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Robert Harris - Trilogia de Cícero - 01 - Imperium.pdf

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  • Robert Harris

    TRILOGIA DE CCERO 01IMPERIUM

    Traduo de ANDR PEREIRA DA COSTA

    2009

  • memria de Audrey Harris (1920-2005) e para Sam

  • Nota do Autor Muito embora Imperium seja um romance, os acontecimentos nele descritos em suamaior parte de fato ocorreram; o restante no mnimo poderia ter ocorrido; e nada,assim espero (como um refm da sorte), comprovadamente no aconteceu. Que Tiroescreveu uma biografia de Ccero um fato atestado tanto por Plutarco quanto porAscnio; mas esse registro se perdeu no colapso geral do Imprio Romano.Minha dvida maior com os 29 volumes dos discursos e cartas de Ccero conservadosna Biblioteca Clssica Loeb e publicados pela Harvard University Press. Outra ajuda devalor incalculvel foi The Magistrates of the Roman Republic, vol. II, 99 B.C. 31B.C., de T. Robert S. Broughton, publicado pela Associao Filolgica Americana.Gostaria ainda de expressar minha admirao a sir William Smith (1813-1893), queeditou o Dictionary of Greek and Roman Biography and Mythology, o Dictionary ofGreek and Roman Antiquities e o Dictionary of Greek and Roman Geography trsmonumentos grandiosos e insuperveis aos estudos acadmicos clssicos vitorianos.H, certamente, inmeras outras obras de autoria mais recente s quais eu esperopoder agradecer no devido tempo.

    R. H.16 de maio de 2006

  • TIRO, M. Tlio, secretrio de Ccero. No foi apenas amanuense do orador e seuassistente na atividade literria, mas gozava ele prprio de boa reputao, e inventou aarte da taquigrafia, que tornou possvel registrar plena e precisamente as palavras dequem falasse em pblico, por mais rpida que fosse a enunciao. Aps a morte deCcero, Tiro comprou uma fazenda nos arredores de Puteoli, para onde se mudou eviveu, segundo Jernimo, at completar 100 anos. Ascnio Pediano (in Milon. 38) fazreferncia ao quarto livro da vida de Ccero escrito por Tiro.

    Dicionrio de Biografia e Mitologia Grega e Romana,v. III, William L. Smith (Ed.), Londres, 1851.

    "Innumerabilia tua sunt in me officia, domestica, forensia, urbana, provincialia, in reprivata, in publica, in studiis, in litteris nostris..."

    "So incontveis os servios que me prestas em casa e fora dela, na cidade e nasprovncias, nos assuntos privados e nos pblicos, no estudo e na atividade literria..."

    Ccero, carta a Tiro, 7 de novembro de 50 a.C.

  • PARTE UM

    SENADOR79-70 a.C.

    "Urbem, urbem, mi Rufe, cole et in ista luce viva!"

    "Ah! Roma, a cidade de Roma! Meu caro Rufo, a que deves habitar, nessa luz que

    preciso viver!"Ccero, carta a Marco Clio Rufo, 26 de junho de 50 a.C.

  • I Meu nome Tiro. Durante 36 anos fui secretrio particular do estadista romano Ccero.No incio foi um trabalho empolgante, depois emocionante, em seguida trabalhoso, epor fim algo extremamente arriscado. Ao longo de todos esses anos, creio que elepassou mais tempo comigo do que com qualquer outra pessoa, incluindo sua prpriafamlia. Testemunhei seus encontros particulares e fui portador de suas mensagenssecretas. Anotei seus discursos, suas cartas e suas obras literrias, e at sua poesia uma avalanche to grande de palavras que tive de inventar o que comumentechamado de taquigrafia, para dar conta do seu fluxo de produo, um sistema aindaempregado para registrar as deliberaes do senado, e pelo qual fui recentementerecompensado com uma modesta penso. Essa penso, somada a umas poucasheranas e gentileza dos amigos, basta para me manter na aposentadoria. No tenhonecessidade de muita coisa. Os idosos vivem de ar, e eu j estou muito velho quasecentenrio, pelo menos o que me dizem.Durante dcadas aps a morte de Ccero era freqente me perguntarem, geralmenteaos sussurros, quem ele foi de fato, mas eu sempre me mantive em silncio. Como eupoderia saber quem era ou no espio do governo? Eu temia ser expurgado a todomomento. Mas, como estou no fim da vida e j no tenho medo de mais nada nemmesmo de tortura, pois no resistiria um minuto sequer nas mos do carrasco ou deseus ajudantes , resolvi oferecer este livro como a minha resposta. Terei que base-lo nas minhas recordaes, e em documentos que me foram confiados. J que o tempoque me resta deve ser inexoravelmente curto, proponho-me a escrev-lo rapidamente,recorrendo ao meu sistema taquigrfico, em umas poucas dezenas de rolos do melhorpapel escrita hiertica, claro que juntei durante muito tempo com tal propsito.Peo desculpas antecipadas pelos meus erros e pobreza de estilo. Tambm peo aosdeuses que me permitam chegar ao fim da tarefa antes que meu prprio fim seantecipe. As ltimas palavras de Ccero para mim foram um pedido para que eucontasse a verdade a seu respeito, e isso que vou perseguir. Se ele nem sempre foiretratado como um paradigma de virtude, bem, que seja. O poder propicia a umhomem inmeros privilgios, mas um par de mos limpas raramente est entre eles.E sobre o poder e o homem que irei cantar. Ao falar de poder estou me referindo apoder formal, poltico o que conhecemos em latim como imperium o poder devida e morte, aquele de que um indivduo investido pelo Estado. Muitas centenas dehomens experimentaram tal poder, mas Ccero foi nico na histria da repblica namedida em que o perseguiu sem o auxlio de quaisquer outros recursos que no oprprio talento. Ele no vinha, ao contrrio de Metelo ou Hortnsio, de alguma dasgrandes famlias aristocrticas, com geraes de favores polticos dos quais se valerem poca eleitoral. No dispunha de um exrcito poderoso para apoiar suacandidatura, como Pompeu ou Csar. No possua a vasta fortuna de Crasso para lheabrir caminho. Tudo que tinha era a voz. E graas a uma extraordinria fora devontade veio a fazer dela a voz mais famosa do mundo.

  • Eu TINHA 24 ANOS quando fui servi-lo. Ele estava com 27. Eu era um escravo domstico,nascido na propriedade de sua famlia nas montanhas perto de Arpino, que jamais haviasequer visto Roma. Ele era um jovem advogado, acometido de fadiga nervosa e lutandopara superar considerveis incapacidades naturais. Poucos apostariam suas fichasnele.Naquela poca, a voz de Ccero no era o temido instrumento em que mais tarde setransformou, e sim spera e eventualmente propensa gagueira. Penso que oproblema era que havia tantas palavras fervilhando em sua cabea que, em momentosde aflio, elas se comprimiam em sua garganta, da mesma forma que um par deovelhas, pressionadas pelo rebanho, tenta passar ao mesmo tempo por um porto.Seja como for, suas palavras eram muitas vezes rebuscadas demais para que o pblicoentendesse. "O Intelectual", era como seus ouvintes entediados costumavam cham-lo,ou "o Grego" e esses apelidos no eram nada elogiosos. Embora ningumduvidasse do seu talento para a oratria, o porte fsico de Ccero era excessivamentefrgil para suportar sua ambio, e a sobrecarga das cordas vocais, devido a vriashoras exercitando a argumentao, muitas vezes a cu aberto e nas diferentesestaes do ano, podia deix-lo rouco e afnico durante dias. Insnia crnica e mdigesto vinham ainda somar-se a seus infortnios. Sem meias palavras, para seralgum na poltica, como ele desesperadamente queria, precisava de ajudaprofissional. Assim, decidiu passar uns tempos longe de Roma, viajando paraespairecer e, ao mesmo tempo, consultar-se com os principais nomes da retrica, queem sua maioria viviam na Grcia e na sia Menor.Como eu era o encarregado da manuteno da pequena biblioteca de seu pai, epossua algum conhecimento de grego, Ccero me pediu emprestado a ele, assim comoquem pega um livro numa estante, e me levou para o Oriente. Meu trabalho seria o desupervisionar tudo, providenciar transporte, pagar os professores e assim por diante, eaps um ano retornaria ao meu antigo senhor. No final, como costuma acontecer comos livros interessantes, nunca fui devolvido.Ns nos encontramos no porto de Brindisi no dia previsto para a partida. Isso foidurante o governo dos cnsules Servlio Vatia e Cludio Pulcro, no ano 675 depois dafundao de Roma. Ccero ainda no possua nada da figura imponente em que maistarde se transformou, cuja fisionomia era to conhecida que ele mal conseguia andardespercebido pelas ruas mais tranqilas. (O que ter acontecido, eu me pergunto, comtodos esses milhares de bustos e retratos que um dia decoraram tantos lares e prdiospblicos? Ser que foram todos realmente destrudos ou queimados?) O rapazinho queestava de p no cais naquela manh de primavera era magro, tinha os ombroscurvados e um pescoo excessivamente comprido, no qual um pomo-de-ado dotamanho de um punho de beb pulava para cima e para baixo toda vez que ele engolia.Seus olhos eram esbugalhados, a pele amarelada, as bochechas cadas; em suma: eraa imagem da sade precria. "Bem, Tiro", eu me recordo de haver pensado, "melhortratar de aproveitar bem essa viagem, porque ela no vai demorar muito."Seguimos primeiro para Atenas, onde Ccero tinha prometido a si mesmo o prazer deestudar filosofia na Academia. Carreguei sua mala para a sala de estudos e j estava

  • me retirando quando ele me chamou e quis saber para onde eu estava indo. Vou me sentar ali sombra com os demais escravos respondi- lhe a no serque haja alguma outra coisa de que o senhor necessite. Certamente que h ele disse. Quero que voc me faa algo extremamentepenoso. Quero que venha comigo aprender um pouco de filosofia, para que eu tenhacom quem conversar durante nossas longas viagens.Ento eu o acompanhei, e tive o privilgio de ouvir Antoco de Ascalon em pessoaexpor os trs princpios bsicos do estoicismo a virtude basta para se ser feliz; nada bom, a no ser a virtude; e as emoes no so confiveis trs regras simplesque, caso os homens levassem a srio, solucionariam todos os problemas do mundo.Posteriormente, Ccero e eu muitas vezes debateramos tais questes, e naquele reinodo intelecto nossas diferenas de classe eram sempre esquecidas. Ficamos seismeses com Antoco e depois seguimos rumo ao verdadeiro objetivo da nossa jornada.A corrente retrica que predominava na poca era o denominado mtodo Asitico.Rebuscado e floreado, marcado por frases pomposas e ritmos sonoros, seu ensinofazia-se acompanhar de muita movimentao fsica e muitas caminhadas. Seu expoenteem Roma era Quinto Hortnsio Hortalo, universalmente conhecido como o maior oradordaqueles tempos, e cujos movimentos elegantes lhe conferiram o apelido de "Mestre daDana". Ccero, disposto a desvendar suas manhas, fez questo de conhecer todos osmentores de Hortnsio: Menipo de Stratonicia, Dionsio de Magnsia, squilo deCnido, Xnocles de Edremit s os nomes j do uma idia do estilo. Ccero passousemanas com cada um deles, estudando pacientemente seus mtodos, at que afinalsentiu que chegara a uma concluso. Tiro ele me disse uma noite, enquanto beliscava sua costumeira refeio delegumes cozidos , cansei desses almofadinhas perfumados. Arranje um barco deLorima para Rodes. Temos que experimentar uma abordagem diferente, vamos nosinscrever na escola de Apolnio Molon.E ento se deu que, numa manh primaveril, logo depois do alvorecer, quando osestreitos do mar Crpato estavam serenos e translcidos como uma prola (perdoemesses floreios ocasionais: eu li muita poesia grega para conservar um estilo latinoaustero), seguimos num barco a remo rumo quela ilha antiga e montanhosa, onde afigura atarracada de Molon em pessoa nos aguardava no cais.Molon era um advogado originrio de Alabanda, que atuara brilhantemente nos tribunaisde Roma a ponto de ter sido convidado a se dirigir ao senado em grego uma honraincomum aps o que se retirou para Rodes, onde abriu sua prpria escola deretrica. Sua teoria oratria, exatamente ao contrrio da dos asiticos, era simples:no se movimente demais, mantenha a cabea ereta, v direto ao assunto, faa rir,faa chorar, e, quando tiver conquistado a platia, sente-se o quanto antes. Pois nada dizia Molon seca mais rapidamente do que uma lgrima.Isso foi demais para Ccero, que se entregou inteiramente nas mos do mestre.A primeira ao de Molon foi dar-lhe de comer, naquela noite, uma travessa de ovoscozidos com molho de anchovas, e quando Ccero acabou no sem algumareclamao, posso garantir deu-lhe um naco de carne assada, acompanhado de umcopo de leite de cabra.

  • Voc precisa crescer, meu rapaz ele disse, batendo no prprio peito. Uma notaforte no pode ser emitida por uma corda frouxa.Ccero olhou feio para ele, mas penosamente mastigou tudo at esvaziar o prato, enaquela noite, pela primeira vez em meses, dormiu profundamente. (Sei disso porqueeu dormia no cho do lado de fora de seu quarto.)De manh bem cedo comearam os exerccios fsicos. Falar no frum disse Molon como competir numa corrida. preciso fora edeterminao. Ele fingiu dar um soco em Ccero, que soltou um "Uff!" e recuou,quase caindo. Molon o fez se levantar e ficar de pernas abertas, joelhos rijos, e curvara cintura vinte vezes tocando com as mos no cho de cada lado dos ps. Depois,mandou-o deitar-se de costas com as mos espalmadas atrs da cabea e sentar-serepetidamente sem dobrar as pernas. Em seguida disse para ele deitar-se de frente ese erguer apenas com a fora dos braos, vinte vezes seguidas, e outras tantas semdobrar os joelhos. Essa foi a carga do primeiro dia, e nos dias que se seguiram foiacrescentando mais exerccios e aumentando a durao. Ccero passou a dormirprofundamente, e tambm deixou de ter mais dificuldades para comer.Quanto ao treinamento de oratria, Molon tirou seu aluno ansioso do ptio sombreadoe o levou para o calor do meio-dia, fazendo-o recitar peas de exerccio geralmenteuma cena de julgamento ou um solilquio de Menandro subindo uma colina ngremesem fazer pausa. Desse modo, com lagartos rastejando sob os ps e tendo por platiasomente as cigarras nas oliveiras, Ccero fortaleceu os pulmes e aprendeu a tirar omximo de proveito das palavras com uma nica respirao. Controle a emisso no ponto mdio ensinou Molon. a que est a fora. Nemmuito alto nem muito baixo.Durante as tardes, para projeo da voz, Molon levava-o at uma praia rochosa, media80 passos (o alcance mximo da voz humana) e fazia-o declamar contra o rugido domar. O som mais prximo dizia ele do murmrio de 3 mil pessoas a cu aberto, oudo barulho de centenas de homens conversando no senado. Eram elementoscapazes de tirar a concentrao, e aos quais Ccero teria que se acostumar. Mas e quanto ao contedo do que eu falo? Ccero perguntou. Com certeza vouangariar ateno principalmente pela fora dos meus argumentos, no ?Molon deu de ombros. Contedo no me interessa. Lembre-se de Demstenes: "S trs coisas importam naoratria. Emisso, emisso, e... emisso." E minha gagueira? A ga-ga-gagueira tambm no me in-in-incomoda replicou Molon com um riso euma piscadela de olho. Na verdade, ela at acrescenta algum interesse e umaimpresso de honestidade bastante valiosa. O prprio Demstenes ciciavaligeiramente. O pblico se identifica com esses pequenos defeitos. S a perfeio chata. Agora, desa praia o mais longe que puder e tente fazer com que eu o escute.Portanto, desde o incio eu fui um privilegiado por poder assistir a truques de oratriasendo transmitidos de um mestre para outro. No deve haver movimentos efeminados de pescoo, nem convm ficar torcendo os

  • dedos. No mexa os ombros. Se tiver que usar os dedos para fazer algum gesto,procure curvar o dedo mdio de encontro ao polegar e esticar os outros trs. Assim,muito bem. Os olhos, claro, esto sempre virados na mesma direo do gesto, excetoquando temos que rejeitar algo: "Oh, deuses, impeam semelhante desgraa!" ou "Nocreio ser merecedor de tamanha honra".No havia permisso para anotar nada, pois nenhum orador digno desse nome poderiasequer sonhar em ler um texto em voz alta ou consultar anotaes. Molon preferia omtodo clssico para memorizar um discurso: o do passeio imaginrio pela casa doorador. Localize o primeiro ponto que deseja abordar no vestbulo, e imagine-o ali, depois osegundo no ptio interno, e ento v andando pela casa da maneira comohabitualmente faz, reservando um captulo da sua fala no apenas para cada aposento,mas para todos os vos e esttuas. Assegure-se de que cada local esteja bem-iluminado, claramente definido e reconhecvel. Do contrrio, voc ir cambaleando feitoum bbado tentando encontrar a cama depois de uma festa.Ccero no era o nico aluno da academia de Molon naquela primavera e naquelevero. O irmo mais novo de Ccero, Quinto, juntou-se a ns pouco depois, comotambm seu primo Lcio e ainda dois amigos dele: Srvio, um advogado detalhista quepretendia virar juiz, e tico o elegante e charmoso tico , que no estava nem umpouco interessado em oratria, pois vivia em Atenas e seguramente no tinha a menorinteno de fazer carreira na poltica, mas que adorava passar o tempo com Ccero.Muito impressionados com a mudana em sua sade e sua aparncia, e tratando-se desua ltima noite juntos pois j estvamos no outono, e era hora de voltar a Roma ,todos se reuniram para ouvir os resultados que Molon provocara na oratria de Ccero.Quisera eu poder lembrar o que Ccero falou naquela noite aps o jantar, mas receioser a prova viva da cnica mxima de Demstenes segundo a qual contedo no valenada comparado emisso. Fiquei discretamente fora de vista, nas sombras, e tudo oque fui capaz de visualizar foram mariposas adejando como flocos de cinza em tornodas tochas, a poeira de estrelas sobre o ptio, e os rostos fascinados daqueles jovens,vermelhos luz da fogueira, voltados para Ccero. Mas me lembro bem das palavrasde Molon, depois que seu pupilo, com uma saudao final de cabea na direo do jriimaginrio, se sentou. Aps um longo silncio ele se levantou e disse, num tom grave: Ccero, eu o parabenizo e me alegro por voc. O que me preocupa a Grcia e seudestino. A nica glria que nos restava era a supremacia da nossa eloqncia, e agoraat isso vocs nos arrebataram. Volte para casa ele falou, fazendo um gesto comos trs dedos estendidos, atravessando o terrao iluminado em direo ao mar escuroe distante , volte para casa, meu rapaz, e conquiste Roma. Pois MUITO BEM. Falar fcil. Mas como que se faz isso? Como se "conquista Roma"sem outras armas a no ser a prpria voz?O primeiro passo bvio: necessrio tornar-se senador.Para ingressar no senado naquela poca era preciso ter no mnimo 31 anos de idade eser milionrio. Para ser mais exato, recursos no montante de um milho de sestrciostinham que ser apresentados s autoridades apenas para se habilitar a uma

  • candidatura s eleies anuais, em julho, quando ento vinte novos senadores erameleitos para substituir aqueles que haviam morrido no ano anterior ou que tinhamempobrecido a ponto de no poderem manter seus assentos. Mas onde Ccero iriaconseguir um milho? Seu pai certamente no possua esse volume de dinheiro: apropriedade da famlia era pequena e tinha uma pesada hipoteca. Dessa forma, eleestava diante das trs alternativas tradicionais. Mas vend-la demoraria muito, e roubarseria excessivamente arriscado. Ento, logo aps retornar de Rodes, ele se casou.Terncia tinha 17 anos, seios que pareciam uma tbua e cabelos negros curtos eencaracolados. Sua meia-irm era uma vestal, prova do status social da famlia. E, omais importante, ela era dona de dois blocos residenciais em uma rea pobre deRoma, alguns terrenos arborizados nos subrbios da cidade, e uma fazenda; valor total:1.250.000 sestrcios. (Ah, Terncia: sem-graa, arrogante e rica que pea! Eu a vifaz poucos meses, sendo transportada numa liteira pela estrada costeira que leva aNpoles, berrando com os carregadores para irem mais rpido: de cabelos brancos epele encarqui- lhada, mas fora isso era quase a mesma.)Desse modo, Ccero, no devido tempo, se tornou senador na verdade, obtiverabastante prestgio, sendo considerado o segundo melhor advogado de Roma, abaixoapenas de Hortnsio e ento teve que prestar o ano de servio governamentalcompulsrio, no seu caso na provncia da Siclia, antes de ter autorizao para assumiro cargo. Seu ttulo oficial era questor o mais baixo da magistratura. As esposas notinham permisso para acompanhar os maridos nessas jornadas de trabalho, por issoTerncia estou convencido de que profundamente pesarosa ficou em casa. Maseu fui junto, porque naquela poca eu j me transformara numa espcie de extensodele, para ser usado quase mecanicamente, como um brao ou uma perna extra. Partedo motivo dessa minha indispen- sabilidade residia no fato de que eu havia desenvolvidoum mtodo para registrar suas palavras to rpido quanto sua capacidade depronunci-las. Inicialmente modesto posso humildemente reivindicar a condio deinventor do &, o smbolo do "e" , meu sistema finalmente virou um manual com maisde quatrocentos sinais. Descobri, por exemplo, que Ccero gostava de repetirdeterminadas frases, que eu aprendi a reduzir a uma linha, e s vezes a poucos sinais,comprovando, assim, o que muita gente j sabe: que os polticos, basicamente, dizema mesma coisa vrias e vrias vezes. Ele ditava para mim do banheiro e do diva, dointerior de carruagens em movimento e durante passeios no campo. Nunca economizoupalavras, e eu nunca economizei smbolos para capt-las e registr-las para sempreenquanto percorriam o ar. ramos feitos um para o outro.Mas voltemos Siclia. No se assustem: no vou descrever nosso trabalho emdetalhes. Como a maior parte dos acontecimentos polticos, era algo entediante atquando estava acontecendo, imaginem agora, passados quase sessenta anos. O quefoi memorvel e significativo foi mesmo a viagem de volta. Ccero propositalmenteadiou-a por um ms, de maro para abril, para ter certeza de passar por Puteolidurante o recesso do senado, exatamente no perodo em que todo o mundo polticoestaria na baa de Npoles aproveitando os banhos de mar. Fui instrudo a alugar omelhor barco a remo que pudesse conseguir, de modo que ele pudesse entrar no portoem grande estilo, vestindo pela primeira vez a toga prpura de senador da repblica

  • romana.Porque Ccero estava convencido de que, se tivesse sucesso na Siclia, seria o centrodas atenes ao retornar a Roma. Em centenas de praas sufocantes, sombra demilhares de rvores infestadas de vespas, ele distribura a justia de Roma, de formaimparcial e com dignidade. Adquirira uma quantidade recorde de cereais paraabastecer os eleitores quando do seu retorno capital, e os despachara pelo menorpreo possvel. Seus discursos nas cerimnias oficiais foram obras-primas desensibilidade poltica. Tinha sido capaz at de demonstrar interesse pelos assuntoslocais. Sabia que tinha se sado bem, e nos relatrios oficiais que enviou ao senadogabava-se de suas proezas. Devo confessar que eu mesmo, algumas vezes, amenizeiaqueles relatrios antes de entreg-los ao mensageiro oficial, e tentava faz-loentender, delicadamente, que a Siclia talvez no fosse exatamente o centro do mundo.Mas ele no dava importncia.Posso v-lo agora, de p na proa, estreitando os olhos na direo do cais de Puteolinaquele nosso regresso Itlia. Me pergunto o que ele estaria esperando. Um grupode msicos saudando-o na praia? Uma delegao consular para presente-lo com umacoroa de louros? Havia uma multido, verdade, mas no era para ele. Hortnsio, quej visava o cargo de cnsul, oferecia um banquete numa grande embarcaointensamente colorida atracada nas cercanias, e os convidados aguardavam para serlevados at a festa. Ccero desembarcou ignorado. Olhou em torno, sem entendernada. Nesse momento, alguns passantes, notando seus trajes reluzentes e novos desenador, acorreram apressados em sua direo. Ele endireitou os ombros,preparando-se. Senador disse um deles , quais so as novidades de Roma?Ccero se controlou para manter o sorriso. No estou vindo de Roma, meu caro amigo. Estou retornando da minha provncia.Um homem ruivo, provavelmente j bbado, falou: Ooooh, meu companheiro! Ele est retornando da provncia dele...Ouviram-se risos mal contidos. Qual a graa? interveio um terceiro, disposto a amainar os nimos. Vocs noesto sabendo? Ele esteve na frica.Agora o sorriso de Ccero era herico. Na Siclia, na verdade.Pode ter ocorrido mais alguma conversa no gnero, no me lembro. As pessoascomearam a se dispersar assim que perceberam que ali no havia nada interessante,e logo Hortnsio veio pessoalmente e apressou os convidados remanescentes a seusbarcos. Cumprimentou Ccero civilizadamente, mas fez questo de no convid-lo parasua festa. Ns ficamos ali sozinhos.Um incidente banal, pode-se consider-lo assim, mas o prprio Ccero costumavaafirmar que foi naquele momento que a ambio se solidificou dentro dele. Forahumilhado humilhado pela prpria vaidade e tivera uma prova brutal da suapequenez diante do mundo. Ficou ali por muito tempo ainda, vendo Hortnsio e seusamigos festejando no mar, ouvindo a msica alegre, e, quando se virou, estavatransformado. No estou exagerando. Vi isso em seus olhos. "Muito bem", sua

  • expresso parecia querer dizer, "vocs, idiotas, podem se divertir; eu precisotrabalhar.""Essa experincia, cavalheiros, estou inclinado a achar que foi mais valiosa para mimdo que se tivesse sido recebido com salvas de palmas. Dali em diante deixei de mepreocupar com o que o mundo haveria de pensar a meu respeito: a partir daquele dia,me conscientizei de que precisava ser visto diariamente. Eu era uma figura pblica.Freqentava o frum. Nem meu porteiro nem o sono poderiam impedir algum de ir mever. Nem mesmo quando eu no tinha nada a fazer ficava sem fazer alguma coisa, e,conseqentemente, o cio absoluto foi algo que jamais conheci."Eu me deparei com esse trecho de um de seus discursos no faz muito tempo, e possoconfirmar que a mais pura verdade. Ccero se afastou daquele cais como umsonhador, atravessou Puteoli e seguiu pela estrada sem olhar para trs. Eu o seguialutando para carregar mais bagagem do que era capaz. No incio, suas passadas eramlentas e pensativas, mas gradualmente foi aumentando a velocidade at que,finalmente, caminhava to depressa em direo a Roma que eu tive enorme dificuldadede acompanh-lo.E com isso termina o meu primeiro rolo de papel, ao mesmo tempo que tem incio averdadeira histria de Marco Tlio Ccero.

  • II Aquele que se revelaria como o dia da virada comeou como outro qualquer, uma horaantes da aurora, com Ccero, como sempre, sendo o primeiro a levantar na casa. Eufiquei deitado mais um pouco no escuro ouvindo o barulho das tbuas do assoalho emcima da minha cabea enquanto ele fazia os exerccios que aprendera na estada emRodes seis anos antes , em seguida rolei do meu catre de palha e fui lavar orosto. Era o primeiro dia de novembro; fazia frio.Ccero tinha uma pequena casa na encosta do monte Esquilino, vizinho a um templo, deum lado, e a um conjunto residencial do outro, embora quem se dispusesse a subir notelhado fosse recompensado com uma vista ampla do vale enfumaado at os grandestemplos do monte Capitlio, cerca de 800 metros a oeste. Era, na verdade, a casa deseu pai, mas a sade do velho cavalheiro estava fraca e ele raramente saa do campo,de modo que Ccero ficara com a casa para si, Terncia e a filha de 5 anos, Tlia, euma dzia de escravos: eu, os dois secretrios sob minhas ordens, Sositeu e Laurea, omordomo, Eros, o gerente comercial de Terncia, Filotimo, duas empregadas, umabab, uma cozinheira, um criado de quarto e um porteiro. Havia tambm um velhofilsofo cego, Didoto, o Estico, que de vez em quando saa de seu quarto para jantarcom Ccero quando o patro necessitava exercitar o intelecto. Portanto, ramos 15 aotodo na casa. Terncia reclamava sem parar da superlotao, mas Ccero no queriase mudar, pois naquele momento ainda se achava na fase popular, e aquela casacorrespondia bem a essa imagem.A primeira coisa que fiz naquela manh, como em todas as manhs, foi desatar um laode barbante do meu pulso esquerdo, ao qual estava amarrado um bloco de notas queeu mesmo havia concebido. Consistia no de uma ou duas folhas, como era comum,mas de quatro folhas de cera dobradas, cada qual numa moldura de madeira, muitofinas, e to maleveis que eu podia dobr-las e fech-las. Dessa forma, eu era capazde fazer muito mais anotaes numa nica sesso de ditado do que a mdia dossecretrios; mas, mesmo assim, a torrente diria de palavras de Ccero era tamanha,que eu sempre me prevenia levando algumas folhas extras nos bolsos. Ento abri acortina do meu quartinho e atravessei o ptio at o tablinum{1} acendendo as luzes everificando se estava tudo em ordem. O nico mvel era uma pequena mesa de apoio,na qual ficava uma travessa de gros-de-bico. (O nome Ccero derivava de cicer, quequeria dizer gro-de-bico. E, como ele acreditava que um nome incomum era umavantagem na poltica, nunca descuidava de chamar a ateno para isso.) Satisfeito,passei pelo trio at o vestbulo, onde o porteiro j estava espera com a mo naenorme maaneta de metal. Verifiquei a luz que vinha pela janela estreita e, quandoconsiderei que havia claridade suficiente, fiz um sinal com a cabea para o porteiro, quea destrancou.Do lado de fora, na rua gelada, a multido habitual de miserveis e desesperados jestava esperando, e anotei o nome de cada homem que passava pela porta.Reconhecia a maioria; perguntava o nome dos que no conhecia e mandava embora os

  • vagabundos habituais. Mas como a ordem era: "Se tem um voto, deixe-o entrar", otablinum vivia abarrotado de clientes ansiosos, todos querendo tomar o tempo dosenador. Eu fiquei ali at ter certeza de que toda a fila entrara e estava voltando paradentro quando a figura de roupas sujas, cabelos compridos e a barba por fazer de umhomem enlutado surgiu na porta. No tenho vergonha de admitir que ele me deucalafrios. Tiro! ele falou. Graas a Deus! E se encostou coluna da porta, exausto, osolhos plidos, mortios, cravados sobre mim. Creio que devia ter uns 50 anos. De inciono consegui reconhec-lo, mas uma das atribuies de um secretrio poltico darnome aos rostos, e gradativamente, apesar do seu estado, um quadro foi se formandoem minha mente: uma casa grande dando para o mar, um jardim bem-cuidado, umacoleo de esttuas de bronze, uma cidade em algum lugar da Siclia, no norte Termini, era isso. Stnio de Termini eu falei, e estendi a mo. Seja bem-vindo.No me cabia comentar sua aparncia, nem perguntar o que ele fazia a centenas dequilmetros de casa e em situao to obviamente lamentvel. Deixei-o no tablinum efui ao gabinete de Ccero. O senador, que deveria comparecer ao tribunal naquelamanh para defender um jovem suspeito de parricdio, e que tambm deveria estarpresente sesso do senado tarde, apertava uma bola de couro para fortalecer osdedos enquanto o criado lhe vestia a toga. Ouvia uma carta que era lida pelo jovemSositeu, e ao mesmo tempo ditava uma mensagem a Laurea, a quem eu haviaensinado os princpios do meu sistema taquigrfico. Quando entrei, ele me jogou a bola que eu peguei instintivamente e fez um gesto pedindo a lista de pessoas suaespera. Leu-a avidamente, como sempre fazia. Quem estaria querendo v-lo? Algumcidado proeminente de um cl importante? Um Sabatini, talvez? Um Pomptini? Oualgum empresrio rico o bastante para votar entre as primeiras centrias nas eleiespara cnsul? Mas hoje era a ral de sempre, e seu rosto foi se contraindo aos poucosat alcanar o derradeiro nome. Stnio? Ccero fez uma pausa. No aquele siciliano, o rico dos bronzes? melhor vermos o que ele deseja. Os sicilianos no tm voto eu lembrei. Pro bono falou, com expresso sria. Alm do mais, ele tem muito bronze. Vouatend-lo primeiro.Ento fiz entrar Stnio, que recebeu o tratamento normal o sorriso habitual, o apertode mos duplamente apertado, o olhar longo e sincero diretamente nos olhos , foiconvidado a se sentar e ouviu a pergunta sobre o que o trazia a Roma. Eu comeava ame lembrar de mais coisas a seu respeito. Estivemos com ele duas vezes em Termini,quando Ccero fazia audincias na cidade. Na poca ele era um dos cidados maisrespeitados da provncia, mas agora todo aquele vigor e auto-confiana haviam sumido.Estava precisando de ajuda, anunciou. Achava-se beira da runa. Com a vida emgrave risco. Fora roubado. mesmo? Ccero falou, enquanto olhava para um documento sobre sua mesa detrabalho, sem prestar muita ateno, j que um advogado ocupado costuma escutarmuitas histrias tristes. Voc tem meu apoio. Roubado por quem?

  • Pelo governador da Siclia, Gaio Verres.O senador imediatamente ergueu os olhos.No houve como fazer Stnio parar de falar depois daquilo. medida que ele iarevelando sua histria, Ccero olhava para mim fazendo um gesto discreto para que euanotasse ele queria um registro daquilo e quando Stnio finalmente fez umapausa para tomar flego, Ccero delicadamente o interrompeu e pediu que voltasse umpouco em sua histria, ao dia, cerca de trs meses antes, em que recebeu a carta deVerres. Qual foi a sua reao? Fiquei um tanto preocupado. Ele j ento tinha uma certa... fama. As pessoas ochamam... o nome dele significa porco selvagem. As pessoas o chamam de PorcoSelvagem com Sangue no Focinho. Mas eu no podia recusar. Voc guardou essa carta? Sim. E nela Verres se referia especificamente sua coleo de arte? Oh, claro. Ele dizia que sempre ouvira falar dela e que gostaria muito de conhec-la. E quanto tempo depois disso ele foi visit-lo? Pouco tempo. Uma semana, no mximo. Estava sozinho? No, os lictores o acompanhavam. Precisei arranjar lugar para todos eles. Guarda-costas geralmente so rudes, mas aqueles foram os piores delinqentes que eu j vi navida. O chefe deles, Sextio, o carrasco oficial de toda a Siclia. Ele exige propina desuas vtimas ameaando fazer mal o servio, sabe como , ir torturando-as aospoucos, caso no paguem adiantado. Stnio engoliu em seco e comeou a respirarfundo. Ns esperamos. No tenha pressa disse Ccero. Achei que Verres gostaria de tomar um banho depois da viagem, e em seguidapoderamos jantar. Mas no: ele disse que queria ver a coleo imediatamente. Voc tinha umas peas muito bonitas, se bem me recordo. Eram a minha vida, senador, no sei como dizer de outra forma. Trinta anos viajandoe barganhando. Bronzes, quadros, prata de Corinto e de Delos, tudo manuseado eescolhido por mim. Eu tinha o Discbolo, de Mron, e o Dorforo, de Policleto. Taas deprata de Mentor. Verres fez muitos elogios, falou que aquilo merecia um pblico maior.Que era uma boa coleo para ficar em exposio permanente. No dei muita atenoat que, enquanto jantvamos no terrao, eu ouvi barulhos vindos do ptio interno. Meumordomo veio me avisar que uma carroa puxada por touros havia chegado e que oslictores de Verres a estavam carregando com todas as minhas peas.Stnio calou-se de novo, e eu podia imaginar perfeitamente a vergonha que aquilorepresentava para um homem orgulhoso como ele: a mulher gritando, a casa inteiratraumatizada, as marcas empoeiradas no lugar em que ficavam as esttuas. O nicosom que se ouvia no gabinete era o do meu estilete riscando a base de cera.Ccero falou: Voc no protestou? A quem? Ao governador? Stnio deu uma gargalhada. No, senador. Eu estava

  • vivo, no estava? Se ele ao menos cuidasse bem de minha coleo, eu at sublimariaminhas perdas, e ningum jamais ouviria uma queixa de mim. Mas colecionarassemelha-se a uma doena, e eu lhe digo: seu governador Verres no cuidou bem.Lembra-se daquelas esttuas da praa? Claro que sim. Trs peas do mais puro bronze. Mas voc certamente no estquerendo me contar que ele tambm as roubou? Tentou. Foi no terceiro dia em que estava sob o meu teto. Ele me perguntou de quemeram. Eu lhe disse que pertenciam cidade, e estavam ali havia sculos. Sabia queelas tm 400 anos? Ele disse que gostaria de ter permisso para lev-las para a suaresidncia em Siracusa, tambm por emprstimo, e me pediu para requerer aoconselho. Foi a que percebi que tipo de homem ele era, e ento eu disse que nopoderia, com todo o respeito, atend-lo. Naquela noite mesmo ele partiu. Poucos diasdepois, recebi uma intimao para julgamento no quinto dia de outubro, acusado defalsificao. Quem levou a intimao? Um inimigo meu chamado Agatino. Um cliente de Verres. Meu primeiro impulso foi ode enfrent-lo. No tinha nada a temer quanto minha honestidade. Jamais forjei umdocumento na vida. Mas a soube que o juiz seria o prprio Verres, e que ele jdeterminara a sentena. Eu seria chicoteado diante de toda a cidade por causa daminha insolncia. A voc fugiu? Naquela mesma noite peguei um barco para Messina.Ccero pousou o queixo na mo e contemplou Stnio. Eu reconheci aquele gesto. Eleestava avaliando a testemunha. Voc diz que a intimao era para o quinto dia do ms passado. Soube o queaconteceu? por isso que estou aqui. Fui condenado revelia, sentenciado a ser chicoteado emultado em 5 mil. Mas isso no o pior: na audincia, Verres afirmou que havia gravesacusaes contra mim, dessa vez por espionagem em favor dos rebeldes na Espanha.Haver um novo julgamento em Siracusa no primeiro dia de dezembro. Mas espionagem crime para pena capital. Senador, creia em mim, ele planeja me crucificar. Proclama isso abertamente. E euno seria o primeiro. Preciso de ajuda. Por favor. O senhor vai me ajudar?Achei que Stnio estava a ponto de cair de joelhos e beijar os ps do senador, esuspeito que Ccero tambm achou, pois rapidamente se levantou da cadeira e ficouandando pela sala. Parece-me que existem dois aspectos a considerar neste caso, Stnio. Primeiro, oassalto sua propriedade. E quanto a isso, francamente, no vejo o que se possafazer. Por que voc acha que homens como Verres desejam ser governadores? Porquesabem que podem obter o que bem entenderem, e com razo. O segundo aspecto, amanipulao do processo legal, este j mais interessante."Conheo muitos advogados experientes que vivem na Siclia; um deles, inclusive, emSiracusa. Posso escrever para ele ainda hoje e pedir, como um favor pessoal a mim,que aceite o seu caso. Posso at dar minha opinio sobre o que deve ser feito. Ele ter

  • que recorrer ao tribunal para declarar invlida a condenao j deferida, com base nofato de que voc no se encontrava presente para responder. Se isso fracassar, eVerres der prosseguimento ao, seu advogado dever vir a Roma e declarar asentena inadmissvel.O siciliano balanou a cabea. Se eu s precisasse de um advogado em Siracusa, senador, no teria feito estaviagem at Roma.Eu via que Ccero no estava gostando nem um pouco daquilo. Aquele caso poderiaocup-lo por muitos dias, e os sicilianos, como eu lhe havia relembrado, no tinhamvotos. Em todo caso, pro bono! Oua ele disse de modo categrico , seu caso bom. Verres obviamente umcorrupto. Abusa da hospitalidade. Rouba. Faz acusaes falsas. Trama um assassinatojudicial. A posio dele indefensvel. O caso pode perfeitamente ser defendido porum advogado de Siracusa. Eu lhe garanto. Agora, me perdoe, eu tenho muitos clientespara atender, e tenho que estar no tribunal daqui a menos de uma hora.Ele me fez um sinal com a cabea e eu avancei, pondo a mo no brao de Stnio paraconduzi-lo para fora. O siciliano repeliu meu gesto. Mas eu preciso do senhor ele insistia. Por qu? Porque minha nica esperana de justia jaz aqui, no na Siclia, onde Verres controlaos tribunais. E todo mundo aqui me diz que Marco Ccero o segundo melhoradvogado de Roma. Dizem isso mesmo? A voz de Ccero assumiu um tom sarcstico: ele odiavaaquele epteto. Bom, ento por que ficar com o segundo? Por que no ir diretoprocurar Hortnsio? Pensei nisso disse o visitante com sinceridade , mas ele no quis ser meupatrono. Est representando Verres. LEVEI O SICILIANO embora e quando voltei Ccero estava sozinho no gabinete, recostadona cadeira, olhando para a parede, passando a bolinha de couro de uma das mospara a outra. Manuais jurdicos abarrotavam sua mesa. Precedentes em alegao, deHostlio, era um que ele abrira; Condies de venda, de Manlio, outro. Voc est lembrado daquele bbado de cabelo ruivo no cais de Puteoli, no dia emque chegamos da Siclia? "Ooooh, meu companheiro! Ele est retornando da provnciadele..."Fiz que sim com a cabea. Era Verres. A bola ia de l para c, de c para l. Esse homem faz a corrupoparecer uma bobagem. Fico surpreso ao saber que Hortnsio est envolvido com ele. Fica mesmo? Pois eu no ele parou com a bolinha e contemplou-a na palma damo. O Mestre da Dana e o Porco Selvagem... Ficou pensativo por um instante. Um homem na minha posio tem que ser louco para encarar Hortnsio e Verresjuntos, e tudo por causa de um siciliano que sequer cidado romano. verdade.

  • verdade repetiu, embora houvesse uma estranha hesitao na forma como disseaquilo, o que me faz pensar que talvez ele j estivesse olhando o caso em toda a suaextenso. O extraordinrio leque de possibilidades e conseqncias, aberto como ummosaico em sua mente. Mas se j estava eu nunca soube, pois naquele instante suafilha Tlia entrou correndo, ainda vestida com a camisola de dormir, com um desenhonas mos para lhe mostrar, e subitamente sua ateno se desviou inteiramente paraela e ele a ergueu e instalou-a sobre os joelhos. Foi voc que fez? Foi voc mesma que desenhou isso, sozinha?Eu os deixei a ss e voltei para o tablinum, para informar que estvamos atrasados eque o senador tinha que ir ao tribunal. Stnio, que continuava por ali, me perguntouquando poderia ter uma resposta, o que s pude responder dizendo que ele teria quefazer como os demais. Logo em seguida Ccero apareceu, de mos dadas com Tlia,dando bom-dia com a cabea a todos, cumprimentando cada um pelo nome ("Regranmero um em poltica, Tiro: jamais esquea um rosto"). Ele estava muito bemarrumado, como sempre, o cabelo penteado para trs, a pele perfumada, a togarecm-lavada; os sapatos de couro vermelho impecveis e brilhando; o rostobronzeado por anos discursando ao ar livre; bem-tratado, esguio, em plena forma: eleresplandecia. Os clientes o seguiram at o vestbulo, onde Ccero ergueu a sorridentegarotinha bem no alto, exibiu-a a todos os presentes ali reunidos, em seguida virou orosto dela e deu-lhe um sonoro beijo nos lbios. Ouviu-se um coro de "Ahhh!" e algunsaplausos isolados. No era apenas exibicionismo ele teria feito a mesma coisa aindaque no houvesse ningum olhando, porque amava sua querida Tulinha mais do quequalquer pessoa no mundo , mas sabia que o eleitorado romano era muitosentimental, e que se sua fama de pai amoroso circulasse, no lhe traria nenhumprejuzo.E assim ns samos para a brilhante promessa daquela manh de novembro, rumo aoburburinho da cidade Ccero frente, eu o seguindo, com meu bloco de notas apostos; Sositeu e Laurea mais atrs, carregando as pastas de documentos de que elenecessitava para o trabalho no tribunal; e, a cada lado de ns, tentando chamar aateno do senador, mas vaidosos s por se acharem sob sua aura, umas duas dziasde pessoas, entre partes interessadas e desocupados, incluindo-se Stnio descendodas ajardinadas e bem conceituadas alturas do Esquilino para entrar no mau cheiro, nafumaa e no pandemnio de Subura, onde a altura dos cortios barrava a luz do sol eas multides que cercavam a nossa falange de simpatizantes abriam caminho nossapassagem. Ccero era uma figura muito bem-vista ali, um heri dos comerciantes evendedores cujos interesses ele havia representado, e que havia anos o viam passarpor aquelas bandas. Sem sequer deter o passo apressado, seus olhos azuispenetrantes registravam cada cumprimento de cabea, cada aceno em saudao, e euraramente precisava cochichar algum nome em seu ouvido, pois ele conhecia seuseleitores muito melhor do que qualquer um.No sei como agora, mas naquela poca havia seis ou sete tribunais em sessoquase permanente, cada qual instalado numa parte diferente do frum, de forma que,na hora em que todos abriam, era difcil para as pessoas se moverem em meio atantos advogados e representantes legais. Para piorar as coisas, o pretor de cada

  • tribunal sempre vinha de casa precedido por uma meia dzia de lictores para lhe abrir ocaminho, e, por sorte, nossa pequena comitiva desembocou no frum no exato instanteem que Hortnsio que na poca era pretor desfilava rumo casa senatorial.Fomos todos contidos pelos guardas para que o grande homem passasse, e no achoque ele tenha fingido propositalmente no ver Ccero naquele dia, pois se tratava de umhomem de maneiras refinadas, quase efeminadas: ele simplesmente no o viu. Mas oresultado que aquele que era tido como o segundo melhor advogado de Roma, com osorriso cordial apagado dos lbios, assistia passagem daquele que era tido como omelhor com tamanha expresso de dio que eu fiquei surpreso por Hortnsio no notarseu olhar.Nosso caso naquela manh era no tribunal criminal central, localizado do lado de forada Baslica Emlia, onde Caio Poplio Laenas, de 15 anos, ia a julgamento acusado deferir mortalmente o prprio pai com um estilete de metal cravado no olho. J dava parase ver uma multido em volta do tribunal. Ccero estava designado para a defesa, oque por si s j era uma atrao. Mas, caso ele fracassasse em convencer o jri,Poplio, na condio de parricida, seria despido, descarnado at sangrar, e depoiscolocado num saco juntamente com um cachorro, um galo e uma cobra e jogado no rioTibre. Havia cheiro de sangue no ar, e quando os curiosos abriram passagem para ns,eu consegui ver Poplio, um rapazinho notoriamente violento, cujas sobrancelhasformavam uma linha escura contnua e grossa. Estava sentado ao lado do tio no bancoreservado defensoria, com uma expresso desafiadora e cuspindo em quem seaproximasse. Vamos conseguir inocent-lo observou Ccero nem que seja para evitar que oco, o galo e a cobra tenham que passar pela terrvel experincia de ser ensacadosjunto com Poplio.Ele sempre entendeu que no era da conta do advogado preocupar-se com o fato deseu cliente ser ou no culpado: isso era com o tribunal. Ele se comprometia apenas adar o melhor de si, e em troca a famlia de Poplio Laenas, que podia se orgulhar de terquatro cnsules em sua rvore genealgica, estaria obrigada a apoi-lo na disputa poralgum cargo pblico.Sositeu e Laurea trouxeram os documentos, e, quando eu me aprestava a organizar omaterial, Ccero me disse que no o fizesse. Poupe seu trabalho ele disse, dando um tapinha na lateral da cabea. J tenhoa minha fala toda aqui dentro. Curvou-se educadamente em direo ao seu cliente. Bom dia, Poplio. Vamos resolver isso logo, tenho certeza. Em seguidaprosseguiu comigo, em voz baixa: Tenho uma tarefa bem mais importante para voc.D-me seu caderninho de notas. Quero que voc v at o senado, fale com oresponsvel administrativo e veja se ainda possvel colocar isso na ordem do diadesta tarde. Ele escrevia rapidamente. No diga nada ao nosso amigo sicilianopor enquanto. O risco grande. preciso ter cuidado com essas coisas, um passo decada vez.S quando j me encontrava a meio caminho do frum para o senado que mearrisquei a dar uma olhada no que estava escrito: No entender desta casa acondenao de algum a pena capital revelia deve ser proibida nas provncias.

  • Senti o peito apertado, pois imediatamente percebi do que se tratava. Inteligentemente,preliminarmente, obliquamente, Ccero preparava-se, afinal, para desafiar seu maiorrival. Eu era o portador de uma declarao de guerra. GLIO PUBLICOLA, o cnsul principal em novembro, era um comandante militar da velhaguarda, bronco e deliciosamente tapado. Dizia-se, ou talvez fosse Ccero quem o dizia,que quando Glio passou por Atenas com seu exrcito 20 anos antes, ofereceu-secomo mediador entre as escolas de filosofia ento em guerra: queria promover umdebate em que ambas pudessem chegar de uma vez por todas a uma concluso sobreo sentido da vida, poupando-se dessa forma de discusses infindveis. Eu conheciamuito bem o secretrio de Glio e, como a agenda da tarde estava tranqila (algoinusitado), com apenas um relatrio sobre a situao militar na pauta, ele concordouem acrescentar a moo de Ccero ordem do dia. Mas avise o seu patro ele falou que o cnsul soube da piadinha dele sobre osfilsofos, e no gostou nada.Quando retornei ao tribunal, Ccero j estava concluindo seu discurso de defesa. Nofoi um dos que ele posteriormente escolheu para ser preservado, por isso, infelizmente,no possuo o texto. S me lembro que ele ganhou o caso recorrendo ao astutoexpediente de prometer que, caso fosse inocentado, o jovem Poplio dedicaria o restoda vida ao servio militar pedido que pegou a acusao, o jri e at seu prpriocliente inteiramente de surpresa. Mas funcionou, e to logo o veredicto foi anunciado,sem fazer um intervalo para perder mais tempo com o estupefato Poplio, ou at paracomer algo coisa rpido, Ccero saiu em disparada na direo do senado, sempreseguido por sua legio de admiradores, cujo nmero crescia graas ao boato de que ogrande advogado tinha outro discurso engatilhado.Ccero costumava dizer que os verdadeiros problemas da repblica no se resolviamno recinto do senado, e sim do lado de fora, no saguo ao ar livre conhecido comosenaculum, onde os senadores tinham que aguardar at que se obtivesse quorum.Essa concentrao diria de personagens vestidas de branco, que podia durar umahora ou mais, era uma das giandes atraes da cidade, e, enquanto Ccero se achavaentre eles, Stnio e eu nos juntamos multido de basbaques do outro lado do prdio.(O siciliano, coitado, ainda no fazia idia do que estava acontecendo.) da natureza da vida que nem todo poltico alcance a glria. Dos seiscentos homensque ento compunham o senado, apenas oito podiam ser eleitos pretores parapresidir os tribunais durante um ano, e apenas dois deles podiam almejar o supremoimperium da condio de cnsul. Em outras palavras, mais da metade daqueles quecirculavam pelo senaculum estavam fadados a jamais serem eleitos para o cargo.Eram o que os aristocratas chamavam pejorativamente de pedarii, os homens quevotavam com os ps, deslizando obedientemente de um lado para o outro do recintotoda vez que havia uma disputa. Mesmo assim, a seu modo, esses cidadosconstituam a espinha dorsal da repblica: banqueiros, empresrios e latifundirios detodas as partes da Itlia; ricos, cautelosos e patriticos; desconfiados da arrogncia eexibicionismo dos aristocratas. Assim como Ccero, freqentemente tratavam-se de"homens novos", os primeiros em suas famlias a ganhar uma eleio para o senado.

  • Aquele era o seu pessoal, e v-lo circulando entre eles naquela tarde era comoobservar um mestre-arteso em seu estdio, um escultor com sua pedra aqui umadas mos descansando levemente sobre um cotovelo, ali um brao pesado estreitandouns ombros gordos; com este homem, uma piada grosseira, com aquele uma solenepalavra de psames, as mos cruzadas e pressionando o prprio peito em sinal desolidariedade; parado por algum chato, ele parecia ter o dia inteiro para ficar escutandosua histria infeliz, mas logo possvel v-lo acenar para algum que passa e,saltitando graciosamente como um bailarino, lanando para trs o mais doce olhar dequem pede desculpas e lamenta muito, ir em sua direo. De vez em quando apontavapara ns, e um senador ficava nos olhando por algum tempo, e talvez balanasse acabea, descrente, ou cumprimentasse lentamente prometendo seu apoio. O que ele est falando sobre mim? Stnio perguntou. O que ele vai fazer?No respondi, pois eu prprio no o sabia.Era evidente que Hortnsio tinha percebido que algo estava se passando, mas ele nosabia bem o que era. A pauta de matrias a tratar fora afixada no lugar habitual, aolado da porta do senado. Vi Hortnsio parando para l-la a condenao de alguma pena capital revelia deve ser proibida nas provncias e virar-se, confuso. GlioPublicola estava sentado entrada em sua cadeira de marfim trabalhado, com osassessores em volta, aguardando o recinto ser inspecionado e um sinal de positivopara permitir o acesso dos senadores. Hortnsio aproximou- se dele, as palmas dasmos abertas como quem pede uma explicao. Glio deu de ombros e apontou,irritado, para Ccero. Hortnsio voltou-se para descobrir o ambicioso rival no centro deum crculo conspiratrio de senadores. Franziu a testa e foi se juntar aos seus amigosaristocrticos: os trs irmos Metelo (Quinto, Lcio e Marco) e os dois cnsules maisantigos, que efetivamente dirigiam o imprio, Quinto Catulo (cuja irm era mulher deHortnsio), e Pblio Servlio Vatia Isaurico, o duplo triunfador. S de escrever seusnomes, aps todos esses anos, sinto um arrepio, uma vez que homens assim, srios,incorruptveis e alicerados nos velhos valores republicanos, no existem mais.Hortnsio deve lhes ter falado da moo, porque, bem devagar, os cinco se virarampara olhar Ccero. Imediatamente depois disso uma trombeta soou assinalando o incioda sesso e os senadores comearam a entrar.A velha casa senatorial era um templo governamental frio, depressivo, cavernoso,dividido por uma amplo corredor central de lajotas pretas e brancas. De ambos oslados havia longas fileiras de bancos de madeira em que se sentavam os senadores,com um tablado na extremidade para as cadeiras dos cnsules. A luz, que naquelatarde de novembro era de um azul plido, entrava em fachos pelas janelas opacaslocalizadas bem debaixo das vigas do teto. Pombos batiam asas pelo recinto, soltandopequenas penas e, de vez em quando, excrementos ainda quentes bem em cima dascabeas dos senadores. Alguns diziam que dava sorte ser acertado por um desses aodiscursar, outros que era mau pressgio, e outros ainda achavam que dependia da cordo material. As supersties eram to numerosas quanto as interpretaes. Ccero nodava a mnima para elas, assim como no tomava conhecimento do formato queapresentavam os intestinos das ovelhas, ou se o barulho do trovo vinha da direita ouda esquerda, ou da direo do vo de um determinado bando de pssaros: tudo

  • bobagem, segundo ele, muito embora, posteriormente, tenha feito campanhaentusistica para a eleio ao Colgio de ugures.Pela antiga tradio, ainda observada poca, as portas do senado permaneciamabertas para que o povo pudesse ouvir os debates. A multido, Stnio e eu tambm,veio se chegando do frum para o recinto do senado, onde ramos contidos por umasimples corda. Glio j discursava, relatando as notcias enviadas pelos comandantesdo exrcito nos campos de batalha. Nas trs frentes, a coisa ia bem. No sudeste daItlia, o ricao Marco Crasso aquele que certa vez se gabara de que nenhumhomem podia se considerar rico se no fosse capaz de manter uma legio de 5 milsoldados apenas com os prprios rendimentos estava pondo fim revolta dosescravos de Esprtaco com grande determinao. Na Espanha, Pompeu, o Grande,aps seis anos de combates, estava varrendo o ltimo dos exrcitos rebeldes. Na siaMenor, Lcio Lculo obtinha uma extraordinria seqncia de vitrias sobre o reiMitrdates. To logo os relatrios eram lidos, partidrios de cada homem levantavam-se para fazer o elogio das proezas de seus patronos e sutilmente denegrir as dosrivais. Eu sabia, por Ccero, dos interesses polticos por trs de cada um, e os iaexplicando para Stnio em voz sussurrada: Crasso tem dio de Pompeu e est determinado a derrotar Esprtaco antes quePompeu possa voltar da Espanha com suas legies e assim ficar com todo o crdito.Pompeu odeia Crasso e almeja a glria de acabar com Esprtaco para poder priv-lode um triunfo. Crasso e Pompeu odeiam Lculo porque ele detm o comando maisatraente. E quem Lculo odeia? Pompeu e Crasso, claro, por conspirarem contra ele.Eu me sentia feliz como uma criana que conseguiu acertar a lio, pois tudo ento nopassava de um jogo, e eu no fazia a menor idia de que em breve ns estaramosmergulhados nele. O debate esfriou, sem necessidade de votao, e os senadorescomearam a conversar entre si. Glio, que j devia ter mais de 60 anos, segurou opapel com a ordem do dia bem perto do rosto e apertou os olhos, em seguida olhou emtorno do recinto, tentando localizar Ccero, que, como senador novato, estavaconfinado a um banco bem nos fundos, prximo porta. Por fim Ccero se levantoupara que ele o visse, Glio se sentou, o rudo das vozes arrefeceu, e eu preparei meuestilete. Fez-se um silncio, que Ccero alimentou um velho truque para elevar atenso. E ento, depois de esperar tempo suficiente para parecer que algo estavaerrado, ele comeou a falar bem manso e vacilante, de incio, obrigando os ouvintesa esticar os ouvidos, o ritmo das palavras fisgando-os sem que se dessem conta. Honorveis membros, comparveis aos nossos ilustres homens em armas de quemacabamos de ouvir falar, receio que o que eu v dizer soe excessivamenteinsignificante. E ento sua voz foi crescendo. Mas se chegado o momento emque esta nobre casa no d mais ouvidos aos apelos de um inocente, ento todosesses atos de bravura revelam-se inteis, e nossos soldados sangram em vo. Ouviu-se um murmrio de concordncia vindo dos bancos ao seu lado. Esta manhveio minha residncia um desses inocentes, cujo tratamento por parte de um dosnossos pares mostrou-se to vergonhoso, monstruoso e cruel, que os prprios deuses

  • cairiam em prantos ao ouvi-lo. Refiro-me ao honrado Stnio de Termini, at h poucotempo residente na provncia miservel, mal gerida e criminosamente administrada daSiclia.Ao ouvir a palavra "Siclia", Hortnsio, que se aboletava no banco da frente maisprximo ao cnsul, mexeu-se levemente incomodado. Sem tirar os olhos de Ccero,virou-se e comeou a cochichar com Quinto, o mais velho dos irmos Metelo, queimediatamente se abaixou por trs dele e fez um sinal com o dedo para Marco, ocaula daquele trio fraterno. Marco se agachou para receber as instrues e ento,aps uma breve reverncia na direo do cnsul que presidia a sesso, atravessou ocorredor em minha direo. Por um instante eu achei que estava prestes a levar umasurra os Metelo eram homens fortes, autoconfiantes , mas ele nem olhou paramim. Ergueu a corda, passou por baixo dela, enveredou pela multido e sumiu.Ccero, nesse meio-tempo, continuava investindo duramente. Depois que voltramosdas aulas com Molon, com o princpio da "Emisso, emisso, emisso" fixado em suamente, ele passara muitas horas no teatro, estudando os mtodos dos atores, edesenvolvera um considervel talento para a interpretao e a imitao. Recorrendounicamente a mnimas alteraes de voz ou a gestos, era capaz, realmente, de darvida em seus discursos s personagens a que se referia. Brindou o senado, naquelatarde, com uma belssima performance: a arrogncia auto-confiante de Verres foicontrastada com a dignidade tranqila de Stnio, os sicilianos to sofridos, submetidos perversidade do carrasco pblico, Sextio. O prprio Stnio no conseguia acreditarno que estava presenciando. Estava na cidade havia apenas um dia, e j era objeto deum debate em pleno senado romano. Hortnsio, enquanto isso, seguia olhandofixamente para a porta e, quando Ccero comeou a fazer sua perorao "Stnioimplora que o protejamos, no meramente de um ladro, mas do prprio homem quesupostamente est incumbido de punir os ladres!" , ele finalmente se ps de p comum salto. Pelas normas do senado, um pretor no exerccio da funo tem sempreprecedncia em relao a um humilde membro dos pedarii, e Ccero no teve escolhaseno ceder-lhe a palavra. Senadores disse Hortnsio, tonitruante , j ouvimos o suficiente! Esta comcerteza uma das mais flagrantes demonstraes de oportunismo j vistas nesta nobrecasa! Uma moo vaga nos apresentada, que se aplica a um nico indivduo. Nofomos informados do motivo pelo qual esse assunto deve ser discutido. No temosmeios de verificar se o que estamos escutando verdade. Gaio Verres, um antigomembro desta ordem, est sendo difamado sem chance de defesa. Exijo que estasesso seja imediatamente suspensa!Hortnsio sentou-se sob aplausos vigorosos dos aristocratas. Ccero se levantou. Seurosto estava perfeitamente controlado. O senador parece no ter lido a moo disse, fingindo perplexidade. Onde haqui qualquer meno a Gaio Verres? Cavalheiros, no estou pedindo que esta casajulgue Gaio Verres. No seria justo faz-lo sem que ele esteja presente. Gaio Verresno est aqui para se defender. E agora que j estabelecemos esse princpio,Hortnsio far o favor de estend-lo ao meu cliente, concordando que ele tambm nopoderia ter sido julgado estando ausente, certo? Ou h uma lei para os aristocratas e

  • outra para o restante de ns?Tal declarao aumentou bastante a temperatura e levou os pedarii a se acercarem deCcero e da multido fazendo um grande estardalhao na porta. Senti algum meempurrando brutalmente pelas costas e vi que era Marco Metelo forando passagemcom os ombros tentando retornar ao recinto, caminhando apressadamente pelocorredor em direo a Hortnsio. Ccero notou que ele vinha, de incio com umaexpresso confusa no rosto, mas que logo se transformou em compreenso.Rapidamente, ergueu a mo pedindo silncio. Muito bem. J que Hortnsio faz objeo vagueza da moo original, tratemos derepass-la para que no fique qualquer dvida. Proponho uma emenda: "Que, uma vezque Stnio foi condenado revelia, fique estabelecido que ele no poder sofrerjulgamento estando ausente, e que, caso algum julgamento j tenha tido lugar, sejaconsiderado invlido." E requeiro: vamos votar agora e, segundo as mais altastradies do senado Romano, salvar um inocente dessa pena monstruosa que acrucificao!Entre manifestaes de apoio e desaprovao, Ccero sentou-se e Glio se levantou. A moo est posta o cnsul declarou. Algum outro membro deseja falar?Hortnsio, os irmos Metelo e alguns outros integrantes do partido, como ScribnioCrio, Srgio Catilina e Emlio Alba, reuniram-se na bancada da frente e por instantespareceu que a casa caminharia para uma diviso, o que conviria perfeitamente aCcero. Mas, quando afinal os aristocratas voltaram a seus lugares, a figura esquelticade Catulo demonstrou ainda ser capaz de se manter de p. Creio que devo falar disse. Sim, creio que tenho algo a dizer. Catulo eracruel e impiedoso como uma rocha. Ta-ta-ta-ta-ta-taraneto (acho que a quantidadecerta de ta-tas) do Catulo que derrotou Amlcar na Primeira Guerra Pnica e doissculos inteiros de Histria destilavam-se em sua velha voz avinagrada. Devo falar ele repetia. E o que devo inicialmente dizer que este jovem apontando paraCcero nada sabe a respeito das "mais altas tradies do senado Romano", pois, seo soubesse, entenderia que um senador jamais ataca outro senador, exceto na frentedo prprio. Isso revela falta de estirpe. Olho para ele, todo espertinho e vido em seuassento, e sabem o que eu penso, cavalheiros? Penso na sabedoria do velho ditado:"Uma ona de hereditariedade vale mais do que uma libra de mrito."Agora eram os aristocratas que rolavam de rir. Catilina, sobre quem tenho muito mais adizer em breve, apontou para Ccero e depois enfiou o dedo na garganta. Ccero corou,mas manteve o auto-controle. Chegou a esboar um sorrisinho. Catulo virou-se,deliciado, para as bancadas s suas costas, e eu pude captar seu perfil mofino, duro enarigudo, como uma cabea gravada numa moeda. Ele se voltou para ficar de frentepara o recinto: Quando entrei pela primeira vez nesta casa, durante o mandato de Cludio Pulcro eMarco Perperna... Sua voz assumiu um tom confiante.Ccero me deu uma olhadela. Moveu os lbios como se dissesse algo, olhou para asjanelas, em seguida fez um gesto com a cabea na direo da porta. Eu entendi nahora o que ele queria, e enquanto abria meu caminho de volta ao frum em meio aosespectadores me dei conta de que Marco Metelo fora mandado exatamente na mesma

  • misso. Naquela poca, quando a pontualidade era mais respeitada do que hoje, altima hora dos assuntos do dia tinha previso para comear quando o sol casse aoeste da Coluna Mnia. Eu via que a hora estava chegando, e com toda a certeza ofuncionrio responsvel por controlar o horrio j estaria a caminho para informar ocnsul. Era contra a lei o senado permanecer reunido aps o pr-do-sol. Claramente,Hortnsio e seus comparsas planejavam retardar a sesso, impedindo que a moo deCcero fosse votada. Aps rapidamente constatar a posio do sol, eu voltei correndodo frum e abri caminho na multido para alcanar o recinto do senado, onde Glioestava comunicando: ltima hora!Ccero ergueu-se instantaneamente, requerendo questo de ordem, mas Glio nolevou em conta e a palavra continuou com Catulo, que desenrolava uma histriainterminvel sobre governo provincial, do tempo provavelmente em que a lobaalimentava Rmulo. (O pai de Catulo, tambm cnsul, tivera uma morte clebreenclausurando-se num quarto lacrado, acendendo uma fogueira e sufocando-se com afumaa: Ccero costumava dizer que ele tinha feito aquilo para no ter de ouvir outrodiscurso do filho.) Quando por fim ele chegou a uma espcie de concluso,prontamente cedeu a palavra a Quinto Metelo. Novamente Ccero se levantou, masnovamente foi vencido pela norma da prioridade aos mais velhos. Metelo tinha statuspretoriano e, a menos que decidisse ele prprio dar a vez, o que naturalmente no fez,Ccero no teria direito de falar. Durante algum tempo Ccero se manteve firme, contraum crescente rumor de protestos, mas os homens ao seu redor um deles Srvio, umadvogado amigo, que apoiava Ccero incondicionalmente e estava vendo que ele corriao risco de passar por bobo puxavam sua toga, e assim, afinal, ele desistiu e sesentou.Era proibido acender luzes ou tochas no recinto do senado. medida que escurecia, ofrio aumentava, e as silhuetas brancas dos senadores, imveis no entardecer denovembro, faziam o local parecer um parlamento de fantasmas. Depois que Metelomatraqueou por uma eternidade e sentou-se em benefcio de Hortnsio o homemera capaz de falar sobre qualquer coisa durante horas , todos sabiam que osdebates tinham terminado, e imediatamente Glio encerrou a sesso. Ele atravessoulentamente o corredor, um velho em busca do jantar, precedido por quatro lictores queconduziam sua cadeira. Assim que ele passou pela porta, os senadores saram atrsenquanto Stnio e eu caminhamos at o frum para esperar por Ccero. Aos poucos amultido em torno de ns foi se dispersando. O siciliano continuava a me perguntar oque estava acontecendo, mas eu achei mais prudente no dizer nada, e assimpermanecemos em silncio. Vi Ccero sentado, sozinho, nos bancos dos fundos,aguardando o recinto esvaziar para poder sair sem ter que falar com ningum, e eutemia que ele estivesse se sentindo humilhado. Mas, para minha surpresa, eleconversava tranqilamente com Hortnsio e com outro velho senador que noreconheci. Falaram por algum tempo nos degraus da casa senatorial, apertaram-se asmos e partiram, cada qual para o seu lado. Sabe quem era aquele? perguntou Ccero, ao se aproximar de ns. Longe deestar deprimido, parecia muito feliz. O pai de Verres. Ele prometeu escrever ao filho,

  • intimando-o a suspender a sentena desde que ns concordemos em no reapresentara moo ao plenrio do senado.Stnio sentia-se to aliviado que achei que ia morrer de gratido. Caiu de joelhos ecomeou a beijar as mos do senador. Ccero fez uma cara aborrecida edelicadamente o obrigou a se levantar. Meu caro Stnio, guarde seus agradecimentos at que eu tenha realmenteconseguido algo concreto. Ele apenas prometeu escrever, nada mais. No umagarantia.Stnio falou: Mas o senhor vai aceitar a oferta?Ccero deu de ombros. Qual a nossa escolha? Mesmo que eu repita a moo, eles vo continuar protelando.Eu no pude resistir a perguntar por que, ento, Hortnsio no quis fazer um acordo.Ccero balanou lentamente a cabea. Essa uma boa pergunta. Havia uma nvoa vinda do Tibre, e as luzes nas lojas aolongo do Argileto brilhavam amarelas e quadriculadas. Ele cheirou o ardesagradavelmente mido. Suponho que s possa ser porque ele est envolvido. Oque, no caso dele, naturalmente, significa muitssimo. Embora parea que at mesmoHortnsio prefira no ser associado publicamente a um delinqente to notrio quantoVerres. Por isso est tentando resolver o assunto discretamente. Pergunto-me oquanto ele est levando de Verres: deve ser uma quantia enorme. Hortnsio no foi o nico que saiu em defesa de Verres eu lembrei. No. Ccero voltou-se para mirar o prdio do senado, e pude ver que algo acabarade lhe ocorrer. Eles esto todos metidos nessa histria, no esto? Os irmosMetelo so autnticos aristocratas, nunca ergueriam um dedo para ajudar algum queno os seus, a no ser por dinheiro. Quanto a Catulo, o homem louco por ouro.Esteve frente da construo do Capitlio nos ltimos dez anos, o templo quasemais dele do que de Jpiter. Calculo que essa tarde ns estivemos olhando para pertode meio milho s em propinas, Tiro. Uns bronzezinhos de Delos, por mais finos quesejam, perdoe-me, Stnio, no seriam suficientes para comprar esse tipo de proteo.O que que tanto interessa Verres l na Siclia? Ele comeou a rodar o anel nodedo. Leve isso ao Arquivo Nacional, Tiro, e mostre-o a um funcionrio responsvel.Pea, em meu nome, para ver todos os pedidos de verbas oficiais submetidos aosenado por Gaio Verres.Minha expresso facial deve ter registrado todo o meu espanto. Mas o Arquivo Nacional dirigido pelo pessoal de Catulo. claro que ele vai ficarsabendo o que voc est fazendo. No h outro jeito. E o que devo pesquisar? Tudo que possa interessar. Voc vai saber quando vir. V rpido, enquanto ainda hum pouco de luz. Ele passou o brao em torno dos ombros do siciliano. Quanto avoc, Stnio, jantar comigo esta noite, certo? s a famlia, mas tenho certeza deque minha mulher ficar encantada em receb-lo.Eu duvidava um pouco, mas naturalmente no me cabia dizer isso.

  • O ARQUIVO NACIONAL, que mal tinha ento 6 anos de idade, projetava-se sobre o frumainda mais pesadamente do que hoje, pois a concorrncia era muito menor poca.Subi aqueles grandes lanos de escada at a primeira galeria, e quando encontrei umfuncionrio meu corao j estava acelerado. Mostrei-lhe o sinete e pedi, a mando dosenador Ccero, para ver as prestaes de contas de Verres. De incio ele disse quenunca ouvira falar de Ccero e que, alm disso, o prdio estava para fechar. Mas entoeu apontei na direo do Crcere e disse-lhe com firmeza que, caso no quisessepassar um ms atrs das grades da priso do Estado por bloquear matria oficial,seria melhor providenciar os documentos de imediato. (Uma lio que aprendi comCcero foi controlar os nervos.) O funcionrio fechou a cara, pensou um pouco e entome disse para segui-lo.O Arquivo era domnio de Catulo, um templo para ele e seu cl. Sobre o prtico estavainscrito "Q. Lutcio Catulo, filho de Quinto, neto de Quinto, cnsul por decreto dosenado, incumbiu-se da construo deste Arquivo Nacional, e julgou-a satisfatria" eao lado da entrada havia uma esttua do cnsul em tamanho natural, parecendo umtanto mais jovem e herica do que ele se mostrara aquela tarde no senado. Osfuncionrios, na maioria, ou eram seus escravos ou seus libertos, e usavam seubraso, um pequeno cachorro, costurado nas tnicas. Preciso contar que espcie dehomem era Catulo. Pelo suicdio do pai ele culpou o pretor do povo Gratidiano umparente distante de Ccero e, aps a vitria dos aristocratas na guerra civil entreMrio e Sula, vislumbrou a possibilidade de vingana. Seu jovem protegido, SrgioCatilina, por ordem sua, capturou Gratidiano e chicoteou-o pelas ruas at a tumba dafamlia Catulo, onde seus braos e suas pernas foram quebrados, as orelhas e o narizcortados, a lngua arrancada da boca e retalhada, e os olhos perfurados. Nesse estadolamentvel, sua cabea foi ento decepada, e Catilina levou-a em triunfo para Catulo,que aguardava no frum. Vocs entendem agora por que eu estava to nervosoenquanto esperava que as portas se abrissem?Os documentos senatoriais eram mantidos em salas prova de fogo, construdas pararesistir ao destruidora de raios, cavadas na rocha do Capitlio e, quando osescravos abriram a enorme porta de bronze, eu tive a viso de milhares e milhares depapiros enrolados, sados das sombras da colina sagrada. Quinhentos anos de Histriaestavam concentrados naquela nica salinha: meio milnio de magistraturas egovernanas, decretos pr-consulares e normas jurdicas, da Lusitnia Macednia,da frica Glia, e a maioria em favor das poucas famlias de sempre: os Emlios, osCludios, os Cornlios, os Lutcios, os Metelos, os Servlios. Era isso que dava aCatulo e a seu pessoal a confiana de olhar de cima para eqestres provincianos comoCcero.Deixaram-me esperando numa ante-sala enquanto procuravam os registros de Verres,e por fim me trouxeram uma pasta solitria contendo no mximo 12 rolos. Desde ondice eu percebi que tudo, com uma nica exceo, eram prestaes de contas do seutempo como pretor urbano. A exceo era um pedao de papiro em um estado toruim de conservao que mal valia o trabalho de desenrolar, que cobria suas atividadescomo magistrado iniciante 12 anos antes, na poca da guerra entre Sula e Mrio, e no

  • qual estavam escritas apenas trs frases: Recebi 2.235.417sestrcios. Gastei emdespesas, gros, pagamentos de delegados, o proquestor, a coorte pretoriana1.635.417 sestrcios. Deixei 600.000 em Arimino. Comparando aquilo com os rolos deprestaes meticulosas de contas que Ccero produziu quando era um magistradoiniciante na Siclia, todas escritas por mim, eu mal pude conter o riso. Isso tudo?O funcionrio me garantiu que sim. Mas onde esto as prestaes de contas do perodo dele na Siclia? Ainda no foram submetidas ao tesouro. Ainda no? Ele governador h quase dois anos!O sujeito olhou para mim com uma expresso vazia, e pude ver que no havia por queperder mais tempo com ele. Copiei as trs linhas relacionadas magistratura iniciantede Verres e sa para a noite.Enquanto estive no Arquivo Nacional, a escurido se abatera sobre Roma. Na casa deCcero, a famlia j estava jantando. Mas o patro havia deixado instrues com omordomo, Eros, para que eu fosse conduzido diretamente sala de refeies assimque retornasse. Encontrei Ccero recostado num div ao lado de Terncia. Seu irmo,Quinto, tambm se encontrava l, com a mulher, Pompnia. O terceiro div estavaocupado pelo primo de Ccero, Lcio, e o deslocado Stnio, ainda vestido com ostrajes sujos de luto e mexendo-se desconfortavelmente. Eu senti a atmosferacarregada to logo entrei, apesar de Ccero mostrar bom humor. Ele sempre gostou defesta. No era a qualidade da comida ou da bebida que importava para ele, e sim acompanhia e a conversa. Quinto e Lcio, junto com tico, eram os trs homens de queele mais gostava. E ento? ele me perguntou. Eu lhe contei o que encontrara e mostrei a cpia daprestao de contas de Verres como questor. Ele passou os olhos, resmungou e jogoua prancheta de cera na mesa. Olhe s isso, Quinto. O cretino preguioso at paramentir direito. Seiscentos mil, que soma mais redonda, nem um tosto a mais nem amenos, e onde ele a deixa? Porque, numa cidade que na poca estava devidamenteocupada pelo exrcito inimigo, o sumio pode perfeitamente ser atribudo a eles! Enenhuma prestao de contas da Siclia durante dois anos? Sou-lhe agradecido,Stnio, por trazer esse canalha minha ateno. Oh, sim, muito agradecido disse Terncia, com uma falsa doura. Muitoagradecido por nos fazer entrar em guerra com metade das famlias decentes deRoma. Mas parece que, a partir de agora, sempre podemos nos juntar aos sicilianos,portanto est tudo bem. De onde mesmo o senhor disse que era? De Termini, minha nobre senhora. Termini. Nunca ouvi falar, mas tenho certeza de que um lugar encantador. Vocpode fazer uns discursos para o conselho municipal, Ccero. Quem sabe no acabasendo eleito l, agora que Roma est definitivamente acabada para voc. Pode setornar cnsul de Termini, e eu serei a primeira-dama. Papel que tenho certeza voc desempenharia com a graa costumeira, minha querida Ccero falou, dando um tapinha no brao da mulher.Eles eram capazes de seguir se alfinetando assim por horas a fio. s vezes eu acho

  • at que gostavam daquilo. Eu ainda no percebo o que voc pode fazer em relao a isso falou Quinto. Elesara havia pouco do servio militar: era quatro anos mais novo que o irmo, e possuaa metade do crebro dele. Se questionar a conduta de Verres no senado, vodesconfiar. Se tentar lev-lo s barras do tribunal, eles se asseguraro de que sejaabsolvido. Melhor se manter longe disso, o meu conselho. E voc, o que diz, meu primo? Digo que nenhum homem honrado do senado romano pode assistir a essa espcie decorrupo sem fazer alguma coisa replicou Lcio. Agora que voc sabe dosfatos, tem o dever de torn-los pblicos. Bravo! disse Terncia. Voc falou como um autntico filsofo que nuncaprecisou trabalhar na vida.Pompnia bocejou ruidosamente. No podemos conversar sobre outro assunto? Poltica muito chato.Ela era uma mulher entediante, cujo nico atrativo bvio, parte o busto proeminente,era ser irm de tico. Eu notei os olhares dos dois irmos Ccero se encontrando emeu senhor balanar visivelmente a cabea: ignore-a, dizia sua expresso, no vale apena argumentar com ela. Est bem ele assentiu , chega de poltica. Mas eu proponho um brinde. Ergueu a taa e os outros o acompanharam. Ao nosso velho amigo Stnio. Quantomais no seja, que este dia fique marcado como o incio da recuperao de suafortuna, Stnio!Os olhos do siciliano estavam umedecidos pelas lgrimas de gratido. Viva Stnio! E viva Termini, Ccero acrescentou Terncia, seus olhinhos escuros, olhinhos desagi, brilhantes de malcia por sobre a borda da taa. No nos esqueamos deTermini. Fiz MINHA REFEIO sozinho na cozinha e fui, exausto, para a cama com uma vela e umlivro de filosofia que estava cansado demais para ler. (Eu tinha liberdade para pegar oque quisesse da pequena biblioteca da casa.) Mais tarde, ouvi os convidados indoembora e as fechaduras da porta da frente sendo trancadas. Ouvi Ccero e Ternciasubindo as escadas em silncio e tomando caminhos distintos, pois j fazia tempo queela dormia em outro aposento da casa para evitar ser acordada por ele antes doamanhecer. Ouvi os passos de Ccero no assoalho sobre minha cabea, e entoapaguei a vela, e este foi o ltimo som que ouvi enquanto me permitia adormecer seus passos para cima e para baixo, para cima e para baixo.Apenas seis meses mais tarde tivemos notcias da Siclia. Verres havia ignorado osapelos do pai. No primeiro dia de dezembro, em Siracusa, exatamente da maneiracomo havia ameaado, ele julgou Stnio revelia, declarou-o culpado de espionagem,condenou-o a ser crucificado, e enviou autoridades a Roma para prend-lo e lev-lo devolta para ser executado.

  • III O comportamento desafiador e escarninho do governador da Siclia pegou Ccerodesprevenido. Ele estava convencido de que fizera um acordo de cavalheiros quesalvaguardaria a vida de seu cliente. Mas ento, claro queixou-se amargamente , nenhum deles um cavalheiro. Andava pela casa com um dio que no lhe era caracterstico. Fora enganado! Tinham-no feito de bobo! Iria ao senado agora mesmo e exporia as vilanias mentirosas daquelagente! Eu sabia que ele no levaria muito tempo para se acalmar, pois tinha plenaconscincia de que perdera a causa simplesmente por querer ser ouvido no senado:correria o risco da humilhao.Mas no havia como negar o fato de que se encontrava no difcil dever de proteger seucliente e, na manh seguinte que conhecera a sentena, Ccero marcou uma reunioem seu gabinete para definir a melhor forma de responder. Pela primeira vez, ao queme recordo, todos os que costumeiramente o apoiavam se recusaram a comparecer, ens seis nos esprememos naquele pequeno espao: Ccero, seu irmo Quinto, seuprimo Lcio, Stnio, eu (para fazer as anotaes) e Srvio Sulpcio, j consideradoamplamente o jurista mais capaz da sua gerao. Ccero comeou convidando Srvio adar sua opinio jurdica. Teoricamente disse Srvio nosso amigo tem direito apelao em Siracusa,mas somente ao governador, ou seja, ao prprio Verres; portanto, esse um caminhofechado para ns. Mover uma acusao contra Verres no uma opo: comogovernador em exerccio ele possui imunidades executivas; alm do mais, Hortnsio opretor do tribunal de crimes de extorso at janeiro; e, alm disso tudo, o jri sercomposto por senadores que jamais mandaro prender um dos seus. Voc poderiaentrar com uma outra moo no senado, mas j tentou isso e de presumir que, setentar mais uma vez, provavelmente se deparar com os mesmos resultados. Continuarmorando em Roma no uma alternativa para Stnio: qualquer condenado por crimecapital est automaticamente sujeito a ser banido da cidade, e por isso invivel suapermanncia aqui. At mesmo voc, Ccero, passvel de ser processado caso oabrigue sob seu teto. Ento qual o seu conselho? O suicdio disse Srvio. Stnio deixou escapar um terrvel grunhido. Eurealmente temo que voc deva considerar tal hiptese. Antes que eles o capturem. Nogostaria de sofrer com o aoite, nem com os ferros quentes, ou os tormentos da cruz. Obrigado, Srvio disse Ccero, cortando-lhe a fala delicadamente antes que eletivesse chance de descrever com detalhes aquelas torturas. Tiro, precisamosdescobrir um lugar para Stnio se esconder. Ele no pode ficar mais nem um minutoaqui, o primeiro lugar onde viro procurar. Quanto situao legal, Srvio, suaanlise me impressiona de to perfeita. Verres um bruto, mas um bruto esperto,razo pela qual se sente fortalecido para pressionar com tanta convico. Em suma,tendo pensado muito sobre a matria durante toda a noite passada, me parece que

  • resta apenas uma possibilidade mnima. Qual? Recorrer aos tribunos.Essa sugesto provocou imediatamente um mal-estar geral, pois os tribunos eram,naquele momento, um grupo totalmente desacreditado. Tradicionalmente, eles haviamfiscalizado e equilibrado o poder do senado ao representar a vontade das pessoascomuns. Mas dez anos antes, depois de Sula ter derrotado as foras de Mrio, osaristocratas destituram-nos de seus poderes. No podiam mais convocar reunies, oupropor leis, ou pedir o impedimento de Verres por crimes e infraes graves. Comohumilhao definitiva, qualquer senador que se tornasse tribuno era automaticamentedesqualificado para concorrer a cargos mais elevados, tais como o de pretor ou decnsul. Em outras palavras, a condio de tribuno era como a morte poltica umposto para se confinar os iracundos e os rancorosos, os incompetentes e osrenegados: os efluentes do quadro poltico. Nenhum senador de posio social elevadaou ambio poltica consideraria tal possibilidade. Sei das suas objees falou Ccero, pedindo silncio com um aceno de mo. Mas os tribunos ainda preservam um pequenino poder, no verdade, Srvio? verdade concordou Srvio. Eles mantm resduos de um potestas auxiliiferendi. Nosso ar aparvalhado trouxe-lhe uma bvia satisfao. Isso significa ele esclareceu com um sorriso que eles tm o direito de oferecer sua proteo aindivduos que sofreram decises injustas de magistrados. Mas devo lhe avisar, Ccero,que seus amigos, entre os quais eu tenho a honra de me incluir faz muito tempo,pensaro coisas horrveis de voc caso enverede pela poltica da ral. Suicdio repetiu. Onde est a objeo? Somos todos mortais. Trata-se apenas de umaquesto de tempo para qualquer de ns. E deve-se percorr-lo com honra. Concordo com Srvio quanto ao perigo de nos acercarmos dos tribunos disseQuinto. (Ele geralmente empregava o "ns" quando envolvia o irmo mais velho.) Gostemos ou no, o poder em Roma hoje em dia est com o senado e com os nobres. por isso que a nossa estratgia tem sido sempre a de construir cuidadosamente areputao, pela advocacia nos tribunais. Podemos causar danos irreparveis a nsmesmos junto aos homens que de fato importam se passarmos a impresso de quesomos meramente mais um desses agitadores de massas. Alm disso... no sei sedeveria tocar nesse assunto, Marco, mas ser que voc est levando em consideraoa reao de Terncia caso adote esse caminho?Srvio deu uma gargalhada nessa hora. Voc jamais conquistar Roma, Ccero, se no puder controlar sua prpria mulher. Conquistar Roma brinquedo de criana, Srvio, pode acreditar em mim, comparadoa controlar minha mulher.E assim a discusso prosseguiu. Lcio se mostrou favorvel a uma aproximaoimediata com os tribunos, no importando as conseqncias. Stnio estava por demaisenvolvido pela tragdia e pelo pavor para emitir uma opinio coerente sobre qualquercoisa. No final, Ccero me perguntou o que eu achava. Em outros meios isso poderiacausar surpresa, a opinio de um escravo no tinha grande importncia aos olhos damaioria dos romanos, mas aqueles homens j estavam habituados ao modo como

  • Ccero freqentemente buscava meus conselhos. Eu respondi cautelosamente que meparecia que Hortnsio no gostaria de ter de patrocinar a ao de Verres, e que aperspectiva de o caso virar um escndalo pblico poderia for-lo a pressionar aindamais seu cliente a se mostrar razovel: procurar os tribunos era arriscado, mas,considerando-se tudo, valia a pena o risco. A resposta agradou Ccero. s vezes, em poltica ele falou, encerrando a discusso com um aforismo quenunca mais esqueci , se voc se sente acuado, o que deve fazer partir para abriga; comear uma briga, mesmo que no saiba como ir venc-la, porque somentequando a briga comea, e tudo est em movimento, que se pode ter esperana de vero caminho adiante. Obrigado, cavalheiros. E com isso a reunio estava encerrada. NO HAVIA TEMPO a perder, uma vez que as notcias de Siracusa j tinham chegado aRoma, era fcil concluir que os homens de Verres no deviam estar muito longe.Enquanto Ccero falava, eu j tinha idia de um possvel esconderijo para Stnio e,assim que a reunio acabou, procurei o gerente comercial de Terncia, Filotimo. Eleera um rapaz rolio e lascivo, que geralmente podia ser encontrado na cozinha,azucrinando as criadas para satisfazer um ou outro dos seus vcios, quando noambos. Perguntei-lhe se no haveria um apartamento disponvel em um dos conjuntosresidenciais da sua patroa, e quando ele respondeu que havia, eu o convenci a meentregar a chave. Verifiquei se no havia algum suspeito passando pela rua e, quandome senti seguro, convenci Stnio a me seguir.Stnio estava em estado de absoluta depresso, seus sonhos de voltar para casahaviam ido por terra, tinha pavor de ser preso. E eu receava que, quando visse o prdiodecrpito em Subura no qual eu lhe dissera de teria que morar, ele sentisse que atns o estvamos abandonando. As escadas eram precrias e escuras. Nas paredeshavia vestgios de um incndio recente. Seu quarto, no quinto andar, era pouco maiordo que uma cela, com um catre num canto e uma janela mnima cuja vista dava paraoutro apartamento, idntico, do outro lado da rua, to perto que Stnio poderia trocarapertos de mo com o vizinho. Como latrina havia um balde. Mas, se no ofereciaqualquer conforto, ao menos o pequeno apartamento lhe oferecia segurana escondido, desconhecido, dentro daquele labirinto de ruelas, seria praticamenteimpossvel descobri-lo. Ele me pediu, em tom lamentoso, para ficar mais um pouco alicom ele, mas eu precisava voltar e reunir todos os documentos relativos ao caso, demodo que Ccero pudesse apresent-los aos tribunos. Estvamos lutando contra otempo, eu lhe disse, e parti logo.O local em que se reuniam os tribunos ficava ao lado do prdio do senado, na velhaBaslica Prcia. Embora agora se tratasse apenas de uma casca, da qual a suculentacarne do poder fora totalmente sugada, o lugar ainda era freqentado. Osinconformados, os desapossados, os famintos, os militantes eram essas as pessoasque buscavam a baslica dos tribunos. Enquanto Ccero e eu atravessvamos o frum,podamos ver uma multido expressiva amontoando-se nos degraus para ver o que sepassava l dentro. Eu carregava uma pasta de documentos, mas mesmo assim tenteiabrir passagem para o senador da melhor forma que pude, recebendo chutes exingamentos, uma vez que aqueles cidados no morriam de amores por uma toga

  • prpura bordada.Eram dez tribunos, eleitos anualmente pelo povo, que sempre se sentavam nosmesmos bancos compridos de madeira, sob um mural que retratava a derrota doscartagineses. No era um prdio muito grande, e sim compacto, barulhento e quente, adespeito do frio dezembro l fora. Um jovem, estranhamente descalo, discursava paraa multido quando entramos. Era um rapaz feio, de cara amarrada, com uma vozgrosseira e cortante. Sempre havia muitos querelantes na Baslica Prcia, e de incioeu o tomei por um deles, pois sua fala parecia inteiramente devotada a discutir por queum determinado pilar no podia, de modo algum, ser demolido, ou sequer movido umapolegada para l ou para c, de forma a abrir mais espao para os tribunos. E mesmoassim, por alguma estranha razo, ele chamava ateno. Ccero comeou a escut-lomuito atentamente, e aps algum tempo percebeu devido s constantes refernciasa "meu ancestral" que aquela criatura era nada mais nada menos do que o bisnetodo famoso Marco Prcio Cato que havia construdo a baslica e lhe dado o nome.Menciono isso aqui porque o jovem Cato ele estava ento com 23 anos viria ase tornar uma importante figura, tanto na vida de Ccero quanto na morte da repblica.Mas naquele momento ningum poderia adivinhar tal coisa. Ele no parecia ter destinomais significativo do que o hospcio. Encerrou seu discurso e, ao sair, os olhosinjetados e sem conseguir distinguir nada nem ningum, esbarrou em mim. O quepermanece guardado em minha mente o odor animal que vinha dele, o cabelogrudado na testa e os rios de suor que lhe escorriam pela manga da tnica. Mas elehavia conseguido o que queria, e aquele pilar continuou no mesmo lugar enquanto oprdio permaneceu de p o que, infelizmente, no durou muitos anos.Voltando minha histria, os tribunos no eram l grande coisa, mas havia um entreeles que sobressaa pelo talento e energia: Llio Palicano. Era um homem orgulhoso,mas de origem humilde, de Piceno, nordeste da Itlia, base poltica de Pompeu, oGrande. Era voz corrente que quando Pompeu voltasse da Espanha usaria suainfluncia para conseguir uma pretoria para seus correligionrios, e Ccero ficara tosurpreso quanto todo mundo no incio do vero quando Palicano subitamente anunciousua candidatura a tribuno. Naquela manh em especial ele parecia bem satisfeito comseu grupo. O novo quadro de tribunos sempre iniciava suas atividades no dcimo dia dedezembro, portanto ele devia ser muito recente no trabalho. Ccero! ele berrou assim que nos viu. Estava justamente me perguntandoquando que voc viria aqui!Ele contou que j soubera das notcias de Siracusa, e que queria falar sobre Verres.Mas em particular, pois havia muito mais em jogo, disse misteriosamente, do que odestino de um homem. Props que nos encontrssemos em sua casa no Aventinodentro de uma hora, com o que Ccero concordou, e para onde imediatamente mandouum dos seus assessores nos conduzir, dizendo que iria em seguida, sozinho.A casa revelou-se simples e despretensiosa, assim como o dono, prxima PortaLaverna, fora dos muros da cidade. Aquilo de que me recordo mais claramente dobusto de Po