separação em relação a mãe, a sua

dependência em relação a ela e a existência do pai, que impede uma relação

exclusiva coma mãe.

"A separação e a individuação sobrevem gradualmente, por um lado, sob os

benefícios dos bons cuidados e, pelo outro, sob a gradual criação de

capacidades perceptivas para distinção entre o Eu e o mundo exterior. Uma

separação segura conduz também à capacidade de formar uma avaliação

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imparcial de objetos e de ajustar respostas tanto às necessidades próprias

como alheias." (Zalesnick e De Vries, 1 975,p.78)

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A experiência de separação faz com que a criança desenvolva mecanismos de

defesa que caracterizam o segundo estágio ou estágio intennediário. A pessoa

(criança)

" . . . cria laços de defesa através da fantasia de que seus objetos-amor fazem

parte de sua auto-imagem. Neste estágio intermediário, a pessoa incorpora

esses objetos à sua auto-imagem enquanto se apega a eles. Como já

indicado, entretanto, não são só as faces benévolas dos objetos que são

incorporadas e infundidas de amor e apego. O indivíduo incorpora também

as imagens hostis e negativas, e esses fragmentos inaceitáveis do Eu ficam

à disposição para projeções sobre outras pessoas." (Zalesnick e De Vries,

op.cit., p.78/9)

Cabe salientar que tais fragmentos inaceitáveis estão na maior parte das vezes

inconscientes.

Um exemplo deste segundo estágio pode ser observado nas crianças que, ao

lutar com a necessidade de separar-se da mãe, encontram defesa num objeto

inanimado, ao qual passam a ter um apego especial e através dele podem controlar

as ansiedades e angústias que vivem. Freud relatou em "Além do Princípio do

Prazer"(1920) a brincadeira do "fort-da" de seu neto com um carretel. A criança,

depois que a mãe passou a deixá-lo parte do dia sozinho, frequentemente brincava

de jogar longe o carretel, que assim sumia de sua visão. A fazê-lo, balbuciava algo

que Freud entendeu como "fort" (correpondente em alemão a "ir embora"). Quando

encontrava o carretel, por sua vez, balbuciava "da" (correspondente em alemão a

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"ali"). Era uma brincadeira que representava o desaparecimento e o retomo da mãe

compensada pela criança ao encenar ela própria o sumiço e a volta do carretel,

passando de uma situação eminentemente passiva (ser deixada pela mãe) para uma

ativa (fazer sumir e depois achar o carretel).

o terceiro e último estágio indica uma reciprocidade entre duas pessoas

distintas onde o Eu e o objeto se encontram diferenciados.

A história de Henry Ford contada por Zalesnick e De Vries serve de exemplo

de como o desenvolvimento narcisista pode afetar as relações na empresa. Ford

vivia muito empenhado pela criação do seu Modelo T e queria poder controlar todos

as fases e aspectos da produção do carro. Para isso, Ford possuía como assessores

seu filho Edsel Ford e Harry Bannet. Curiosamente, Ford desenvolveu um apego a

Bennet, um homem que provinha de um ambiente sinistro de Detroit, ligado a

gângsters e assassinos. Já a relação com Edsel - um homem sensível, formado e

avesso a agressividade em relação a outras pessoas - era baseada na humilhação e

rejeição de Ford. Bennet, frequentemente, assumia o controle sobre decisões mais

radicais como as operações anti-greves, estimulando a sabotagem e a espionagem

contra funcionários suspeitos. Quando a Ford Motor Company passou a ter

problemas, Ford mais uma vez rejeitou a ajuda do filho e "pareceu aproximar-se

ainda mais de Bennet, cujos conselhos e sugestões apenas lançavam mais lenha à

fogueira das idéias paranóicas e suspeitosas de Ford" (Zalesnick e De Vries, 1975,

p.77).

"As observações partidas do bom senso, referentes às relações entre Ford

e seus subordinados, não conseguem explicar seu apego a um homem agressivo

e maldoso, bem como a simultânea rejeição do filho, bem intencionado e

construtivo. Contudo, esse apego estranho e auto-derrotista faz parte de uma

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compulsão à própria defesa contra objetos inconscientes que estão

representados no Eu. As pessoas apegam-se a objetos reais que satisfaçam às

exigências da sua fantasia. As fantasias compreendem imagens antagônicas

daquilo que é bom e daquilo que é mau, nos relacionamentos de poder, amor e

dependência." (Op.cit.).

Ford carregava consigo o fato de ter se sentido rejeitado e repelido pelos

próprios pais. A partir daí fracionou suas percepções em relação a eles da mesma

forma que o fez em relação a Bennet e a seu filho. O pai poderoso se tomou, a nível

consciente, o símbolo de suas reações negativas enquanto a mãe era idealizada. As

imagens fracionadas dos pais foram transportadas para sua relação tanto com

Bennet quanto com seu filho.

"Projetando sobre os dois essas imagens fracionadas, ele conseguiu criar

um drama no mundo real, através do desdobramento de imagens do seu

passado. Dessa forma, Ford procurou extirpar as imagens hostis que era

capaz de afastar ou de curar. Sua aceitação e supervalorização de Harry

Bennet como seu próprio lado raivoso, agressivo e áspero permitiu a Ford

regular sua ansiedade com respeito a ser rejeitado e repelido . . . . Edsel Ford,

que representava a imagem do filho bondoso e amoroso, precisava ser

rejeitado e tratado com dureza porque aquele Eu terno e amável refletia os

desejos alimentados pelo próprio Ford de manter um relacionamento mais

íntimo com seu pai, que inconscientemente ele também temia" (Op.cit.).

Além de impedir um bom relacionamento com o filho, o comportamento de

Ford praticamente impedia também que Edsel pudesse impor suas próprias idéias e

seu perfil de trabalho. Em certa ocasião, subordinados de Ford tentavam mostrar a

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Ford que o Modelo T deveria ser substituído pois se tomara obsoleto. Contudo, o

apego de Ford ao seu carro era tanto que recusava ouvir falar no assunto de todas as

fonnas. Uma vez chegou a destruir com as mãos um modelo alternativo que seus

subordinados haviam desenvolvido para substituir o Modelo T. O resultado da

resistência de Ford foi que concorrentes como a General Motors conseguiram

avançar e ganhar posições no mercado.

"Como explicar esse apego irracional a um objeto inanimado? A

explicação é dada pelo fato de se investirem objetos inanimados (como

substitutos de pessoas) com sentidos derivados de auto-imagens. Aquele

modelo apresentava um conteúdo simbólico para Henry Ford." (Op.cit.,

p.81 )

Simbolizava a relação com seu pai, pois o Modelo T era essencialmente um carro

construído para fazendeiros e o pai de Ford era fazendeiro. O modelo T era um elo

de ligação de Ford com seu pai e ao seu passado. Contudo, Ford, como colocam

Zalesnick e De Vries (op.cit), "pagou o preço deste vínculo: perdeu a objetividade

relativamente à finalidade e mutabilidade do veículo e prejudicou sua capacidade de

ser pai para seu próprio filho."

A situação de Ford é um exemplo significativo do referencial simbólico da

empresa para seus fundadores. Em vários casos esse referencial impede o

desligamento natural do fundador da empresa e, consequentemente, a ascensão dos

filhos.

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4.5 INVEJA

Inveja é outra palavra "feia". A palavra inveja como coloca DE VRIES

( 1993, p.72) vem do substantivo latino invidia e do verbo invidere e quer dizer

"olhar maliciosamente". Assim, " . . . a inveja é relacionada a sentimentos de malícia

ou de hostilidade, a um desejo nocivo, a um sentimento de mortificação e de má

vontade suscitada pela existência de vantagens detidas por outrem . . . . " À medida que

se aprofunda o estudo da inveja esta se revela uma reação bastante complexa, como

explica K. Abraham citado por DE VRIES ( 1993, p.72): "o invejoso manifesta não

somente o desejo de possuir o que pertence aos outros, mas ele enxerta pulsões

malignas para com o possuidor privilegiado." Além disso, De Vries completa que

" . . . a inveja também parece ser uma reação muito embaraçosa, um sentimento que

não realça em nada a nossa imagem. De fato, reconhecer a presença da inveja em si

mesmo equivale a admitir um sentimento de inferioridade. "

Muitas vezes, confundimos a inveja com o sentimento de ciúme. Melaine

Klein, citada por De Vries explica que:

"a inveja é o sentimento de cólera que o sujeito experimenta quando

percebe que o outro possui um objeto desejãvel, sendo sua reação de

apropriar-se dele ou destruí-lo. Ademais, a inveja supõem a relação do

sujeito com uma única pessoa, remontando à primeira relação de

exclusividade vivida com a mãe. O ciúme funda-se sobre a inveja, mas estã

ligado a uma relação com pelo menos duas outras pessoas. Ele se relaciona,

acima de tudo, com o amor ao qual a pessoa pensa ter direito, mas do qual

ele se sente privado ou ameaçado em proveito do seu rival." (Klein, M.,

citada em De Vries, 1993,p.73)

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A inveja pode se apresentar de várias fonnas. Uma das destacadas por De

Vries é a inveja entre gerações. Segundo o autor essa manifestação da inveja é mais

comum no relacionamento entre pais e filhos. Os pais

"privarão assim seus filhos de certos privilégios ou prazeres, baseando suas

decisões em numerosas justificações, ainda que, na realidade, sejam

impelidos pelo desgosto de não ter aproveitado tais oportunidades na

mesma idade." (op.cit, p.79)

Nas empresas e organizações essa fonna de inveja aparece envolvendo as

gerações mais antigas, que agem contra a ascendência das mais jovens. Para De

Vries,

"o amargor que eles (os executivos mais velhos) experimentam diante da

idéia de ver o jovem executivo sair-se bem onde eles próprios malograram

pode conduzi-los a pôr armadilhas ou estratagemas que colocarão os novos

recrutas em cheque, sob o pretexto de fornecer ao jovem executivo

ocasiões múltiplas de se valorizar, mas na verdade induzindo circunstâncias

que arruinarão sua carreira." (op.cit)

A inveja entre gerações também pode ser fruto da influência do tipo de

sistema familiar "sensível ao consenso". DA VIS ( 1983) encontra resultados

semelhantes aos de De Vries, ou seja: uma grande dificuldade da geração antiga em

deixar a nova geração crescer e, eventualmente, assumir o controle da empresa.

Filhos dos fundadores têm grande dificuldade em se desenvolver como adultos e

como profissionais na empresa porque vivem esperando do pai uma espécie de

consentimento, um sinal de aprovação. O pai, do outro lado, não realiza este gesto

porque pode significar a perda de seu controle, da sua posição de superioridade e

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um passo no caminho de sua morte. O filho, ao não receber a aprovação do pai, não

se desenvolve, justificando a posição do pai e assim o "círculo se fecha".

Para DE VRIES (op.cit), a sucessão dá um caráter dramático à ação da

inveja nas empresas. Isso acontece quando o futuro sucessor é impedido de chegar

ao poder sendo "destronado" pelo sucedido, possivelmente seu pai, por ser alvo de

sua inveja.

Na Artex, como descreveu RISK1 (1993), o processo de profissionalização,

conduzido por representantes da família que comandavam a empresa, acabou

aumentando as barreiras à entrada da nova geração, embora isso não fosse

intencional. Sem termos condições de afirmar até que ponto a "inveja entre

gerações" existiu ou não nesse caso, vale o registro.

A inveja parece despertar no fundador, entre outras vezes, quando a sua

decadência fisica é evidente. Pode ser doloroso ter que enfrentar o fato que seu

sucessor, possivelmente seu filho, está vivendo o contrário, isto é, o apogeu de suas

habilidades fisicas e mentais. Diante de tal situação, alguns pais encaram o fato com

mais tranquilidade, até com um certo orgulho: orgulho de ver no filho uma

continuação de si próprio, de sua antiga aparência e vigor fisico, e orgulho deste

filho estar "seguindo os seus passos". Com isso, a continuidade da empresa, outro

desejo do pai, também estaria garantida.

"Em teoria isso seria óbvio. Agir com base no desejo, entretanto, é diferente.

É preciso um certo grau de maturidade e sabedoria para que isto aconteça.

Precisa-se ter um senso de generativity. Ao invés de se sentir invejosos da

geração mais jovem, o fundador precisa da capacidade de ter prazer em ver

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homens e mulheres jovens fazendo as coisas por conta própria" (De Vries,

1 993, p.69)

88

Alguns sucedidos, contudo, sentem grande inveja do sucessor pela sua

jovialidade e por tudo que ele tem pela frente. Com isso, alguns iniciam uma

"campanha" contra seus filhos onde uma das principais armas é o distanciamento (o

distanciamento entre gerações pode ser motivado por outros fatores além da inveja).

Através dele, o caminho fica mais longo para os sucessores que, de outra forma,

poderiam aprender muitas coisas com a experiência do fundador. A distância acaba

dificultando o relacionamento entre pai e filhos. Quando, por exemplo, este

distanciamento é muito grande, o filho pode criar uma imagem do pai que não é

verdadeira (e vice-versa) o que pode inibir possíveis troca de experiências. Na

empresa, a inveja motiva muitos sucedidos a boicotar as ações dos filhos, alguns

sendo até humilhados pelo pai como foi o caso de Edse1 Ford, citado anteriormente.

Os filhos também manifestam inveja dos pais. Freud identifica a origem da

inveja no momento em que a criança começa a perceber as diferenças anatômicas

entre os sexos. Essa hipótese levou ao conceito freudiano da inveja do pênis, que

teria influência na formação do caráter da mulher (ao homem existiria a inveja da

capacidade de procriação da mulher). Segundo De Vries, em época mais recente,

surgiram novas propostas, outras leituras sobre o conceito, onde

" . . . a noção da inveja do pênis apresenta-se como metáfora descrevendo

certas etapas do desenvolvimento humano ligadas ao imaginário da união e

separação sentidas pela criança diante da mãe (ou da pessoa mais

próxima). Também se liga ao dispersar da consciência sexual e à atribuição,

em nível social, de poder e de impotência." (De Vries, 1993,p.75)

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Como adultos, os filhos têm duas formas de lidar com a inveja. Podem

enfrentá-la, tentando lidar com o mal-estar que ela provoca ou tentar reprimi-la.

Optando por esta segunda forma, a inveja pode aparecer de maneira modificada e

que lhes pode ser destrutiva. De Vries destaca três tipos: a primeira delas é a

"idealização". Ao idealizar uma pessoa nos colocamos distantes, ina1cançáveis.

Quando sentimos inveja de uma pessoa e fazemos dela um ser excepcional, "acima

do bem e do mal", estamos tentando diminuir esta inveja. A sensação de inveja,

como colocado anteriormente, tende a ser reprimida pois é considerada inferior.

Assim, a idealização é também uma forma de conter nossos impulsos agressivos

derivados da inveja e, assim, manter nossa imagem inabalada. Nas empresa

familiares muitos filhos vêem seu pai como um sujeito "grande demais", alguém que

deu certo na vida apesar das grandes dificuldades que enfrentou. O filho, ao se

sentir pressionado para ter o mesmo sucesso do pai, mas se julgando incapaz de

conquistá-lo da mesma forma, inconscientemente ou não, coloca o pai num pedestal

inatingível. Tal alternativa, contudo, não resolve seus problemas e só torna mais

frágíl a relação entre os dois. Na empresa, essa idealização pode impedir que o filho

exerça suas reais capacidades, sendo por isso considerado incapaz de suceder seu

pai.

A segunda maneira que aparece a inveja é a "retirada". Aqui a pessoa

imagína as piores consequências para sua inveja, chegando mesmo a imagínar que

seria capaz de destruir o outro. Para fazer frente a esse tipo de pensamento,

inconsciente em geral, a pessoa sai de cena, impedindo a si mesma de agír. Como

coloca De Vries,

"o que se oferece ao olhar do observador, é um ser que nem tenta entrar em

competição, mas que procura desvalorizar-se a si mesmo. A retirada torna-

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se o antídoto supremo. Ora, um tal comportamento gera sentimentos de

impotência e reações de impotência." (De Vries, 1 993,p.77)

Muitas empresas familiares talvez não façam sucessores dentro da família porque

possíveis candidatos nem chegam a iniciar na empresa, motivados por esta forma de

inveja que os impede de agir. Esses potenciais sucessores podem acreditar que não

competindo com o pai pela empresa estarão livres dos sentimentos que os afligem.

A terceira e mais destruidora maneira para De Vries é a "desvalorização". Os

que agem dessa forma parecem possuir fortes sentimentos de vingança e são pessoas

amarguradas. Além disso, as pessoas parecem "possuídas pela necessidade de se

vingar, de provar que são tão bons, senão melhores que o objeto de sua inveja",

como descreve De Vries (1993,p.78). Parecem gostar de criticar e humilhar os

outros sempre que lhes pareça oportuno. É sabido o grande número de

empreendedores autoritários que, frequentemente, humilham seus empregados e

subordinados (incluindo seus filhos) como se esta fosse a forma normal para tratar

tais pessoas.5

4.6 CULPA

Em "Totem e Tabu"( 1913), Freud identifica a origem histórica do sentimento

de culpa do filho em relação ao pai a partir do estudo das sociedades chamadas

primitivas. Estas sociedades ditas "totêmicas" teriam sido as primeiras a

estabelecerem duas regras de convívio presentes até hoje: a proibição ao incesto e

ao patricídio. Freud descreve que nossos ancestrais viveriam numa horda onde o

S As atitudes destrutivas do ser humano são explicadas por Freud a partir de seu dualismo interno resultado da pulsão de vida IEros) e da pulsão de morte. Sobre isto, ver "Além do Principio do Prazer" (1920).

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macho mais forte (o pai) tinha direito sobre as fêmeas. Os filhos, também

desejavam a fêmea-mãe e as outras remeas da horda mas temiam o pai, mais forte e

mais poderoso. Em algum momento, porém, os filhos percebem que unidos são mais

fortes que o pai e, assim, se revoltam contra ele, assassinando-o e o devorando. O

lugar do pai fica vago mas não é ocupado por nenhum dos filhos que, embora

desejem ocupar o lugar do pai, sabem que se o fazem estarão revivendo a situação

anterior do assassinato e razão da revolta praticada. Assim, não tem outra alternativa

se não estabelecerem uma regra contra o incesto. O assassinato do pai gera, por

outro lado, um grande sentimento de culpa por parte dos filhos pois estes odiavam o

pai por proibir seus anseios sexuais, mas também o amavam e o admiravam. Depois

que o ódio foi satisfeito pelo parricídio, o amor se colocou em primeiro plano no

remorso dos filhos pelo que fizeram. Como coloca Freud

"após terem se livrado dele, satisfeito o ódio e posto em prática os desejos

de identificarem-se com ele, a afeição que todo esse tempo havia sido

recalcada estava fadada a fazer-se sentir e assim o fez sob a forma de

remorso. Um sentimento de culpa surgiu, o qual, nesse caso, coincidia com

o remorso sentido por todo o grupo." (Freud, 191 3,p.146)

Freud (1 930) explica teoricamente o aparecimento do sentimento de culpa a

partir da execução ou intenção de uma pessoa em praticar um ato "mau", isto é, um

ato que ela sabe que deve ser reprimido. Quando isso ocorre, há uma tensão entre a

tentativa de satisfação do ato pelo ego e a repressão por parte do superego. Esta

tensão é o sentimento de culpa.

Para KLEIN e RlVlERE o sentimento de culpa remonta aos primeiros dias

do indivíduo, quando ele ainda é um bebê. As autoras explicam que

"os sentimentos de amor e gratidão surgem direta espontaneamente no

bebê como reação ao amor e cuidados dispensados pela mãe. O poder do

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amor - que é a manifestação das forças que tendem a preservar a vida - está

presente no bebê lado a lado com os impulsos destrutivos, e encontra sua

primeira e fundamental expressão na relação do bebê com o seio da mãe, a

qual evolui em amor por ela como pessoa . . . . quando na mente do bebê

surgem os conflitos entre amor e ódio, e os temores de perder o ser amado

torna-se ativo, um passo extremamente importante tem lugar no

desenvolvimento. Tais sentimentos de culpa e sofrimento entram como

elemento novo na emoção do amor." (Klein e Riviere, 1 970,p.1 03/104)

92

Para as autoras o sentimento de culpa tende a se fazer presente durante a vida

adulta. É bastante comum sentirmos culpa pelos nossos impulsos de ódio em relação

a pessoas que amamos.

"Tendemos bastante a manter em segundo plano esses sentimentos de

culpa, por serem extremamente penosos. Manifestam-se eles, porém, de

diversas formas disfarçadas, e constituem fonte de perturbação nas nossa

relações pessoais" (Klein e Riviere, op.cit., p.98)

A criança, por exemplo, em momentos de raiva, incapacitada de reagir aos

pais, pode desejar a morte dos mesmos. Esse desejo pode por sua vez resultar em

fortes sentimentos de culpa, como descreve DE VRIES (1990).

Ao se decidir por entrar na empresa muitos sucessores não pensam se o que

estão fazendo é realmente aquilo que desejam fazer. LEVINSON ( 1971) aponta que

a resposta mais frequente dos filhos sobre as razões de tomarem tal decisão é a

oportunidade que a empresa lhes proporciona e o sentimento de culpa de não fazê­

lo. Comum são também os casos em que a decisão do filho é baseada na

dependência criada entre ele e seu pai. Por outro lado, para ZALESNICK e DE

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VRIES (1975, p. 1 41 ) "a culpa, antecipadamente sentida, de que assumir o poder é

deslocar o pai, constitui em algumas pessoas uma ansiedade suficientemente forte

para inibir gravemente sua capacidade de liderança." Assim, o filho racionaliza sua

relutância em entrar na empresa com base na oportunidade e na culpa. Lutando

contra sua dependência, é mais provável que continue a brigar com o pai na empresa

porque ainda está tentando escapar do seu controle.

Os filhos também podem sentir culpa em relação aos pais por estes lhes

terem proporcionado durante a criação um ambiente de riqueza, ao contrário da

maior parte das pessoas de sua comunidade. Como apontam MILLER & RICE

(1967), parte da depreciação que alguns filhos fazem de si mesmo parte desse

sentimento de culpa. Essa culpa pode se intensificar quando os pais valorizam

demais o fato de proporcionarem um alto padrão de vida aos filhos lembrando dos

sacrificios que passaram para chegar à situação de conforto. Assim, além de

culpados os filhos também podem se sentir em eterna dívida com os pais.

A culpa e a ansiedade de uma pessoa podem também ser consequências do

desejo de poder. Primeiramente, como colocam ZALESNICK & DE VRIES

(1975,p.42), "aquilo que deseja fazer a outras, a pessoa receia que façam a ela, e

esse efeito recíproco gera ansiedade. Uma segunda consequência é a culpa

decorrente de abrigar desejos ilícitos e de deixar de observar padrões de conduta

que a pessoa mantém na sua consciência e nos seus ideais". Neste sentido, a culpa

pode funcionar como um "freio" na busca pelo poder. Mas também pode ter o efeito

contrário. Pelo menos é o que parece ser o caso de Antônio Ermírio de Morais da

Votorantim. Obcecado pelo trabalho, Antônio pode ter se apoiado na culpa para se

dedicar com tanto empenho ao trabalho e à empresa. Segundo disse um de seus

amigos mais íntimos à Revista Exame de primeiro de Abril de 1 992, "a entrega

obsessiva de Antônio Errnírio ao trabalho foi a forma por ele encontrada para que

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94

sinta merecedor de sua situação econômica privilegiada, num país em que há tanta

pobreza."

4.7 RN ALIDADE

A rivalidade é outro sentimento muito presente em empresas famíliares,

principalmente envolvendo o pai, fundador, e filho, sucessor. Segundo KLEIN &

RIVIERE:

"O impulso em direção à competição, e a rivalidade de modo geral, provém

de diversas fontes de interação, autopreservadoras, sexuais e agressivas.

Em certo grau é, naturalmente, um traço do caráter em geral normal e útil.

Quando se encontra gravemente inibido encontramos, escondida nas

profundezas da mente, uma atitude derrotista. A pessoa não confia em si

mesma para empenhar·se em luta contra as outras, ou para vencer, sem

ocasionar a estas um mal irreparável, e sem ser ela mesma severamente

punida por se arriscar a causar-lhe esse mal. Um desenvolvimento

exagerado do impulso de competir pode conduzir a um intenso sofrimento

mental e a um constante desentendimento nas relações humanas, embora

podendo ser fonte de consideráveis realizações ..... (Klein & Riviere, 1 970,

p.64/65)

A rivalidade entre pai e filho como aponta LEVINSON ( 1974) é um

fenômeno que tem origem com o Complexo de Édipo. Ela se inicia com o desejo da

criança de sair de sua posição de fraqueza e incompetência ao emular o pai (no caso

do filho homem), tentando tomar o lugar do mesmo aos olhos da mãe. Idealmente, a

rivalidade é "resolvida" quando o filho reconhece que não pode competir com o pai

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pela atenção e afeto da mãe, mas que se puder ser como o pai obterá alguém como a

mãe. Contudo, esse processo de identificação muitas vezes é mal-sucedido. Se a

criança sente que foi excepcionalmente frustrada nesse intuito, pode, ao se tomar

adulto, experimentar uma rivalidade excessiva. LEVINSON coloca que

"algumas vezes a rivalidade se perpetua quando o filho ainda acredita que a

mãe o prefere em relação ao pai ou que ele ainda pode ganhar a 'batalha'

contra o pai. Essa rivalidade não resolvida se torna inconsciente. Ela

geralmente se reflete na intensa e agressiva competição com o pai e

subsequentemente com outros . . ..... (Levinson, 1 983, p.73)

Outros podem ser os irmãos.

LEVINSON (1971) acredita ser a rivalidade o conflito fundamental na

empresa familiar. Nas próximas seções estarão destacadas a rivalidade entre pai e

filho, a rivalidade entre irmãos e entre outros membros da farnilia. Além disso, se

verá como a empresa familiar influencia na formação do grupo em uma

organização.

4.7.1 Rivalidade Entre Pai e Filho

Levinson acredita que a empresa tenha um grande significado simbólico para

o fundador. Em função disso e de problemas psicológicos que provêm da infância,

ele tem grande dificuldade em delegar autoridade. Quando se aproxima a sucessão,

ele se recusa a se retirar do comando da empresa, agindo sob influência do

Complexo de Édipo.

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Levinson afirma que este tipo de comportamento tem grande impacto na

relação entre pai e filho. Mesmo se, por um lado, o fundador, conscientemente,

tenha o desejo de passar a empresa para o filho e que este se desenvolva como

pessoa, por outro, inconscientemente, acredita que, se deixar a empresa irá perder

sua masculinidade. A própria presença do filho homem na empresa também pode

representar uma ameaça a sua masculinidade. Ainda de forma inconsciente, o

fundador precisa continuar a mostrar sua competência, isto é, sua capacidade de

continuar conduzindo a empresa sozinho como sempre fez.

LEVINSON (1974) defende que quanto mais dominante o fundador, mais

poderoso é dentro da empresa e maior é sua dificuldade em escolher seu sucessor.

Duas razões despontam para isso: primeiro, devido a sua grande rivalidade, o

fundador não consegue apontar pessoa capaz de ser tão bom ou até melhor que ele.

Segundo, ao acumular um grande poder, o fundador contribui para que seus rivais

(ou aqueles que desejem o poder) saiam da empresa.

Levinson acredita que a rivalidade do filho é um reflexo da do pai. O filho

entra na empresa com desejo de crescer, ganhar mais responsabilidades e liberdade

de agir por conta própria. Todos esses desejos, contudo, são muitas vezes frustrados

pelas atitudes do pai e dificultam a presença do filho, ao qual não quer "passar a

bola".

Para Levinson, o filho se percebe encarado ainda como uma criança pelo pai,

que por sua vez demonstra, muitas vezes, arrogância, falta de confiança e desprezo.

Além disso, o filho, na empresa, está financeiramente dependente do pai que nomeia

e promove os funcionários. Como as atitudes do pai neste âmbito também são

imprevisíveis, a dependência se toma dificil, causando um grande ressentimento por

parte do filho e um agravamento da relação com o pai.

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Como resultado da situação, o descontentamento, o ressentimento e a raiva

tendem a se manifestar. Os filhos se tomam muitas vezes hostis com seu pai

(posteriormente o filho pode se sentir também culpado por esta hostilidade). Já o pai

vê no filho um ingrato, incapaz de apreciar os sacrificios que sempre fez por ele e

pela família.

A hostilidade como forma de manifestação da rivalidade entre pai e filhos e

entre irmãos é também uma característica do tipo de sistema familiar "sensível ao

consenso" como foi destacado no item 3.3.2 . DAVIES (1983), se referindo entre a

hostilidade entre irmãos, aponta que esta pode chegar ao ponto em que a empresa,

como saída para os conflitos, é dividida em unidades separadas entre os irmãos.

4.7.2 Rivalidade Entre Irmãos

A rivalidade também aparece entre irmãos. Começa na infância e em muitas

famílias se desenvolve até a fase adulta. Na empresa, essa rivalidade chega ao ponto

em que cada decisão é motivo para disputa entre os irmãos. É realçada, segundo

LEVINSON (1971), quando o pai age de forma a colocar os irmãos uns contra os

outros, ou quando escolhe um deles como o seu grande sucessor. Na escolha, o

fundador e pai, "esbarra" na idéia de que para os pais, os filhos são iguais e amados

da mesma forma e intensidade. Embora os pais neguem, muitos, têm de fato uma

preferência. Diante disso, como dar o comando da empresa a um e não dar a outro

sem gerar discórdia e rivalidade?

Há algumas diferenças a considerar entre o comportamento dos filhos.

Levinson compara o filho mliÍs velho ao filho mais novo.

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"Comumente, o filho mais velho sucede ao pai. Este costume reafirma a

crença do irmão (ou irmãos) mais novo de que o mais velho é de fato o

favorito. Em qualquer tipo de evento o irmão mais velho frequentemente tem

uma atitude arrogante em relação ao mais jovem. Na infância, o irmão mais

velho é maior, fisicamente mais forte, mais competente, e mais sabido que o

mais novo meramente por causa da diferença de idade . . . .. (Levinson,

1 971 ,p.94)

98

Levinson lembra que raramente o irmão mais novo consegue igualar seus atributos

com os do irmão mais velho antes de chegarem à idade adulta. Quando esta chega,

muitas vezes a diferença entre ambos já está tão consolidada na relação, que o mais

velho tem dificuldades de olhar para o mais novo e admiti-lo tão competente e capaz

como ele.

Além disso, o irmão mais velho, por entrar primeiro em contato com os pais,

em geral recebe por parte destes um controle mais forte. Em consequência, os

irmãos mais velhos tendem a desenvolver um comportamento mais rigido, serem

mais exigentes consigo mesmos e dar muito de si. Sendo verdadeiros juízes de si

próprios, os mais velhos também acabam muitas vezes querendo fazer o mesmo com

mais novos, ou seja, ser seus juízes.

Levinson aponta que o irmão mais novo geralmente tem dificuldade de

superar os problemas de relacionamento com o irmão mais velho, principalmente

pelo fato de este último continuar vendo-o como menos capaz, menos esperto. Se,

na empresa, o irmão mais velho, de fato, possui mais poder que o mais novo,

acabar-se configurando o caso de uma profecia que se confirma a si mesma (self­

fulfilling prophecy). Ou seja, o irmão mais novo acaba em posição hierárquica

inferior na empresa.

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Embora esteja lutando por seu lugar ao sol, o irmão mais novo,

inconscientemente, pode estar preso à idéia de que, de fato, é direito do irmão mais

velho ter posição superior na empresa. No caso em que o irmão mais novo ocupe

posição superior em relação ao mais velho, pode ocorrer-lhe sentimentos de culpa

por ter "atacado" o mais velho e tomado o lugar que era seu de direito.

A revista Exame noticiou em primeiro de abril de 1992 que os membros do

alto comando do Grupo Votorantim - leia-se José Ermírio de Morais, Antônio

Ermírio e Ermírio Pereira (segunda geração familiar do grupo) - iriam para o

Conselho de Administração e dariam lugar aos seus respectivos primogênitos, todos

funcionários do Grupo." Vamos abrir espaço para os mais jovens", disse José

Ermírio.

Na véspera da data da execução do plano Antônio Ermírio mostrou que as

coisas não seriam como anunciadas. "Esse negócio de sucessão com data marcada

não existe, essas coisas têm que acontecer de forma natural". "Naturalmente" parece

ser a única forma pela qual Antônio Ermírio parece admitir deixar o poder, ou seja,

quando morrer. A sucessão, que parecia ter mais da simpatia de José Ermírio, então

com 65 anos, parece não ter podido andar sem o aval de Antônio Ermírio, então

com 62. "A sucessão está adiada. Por enquanto fica tudo como está, e nem sabemos

quando voltaremos a tratar desse assunto. Agora não é hora de mexer no grupo.

Sinto-me feliz assim; por que aposentar-me?", pergunta Antônio Ermírio. Por outro

lado, Antônio Ermírio parece não ser radical em relação ao assunto, embora este

pareça de alguma forma irritá-lo: "o primeiro sinal de que um homem está

esclerosado é quando ele perde a capacidade de fazer autocritica, e isso eu não

perdi. Só um imbecil não sabe que, a cada dia que passa, estamos todos mais perto

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1 00

do outro lado e que o cemitério está cheio de insubstituíveis. Não é por falta de

herdeiros que vamos deixar de fazer a sucessão."

4.7.3 Outros Envolvidos e a Formação do Grupo

A rivalidade entre pai e irmãos pode atingir outros membros da família,

estejam trabalhando ou não na empresa. À medida que crescem a rivalidade e a

disputa na empresa, é comum que os lados procurem apoio entre os membros da

família. Aí, entram em cena a mãe (esposa) e os herdeiros que mesmo não

trabalhando na empresa contam com ela para sobreviver e/ou participem de seu

conselho ou tenham ações.

Dentre essas pessoas, a mãe (esposa) tem destaque. Como a maioria dos

casos de sucessão ocorre entre pai e filhos, o papel da esposa parece secundário.

Muitas esposas, contudo, têm grande força no andamento da empresa familiar, na

medida em que influenciam significativamente os demais membros da família e

influem nos seus relacionamentos.

BARNES e HERSHON (1976) constataram em sua pesquisa que as

transições ocorrem simultaneamente na empresa e na família, criando em geral

clima de incerteza e tensão. Frequentemente, a mãe exerce influência nos

bastidores, sem muito aparecer. Ela acaba por apaziguar muitos conflitos, por ser

uma pessoa, em geral de fora da empresa, mas com alta credibilidade sobre os que

estão dentro. As mães também podem se sentir atingidas pela sucessão já que

muitas se beneficiam do prestígio e poder que possuem em função da empresa.

Trabalhar na empresa da família pode levar ao fim de muitos

relacionamentos familiares mas também pode torná-los mais sólidos. O convívio

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diário, o enfrentamento conjunto de problemas, a partilha de dificuldades, a

superação de obstáculos, a conquista em conjunto, são acontecimentos que estreitam

as relações entre aqueles que estão na empresa, dando-lhes a sensação de pertencer

a um grupo e fazendo com que acreditem que juntos poderão conquistar outras

coisas no futuro. Desta forma, trabalhar juntos na empresa pode fazer com que pai e

filhos desenvolvam entre si urna identidade.

A formação do grupo é uma forte barreira à explosão dos sentimentos de

aversão e hostilidade, como coloca Freud:

"Quando o grupo se forma, a totalidade dessa intolerância se desvanece,

temporária ou permanentemente, dentro do grupo. Enquanto uma formação

de grupo persiste ou até onde ela se estende, os indivíduos do grupo

comportam-se como se fossem uniformes, toleram as peculiaridades de

seus outros membros, igualam-se a eles e não sentem aversão por eles."

(Freud, 1 921 , p.1 29)

Freud ( 1 921) explica que a união entre líderes e seguidores está baseada na

tendência das pessoas a se identificar com outras a seu redor. Ao mesmo tempo que

os seguidores se vêem entre si como iguais, eles se identificam com o líder. Num

ambiente onde coexistam líderes e seguidores, o seguidor vê no outro seguidor uma

pessoa como ele e, simultaneamente, se identifica com o líder. Assim se cria o

grupo. Enxergar o outro à sua semelhança desperta no grupo sentimentos de união e

de pertencimento, como também garante o sentido e a razão para fazer as coisas. A

pré-condição para o sucesso desse processo de identificação é a ilusão de que ele é

mútuo, e que o líder ama a todos da mesma maneira.

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102

A identificação, como descreveu FREUD (1921 ,p. 133), "é a mais remota

expressão de um laço emocional com outra pessoa". Normalmente nos grupos o

líder substitui na mente dos seguidores a figura do pai; de um pai que ama a todos

os filhos de maneira igual e que aplica esse amor na vida real e que por isso

possibilita à família ser o "grupo natural". Na empresa familiar, o processo de

identificação dos seguidores em relação ao líder tem uma intensidade que talvez

nenhuma outra organização possa permitir. Tal intensidade é consequência de o

líder ser ao mesmo tempo o pai de seus seguidores, seus filhos. Em empresas não­

farnilires é possível que seguidores não vejam o líder como substituto para seus

respectivos pais, o que poderia ameaçar a unidade do grupo. Essa ameaça não existe

na empresa familiar. Além disso, os filhos naturalmente desejam se identificar com

os pais. Assim, a formação do grupo na empresa e sua perpetuação pode representar

a concretização deste desejo, gerando um enorme potencial para o grupo na empresa

familiar.

Quem pode sofrer nesse caso são os familiares que não estão na empresa e

não podem vivenciar as situações que o grupo vivencia. No caso do filho que não

trabalha na empresa, tal situação pode gerar um sentimento de ciúme da relação

does) irmão(s) com o pai e de inveja pela posição que alcançaram. Como coloca

FRISHKOFF,

"indivíduos que não são parte ativa da empresa sentem que não pertencem

mais à famflia; eles se sentem como outsiders. Isto cria uma certa dístância

não amigável e desconfortável para os membros da família, assim como um

desejo de maior aproximação emocional. H (Frishkoff, 1994,.72)

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CAPÍTULO 5

ENTREVISTAS E ANÁLISE

103

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1 04

5.1 APRESENTAÇÃO

Neste capítulo serão apresentados os resultados de cerca de sete horas de

entrevistas realizadas junto aos membros da família Font, dona de uma empresa

familiar. O objetivo das entrevistas foi tentar confirmar ou não os conceitos, idéias e

hipóteses apresentados nos capítulos anteriores. A história da família Font parece

ser bastante representativa, ilustrando experiências que podem vir a aparecer em

diversas outras famílias.

Entretanto, nem todos os conceitos e hipóteses citados nos capítulos dois,

três e quatro serão passíveis de análise. Alguns destes conceitos, necessitariam de

um maior aprofundamento e detalhamento por parte dos entrevistados no conteúdo

de seus depoimentos, o que não foi possível durante as entrevistas.

5.2 BREVE DESCRIÇÃO DA FAMÍLIA FONT

• Fernando Font é o pai, tem 61 anos, filho de imigrantes judeus, engenheiro de

formação e empresário (trabalhou quase toda a vida como administrador). Viveu

uma inf'ancia bastante modesta em termos de recursos. Quando criança também

perdeu o pai. Nos anos 60, casou-se com Júlia e teve três filhos: Joana, hoje com

30 anos, Diogo, 27 anos, e Tiago, 25 anos. Depois de formado, trabalhou em

empresas privadas e no governo federal. Nos anos sessenta, fundou em sociedade

a CETIM, uma empresa de empreendimentos. Cerca de dois anos depois, se

tomou o sócio único e a empresa passou a se chamar SATURNA atuante no

mercado da construção civil. Em paralelo, desenvolveu a GRANJA

ARCOVERDE que vendia frangos e a FÉRTIL, uma empresa de reflorestamento.

Em meados do anos oitenta, com a crise no mercado da construção civil, fechou a

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Saturna. Nos anos noventa fechou também a Granja Arcoverde. Hoje, as

atividades se concentram na Fértil, que passa por momentos de dificuldade

financeira, e na MOON, uma empresa de importação com cerca de um ano de

vida. Enquanto a Fértil é de propriedade de Fernando e Júlia, a Moon é uma

empresa que tem como sócios Fernando, Júlia, Diogo e Tiago, cada qual com

25% da empresa e todos de fato trabalham nesta empresa. Sua atividade hoje é a

importação de álbuns de fotografia e porta-retratos.

• Júlia Font é a mãe, 55 anos, filha de imigrantes judeus, paisagista. Depois do

casamento, suas atividades se concentraram ao redor da família. Formou-se em

paisagismo depois de casada, mas não exerce a profissão de forma contínua. É

sócia de Fernando nas empresas mas não trabalha nas mesmas, exceto na Moon,

onde possui 25% das ações. Nessa empresa, embora não esteja full-time no

escritório como os demais, Júlia trabalha ativamente, sendo ela quem teve a idéia

original do negócio.

• Joana é a filha mais velha, 30 anos. Formada em Comunicação e Mestre em

Antropologia. Não ingressou nos negócios da família, tomando desde cedo uma

postura independente. Saiu de casa aos 22 anos e hoje mora nos E.V.A. com o

marido norte-americano.

• Diogo tem 27 anos e é formando em administração de empresas. Está há cerca de

cinco anos trabalhando com o pai, não tendo trabalhado em outra empresa

anteriormente. Em 1995, saiu da casa dos pais. Dos três filhos é o que tem mais

facilidade de se relacionar com Fernando.

• Tiago tem 24 anos e é engenheiro. No final do curso de engenharia estagiou no

Banco Nacional e na Ipiranga. Ao voltar de uma viagem após a formatura, foi

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incentivado pelo pai e pelo innão a entrar na finna. Ambos argumentavam que

precisavam dele na empresa. Com algumas dúvidas se deveria aceitar o convite,

aceitou e está há um ano e meio na empresa.

5.3 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

5.3.1 Os Cenários de De Vries

Nos três cenários descritos por DE VRIES ( 1990) expostos no capítulo três,

o autor enfatizou, entre outros aspectos, a ausência do pai afetivamente, como

amigo e companheiro dos filhos. Muitas vezes, isso incentivava um significativo

distanciamento no relacionamento entre pai e filhos. Na família Font, isso não

parece ter acontecido em relação aos filhos homens. O relacionamento entre o pai,

Fernando, e os filhos Diogo e Tiago, parece ter sido bastante próximo, onde

Fernando exerceu forte influência nos valores dos filhos.

Diogo: "Acho que desde lIe pequenininho eu lIve a InHuencia 110 meu pai. Meu pai

sempre loi muito presente."

Tiaoo: "Quando eu era pequeno, a relaçilo com meu pai era ótima, me dava super..IJem

com ele. Adorava meu pai, Bostava lIe Hcar com ele sozinho. E achava que ele me dava

uma resposta, um uatamento especial Eu sentia Isso. E isso me satisfazi. muitO, era isso

que eu Queria. Meu pai era presente."

A proximidade também fez com que Fernando pudesse compartilhar do seu trabalho

- que sempre teve grande importância em sua vida - com seu filhos e também com

Júlia, sua esposa.

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Diogo: "Ele sempre passou para nós o trabalho dele com gramle enUlslasmo, como uma

coisa lalal e Intaressante_ Ele sampre falou da em prosa como se a empresa fosse nossa

empresa, não somente a empresa dele,"

Ao compartilhar da vida que levava na empresa com a família, Fernando

ajudou a reforçar o relacionamento familiar, pois não fez do seu trabalho um tabu

ou algo de sua exclusividade. Além disso, contribuiu para despertar o interesse dos

filhos não somente pela empresa, mas também pelo trabalho. A empresa não se

transformou para Fernando num símbolo de seu sucesso que somente poderia ser

usufruído por ele. Nas suas próprias palavras:

'1m relação ao trabalho, eu nunca Ilarllel o trabalho como se fOsse uma coisa só minha.

Nesse ponto a Júlla sempre fOI uma pessoa multo abena, ela participava e participa

muito e eu sempre dIVIIII MUito o trabalho com ell. Então eu sempre dMdl muRo com os

meninos e com a lúlla, O DlOIO era mais interessado, mais partlclpatIVo e o nago

acompanhava um pouco mais de lonle. Eu contava Uldo para a lúlla, conto Ulllo para ela.

Ela participa, dli multas sugestões inUlltiVas e que as vezes são bastante úteis e então

sempre houve essa grande partiCipação lia JÚlia."

Júlia: n • • • no começo, a empresa era uma coisa IIlStante, quase .ue só concessão do

Fernando. Era uma coisa dele e eu Unha um acompanhamento mais superficial. Com o

passar 1I0s anos. esse meu acompanhamento 101 se aprofundanllo ao ponto lIe • lente

conversar muito sobre os negócios, sobre os problemas lia eRlPresa, os

relacionamentos. ISso bem antes de eu ter QUalquer função efeUVa na empresa."

A chegada de Fernando em casa, vindo do trabalho, é lembrada com grande

emoção por Tiago:

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MA chelada do meu pai em casa era um momenlo mullo bom, um momenlo mullo alegre.

Não Unha essa de chegar em casa e mamlar os Hlhos li merda como a lenle escuta sobre

OUbaS famOlas. Ele chegava bem. E eu alnlla pensava 'DO, ele Ui Cheganllo tarde porque

esUi Uabalhando, lue enobrecedor'."

Na família Font, desde cedo, os filhos homens criaram suas imagens em

relação ao trabalho do pai. Talvez pela proximidade da relação, as imagens foram

quase sempre positivas. Pode-se, aSsim, crer que: contar o trabalho para os filhos e

estar próximo a eles, foram dois fatores existentes na família Font que estimularam

em Diogo e Tiago o desejo de trabalhar com o pai na empresa.

Com Júlia, Fernando também compartilhou desde cedo o seu trabalho. Esse

pode ter sido um dos fatores que solidificou a relação um tanto sacrificada pela

grande dedicação de Fernando ao trabalho.

Entretanto, o mesmo não pode ser dito em relação a Joana, a filha mais velha.

Joana cresceu na época em que Fernando estava mais envolvido com o trabalho e

foi a filha que recebeu menos sua atenção direta na inf'ancia.

Joana: H Na infância, apesar da grande Imagem que eu Unha do meu pai, nosso

relacionamenlo era distanle. Eu pouco sabia sobre o uabalho dele, que pelo menos

comigo não era comentado. Eu acho que o esfOrço dele li empresa InHuenclou na

dedicação lue ele pOli e me dar e no nosso relacionamemo, poiS eu não me lembro lIe

passarmos mullo lempo lunlos."

Apesar da proximidade sentida pelos filhos homens, Fernando é capaz de

admitir sua ausência em alguns momentos:

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o Talvez eu nio dei tanta atençio, tania prasança 8slca lIuanlo os pais modarnos 1110

boje am dia, assim de dividir com a mie. Os Dlbos talvez tenbam um pouco de

ressendmenlO porqua au não dei muha alanção para elas quanllo eles aram pequenos,

muho embora a ganta tivesse muitos momenlOs lunlOs, am viagens, nos Dns-de­

semana_ Não acbo que os OIbos tenllam prelulllcallo o meu uabalbo, nem acllo lIue o

uabalbo tanba preludlcado muhO. Talvaz até o Inverso. Talvez ou pullasse tar dallo um

pouco mais de atanção a eles, não sei até que ponto a Joana, prlnclpalmante, resslnta_ A

Joana talvez lenba ressendllo um pouco uma faba de atenção lia mlnba pano. Porllue ela

talvaz sela dos Uês Dlbos aquela lIua tom maIS dmculdada lia ralaclonamanto comigo."

Júlia: "Eu acbo lIue a Joana senUu lIe cena maneira que ela não teve a presença do

Fernanllo assim como o Dlooo e, principalmente, o Dago tlvaram. Era mais dmc" para o

Fernanllo nalluala época, 10110 ampoloado, cbelo da coisas para raarlZar, as coisas

acontacaodo, laroar mdo para ampurrar o carrlnbo lia Joana. Eodo ala dave ter pensado:

'Ab é, vocês preferem esse lado do que o meu, eu também preOro o meu lado do que o

ligado a vocês', Eu slnlO Isso", diz JÚlla.

Diogo: "Eu veio que a Joana tem muhO mello lIe se aproXImar e, ao mesmo te.po, ela

tom uma curiosidade lia sabor o que está aconteceollo na amprasa. Ela não pergunta, e

IIBando a lente começa a falar de uabalbo, ala vira a cara. Mas lIapols, ela pergunta para

mlnba mie sobra o quo astava acontecanllo a Hca muhO ansiosa a sobe lIuando vê que a

gente está preocupado."

Pelas declarações, principalmente de Fernando e Júlia, pode-se apostar que

Joana foi quem sofreu mais com a grande dedicação de Fernando à empresa,

podendo ter se sentido preterida na atenção recebida, principalmente do pai, em

relação à própria empresa, à vida do casal e aos irmãos. A partir daí, Joana adotou

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uma postura quase sempre de confrontação com os pais: teve atitudes "rebeldes":

não viajava junto com a família, buscou um caminho profissional que não

coincidiria com o do pai, foi cedo morar sozinha e, finalmente, foi morar fora do

país. Tal situação familiar - onde a atenção e o tempo de dedicação aos filhos são

sacrificados pela empresa e que DE VRIES (1990) explorou nos seus cenários -

leva muitas vezes à mágoa, ao ressentimento e ao afastamento dos membros da

família. Joana parece ser a "vítima" do ambiente familiar que reproduziu - ao menos

parcialmente - este tipo de cenário na família Font.

No terceiro cenário descrito por De Vries, o autor realça a imagem grandiosa

que os filhos tem do pai empreendedor. A imagem de sucesso e competência do pai

atinge um alto nível na visão dos filhos. Desta forma, a imagem do pai fica perto da

perfeição, idealizada, e é dificil para o filho pensar em competir com o sucesso do

pai e/ou acreditar que o pai também erre na vida. Como lembra Tiago:

"I até bole. bole menos. mas de uns anos pra cl1. eu Unha muRa lIificuldalle lIe ver os

defeitos do meu pai. Um lIefeRo dele me deIXava muRo Irmado. até hole eu nco. Por.ue a

Imagem do meu pai era 110 a lIe um herói. um super-bomem .ue tullo pollla. aue teve uma

Infincla pobre e subiu na Vida com esforço e dellicaçilo. Um vencellor. I o .ue eu me

lembro era o orlulbo que eu sentia lIele por ter sidO um cara que conseDulu sair do nalla

ou quase nalla para uma shuaçilo excelente."

A imagem do pai grandioso pode dificultar o relacionamento entre pai e

filhos quando estes se tomam adultos. Quando adultos, os filhos têm dificuldades de

dismítificar o pai, sentindo-se confusos em vê-lo como um homem capaz de acertar

e errar, de fazer coisas boas e más. Isso parece ser um ponto sensível na relação de

Fernando com os três filhos, embora somente Tiago tenha se manifestado de forma

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mais aberta sobre o assunto. Joana tem também uma imagem grandiosa do pai,

apesar da nítida dificuldade de relacionamento com Fernando.

DYER (1 986) ressalta que a reação dos filhos, ao se sentirem inferiores em

relação ao pai, pode descambar para dois tipos de comportamento: um de não­

confronto e outro agressivo. O comportamento de Tiago, embora não seja de não­

confronto, assume algumas vezes uma atitude agressiva:

nago: "Eu me senda em divida com o meu pai, aoe me proporclonoo todas as coisas,

não tollas, lIas moitas Coisas. E. até hoje eu acho aoe eu me sinto em divida. Eo sinto Isso

e tento me Ilbenar. Apesar de ter dmcoldade, eu tento me Ilbenar e, As vezes, a maneira

de me Ilbenar é meIO drAstica, melo rode. Hoje em dia eo brigo moRo com meu paL com

minha mãe. Tento me opor a multas cOisas que não fazem bem para mim. Eo tento me

opor e a lIaRelra de opor, como é uma coisa complicada e aoe mIstUra seotimemos

muRos prlJDhlvos, sempre é uma maneira muRo fone."

Essa agressividade reflete um tanto da dificuldade de Tiago em se colocar diante do

pai que foi tão idealizado no passado e que agora aparece de maneira mais humana,

com erros e acertos, sendo ora "bom" e ora "mau". Assim, a agressividade de Tiago

parece refletir um tanto o descontentamento de perceber, hoje, o pai como uma

pessoa "normal", ao contrário do super-homem imaginado no passado.

5.3.2 A Organização Familiar

nago: ". Joana e eo conversamos antes dela Ir morar nos LU . . Ela acha que a

famHla era dividida. Um bloco era meos pais, outro era ela, que era mais diSSidente e ale

qoerla oma modança no estilo de vida da famOia. E o outro, o Dlogo, aue era mais

conUnulsta. aceitava mais o esUlo dOS maus pais e se IdanUftcava mais. E au ara muRo

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IIlVldldo enue a famOla e a maneira de ser dos meus pais, toda a segurança .ue ela uazia

e. do ouuo lado. uma rebeldia de querer um nelóclo diferente. realmente diferente. _ Eu

acho que a loana se sendu multo isolada e multo chatealla por estar sozinha. E ela

realmente tem uma vida separalla lia famOla. E agora ela fOI morar fOra. E a Joana vê Isso

como uma consumação. uma consumaçlo da simbiose 110 resto lia famOla. Virou 11110

geléla. _

Os meus pais são multo fechallos e Isso é um uoço bem caracterlsUco deles. Hole

mesmo. na empresa. a gente estava dlscudndo um assunto. e se perluntava 1sso é preto

ou branco;r . E se um IIlzla que era branco. o ouuo dnha que delOnller que era branco

lIesmo. mesmo não achanllo. E. mesmo quando nlo se esta discutindo um assunto

qualquer. de repente surge uma porção de defesas de um para o outro. E o que eu percebi

com o tempo é .ue Isso preludlca o relacionamento. pelO menos o meu relacionamento

com eles, E eu acho Que o 110 Dlogo e lia Joana com eles também. POnlue é como se o

relacionamento InlllVldual não pudesse eXlsUr."

Nas palavras de Tiago têm-se uma explicação para a fonua como a família se

organizar. Os pais, Fernando e Júlia, agiam e agem para manter o paradigma

familiar como colocado por DA VIES (1 983). Assim, se estabelecem como uma

família "sensível ao consenso" na maior parte das vezes. Isso é parcialmente

comprovado pela relação que se estabeleceu entre a família e Joana, única pessoa

que de alguma fonua contestou o paradigma familiar de fonua mais radical. Pode

ter havido uma reação da família ao processo de individuação de Joana, que se

mostrava significativamente oposta ao paradigma familiar. Isso teria reforçado sua

atitude inicial de ter uma vida separada da família.

Júlia e Fernando parecem fonuar um casal do tipo complementar como

definido por KEPNER ( 1983), que divide as responsabilidades na família. Segundo

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a autora, é típico de casais "complementares" a defesa do status quo, onde é

definido claramente o que é certo e errado para os padrões da família. Júlia conta

que Diogo, na imancia, tinha medo de se levantar da cama para ir falar com o pai

quando este chegava à noite.

Júlia: "Eu nio sei se ele [DloIO) linha medo, se era medO lIe infringir as regras."

Isto pode revelar que desde cedo Diogo (e possivelmente os outros filhos)

internalizaram a existência de regras que deveriam ser mantidas.

Joana: "Acho que na nossa 'amOla as lIilerenças Individuais nio eram muito aceilas.

Quando alguém agia conua o que prlnclpalmenle os meus pais achavam lue era errado

havia muita IIlscussíio. EnlrellnlO, as crises lue resulllvalll deSlas .. scussões não eram

solucionadas mas IIlvez esqueclllas, luer dIZer, empurra lias para lIebaiXo do IIpele . . .

Hole, acho lue meus pais, por exemplo, senlem dlnculllalles em aceitar lue oPlel por

uma pronsslo lIilerenle da deles e que, ueSle senUdo, nlo lêm muitO como Inlerlerlr la

mlnha lralelÓrla pronsslonal ", lembra Joana.

Contudo, a família Font age outras vezes como uma família "sensível ao

ambiente", como definido por Davies (vide item 3.3.2) . Percebe-se isto quando os

pais, (principalmente Fernando), mostram suas preocupações com a individualidade

de cada um e apoiam a liberdade dos filhos para traçar as suas vidas. Por exemplo,

numa passagem de sua entrevista, Fernando expôs como ele e Júlia pensavam sobre

a idéia de que os filhos, em geral, devessem seguir o caminho dos pais, ou trabalhar

com eles:

"Nós lemos um amigo por exemplo lue laia: 'Dão, eu acho que meu Hlho lem que

Irabalhar comigo. Eu lenho uma empresa, vou deiXar essa empresa para ele, enlio eu nlo

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perluntel se _ueria ou Rio queria'. Nós ficamos escandalIZados. o pai Impor ao filho

trabalhar com ele."

5.3.3 A Decisão dos Filhos de Entrar na Empresa

Diogo: "Quamlo eu estava fazendo a faculdade de engenharia e resoM largar, eu

nio tinha uma noçio bem clara do _ue Iria fazer. Enlio eu botei num papel todas as

possibilidades Que eu tinha e chamei o meu pai para conversar. Oma das possibilidades

era trabalhar com ele e ele disse _ue gostaria muito. _ue precisava multo. Ele nio fOrçou

a barra para _ue eu trabalhasse com ele, mas ele PDIIOU a sardinha para esse lado e fez

bastante fOrça", dIZ 01010.

Diogo parece ter podido optar sem maiores pressões e com liberdade se

desejava ou não entrar na empresa. Já com Tiago, a situação era bem diferente pois

Diogo já estava trabalhando lá e as coisas estavam dando certo entre ele e Fernando.

Dago: "Quando eu realiZei os meus estálios na Iplranla e no Banco Nacional. eu

passei normalmente pelos processos seletiVos e Isso me dava uma Satisfaçio multo

grande_ Eu achava _ue Quando eu safsse da faculdade e fosse trabalhar numa empresa.

sendo contratado pelos meus mémos, Que Isso Iria me trazer uma grande sansfaçito. Ao

mesmo tempo a empresa do meu pai tava passando e ainda tá por um momento dlftcll.

Era um nelóclo de 'Vem, vem aiudar a gente'. E Unha um aspecto Interessante de estar na

empresa 110 meu pai, de pOder dar a minha conUlbulçito e ter uma Innuóncla multo maior

sobre os resultados. Eu fiquei dIVidido e cerca de um mês depois Que eu voltei de Viagem

eu acabei Indo trabalhar com meu pai. Da outra pane, a minha mie me deu multa fOrça

para eu Ir trabalhar com o meu pai e com o meu Irmito. Nio somente fOrça, mas com

comentArlos do tipo: 1Ialo, eles precisam de vocó',"

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Júlia: " . . . O Feraando lostava que o DiolO estava lá trabalbaDllo com ele e o 01010

também lostava de estar lá. Quando fOI a vez do nalo eu senU lIue a empresa estava

precisando de uma outra pessoa Que UVesse o mesmo Interesse .o mesmo envolVimento,

a mesma honesd'ade,lIue pudesse dar alluma coisa de si para lIue a empresa pudesse

crescer Rum momemo .ue a empresa estava precisando. Então eu acho .ue eu esdllulel

para lIue Isso acontecesse e empurrei um pouco para lIue lsso acontecesse no caso do

Tialo. Como a coisa dnha dado ceno com o Dlogo, eu achava Que a coisa mais natural era

Que o Tiago viesse também contribuir. Mas eu sempre achei Que os dois Iriam encontrar

caminhos legais, estando ou não na empresa", lembra lálla.

Diogo: ·_ 0 Tialo demorou muRo a vir trabalhar com a gente."

Um aspecto interessante na frase de Diogo é que, na verdade, Tiago iniciou

seu trabalho com o pai e o irmão cerca de um mês após voltar de viagem que fez

logo depois de sua formatura. De fato, não decorreu um grande periodo até que

Tiago entrasse na firma. A frase de Diogo, assim como a certa pressão de Júlia,

podem significar que, de alguma forma, eles achavam que era dever de Tiago entrar

na empresa, ajudar o pai e dar a sua "contribuição". Parece ter existido,

principalmente no caso de Tiago, pressão para que os filhos entrem na firma da

família como descrita por MILLER & RlCE (1967). No caso da família Font,

contudo, a pressão também se faz evidente entre os próprios filhos.

5.3.4 Modificações nas Relações Familiares

Tiago: "Eu acho lIue eXiste muRo pouca separação entre o ambiente Jamlllar e a

empresa. Hole em dia, o relacionamento trabalho-JamDla está um negócio

completamente misturado. Isto é muhas vezes um negócio não saudável. Por exemplo,

eu tenhO muha dificuldade de me relacionar com meu pai e com a minha mãe, ao mesmo

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lempo, no trabalho porque eles sempre licam se lIellOlleOllo um ao outro. A milha mãe,

por outro lado é uma pessoa que não eSlé muno acosmmada ao trabalho assim de dia-a­

dia em que as coISas precisam ser IInas e mistura muItO as conversas de casa em horas

que são lIe trabalho. Isso me agoniza muito _

Em relação ao meu pai, como a lenle lem am relaclonamenlO prolisslonal muno

Inlenso, alé mesmo Iara 110 trabalho, em casa, nos Iim-lIe-semana, à nane, en não lenho

muno saco para conviver soclalmenle e a genle não lem ddo um relacionam eniO de

amlzade.w

Júlia: "Eu acho que a minha relação com eles IFernando, Dlogo e nago) mudou

depois aoe eo comecei a trabalhar na firma. Acho que hé om eSforço para loe bala uma

mOllança. Mas eu não sei alé loe ponto esté senllo bem Slcedldo. Porque esse ranço

familiar , esses problemas lamlllares acabam senllo transportallos para a empresa. E

10110 monllo se esforça para separar um pouco e, de repenle, alullo escorrega e vira

outra vez. DepoIS lue eu comecei a trabalhar na empresa, a relação com o nago

lIelerioroo. Eu era mais amlla do lIago. O lIalo nio 10lera muno as minhas IImcalllalles

no trabalho, o fala de eu não nunca ter slllO muho boa Im malemédca, por eXlmplo. Ele

licou Impaclenle I lnloleranle comigo e acho que Isso delerlorou a nossa relaçio.

ulla vez eo Ioi melo qoe Impellllla lIe participar lIe uma reunião que eu dnha

muno Interesse em participar. E, lIe repenle, eo Ioi comunicada: 'Não, agora você não

entra aqui: Eu acho que se não fossl lamOla, eles não pollerlam falar assim comigo. Mas,

como é família, pode. Porque se lU losse uma pessoa estranha, loe trabalhasse na

empresa e tivesse om carla lIe lllreção, eles não pOderiam IIlzlr 'não, hole você não

pardclpa'_ A minha expectativa é que, à medida em lue lO fOr trabalhanllo melhor, eles

possam me valorizar maIS e lue lO lInha maIS dlrenOS como froto 110 meo trabalho. Mas,

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hoje, eu me sinto marllnaliZalla por ser mulher, por não estar todos os dias no escrnórlo,

uma série de coisas.

Em termos de casal, as coisas acabaram IIcando mais cansaUVas para o

Fernando. Como eu Oco muno ligada e ansiosa para saber das coisas Quando ele chega

em casa, acho Que ele não conselue dar mais uma lIeslilada. Porque eu cOlleço a

perguntar e a gante começa a lalar da uabalho mais uma vez. A gante tava até

conversando Que talVez seja melhor não lalar da uabalho o tampo todo."

A presença de Diogo e mais tarde de Tiago e Júlia na empresa, representou

uma série de mudanças nos relacionamentos individuais e familiares. Os

depoimentos sugerem que a intensidade do convívio no trabalho extrapola para

outros ambientes e que isso gera inicialmente desconforto e até algum tipo de

desgaste nas relações. Como conseqüência, esse desgaste pode acabar se refletindo

no próprio trabalho tomando as pessoas muito "cansadas" uma das outras. A família

busca um equilíbrio entre o convivio profissional e familiar, tentando não extrapolar

o ambiente profissional e o "falar de trabalho" para fora da empresa. Esse equilíbrio

parece ser fundamental para que as relações não se deteriorem e acabem se tomando

relações somente profissionais, impedindo que a família trabalhe junta

prazerosamente.

5.3.5 O Perfil do Fundador

O perfil de Fernando Font parece ser característico dos fundadores descritos

por ZALESNICK e DE VRIES (1975) e apresentados no quarto capítulo. Os

fundadores tem em comum uma experiência de vida sofrida, passando por uma

infância cheia de dificuldades, algumas dramáticas, que envolveram morte, solidão,

pobreza e a emigração, entre outras. Fernando não foge a regra: filho de imigrantes,

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teve uma inf'ancia pobre, perdeu o pai ainda quando criança e conseguiu estudar

graças a uma bolsa de estudos.

Fernando: ROe um modo leral o que eu me lembro da mlnba infânCia é que ela foi

triste. Teve muRos momenlos alegres mas leve uma carga de trlsleza mURo graOlle e

sombria."

Outra característica marcante de Fernando é o seu desejo de realização,

característica destacada por McClelland e citada por BARRY (1975). A trajetória de

vida de Fernando é um exemplo típico do fundador com alto grau de desejo de

realização.

Fernando: 'logO que eu me formei eu 'li trabalbava como IUnclonlirlo do Banco do

Brasil mas. paralelamenle. eu Unba uma aUVldade de consullorla. Não Isolallamenle, pois

eu Ir8balbava 'unlO • uma nlRla de consollOrla e planejam enio. Pouco lempo depois. uns

quatro anos depois de formado, eu comecei a monlar uma nrma mlnba de consullorla. Foi

quanllo eu vollel da Europa, do eSléllo, mais ou menos dois anos depois de formallo.

ERlão IIi foi um começo, uma lenlaUVa lIe fazer alluma coisa por conla própria. Eu era

IUnclonlirlo do Banco do Brasil e naquela época era considerada uma lias melbores

carreiras em lermos de remuneração, mas eu sempre uve muRo medo de lermlnar a

mlnba vida fazendo carreira como IUnclonlirlo do Banco do Brasil. Endo eu sempre me

preocupei em não me escraviZar no Banco lia Brasil e ler uma coisa assim .ue

dependesse mais de mim .ue dos outros. Endo eu acbo que eu UVe logO essa sensação.

essa VOnla1l8 de l8r aUlonomla. Eu passei a dar aula lambém uns dois ou trls anos depois

lIepols de formado e lIava alia para cursos de aperfelçoamenlo, de pÓS-graduação. Os

meu alunos, muRos deles eram mais velbos do que eu, endo ISSo foi lIando uma

conftança em mim lIe que eu poderia fazer alguma coisa por mim mesmo. Na 18alldalle,

eu Irabalbel como assalariado alé 14 .uando eu passei a ler um ueDóclo que uão era

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100% meu. Era uma sociedade mlnba com um banco de Invesllmento. Eu IInba uma

pamclpação mlnorhárla porque eu 010 Unha capital, mas eu Unba uma autonomia muRo

IraRde na allRlloisuaçlo. Eotlo, Ira praUcamente uma coISa mlnba. Eu trabalbava pra

burro, Virava sábado, lIomlnoo, porque sempre Unba várias coisas mas fOI uma época

muRo sallsfatórla, muRo excRantl I lratlflcante."

As palavras de Fernando corroboram com as características apontadas por

McClelland segundo as quais o fundador é uma pessoa que trabalha um grande

número de horas ("Eu trabalhava pra burro, virava sábado, domingo, porque sempre

tinha várias coisas"), gosta de trabalhos inovadores e do próprío trabalho ("eu

sempre me preocupei em não me escravizar no Banco do Brasil e ter uma coisa

assim que dependesse mais de mim que dos outros. Então eu acho que eu tive logo

essa sensação, essa vontade de ter essa autonomia").

o senso de realização do fundador e sua criatividade podem ser explicados,

segundo Zalesnick & De Vries (op.cit), pelos obstáculos enfrentados durante a

inrancia e juventude. Os autores citam o trabalho de Collins, Moore e Unwalla,

"The Enterprísing Man", onde numa série de entrevistas com cerca de oitenta

empresários, temas como "morte", "fuga à pobreza", "os pais que foram embora",

"fuga à insegurança", foram falados repetidamente. A vivência de situações adversas

e a vontade de vencer tais situações pode ser um dos principais componentes da

complexa personalidade do fundador. Nesse sentido, Fernando tende a se encaixar

no perfil "clássico" do fundador, uma vez que teve uma infãncia sofrida, envolvendo

dificuldades financeiras e a morte de um ente próximo: o pai.

Além disso, as características gerais do fundador apontadas por DYER

(1986) parecem ir ao encontro do perfil de Fernando, caracterizado por uma

personalidade marcante que exerce grande influência no ambiente familiar e no da

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empresa. Em relação à primeira característica, é notório nos depoimentos dos filhos

a importância da opinião e aceitação de Fernando de seus atos. A imagem criada do

pai foi tão forte que chega a ser dificil para os filhos perceberem as falhas de

Fernando. Quanto à segunda, podemos destacar a influência de Fernando na escolha

profissional dos três filhos (os homens seguindo a carreira do pai e a filha buscando

o caminho diametralmente contrário) e na maneira como a família se estruturou

(descrita anteriormente).

Quanto as caracteristicas específicas do fundador listadas por Dyer, nem

todas são presentes em Fernando e algumas não foram possíveis de serem

verificadas. Fernando não parece ser uma pessoa que:

• rejeita ajuda e reluta em delegar coisas para outros ("Tem passado muito, muitas

decisões a gente que toma. Vocês que decidam e depois me digam. Ela não está

decidindo uma porção de coisas mais", diz Diogo. "De repente está acontecendo

alguma coisa importante (no escritório)e eles estão sabendo e eu não estou

sabendo e aí eu posso ficar a tarde toda remoendo, remoendo e eles já

resolveram. O Fernando tem muito este tipo de consideração comigo, ele telefona

e geralmente ele me dá todo esse tipo de atenção", comenta JÚlia.)

• controla e organiza totalmente as atividades tanto da empresa como da família;

• considera a si mesmo "grande demais"

Fernando, por outro lado, parece:

• ser reservado sobre suas atividades;

• desenvolver uma filosofia seguida implicitamente (muito mais importante do que

pai e filho conversem é a observação que os filhos fazem e o exemplo que os pais

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deixam. U m exemplo vale por vinte palavras, por vinte conselhos", é a filosofia

que Fernando usou para educar os filhos.)

Além disso, Fernando parece alternar momentos em que exerce seu poder de

forma arbitrária e inconstante e outros em que é flexível e prega pela participação

dos outros. Não foi possível verificar se Fernando habitualmente desconfia de outras

figuras autoritárias.

Quanto ao perfil narcisista do fundador, Fernando não parece possuir as

caracteristicas citadas por DE VRlES & MILLER (1 990) nem se servir da empresa

como uma defesa para o seu desenvolvimento narcisista na forma apontada por

ZALESNlCK e DE VRlES (1 975) e exemplificada com a história de Henry Ford.

Não foi possível durante as entrevistas com Fernando fazer uma análise da

forma como ele encara a morte e de que forma isto tem influenciado na relação com

os familiares e na empresa.

5.3.6. Poder

A disputa pelo poder no comando da empresa parece não se evidenciar.

Contribui muito para isso: a postura participativa de todos na empresa,

principalmente no que se refere a atividade da Moon, a ascendência que Fernando

exerce sobre Diogo e Tiago e o respeito destes pela sua maior experiência nos

negócios. Talvez pelo pouco tempo relativo em que estão na empresa, Diogo e

Tiago não competem com Fernando pelo poder. Este parece estar disposto a ir

cedendo cada vez mais espaço aos filhos, deixando com que eles cada vez mais

interfiram nas decisões e na estratégia da empresa. Dessa maneira, e levando-se em

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conta a amizade entre Diogo e Tiago, é possível que o poder possa ser dividido,

cada um o exercendo da forma que melhor lhe compete.

Fernando: "Na Moon, eu, a Júlla, o OIogo e o nalo, cada um tem 25% das ações, Então

eles vesUram muho a camisa de donos. E são muho ciosos de que as decisões

estratégicas, as decisões Importantes tem lue ser tom Idas por consenso. As vezes. eu e

a Júlla temos uma opinião, nma determinada Ilnba, então eles relutam e querem dlscuUr,

e a lente então laz discussões até cheglr num acorllo, um consenso. Mas eles realem

muho conua alluma alhulle que a geDte tome e lue esteja conua a OPinião e a visão

deles. Mas. as vezes. eles não estão sempre jUltos. Por exemplo, eu tenho uma opinião, o

nago ouua e o 01010 ftca no melo do caminho. As vezes ele esta mais do meu lallo e as

vezes está mais do lado dO nalo. Mas eu acho Isso bacana, até democrliUco. São

posições vlilldas. lue pollem ser ftlosoftcamente diferentes, mas são genulnas, vlilldas e

acho bacana aue hala opiniões diferentes e aue a gente discuta democraUcamente. E ai

eu e a Júlla procuramos respehar a OPinião deles. As vezes, auando um é voto vencidO

não tem jeho. AI eu digo: lIago, danou-se, foi Uls a um. Não tem Jeho: E ele reconhece: 'ta

bom, eu hll voto vencido, então vamos em frente, vaRlos lazer asslll: As vezes. eu sou voto

vencido. Eu sou o único lue acbo uma coISa mas os ouuos uls são conua e eu aceho.

Quer IIlzer, hlnclona realmente a democracia.", comenta Fernando.

Além do aspecto democrático que predomina na empresa, a disputa pelo

poder é sensivelmente diminuída pelo fato de Fernando estar de fato 'passando a

bola' para os filhos.

Diogo: "Ele (Fernando) tem passado muhas coisas para a gente, muhas decisões é a

gente que toma. Ele diz: 'Vocês é que declllam e depoIS me digam: Ele não está decidindo

uma porção de COISas mais. Ele acha lue a gente têm tanto conhecimento COIIO ele da

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problemliUca a silo lIeclsõas aua nilo vila mudar o rumo da empresa . . . a ele Iam

passallo daclsões calla vaz mais Impomnles."

Tiago: "Na empresa ela lem vonlalle de passar as coisas mas acho que a ganle alnlla

nilo consagulu se enlrosar para ala podar passar a au recebar IIlrallo. Acho qoa as vezas

ale auar passar e eo nilo eSlou com vonlllle e, oOlras vezas. eo eSloo asperando ele

passar, mas nilo vem. Mull8s vezes a maRelra lIala passar é dizendo: ' resolve sozlnbo,

você lem aue aprenller a fazar', ooe é oma maneira vlillda IImbém. Umas vezes. ele qoer

passar as coISas de uma forma mullo minuciosa e oUlras lanlls ele dalxa a genla fazer

IS coISas do ROSSO lello mas chell ulla hora em qoe ele aSloora e luar aua a lenla faça

do lellO dele."

F ernando nota que as vezes os filhos também querem tomar mais decisões na

empresa. E "se unem, me colocando meio de lado como se eu fosse um 'coroa' que

estaria querendo se meter." Não parece existir disputa pelo poder na Empresa.

Contudo, o comentário de Fernando pode ser uma pequena observação de um

movimento dos irmãos em busca de uma autonomia ainda maior. Como estão

bastante unidos, essa busca tende a ser feita em conjunto pelos dois "contra" a

hegemonia do pai.

5.3.7 Inveja

Júlia: "_ E nessa altUra do 1010 lambém au slnlo uma Invela por elas nilo precisarem

eSlar lendo que 10llr IInlO quanlo eu. Palie sar qoa eles lambém lanham IUIIS mas para

ales as 10llS são menores. Poraoa cada um lIeles lli Iam uma POSição lIafinlda, ou por

aSl8ram formados ou por lli leram acumulado uma capacidade Inlrlnseca. E eu não lanho

assa capaclllada, enlão eu me SIRlo mais enfraquecida. Nas IUIIS alas asilo mais

fonalecldos masmo para Imr enlre elas por uma opinlilo, por ulHa slmaçilo, por uRla

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lIiverlêncla e eu sinto Invela disso. E acbo lue Isso preludlca na empresa. nas

discussões."

Fernando: "Eu acbo Que a lúlla sente mulla Invela do meu relacionamento com os

rapazes. Hole mesmo ela falou: 'puxa, Que Inveja Que eu tõ de vocês Que tavam boje la no

escrltárlo'. Acontece Que alora lue a lúlla trabalba conosco tem muItOs assunlOs lue

estio borbulhamlo la no escrltárlo e Que ela, multo justamente, gostaria de saber. E as

coisas 'pIntam', acontecem la no escrltárlo. Então ela acaba sabendo das noticias

'reQuenta"as', ilI noite, Quando eu cbelo em casa ou Quando ela IlIa para o escrllárlo. E.

multas vezes, lue ela Illa eu dlIO: 'Iúlla, alora eu não posso' e ai ela Insiste: 'Mas conta

como 101 a reunião'. Collada, multo genuinamente e lusUficadamente pois a vllla lIela

também ta envolvllla com nisso ai e ela sente lnvela Que estou junto. Ela sente lnvela Que

eu saio para almoçar 10110 IIla com eles. Ela 1I1z: 'ali, você 101 almoçar IOra com elesi' Então

eu Quero Jantar lora também'. Então ala senta, fala e admite Que tem Invaja 110 meu

relacionamento com eles." - Fernando.

Pelos depoimentos de Fernando e Júlia, nota-se que a inveja aparece na

família Font de uma forma distinta da chamada 'inveja entre gerações ' citada por

DE VRIES (1 991). Júlia admite sua inveja da capacidade do filhos e por estes terem

maior desenvoltura na empresa. Sua inveja, entretanto, não parece motivar qualquer

ação destrutiva em relação aos mesmos. Fernando, por outro lado, não parece

exercer nenhuma ação contra os filhos que se possa atribuir à inveja. Ele,

provavelmente, se enquadra no tipo de pai descrito por De Vries que tem orgulho de

ver no filho uma continuação de si próprio e de verificar que este filho está

seguindo os seus passos.

Em relação às três formas de inveja destacadas por De Vries - "idealização",

"retirada" e "desvalorização" - pode-se perceber que:

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• Apesar da grande admiração que todos os filhos sentem por Fernando, em

nenhum deles essa admiração tomou a forma de idealização descrita por De Vries

que muitas vezes impede o desenvolvimento dos filhos.

• A "retirada", na forma como destacou De Vries, também não é evidente.

Contudo, Joana, desde cedo em sua vida optou por um estilo de vida alternativo

aos padrões da família, que pode ser fruto, entre outras causas, da inveja do

relacionamento dos pais e da atenção maior dada aos seus irmãos, como

comentado por JÚlia.

• Não são notados traços da "desvalorização" nos membros da família Font.

5.3.8. Culpa

Diogo: "Eo Qoero resolver o problema dele (Fernando) Qoe é vender a seRarla. En

nilo qnero deiXar ele com esse pepino para resolver _ eo nilo poderia deiXar ele sozinho

_ O meo pai sampre foi o mao masUe. mas eo nilo me sinto davador dala. Eo nilo sinto qna

eo tenha obrllaçilo de fazer Isso por estar devendo alloma coisa a ele. l oma coisa qoe

ao lenho .oa fazar. nilo lenho oma conclnsilo mollo Clara do por.oê disso. Nilo sei se é

oma coISa da minha famma. da uadlçilo lodaica. coltOral. Eo velo aoe moitas pessoas nilo

silo assim. mas eo lenbo asse relaclonamanlO 110110 préximo e valo Isso com meos

Irmilos também. Alé a minba Irmil. Indo no senUdo conUArio. en velo lIoe é caosa da

mesma edocaçilo aoa eo UVa. Eo slnlO a fOrça .oa ela é obrigada a fazar para Ir no lanlldo

conlrArlo. Ela tem qoe fazar om a&forço mollo granda para ISSO e ala nilo se aproxima

por.,e a força da uaçilo. a auaçilo é mollo grande. E o meo Irmilo nilo qoer ftcar mollo

preso. mas acaba ftcando e se senle colpado e ele costoo mollo a vir uabalhar com a

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gente pela culpa, pelo mello de licar preso. E acabou vlmlo e ta se sendnllo

razoavelmente preso e tentanllo não mosDar, mas tá. n

Tiago: M • • • eu sempre tIVe dificuldade em negar Qualquer coisa para o meu paL

Num dia ele chega e diz: 1Iago, voci tem que fazer Isso." E, multas vezes, eu lazla sem

vontade e com extremo mau humor. Isso acaba renednllo na minha relação com ele . . . Se

ele me pede alguma coisa e eu sei que eu não tenho a obrllação de lazer, eu Oco mexlllo,

com meus sendmentos conlUsos. Por exemplo, até um tempo auás uma cara leia 110 meu

pai era algo muRo pesado, multo IOne. Eu me senda multo mal. Eu me senda culpado. Hole

está um pouco melhor mas eu ainda me sinto culpado_

Quanllo eu niio tava uabalhanllo com ele eu me senda melo culpallo de não tar lá

alullando. Eu tava uabalhanllo na Iplranla na época e via lue a sIluaçiio tava IIlIIcll e

conversava também com eles, E me senUa melo culpallo lIe não tar alullando ali no dla-a­

dla_

Eu acho também lue o meu pai se dedica multo mais a empresa 110 que eu. E Isso

é também um aspecto de culpa que eu sinto pela lIedicaçiio que elellá ao Daballlo lue é

multo maior lue a minha. Por exemplo, luando ele acorlla multo cedo, vai para o

computador e bale uma porção lIe canas. Ele prolluz muItO mais. E eu sinlo lue devia

prolluzlr tanlo Quanlo ele_

Sempre me send em IIlvIda com meu pai. De ler lue ler um sucesso eluivalenle

ao que o meu pai teve. E me senUa culpado, não só com ele mas com o mundo, por ter Ullo

uma sltOação privilegiada, ter podlllo estudar em bons colégiOs. de viajar, lIe ler

posslblllllade de praUcamente lazer rodo que eu quisesse."

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Fernando: 'lu lenho um ceno senUmenlO de culpa de que talVez um lIos

componenles do falO dos rapazes estarem babalhamlo comllo seja o fato deles

acharem que lem lue me ajullar. Isso me lia um senUmenlo de culpa. Nio sei alá lue

ponlo Isso á real ou é fantasia minha. A leele la conversou allumas vezes e eu acho que

lenba sido inftuêncla lia lúlla, lIela ler pelllllo assim: 'olha, vocês devem aludar o papar.

Por exemplo, se nio houvesse nenhuma pressio por pane da lúlla, eu nio sei se a

decisão deles babalhar comllo seria a mesma ou se eles pensariam dUerenle."

Nota-se nas palavras de Diogo e principalmente nas de Tiago uma vontade

profunda de fazer algo por Fernando, de corresponder as suas expectativas. E, em

certo grau, um sentimento de culpa em relação ao pai, pelo que ele fez por eles, e

por não atender sempre as suas vontades. Apesar de existir um desejo consciente de

seguir o caminho de Fernando, de trabalhar com ele, nota-se também o lado da

culpa, da pressão de não fazê-lo. Ao falar do momento em que se decidiu pela

faculdade de engenharia (na época, pensou em estudar algo com relação à artes),

Tiago diz: 'eu me livrei um pouco da minha vontade', como se fora um alívio deixar

aquela vontade de lado, isto é, a vontade que o ligava às artes, e poder ter a vontade

de fazer algo que era compatível com a vontade do pai. Estas situações parecem ser

manifestações das dificuldades dos filhos em crescer à sombra de um pai

empreendedor, de muito sucesso e "grande demais" descrita no terceiro cenário de

DE VRIES (1 990).

Tiago considerou bastante se deveria ou não entrar para a empresa da família.

Contudo, é de se pensar que uma grande culpa de não estar ajudando o irmão e

principalmente o pai na empresa, deve ter tido uma grande influência. Como

apontou LEV1NSON (1971), muitos sucessores decidem entrar na empresa

motivados por um sentimento de culpa de não fazê-Io. Na medida em que a figura

de Fernando sempre foi muito importante para Tiago, - que o teve como uma

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espécie de super-herói -, seria um peso enorme e motivo de grande sentimento de

culpa, não atender a um pedido do pai (ainda reforçado pelo pedido do irmão, da

mãe e a situação que a empresa atravessava). Diogo e, principalmente, Tiago

também mostram sentir-se culpados em relação a Fernando por ele lhes ter

proporcionado uma criação num ambiente de riqueza, aspecto identificado por

MILLER & RlCE (1967).

Fernando, ao colocar para os filhos que eles devem rever periodicamente se

estão satisfeitos em continuar trabalhando na empresa, mostra compreensão sobre

as dúvidas e individualidades de cada filho, fazendo possível que estes trabalhem

sem o peso de pensar que estão na empresa para sempre ou até que o pai diga que

eles poderiam sair.

5.3.9. Rivalidade

Tiago: " . . . hole eu não vejo multa rivalidade entre mim e o DiOgo. A genle lem

sido muRo companheiro. se aiudando moRo um ao ootro. Eo slnlo oma rlvallllade com

meu pai por.ue meo pai Quer mostrar .oa é IIlIer. Qoe é o cheia e ali umas vezes a lente

Qoer participar IIlsso e mostrar Qua ele não é o Ifder sozinho. o IIder absolulO sempre. Eu

acho Que ele acredita .oe a ganle lem contribuição para dar e eSllmula Isso. mas Quando

os IInimos se acirram ele leOla blo.uear loda assa coisa Que ele acredita. Mas não é a

maioria das vezes. n

Júlia: "Agora .ue eu eSlou trabalhando com eles exlsle e não exlSle uma

diferença. Eu percebi Que o Fernando não la Hcar moRo feliZ Que eo ncasse no escrRérlo.

Ele alnlla lem traços de machISmo. assim. eu acho Que sa eo ncasse /oll-Umll no

escrRérlo. ISlo ia Incomollar ele. Então eu percebi Qua ao podaria alodar. Que eu pollerla

contrlbolr. Qoa eu lanho alé multa coisa para contribuir mas loe eo lenho Qoe saber me

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manler 111 marlem. Elllão. as vezes é lllfícll para mim porque eu slnlO Isso lullo e Oco as

vezes Irumalla. desaponl8da. chalealla. Na verllalle. a Moon parllu muRo de uma vonlade

minha de lmporlBr élbuns de IOlolraoa que eu vinha pensamlo hé mais lIe qualro anos."

A rivalidade entre Fernando e os filhos descrita por Tiago, parece ser

superada pelo grande sentimento que existe entre eles. Do lado de Fernando, há um

profundo agradecimento pelo fato de os filhos estarem ao seu lado numa hora em

que as coisas não vão muito bem para a empresa. Ao mesmo tempo, Fernando não

parece encarar a presença dos :filhos como uma ameaça a sua posição ou

masculinidade como sugere LEVINSON (1971). Pelo contrário, Fernando

demonstra um forte prazer em ver que seus filhos são também bons profissionais, e

mais que isso, boas figuras humanas.

Fernando: ·0 01010 _ Iem uma senslbilillalle de relacloRamenlO humano e ele lem SiIlO

um pai e uma mãe para mim. Ele é muRo carinhoso. ele procura enlenller os meus

problemas_"

o trabalho conjunto na família parece ter também sacramentado a amizade

entre Diogo e Tiago. Apesar de antigas rivalidades de infância e adolescência ainda

estarem presentes em alguns momentos, como relatou Tiago, os irmãos parecem ter

mínimizado estas rivalidades em troca de uma relação de amizade que, na palavra

dos dois, "se completa".

Fernando, ao contrário dos pais citados por LEVINSON (1971), não age de

forma a colocar um :filho contra o outro. Apesar de se mostrar mais confiante na

experiência que Diogo adquiriu na empresa, não age de forma a preterir Tiago em

relação ao irmão.

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A situação vivida por Fernando, Diogo e Tiago na empresa não corrobora

com a análise de LEVINSON (1971) no que diz respeito a ascensão do irmão mais

velho e a certa aceitação do irmão mais novo de sua suposta posição hierárquica

inferior, tanto na empresa como na família. Para isso, contribui o fato de Fernando

dar autonomia a ambos os filhos em número significativo de decisões da empresa e

também a amizade entre os filhos. Além disso, o fato de a empresa também se

estruturar de forma que os filhos tenham a mesma participação, como é o caso da

Moon, é um estímulo para que os irmãos se vejam com os mesmos díreitos.

A rivalidade entre os filhos e a mãe parece ser a mais complexa. Como

coloca Fernando:

"Eu vejo muna rivalidade enue os rapazes e a lúlla. Eles se senlem muRo aUngldos pela

alenção lue eu .ou para a lúlia e o carinho. e eles são muRo grosseiros com a lúlla e

ualam ela muRo mal. prlnclpalmenle proftsslonalmenle. põem ela lá em baixo. E eu puxo

ela pra cima e defen'o e Isso cria um amblenle muRo chalo."

Diogo e Tiago parecem estar unidos numa repúdia à mãe, principalmente em

questões que se referem à empresa. Pode ser que os filhos tenham algum prazer em

se ver em situação de superioridade em relação a posição da mãe na empresa e pelo

fato de ela depender um tanto deles para o seu crescimento profissional. Por outro

lado, Julia parece exercer hoje também um outro papel para os filhos. Ela parece

absorver grande parte dos sentimentos de tensão, raiva, ciúme, e inveja que se fazem

presentes na família como um todo e que também se manifestam no trabalho da

empresa.

Embora não se mencione claramente, parece haver uma rivalidade de Joana

em relação a Fernando. Talvez sob a influência do sucesso do pai, Joana quis provar

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sua capacidade: foi sempre boa aluna, boa profissional e quis cedo também viver a

sua própria vida, saindo de casa. Tal rivalidade pode ter sido um fator de influência

para que Joana não fosse trabalhar na empresa.

5.3.10 A Formação do Grupo

A formação do grupo em tomo do líder, como descreve FREUD ( 1921), age

como fator impulsionador da união entre os seus membros, impedindo a explosão de

sentimentos negativos e hostis. A família Font parece estar vivendo, com a exceção

de Joana, como se fora um grupo da forma descrita por Freud. A presença de Júlia,

Diogo e Tiago ao lado de Fernando na empresa - todos dispostos a darem o que

podem para melhorar a situação atual - foi determinante para que a família se

unisse. Diogo e Tiago talvez tenham reforçado suas amizades dentro da empresa ao

passarem por um processo de identificação entre si e, em paralelo, com Fernando

como líder do grupo. Essa identificação se toma mais fácil na medida em que ambos

já nutriam uma grande admiração e amor por Fernando, sendo natural também

tomá-lo como líder na empresa. Talvez seja por conta do processo necessário à

formação do grupo que se tenha acirrado a relação entre Júlia e os filhos. Os filhos,

como seguidores, se identificam entre si pois se vêem como iguais, despertando

sentimentos de união e de pertencer a algo. É no mínimo difícil eles verem Júlia

como uma 'igual', pois ela, como mãe, sempre esteve desempenhando um outro

papel, talvez mais próximo do de Fernando. Só que, na empresa, por não ter a

competência e a ascendência de Fernando, Júlia não pode ser a líder. Ela então

permanece num vácuo, sem ser líder nem seguidora.

Como mencionado no capítulo anterior, nas empresas familiares o líder

também é, simultaneamente, o pai e os seguidores, os filhos. Assim, a formação do

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grupo tende a ter uma força especial. E isso parece ser o caso na família Font,

apesar dos problemas que coexistem. Nas palavras de Júlia:

"Eu acho que hole é muRo Imponanle qua a 'amOla eSleia coesa. é uma coisa

ImpresclDllivel. Com isso. cada um se eSforçou para lua Isso aconlecasse_Eu acho que

paio falO de a lanla aSlar unido é uma coisa muRo promissora. Acho lua á uma

lellcldada lmallnar qua assa união vallarar um crasClmanlO para lodos nós."

Quando o grupo se forma, quem está fora dele pode sofrer. No caso, Joana,

pela sua vida independente da família e por sua decisão em não trabalhar na

empresa acabou por estabelecer sua posição fora do grupo. Se, por um lado, sua

posição pode ser racionalmente entendida (afinal, foi o caminho que ela optou

livremente), por outro é dificil negar o estreitamento das relações dos quatro que

estão na firma e um certo distanciamento de Joana com o resto da família.

Coincidência ou não, hoje ela decidiu ir morar fora do país. Em outras palavras, o

trabalho na empresa familiar pode, ao contrário do que se comumente noticia na

imprensa, intensificar a relação dos membros de uma família. E pode afastar os

familiares, não pelas brigas causadas pelas disputas na empresa, mas sim pela

ausência do(s) membro(s) que não participam do grupo que se forma com o trabalho

na empresa.

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CAPÍTULO 6

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

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6.1 AS CONCLUSÕES

Nesta tese, com base no referencial teórico apresentado e no caso da família

Font, buscou-se evidenciar que os relacionamentos familiares, sejam eles

conflituosos ou não, não se confinam ao ambiente familiar. Ao serem transportados

para a empresa, afetam a sua dinâmica. Contudo, as relações na empresa também

geram reflexos na família. Sendo assim, qualquer análise abrangente sobre empresas

familiares deve levar em conta, necessariamente, o aspecto das relações familiares e

a inter-relação família-empresa.

A origem de muitos dos problemas e conflitos familiares que acabam

refletindo na empresa são de natureza do psiquismo humano e se localizam, em

grande parte, na infãncia, decorrente das relações dos filhos com pai e mãe e entre

si. Essa origem distante faz com que seja dificil para as pessoas em geral

identificarem os problemas que reemergem nas relações, levando ao desgaste.

Entretanto, na vida adulta, essas "forças" tendem a provocar tensões e ansiedades

capazes de desvirtuar não somente o relacionamento entre os familiares como

também seus comportamentos na familia e na empresa. Foi comum nos depoimentos

da família Font as referências ao passado, algumas vezes à infância, como maneira

de explicar os comportamentos e relacionamentos atuais da familia.

A forma de organização do casal e do núcleo familiar, na medida em que

influi na individualidade e desenvolvimentos de cada membro, determina em grande

parte os problemas de relacionamento na familia. Geralmente, tais problemas são

resultados da incapacidade da família em aceitar as diferenças que um ou mais

membros evocam. Algumas familias acreditam que diferenças são "perigosas" e

estão dispostas a desestimular a heterogeneidade e, assim, manter o status quo.

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Como consequência, a falta de liberdade individual, de expressão e o

estabelecimento dos mitos familiares, entre outros fenômenos, afetam o potencial de

vida dos filhos, muitas vezes gerando graves rivalidades que repercutem na

empresa. A pouca distinção entre o ambiente familiar e o da empresa é um fator

agravante neste caso, confundindo os interesses da empresa com o convívio social e

amoroso em casa. Nos depoimentos dos filhos da familia Font pôde se verificar

quanto a individualidade e o questionamento das regras, entre outros fatores, eram

importantes.

o pai/fundador é um tipo de pessoa de caracteristicas marcantes e exerce

grande influência na forma de organização familiar, em geral centrada nele mesmo.

Sua personalidade é caracterizada, de um lado, pelos desejos de realização, pela

forma como exerce o poder e pelo narcisismo; e, de outro lado, pela sua maneira de

encarar o envelhecimento vis-à-vis o enfrentamento da morte. Estes aspectos

merecem ser destacados quando se analisam as disputas e os problemas das

empresas familiares de primeira geração. Sem a tentativa de compreensão da

personalidade do pai/fundador é muito difícil entender porque relacionamentos tão

profundos e duradouros acabam por ruir a partir de problemas na empresa.

Tentando-se entender a personalidade do fundador, pode-se explicar porque ele, por

exemplo, age muitas vezes contra seus familiares, tentando impedir sua sucessão

tanto na empresa como na vida. No caso da familia Font foi possível verificar a

preocupação do pai/fundador com o crescimento dos filhos na empresa vis-à-vis a

confirmação de seu próprio sucesso, o que contribuiu para a presença dos filhos na

empresa.

A personalidade autoritária desenvolvida por muitos pais/fundadores impede,

todavia, que estes entrem em contato com os aspectos de sua personalidade citados

acima, o que traz mais dificuldade para os problemas familiares e empresariais.

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Os conflitos familiares podem se manifestar na empresa de diversas formas.

Constatou-se que algumas das formas mais comuns são através dos sentimentos de

inveja, culpa e rivalidade. A empresa é palco para que os membros da família

liberem estes sentimentos entre si, provocando reações que afetam o dia-a-dia da

empresa. Portanto, é fundamental que os membros da família questionem muitos

dos problemas que emergem na empresa à luz destes sentimentos

Embora não se tenha feito propriamente uma investigação psicológica ou

psicanalítica das empresas familiares e de seus membros, foram usados, com grande

valia, alguns poucos conceitos e teorias dessas áreas de estudo. Isto ajudou na busca

de um entendimento mais amplo dos sentimentos que influem na dinâmica destas

empresas e do comportamento típico de seus principais personagens. Quer-se

acreditar que o uso desses conceitos e teorias pode vir a ser útil em outros trabalhos

na área das empresas familiares.

A história da família Font servIU como ilustração para grande parte dos

conceitos descritos nos capítulos três e quatro. Além disso, mostrou como o

processo de sucessão não se restringe à empresa e faz parte da vida familiar. O

"pontapé inicial" do processo sucessório parece ser dado com o próprio nascimento

dos filhos, à medida em que as relações familiares e os sentimentos que permeiam

estas relações vão se repetir na vida da familia na empresa. Assim sendo, a sucessão

na empresa é parte de uma sucessão maior, a sucessão de pais e filhos na vida.

Vale ressaltar que os resultados das entrevistas não são passíveis de

generalizações, seja porque não foi este o objetivo da dissertação, seja porque a

metodologia adotada não permitiria tal procedimento.

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A partir dos dados conseguidos pôde-se efetivamente traçar um perfil da

inter-relação família-empresa com a identificação não somente da maneira de

organização familiar, mas, principalmente, dos sentimentos e emoções que afloram

durante os conflitos.

Mesmo estando limitada ao caso da família Font, a metodologia foi adequada

ao objetivo geral deste estudo tendo proporcionado maior conhecimento sobre tema

tão carente de pesquisa.

6.2 SOBRE A SUCESSÃO NA FAMÍLIA FONT

A sucessão na Família Font está longe de ser definida. É cedo para uma

análise definitiva e mesmo fazer previsões visto que a sucessão é um fenômeno que

observa uma dinâmica própria de cada caso. Todavia, passados cerca de cinco e

dois anos desde que Diogo e Tiago, respectivamente, entraram na empresa da

família (um tempo relativamente curto), pergunta-se: a sucessão está sendo "bem

sucedida"?

Provavelmente, em uma nota de jornal fictícia leríamos a seguinte notícia:

• Rio de Janeiro, 15/03/96 - A empresa da família Font

vive um momento com resultados financeiros negativos .

Coincidentemente, nos últimos anos passaram a trabalhar

na empresa Diogo e Tiago Font, filhos do fundador da

empresa, Fernando Font. Parece ser mais um caso de

sucessão que acaba mal.

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Contudo, como observador privilegiado da "verdadeira" história, posso

propor outra nota fictícia com base na minha interpretação dos fatos observados .

• Rio de Janeiro, 15/03/96 - A empresa da família Font não

atravessa um bom momento financeiro, como é o caso de

grande parte das pequenas e médias empresas nos anos

noventa. A sucessão que se inicia na empresa não parece

ter contribuído para essa situação. Muito pelo contrário.

Diogo e Tiago, filhos do fundador Fernando Font, vão indo

muito bem e dado grandes contribuições para a empresa,

segundo as palavras do próprio Fernando. A sucessão

provocou, contudo, alguns fatos curiosos. Fernando, por

exemplo, revela um sentimento diferente hoje pelos

filhos, uma mistura de maior amizade, gratidão e

admiração. Diogo e Tiago, por sua vez, tiveram a

oportunidade de solidificar seus relacionamentos. É bem

verdade que ambos vêm tendo uma relação mais

desgastante com a mãe, Júlia, que também trabalha na

empresa, e que Joana, a filha mais velha anda meio longe

da família, indo até morar nos E.U.A . . Mas, nada melhor

que ouvir as duas a respeito: 'meu relacionamento com a

minha família tem futuro. Só que, agora que moro muito

longe, vamos ter que elaborar uma nova maneira de nos

relacionar', aposta Joana. 'Todos os conflitos se tornarão

menores pelo poder de coesão entre a gente. No final das

contas, a gente está muito unido', aposta JÚlia. Parece

ser um caso de sucessão que todos querem que dê certo e

por isso não deve acabar mal.

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São apresentadas a seguir sugestões de outras oportunidades de pesquisa em

empresas familiares que despertaram a atenção do autor ao longo do presente

trabalho e que podem aprofundar a compreensão de seus problemas.

6.3 SUGESTÕES PARA NOVAS PESQUISAS SOBRE EMPRESAS

FAMILIARES

As oportunidades de pesquisa no estudo da empresa familiar são realmente

grandes. Para elaborar esta dissertação, passou-se ao largo de vários temas sem

contudo aprofundá-los. Cabe aqui indicar aqueles que no julgamento deste autor

mereceriam o esforço de outras pesquisas. Dentre eles, pode ser citado o aspecto

cultural que envolve as empresas familiares. Analisar a formação da cultura de

empresas familiares no Brasil pode representar valiosa contribuição ao

entendimento do tema. Outro estudo poderia enfocar as influências da origem

religiosa-cultural das famílias fundadoras na história de empresas familiares.

A combinação família patriarcal e empresa paternalista citada por DYER

(1986) poderia ser investigada nas empresas familiares brasileiras. Pode-se

pesquisar a situação dessas familias e empresas, investigando até que ponto, as

situações aqui observadas confirmam ou não as observações feitas por Dyer em

outro(s) contexto(s).

Dado que vem crescendo a participação da mulher na gestão de empresas

familiares, seja como fundadora e/ou sucessora, o tema parece merecer pesquisa.

Outro tema interessante é o "mito" da incompetência gerencial das empresas

familiares. Valeria a pena um estudo mais abrangente que verificasse até que ponto

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as práticas administrativas ditas "produtivas" e "profissionais" são aplicadas em

empresas familiares.

Considerando que no Brasil, muitas empresas familiares estão chegando ou

chegaram há poucos anos na segunda geração parece oportuno investigar o cenário

dessas sucessões, focalizando, entre outros aspectos, o perfil dos sucessores, suas

linhas administrativas e a influência das relações familiares na empresa.

Tendo sido reconhecido reconhecidas as limitações deste trabalho e a

amplitude do tema abordado, cabe sugerir que o modelo conceitual aqUI

desenvolvido seja usado em outros trabalhos com uma amostra maior.

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