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 40  CIÊNCIA HOJE • vol. 37 • nº 221 F Í S I C A  Quando se fala em ressonância magnética nuclear (RMN),  possivelmente a primeira idéia que vêm à cabeça  seja a do equipame nto empregado  para diagnóstic o médico por imagem.  A associação se jus tifica, afinal dezenas de milhões desses exames  são feitos por ano no mundo. Mas a RMN é uma técnica que se estende bem além das aplicações médicas. É empregada hoje como um poderoso instrumento na física, química, medicina, biologia, agricultura e, mais recentemente, na chamada informação quântica, nova área de pesquisa cujo expoente tecnológico mais popular é o computador quântico, que promete ser impensavelmente mais veloz que seus congêneres atuais.  Aqui, o leitor va i encontrar um pouco da história da RMN e a descrição de algumas das principais aplicações. Tito José Bonagamba, Klaus Werner Capelle e Eduardo Ribeiro de Azevedo Instituto de Física de São Carlos, Universidade de São Paulo A RMN  e suas ap 40  CIÊNCIA HOJE • vol. 37 • nº 221 F Í S I C A 

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Quando se fala emressonância magnéticanuclear (RMN),

 possivelmentea primeira idéia que vêm à cabeça

 seja a do equipamento empregado

 para diagnóstico médico por imagem. A associação se justifica, afinaldezenas de milhões desses exames

 são feitos por ano no mundo.Mas a RMN é uma técnica que seestende bem além das aplicaçõesmédicas. É empregada hoje comoum poderoso instrumento na física,química, medicina, biologia,agricultura e, mais recentemente,

na chamada informação quântica,nova área de pesquisa cujoexpoente tecnológico mais popular é o computador quântico,que promete ser impensavelmentemais veloz que seuscongêneres atuais.

 Aqui, o leitor vai encontrar um pouco da história da RMN

e a descrição de algumasdas principais aplicações.

Tito José Bonagamba,Klaus Werner Capelle eEduardo Ribeiro de AzevedoInstituto de Física de São Carlos,

Universidade de São Paulo

A RMN e suas ap

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Com o desenvolvimento da física no início do século passado, foi possívelconstatar que a carga e a massa não eram as únicas pro-priedades das partículas elementares. Descobriu-se, emparticular, que o elétron tem um momento magnético,que foi interpretado como conseqüência do movimentogiratório dessa partícula em torno do próprio eixo ou,mais precisamente, do momento angular intrínseco, cha-mado spin.

O spin só pode ter certos valores, que, no caso do elé-tron, são +1/2 e –1/2. Para outras partículas, os possíveisvalores do spin podem ser diferentes, porém sempre são

limitados a múltiplos inteiros de 1/2. Em outras palavras,o spin é quantizado, ou seja, seus valores variam aos ‘sal-tos’ e não de modo contínuo. Isso foi observado em umexperimento conduzido pelos físicos alemães Otto Stern(1888-1969) e Walther Gerlach (1889-1979), no início dadécada de 1920 (ver ‘Dois experimentos clássicos’).

Mesmo depois da descoberta do spin e de sua interpre-tação como momento angular intrínseco, dúvidas permane-ceram sobre, por exemplo, a questão da sua origem e deseus possíveis valores. Uma resposta mais satisfatória a es-sas perguntas só pôde ser dada após 1928, principalmenteatravés das contribuições do físico inglês Paul Dirac (1902-1984) para a chamada mecânica quântica relativística.

licações atuais

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Estruturas finase hiperfinasOutra conseqüência da existência do spin foi des-coberta na análise da luz absorvida e emitida por

átomos. Ao absorver energia, um átomo abandonaseu estado ‘natural’ (de mais baixa energia) e ficaexcitado. Em seguida, o excesso de energia é de-volvido ao meio na forma de luz (radiação eletro-magnética). Porém, essa luz só é emitida em certasfreqüências – ou seja, é quantizada –, o que dá ori-gem a um conjunto de linhas, o espectro. Esse es-pectro é bem característico para cada átomo, fun-cionando como um tipo de ‘identidade atômica’.

Em 1913, o modelo de átomo apresentado pelofísico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962) levou aprevisões – em bom acordo com resultados experi-mentais – para as freqüências emitidas e absorvidas

É interessante observar que, para ser completa-da, a descrição matemática de uma propriedadeque aparentemente é tão simples – o giro de umobjeto pequeno em torno de si mesmo – precisouesperar o casamento das duas grandes revoluçõesconceituais do início do século passado: a teoria darelatividade restrita, publicada em 1905 pelo físico

alemão Albert Einstein (1879-1955), e a mecânicaquântica, cujo desenvolvimento se deu principal-mente na década de 1920. A primeira modificou osconceitos sobre espaço e tempo, com conseqüênciasprincipalmente para objetos  que se deslocam avelocidades próximas à da luz no vácuo (300 milkm/s); e a outra descreveu os fenômenos observadosno microuniverso dos átomos e das moléculas.

Apesar da complexidade teórica que envolve ospin, essa propriedade pode ser facilmente obser-vada em nosso dia-dia: o magnetismo produzidopelo spin é o responsável pelas propriedades mag-néticas do ferro e de outros ímãs simples.

O experimento feito em 1922 por Stern e Gerlachtornou-se um clássico na história da física do século

passado. Nele, um feixe de átomos de prata atravessao interior de um ímã e atinge uma placa fotográfica.O ímã foi construído com um formato especial, paraproduzir um campo que cresce na direção vertical.

O átomo de prata tem um elétron desemparelhadona última camada e, por essa razão, seu comporta-mento magnético é equivalente ao de um elétron iso-lado submetido à força magnética. Dependendo dosinal do spin  do elétron (+1/2 ou -1/2), ele será de-

DOIS EXPERIMENTOS CLÁSSICOS

Figura 1.Esquemado experimentorealizadoem 1922 porStern e Gerlach

Esse experimento foi realizado de-pois com feixes de elétrons, prótons enêutrons, todos apresentando spin 1/2.

MOMENTOS INVERTIDOS

Em 1934, Rabi e Cohen usaram doisímãs – mostrados na figura 2 como Ae B – com formatos semelhantes aodo experimento de Stern e Gerlach, po-rém invertidos entre si. Entre esses doisímãs, encontrava-se um terceiro (C),cujo campo é vertical e uniforme. Nointerior do ímã C, foi colocada umabobina alimentada por um gerador deradiofreqüência.

fletido por essa força para cima ou para baixo, o quefará os átomos de prata atingirem posições diferentes

na placa fotográfica (figura 1).Stern e Gerlach observaram apenas duas zonas de

impacto. Esse resultado mostrou que o spin  do elé-tron apresenta apenas dois valores permitidos – ouseja, é uma grandeza quantizada –, como propostopelo físico austríaco Wolfgang Pauli (1900-1958) epelos holandeses Samuel Goudsmit (1902-1978) eGeorge Uhlenbeck (1900-1988) para explicar os resul-tados dessa experiência.

 I  MA  G E N  S  C E D I  D A  S P E L   O  S A  U T  O R E  S 

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priedades dos elétrons nele confinados:i) a espectroscopia, técnica na qual os átomos,

ao absorverem e emitirem luz, revelam  seus es-pectros  característicos;

ii) experiências envolvendo campos magnéti-cos, com a de Stern e Gerlach.

DesenvolvimentoespantosoUma evolução importante do experimento de Sterne Gerlach foi introduzida pelo físico austríaco IsidorRabi (1898-1988) e o norte-americano Victor Co-hen em 1934. Esses resultados foram fundamen-tais para o desenvolvimento das técnicas moder-nas de RMN (ver ‘Dois experimentos clássicos’).

Após a Segunda Guerra Mundial, com o desen-

pelo átomo de hidrogênio, que tem o núcleo – forma-do por um próton – orbitado por apenas um elétron.

Porém, o aumento da resolução dos instrumentosrevelou que muitas das linhas espectrais para oátomo de hidrogênio consistiam, na verdade, desubconjuntos de linhas separadas, chamados multi-pletos. Essa estrutura fina, como foi denominada,

colocou em cheque as teorias da época, incluindo opróprio modelo de Bohr. Posteriormente, os experi-mentos trouxeram outra surpresa: até as linhas in-dividuais dos multipletos podem consistir de váriassublinhas, dessa vez batizadas de estrutura hiperfina.

Hoje, sabemos que a estrutura fina se deve aofato de os elétrons orbitarem o núcleo com veloci-dades próximas à da luz, sendo assim sujeitos aefeitos relativísticos.  Já a estrutura hiperfina é ex-plicada pela interação entre o momento magnéticodo elétron e o das partículas no núcleo.

Temos, então, duas possibilidades de sondar,experimentalmente, a estrutura do átomo e as pro-

Rabi e Cohen usaram um feixe de moléculas dehidrogênio e deutério com spin 1/2 – podemos pensarem um feixe de hidrogênio – que atravessava os trêsímãs, passando pelo interior da bobina.

Vale lembrar que um núcleo com spin 1/2 só podeassumir dois níveis de energia. No mais baixo deles,a direção do spin  e a do campo magnético – no casogerado pelos ímãs – estão paralelas ( ↑↑, por exem-plo). Para o nível de maior energia, essas duas gran-

Figura 2. Esquemado experimento realizadopor Rabi e Cohen em 1934

vam antiparalelos. E, nesse caso, o desvio sofrido pe-las moléculas no ímã A não era cancelado pelo desvioem B, e o feixe não atingia o detector, que captavaum número menor de sinais de chegada.

O gráfico da figura 2 mostra que a freqüênciacorreta – chamada de transição – para o núcleo dehidrogênio é de  aproximadamente 4 MHz para umcampo magnético – no caso, gerado pelo ímã C –  de0,094 tesla.

dezas estão antiparalelas ( ↑↓ ).Rabi e Cohen foram capazes deestimar a diferença de energiaentre essas duas situações.

Se a bobina não estivesse emi-tindo  radiofreqüência na freqüên-cia de transição do 1H, seu spin  e

o campo permaneciam alinhadosparalelamente e, portanto, as mo-léculas do feixe sofriam desviosiguais tanto no ímã A quanto no B,atingindo ‘em cheio’ o detector,posicionado em um local estratégi-co para receber esse feixe.  Casocontrário, o spin e o campo se torna-

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volvimento das telecomunicações, surgiram ins-trumentos mais adequados para a realização deexperimentos do tipo proposto por Rabi e Cohen.Por volta de 1945, o físico suíço Felix Bloch (1905-1983) e o norte-americano Edward Purcell (1912-1997) observaram como duas substâncias (água e

parafina) absorviam ondas de rádio – os físicospreferem se referir a esse tipo de onda eletromag-nética como radiofreqüência. De forma indepen-dente, eles acabaram propondo dois métodos deRMN – um baseado em radiofreqüência contínuae outro em radiofreqüência pulsada – pelos quaisreceberam o prêmio Nobel de Física de 1952.

A grande inovação desses métodos, quando com-parados com o de Rabi e Cohen, é que os experi-mentos podiam ser realizados com amostras líqui-das ou sólidas, em vez de feixes moleculares, fatoque trouxe enorme praticidade. Esses métodos sãoempregados até hoje, sendo o método pulsado muitomais utilizado.

Nestas seis décadas desde a inovação propostapor Bloch e Purcell, a RMN desenvolveu-se de for-ma espantosa, sendo útil não só na física e quími-ca, mas também na medicina, biologia, agricultu-ra e, mais recentemente, na chamada computação

Níveis de energiaO experimento de RMN também está baseado naexistência do spin nuclear – dito de forma maistécnica, o spin nuclear é a soma vetorial dos mo-

mentos angulares associados aos movimentosorbitais e dos spins dos prótons e nêutrons queformam o núcleo. Cada núcleo tem seu spin, que,por sua vez, leva ao surgimento de um momentomagnético. Assim como o spin do elétron e deoutras partículas, o spin nuclear é quantizado: sópode assumir valores inteiros ou semi-inteiros (1/ 2, 1, 3/2, ....). Exemplos de núcleos atômicos quetêm essas características: átomos de hidrogênio ede carbono, ambos com spin 1/2, e o de sódio, comspin 3/2.

Quando núcleos atômicos estão sujeitos a umcampo magnético, eles ganham energia magnéticacujo valor depende basicamente de seus spins e daintensidade do campo. Essa energia magnéticatambém é quantizada. No caso dos núcleos de spin

1/2, há apenas dois valores possíveis de energia, ouseja, dois níveis de energia. Para núcleos de spin

3/2, há quatro níveis possíveis e assim por diante(figura 3A e 3B).

A diferença de energia entre níveis contíguosdefine a chamada freqüência de transição, cujovalor – é importante ressaltar – varia com a inten-sidade do campo magnético aplicado sobre o nú-cleo e com o tipo de núcleo. A freqüência de tran-

sição – também denominada freqüência de Larmor,homenagem ao físico irlandês Joseph Larmor(1857-1942) – pode variar basicamente de 10 me-gahertz (10 MHz) a 1.000 MHz, ou seja, está den-tro da faixa de ondas de rádio (ou radiofreqüência)do espectro eletromagnético, que abrange as ondasde rádio, microondas, o infravermelho, a luz visí-vel, o ultravioleta, os raios X e raios gama).

Populações alteradasQuando estamos lidando com uma amostramacroscópica, há nela cerca de 1023 núcleos. Nessecaso, o que determina a população (quantidade)deles com cada um dos valores permitidos deenergia é a temperatura da amostra e o campomagnético aplicado.

Na temperatura ambiente e na presença decampos magnéticos da ordem de 10 teslas (10 T)– para se ter uma idéia, um ímã comum, desses degeladeira, gera um campo magnético cerca de cemvezes menos intenso –, há uma diferença de po-pulação muito pequena entre os níveis, com uma

Figura 3. Níveis de energia e suaspopulações relativas em doissistemas de spins nucleares (S),ambos submetidos a um campo

magnético (B0 ). Em A, estão os doisvalores de energia possíveis paraum núcleo com spin 1/2. A diferençade população entre esses dois níveisdá origem à magnetizaçãomacroscópica (M

0 ). Em B, estão

os quatro níveis de energiapermitidos para um núcleocomspin 3/2. Os círculosrepresentam esquematicamenteo número de núcleos – e,conseqüentemente, o de spins – em cada nível de energia.Em C, a magnetização apontano mesmo sentido do campo

quântica, tópico que discutire-mos mais adiante. Devido a es-sas contribuições, vários pesqui-sadores receberam outros prê-mios Nobel: os suíços RichardErnst (química, 1991) e Kurt

Wüthrich (química, 2002), bemcomo o inglês Peter Mansfielde o norte-americano Paul Lau-terbur (medicina, 2003).

B

A

C

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leve probabilidade a favor de haver mais núcleoscom momentos magnéticos orientados paralela-mente (campo ↑, momento ↑) – pois, nessa situa-ção, os núcleos têm menor energia – do que anti-paralelamente ao campo aplicado (↑↓). Essa dife-rença resulta em um pequeno momento magnético– denominado magnetização nuclear – ‘apontando’no mesmo sentido do campo magnético aplicadosobre os núcleos (figura 3C).

Girando como um piãoSe aplicarmos sobre uma população de núcleosum pulso eletromagnético com a freqüência detransição, faremos com que haja  transições entreos níveis permitidos, alterando, portanto, suas po-pulações (figura 4). Esse fenômeno é chamado ex-citação em ressonância.

Assim, controlando a duração e a intensidadeda radiação aplicada sobre uma população denúcleos, podemos manipular a quantidade deles

em cada nível de energia e, em conseqüência, amagnetização do conjunto de núcleos, que pode-mos pensar como sendo a amostra de um materialque se quer estudar. Por exemplo, se aplicarmossobre essa amostra um pulso eletromagnético coma freqüência de transição e também com a dura-ção correta, podemos fazer com que as populaçõesde núcleos de dois níveis se igualem. Se desligar-mos esse pulso exatamente quando as populaçõesforem iguais, teremos promovido a chamada equa-lização das populações desses níveis (figura 4A).

Quando se igualam as populações de dois ní-

veis, ocorrem fenômenos essenciais para se enten-der como funciona a técnica de RMN:i) a direção do campo magnético e da magnetiza-

ção nuclear – antes alinhados paralelamente – for-mam agora um ângulo de 90 graus entre si; seimaginarmos a direção do campo na vertical, tere-mos a magnetização nuclear na horizontal (figura4A)  – por isso, no jargão da RMN, diz-se que foiaplicado um pulso de 90 graus ou p /2;

ii) após o desligamento do pulso, essa magne-tização nuclear tende a girar em torno da direçãodo campo – movimento de precessão – com fre-qüência igual à freqüência de transição. Uma boa

analogia seria a de um pião girando bem inclina-do, quase resvalando o chão, em torno da direçãodo campo gravitacional terrestre (figura 4B).

Colocando, então, uma bobina em torno daamostra, surgirá – conforme prevê uma lei da fí-sica – uma corrente elétrica induzida na bobinacom freqüência igual à freqüência de transição.Detectando-se esse sinal elétrico, pode-se, então,determinar essa freqüência e, portanto, a diferen-ça de energia entre os níveis de energia dos spins

nucleares (figura 5). Vale mais uma vez lembrarque esse valor da freqüência de transição dependeda intensidade do campo aplicado sobre o núcleo,conforme discutiremos logo abaixo.

Depois que cessa a ação do pulso, os momentosmagnéticos nucleares afetados – nem todos o são,mas a explicação foge ao objetivo deste artigo –voltam à situação anterior ao pulso, ou seja, mo-mento e campo alinhados. Esse retorno dos mo-mentos magnéticos – e, conseqüentemente, dos spins

– ao estado de equilíbrio é conhecido como rela-xação magnética nuclear, e os tempos caracterís-ticos são chamados tempos de relaxação.

Figura 4. Efeito dos pulsos de radiofreqüênciasobre as populações de núcleos atômicos.Em A, o efeito de um pulso cuja freqüênciaé a de transição sobre a população dos níveise o momento magnético nuclear (M

0 ).

Em B, movimento de precessão do momentomagnético nuclear em torno do campo (B

0 )

A

B

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Espectroscopiae relaxaçãoAs freqüências de transição e os tempos de rela-xação dependem do ambiente em torno dos nú-cleos, ou seja, dependem de como os momentosmagnéticos nucleares interagem com outros cam-pos elétricos e magnéticos gerados por outras par-tículas presentes na amostra estudada – por exem-plo, elétrons e núcleos geram campos elétricos e

magnéticos.Essa interação do momento magnético nuclearcom os campos gerados ao seu redor é que permiteà técnica de RMN desvendar características davizinhança dos núcleos e, portanto, fazer uma aná-lise apurada da estrutura e da dinâmica molecularda amostra estudada. Por exemplo: i) as freqüên-cias de transição de um núcleo de carbono (13C) deum grupo químico CH3 são ligeiramente diferentesdaquelas de um pertencente ao grupo CH2; ii) otempo de relaxação dos núcleos de hidrogênio naparafina é diferente daqueles na água, mesmo queo campo magnético aplicado sobre as amostras

dessas duas substâncias seja igual.Essas características fazem da RMN uma das

ferramentas mais poderosas para a caracterizaçãode materiais, tendo aplicação em vários sistemaslíquidos ou sólidos, incluindo plásticos (polímeros),vidros, proteínas, supercondutores (materiais que

conduzem eletricidade praticamente sem resistên-cia), produtos naturais, ligas magnéticas, cristaislíquidos (usados em telas de relógios, computado-res, TV etc.), matéria orgânica dos solos.

Porém, para recuperar as informações sobre oscampos internos e relacioná-las com a estrutura,composição química e dinâmica das moléculas –seja em sólidos, seja em líquidos –, é necessáriorealizar experimentos complexos, geralmente en-volvendo vários pulsos de radiofreqüência aplica-dos simultaneamente em diferentes núcleos atô-micos. O desenvolvimento e a utilização dessesexperimentos é uma das linhas de pesquisa denosso grupo, no Instituto de Física de São Carlos,da Universidade de São Paulo (ver ‘O LEAR’).

Há hoje métodos de análise da matéria (espec-troscopia) por RMN envolvendo uma, duas, três oumais dimensões de freqüência, mas o objetivo épraticamente o mesmo: obter informações cadavez mais específicas sobre a dinâmica e a estrutu-ra de átomos e moléculas da amostra em estudo apartir da interação dos momentos magnéticos (ouspins) nucleares com a sua vizinhança. Um exem-plo de aplicação está na determinação de estruturade proteínas em solução, linha de pesquisa que

deu ao também suíço Kurt Wüthrich o Nobel deQuímica de 2002.

 Janela parao interior do corpoA RMN permite a obtenção de imagens do corpohumano com grande resolução, até escalas meno-res que o milímetro  (figura 6).

A imagem por RMN é basicamente um ‘mapa’da concentração de núcleos de hidrogênio nos  te-cidos. É uma técnica intrinsecamente não invasiva.

Tipicamente, o contraste nessa técnica é obtidopor tempos de relaxação, uma propriedade quedepende das características bioquímicas do teci-do. Esses tempos são diferentes entre tecidos nor-mais e patológicos em um mesmo órgão. Essa ca-racterística, em geral, garante um diagnóstico pre-ciso, sem a necessidade do uso de meios de con-traste adicionais, comuns nas demais técnicas deimagens não invasivas – raios X e tomografia com-putadorizada, por exemplo.

Figura 5. Esquema do equipamento empregado em experimentos de RMN.O conjunto sintetizador-transmissor produz um pulso de radiofreqüência(RF) que alimenta uma bobina, que está mergulhada em um campomagnético (B

0 ). A bobina gera a RF necessária para excitar os núcleos

atômicos da amostra, que se encontra no interior da bobina. O movimentode precessão da magnetização nuclear induz na bobina uma correnteelétrica, ou seja, o sinal de RMN, que é captado pela sonda (antena) e,depois, amplificado pelo receptor e processado por um computador

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Há cerca de 10 anos, começou-se a empregar aRMN para detectar pequenas alterações do fluxosangüíneo no cérebro, mapeando as regiões envolvi-das com certas funções cerebrais, produzindo, as-sim, imagens que revelam o funcionamento desseórgão. Essa técnica é conhecida na literatura espe-cializada como ressonância magnética funcional.

Átomos para fazercálculosA teoria da informação e computação quântica éuma das mais recentes áreas de pesquisa da física.Sua vertente mais aplicada já apresentou ao mun-do – pelo menos, teoricamente – seu desdobra-mento mais popular: o chamado computador quân-tico, que promete ser, de maneira inimaginável,mais veloz que os computadores atuais (clássicos)para certas tarefas.

Em um computador clássico, toda a informaçãoé inserida, processada e lida sob a forma de se-qüências de bits, que podem assumir os valoreslógicos 0 e 1. Recentemente, no entanto, surgiramnovas idéias que propõem o uso de sistemas físicosque obedecem às leis da física quântica – daí onome computador quântico – para processar e ma-nipular a informação.

Enquanto um bit clássico só pode assumir doisvalores distintos – ou seja, 0 ou 1 –, um q-bit  (doinglês, quantum bit ) poderia existir em forma desuperposição, ou seja, é possível criar situações emque tanto o estado 0 como o estado 1 da computa-

O Laboratório de Espectroscopia de Alta Resolu-ção por RMN (LEAR), do Instituto de Física de São

Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), jádesenvolve pesquisa na área de RMN há váriosanos. Na primeira etapa de sua existência, nasegunda metade da década de 1980, foi desen-volvido um espectrômetro com a finalidade deestudar materiais no estado sólido. Após essaetapa, já na década seguinte, o grupo dedicou-seao estudo de diversos materiais.

Em 1998, a equipe do LEAR decidiu iniciar autilização de métodos avançados que permitem amanipulação simultânea de dois ou mais spins 

Figura 6. Exemplos de imagens obtidas por RMN    G    R    U    P    O    D    E    I    M    A    G    E    N    S    P    O    R    R    M    N    /    I    N    S    T    I    T    U    T    O    D    E    F     Í    S    I    C    A    D    E    S    Ã    O    C    A    R    L    O    S    (    S

    P    ) .

nucleares – por exemplo, 1H, 13C e 15N –, estabe-lecendo um ‘diálogo’ entre eles e permitindo aobtenção de informações mais completas sobre anatureza molecular de materiais modernos. Assim,o grupo se fortaleceu na área de desenvolvimento

de métodos de manipulação dos spins , para po-der estabelecer uma ‘conversa inteligente’ com osmesmos através de pulsos de radiofreqüência eobter ‘respostas simples às perguntas formula-das’ através dos sinais emitidos pelos spins , comoum código Morse enviado e detectado pela bobi-na de radiofreqüência.

Desse modo, o LEAR pode realizar os mais va-riados tipos de experimentos, entre eles o estudode novos materiais através de métodos espectros-cópicos e de microimagem e computação quântica.

O LEAR

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SUGESTÕESPARA LEITURA

PANEPUCCI, H.,DONOSO, J. P.,TANNÚS, A.,BECKMANN, N.,BONAGAMBA, T. J.‘Tomografia porressonânciamagnéticanuclear: novasimagens docorpo’ in Ciência

Hoje (vol. 4,n. 20, setembro/outubro de 1985,pp. 46-56).

COVOLAN, R.,ARAÚJO, D. B.,SANTOS, A. C.,CENDES, F.‘Ressonânciamagnéticafuncional:

as funçõesdo cérebroreveladas por spins nucleares’in Ciência e 

Cultura (vol. 56,n. 1, janeirode 2004,pp. 40-42).

OLIVEIRA, I. S.,SARTHOUR, R. S.,BULNES, J. D.,BELMONTE, S. B.,GUIMARÃES, A. P.,DE AZEVEDO, E.R., VIDOTO, E. L.G., BONAGAMBA,

T. J., FREITAS, J. C.C. ‘ComputaçãoQuântica:manipulandoa informaçãooculta do mundoquântico’in Ciência Hoje 

(vol, 33, n. 193,maio de 2003,pp. 22-29).

ZORZETTO, R.‘Átomos parafazer cálculos –físicos brasileirosentram na corridamundial em buscado computador

quântico’ inPesquisa Fapesp 

(edição 86,abril de 2003,pp. 55-59).

OLIVEIRA, I. S.‘Teletransportecom átomos -comprovado ofenômeno quepode viabilizarcomputaçãoquântica’ inCiência Hoje 

(vol. 35, n. 207,agosto de 2004,pp. 9-10).

ção clássica estejam representados simultanea-mente. Por mais estranha que pareça essa pro-priedade, é ela que torna a capacidade de proces-samento da informação imensamente maior, poisvárias operações podem ser executadas simulta-

neamente, o que é conhecido como paralelismoquântico. Já há vários métodos e sistemas candidatos a

implementar experimentalmente os q-bits. Porexemplo, sistemas semicondutores (os denomi-nados pontos quânticos), junções supercondutoras,armadilhas de íons, átomos aprisionados, méto-dos ópticos utilizando fótons, condensados deBose-Einstein (‘estado’ da matéria, a baixíssimastemperaturas, em que um conjunto de átomos secomporta coletivamente, formando uma espéciede ‘átomo gigante’). Entre eles, a ressonância mag-nética nuclear é um dos mais promissores.

A possibilidade da utilização da RMN paramanipular a informação quântica baseia-se nofato de os spins nucleares serem entidades queobedecem às leis da física quântica. Nesse caso,cada orientação do spin nuclear com relação ao

campo magnético aplicado é associada a umestado lógico, e as operações que levam de umestado a outro (operações lógicas) são realizadaspor pulsos de radiofreqüência. Utilizando con-juntos de operações lógicas básicas, váriosalgoritmos quânticos foram demonstrados utili-zando RMN (ver ‘Q-bits em ação’).

Para finalizar, vale mencionar que, no Brasil,há vários grupos de pesquisa que trabalham tan-to no desenvolvimento quanto na aplicação daRMN em física, química, biologia e agricultura,estando eles reunidos na Associação de Usuáriosde RMN (Auremn).  ■

Figura 7.Em A, moléculautilizada parademonstraro algoritmode fatoraçãode Shor utilizando

RMN. Em B, esquemamostrando umaoperação lógica emRMN de doisq-bits

Em 1994, o matemático norte-americano PeterShor, então pesquisador dos Laboratórios Bell(Estados Unidos), apresentou um algoritmo (con-junto de etapas para resolver um problema)que permite decompor um número em seus fa-tores primos muito mais rapidamente que os al-goritmos clássicos.

Um algoritmo clássico levaria 100 mil anospara fatorar um número com 1.024 algarismos(ou bits  ). É nesse pressuposto que está calcadatoda a criptografia atual – utilizada em bancos,sistemas militares e governamentais etc. –, queemprega números com muitos algarismos, que,em tese, demorariam muito tempo para serem

fatorados, mesmo pelo mais veloz dos compu-tadores atuais. No entanto, com o algoritmo de

Shor, um número com 1.024 algarismos seriafatorado em meros 4,5 minutos.

O algoritmo de Shor foi demonstrado usando-se um ‘computador’ quântico – na verdade, umamolécula – com 7 q-bits   (figura 7).  Cada spin 

nuclear mostrado na molécula corresponde a 1 q- 

bit , sendo possível com esse sistema decomporo número 15 em seus fatores primos (15 = 3 x 5).

A técnica de RMN é uma forte candidata àimplementação da computação quântica. Comela, é possível executar operações lógicas so-bre q- bits – no caso, representados  por spins 

em uma molécula – com a aplicação sobre elesde pulsos de radiofreqüência (RF) com freqüên-cia e duração bem determinadas. A figura 7Bmostra a entrada de dados – com os dois spins 

preparados com uma certa configuração –, a

operação lógica sobre eles (pulsos de radiofre-qüência) e a saída de dados, com a nova con-figuração dos dados ( spins  ).

Q-BITS EM AÇÃO

BA