Roberto Basilone Leite - Introdução ao Direito do Consumidor

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N.Cham. 351.824.5 L5331 Autor Leite, Roberto Basilone Ttulo Introduo ao direito do consumidor 1111111 11111 11111 11111 11111 11111 11111 iI1I1JJ1l~i1I1 o >)> 1 PUC MINAS POOS BIBLIOTECA

ROBERTO BASILONE LEITE Juiz do Trabalho em Santa Catarina.

INTRODUO AO DIREITO DO CONSUMIDOR Os direitos do consumidor e a aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor

EDITORA Lli so PAULO 1 eo~oq ...Al: ~ AQ 2 T O 2 1 ~

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Leite, Roberto Basilone Introduo ao direito do consumidor os direitos do consumidor e a aplicao do cdigo de defesa do

consumidor / Roberto Basilone Leite So Paulo LTr, 2002. Bibliografia. lSBN 85-361-0166-O 1. 1. Consumidores Leis e legislao 1. Ttulo. 01-4433 CDU-34:381.6(61) (094.4) Consumidor: Direito 34:3816(81) (094.4)

2.

Direito do consumidor 34:381.6(81) (094.4)

BIBLIOTECAS DA PUC MINAS ndices para catlogo sistemtico,

(Cd. 2464.8) Todos os direitos reservados

ELT~4 EDITORA LTDA. Ruo Apa, 165- CEP 01201-904- Fone (11)3826-2788- Fax (11)3826-9180 So Paulo, SP-Brasil - www.lir.com.br Fevereiro, 2002

Beatriz e ao pequeno Rafaet com todo o meu amor

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NDICE Prefcio 13 Introduo 15 1.Evoluo do Direito do Consumidor 19 1.1. Em busca do tempo perdido 19 1.2. A Revoluo Industrial e o Liberalismo 19 1 .3. A Revoluo Tecnolgica 22 1.4. O problema do consumo de massa 25 1.5. Vulnerabilidade do consumidor 26 1 .6. O contrato de adeso 27 1.7. Obsolescncia dos princpios jurdicos tradicionais 27 1.8. Novos priL4pios jurdicos 29 1 .9. A sociedade de consumo global 30 1.9.1. Odireito norte-americano 30 1.9.2. Organizao das Naes Unidas 31 1.9.3. Comunidade Econmica Europia 32 1.9.4. Mercado Comum do Cone Sul 33 1.10. A Evoluo da legislao de consumo no Brasil 36 1.10.1. Pr-histria do Direito do Consumidor At 1980 36 1.10.2. Fase intermediria 1980-1 988 39 1.10.3. Constituio de 1988 Nasce o Direito do Consumidor 40 2. Noes Introdutrias de Direito do Consumidor 43 2.1. Elementos da relao de consumo 43 2.1.1. Sujeitos da relao de consumo 43 2.1.1.1. Fornecedor 43 2.1.1.1.1. Pessoa fsica ou jurdica 44 2.1.1.1.2. Entdades sem personalidade jurdica 44

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ROBERTO BASILONE LEITE 2.1.1.1.3. Produtos comprados no exterior 44 2.1.1.1.4. Fornecedor profissional autnomo 46 2.1.1.1.5. Responsabilidade do comerciante 46 2.1.1.2. Consumidor 49 2.1.1.2.1. Consumidor pessoa jurdica 50 2.1.1.2.2. Pessoa que ganha o produto ou servio 50 2.1.1.2.3. Produtos e servios destinados ao insumo 50 2.1.1.2.4. Consumidor coletividade 51 2.1.2. Produto e Servio 52 2.1.3. Conceito de consumo 53 2.1.4. Conceito de relao 54 2.1.5. Relao de consumo 54 2.2. Cdigo de Defesa do Consumidor 56 2.2.1. Conceito de Cdigo 56 2.2.2. Distino entre proteo e defesa 57 2.2.3. Cdigo Brasileiro de Defesa do Consumidor 58 2.2.3.1. Direitos de personalidade 59 2.2.3.2. Natureza principiolgica do Cdigo 61 2.2.3.3. Hermenutica jurdica 62 2.3. Direito do Consumidor 62 2.31. Definio de Direito do Consumidor 62 2.3.2. Autonomia do Direito do Consumidor 63 2.3.3. Finalidade do Direito do Consumidor 64 2.3.4. Natureza jurdica do Direito do Consumidor 65 3. Poltica Nacional das Relaes de Consumo 67 3.1. Princpios do Direito do Consumidor 68 3.1.1. Princpio protecionista 69 3.1.2. Principio da interveno estatal 71 3.1.2.1. A interveno do Estado na atividade privada 71 3.1.2.2. Estado liberal de Direito Sculos XVlll-XIX 73 3.1.2.3. Estado social de Direito Sculos XIX-XX 74

INTRODUO AO DIREITO DO CONSUMIDOR 9 3.1.2.4. O Estado fiscal Sculo XX 77 3.1.2.5. Estado democrtico e o mnimo social Sculo XX 3.1.2.5.1. Neoliberalismo 79 3.1.2.5.2. Neoliberalismo no Brasil 82 3.1.2.6.0 Estado da informao Sculo XXI 83 3.1.2.6.1. A disseminao do conhecimento 83 3.1.2.6.2. Consumo desmassificado 84 3.1.2.7. Filosofia de proteo ao consumidor 86 3.1.2.7.1. A realidade brasileira 88 3.1.2.8. Proteo ao consumidor 92 3.1.3. Principio democrtico 93 3.1.4. Princpio da garantia de adequao 96 3.1.4.1. Principio da ecologia do consumo 97 3.1.4.2. Principio do desestimulo 97 3.1.5. Princpio da boa-f objetiva 100

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3.1.6. Principio da informao 102 3.1.6.1. Principio da veracidade 103 3.1.6.1.1. Publicidade enganosa ou abusiva 104 3.1.6.1.2. Principio da identificabilidade 104 3.1.6.2. Principio da educaao 106 3.1.7. Principio da efetividade da norma 107 3.1.7.1. Principio da inverso do nus da prova 108 3.1.7.2. Teoria da desconsiderao da personalidade jurdica 3.1.7.3. Aplicao extensiva do Cdigo 111 3.1.7.4. Regra da competncia mais benfica 111 3.1.7.5. Regra dos efeitos erga omnese ultra panes 112 3.2. Direitos fundamentais do consumidor 112 3.2.1. Direito sade e segurana 112 3.2.1.1. Direito ao meio ambiente adequado 113 3.2.2. Direito proteo econmica 115 3.2.2.1. Direito ao consumo 116

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ROBERTO BASILONE LEITE 3.2.2.2. Direito liberdade de escolha 116 3.2.2.3. Teoria da impreviso e inalterabilidade do contrato 3.2.2.4. Direito assistncia judiciria gratuita 11 9 3.2.3. Direito informao e educao 119 3.2.4. Direito representao 1 20 3.2.4.1. Conveno coletiva de consumo 120 3.2.5. Direito reparao de danos 121 4. Tutela dos Direitos do Consumidor 123 4.1. Problemtica da tutela 123 4.1.1. Definio e justificao dos direitos do consumidor 4.1.2. Efetividade dos direitos do consumidor 125 4.2. Efetividade e democracia 126 4.3. Formas de tutela dos direitos do consumidor 127 4.4. Tutela formal 128 4.4.1. Publicidade 128 4.4.2. Clusula de prazo em apartado 129 4.4.3. Clusulas contratuais em destaque 129 4.4.4. Conhecimento prvio do contrato 129 4.4.5. Contrato incompreensivel 130 4.5. Tutela material 130 4.5.1. Clusulas contratuais obrigatrias 130 4.5.1.1. Impressos informativos 130 4.5.1.2. Comunicado pblico 130 4.5.1.3. Clusula de reparao de danos 131 4.5.1.4. Substituio de produto defeituoso 131 4.5.1.5. Contedo liquido incorreto 131 4.5.1.6. Solidariedade dos fornecedores 131 4.5.1.7. Peas de reposio originais ou adequadas 131 4.5.1.8. Nome e endereo do fabricante 132 4.5.1.9. Oramento discriminado 132

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INTRODUO AO DIREITO DO CONSUMIDOR 11 4.5.2. Clusulas contratuais vedadas 4.5.3. Responsabilidade 133 4.5.3.1. Obrigao 133 4.5.3.2. Responsabilidade 137 4.5.3.3. Espcies de responsabilidade 4.5.3.4.

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Responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual 1 38 4.5.3.5. lmperfeies do produto ou servio 138 4.5.3.5.1. Vcios do produto ou servio 139 4.5.3.5.2. Defeitos do produto ou servio 139 4.5.3.5.2.1. Conceito de defeito 139 4.5.3.5.2.2. Classificao dos defeitos 139 4.5.3.5.2.3. Fato do produto ou servio 140 4.5.3.6. Elementos da responsabilidade 141 4.5.3.7. Responsabilidade subjetiva, objetiva e por culpa presumida 141 4.5.3.8. Responsabilidade civil na relao de consumo 142 4.5.3.8.1. Terceiro prejudicado Bystander 144 4.5.3.8.2. Responsabilidade por acidente de consumo 144 4.5.3.9. Responsabilidade na importao de produtos 144 4.6. Tutela instrumental 145 4.6.1. Tutela instrumental administrativa 145 4.6.1.1. Sistema Nacional de Defesa do Consumidor 145 4.6.1.2. Sanes administrativas 146 4.6.1.3. Medidas educativas 148 4.6.1.4. Agncia nacional do consumidor e da concorrncia 148 4.6.2. Tutela Instrumental Penal 150 4.6.2.1. Espcies de crime contra o consumidor 151 4.6.2.2. Processo no crime contra o consumidor 152 4.6.2.2.1. Ao pblica 152 4.6.2.2.2. Assistentes do Ministrio Pblico 152 4.6.2.2.3. Co-autoria Gerentes e administradores 152

12 ROBERTO BASILONE LEITE 4.6.2.2.4. Penas cabveis 153 4.6.2.2.5. Cumulao de penas 153 4.6.2.2.6. Circunstncias agravantes do crime 153 4.6.3. Tutela instrumental jurisdicional cvel 153 4.6.3.1. Direito Processual Civil do Consumidor 153 4.6.3.2. Medidas judiciais cives 154 4.6.3.3. Ao individual de responsabilidade civil 1 55 4.6.3.4. Ao declaratria de clusula contratual 156 4.6.3.5. Tutela dos interesses coletivos, difusos e homogneos 156 4.6.3.5.1. Ao coletiva 158

4.6.3.5.2. Ao civil pblica 160 4.6.3,5.3. Ao de responsabilidade do fornecedor 4.6.3.5.4. Ao preventiva mandamental 161 4.6.3.5.5. Ao popular 161 4.6.3.5.6. Habeas data 162 4.6.3.6. Mandado de segurana 162 4.6.3.7. Ao cautelar 162 5.AVezdoPovo 163 Bibliografia 169

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PREFCIO Louvo o desenhista exato: Maneje lpis, carvo Ou pena, trace retrato Ou paisagem, sua mo Segura, certeira, leve: Nunca vi to leve assim. (Manuel Bandeira, in Estrela da Vida Inteira) A excelncia de uma obra tambm se autodefine por suas referncias bibliogrficas. Embora aqui se esteja fazendo uma apresentao s avessas desta Introduo ao Direito do Consumidor, o que se prope o autor Roberto Basilone Leite, Juiz do Trabalho, mais do que no sumrio, encontra-se qualificado na bibliografia de suma relevncia em diferentes campos do conhecimento humano, extrapolando a esfera do eminentemente legal, numa tica holistica da indagao cientfico-jurdica. Com efeito, o que se cognomina Direito do Consumidor tem seu surgimento como categoria jurdica distinta, deflagrada a partir da Carta Magna de 1988, malgrado a previso do instituto dos vcios redibitrios no secular Cdigo Civil e outras leis esparsas editadas entre 1940 e 1960 em proteo sade, economia e s comunicaes. A publicao do Cdigo de Defesa do Consumidor h pouco mais de uma dcada representa um marco histrico na luta pelo respeito aos direitos individuais, como aqueles consolidados na relao de consumo, a ser desenvolvida dentro de padres ticos mnimos. na construo desses valores, produto cultural de uma poca, em que se insere o mundo jurdico, que o Direito do Consumidor estabelece proficuo manancial vara a elaborao de uma teoria dos direitos de personalidade, consoante assertiva do autor. Ao princpio privatista da autonomia de vontades se ope uma nova teoria fundada a partir da responsabilidade civil objetiva e da consagra-

o dos interesses e direitos difusos, relativizando os efeitos dos contratos em prol da prevalncia de interesses coletivos privados.

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certo que o surgimento dessa legislao assecuratria dos direitos do consumidor, que o autor objetiva comentar, marca um estgio de desenvolvimento de nossa sociedade e representa um passo fundamental na proteo do individuo contra o sistema, mas sobretudo se concretiza como um ingente instrumento consagrao do Estado Democrtico de Direito. Trata-se de uma obra propedutica, em que o autor, Roberto Basilone Leite, aprofunda o perfil scio-poltico-econmico da realidade ptria, numa cosmoviso do Direito do Consumidor em sua breve, porm revolucionria, existncia. Apesar de seu intitulado carter introdutrio, o leitor vislumbrar uma investigao cientfico-jurdica de alta reflexo, completa e exauriente. Essa qualificao obra em questo decorrncia do extenso conhecimento multicultural de seu autor, de sua profunda formao humanstica e de sua reconhecida aptido para as letras jurdicas, j reveladas ao pblico em Manual de Direito Sumular do Trabalho, trazido a lume por esta mesma editora em 1999, e por prmios atribuidos a suas obras jurdicas em mbito nacional. Em suma, tenho a honra de prefaciar esta Introduo ao Direito do Consumidor, da Editora LTr, redigida por um virtuose da literatura jurdica ptria, em tema atual e mtodo didtico, obra reveladora da pesquisa cientfica e que enriquece o universo jurdico. Ligia Maria Teixera Gouva Juza Vice-Presidente do TRT de santa catarina e Professora da Universidade do Sul de santa catarina.

INTRODUO A presente Introduo ao Direito do Consumidor se destina a quem pretenda estabelecer um primeiro contato com esse ramo do direito, haja

vista a sistematizao e a delimitao metodolgica nela adotada, por meio da qual se procura fornecer ao leitor uma viso panormica da disciplina e a conceituao bsica dos seus institutos e princpios fundamentais. Considerando que o Cdigo Brasileiro de Defesa do Consumidor entrou em vigor em 1991, busca-se, em certos momentos, realizar um balano dos efeitos por ele produzidos na realidade socioeconmica e jurdica do Pas desde ento. A formao de um sistema cultural verdadeiramente brasileiro iniciase em meados do sculo XIX, com o Indianismo romntico de Gonalves Diast1~. Logo depois, influenciada pelas vanguardas europias do incio do sculo XX, a intelligentzia brasileira assume ostensivamente a tarefa de definir o perfil real do Pas e as caractersticas peculiares de nosso povo. Ao longo do sculo XX, desenvolve-se no Brasil um penetrante e valioso trabalho de pesquisa historiogrfica e sociolgica: a escola modernista dos anos 1920 e 1930, o ps-modernismo a partir dos anos 1940 e as vanguardas culturais dos anos 1960 revelam todas as variadas e muitas vezes paradoxais facetas da realidade nacional. Graas a esse esforo, foi possvel ver o que o Brasil. Agora hora de descobrir o que o Brasil quer vira ser Esse novo projeto nacional desafiador s se tornou possvel agora, que se tem conhecimento da situao ftica a partir da qual ele dever ser desenvolvido, dos instrumentos e potenciais disponveis, bem como das fraquezas que devero ser equacionadas. A sociedade brasileira est na fase inicial desse trabalho emprico de definio de seu projeto de nao autnoma, a partir de elementos (1)0 movimento brasileiro denominado Indianismo inicia-se em 1846, com a publicao dos poemas lricos do escritor maranhense Antnio Gonalves Dias (1 832-1 864). Massaud Moiss o declara o primeiro poeta autenticamente brasileiro, na sensibilidade e na temtica (MOISS, Massaud. A literatura brasileira atravs dos textos. 8 ed. rev. e aum. So Paulo: cultrix, 1980, p. 108).

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herdados de quase todos os povos do mundo. Os atores sociais, em todas as reas do conhecimento, ainda que inconscientemente, empenham-se em delinear os contornos claros e precisos do sistema social, econmico, poltico, jurdico e tico almejado, extraido de um paradigma do Estado ideal latente na mente coletiva. H muito se vem estudando o papel da vontade coletiva, distinta da vontade individual, na formulao dos destinos do povo, e a sua influncia decisiva na evoluo da civilizao humana. A propsito disso, o filsofo contemporneo Pierre Lvy afirma que o ideal da inteligncia coletiva implica a valorizao tcnica, econmica, jurdica e humana de uma inteligncia distribuda por toda parte, a fim de desencadear uma

dinmica positiva de reconhecimento e mobilizao das competncias.t21 Mas que relao direta essa questo a questo da transcendncia e da conquista do autoconhecimento por parte da nao brasileira guarda com o Direito do Consumidor? A resposta a seguinte: uma profunda relao. O Cdigo de Defesa do Consumidor, editado em 11 de setembro de 1990 e vigente desde 15 de maro de 1991, um marco desse novo projeto, pois representa uma de suas primeiras manifestaes concretas no Brasil, no campo jurdico. No se limitou o Cdigo a suscitar a discusso terica acerca da escala de valores ticos que deve reger as relaes sociais na rea do consumo o que j seria louvvel, mas ps em prtica um programa sistemtico de ao cooperativa entre Estado, organizaes nogovernamentais e iniciativa privada, de cunho administrativo-normativo, com a criao de um novo microssistema interdisciplinar de relaes humanas. A estrutura hiperesttica criada pelo Cdigo do Consumidor permite ao estudioso a avaliao: primeiro, da capacidade de adaptao do cidado brasileiro (em especial, o empresrio) a uma nova escala de padres de comportamento; segundo, do conjunto de princpios componentes dessa nova escala de valores, distinguindo entre os que so assimilveis e os que tendem a ser rejeitados pela coletividade. Ao normatizar novos princpios de comportamento consumeristico, o Cdigo desencadeou um processo de mudana social do tipo que Celso Furtado chama de projeto de autotransformao social. Segundo (2) LVY, Pierre. A inteligncia coletiva. Traduo de Luiz Paulo Rouanet. So Paulo: Loyola, 1998. p. 30.

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o renomado economista, o mtodo de elaborao de todo projeto social deve prever a participao direta dos prprios cidados, aos quais cabe, por um lado, identificar as caractersticas positivas da realidade, que devem ser estimuladas, e os aspectos negativos, passveis de modificao, e, por outro lado, apontar os meios de atuao direta da comunidade no sentido da implementao das transformaes necessrias, Sustenta ele que o ponto de partida do estudo do desenvolvimento deveria ser, no a taxa de investimento, ou a relao produto-capital, ou a dimenso do mercado, mas sim o horizonte de aspiraes da coletividade em questo, considerada esta no abstratamente, mas como um conjunto de grupos ou estratos com perfil definido, assim como o sistema de decises que prevalece nessa sociedade e os fatores imitantes que escapam ao poder interno de deciso. O desenvolvimento a transformao do conjunto das estruturas de uma sociedade em funo de objetivos que se prope alcanar essa sociedade. O primeiro problema

definir o campo de opes que se abre coletividade. Em seguida se apresenta o problema de identificar entre essas opes aquelas que se apresentam como possibilidade poltica, isto , que, correspondendo a aspiraes da coletividade, podem ser levadas prtica por foras polticas capazes de exercer um papel hegemnico no sistema de podeC.t~ O estudo dos efeitos sociais da Lei do Consumidor pode revelar aspectos fundamentais quanto ao modo de valorao tica das relaes de consumo pelo cidado brasileiro, suas tendncias e, acima de tudo, planos de ao e posturas capazes de concretizar as condies desejveis e eliminar as indesejveis. Apesar do tempo relativamente curto decorrido desde a sua edio, possvel constatar que o Cdigo de Defesa do Consumidor atuou como mecanismo propulsor de uma verdadeira revoluo dos costumes nacionais ainda em curso, sobretudo no setor da economia. Cabe reconhecer que os estmulos impostos pelo Cdigo no sentido da melhoria da qualidade dos produtos e servios reforam tendncias contemporneas resultantes da concorrncia internacional. Dessa forma, um nmero cada vez maior de empresas implanta servios profissionalizados de atendimento ao consumidor; outras instituem a figura do ombudsman, que atua como representante do consumidor dentro da empresa; certas empresas passaram a incluir Conselhos (3) FURTADo, celso. Vmprojetoparaoarasi/.4ced. Rio de Janeiro: Saga, 1968, p. 19-20.

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de Consumidores em sua estrutura administrativa, principalmente para a definio de polticas mercadolgicas; os produtos so constantemente aperfeioados e tornados mais atraentes e funcionais, em nveis at mesmo superiores queles exigidos pelo Cdigo; cresce o nmero de pesquisas de satisfao de clientes. A cultura brasileira guarda traos da moral escravocrata feudal, que acarreta a hierarquizao das classes sociais e, com isso, a falta de respeito mtuo entre os cidados. O Cdigo do Consumidor, na medida em que impe certos padres de comportamento tico, vem contribuindo para a mudana dessa mentalidade, a afirmao da cidadania nacional e a garantia da efetividade do acesso Justia. Em ltima anlise, ao ajudar a impulsionar o processo de transformao social e de definio do mosaico da nova sociedade de consumo brasileira, o Cdigo concorre para a propagao das metas de lealdade e eficcia na produo e distribuio de bens e servios.

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de Consumidores em sua estrutura administrativa, principalmente para a definio de polticas mercadolgicas; os produtos so constantemente aperfeioados e tornados mais atraentes e funcionais, em nveis at mesmo superiores queles exigidos pelo Cdigo; cresce o nmero de pesquisas de satisfao de clientes. A cultura brasileira guarda traos da moral escravocrata feudal, que acarreta a hierarquizao das classes sociais e, com isso, a falta de respeito mtuo entre os cidados. O Cdigo do Consumidor, na medida em que impe certos padres de comportamento tico, vem contribuindo para a mudana dessa mentalidade, a afirmao da cidadania nacional e a garantia da efetividade do acesso Justia. Em ltima anlise, ao ajudar a impulsionar o processo de transformao social e de definio do mosaico da nova sociedade de consumo brasileira, o Cdigo concorre para a propagao das metas de lealdade e eficcia na produo e distribuio de bens e servios. j PUC MINAS POOS BIBLIOTECA

1. EVOLUO DO DIREITO DO CONSUMIDOR 1.1. EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO

O progresso material da humanidade ocorrido nos ltimos dois sculos superou tudo o que se havia criado em milhes de anos. Surgido h trs milhes e quinhentos mil anos, o homem levou mais de dois milhes de anos para inventar o machado de punho, que se tornou a sua principal ferramenta e arma durante mais de um milho de anos. S muito tempo depois, h 35 mil anos, foi que criou o arco e flecha. Passaram-se mais trinta mil anos at que o homem inventasse a roda, o arado, a vela de iluminao e erigisse a primeira grande civilizao do planeta, na Mesopotmia. O arco e flecha e seus congneres deram lugar s armas de fogo h trezentos anos. O arado foi substituido pelo trator, e as veias, por lmpadas eltricas, em meados do sculo XX. Enquanto nos primeiros trs milhes e quinhentos mil anos de existncia a espcie humana foi do machado de punho ao arado, nos ltimos 150 anos ela caminhou vertiginosamente da mquina a vapor aos satlites artificiais, aos computadores e clonagem gentica. 1.2. A REVOLUO INDUSTRIAL E O LIBERALISMO

Uma fantstica revoluo tecnolgica estava sendo engendrada desde o sculo XIV, no corao da Europa. Durante toda a Idade Mdia e boa parte da Idade Moderna, os povos europeus conviveram com governos absolutistas e no raro despticos. Ao absolutismo dos monarcas se agregava a imensa influncia da Igreja Catlica para compor ncleos de fora que ditavam as normas e moldavam a realidade social da poca. Os cidados praticamente no tinham meios de influir na administrao do Estado, muito menos de fiscaliz-la ou impor-lhe algum controle. Em regra, tambm no Lhes era permitido defender seus pontos de vista livremente, sobretudo quando estes divergissem da opinio dos governantes ou dos sacerdotes. Muitos foram condenados morte pelo simples fato de defenderem suas idias. 1t JV. 1 A & 3 1 ..~ 1 .1 Si ti 20 ROBERTO BASILONE LEITE Como reao ao absolutismo estatal e religioso, inicia-se no norte da Itlia, em fins do sculo XIV, o Renascimento, que resgata o humanismo dos antigos filsofos g regos pr-helensticos, sobretudo Scrates (470-399 a.C.), Plato (427-347 a.C.) e Aristteles (364-322 a.C.). Prenunciando o liberalismo, o humanismo sustenta que o homem vem ao mundo no apenas para servir a Deus, mas para desenvolver livremente as suas possibilidades e desfrutar a vida. A revolta aos poucos vai se acentuando. Em meados do sculo XVII a reao contra o absolutismo torna-se mais acirrada. Dando continuidade ao desenvolvimento das novas idias liberais, o filsofo holands Baruch Spinoza (1632-1677) expe em 1660 sua teoria sobre a natureza e a tica, em que defende de forma enrgica a liberdade de opinio e a tolerncia religiosa. Embora considere as leis da natureza a causa interna de tudo o que acontece, ele encontra no ser humano uma pequena margem de liberdade. Essa liberdade consiste, para ele, na condio que um homem tem de desenvolver todas as possibilidades que lhe so inerentes. Assim, apesar de ter de se sujeitar s leis da natureza, um homem pode se considerar livre a partir do momento em que consiga desenvolver as possibilidades a ele inerentes, sem encontrar a obstruo das circunstncias polticas, religiosas, econmicas ou sociais. Pouco tempo depois, em 1690,0 filsofo ingls John Locke (16321704), em seu Ensaio sobre o entendimento humano, reconhece a existncia de um direito natural, em funo do qual o ser humano j traz consigo, ao nascer, certas diretrizes e conceitos ticos vlidos para todas as pessoas. Locke o primeiro filsofo a esboar o princpio da diviso dos poderes que ser mais tarde formulado por Montesquieu (1689-1755), por meio do qual prega a adoo do Estado de direito para se evitar a tirania. A par de defender a liberdade de opinio e de crena, Locke o primeiro grande filsofo moderno a propugnar pela igualdade de direitos entre os sexos, sob o argumento de que a posio de inferioridade das mulheres fora engendrada pelos homens. Graas a Locke, restaura-se o mtodo emprico aristotlico, que conduzir futura doutrina positivista. Oempirismo filosfico compre-

endido como o mtodo da busca prtica e experimental das solues para os problemas humanos estrutura-se ao longo do sculo XVIII, sustentado no fenomenismo do filsofo escocs David 1-lume (1711-1776) e no imaterialismo do irlands George Berkeley (1665-1753). Por trs dos fenmenos existe uma realidade que deve ser analisada e apreendida:

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Hume extrai de Bekerley os fundamentos para reduzir at mesmo as formas geomtricas s suas fontes sensveis, ou seja, sua realidade interna, ontolgica.141 Com isso se estabelece o marco inicial e a base da cincia contempornea e da Revoluo Industrial. Os filsofos do empirismo ingls Locke, 1-lume e Berkeley fornecemos alicerces para o lluminismo francs, em meados do sculo XVIII. Os pensadores iluministas, dentre os quais se destacam Voltaire (1694-1778), Montes quieu (1689-1755) e Rousseau (1712-1778), tratam de dar sentido poltico doutrina liberal inglesa e passam a pregar a rebeldia contra o autoritarismo h muito arraigado s tradies da nobreza e da Igreja europia. No demora muito para que a revolta acenda o estopim das Revolues Norte-Americana e Francesa. As idias liberais, como se depreende, surgiram com o intuito de eliminar o absolutismo do Estado e ampliar os espaos da cidadania. Nasceram na Inglaterra do sculo XVII com os filsofos empiristas, desenvolveram-se na Frana do sculo XVIII com os iluministas, propagaram-se pela Europa e pelo mundo, inspiraram a Independncia norte-americana em 1776 e triunfaram com a Revoluo Francesa, em 1789. Devemos aos liberais importantes conquistas na rea do direito, tais como o reconhecimento da existncia de direitos e liberdades fundamentais do homem e a adoo de constituies polticas por quase todos os pases do mundo.15t Cada ser traz em si a causa de sua prpria runa: com o passar do tempo, o liberalismo se radicaliza. O projeto iluminista de retorno natureza transforma-se, aos poucos, num complexo sistema de devastao da natureza. A reforma religiosa renascentista prega que o homem no existe para servir a Deus, mas sim para servir-se de Sua criao, a natureza, a fim de conquistar uma situao de bem-estar social; essa idia vai sendo deturpada e d causa a um processo de degradao ecolgica e devastao da vida no planeta. (4) HEINEMANN, Fritz. A filosofia no sculo XX. Traduo e prefcio de Alexandre F. Morujo. ed. Lisboa: Fundao calouste Gulbenkian. 1993, p. 210. (5) O historiador do direito John Gilissen discorre sobre os efeitos produzidos pelas revolues liberais norte-americana e francesa na teoria do direito constitucional ocidental em sua magistral Introduo histrica ao direito, publicada em portugus pela Fundao Calouste Gulbenkian, de Lisboa, em traduo de A. M. Hespanha e L.

M. Macaista Malheiros, confira-se a sua 2~ edio, de 1995, p. 413-441.

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Assim, do liberalismo nasce o monstro do capitalismo selvagem, que a humanidade ter de destruir ou domesticar, se quiser evitar a sua prpria extino. 1.3. A REVOLUO TECNOLGICA Ao longo do sculo XIX, o novo mtodo cientfico emprico produz seus frutos. Em 1825 inaugurada a primeira estrada de ferro do mundo, de Stockton a Darlington, na Esccia. Em 1838 construdo o primeiro navio de ferro, o Great Britain. Em 1856, Bessemerdescobre o ao. O primeiro poo petrolfero do mundo aberto na Pensilvnia em 1859 e em 1870 comea a se erguer o grande truste americano dos Rockefeller Quase todas as grandes invenes da poca surgem na Inglaterra, como corolrio direto do pensamento empirista. H umas poucas excees, como a primeira lmpada eltrica, instalada em 1875 na Gare du Nord, em Paris. O imprio ingls se expande: o Canad tomado aos franceses; a ndia anexada; a China submetida; Suez, o Egito e o Oriente Mdio so controlados; a Inglaterra domina a Birmnia e grande parte do territrio africano. Entre 1874 e 1906,08 ingleses dominam um quarto das terras do planeta e trinta por cento da populao mundial. Em 1895, contudo, surge um concorrente para ameaar o poderio britnico: a metalurgia inglesa ultrapassada pela alem. Da surge a disputa que constitui o embrio da primeira guerra mundial>61 Inicia-se o sculo XX e surge o automvel moderno: o Peugeot 1901. Na dcada de 19400 homem domina a fuso nuclear e em 1951 so postos venda os primeiros computadores: o Ferranti Mark 1, na Inglaterra, e o Univac, nos Estados Unidos. A fantstica evoluo tecnolgica iniciada no sculo XIX acarreta profundas transformaes na realidade econmica, poltica e social do mundo. Essa nova realidade, por sua vez, impe a mudana da legislao vigente, que se torna ultrapassada e inadequada para solucionar os conflitos interpessoais. (6) H. O. Wells narra em detalhes o processo de concorrncia poltica entre Alemanha e Inglaterra que acabou por culminar na Primeira Grande Guerra. lo WELLS, H. G. Histria universal. Traduo de Anisio Teixeira. V ed. So Paulo: cia. Ed. Nacional, 1966, v. 9, p. 41 2-464.

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O jusfilsofo Norberto Bobbio adverte que o elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar, com a mudana das condies histricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponveis para realizao dos mesmos, das transformaes tecnolgicas, etc. Direitos que foram declarados absolutos no final do sculo XVIII, como a propriedade sacre et inviolable, foram submetidos a radicais limitaes nas declaraes contemporneas; direitos que as declaraes do sculo XVIII nem sequer mencionavam, como os direitos sociais, so agora proclamados com grande ostentao nas recentes declaraes>7~ Foram surgindo, assim, novas disciplinas jurdicas. O computador e a lnternet propiciaram o aparecimento do direito da informtica ou direito ciberntico; a conscincia da devastao ecolgica do planeta fez nascer o direito ambiental; as experincias genticas e a clonagem de seres vivos deram origem biotica e ao biodireito. Dentre as graves mudanas que condicionam o mundo atual, destaca-se a que talvez seja a mais sensvel no cotidiano do povo: a transformao de toda a populao do planeta em um staff de consumidores. Hoje praticamente no existem comunidades auto-suficientes ou sustentadas por economia de escambo, o que era relativamente comum h trezentos anos. Cada um dos seis bilhes de habitantes do planeta um consumidor ao menos em potencial, j que 15% dessa populao encontra-se abaixo da linha da misria e no tem poder de consumo. Todos, ademais, tendem a pensarcomo consumidores. Ressalvadas raras excees, o cidado mdio,18 em condies psicolgicas normais, decidir sempre consumir o produto importado de melhor qualidade e menor preo, mesmo sabendo que, ao deixar de adquirir o produto nacional, estar contribuindo para aumentar o desemprego e des(7) BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Traduo de Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: campus, 1992, p. 18. (8) O cidado mdio a que nos referimos corresponde Ourchschnittsperson, ou seja, pessoa mdia do direito germnico, que os governos dos pases desenvolvidos consideram hoje o principal fator estratgico de todo programa poltico. Acerca do tema, o iurista Frik Jayme declarou, numa conferncia realizada em 5 de junho de 1997 em Osnabrck, na Alemanha, que nenhuma ordem jurdica pode sobreviver sem a figura criada da pessoa mdia, so as expectativas e vises de mundo desta figura irreal que ajudam a interpretar e concretizar os conceitos de direito, os conceitos indeterminados e as clusulas gerais (JAYME, Erik. vises para um teoria psmoderna do direito comparado. Revista dos Tribunais, So Paulo, Revista dos Tribunais, v. 68, n. 759, jan. 1999, p. 33).

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prestigiar a indstria de seu pas. Nas relaes negociais, inclusive nas de consumo, a ideologia do consumidor normalmente suplanta as demais ideologias da pessoa mdia. interessante notar que o mesmo indivduo, quando se coloca na posio de consumidor, adota a ideologia do consumidor, mas se no minuto seguinte tiver de assumir a postura de trabalhador assalariado, ele alterar imediatamente seu discurso e passar a defender a ideologia social do operariado. Em outros termos, ao pleitear a obteno de direitos trabalhistas, o individuo no quer saber que impacto isso acarretar nos preos e na capacidade de concorrncia do produto ou servio fornecido por seu empregador; contudo, quando se pe na condio de consumidor, o mesmo individuo pugna por produtos baratos e de boa qualidade, sem se interessar por conhecer os custos sociais e trabalhistas implicados no processo produtivo e mercantil que viabilizou a colocao no mercado de produtos importados, a preos s vezes extremamente baixos.19 Essa contradio de ideologias, por estar latente no ntimo de cada trabalhador-consumidor, tende, a longo prazo, a criar srios descompassos macroeconmicos. A sucesso de conflitos decorrentes de tal estrutura ideolgica paradoxal reflete, no fundo, um ponto de atrito entre o direito do trabalho (ideologia de proteo ao trabalhador) e o direito do consumidor (ideologia de proteo ao consumidor), e est decerto na raiz dos fatos que provocaram a derrocada do comunismo no mundo. Pois bem, diante da constatao de que todos so consumidores em potencial e, mais do que isso, esto tica e sociologicamente integrados no cenrio econmico da sociedade de consumo, pode-se calcular a importncia do estudo e da regulamentao desse agente econmico o consumidor, bem como das relaes e fenmenos a ele relacionados. Praticamente todos os setores da vida atual so, direta ou indiretamente, sustentados por relaes de consumo de bens ou de servios: o lazer, o estudo, a sade, a moradia, que engloba a locao de imveis e a construo civil, a alimentao, etc. Os interesses do consumidor deixaram de ter apenas conotao individual e passaram a representar interesse pblico. A qualidade e a (9) Tivemos a oportunidade de travar com o magistrado Sebastio Tavares Pereira um debate sobre a questo da ideologia do consumidor, que contribuiu para a formulao dessa idia.

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segurana dos produtos e servios colocados no mercado de massa, a garantia de adequao dos mesmos, a idoneidade do fornecedor, a confiabilidade da propaganda so questes que interessam no apenas ao individuo que adquire este ou aquele bem, mas a toda a coletividade, que deseja reduzir os riscos inerentes s relaes de consumo. 1.4.0 PROBLEMA DO CONSUMO DE MASSA At meados do sculo XVIII, consumidor e fornecedor encontravam-se em condies de igualdade. A atividade produtiva era artesanal e envolvia apenas os membros da famlia ou alguns poucos operrios. As relaes de consumo eram singelas e modestas: o consumidor final, por via de regra, adquiria as mercadorias diretamente do produtor. Os bens eram manufaturados de forma quase individualizada para cada consumidor, o que contribua para diminuir sensivelmente a margem de vcios ou defeitos. Dessa forma, o produtor conhecia o produto que colocava no mercado e o consumidor, de sua parte, sabia a procedncia do que comprava. Com a Revoluo Industrial e a exploso demogrfica, houve ntida separao entre as atividades de produo e de comercializao. A demanda aumentou incrivelmente e gerou o chamado consumo de massa, ou consumo em larga escala. A demanda passou a ser to grande que os produtores se viram obrigados a dividir o processo produtivo em fases distintas e sucessivas, atribuidas a diferentes empresas industriais. A mercancia, pelas mesmas razes, tambm se setorizou: grandes atacadistas adquirem os produtos da indstria para vend-los, em larga escala, aos atacadistas regionais e locais, que, por sua vez, os revendem aos comerciantes varejistas, numa rede de negcios que envolve vrios niveis de revenda. A propaganda se desprendeu da atividade puramente comercial e criou seu prprio campo de atuao, com empresas especificas em cada ramo publicitrio. Como resultado, o consumidor no conhece mais o produtor da mercadoria que adquire. Normalmente, nem mesmo tem acesso ao contedo da embalagem, que vem lacrada; os defeitos s sero constatados depois da aquisio.

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O produtor, por sua vez, perdeu o controle sobre os bens que produz, pois a distribuio, comercializao e propaganda ficam a cargo dos importadores, comerciantes e publicitrios. O controle de qualidade do produtor fica, com isso, limitado ao trmino da fase do processo produtivo que a ele compete.

A prestao de servios tornou-se impessoal e nformatizada. O consumidor no mais contrata determinada pessoa para o servio, como ocorria antes. Os servios so em parte realizados pelo prprio consumidor, em sistemas self sevice, muitas vezes por mtodos mecnicos ou eletrnicos. Quando o servio envolve terceiros, o consumidor no conhece nem tem como escolher as pessoas que a empresa contratada enviar para realizar o servio. Diante disso, tornou-se imprescindvel a existncia de normas destinadac a organizar esse complexo processo econmico, que comea no extrator da matria-prima, passa pelos produtores primrios e secundrios e atravessa a rede mercantil-financeira-publicitria, at chegar ao consumidor final. A organizao desse processo, com a definio das responsabilidades atribuveis a cada participante, necessria, no s para a proteo dos consumidores, mas para a prpria viabilidade e sobrevivncia do sistema. 1.5 VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR Na relao de consumo, sobretudo no consumo em larga escala, o consumidor tende a ser a parte mais vulnervel o que no significa ser ele economicamente mais fraco, ou hipossuficiente. O consumidor pode at ser mais rico do que o fornecedor, porm, ao participar de uma relao de consumo, ele est em situao de desvantagem. Pela prpria natureza dessa relao, o fornecedor ocupa nela posio estrategicamente dominante. Ainda que o consumidor seja economicamente mais forte o que, diga-se de passagem, no comum, praticamente nada poder fazer no sentido de lesar o fornecedor. Este, ao contrrio, ter condies de lesar o consumidor de vrias maneiras: pelo ocultamento de detalhes tcnicos ou de vcios e defeitos do produto, pela propaganda de caracterfsticas irreais do produto, pela cobrana de preo incorreto, pela entrega de mercadoria diferente da adquirida, pela instalao incorreta, pela demora ou inocorrncia da entrega do produto adquirido, pela prestao

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de servios de qualidade insatisfatria. Ao se defrontar com episdios dessa ordem, pouco poder o consumidor fazer para obrigar o fornecedor a solucionar o problema se no existir uma legislao rigorosa e eficaz a ampar-lo. 1.6.0 CONTRATO DE ADESO O consumo em larga escala deu origem ao contrato de adeso, cujas clusulas so padronizadas. O consumidor limita-se a aderir a ele, sem possibilidade de discutir suas clusulas. Seria infactvel, por exemplo, num contrato de seguro, cada contratante querer discutir-lhe

as clusulas, porquanto os clculos logsticos, a partir dos quais so fixadas as taxas mensais e prmios, consideram a diviso equnime dos custos e riscos entre os participantes do plano. No possvel adotar-se taxas ou condies diferenciadas para cada segurado. Assim, por um lado, o contrato de adeso imprescindvel para as relaes de consumo de massa contemporneas, por ser a melhor forma conhecida de concretizar a contratao em larga escala. Por outro lado, no entanto, esse tipo de contrato acentua os riscos para o consi midor, o qual fica merc das condies previamente impostas pelo fornecedor. Com efeito, acentua-se nesse tipo de contrato a fragilidade do contratante-consumidor, pois ele quem tem de aceitar as clusulas impostas pelo contratante-fornecedor. A circunstncia de ser o contratopadro redigido unilateralmente pelo fornecedor tende, via de regra, a estimul-lo ao abuso do poder, que acaba se revelando pela estipulao de clusulas excessivamente vantajosas para ele e injustificadamente prejudiciais ao consumidor. A doutrina civil contratual denomina leoninas as clusulas excessivamente vantajosas ao fornecedor, e vexatrias, as excessivamente gravosas ao consumidor. A Comunidade Econmica Europia as chama genericamente de injustas, e a lei brasileira, de abusivas. 1.7. OBSOLESCNCIA DOS PRINCPIOS JURDICOS TRADICIONAIS O instituto do contrato sempre foi regido por princpios herdados do direito romano. Destacam-se dentre eles trs principais: o principio

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da autonomia da vontade, o do respeito absoluto ao contratado ou da fora obrigatria do contrato,~0~ conhecido pela expresso pacta sunt setvanda, e o da responsabilidade fundada na culpa do agente>1 Os trs princpios ostentam o mesmo objetivo: assegurar o cumprimenLo do contrato nos exatos termos constantes de suas clusulas, como forma de resguardar a segurana dos negcios juridicos. Em ltima anlise, pretende-se, por meio desses princpios, sublimar o ideal luminista da igualdade, pela negao de privilgios a qualquer uma das partes. A mxima pacta sunt senanda determina que os pactos devem ser respeitados. Para viabilizar esse objetivo, a lei assegura a liberdade da pessoa de formular ou no o contrato: trata-se do principio da autonomia da vontade e da liberdade de contratao. Dessa forma, no periodo anterior publicao do Cdigo do Consumidor, desde que houvesse ocorrido um dano ao consumidor em decorrncia de defeito do produto ou dos servios prestados, o ressarcimento dependfa da comprovao de ter o fornecedor agido culposamente.

A nova realidade econmica, todavia, tornou obsoletos esses antigos princpios romanistas. A autonomia da vontade do consumidor hoje uma falcia. Que utonomia real de vontade possui o consumidor que, por necessitar de um automvel para o trabalho, assina um contrato de leasing ou de consrcio com a empresa representante de uma indstria multinacional automobilstica? Que escolha tem ele ao contratar com poderosissimas empresas fornecedoras de servios de telefonia ou de energia eltrica, quase sempre monoplicas? As opes deixadas ao consumidor de renunciar aquisio de um automvel, de uma linha telefnica ou de abrir mo do uso de energia eltrica so meramente ficcionais, pois estes e outros bens, antes qualificados como suprfluos, hoje representam necessidades bsicas do cidado. No cabe aqui descer anlise sociolgica dessa questo. Os exemplos mencionados so bastantes para demonstrar a carncia de que se ressentia a sociedade de princpios jurdicos mais modernos, capazes de acomodar a nova realidade das relaes de consumo. Os antigos princpios de cunho liberal acabavam intensificando ainda mais a situao de vulnerabilidade a que fora conduzido de facto o (10) GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 24. (11) DIAS, Jos~ de Aguiar. Da responsabilidade civil. 10 cd. 4 tir. rev. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 1997, v. 1, p. 43.

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consumidor na sociedade massificada, na medida em que os fornecedores se serviam de tais princpios para eludir sua responsabilidade em relao aos produtos e servios colocados no mercado. A teoria da culpa, por si s, permitia ao fornecedor esquivar-se de sua responsabilidade at o ponto de tornar-se praticamente irresponsvel pelos danos causados ao consumidor. Segundo o professor Cavalieri Filho, o iderio liberal individualista era hostil ao consumidor; erguia-se como verdadeiro dique proteo dos seus interesses>12) A deficincia da legislao civil e comercial originria da primeira metade do sculo XX para a proteo do consumidor estimulava a proliferao, no meio empresarial, de prticas abusivas, formao de cartis e contratos leoninos. O empresrio assumia, dessa forma, uma condio de evidente preeminncia: tinha sua disposio um mercado consumidor de massa, imenso e passvel de manipulao pela via publicitria; nenhuma norma legal o impedia de eliminar as condies de efetiva concorrncia de mercado por meio de cartis e acordos informais monoplicos com os demais produtores. A par de tudo isso, tinha ainda sua disposio meios jurdicos para evitar sua responsabilidade pelos produtos e servios fornecidos. 1.8. NOVOS PRINCPIOS JURDICOS A realidade levou o Direito a estabelecer novos princpios e nor-

mas, capazes de proporcionar maior equilbrio jurdico relao entre fornecedor e consumidor, sem impedir a livre formulao de contratos de massa e sem embaraar o mercado de consumo. Era necessrio fixar parmetros e limitaes ao poder do fornecedor. E no seriam suficientes meras alteraes superficiais na legislao ordinria, seno a reviso dos prprios princpios orientadores da teoria geral dos contratos e das obrigaes, os quais formavam um manto protetor sob o qual se ocultava o poderoso fornecedor capitalista. Desenvolveram-se, assim, novos princpios jurdicos, aplicveis s relaes de consumo e tendentes a proteger o consumidor. Os princpios da autonomia da vontade e da liberdade de contratao foram substituidos pelos princpios da vulnerabilidade do consumidor e da interven(12) CAvALIERI FILHO, Srgio. O direito do consumidor no limiar do sculo XXI. Cidadania e Justia Revista da Associao dos Magistrados Brasileiros, Rio de Janeiro. anoS, n. 7, 2~ sem. 1999, p. 22.

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o estatal; a clusula pacta sufl servanda deu lugar rebus sic stantibus; a responsabilidade deixou de ser fundada na prova da culpa do fornecedor, e assim por diante. 1.9. A SOCIEDADE DE CONSUMO GLOBAL A relevncia das relaes de consumo alcanou o patamar internacional. Com a expanso e integrao do mercado mundial, elas tiveram de passar a ser objeto de regulamentao por parte de quase todos os pases, bem como dos organismos plurinacionais que representam os grandes blocos econmicos. Todas essas normas internacionais apresentam, como caracterstica comum, a tendncia de estabelecer um rol de direitos fundamentais do consumidor e fomentar a criao de instrumentos destinados sua proteo. Noutros termos, a inclinao protecionista uma constante nas legislaes das diversas regies do planeta. Convm empreender uma breve recapitulao da evoluo das normas de consumo no mbito internacional. t9.1. O Direito Nade-Americano O direito norte-americano foi o primeiro a acolher, j no sculo XIX, os modernos princpios de defesa do consumidor, com certeza porque os Estados Unidos tiveram um processo muito rpido de modernizao tecnolgica. Fundamentou-se nos princpios protetivos a deciso prolatada pela Suprema Corte americana no caso Thomas versusWinchester, de 1852, segundo relata Gabriel Saad.~131 Houve nova deciso, no mesmo sentido, em 1960, no caso Green-

man versusYuba Power Products, que fomentou vigorosa discusso em torno do tema. Pouco tempo depois, o presidente John Kennedy, em discurso proferido ao Congresso dos Estados Unidos a 15 de maro de 1962, ressaltou a necessidade de que os governos passassem a reconhecer os direitos bsicos dos consumidores e a implantar polticas estatais capazes de garanti-los. Esse discurso teve tamanha repercusso que a Organizao das Naes Unidas instituiu o 15 de maro como o dia internacional do consumidor. (13) SAAD, Eduardo Gabriel. Comentrios ao Cdigo de Defesa do Consumidor 4 ed. rev. e ampl. So Paulo: LTr, 1999, p. 38.

INTRODUO AO DIREITO DO CONSUMIDOR 31 1.9.2. Organizao das Naes Unidas A Assemblia Geral da Organizao das Naes Unidas aprovou, em l6de abril de 1985, a Resoluo n. 39/248, que, pela compilao de normas esparsas anteriores,t14~ tratou da proteo ao consumidor. O principio fundamental que orienta a Resoluo n. 39/248 consta do item 2 de seu Anexo intitulado Diretrizes para a Proteo do Consumidor, expresso nos seguintes termos: Governments should develop, strengthen or maintain a strong consumer protection policy, taking into account the guidelines set out below. In so doing, each Government must set its own priorities for the protection of consumers in accordance with the economic and social circunstances of the country, and the needs of its population, and bearing in mmd the costs and benefits of proposed measures.~15t O item 3 do mesmo Anexo estabelece os princpios da proteo ao consumidor, in verbis: lhe Legitimate needs which the guidelines are intended to meet are the following: a) The protection of consumers from hazards to their health and safety; b) lhe promotion and protection of the economic interests of consumers; c) Access of consumers to adequate information to enable them to make informed choices according to individual wishes and needs; d) Consumer education; e) Availability of effective consumer redress; f) Freedom to form consumer and other relevant groups or organizations and the opportunity of such organizations to present their views in decision-making processes affecting them.t16~ (14) A prpria Resoluo n. 39/248 indica os seguintes antecedentes: a) a Resoluo n. 1981/62 do conselho Econmico e Social da ONU, de 23 de julho de 1981, em que o Conselho requisitava Secretaria-Geral estudos com vistas elaborao de um sistema de regras gerais para a proteo do consumidor, levando em conta particularmente as necessidades dos pases em desenvolvimento: b) a Resoluo n. 38/147 da Assemblia Geral, deiS de dezembro de 1983; c) a Resoluo n. 1984/63 do Conselho Econmico e Social, de 26 de julho de 1984.

(15) Os governos devem desenvolver, fortalecer ou manter vigorosa poltica de proteo ao consumidor, levando em conta as diretrizes definidas pela prpria sociedade. Para tanto, cada Governo deve fixar suas prprias prioridades para a proteo dos consumidores, de acordo com as circunstncias econmicas e sociais do pas e as necessidades de sua populao, tendo em mente os custos e benefcios das medidas propostas. (16) As necessidades legtimas que as normas de cada pas devem ter em vista so as seguintes: a) a proteo dos consumidores contra os perigos sua sade e segurana; b) a promoo e proteo aos interesses econmicos dos consumidores;

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1.9.3. Comunidade Econmica Europia No mbito da Comunidade Econmica Europia, o primeiro instrumento oficial a tratar do tema foi a Carta de Proteo ao Consumidor, aprovada pela Resoluo n. 543, de 17 de maio de 1973, que trouxe a definio de consumidor e algumas regras gerais de proteo. Em 14 de abril de 1975,o Conselho da Comunidade Europia editou nova resoluo, por meio da qual instituiu o programa preliminar de poltica de proteo e informao dos consumidores, alicerado em Cinco categorias bsicas de direitos: a) direito proteo da sade e da segurana; b) direito proteo dos interesses econmicos; c) direito reparao de prejuzos; d) direito informao e educao; e) direito representao junto aos rgos de deciso. O segundo programa de proteo do consumidor foi institudo aos 18 de maio de 1981. A primeira Diretiva sobre a responsabilidade pelo fato do produto defeituoso surgiu em 25 de julho de 1985. O Tratado Constitutivo de la Comunidad Econmica Europea, firmado em Roma a 25 de maro de 1957, consiste no Cdigo normativo fundamental daquela Comunidade. Nele foram implementadas alteraes, por ocasio do Tratado de la Union Europea firmado em Maastricht a 7 de fevereiro dei 992.(1~ Consideradas as referidas alteraes, o Tratado de Roma prev hoje algumas regras relativas ao consumidor. O art. 92.1 do Tratado autoriza os Estados-membros a concederem auxlios de carter social a consumidores individuais, desde que isso no afete as relaes comerciais entre os pases-membros. O art. 100.A.3 prope a uniformizao das legislaes dos pasesmembros em matria de proteo ao consumidor, tomando por base o nvel de proteo mais elevado. c) o acesso do consumidor informao adequada, que o esclarea o suficiente para que ele possa fazer com segurana suas escolhas, de acordo com seus desejos e necessidades; d) a educao do consumidor; e) a criao de meios para a efetiva reparao de danos sofridos pelo consumidor; f) a liberdade para a formao de

grupos ou organizaes de consumidores e outros pertinentes, e a criao de canais por meio dos quais essas organizaes possam participar dos processos de deciso que os afetem. (17) GARcIA, Ricardo Alonso. Tratado de Ia Union Europea. Y ed. Madrid; civitas. 1994, p. 19. (Biblioteca de legislacin; v. 68).

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O art. 1 29.A. 1-3 esclarece que o alto nvel de proteo recomendado depende da observncia, por parte de cada pais-membro, das seguintes regras: a) adoo de medidas internas tendentes uniformizao da legislao com a dos diversos pases-membros; b) aes Concretas que apiem e complementem a poltica levada a cabo pelos Estados-membros a fim de proteger a sade, a segurana e os interesses econmicos dos consumidores, e de garantir-lhes informaes adequadas; c) a fixao de normas protetivas pelo Conselho da Europa no impede que cada Estado-membro adote medidas mais protecionistas, desde que sejam compatveis com os demais princpios do Tratado de Roma. 1.9.4. Mercado Comum da Cone Sul O Mercado Comum do Cone Sul da Amrica Latina, mais Conhecido como Mercosul, foi criado pelo Tratado de Assuno, firmado em 26 de maro de 1991 pelo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Por meio da harmonizao das legislaes dos pases integrantes do bloco, pretendem os povos do Cone Sul implantar, por etapas, a unio aduaneira e a livre circulao de bens e servios no mbito dos Estadosmembros, bem como uma poltica comercial coordenada e uniforme em face de outros Estados. O projeto se sustenta sobre as chamadas cinco liberdades~~. de empreendimento, de concorrncia, de circulao de bens e servios, de circulao de trabalhadores e de circulao do capital. A legislao interna de cada pas-membro ter de ser gradativamente adaptada para que se consiga a uniformizao necessria. A liberdade de circulao de bens e servios est diretamente vinculada s leis de defesa do consumidor, j que estas implicam certas limitaes e controles livre circulao. Ocorre que a legislao brasileira de proteo ao consumidor bem mais rigorosa e moderna do que as leis esparsas existentes na Argentina1181 (18) ARGENTINA. Ley 24.999, de 1 de Julho de 1998. Modifica a Ley 24240/93, de proteo ao consumidor (Revista de Direito do Consumidor, So Paulo, Revista dos

Tribunais, v. 27, p. 239-240, jul./set. 1998).

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e no Paraguai1191. O Uruguai, por sua vez, nem mesmo possui legislao sobre o assunto. Os pases cujas exigncias legais de qualidade so menos rigorosas vislumbram entraves para a comercializao no Brasil de seus produtos, que precisam se adaptar s exigncias da lei brasileira, ao passo que em seus prprios pases esto sujeitos a exigncias menores. Como o Tratado de Assuno consagra o princpio da reciprocidade dos direitos e deveres de cada Estado-membro, essa questo ter de ser solucionada seja pela amenizao da lei brasileira, seja pela aprovao de leis de defesa do consumidor mais severas nos pases vizinhos. No existe ainda, no mbito do Mercosul, nenhuma norma regulamentadora das relaes de consumo. O Comit Tcnico n. 7, da Comisso de Comrcio do Mercosul, elaborou o Projeto de Protocolo de Defesa do Consumidor, consistente num cdigo unificado destinado a vigorar em todos os pases-membros. O projeto foi aprovado pelo Ministrio da Justia do Brasil em 29 de novembro de 1997, mas acabou sendo rejeitado pela prpria Comisso de Comrcio do Mercosul em 6 de dezembro de 1997, sobretudo porque impedia que os pases-membros fixassem normas nacionais de proteo mais severas. A jurista Cl.iudia Lima Marques aponta certas imperfeies no projeto, destacadamente o fato de ser por demais minucioso, quando deveria prever apenas normas bsicas, que assegurem um patamar mnimo comum nos quatro pases, mas que permitam a manuteno das normas nacionais mais severas de proteo da sade, segurana e interesses econmicos dos consumidores.1201 A questo continua a suscitar acirrada polmica, o que compreensvel e at salutar, pois a implantao de um mercado comum duradouro depende de planejamento srio e minucioso. Nas Jornadas lnternacionales y Ser Congreso Argentino de Derecho dei Consumidor, realizado em Mar dei Plata nos dias 13 e 14 de maro de 1998, definiram-se os seguintes objetivos: (19) PARAGUAI. Ley 1.334, de 27 de outubro de 1998. Proteo ao consumidor (Revista de Direito do Consumidor, So Paulo, Revista dos Tribunais, v. 30, p. 247255, abr./jun. 1999). (20) MARQUES, Cludia Lima. Mercosut como legislador em matria de direito do consumidor: crtica ao projeto de protocolo de defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, So Paulo, Revista dos Tribunais, v. 26, abr./jun. 1998, p. 75.

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a) la integracin econmica se compiementa con un proceso de armonizacin normativa, que inciuye ias diversas cuestiones de ia defensa dei consumidor; b) la armonizacin normativa de ia defensa dei consumidor se realiza en direccin ai ms alto nivel de proteccin. Esta ltima concluso no sentido de que a harmonizao normativa no Mercosul deve buscar o mais alto nvel de proteo resultou justamente de discusses em torno do Cdigo Brasileiro do Consumidor, enquanto instrumento que destoa das legislaes dos demais pases-membros, menos exigentes. Augusto Mano Morello e Gabriel Sf1glitz, ao redigirem o texto das concluses das Jornadas de Mar dei Plata, registraram o referido debate, nos seguintes termos: Especificamente en eI mbito ei Mercosur, ese resultado deberia ser inexorable, pues ias condiciones para ia concrecin de aqueiias dos pautas constituyen un imperativo emergente dei propio Tratado de Asuncin. En efecto: ei artculo 1 ro. exige ia armonizacin de ias legisiaciones de los pases miembros; y ei Prembulo establece ei propsito de mejorar ias condiciones de vida de sus habitantes. Por ende, si corresponde armonizar y ai mismo tiempo mejorar ias condiciones de vida, entonces la armonizacin debe reaiizarse en ei ms alto nivel de proteccin. incluso se ha sostenido que esa armonizacin hacia ei mayor grado de proteccin es un recaudo insoslayabie para ia propia integracin econmica y ibre crcuiacin de mercaderas. Porque si existen diferentes niveles de proteccin en cada uno de los Estados miembros (y tampoco rigen normas comunitarias de elevada tutela), entonces, los consumidores de determinado pas podrian encontrarse mejor protegidos a travs de su sistema nacional que a partir de ias normas supra-nacionaies. Lamentablemente y a pesar de dichas regias bsicas e imperativos, ias lnstituciones dei Mercosur no cumplieron aun ei objetivo de ia armonizacin normativa para ia defensa dei consumidor, en lo que representa uno entre varios refiejos de ia debiiidad institucional y jurdica de nuestra integracin, que transita hoy como un proceso casi exclusivamente poltico y econmico. De modo que aqueilos previsibles resultados positivos para los consumidores de la Aegin se encuentran todavia pendientes.

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E incluso, sobre ia base de ciertas regias incorporadas en ei proyecto de Protocolo insistimos , campea (en Brasil y Argentina) ei temor que, no sio se eluda ei imperativo de buscar ei ms elevado nivel de proteccin para los consumidores de ia Regin, sino que se legue a reducir ei emergente e los sistemas nacionaies. Estas dificutades y retrocesos son ei resultado de una concepcin poltica que pretende excluir ai Derecho y ai Estado de ia reguiacin dei mercado y de ia defensa de los consumidores y usuarios. Una concepcin que ai consumidor ie promete un futuro mejor. e reclama paciencia, confiar en ei Mercado. Las Jornadas de Derecho dei Consumidor en Mar dei Plata fortalecieron otro compromiso, por un pas distinto, donde en ia defensa dei consumidor impere ei Derecho. O nico dispositivo do Tratado de Assuno destinado, de certa forma, a proteger o consumidor absolutamente genrico e encontra-se no art. 2~ do Anexo, que, ao tratar do comrcio internacional, assegura a proteo da vida e da sade das pessoas. Como se v, a legislao do Mercosui ainda carece de normas que regulamentem as relaes de consumo e os direitos dos consumidores. Conquanto no exista no mbito do Mercosui nenhuma norma que sistematize a defesa do consumidor, nota-se uma forte tendncia social no sentido da adoo de um regulamento interpartes nos moldes do Cdigo Brasileiro do Consumidor , que assegure o aclamado alto nvel de proteo tendncia que, por sinal, j chegou a acarretar a rejeio do projeto do Comit Tcnico do Mercosui em dezembro de 1997, fato mencionado h pouco. 1.10. A EVOLUO DA LEGISLAO DE CONSUMO NO BRASIL 1.104. Pr -Histria do Direito do ConsumidorAt 1980 At fins dos anos 1970, as normas destinadas tutela do consumidor brasileiro eram esparsas e pouco eficazes. Desde a poca colonial, as Ordenaes Filipinas, promulgadas pela Coroa portuguesa em 1603 e vigentes no Brasil at a proclamao da independncia em 1822, tipificavam como crime a adulterao do contedo ou do peso da mercadoria vendida (Livro V, Ttulos LVII e LVIII). As aes ali previstas tinham sua raiz no antigo direito romano, nas figuras

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da adio redhibitoria, destinada rejeio da coisa viciada ou defeituosa, e da actio aestimatoria ou adio quanti minoris, usada para reclamar o abatimento do preo da coisa parcialmente perfeita.I21~ A primeira norma elaborada no Brasil a tratar da proteo ao consumidor foi o Cdigo Civil de 1916, que o fez em dois principais tpicos: a) o Captulo V do Titulo IV (Dos Contratos) do Livro III (Do Direito das Obrigaes), ao regular os vcios redibitrios capazes de depreciar o bem adquirido, reeditou a acuo redhibitoria (ai. 1.101) e a actio quariti minoris (art. 1.105); b) o Captulo Vi do mesmo Titulo disps sobre a evico (ais. 1.107 a 1.117), isto , sobre a responsabilidade que tem o alienante perante o aiquirente do bem, no caso de perda da coisa objeto do negcio. O Cdigo Penal, editado por Getlio Vargas a 7 de dezembro de 1940, traz diversas regras destinadas a punir os crimes contra o consumidor, dentre eles a duplicata simulada (ai. 172), fraudes praticadas no comrcio (art. 175), emisso irregular de conhecimento wa rra nt (ai. 177), esbulho possessrio (ai. 178), concorrncia desleal (ai. 196), corrupo, falsificao ou alterao de substncia alimentcia ou medicinal (ais. 272 e 273) e invlucro nu recipiente com falsa indicao (art. 275). Na segunda metade do sculo XX surgem novas leis versando sobre o tema. A primeira delas a Lei n. 1.521, de 26 de dezembro de 1951, conhecida como Lei de Economia Popular, que dispe sobre os crimes contra a economia popular. Nos anos 1960 so editadas cinco normas importantes. A Lei Delegada n. 4, de 26 de setembro de 1962, autoriza a Unio a intervir no domnio econmico para assegurar a livre distribuio de mercadorias e servios essenciais ao consumo e uso do povo, podendo inclusive desapropriar produtos para distribui-los aos consumidores. A Lei n. 4.137, dela de dezembro de 1962, previa meios de represso ao abuso do poder econmico. Foi revogada pela Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994, a chamada Lei Antitruste, que dispe sobre a preveno e a represso s infraes contra a ordem econmica. A Lei da Reforma Bancria Lei n. 4.495, de 31 de dezembro de 1964tratada poltica monetria e das instituies bancrias e credi(21) BEvIL0UA, Clvis. Cdigo Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. Rio de Janeiro: Rio, 1969, v. 2, p. 215-220.

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ticias. Em alguns dispositivos reprime a prtica de atos perniciosos economia popular. Essa lei criou o Conselho Monetrio Nacional, rgo responsvel pela fiscalizao da atividade das instituies privadas com-

ponentes do sistema financeiro nacional. Logo em seguida, o mercado de capitais foi regulamentado pela Lei n. 4.728, de 14 de julho de 1965, que fixa limitaes e punies s empresas contraventoras. Enfim, em 1969 foi criada pelo Governo Federal a Superintendncia Nacional do Abastecimento SUNAB, atravs do Decreto-lei n. 422, de 20 de janeiro de 1969, que alterou a Lei Delegada n. 4/62. O principal rgo de proteo do consumidor era, at os anos 1980, o Prodecon Programa de Defesa do Consumidor, ligado ao Poder Executivo, hoje chamado Sistecom. Alm dele, havia outros rgos federais, estaduais e regionais desprovidos de poder punitivo. Diante da inexistncia de um con~unto sistemtico de leis destinado a ordenar e regular as relaes c e consumo, os rgos responsveis desenvolviam atividade meramente consultiva. Afora isso, limitavam-se a encaminhar as queixas dos consumidores s Coordenadorias de Consumo do Ministrio Pblico. Dessas queixas, apenas algumas encontravam amparo na legislao de ento e davam ensejo a procedimentos judiciais. Apesar de toda a parafernli2 legislativa at aqui historiada, o consumidor no estava devidamente amparado, por vrias razes. Em primeiro lugar, porque todas as leis mencionadas abordam matria ora de natureza criminal, ora marcadamente contbil e econmica. Estas ltimas, de difcil compreenso para o leigo em cincias contbeis, tm sua aplicao restrita aos litgios que envolvem entidades financeiras. Pouca utilidade apresentam para salvaguardar os interesses imediatos dos consumidores em geral, no tocante qualidade e quantidade dos produtos e servios adquiridos. A profusa legislao criminal, oor sua vez, mostrava-se igualmente ineficaz na rea cvel e comercial e aqui nos deparamos como que era a segunda causa do abandono do setor. As leis ento existentes, sobretudo as leis penais, no eram devidamente articuladas a um sistema legal especfico de proteo ao consumo, o que criava embaraos sua aplicao. Em outras palavras, no existia nesse setor um sistema de normas ordenado e coeso, que permitisse a extrao de princpios e regras bsicas fundadores de uma estrutura jurdica.

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Era comum a propaganda enganosa, como a de remdios milagrosos para a calvcie e a impotncia sexual, de gomas de mascar que impediam a crie dentria e de ofertas de trabalho autnomo na rea de vendas capazes de levar o interessado riqueza em pouco tempo. Os comerciantes habitualmente recusavam-se a trocar mercadorias vendidas com defeito. Posto que, via de regra, os infratores acabavam impunes, nada estimulava o fornecedor a melhorar a qualidade dos produtos e servios oferecidos. Na verdade, diante da desordem e das lacunas da legisla-

o, os fornecedores encontravam inmeros meios para se evadirem de sua responsabilidade. Em terceiro lugar, sobressaa o problema cultural. O regime capitalista tende a estimular no cidado o individualismo que Fbio Konder Gomparato chama de individualismo anrquico(22~ e a busca irresponsvel e irrefrevel da vantagem pessoal, sem se importar com os respectivos custos sociais. Esse comportamento inibe a capacidade de organizao social e o aparecimento de entidades de defesa dos interesses coletivos. Para completar o quadro, inexistia qualquer programa de cunho didtico, fosse estatal ou privado, destinado ao esclarecimento dos cidados a respeito da seus direitos enquanto consumidores. A conjugao desses fatores falta de legislao adequada e articulada, mentalidade individualista e ausncia de projetos didticos resultava no quase completo desamparo do consumidor. 1.10.2. Fase Intermediria 1980-1988 Os anos 1980 marcam a expanso do regime capitalista no Brasil, agora apresentado sob a tica de uma abordagem menos radical, que incorpora ao sistema liberal elementos de cunho social: o avano do neoliberalismo. O sistema capitalista, como sabido, fundamenta-se no consumo; por isso, quanto mais se desenvolve o capitalismo, mais crescem e se intricam as relaes de consumo. Junto com o crescimento do consumo amplia-se tambm a conscincia poltica dos consumidores quanto aos seus direitos. Como se (22) cOMPARATO, Fbio konder. A proteo do consumidor na constituio brasileira de 1988. Revista de Direito Mercantil, So Paulo, Revista dos Tribunais, n. 80, p. 66-76, out.Idez. 1990.

ROBERTO BASILONE LEITE poderia esperar, a discusso do tema chega ao primeiro escalo dos poderes da Repblica e comea a produzir resultados. Em 5 de maio de 1980 instituido o Conar Conselho Nacional de Auto-Regulamentao Publicitria, com a funo de impedir a propaganda fraudulenta. No mesmo ano, so instalados os sistemas estaduais de proteo ao consumidor, tais como o Procon de So Paulo, o Prodecon do Rio Grande do Sul e o Decon de Santa Catarina. Cria-se o Juizado Especial de Pequenas Causas, a 7 de novembro de 1984, com competncia para julgar os litgios relativos defesa do consumidor. Com isso se procura facilitar o acesso do consumidor ao Poder Judicirio e a iniciativa, de fato, tem resultados satisfatrios apesar da j referida carncia de leis substantivas. Alguns meses oepois, em 1985,0 Governo, por meio do Decreto n. 91,469, institui o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor Condecon, vinculado ao Ministrio Extraordinrio da Desburocratizao. Com

a extino deste, o Condecon transferido para o Ministrio da Justia. A primeira norma legal que tratou de forma especifica do direito do consumidor foi a Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985. Ela representa o prenncio da histria do Direito do Consumidor como disciplina autnoma. A Lei n. 7.347/85 na verdade constitui um marco no direito brasileiro, por seu pioneirismo e seu contedo altamente inovador. Foi ela que disciplinou a ao civil pblica de responsabilidade por danos causados ao consumidor, ao meio ambiente, aos bens e direitos de valor artstico, esttico, histrico, turstico e paisagstico. A partir da edio dessa lei, o Ministrio Pblico passa a ampliar gradativamente sua margem de controle sobre as atividades predatrias praticadas por pessoas fsicas e jurdicas contra os bens por ela protegidos: no apenas os direitos do consumidor, mas os direitos da cidadania em geral, o meio ambiente, a sade pblica, o patrimnio histrico e cultural. 1.10.3. Constituio de 1988 Nasce o Direito do Consumidor instaurando um novo ciclo poltico no Brasil, a Assemblia Nacional Constituinte promulga, em outubro de 1988, a nova Constituio da Repblica, na qual insere os direitos do consumidor dentre os direitos fundamentais da cidadania, em seu ai. 50, inciso XXXII.

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O art. 48 das Disposies Constitucionais Transitrias determinava que o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgao da Constituio, elaborasse um cdigo para a defesa dos consumidores, Dando cumprimento a tal preceito, no sem um certo atraso, o Congresso Nacional aprova em 11 de setembro de 1990 a Lei n. 8.078, que institui o Cdigo de Defesa do Consumidor. O Cdigo entra em vigor a lQde maro de 1991. Graas ao Cdigo, consolida-se uma nova disciplina jurdica que os estudiosos chamam de Direito do Consumidor ou Direito do Consumo. Com o passar do tempo, jungido prpria expanso das relaes de consumo, o Direito do Consumidor dever se expandir e evidenciar cada vez mais sua autonomia cientfica. MI Desde a sua publicao, o Cdigo sofreu apenas algumas poucas alteraes pontuais, que no alteraram a sua substnciao que depe em favor da boa tcnica legislativa que presidiu a sua elaborao. O Poder Executivo regulamentou parcialmente o Cdigo por meio do Decreto n. 407, de 30 de dezembro de 1991. Em 1997, elaborou o Regulamento completo do consumidor, contido no Decreto n. 2.181, de 21 demarode 1997.

hi~

2. NOES INTRODUTRIAS DE DIREITO DO CONSUMIDOR 2.1. ELEMENTOS DA RELAO DE CONSUMO 2.1.1. Sujeitas da Relao de Consumo A relao de consumo envolve dois sujeitos: o fornecedor e o consumidor. Cada um deles apresenta caractersticas prprias, que merecem ser analisadas destacadamente. 2.1.1.1. Fornecedor Fornecedor, segundo o ai. 3Q do Cdigo do Consumidor, toda pessoa fsica ou jurdica, pblica ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produo, montagem, criao, construo, transformao, importao, exporta- r o, distribuio ou comercializao de produtos ou prestao de servios. Observa-se nessa defino que o legislador ptrio procura atribuir ao conceito de fornecedor a maior amplitude possvel, com o intuito de fixar a responsabilidade solidria, nas relaes de consumo, de todos os co-responsveis por eventuais vcios ou defeitos dos produtos e servios. So fornecedores, assim, as entidades pertencentes a qualquer setor de atividade, sejam hotis, hospitais, corretoras de imveis, empreiteiras de mo-de-obra do setor de construo imobiliria, empresas de transportes, oficinas mecnicas ou eltricas, depsitos, seguradoras, financeiras, administradoras de consrcio, cooperativas de crdito, assim como o so os pedreiros, pintores, jardineiros, etc. Em suma, qualquer pessoa fsica ou jurdica que fornea produto ou servio a outrem. Basicamente, o que caracteriza a relao de consumo o pra fissionallsmo do ato de venda do produto ou prestao do servio. S se considera relao de consumo aquela que implique o fornecimento de produto ou servio com carter profissional, ou seja, com intuito comercial. r 44 ROBERTO BASILONE LEITE No se considera fornecedor o no-profissional que pratica ato de venda ocasional de objeto de sua propriedade, como, por exemplo, um veculo usado. Ao contrrio, a professora que, no sendo comerciante profissional, adquire produtos de beleza para, nas horas vagas, revendlos a terceiros, como forma de complementar seu oramento domstico, Si

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responde como fornecedora. E que, nesse caso, ela estar praticando atos de comrcio. Importa atentar para a seguinte situao: um comerciante que resolve alienar peas da moblia de sua residncia para desocupar espao ou para redecor-la no pratica ato de consumo e, por isso, no participa dessa relao jurdica na qualidade de fornecedor. 2.1.1.1.1. Pessoa Fsica ou Jurdica O ai. 32 do Cdigo deixa claro que, desde que a relao tenha conotao mercantil, ser tida como relao de consumo, seja o fornecedor pessoa fsica ou jurdica. Entre as pessoas jurdicas incluem-se as de direito privado inclusive as religiosas, cientficas e de utilidade pblica e as de direito pblico interno da administrao direta (Unio, Estados, Municpios e Distrito Federal) e indireta (autarquias e fundaes pblicas). 2. 1. 1. 1.2. Entidades Sem Personalidade Jurdica O art. 39 do Cdigo classifica aind como fornecedor o ente despersonalizado, tal como a massa falida, o esplio, o condomnio e a famlia. Da mesma forma, as entidades comerciais ou fabris de fato, isto , aquelas no constitudas regularmente e popularmente conhecidas como empresas de fundo de quintal, ficam impedidas de utilizar o argumento da falta de personalidade jurdica formal para se evadirem de suas responsabilidades perante o consumidor. 2. 1.1. 1.3. Produtos Comprados no Exterior Em deciso prolatada a 11 de abril de 2000, cujo redator foi o Ministro Slvio de Figueiredo Teixeira, o Superior Tribunal de Justia, por sua 4~ Turma, decidiu que a empresa multinacional estabelecida no Brasil deve responder tambm por produtos de sua marca comprados no exterior.

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Assim disps a ementa do referido acrdo: Direito do consumidor. Filmadora adquirida no exterior. Defeito da mercadoria. Responsabilidade da empresa nacional da mesma marca (Panasonic). Economia globalizada. Propaganda. Proteo ao consumidor. Peculiaridades da espcie. Situaes a ponderar nos casos concretos. Nulidade do acrdo estadual rejeitada, porque suficientemente fundamentado. Recurso conhecido e provido no mrito, por maiora. Se a economia globalizada no mais tem fronteiras rgidas e estimula e favorece a livre concorrncia, imprescindvel que as leis de

proteo ao consumidor ganhem maior expresso em sua exegese, na busca do equilbrio que deve reger as relaes jurdicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente competitividade do comrcio e dos negcios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vrios pases, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnolgico da informtica e no forte mercado consumidor que representa o nosso Pais. II O mercado consumidor, no h como negar, v-se hoje tombardeado diuturnamente por intensa e hbil propaganda, a induzir a aquisio de produtos. notadamente os sofisticados de procedncia estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca. III Se empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder tambm pelas deficincias dos produtos que anunciam e comercializam, no sendo razovel destinar-se ao consumidor as conseqncias negativas dos negcios envolvendo objetos defeituosos. IV Impe-se, no entanto, nos casos concretos, ponderar as situaes existentes. V Rejeita-se a nulidade argida quando sem lastro na lei ou nos autos.

Vistos, relatados e discutidos estes autos, prosseguindo no julgamento, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justia, na conformidade dos votos e das notas taquigrficas a seguir, por maioria, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, vencidos os Ministros Relator e Barros Monteiro. Votaram com o Ministro S/vio de Figueiredo Teixeira os Ministros Casar Asfor Rocha e fluy Rosado de AguatA23~ (23) BRASIL. Superior Tribunal de Justia. 4~ Turma. Recurso Especial n. 63.981/SP. Acrdo n. 1995/0018349-8. Relator Ministro Aldir Passarinho Junior. Relator Designado para o Acrdo Ministro Slvo de Figuoiredo Teixera. Braslia, 11 de abril de 2000. Dirio da Justia, Brasilia, DF, 20 nov. 2000, p. 296.

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Trata-se de questo importante, haja vista que o comrcio de produtos e servios pela lnternet movimentou no ano 2000 a cifra aproximada de 250 milhes de dlares. 2.1.14.4. Fornecedor ProfissionalAutnomo

Os profissionais liberais, tais como o mdico, advogado, engenheiro, contador e outros, tambm respondem como fornecedores pelos ser-

vios prestados. No entanto, abrindo uma exceo regra geral da responsabilidade por culpa presumida do fornecedor, o Cdigo estabelece que a sua responsabilidade pessoal seja apurada mediante a verificao da culpa (art. 14, 49) 2.1. 1. 1.5. Responsabilidade do Comerciante A conceituao de fornecedor oferece algumas dificuldades ao estudioso. Uma delas est em definir quem responde como fornecedor pelos vcios e danos causados na relao de consumo: o produtor, o comerciante ou ambos? A leitura isolada do art. 3~ do Cdigo pode conduzir o intrprete concluso de que so co-responsveis o produtor, o importador e ocomerciante. Isso porque o referido dispositivo qualifica como fornecedor toda pessoa (...) que desenvolvem atividade de produo, montagem, Criao, construo, transformao (o produtor lato sensu), de importao, exportao, distribuio (o importador) e de comercializao de produtos (o comerciante). Ocorre que o ad. 13 restringe expressamente a responsabilidade do comerciante, ao estabelecer que este s ser responsvel quando: o fabricante, construtor, produtor ou importador no puderem ser identificados; II o produto no contiver a identificao clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III o comerciante no conservar adequadamente os produtos pereciveis. Os responsveis so, dessarte, por via de regra, o produtor e o importador. O comerciante no responde pelos vcios do produto, seno nas hipteses excepcionais indicadas no art. 13 do Cdigo. Por ser este ponto um dos mais polmicos do Direito do Consumidor, h autores que chegam a declarar-se perplexos diante da atitude aparentemente contraditria do Cdigo que, a par de estipular regras

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rigorosssimas contra o produtor, deixa praticamente isento de responsabilidade o comerciante. O insigne jurista Gabriel Saad, ao expor as razes de sua posio antagnica ao sentido adotado pelo Cdigo, sustenta que o legislador no perdeu tempo em examinar os efeitos de um contrato entre o consumidor e o comerciante tendo por objeto produto fabricado por outro empresrio. No considerou a hiptese de o comerciante ter conhecimento prvio do defeito ou vcio do produto e consumou, assim mesmo, a sua venda. No caso, deveria ele ser co-responsvel pelo fato. (...) Nosso legisladorrepetimoscoloca nos ombros do fabricante a maior parcela da responsabilidade pela reparao de eventuais danos provocados

por defeitos ou vcios dos produtos.124~ 1 Aponta, em seguida, diversas situaes nas quais, segundo a sua concepo, o comerciante deveria ser responsabilizado, a saber: quando ele altera o prazo de validade na embalagem; quando substitui o rtulo da mercadoria pelo de outra mercadoria de melhor qualidade; quando comete erro na instalao de aparelho eltrico que no apresentava defeito. Faz-se mister, no entanto, tentar compreender o objetivo que levou o legislador a optar por essa soluo. Antes de tudo, cumpre observar que, nos exemplos mencionados por Saad, caso seja comprovada a prtica de ato ilcito pelo comerciante, este poder ser Condenado com base na lei vigente (ad. 25, 1 ~, do Cdigo) muito embora seja cedo que essa responsabilizao um tanto difcil porque depende da prova da culpado comerciante, ao contrrio do que se verifica em relao ao produtor, cuja responsabilidade presumida pela lei. O mais importante, no entanto, perscrutar a finalidade da norma geral que qualifica como fornecedor principal, para efeito de responsabilidade legal presumida, apenas o produtor, e exclui da regra o comerciante. A primeira evidncia consiste em que o legislador objetivou exercer presso focalizada sobre o produtor, nico agente econmico que pode zelar direta e decisivamente pela evitao da ocorrncia de defeitos e vcios no produto. Se a lei declarasse a responsabilidade solidria presumida do comerciante pelo defeito do produto, o efeito coercivo sobre o produtor pode(24) SAAD, Eduardo Gabriel. Op. ciL, p. 241.

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ria ser por demais dissipado, j que a responsabilidade seria pulverizada entre ele e centenas ou milhares de comerciantes. O produtor poderia assim acomodar-se, apostando na tese de que os comerciantes, mais acessveis ao consumidor e aos rgos fiscalizadores, seriam responsabilizados diretamente, enquanto certos entraves prticos e burocrticos impediriam ou dificultariam a cobrana regressiva contra ele por parte dos comerciantes. As obrigaes resultantes de danos causados ao consumidor seriam, no mnimo, repartidas com os comerciantes, por conta da responsabilidade solidria. O comerciante, de sua parte, ver-se-ia diante de um dilema: quem fabrica o produto o industrial, que, por isso, normalmente o nico que pode corrigir os defeitos intrnsecos do produto e investir no constante aperfeioamento dos sistemas de controle de qualidade. A norma que atribuisse ao comerciante a responsabilidade solidria presumida quase no teria efeito prtico, pois ele normalmente no dispe de meios para corrigir vcios

e defeitos de fabricao das mercadorias. Muitas vezes, no tem nem como identific-los por exemplo, nos produtos que so vendidos lacrados. Se no o comerciante que produz a mercadoria, pouco adiantaria exercer presso sobre ele. Que procedimentos poderia ele adotar com vistas a sanar o problema? A correo do vcio ou defeito intrnseco do produto, como j afirmado, no estada ao seu alcance. Poderia ele ento recusar as mercadorias do produtor, quando conseguisse identificar os vcios ou defeitos. Mas, para essa identificao, teria de abrir e testar as mercadorias recebidas de cada produtor, uma a uma? Isso decerto demandara equipes enormes destinadas exclusivamente a esse trabalho; basta pensar nos grandes hipermercados, que atuam com centenas de itens das mais diversas origens. E o que faria o comerciante com as mercadorias que no podem ter o lacre violado como o so praticamente todas as do gnero alimentcio? Estas no poderiam ser testadas. O resultado seria o seguinte: o comerciante acabaria arcando com grande parte dos prejuzos decorrentes dos vcios ou defeitos dos produtos e o legislador brasileiro teria perdido a oportunidade de criar um instrumento legal eficaz de coero sobr aquele que , normalmente, o verdadeiro responsvel por essas imperfeies. Poder-se-ia, ainda assim, argumentar que a presso exercida sobre os comerciantes acabaria redundando em subseqentes presses comerciais destes sobre os produtores, os quais, como passar do tempo, sofreriam uma espcie de coero indireta da lei.

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Cumpre refletir o seguinte: se, via de regra, o produtor quem instala o vicio ou defeito na mercadoria que fabrica; se ele, por isso, o nico que pode tentar eficazmente evitar essas imperfeies; e, enfim, se a lei tem a opo de imputar a responsabilidade pelo dano diretamente ao seu causador, de se indagar por que razo o faria de modo indireto? Estar-se-ia assim apenas fomentando a criao de novas e desnecessrias relaes litigiosas intermedirias: em vez de o litgio instalar-se diretamente entre o consumidor e o produtor, surgiriam litgios intermedirios envolvendo os comerciantes. Dessarte, optando por responsabilizar de ordinrio apenas o produtor, a lei ptria focalizou sobre este todo o seu poder de coero. Assim, no deixou ao produtor margem para apostar na hiptese de, em caso de ocorrncia de dano ao consumidor, atribuir a outrem (ao comerciante, no caso) a responsabilidade pelos vcios ou defeitos de seus produtos. Em face da clareza e objetividade do Cdigo, sabe o produtor de antemo que, se o produto for imperfeito, ser ele prprio o nico responsvel ressalvadas as excees expressamente mencionadas na lei e outras que derivem de culpa comprovada do comerciante. Com isso, pretende a ei que o efeito coercivo sobre o produtor seja muito mais eficaz, com o que se corta o mal pela raiz e vinga-se o aprimoramento real da qualidade dos produtos nacionais.

III

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2.1.1.2. Consumidor O Cdigo oferece uma definio bsica de consumidor, no caput do ai. 2~. Em seguida, por meio de outros dispositivos, amplia gradativamente o conceito central para abarcar em sua esfera de proteo o maior nmero possvel de pessoas. Consumidor, nos termos do caputdo ai. 2~ do Cdigo em estudo, a pessoa fsica ou jurdica que adquire produto ou servio, para uso prprio ou de sua famlia, na condio de consumidor final. O mesmo dispositivo inclui no conceito, alm da pessoa que adquire, tambm a que utiliza o produto ou servio como destinatrio final. E consumidor, portanto, aquele que ganha o bem ou servio para utiliz-lo na condio de consumidor final. O pargrafo nico do ad. 2~ equipara a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indeterminveis, que hajam intervindo nas relaes de consumo. O art. 17 estende a proteo legal s vtimas do acidente de consumo.

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ROBERTO BASILONE LEITE

Prosseguindo no mesmo sentido, o art. 29 desdobra o conceito de consumidor para alcanar todas as pessoas, determinveis ou no, expostas s prticas comerciais ou contratuais abusivas. 2.1.1.2.1. Consumidor Pessoa Jurdica

So consumidores, por fora do Cdigo, no apenas as pessoas jurdicas de direito privado, mas igualmente as de direito pblico interno ou externo. Dessa forma, o fornecedor responde pelos produtos e servios alienados Unio, Estados-membros, Municpios, Distrito Federal, autarquias, fundaes, empresas pbiicas e sociedades de economia mista. 2. 1. 1.2.2. Pessoa que Ganha o Produto ou Servio Alm da pessoa que efetua diretamente a aquisio do produto ou servio, tambm consumidor aquele que recebe o produto ou servio como presente. Dessa forma, algum que receba uma geladeira de presente de casamento pode, ele mesmo, exigir do fabricante ou importador e, se for o caso, do comerciante que responda por vcios ou defeitos do produto. Embora haja autores que discordem desse ponto de vista, parece inegvel ser essa a inteno do legislador quando, no mencionado art. 2~, declara ser consumidor no apenas a pessoa que adquire, mas

tambm a que utiliza produto ou servio como destinatrio final. Alm disso, patente a tendncia adotada pelo Cdigo de buscar, por todos os meios, estender a sua proteo a qualquer cidado que se assenhoreie de produto ou servio vicioso ou defeituoso ainda que o utilize sem t-lo adquirido. No encontramos, outrossim, justificativa jurdica ou metajuridica plausvel para negar a este consumidor de uso a proteo legal, j que a finalidade primordial do Cdigo proteger a coletividade e o interesse pblico, por meio da aplicao do chamado principio do desest (mulo. Constatada a imperfeio do produto ou servio, os responsveis pela imperfeio devem ser punidos com intensidade tal que desestmule novas falhas por parte dos mesmos ou de outros produtores. 2. 1. 1.2.3. Produtos e Servios Destinados ao lnsumo No se considera relao de consumo aquela travada entre empresrios, em que o produto ou servio adquirido destina-se no ao consumo

INTRODUO AO DIREITO DO CONSUMIDOR

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final, mas a integrar o processo de produo ou de comercializao. Assim, consumidor o cidado que compra pregos para fixar quadros nas paredes de sua casa, mas no o o industrial mobilirio que adquire parafusos para a montagem dos mveis que comercializa. Este mesmo empresrio, no entanto, atua como consumidor quando compra sabonetes e toalhas de rosto para guarnecer os banheiros de sua fbrica, j que estes bens no sero integrados no processo de produo. Com fulcro no mesmo raciocnio, o empreiteiro que contrata subempreiteiros no considerado consumidor em face destes, pois o servio no fornecido a um destinatrio final. A Comunidade Europia, na Resoluo n. 543, de 17 de maio de 1973, que aprovou a Carta de Proteo do Consumidor, assim define consumidor: pessoa fsica ou coletiva a quem so fornec