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1 Bruno Bezerra Cavalcanti Godoi ROBERTO CAMPOS E A ECONOMIA BRASILEIRA

ROBERTO CAMPOS E A ECONOMIA BRASILEIRA - PerSe · produtividade e permitiria à maioria dos brasileiros ter um ... pode e deve ser negociado: ... internacional e o crescimento estará

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Bruno Bezerra Cavalcanti Godoi

ROBERTO CAMPOS E A ECONOMIA BRASILEIRA

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Bruno Bezerra Cavalcanti Godoi

ROBERTO CAMPOS E A ECONOMIA BRASILEIRA

Primeira Edição

São Paulo

2014

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AGRADECIMENTOS

São inúmeras as pessoas às quais tenho uma dívida de gratidão por me auxiliarem na redação deste livro.

Em primeiro lugar, ao meu orientador, Prof. Nelson Hideiki Nozoe. Da mesma forma, aos meus colegas da pós, como Yara Andrade, Rui César Caetano, dentre tantos outros.

Aos meus pais, José e Maria Auxiliadora Godoi, pelo apoio moral e pela orientação, e à minha noiva, Alexsandra, por incentivar a transformar este trabalho em livro.

Agradeço também à equipe da PerSe, notoriamente por Tiago Campos, pelos esforços que envidou para levar adiante a publicação.

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DEDICATÓRIA

Dedico este livro aos meus pais e à minha noiva Alexsandra

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Toda história é contemporânea

Benedetto Croce

Já sabemos que só há uma luta válida, a de acelerar o desenvolvimento a fim de pôr paradeiro ao atraso que nos degrada. Que sabem o que fazer com a liberdade as populações das zonas subdesenvolvidas onde reina o total desconforto, a doença, a carência de quaisquer recursos?

Juscelino Kubitscheck

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PREFÁCIO: UM MANIFESTO ÀS NOVAS GERAÇÕES

A publicação desse livro é uma exortação às gerações X e Y: tragam de volta ao centro do debate político a superação do subdesenvolvimento econômico.

Tentem viabilizar o sonho coletivo de dar aos brasileiros o padrão de vida das nações desenvolvidas.

Durante mais de 30 anos, a superação do subdesenvolvimento simplesmente desapareceu do debate político, como se essa aspiração, presente nas convicções e no coração da maioria dos brasileiros, não existisse.

A obra que disponibilizo ao público é um estudo da história do pensamento econômico brasileiro, do ponto de vista de um dos seus principais representantes. O estudo dessa disciplina não é estritamente acadêmico, mas sim para mostrar que, durante 50 anos, os grandes debates intelectual e político no Brasil tinham como norte a superação do subdesenvolvimento. Nas palavras de Benedetto Croce, toda história é contemporânea.

A principal noção era de que um Estado ativista e com capacidade de gestão poderia trazer prosperidade por meio de incentivos em grande escala a investimentos industriais, da educação técnica, da criação de tecnologias aplicadas a produtos comerciais e de investimentos em infraestrutura que integrassem regiões isoladas ao mercado interno. Uma forte taxa de investimento, em capital físico e humano, aumentaria a produtividade e permitiria à maioria dos brasileiros ter um padrão de vida elevado.

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Chama a atenção o fato de que muitos textos publicados na década de 50 do século passado são incrivelmente atuais. Por exemplo, a necessidade de crédito subsidiado em larga escala para a criação de novas empresas, que foi o centro do debate que resultou na criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social em 1952, ainda ser um problema crítico.

Qual o resultado prático das políticas desenvolvimentistas? O fato de o Brasil ser a economia mais próspera da América Latina. Compare-se o Brasil com outros países próximos que mantiveram sua estrutura primária, como o Paraguai e o Equador. O Brasil exportador de café era muito parecido com estes, mas, enquanto deixamos a condição de monocultor de exportação para um país industrializado, eles continuaram na condição anterior. Compare-se como estamos e como eles estão economicamente.

Embora o Brasil tenha obtido bons resultados econômicos com a experiência do desenvolvimentismo, apesar de todos os problemas que teve, como a elevada concentração de renda, a superação do subdesenvolvimento desapareceu completamente do debate político a partir dos anos 80, coincidindo com a contínua estagnação econômica.

A que se deve tamanho retrocesso? Por que desistimos de acreditar que o Brasil poderia atingir o Primeiro Mundo? Pode-se dizer que as prioridades políticas mudaram totalmente com a explosão inflacionária e que nunca mais houve arranjo político que permitisse levar o desenvolvimento econômico ao centro das atenções.

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Num primeiro momento, o fato de ter ocorrido uma inflação explosiva obrigou, durante 15 anos (de 1979, quando, no contexto da segunda crise do petróleo, começou a haver aceleração inflacionária, até o Plano Real, em 1994), todas as atenções da ciência econômica brasileira a se concentrarem na busca de um plano de estabilização eficaz.

Num segundo momento, com o Plano Real, o domínio do liberalismo econômico levou a um otimismo com o livre mercado. Acreditava-se que, sob o deus-dará do livre mercado, haveria desenvolvimento espontâneo. Supostamente, haveria grandes investimentos e empresas inovadoras que estavam represadas pela mão forte do Estado com suas centenas de empresas estatais.

Essa não foi a realidade. A redução do Estado não resultou no aumento da taxa de investimentos ou da produtividade da economia como um todo. Houve, é claro, grandes investimentos nas empresas privatizadas, pois as mesmas estavam decadentes com o uso político e com as políticas tarifárias nefastas a que estavam submetidas. Porém, isso não se estendeu à economia como um todo nem tivemos nenhum setor inovador em grande escala.

O resultado maior do neoliberalismo no Brasil foi a criação de uma classe rentista. Devido ao aumento exacerbado do endividamento público, surgiu um arranjo político em que a classe dominante é predominantemente sustentada pelo pagamento dos juros da dívida pública interna. A satisfação dos interesses dessa classe somente pode ser obtida pela manutenção dos juros elevados e pelo crédito difícil, às

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custas da economia produtiva como um todo. Nos dizeres de BRESSER PEREIRA (2008, p. 87):

A política econômica que vem sendo posta em prática no Brasil desde 1990 é a política do Pacto Liberal-Dependente. O Estado brasileiro não está, naturalmente, completamente capturado por seus membros. Estes recebem os maiores benefícios, que não são apenas os benefícios clássicos e legítimos que um Estado capitalista garante aos empresários: a ordem pública, a garantia da propriedade e dos contratos. São hoje, principalmente, os juros pagos aos rentistas. São também os lucros e royalties pagos às empresas multinacionais, que se beneficiam do mercado interno brasileiro sem reciprocidade. Os setores excluídos do pacto, porém, têm poder suficiente para receber sua parte. Os grandes empresários industriais e dos serviços recebem empréstimos a juros subsidiados do BNDES; os agricultores contam com financiamentos a juros subsidiados do Banco do Brasil; as grandes empresas de serviços públicos, com lucros monopolistas; a classe média conta com uma universidade estatal gratuita; a burocracia do Estado, com um sistema de aposentadoria privilegiado; e os pobres têm para si formas de renda mínima que no Brasil ganharam o nome de “bolsas”: Bolsa Escola, Bolsa Família. Mas o fato é que o aparelho do Estado brasileiro funciona como uma enorme agência de transferência de renda. Os pobres, que são os principais pagadores de impostos da enorme carga tributária brasileira, recebem de volta uma parcela pequena do que contribuem na forma daquelas “bolsas” que, a meu ver, são as únicas legítimas. Se dividirmos a despesa pública em despesas legítimas e capturas, as capturas citadas na forma de juros acima do razoável e de subsídios os mais diversos devem representar quase um terço da despesa pública.

No momento em que o Pacto Liberal-Dependente tornou-se a coalizão política dominante no

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Brasil, a revolução nacional, ou seja, a formação do Estado-nação brasileiro com a transferência dos centros de decisão para dentro do país, foi interrompida e o país voltou à condição semicolonial que já havia caracterizado o período entre 1822 e 1930. O fato de o mercado nacional representar um motivo fundamental para que os empresários produtivos sejam nacionalistas não significa que devamos voltar ao modelo de substituição de importações. Significa apenas que o mercado interno é um ativo nacional que pode e deve ser negociado: é o que se faz no comércio internacional, os países abrindo seus mercados aos outros, recíproca e multilateralmente. Não é, entretanto, o que se faz com os investimentos diretos, em que a abertura dos mercados dos países em desenvolvimento não conta com a reciprocidade nos países ricos. A Nação se enfraquece por carência de um acordo entre as classes, por faltar a ela a característica que Otto Bauer definiu como fundamental, “a consciência de um destino comum”. Nessas condições não contará com uma estratégia nacional de desenvolvimento ou de competição internacional e o crescimento estará prejudicado, se não inviabilizado (PEREIRA, 2008, p. 87-88)1.

Num terceiro momento, após a crise de 2008, surgem novas oportunidades com a crise do paradigma neoliberal, pois este entrou em crise de legitimidade quando os países que mais o promoveram também se colocaram em crise. Não há suporte para a Reaganite quando os EUA estão estagnados.

Há oportunidade para uma nova tabula rasa, em que emerge espaço político para um novo arranjo que leve ao desenvolvimento econômico.

1 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Burocracia Pública na Construção do Brasil. Disponível em http://www.bresserpereira.org.br/BOOKS/Burocracia_Publica_construcao_Brasil.pdf. Consultada em 14 de junho de 2014, às 12:25.

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Isso porque, ao mesmo tempo em que temos um vazio de legitimidade como acima explicado, há também uma insatisfação de todos os estratos sociais que não lucram diretamente com os juros elevados. A classe empresarial que sobreviveu à estagnação dos últimos 30 anos está insatisfeita com a falta de crédito, com o baixo nível de formação de mão-de-obra e com a infraestrutura de transportes decadente. A classe média, com o número decrescente de oportunidades para os jovens em comparação com a que tiveram seus pais. Tanto que seus membros optam entre a emigração e a busca de um cargo na burocracia estatal, tornada esta alternativa de emprego extremamente cobiçada. Os trabalhadores, sofrendo com o desemprego ou com os salários extremamente baixos.

Assim, há insatisfação da sociedade com a estagnação e a possibilidade política de buscar o crescimento.

Embora haja esta oportunidade a surgir no horizonte, o atual governo do Partido dos Trabalhadores nada faz para aproveitá-la, pois a taxa de investimentos é inacreditavelmente baixa.

Vivemos naquilo que GIAMBIAGI (2014) chama de complacência, ou seja, aceitação da manutenção das baixas taxas de crescimento. Afinal, agora, com a bolha de crédito, dá para comprar um carrinho em 60 vezes, não é mesmo?

Embora haja crédito mais fácil, em razão da redução da taxa de juros para níveis mais razoáveis, isso resultou num aumento da demanda agregada, mas sem aumento da capacidade produtiva ou da infraestrutura. Em palavras simples, as pessoas querem e podem comprar mais coisas, mas as fábricas não produzem

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mais porque falta dinheiro para comprar melhores máquinas para produzir essa maior quantidade nem tem estrada em condições mínimas para levar as mercadorias da fábrica para a casa do consumidor.

Conforme indicado por AFONSO (2012, p. 163), compilando estatísticas obtidas no World Economic Outlook, do FMI, a formação de capital bruto estatal - em outras palavras, o quanto o Estado investe em infraestrutura e equipamento produtivo, foi de 1,69% do PIB em 2007, só perdendo para o Turcomenistão, enquanto a média mundial foi de 6,38% do PIB para o mesmo ano. Em 2003, tivemos o milagre de ser o Estado que menos investe em capital bruto do mundo todo, apenas 0,97% do PIB.

A taça do mundo é nossa, com o brasileiro, não há quem possa!

É o anti-Juscelino Kubitscheck. Se, no Plano de Metas, o governo fazia um monte de investimentos que melhoraram a capacidade produtiva, como as nossas estradas, portos e siderúrgicas, o que resultou em altas taxas de crescimento, o PT, hoje, faz o exato contrário. O Brasil é conhecido por ter uma carga fiscal alta ao mesmo tempo em que não investe.

Mas o deus-dará livre mercado vai resolver isso. As empresas, se autorizadas, vão construir estradas do Oiapoque ao Chuí. Como se as empresas estivessem dispostas a encarar grandes investimentos de capital de retorno incerto e de prazo muito longo, o que obviamente não estão.

Então, neste contexto, por que estudar Roberto Campos?

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Porque o estudo dos grandes pensadores econômicos permite conhecer como foi estudada a questão do subdesenvolvimento no passado e, assim, formar subsídios para que a sociedade possa decidir coletivamente o que o Brasil precisa fazer para romper com a estagnação. As ideias dos anos 50, 60 e 70 são extremamente atuais e, em sua maioria, podem ser aplicadas.

Isso não significa aceitação acrítica do que pensava Roberto Campos. O livro é muito crítico de muitas das suas noções. Notoriamente a partir dos anos 80, quando passou a ser o principal defensor do neoliberalismo.

Quando olhamos o Brasil, a impressão que temos é que o moderno é a estagnação e o antigo era o crescimento. Em outras palavras, que a situação do pai era melhor que a do filho. Eu não aceito isso. Você vai aceitar?

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ÍNDICE

Introdução ................................................................................ 21

Capítulo 1 – Origens do Pensamento de Roberto Campos .... 27

1.1-Pensamento Econômico do Século XIX no Brasil

1.2 - O Início da Industrialização no Brasil

1.3-O início do Planejamento Governamental

1.4-O Papel das Comissões Norte-Americanas no Desenvolvimento Brasileiro

1.5-A Influência do Contexto em Roberto Campos

Capítulo 2-Desenvolvimentismo Não-Nacionalista ................. 101

2.1-O Debate com o Pensamento Econômico entre 1945 e 1964

2.2-A Proposta Desenvolvimentista Não-Nacionalista

2.3-Aspectos em Comum na Obra de Roberto Campos

2.4-Roberto Campos na Direção do BNDE

2.5-O Plano de Ação Econômica Governamental

2.6-A Implementação do PAEG

2.7-Questão Agrária e o Estatuto da Terra

Capítulo 3 – A Transição para o Liberalismo (1967-1990) ...... 193

3.1-Ideologias Econômicas do Regime Militar

3.2- A Política Econômica dos Anos do Regime Militar e da Redemocratização

3.3-A Atuação de Roberto Campos

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Capítulo 4-Roberto Campos como Grande Defensor do Neoliberalismo ......................................................................... 235

4.1-A Origem e os Resultados das Reformas Neoliberais

4.2-O Papel do Imperialismo nas Reformas de Livre Mercado

4.3-Roberto Campos: Intelectual Orgânico do Neoliberalismo

4.4-Avaliação do Pensamento de Roberto Campos nos anos

Capítulo 5 – O Projeto de Distopia Liberal .............................. 289

5.1-A Sociedade de Mont Pèlerin

5.2-A Defesa Radical da Liberdade Econômica

5.3-Se Há Monopólios, que Estes Sejam Privados

5.4-Sistema de Vale-Educação

5.5-Impostos Regressivos e Simplificados

5.6-A (não) Distribuição de Renda

5.7-O (não) Planejamento Econômico

5.8-Conclusões deste Capítulo

Considerações Finais .............................................................. 327

Bibliografia ............................................................................... 333

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INTRODUÇÃO.

O objetivo desse livro é investigar o papel que Roberto Campos (1917-2001) exerceu na economia do Brasil da segunda metade do século XX.

Nesse período, ele tomou decisões, de caráter crucial, a partir dos cargos da administração pública brasileira que ocupou, como: conselheiro econômico da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU), diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (atual BNDES), entre 1953 e 1954, presidente do BNDE entre 1958 e 1959 e Ministro do Planejamento, entre 1964 e 1967. Além disso, foi senador pelo estado do Mato Grosso entre 1983 e 1989, deputado federal de 1990 a 1998, embaixador do Brasil nos Estados Unidos entre 1961 e 1963 e embaixador do Brasil no Reino Unido até 1982.

Nesses cargos, ele tomou várias medidas de impacto na economia brasileira: o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, a correção monetária, o Banco Nacional da Habitação, o Banco Central2, o Estatuto da Terra e o Plano de Ação Econômica Geral (PAEG), o plano econômico do governo Castello Branco.

Além disso, teve uma produção intelectual profícua. Publicou 26 livros, dentre os quais a “Antologia do Bom Senso”, “Do Outro Lado da Cerca” e sua autobiografia, a “Lanterna na Popa”. Escreveu colunas regulares nos

2 O Banco Central do Brasil é uma das instituições criadas durante o período em que Roberto Campos esteve à frente do Ministério do Planejamento. Foi instituído pela Lei 4595/64, promulgada em 31 de dezembro de 1964. No mesmo dia, também foi promulgada a Lei 4380/64, fundando o Banco Nacional da Habitação. O BNH foi incorporado pela Caixa Econômica Federal por força do Decreto 2291/86. O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço surgiu pela lei no. 5107/66.

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jornais “O Estado de São Paulo” e “O Globo”, ministrou palestras na Escola Superior de Guerra e na faculdade do IBMEC (Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais), atual INSPER, e foi membro da Academia Brasileira de Letras.

Campos é reconhecido como um dos principais pensadores brasileiros e referência para muitos economistas liberais. LOZARDO (2004), por exemplo, afirma que o responsável pelo sucesso econômico dos países do sul asiático, como Coréia do Sul, Cingapura, Taiwan e China foi a colocação, em prática, do ideário de Campos: baixa carga tributária, orçamento público equilibrado, política de inserção competitiva na economia mundial, facilidades tributárias para pequenas e médias empresas e benefícios para a produção de bens de alto valor agregado.

Apesar de ter todo esse impacto na realidade econômica brasileira, ele recebeu pouca atenção por parte da historiografia.

As pesquisas acerca do pensamento econômico brasileiro ainda são incipientes e há poucos pesquisadores voltados a este assunto. Os trabalhos seminais nesta área são os de BIELSCHOWSKY (1988), MANTEGA (1985) e de SOLA (1982), descrevendo o espectro ideológico e a trajetória dos tecnocratas brasileiros que comandaram o projeto desenvolvimentista após a Segunda Guerra Mundial. Porém, eles apenas mencionam Roberto Campos em passant, procurando, em sua abrangência, obter conhecimentos sobre todos os pensadores econômicos do período.

Recentemente, porém, começaram a ser divulgados estudos sobre personagens mais específicas

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de nossa História, como os dedicados a Celso Furtado. Sobre ele há uma hipertrofia de teses. Temos conhecimento na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da USP, de apenas algumas como a de CEPEDA (1998), DANTAS (1999) e KALVAN (2000).

Na dissertação de mestrado de GODOY JÚNIOR (2006), é realizado um estudo específico da teoria da tributação e da inflação feita por duas personagens da direita brasileira: Roberto Campos e Otávio Gouveia de Bulhões. Porém, independente dos seus méritos, o escopo da dissertação é restrito somente às questões da tributação e inflação, evitando outros aspectos do pensamento e ações de Roberto Campos e sem relacionar com o contexto histórico do período estudado.

Finalmente, ao estudamos Roberto Campos, passamos a compreender como a história econômica pode, através de seus conhecimentos, ajudar a romper com o marasmo econômico do Brasil. Vivemos em uma época de crise e decepção, em termos de política econômica, cujo marco inicial é bastante definido: o ano de 1979. A partir dessa época e até o presente, 2006, a economia brasileira foi marcada pelo baixo crescimento, crises constantes e recessões, destacando-se as de 1981-83, 1990 e a de 2003.

Ao longo do século XX, até o final do regime militar, o imaginário coletivo brasileiro tinha uma forte perspectiva de que o Brasil atingiria os padrões de vida e de consumo dos países industrializados. Mas a crise crônica dos anos 80 destruiu essa expectativa. A própria imprensa denomina os anos 80 como a “década perdida” e a dos 90 como a “década desperdiçada”.

Os jovens foram especialmente atingidos pelo fim dessa perspectiva otimista. O crescimento da

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produtividade, dos padrões de vida e a disponibilidade de trabalho levavam, em décadas passadas, à crença coletiva na mobilidade social ascendente, ainda que de forma desigual. Mas isso desapareceu com a década perdida.

Poucas vezes, a intelectualidade brasileira dirigiu seus esforços no sentido de romper como marasmo econômico. Tanto que “desenvolvimento econômico” tornou-se quase um termo de baixo calão. Roberto Campos, no entanto, foi um dos pensadores que tentou explicar a crise brasileira de forma otimista. Para ele, se o Brasil adotasse a agenda neoliberal e tivesse a atitude de levá-la às últimas consequências, as forças produtivas seriam liberadas das amarras que, supostamente, o Estado estava lhe colocando e o crescimento rápido do país seria retomado. Aparentemente, esta é uma visão otimista que contrasta com o fatalismo dos teóricos da dependência. E uma das motivações para realizarmos esta dissertação foi examinarmos se essa proposta de Campos ainda faria sentido na realidade.

Roberto Campos, nos anos 90, quando deixou suas concepções desenvolvimentistas anteriores, idealizava um Brasil integrado e atraente para o capital internacional e para os grandes oligopólios. Todo seu pensamento e ações encontram paralelos anteriores com o discurso das empresas multinacionais e agências multilaterais. A atuação de Campos foi desempenhada de duas formas.

Primeiramente, entre 1945 e 1967, ele procurou criar uma proposta de desenvolvimento não-nacionalista, em que o capital internacional seria permitido e auxiliado com dinheiro público, predomínio da empresa privada,

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desestatização, equilíbrio orçamentário do governo e a criação de um grande banco para catalisar o processo de industrialização, o BNDES.

Numa segunda fase, ele foi o grande defensor das políticas de redução do Estado que foram denominadas Consenso de Washington, como medidas como: redução do governo, liberdade de fluxo de capitais, controle do déficit público, privatização das empresas estatais, garantia legal dos direitos de propriedade e redução dos direitos sociais.

Para realizarmos esse estudo, lemos e tentamos analisar quase toda a literatura escrita pelo próprio Roberto Campos, da década de 40 até os anos 90 (geralmente compilações de artigos de jornal/palestras e a sua autobiografia, “A Lanterna na Popa”) e parte dos documentos oficiais das instituições que ele tinha papel de destaque (BNDES, Ministério do Planejamento, Comissão Mista Brasil-Estados Unidos etc).

Sobre o papel exercido por Roberto Campos na história, acreditamos que ele tenha tido uma dupla função, similar à de Celso Furtado: primeiro de influenciador. Era um pensador, cujas ideias foram amplamente publicadas, escrevia em jornais e tentava aplicar suas ideias em problemas brasileiros concretos. O segundo papel seria de técnico. Ele tentava utilizar seu conhecimento para elaborar e implementar políticas públicas baseadas nas ideias que ele defendia, à frente de instituições da alta administração estatal.

Presidentes de diversas tendências políticas empregavam Roberto Campos quando era conveniente. João Goulart, embora fosse da esquerda, chamou Campos para ocupar o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Ele passava aos norte-americanos

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uma imagem de muito respeito ao capital estrangeiro, embora, muitas vezes, Goulart tenha tomado medidas contrárias às empresas multinacionais. Roberto Campos, nesse caso, tinha de se desdobrar entre pedir empréstimos e atrair investimentos, ao mesmo tempo em que o governo cancelava concessões dos oligopólios multinacionais. Em outros casos, como no governo de Juscelino Kubitscheck, a tendência desenvolvimentista do governo precisava de alguém com conhecimentos sobre financiamento de longo prazo para a indústria e atração de empresas multinacionais. Devido a essa habilidade, Roberto Campos tornou-se presidente do BNDE.

O livro está dividido em cinco capítulos. O primeiro capítulo estuda o surgimento do desenvolvimentismo no Brasil e as condições necessárias para a formação de um pensador do padrão de Roberto Campos. O segundo analisa os primeiros anos de Campos na administração pública, destacando-se a fundação do BNDES e de sua passagem como Ministro do Planejamento. O terceiro refere-se à transição de Campos para uma posição neoliberal, enquanto vivia na Inglaterra, durante os anos 70 e no início do governo de Margaret Thatcher. O quarto trata da apologia que Campos fez em relação às políticas neoliberais nos anos 80 e 90 e, finalmente, o quinto discute como o projeto neoliberal de Campos nesse momento previa a alteração de toda a ordem social, para aproximar-se do modelo capitalista radical defendido pelos autores neoliberais, como Hayek, Milton Friedman e Ludwig von Mises.

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CAPÍTULO 1 – ORIGENS DO PENSAMENTO DE ROBERTO CAMPOS.

O objetivo do primeiro capítulo é estudar as condições históricas, no Brasil, que permitiram o surgimento de um técnico do desenvolvimento econômico como Roberto Campos.

Em 1850, as elites brasileiras não desejavam a industrialização do Brasil, alegando que políticas necessárias para promovê-la, como protecionismo, aumentariam os custos da agricultura agroexportadora.

Essa ideia somente passou a ser questionada na Guerra do Paraguai. Para vencer o confronto com um oponente militarmente superior, o governo teve de estruturar tecnicamente as Forças Armadas, criando academias, escolas de engenharia e modernizando todo o aparato militar.

A classe média que se formou nesse contexto, devido à necessidade de quadros qualificados para dirigir o aparelho militar, tornou-se força política independente e passou a se mobilizar pela industrialização, pois a entendia como fundamental para o futuro do Exército e do Brasil. O movimento perdurou até a República Velha, na forma do tenentismo, que promoveu diversas rebeliões militares, como a do Forte de Copacabana.

No início do século XX, começa a surgir atividade industrial significativa no Brasil, concentrando-se nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, além das primeiras greves, destacando-se as de 1917 e 1919. Os empresários industriais tornaram-se atores importantes no cenário político e passaram a dividir o poder com as

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oligarquias rurais3. Essa industrialização tinha caráter espontâneo e procurava produzir aqui os bens importados.

Muitos representantes comerciais de produtos estrangeiros (como o Conde Francisco Matarazzo, que

3 A palavra correta é dividir e não disputar o poder, já que a tendência geral não foi um confronto direto entre empresários rurais e industriais, mas uma aliança entre ambos. Os industriais casavam-se com as filhas dos cafeicultores e, ao longo da década de 20, os industriais apoiavam politicamente as oligarquias. Roberto Simonsen apoiava, nos anos 20, o Partido Republicano Paulista.

“Mal esboçada a disputa, as principais associações industriais de São Paulo esboçavam um manifesto, com data de 30 de julho de 1929, publicado com grande destaque na primeira página do Correio Paulistano, apoiando a candidatura Júlio Prestes. O documento era assinado, sem designação de nomes, pelo Centro das Indústrias de São Paulo, Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem, Centro das Indústrias de Papelão, Centro do Comércio e da Indústria de Madeiras de São Paulo, Centro dos Industriais de Papel do Estado de São Paulo, União dos Fabricantes Nacionais de Papel, Associação dos Industriais e Comerciantes Gráficos, Centro dos Industriais de Calçados de São Paulo”. (FAUSTO, 1970, p. 29)

A revolução de 30 retirou do governo essa aliança entre industriais e cafeicultores. Esse vazio de poder foi ocupado por Getúlio Vargas, que primeiro procurou aliar-se temporariamente aos líderes tenentistas. Foi somente após reprimir a Revolução Constitucionalista de 1932 que Vargas procurou atender aos interesses dessas duas classes aliadas, industriais e cafeicultores.

Vargas procurou satisfazer a ambos os grupos. Aos cafeicultores foi dada a política de valorização do café, de estabilização cambial, além de compra e queima de café. Sobre a política de defesa do café, veja SILBER, Simão. Análise da Política Econômica e do Comportamento da Economia Brasileira Durante o Período 1929-1939. In: BARROS, José Roberto Mendonça de, VERSIANI, Flávio Rabelo. Formação Econômica do Brasil: A Experiência da Industrialização. São Paulo: Saraiva, 1977.

Em consequência do crescimento do setor secundário, a participação relativa dos empresários industriais, liderados por Roberto Cochrane Simonsen, passou a crescer. Em resposta à pressão maior destes, o governo Vargas inovou em fazer o Estado estimular a industrialização de forma racional.

Examinaremos esse processo em detalhes mais adiante nesse capítulo. Mas pode-se dizer que esse desenvolvimentismo teve quatro vetores: 1) Criação da Companhia Siderúrgica Nacional; 2) criação de órgãos voltados à coleta de dados econômicos e populacionais, como o IBGE; 3) surgimento da administração pública racionalizada, por meio do DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público), cuja principal consequência foi a formação de um funcionalismo público profissional, recrutada via concursos públicos (que se tornaram obrigatórios na Constituição de 1934) e sujeita a avaliações de desempenho e 4) surgimento de um núcleo de entidades da administração pública responsáveis por efetuar o planejamento, como o CFCE (Conselho Federal de Comércio Exterior), o CMN (Comitê de Mobilização Nacional) e outros.

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começou importando banha de porco) e proprietários de oficinas de reparos perceberam, no início do século XX, que, devido à dificuldade de importação, causada pelas crises cambiais, seria mais lucrativo produzir aqui os bens que vinham do exterior de forma irregular. Além disso, eles conheciam os produtos estrangeiros, pois já tinham experiência prévia como importadores e técnicos de manutenção destes.

Quanto mais riquezas acumulavam, esses industriais passaram a criar associações para defender seus interesses, como a CIFTSP (Central da Indústria de Fiação e Tecidos de São Paulo) e a Conferência das Classes Produtoras. E também passaram a ter projeção política, desejando um Estado que promovesse o desenvolvimento do setor secundário.

A força desses grupos de pressão levou, a partir da segunda metade dos anos 30, o presidente Vargas a tomar as primeiras medidas em favor de uma industrialização regulada pelo Estado, como a racionalização da administração pública via DASP e o surgimento do primeiro plano econômico, o Plano Especial.

Acrescenta-se a isso o surgimento de vários órgãos administrativos, fundados durante a primeira metade da década de 30, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Conselho Federal de Comércio Exterior (CFCE), que permitiu melhorar a qualidade técnica do Estado e aumentar a participação dos empresários industriais nas instâncias decisórias.

Após a Segunda Guerra Mundial, na segunda metade dos anos 40, o Brasil protestou contra a falta de ajuda norte-americana para a América Latina, em

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comparação com o apoio generoso concedido à Europa pelo Plano Marshall. Os Estados Unidos decidiram enviar ao Brasil missões técnicas, com a Missão Cooke, a Abbink e a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU). Nelas, sugeriu-se o método do planejamento de forma tecnicamente sofisticada com base no cálculo de custo-benefício, o que era então uma novidade. Também se entendia que a intervenção do Estado na economia deveria ser feita de um modo que fosse compatível com o capital estrangeiro e com a iniciativa privada.

A aplicação prática dessas comissões passou a ser feita por intermédio da fundação de um banco público, BNDE, em 1952, que seria responsável por financiar os projetos considerados prioritários.

É nesse contexto que Roberto Campos começou a atuar. Nascido em 1917 ingressou para a diplomacia em 1938. Durante vários anos, ele passou por diversos departamentos sem importância, como o almoxarifado e a criptografia. Porém, a partir de 1942, com o desenrolar da Segunda Guerra Mundial, ele atuou nos Estados Unidos, sendo responsável pela aquisição de materiais norte-americanos para o Brasil.

Ao mesmo tempo, cursou o Mestrado em Economia na Universidade da Columbia, tendo escrito a dissertação Some Inferences Concerning the International Propagation of Economic Cycles. Por ter sido o único diplomata com treinamento formal em economia, uma vez que não havia escolas de economia no Brasil, foi designado como Conselheiro Econômico da CMBEU.