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JÚLIA LEUTCHUK DA ROCHA HUMANIZAÇÃO DE MATERNIDADES PÚBLICAS: UM ESTUDO SOBRE A ARQUITETURA DAS ENFERMARIAS DE ALOJAMENTO CONJUNTO Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Linha de pesquisa: Métodos e Técnicas Aplicados ao Projeto em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: Profª. Vera Helena Moro Bins Ely, Drª. Florianópolis Segunda-feira, 29 de novembro de 2010

ROCHA, Júlia Leutchuk Da. Dissertação de Mestrado

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Considerando o evento existencial que consiste o nascimento, o pós-parto caracteriza-se como o primeiro momento em que a família se reune com o novo bebê. Nas maternidades públicas, o espaço onde normalmente ocorre esse encontro, é a Enfermaria de Alojamento Conjunto, um local de internação coletiva, onde convivem até seis famílias. Destacando ainda, o movimento de Humanização hospitalar, que emprega as qualidades do ambiente para a promoção do bem-estar, o espaço físico em que a recuperação pós-parto ocorre adquire grande importância. Ressalta-se sobretudo, que o meio é percebido por cada um de forma singular e exerce influência sob o comportamento de seus usuários. Desta forma, o trabalho tem como objetivo traçar diretrizes humanizadoras para projetos arquitetônicos de Enfermarias de Alojamento Conjunto que, sobretudo, permitam a apropriação destes lugares, considerando a relação entre o ambiente, os usuários e as atividades realizadas. Para tanto buscou-se apoio na fundamentação teórica a- cerca dos principais temas envolvidos, assim como a legislação edilícia. A partir dos diferentes métodos aplicados – como pesquisa bibliográfica e documental, visitas exploratórias, levantamento espacial, observações, entrevistas não-estruturadas focalizadas e poema dos desejos – foi possível caracterizar os ambientes em estudo, seus usuários e suas rotinas. Identificou-se, sobretudo como os elementos do ambiente influenciam tanto o bem-estar, quanto a percepção do meio e os processos sociais que ocorrem entre os indivíduos, quais sejam: o espaço pessoal, a privacidade, a territorialidade e a aglomeração. A discussão dos resultados obtidos levou às diretrizes de projeto que visam auxiliar arquitetos a conceber Enfermarias de Alojamento Conjunto mais humanizadas e que permitam a efetiva apropriação pelos usuários.

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  • JLIA LEUTCHUK DA ROCHA

    HUMANIZAO DE MATERNIDADES PBLICAS: UM ESTUDO SOBRE A ARQUITETURA DAS ENFERMARIAS DE

    ALOJAMENTO CONJUNTO

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) como requisito parcial obteno do grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Linha de pesquisa: Mtodos e Tcnicas Aplicados ao Projeto em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: Prof. Vera Helena Moro Bins Ely, Dr.

    Florianpolis Segunda-feira, 29 de novembro de 2010

  • Catalogao na fonte pela Biblioteca Universitria da

    Universidade Federal de Santa Catarina

    R672h Rocha, Jlia Leutchuk da

    Humanizao de maternidades pblicas [dissertao] :

    um Estudo sobre a arquitetura das enfermarias de alojamento

    conjunto / Jlia Leutchuk da Rocha ; orientadora, Vera Helena

    Moro Bins Ely. - Florianpolis, SC : 2010.

    222 p.: il., grafs., tabs.

    Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de

    Santa Catarina, Centro Tecnolgico, Programa de Ps-

    Graduao em Arquitetura.

    Inclui referncias

    1. Arquitetura. 2. Psicologia ambiental. 3.

    Humanizao dos servios de sade. 4. Hospitais. I. Ely, Vera

    Helena Moro Bins. II. Universidade Federal de Santa Catarina.

    Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo. III.

    Ttulo.

    CDU 72

  • JLIA LEUTCHUK DA ROCHA

    Humanizao de maternidades pblicas: Um estudo sobre a arquitetura das Enfermarias de Alojamento

    Conjunto

    Esta dissertao foi julgada e aprovada perante banca examinadora de trabalho final, outorgando ao aluno o ttulo de Mestre em Arquitetura e Urbanismo, rea de concentrao Projeto e Tecnologia do Ambiente

    Construdo, do Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo PsARQ, da Universidade Federal de Santa Catarina

    UFSC.

    Prof. Fernando Oscar Ruttkay Pereira, PhD. Coordenador do curso

    Apresentada Banca Examinadora integrada pelos professores:

    Prof. Vera Helena Moro Bins Ely, Dr. Orientadora Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

    Prof. Marta Dischinger, PhD. Membro Interno Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

    Prof. Maristela Moraes de Almeida, Dr. Membro Interno Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

    Prof. Carmen Susana Tornquist, Dr. Membro Externo Universidade do Sul de Santa Catarina (UDESC)

  • Dedico este trabalho a minha me, que mesmo longe, ficou ao lado do meu corao e

    Mumu, que me fez companhia em todas as horas que fiquei a frente do computador, sem

    nunca perder o otimismo.

  • AGRADECIMENTOS

    minha av, que sempre me deu valiosos conselhos, sendo um deles a importncia de continuar estudando.

    A meu pai, irmos e tios, por terem acompanhado todas as etapas deste mestrado e pela pacincia que tiveram para escutar com detalhes as aventuras que passei.

    Ao Thiago, por todo amor e abraos fundamentais. s arquitetas Milena de Mesquita Brando e Luana Marinho

    Matos, pelo carinho e companherismo no caminho que construmos juntas.

    professora Dr. Vera Helena Moro Bins Ely, pelo seu olhar atento, conhecimento, orientao e amizade.

    professora Dr. Noili Demaman pela ajuda ao corrigir os detalhes do portugus que por mim passaram voando.

    Aos funcionrios da Maternidade Carmela Dutra, sobretudo Gerente de Enfermagem Jaqueline de Souza Brasiliense Vieira, pelo interesse, incentivo e tempo dado para que esta pesquisa se realizasse.

  • Os primeiros dias aps o nascimento so carregados de emoes intensas e variadas. As primeiras vinte e quatro horas constituem um perodo de recuperao da fadiga do parto. A sensao de desconforto permanece lado a lado com a excitao pelo nascimento do filho. Assim, compreende-se o quanto complexo este momento para vida da mulher possibilitando inmeros sentimentos ambivalentes (BORSA, 2007, p. 313).

  • RESUMO

    Considerando o evento existencial que consiste o nascimento, o ps-parto caracteriza-se como o primeiro momento em que a famlia se reune com o novo beb. Nas maternidades pblicas, o espao onde normalmente ocorre esse encontro, a Enfermaria de Alojamento Conjunto, um local de internao coletiva, onde convivem at seis famlias. Destacando ainda, o movimento de Humanizao hospitalar, que emprega as qualidades do ambiente para a promoo do bem-estar, o espao fsico em que a recuperao ps-parto ocorre adquire grande importncia. Ressalta-se sobretudo, que o meio percebido por cada um de forma singular e exerce influncia sob o comportamento de seus usurios. Desta forma, o trabalho tem como objetivo traar diretrizes humanizadoras para projetos arquitetnicos de Enfermarias de Alojamento Conjunto que, sobretudo, permitam a apropriao destes lugares, considerando a relao entre o ambiente, os usurios e as atividades realizadas. Para tanto buscou-se apoio na fundamentao terica a- cerca dos principais temas envolvidos, assim como a legislao edilcia. A partir dos diferentes mtodos aplicados como pesquisa bibliogrfica e documental, visitas exploratrias, levantamento espacial, observaes, entrevistas no-estruturadas focalizadas e poema dos desejos foi possvel caracterizar os ambientes em estudo, seus usurios e suas rotinas. Identificou-se, sobretudo como os elementos do ambiente influenciam tanto o bem-estar, quanto a percepo do meio e os processos sociais que ocorrem entre os indivduos, quais sejam: o espao pessoal, a privacidade, a territorialidade e a aglomerao. A discusso dos resultados obtidos levou s diretrizes de projeto que visam auxiliar arquitetos a conceber Enfermarias de Alojamento Conjunto mais humanizadas e que permitam a efetiva apropriao pelos usurios.

    Palavras-chave: Maternidades pblicas. Humanizao hospitalar. Psicologia Ambiental.

  • ABSTRACT

    Considering the existential event that birth is, the postpartum is characterized as the first time the family meets the new baby. In public hospitals, the place where this encounter occurs normally is the Ward Rooming, a local collective internment, where up to six families stay together. Taking into account the Humanization Hospital movement, which employs the qualities of the environment to promote wellness, physical space in which the postpartum recovery is of great importance. Furthermore, the environment is perceived by each person in a unique way and has an influence on the behavior of its users. Thus, the study aims to establish guidelines for architectural projects of humanizing Wards of Rooming that, above all, allow the appropriation of such places, considering the relation between environment, users and activities. For that we sought theorectical support about the main issues involved, as well as edict legislation. From the different methods used - such as bibliographic and documentary research, exploratory visits, survey space, observations, interviews focused and non-structure of the poem wishes we were able to characterize the environments under study, its users and their routines. We identified how the environmental factors influence both the well-being and the perception of the environment and social processes that occur between individuals, either personal space, or privacy, territoriality and crowding. The discussion of the results led to guidelines that aim to help architects to design Wards of Rooming and more humane to allow the effective ownership by the users.

    Keywords: Public Maternity. Humanizing hospital. Environmental Psychology

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Gravura representando a enfermaria do htel dieu, em paris, por volta de 1500: purperas dividem o mesmo leito ao lado de pacientes moribundos. ........................................................................... 34 Figura 2 Pintura representado o nascimento como um evento domstico e feminino............................................................................. 35 Figura 3 O uso de incubadoras, na maternit de Paris, Port-Royal. .. 37 Figura 4 Hospital Universitrio Polydoro Ernani de So Thiago. ........ 92 Figura 5 Maternidade Carmela Dutra. ................................................ 92 Figura 6 Carimbos para registro da posio dos usurios. ................. 96 Figura 7 Localizao da MCD em Florianpolis. ............................... 104 Figura 8 Localizao dos acessos na MCD. ....................................... 104 Figura 9 Localizao das unidades 01, 02 e 03 no trreo da MCD. .. 106 Figura 10 Sanitrio sem chuveiro para acompanhantes na MCD. ... 107 Figura 11 Planta baixa da unidade 3 (sem escala). ........................... 111 Figura 12 Moblia associada ao leito: escada, gaveteiro e bero. .... 111 Figura 13 Cadeira do acompanhante ................................................ 111 Figura 14 Tulha dentro do banheiro. ................................................ 112 Figura 15 Localizao do Hospital Universitrio em Florianpolis. .. 129 Figura 16 Localizao dos acessos e do AC no complexo do HU...... 130 Figura 17 Placa orientando sobre a localizao das unidades da maternidade do HU, no segundo pavimento. ..................................... 131 Figura 18 Unidade do AC. .................................................................. 131 Figura 19 Planta baixa da ala do AC do HU (sem escala).................. 132 Figura 20 Alerta aos acompanhantes sobre uso dos banheiros. ..... 132 Figura 21 Quarto 205 para casos atpicos. ........................................ 133 Figura 22 Leito desativado no quarto 205. ....................................... 133 Figura 23 Planta baixa do quarto 211 ............................................... 134 Figura 24 Moblia associada ao leito 04: luminria, escada, mesa de apoio, gaveteiro, bero e poltrona. ..................................................... 135 Figura 25 Poltrona do acompanhante. ............................................. 135 Figura 26 Localizao do bloco hospitar em relao Rua Ramiro Barcelos, no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. ............... 160 Figura 27 Brise soleil regulvel em projeto do arquiteto Joo Filgueiras Lima, em Braslia. ................................................................. 161 Figura 28 Exemplo de um jardim teraputico. ................................. 162 Figura 29 Possibilidade de territrios com quatro e seis leitos. ...... 163

  • Figura 30 Leitos divididos por cortinas com trilho fixado no forro. . 164 Figura 31 rea sugerida para a instalao de cortinas entre leitos. 165 Figura 32 Diferentes luminrias para as diversas atividades. .......... 167 Figura 33 Mobilirio para exposio de objetos pessoais................ 169

    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 Legislao pertinente sobre humanizao hospitalar e ateno obsttrica.................................................................................. 47 Grfico 2 Ambientes do Centro Obsttrico. ....................................... 49 Grfico 3 Ambientes da internao obsttrica................................... 50 Grfico 4 Efeitos psicolgicos das cores. ............................................ 64 Grfico 5 Relao entre os componentes promotores de bem-estar e os elementos do ambiente. ................................................................... 72

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Espaos onde ocorre a recuperao Ps-parto. ................ 51 Quadro 2 Condicionantes legais do quarto e enfermaria de AC. ...... 52 Quadro 3 Os sistemas perceptivos. .................................................... 75 Quadro 4 Graduaes de distncia interpessoal ................................ 83 Quadro 5 Objetivos, tcnicas e resultados esperados ..................... 100 Quadro 6 Avaliao dos condicionantes legais na MCD. ................. 113 Quadro 7 Avaliao do som nas unidades da MCD .......................... 117 Quadro 8 Avaliao da luz nas unidades da MCD ............................ 118 Quadro 9 Avaliao da cor nas unidades da MCD............................ 120 Quadro 10 Avaliao da textura nas unidades da MCD ................... 121 Quadro 11 Avaliao do aroma nas unidades da MCD .................... 122 Quadro 12 Avaliao da temperatura nas unidades da MCD .......... 123 Quadro 13 Avaliao da vibrao nas unidades da MCD ................. 123 Quadro 14 Sntese dos relatos na MCD sobre satisfao. ............... 126 Quadro 15 Sntese dos relatos na MCD sobre percepo................ 126 Quadro 16 Sntese dos relatos na MCD sobre comportamento ...... 127 Quadro 17 Sntese do Poema dos desejos na MCD. ........................ 128 Quadro 18 Avaliao dos condicionantes legais no HU. .................. 137 Quadro 19 Avaliao da forma nos quartos do HU .......................... 139 Quadro 20 Avaliao do som nos quartos do HU ............................ 140 Quadro 21 Avaliao da luz nos quartos do HU ............................... 142

  • Quadro 22 Avaliao da cor nos quartos do HU .............................. 143 Quadro 23 Avaliao da textura nos quartos do HU ........................ 144 Quadro 24 Avaliao do aroma nos quartos do HU ......................... 144 Quadro 25 Avaliao da temperatura nos quartos do HU ............... 146 Quadro 26 Avaliao da vibrao nos quartos do HU ...................... 146 Quadro 27 Sntese dos relatos no HU sobre satisfao. .................. 147 Quadro 28 Sntese dos relatos no HU sobre percepo. ................. 147 Quadro 29 Sntese dos relatos no HU sobre comportamento. ........ 148 Quadro 30 Sntese do Poema dos desejos no HU. ........................... 149 Quadro 31 Critrios inferidos nos quadros de avaliao da influncia do meio. ................................................................................................ 150 Quadro 32 Critrios inferidos agrupados por assunto. .................... 151

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Nmero de leitos obstetrcios e cirrgicos por estabelecimento conveniados ao SUS em Florianpolis 2006 ........... 92

    LISTA DE SIGLAS

    AC Alojamento Conjunto

    ANVISA Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria

    MS Ministrio da Sade

    OMS Organizao Mundial de Sade

    PHPN Programa de Humanizao no Pr-natal e Nascimento

    PNH Poltica Nacional de Humanizao

    PNHAH Programa Nacional de Humanizao da Assistncia Hospitalar

    RDC Resoluo de Diretoria Colegiada

    RN Recm-Nascido

    SUS Sistema nico de Sade

    TAS Transtorno Afetivo Sazonal

    WHO World Health Organization

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ................................................................................ 21 1.1 JUSTIFICATIVA E RELEVNCIA DO TEMA ......................................... 22 1.2 OBJETIVOS ........................................................................................ 28 1.2.1 Objetivo geral .......................................................................... 28 1.2.2 Objetivos especficos ............................................................... 28 1.4 DELIMITAO DA PESQUISA ............................................................ 29 1.5 ESTRUTURA DA DISSERTAO ......................................................... 30 2 FUNDAMENTAO TERICA ......................................................... 33 2.1 TRANSFORMAO DOS AMBIENTES DE NASCER ............................ 33 2.1.1 O alojamento conjunto e a presena do acompanhante .......... 40 2.1.2 Legislao pertinente .............................................................. 42 2.1.3 A arquitetura dos ambientes de assistncia obsttrica. ........... 48 2.2 HUMANIZAO ................................................................................ 53 2.2.1 A Humanizao nas prticas de sade ..................................... 53 2.2.2 Humanizao dos ambientes de sade .................................... 56 2.2.3 Estratgias de projeto promotoras de bem-estar ..................... 59 2.3 CONFIGURAO DO MEIO E COMPORTAMENTO DO USURIO ..... 73 2.3.1 Estmulos e percepo ............................................................. 74 2.3.2 Comportamento vinculado ao meio ........................................ 77 2.3.3 Traos fsicos no ambiente ...................................................... 89 3 MTODOS E TCNICAS APLICADAS ................................................ 91 3.1 ESCOLHA DOS OBJETOS DE ANLISE................................................ 91 3.2 MTODOS DE PESQUISA SELECIONADOS ........................................ 93 3.2.1 Trabalho de gabinete ............................................................... 93 3.2.2 Trabalho de campo .................................................................. 94 3.3 POPULAO E AMOSTRA ............................................................... 101 3.4 TICA EM PESQUISA COM SERES HUMANOS ................................ 102 4 RESULTADOS DO ESTUDO DE CASO ............................................. 103 4.1 MATERNIDADE CARMELA DUTRA (MCD) ...................................... 103 4.1.1 Rotinas das Enfermarias de Alojamento Conjunto ................. 107 4.1.2 Caracterizao espacial das unidades analisadas ................... 110 4.1.3 Avaliao dos condicionantes legais ...................................... 112 4.1.4 Avaliao da influncia do meio sobre os usurios ................ 113

  • 4.1.5 Entrevistas realizadas na MCD ............................................... 125 4.2 HOSPITAL POLYDORO ERNANI DE SO THIAGO (HU) ................... 129 4.2.1 Caracterizao espacial dos quartos analisados ..................... 134 4.2.2 Avaliao dos condicionantes legais ...................................... 135 4.2.3 Avaliao da influncia do meio sobre os usurios ................ 137 4.2.4 Entrevistas realizadas no HU.................................................. 147 4.3 DISCUSSO DOS RESULTADOS ....................................................... 150 5 DIRETRIZES PROPOSTAS PARA PROJETOS ARQUITETNICOS ....... 159 6 CONCLUSO ................................................................................ 170 6.1 CONCLUSES GERAIS ..................................................................... 170 6.2 AVALIAO DOS MTODOS E INSTRUMENTOS EMPREGADOS .... 171 6.3 RECOMENDAES PARA PESQUISAS FUTURAS ............................ 172 REFERNCIAS ................................................................................. 173 GLOSSRIO .................................................................................... 190 APNDICES ..................................................................................... 193 ANEXOS ......................................................................................... 201

  • [21]

    1 INTRODUO

    A motivao para realizar esta pesquisa surgiu a partir de uma conversa informal. Na ocasio, duas mes lembravam como foram suas experincias de dar luz e como ocorreu a recuperao ps-parto em uma enfermaria coletiva, no chamado sistema de Alojamento Conjunto (sistema em que a trade formada pela me, beb e acompanhante permanecem juntos em um mesmo lugar at a alta hospitalar).

    As primeiras horas depois do nascimento do beb, cheias de expectativas e novidades, passavam junto a outras famlias no mesmo ambiente. Esta condio que tanto facilita a realizao das tarefas da equipe de enfermagem envolvida com os cuidados da me e do recm-nascido, tambm pode causar desconforto a quem recebe tal ateno, conforme relatado. O momento do nascimento um evento existencial e nico e, desta forma, cada famlia pode sentir e perceber de forma distinta esta vivncia. Isto significa que, em uma enfermaria coletiva, esses sentimentos dificilmente estaro em sintonia com o que os outros sentem. Por exemplo, uma me preocupada com o beb que no dorme e outra, feliz com a visita de parentes queridos, precisam coexistir em um ambiente que nem sempre lhes propicia privacidade ou a sensao de um territrio que lhes pertena. Sabendo disso, cresceram ainda mais as dvidas sobre a qualidade destas enfermarias e se de fato elas permitiam que as famlias que as ocupam conseguiam se apropriar destes lugares.

    Neste sentido, o presente trabalho pretende caracterizar o usurio deste ambiente e suas necessidades, conhecer quais atividades so ali desenvolvidas e identificar as caractersticas espaciais das Enfermarias de Alojamento Conjunto. Esta pesquisa aborda a importncia de compreender a elaborao destes espaos, enfatizando os conceitos relativos humanizao e configurao do meio e o comportamento de seus usurios.

    Este captulo apresenta a justificativa e a relevncia das temticas em estudo, apresentando as perguntas que foram norteadoras deste trabalho, os objetivos propostos, a delimitao da pesquisa, assim como uma breve sntese da estruturao desta dissertao.

  • [22]

    1.1 JUSTIFICATIVA E RELEVNCIA DO TEMA

    Pela Constituio Federal de 1988, qualquer brasileiro tem reconhecida desde o nascimento a gratuidade do direito a servios de sade 1. Esta no s afirma a importncia deste direito fundamental, como provoca no Estado a obrigatoriedade de garanti-lo, oferecendo medicamentos, promovendo programas de preveno e criando condies de atendimento em estabelecimentos pblicos de sade (ambulatrios, postos de sade, laboratrios, hospitais) de forma universal (atingindo a todos os que precisam) e integral (garantindo tudo o que a pessoa precise). Neste sentido, o Sistema nico de Sade (SUS) uma rede que rene tais estabelecimentos para garantir o direito dos cidados a consultas, exames, internaes e tratamentos, assim como o direito ateno obsttrica e neonatal.

    Dentre os estabelecimentos de sade, as maternidades pblicas desempenham importante papel na vida das famlias brasileiras. Para Carmen Susana Tornquist (2002, p. 484), esses lugares so palco de [...] um evento existencial e social, vinculado sexualidade da mulher e vida da famlia.

    Neste contexto, importante ressaltar o Movimento pela Humanizao do Parto e do Nascimento no Brasil que, segundo Tornquist, (2002, p. 483), [...] tem buscado promover modificaes na assistncia ao parto e ao nascimento, sobretudo no mbito da sade coletiva. A autora afirma que o iderio deste movimento preconiza medidas humanizadoras, principalmente em relao s condutas mdicas, consideradas menos agressivas e mais naturais. Entre elas, o incentivo de prticas nem sempre valorizadas, como o parto vaginal, o respeito pela privacidade feminina no momento do parto, o alojamento da me junto com o beb e a presena do pai durante todo o processo. Tambm aconselhado ponderamento na aplicao de rotinas hospitalares ditas desnecessrias, como a lavagem intestinal, os partos cirrgicos e alguns procedimentos considerados invasivos e at constrangedores para a mulher.

    O movimento, que primeiramente foi concebido por organizaes no-governamentais e intelectuais especializados no assunto, encontrou apoio no Programa de Humanizao no Pr-Natal e

    1 Sade aqui entendida como estado de completo bem-estar fsico, mental e social, e no simplesmente a ausncia da doena ou enfermidade (OMS, 1978, p. 15)

  • [23]

    Nascimento (PHPN) institudo pelo Ministrio da Sade (MS) atravs da Portaria/GM n 569, de 1 de junho de 2000, e que tem como meta abranger todas as maternidades brasileiras (BRASIL, 2000).

    Uma das estratgias do programa diz respeito forma como a mulher, seus familiares e o recm-nascido so recebidos nas unidades de sade e preconiza, alm do rompimento com o tradicional isolamento imposto mulher2, a criao de um ambiente acolhedor, segundo orientaes da Organizao Mundial de Sade (OMS), na Conferncia sobre tecnologias apropriadas para o nascimento e parto, em 1985:

    Centros obsttricos que assumem uma posio crtica em relao tecnologia e que adotam uma postura de respeito pelos aspectos emocionais, psicolgicos e sociais do parto devem ser reconhecidos. Esses locais devem ser encorajados e o processo que os levou a tal posio precisa ser estudado para que eles possam servir de modelo para atitudes futuras em outros centros e influenciar a postura obsttrica por toda a nao

    (WHO, 1985, p. 124)3.

    Estas orientaes vo ao encontro de outro movimento, iniciado na dcada de 70, o da Humanizao Hospitalar, que possui trs vertentes, impactando a estrutura hospitalar. Segundo Patrcia Biasi Cavalcanti (2009), seriam elas:

    [...] o resgate do papel historicamente ocupado pelo lar como um local propcio para o nascimento, recuperao de enfermidades e morte, bem como para o exerccio da Medicina; a busca pela humanizao do hospital existente, principalmente explorandose uma imagem menos institucional; e a busca por novos modelos de sade que reduzam o impacto fisiolgico, social e econmico do tratamento sobre o paciente [...] (CAVALCANTI, 2009, p.52).

    2 Historicamente, o isolamento da mulher em relao famlia remete ao processo de medicalizao e hospitalizao do parto. 3 Todos os textos em lngua estrangeira foram traduzidos pela autora.

  • [24]

    Renata Thas Bomm Vasconcelos (2004, p. 25) ressalta que o movimento da humanizao hospitalar tem nfase na [...] qualidade do ambiente hospitalar e na preocupao em afastar o aspecto hostil e institucional que sempre predominou neste tipo de edificao. Desta forma, ratifica-se a importncia da arquitetura no universo das maternidades, conforme afirma Mauro Csar de Oliveira Santos (2002):

    A abordagem de promoo da sade abre um novo universo para a prtica interdisciplinar, o qual est longe de ser totalmente desvendado. Neste sentido, a arquitetura passa a ter um importante papel no desenvolvimento de espaos comprometidos com uma assistncia ao nascimento humanizada e centrada nas necessidades da famlia (SANTOS, 2002, p. 05).

    Para Vasconcelos (2004), no que tange arquitetura, os projetos devem ser concebidos de tal forma que o usurio4 seja o norteador de como o ambiente deve ser. Devem considerar suas necessidades, espectativas e diferenas culturais. A qualificao dos espaos deve oferecer aos usurios conforto fsico e psicolgico, atravs de atributos ambientais que provocam a sensao de bem-estar.

    Segundo estudos da psicologia ambiental, a forma como o usurio percebe os atributos do meio ambiente ter influncia no seu comportamento. Esses som, textura, cor, forma, temperatura e luz causam estmulos que so percebidos sensorialmente pelo usurio, no caso a me, o acompanhante ou o prprio beb. Os estmulos podem ou provocar a sensao de conforto, segurana, relaxamento ou, de outra forma, desconforto, insegurana e estresse5. Portanto, qualquer gestor de maternidade deveria estar atento a como o ambiente afeta os usurios.

    A forma como o meio influencia o comportamento dos indivduos tambm deve ser avaliada com ateno, pois as relaes

    4 O termo usurio aqui empregado num sentido amplo, indica todas as pessoas que utilizam a estrutura. Compreende tanto a mulher e o recm-nascido, como seu acompanhante, seus familiares, visitantes (usurios externos), o trabalhador da instituio e o gestor do sistema (usurios internos). 5 Estresse a soma de respostas fsicas e mentais da incapacidade de distinguir entre o real e as experincias e expectativas pessoais.

  • [25]

    humanas podem ser favorecidas ou inibidas pelo espao em que elas ocorrem. Permitir que o usurio se aproprie6 de um lugar, sentindo que ele lhe pertence e que lhe oferece privacidade, por exemplo, so condies que toda maternidade deveria atender, assim como a sensao de aglomerao deve ser evitada.

    Dentre os diversos espaos fsicos vivenciados em uma maternidade como o posto de enfermagem, a sala de observao, a sala de pr-parto e a sala de parto o espao destinado recuperao ps-parto se destaca como o local onde o beb e a famlia encontram-se juntos pela primeira vez. Nesse lugar comeam a se formar vnculos afetivos que vo durar por todas as suas vidas. Desta forma, recomenda-se a permanncia do beb recm-nascido no mesmo espao que a me, sistema chamado de alojamento conjunto (AC)7. Acredita-se que tal sistema [...] facilita a criao e aprofundamento de laos me - RN8 - famlia, favorecendo a vinculao afetiva, a compreenso do processo de crescimento e desenvolvimento, a participao ativa e a educao para a sade (HOSPITAL UNIVERSITRIO, 1995 apud FERRARI, 2005, p. 34).

    Contudo, nos estabelecimentos vinculados ao SUS, normalmente o AC ir ocorrer em ambientes coletivos; as chamadas Enfermarias de AC. Nelas, at seis famlias precisam dividir o mesmo espao, sendo que cada me tem o direito de ser acompanhada por algum de sua escolha durante toda a internao9. Levanta-se a questo de como ser possvel oferecer um ambiente humanizado, que favorea a sua apropriao, o bem-estar e a ocorrncia de relaes humanas, onde tantos indivduos precisam conviver com diferentes necessidades e vontades. Por outro lado, as dificuldades oramentrias, freqentes

    6 Entende-se que apropriao envolve a interao recproca usurio/espao, na qual o usurio age no sentido de moldar os lugares segundo suas necessidades e desejos (MALARD, 1993, p. 4). Bins Ely (1997) associa a apropriao ao exerccio de controle, sendo que o controle psicolgico do espao se refere idia de espao pessoal e o controle fsico se refere ao conceito de territorialidade. 7 Alojamento conjunto um sistema hospitalar em que o recm-nascido sadio, logo aps o nascimento, permanece ao lado da me, 24 horas por dia, num mesmo ambiente, at a alta hospitalar. Tal sistema possibilita a prestao de todos os cuidados assistenciais, bem como, a orientao me sobre a sade do binmio me e filho (BRASIL, 1993). 8 RN a sigla para recm-nascido.

    9 Entende-se internao como a admisso de um paciente para ocupar um leito hospitalar,

    por um perodo igual ou maior que 24 horas.

  • [26]

    nos estabelecimentos pblicos de sade, reduzem as alternativas para resolver tais problemas.

    Assim, o seguinte trabalho buscou investigar de que forma as Enfermarias de AC poderiam ser humanizadas a partir do seu projeto arquitetnico, considerando os atributos projetuais promotores de bem-estar e redutores do estresse, os estmulos do meio, assim como a influncia do ambiente no comportamento de seus usurios. Para tanto, formulou-se a seguinte pergunta principal de pesquisa:

    Considerando a relao entre o ambiente, os usurios e as atividades realizadas, de que forma pode-se garantir s Enfermarias de Alojamento Conjunto de maternidades integrantes a rede SUS, um ambiente que seja humanizado e permita a apropriao do espao?

    Para tanto, realizou-se um estudo de caso em dois Estabelecimentos Assistenciais de Sade (EAS)10 de Florianpolis, no estado de Santa Catarina. Nestes locais buscou-se respostas para as perguntas secundrias de pesquisa, quais sejam:

    Quais so as caractersticas espaciais das Enfermarias de Alojamento Conjunto?

    Quais so os diferentes usurios destes espaos e quais so as

    suas necessidades? Quais so as atividades realizadas pelos diferentes usurios

    desses espaos? As caractersticas espaciais dos ambientes estudados favorecem

    ou inibem a realizao das atividades pelos diferentes usurios?

    Na realizao do estudo de caso proposto espera-se encontrar respostas para as questes que tangem s Enfermarias de AC e a contribuio da arquitetura na busca de projetos mais humanizados.

    10 Denominao dada a qualquer edificao destinada prestao de assistncia sade populao, que demande o acesso de pacientes, em regime de internao ou no, qualquer que seja o seu nvel de complexidade.

  • [27]

    Destaca-se que a pesquisa realizada tem relevncia cientfica uma vez que considera o aporte da psicologia ambiental na humanizao de ambientes de sade como uma ferramenta de projeto. Este trabalho ainda tem relevncia social, na medida que acredita-se ser possvel melhorar a qualidade do momento fundamental da vida humana que o nascer e a formao de vnculos entre o beb e sua famlia. Logo, espera-se que esta dissertao poder contribuir para o conhecimento a cerca dos dois grandes temas estudados nesta dissertao a psicologia ambiental e a humanizao hospitalar a partir do estudo da influncia da configurao do meio na percepo e no comportamento do usurio.

  • [28]

    1.2 OBJETIVOS

    1.2.1 Objetivo geral

    Propor diretrizes humanizadoras para projeto arquitetnico de Enfermarias de Alojamento Conjunto que, sobretudo, permitam a apropriao destes lugares, considerando a relao entre o ambiente, os usurios e as atividades realizadas.

    1.2.2 Objetivos especficos

    Caracterizar espacialmente as Enfermarias de Alojamento Conjunto, levando em considerao a legislao edilcia.

    Elencar os diferentes usurios que utilizam estes espaos e

    entender quais so suas necessidades. Identificar as diferentes atividades e o comportamento dos

    usurios nesses espaos. Avaliar se as caractersticas espaciais dos espaos estudados

    permitem que todos seus usurios realizem suas atividades ou se estas so restringidas pelo meio.

  • [29]

    1.4 DELIMITAO DA PESQUISA

    Esta pesquisa pode ser delineada como um estudo de caso que pretende investigar questes a partir de trs diferentes mbitos: o espao fsico, os usurios e as atividades realizadas.

    Sobre o espao fsico, ser avaliada a arquitetura de Enfermarias de AC, em unidades de Internao Obsttrica. No sero estudadas as unidades de Centro de Parto Normal11, pois se pretende tambm analisar as necessidades das parturientes de partos cesarianos, e estes no ocorrem nestas unidades. Pretende-se avaliar o impacto do ambiente sobre a percepo e o comportamento de seus principais usurios. Assim, tambm ser realizada uma caracterizao do usurio destes espaos (gestantes, recm-nascido, acompanhantes, visitantes, profissionais da sade e funcionrios de limpeza e manuteno) e suas necessidades. J sobre as atividades, ser descrita qual a rotina de cada um.

    Cabe enfatizar que esta dissertao, sendo sobre a arquitetura dos ambientes hospitalares, no pretende avaliar as complexas questes que envolvem a organizao do servio, como as condutas mdicas, a formao profissional da equipe mdica, relaes hierrquicas ou os procedimentos mdicos adotados em cada instituio.

    11 Para a definio de Centro Obsttrico, Centro de Parto Normal e Internao Obsttrica, ver 2.1.3 O espao de recuperao ps-parto.

  • [30]

    1.5 ESTRUTURA DA DISSERTAO

    O seguinte trabalho foi organizado em seis captulos, apresentados a seguir:

    CAPTULO 1: INTRODUO. Neste captulo foi realizada uma

    breve apresentao e contextualizao do tema proposto, seguidos da justificativa, da exposio das perguntas de pesquisa, dos objetivos e da delimitao de pesquisa.

    CAPTULO 2: FUNDAMENTAO TERICA. Este captulo foi

    dividido em trs grandes temas, que, acredita-se, so cruciais para o embasamento terico do presente trabalho, sejam eles:

    TRANSFORMAO DOS AMBIENTES DE NASCER. Para avaliar o objeto de estudo desta pesquisa, inicialmente buscou-se compreender como era o evento do nascimento at os dias de hoje. Tambm foi preciso compreender os Benefcios do Alojamento Conjunto e da presena do acompanhante (2.1.1) para entender porque estas prticas so recomendadas atualmente. Da mesma fora, procurou-se conhecer os condicionantes legais para a realizao de projetos desse tipo de estabelecimento. Essas informaes foram organizadas na seo intitulada Legislao pertinente (2.1.2). Por fim, procurou-se explicar como se caracterizam as maternidades hoje, e de forma mais especfica, os ambientes de recuperao ps-parto, na seo, A arquitetura dos ambientes de assistncia obsttrica (2.1.3).

    HUMANIZAO. Visto que o conceito de humanizao est presente nas polticas pblicas de sade, necessrio compreender o seu significado. Para tanto, buscou-se explorar as suas implicaes na rea da sade, considerando o mbito atitudinal do movimento. Destaca-se a evoluo da humanizao dos servios de sade de forma geral at o movimento de humanizao do parto e do nascimento, na seo A humanizao nas prticas de sade (2.2.1). Finalmente, foram considerados os aspectos da humanizao relativos ao arranjo espacial dos ambientes de sade, para estudar como os projetos arquitetnicos de maternidades podem propiciar um espao humanizado, na seo Humanizao dos ambientes de sade (2.2.2). Para tanto, buscou-se estudar os autores da rea da arquitetura que abordam os atributos ambientais e os fatores espaciais que tm influncia no bem-estar das

  • [31]

    pessoas. Essas referncias esto organizadas na seo Estratgias de projeto promotoras de bem-estar (2.2.3).

    CONFIGURAO DO MEIO E COMPORTAMENTO DO USURIO. Para tornar mais completa a compreenso do impacto do espao sobre o usurio fez-se necessrio buscar um incremento terico sob a luz da psicologia ambiental. Assim sendo, as sees Estmulos e percepo (2.3.1), Comportamento vinculado ao meio (2.3.2) e Traos fsicos no ambiente (2.3.3) abordam conceitos importantes desta rea de conhecimento.

    CAPTULO 3: MTODOS E TCNICAS APLICADAS. Neste captulo

    ser apresentado o processo de Escolha dos objetos de anlise (3.1) sendo eles a Maternidade Carmela Dutra e o Hospital Polydoro Ernani de So Thiago , os Mtodos de pesquisa selecionados (3.2), a Populao e amostra (3.3), assim como uma seo sobre tica em pesquisa com seres humanos (3.4).

    CAPTULO 4: RESULTADOS DO ESTUDO DE CASO. Neste captulo

    foram apresentados os resultados obtidos em cada instituio estudada (4.1 e 4.2). Por ltimo foi realizado o cruzamento dos resultados de ambos os estabelecimentos, na seo Discusso dos resultados (4.3).

    CAPTULO 5: DIRETRIZES PROPOSTAS PARA PROJETOS DE

    ENFERMARIAS DE ALOJAMENTO CONJUNTO. So apresentadas neste captulo diretrizes relacionadas s Enfermarias de Alojamento Conjunto.

    CAPTULO 6: CONCLUSO. Apresenta as concluses finais desta

    pesquisa com as respostas para as perguntas de pesquisa, a avaliao dos mtodos e tcnicas empregados, assim como recomendaes para pesquisas futuras.

  • [33]

    2 FUNDAMENTAO TERICA

    Na presente seo, sero abordados os temas que permitem uma maior compreenso dos aspectos que envolvem o parto e o nascimento. Inicialmente, ser realizado um panorama contando a histria dos ambientes voltados para o nascimento at os dias de hoje. Tambm sero analisadas as legislaes especficas brasileiras que direcionam as prticas dos atendimentos de sade. Finalmente ser caracterizado o objeto de estudo desta pesquisa, a Enfermaria de AC.

    2.1 TRANSFORMAO DOS AMBIENTES DE NASCER

    Ao ser analisada a evoluo das anatomias dos edifcios hospitalares, pode-se notar que bastante recente a presena de locais especficos para o nascimento. Recentes tambm so as edificaes exclusivas para este fim, considerando que a prpria prtica obsttrica teve incio no perodo neoltico12, segundo Victor Hugo Melo (1983 apud SILVEIRA, 2006). A prtica era exclusivamente feminina e ocorria margem do exerccio social da medicina, pois o conhecimento sobre a reproduo fazia parte do acervo de conhecimento das mulheres (GIFFIN, 1991 apud REDE FEMINISTA DE SADE, 2002, p. 7). Com a profissionalizao das mulheres que auxiliavam o parto as parteiras que seriam as [...] profissionais responsveis por todos os assuntos referentes gravidez, parto e puerprio13 (MELO, 1983 apud SILVEIRA, 2006, p. 20), acentua-se o domnio feminino sobre tais eventos.

    Pode-se afirmar que durante os perodos da Antiguidade e Idade Mdia, a prtica da obstetrcia esteve sob o domnio das parteiras, por mais que j houvesse indcios da existncia dos primeiros lugares voltados para a sade j no perodo pr-helnico (MIQUELIN, 1992). Em comum, essas edificaes tinham a funo primordial de oferecer abrigo e hospedagem aos peregrinos, necessitados ou doentes. O atendimento se aproximava de uma assistncia espiritual, j que normalmente eram os princpios morais e ideais das prticas religiosas que justificavam a criao destes locais voltados caridade e ao auxlio

    12 Cerca de 10.000 anos a.C. 13 Puerprio tambm conhecido como ps-parto ou resguardo. Dura em torno de seis a oito semanas e s termina com o retorno das menstruaes da mulher.

  • [34]

    ao prximo. A ateno mdica, propriamente dita, era prestada nas residncias e se restringia aos que possuam condies financeiras para o seu custeio (CAVALCANTI, 2009).

    Na Idade Mdia, os hospitais surgem em aglomerados urbanos e cruzamentos de rotas comerciais no somente para dar abrigo aos viajantes, mas para confinar as pessoas doentes. Sobre o perodo, Marilice Costi (1997) diz que no havia controle das doenas e o espao de uma enfermaria tinha uma relao direta com a funo de aguardar a morte (p. 5). Sempre prximas a cemitrios e capelas o espao caracteriza-se como sendo de assistncia e transformao espiritual, como afirma Costi (1997, p. 3). A autora aponta que foi neste perodo que se d a separao entre homens e mulheres dentro das enfermarias, construdas [...] em forma de cruz, numa relao direta crucificao de Cristo, a Salle de Mourir, ou a sala de morrer.

    Figura 1 Gravura representando a enfermaria do htel dieu, em paris, por volta de 1500:

    purperas dividem o mesmo leito ao lado de pacientes moribundos.

    Tambm surge, neste perodo, a separao dos pacientes por patologias e a separao das funes de logstica e alojamento (MIQUELIN, 1992; GOS, 2004). Mesmo havendo leitos para as

  • [35]

    mulheres grvidas nestes hospitais, era normal que esses ficassem desocupados, sem uso (MUSE, 2002 apud BITENCOURT, 2008). A rotina mais frequente permanecia no deslocamento da parteira at a casa da parturiente, sendo raros os casos em que estas iam ao hospital:

    Os mdicos (ou cirurgies-barbeiros) eram admitidos para ajudar apenas nos partos difceis, realizando embriotomias (fragmentao do feto para sua extrao) a fim de salvar as vidas das mes ou, quando isso no era mais possvel, fazendo cesreas para salvar os fetos. (REDE FEMINISTA DE SADE, 2004, p. 8).

    Figura 2 Pintura representado o nascimento como um evento domstico e feminino.

    No fim do sculo XVIII, as altas taxas de insalubridade e promiscuidade presentes nos hospitais e asilos urbanos e consequente mortalidade, levam a um questionamento sobre o modelo hospitalar vigente. Somados estes problemas ao movimento humanista, onde o homem o centro do universo, o poder religioso sobre os espaos voltados sade reduzido, e o controle dos hospitais adquire um carter municipal (GES, 2004). So propostas mudanas no modelo de assistncia sade para transformar o hospital, antiga sala de morrer, em uma mquina de curar (COSTI, 1997). Fbio Bitencourt (2008)

  • [36]

    afirma que, na Frana, a preocupao com as altas taxas de mortalidade materna e com a vida sedentria da aristocracia (p.35) faz com que os mdicos, antes observadores passivos das atividades do parto e do nascimento pleiteassem a sua insero no processo.

    Ao longo do sculo XVIII a classe mdica iniciou uma disputa, com as parteiras, pelo direito de execuo dos procedimentos do parto (BITENCOURT, 2008) que perdura at a atualidade. Com a necessidade de regulamentar a prtica dessas profissionais, passou-se a exigir delas a licenciatura, ficando essa funo a cargo das municipalidades, da Igreja e do monarca (SILVEIRA, 2006).

    Assim, de forma lenta e gradativa, o parto comeou a ocorrer dentro do ambiente hospitalar; nas suas proximidades ou at mesmo em edificaes exclusivas para este fim:

    O hospital, o que posteriormente se consolida na obstetrcia norte-americana, visto como uma indstria de alta tecnologia para a produo de bebs perfeitos, levando a necessidades crescentes de incorporaes tecnolgicas no ambiente de nascer (BITENCOURT, 2003, p. 7).

    Segundo Bitencourt (2008), um dos primeiros exemplos registrados de uma edificao exclusiva para a assistncia ao parto e ao nascimento surgiu em Paris, em 1875. No entanto, a partir do fortalecimento do capitalismo industrial que a obstetrcia se torna uma especialidade incorporada medicina, apropriando-se das descobertas cientficas da poca14. Este movimento oficializa a marginalidade das parteiras e modifica o paradigma do nascimento que deixa de ser um evento natural, pertencente ao universo feminino e passa a ser considerado uma patologia, requerendo cuidados essencialmente mdicos, devendo ocorrer exclusivamente dentro do ambiente hospitalar (SILVEIRA, 2006; REDE FEMINISTA DE SADE, 2004).

    14

    As descobertas se deram principalmente no campo da campo da anestesiologia e da profilaxia das infeces bacterianas (SILVEIRA, 2006).

  • [37]

    Figura 3 O uso de incubadoras, na maternit de Paris, Port-Royal.

    Segundo Bitencourt (2008), a presena de um espao destinado maternidade, dentro da edificao hospitalar comea a consolidar-se a partir do sculo XIX. no perodo ps-Segunda Guerra Mundial, porm, que se estabelece, de forma mais completa, o modelo tradicional dos servios de obstetrcia quando a instituio mdica consolida seu controle do processo reprodutivo.

    Conforme afirma o referido autor, um grande nmero de unidades obsttricas dentro de ambientes hospitalares surgiu da dcada de 20 at a dcada de 70, nos EUA e na Frana, sendo cada uma um conjunto de salas para fins especficos e individualizados. Segundo Bitencourt (2008), na dcada de 70 a rotina de procedimentos tinha incio na sala pr-parto ou na enfermaria, onde a parturiente era acompanhada desde o incio das contraes at nascimento em via de ocorrer. Nesse momento, era transferida do seu leito para uma maca de transporte at a sala de parto, onde era novamente transferida para a mesa obsttrica ou mesa de parto.

    Segundo o autor, a tendncia que predominava nos anos 50 e 60 era o adormecimento completo da mulher e o seu confinamento na sala obsttrica/cirrgica para a realizao dos procedimentos. Nos anos 70, houve a introduo de medicamentos para o controle da dor, que poderiam variar de um leve adormecimento, fortes anestsicos

  • [38]

    intravenosos at a analgesia peridural15. Em alguns poucos casos, era oferecido s mes, na sala de parto, um espelho porttil que, com a inclinao da mesa, permitiria mais flexibilidade, envolvimento e percepo no momento do nascimento (BITENCOURT, 2008, p. 40). Contudo, na poca no era permitido aos acompanhantes que permanecessem junto parturiente durante todo o processo do parto, como afirma Bitencourt (2008), salvo em casos que, aps negociao, era cedida pela equipe mdica uma concesso de acesso.

    Aps o nascimento, a me era transferida da sala de parto para uma sala de recuperao ps-anestsica, onde era monitorada por uma ou duas horas at ser transferida novamente, agora para a sala de ps-parto, ou enfermaria convencional. J o beb, separado da me, seguia para o berrio16, onde eram feitos cuidados de enfermagem diversos.

    O perodo de internao hospitalar no puerprio imediato vem diminuindo. No incio da dcada de 50 se permanecia at 10 dias, cinco dias na dcada de 70 e menos de 48 horas na dcada de 80 e princpio de 90. Hoje se acredita que, por motivos de segurana, a manuteno 24 a 48 horas so suficientes, dependendo do procedimento e das intervenes mdicas adotadas (LERMAN, 2002 apud BITENCOURT 2008).

    Com o advento dos movimentos ligados humanizao do parto e do nascimento, vem ocorrendo significativas mudanas nos procedimentos do parto e atitude em relao famlia e ao beb; como consequncia, so promovidas importantes alteraes nos espaos fsicos voltados para estes fins.

    Uma grande variedade de projetos arquitetnicos e concepes do centro obsttrico e cirrgico e dos demais ambientes de ateno ao parto tem proliferado, refletindo de alguma forma, nas mudanas filosficas e prticas de abordagem no nascimento (BITENCOURT, 2008, p.42).

    15 Analgesia peridural a anestesia onde h a perda de sensibilidade da cintura para baixo. 16 O berrio era o ambiente destinado a alojar recm-nascidos.

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    Neste sentido, o movimento pela Humanizao do Parto e do Nascimento uma das grandes foras de demanda pela qualidade do atendimento e, como conseqncia, do ambiente hospitalar17.

    17 Para saber mais sobre o o movimento e suas diretrizes, ver 2.2 Humanizao.

  • [40]

    2.1.1 O alojamento conjunto e a presena do acompanhante

    Uma das grandes mudanas que ocorreram com o movimento de Humanizao do Parto e do Nascimento foi a implementao do sistema de AC, onde me e beb devem permanecer juntos durante todo o tempo da internao hospitalar.

    Ainda, outro direito adquirido foi a permisso de um acompanhante ficar junto a me e ao recm-nascido, tanto no parto, quanto na recuperao ps-parto.

    Ambas as modificaes tm impacto direto sobre o espao fsico das maternidades e assim, sero tratadas de forma mais detalhada.

    Depois do parto, oferecido s mes, um espao de recuperao; um lugar em que so iniciadas as suas experincias de maternidade e que, geralmente, enquadram-se no sistema de AC. Segundo o MS (BRASIL 1993), esse sistema atende mes e recm-nascidos sadios e possui diversas vantagens para ambos, como estimular o aleitamento materno, favorecer os laos afetivos entre me e filho, permitir a observao constante do beb pela me que poder conhecer melhor o seu filho e comunicar a equipe qualquer anormalidade e manter intercmbio biopsicossocial entre a me, a criana e os demais membros da famlia.

    Tambm sobre a importncia do momento ps-parto, Marshall Klaus e John Kennel (apud BRAZELTON et al, 1987, p. 44) estudaram j em 1978 a existncia de um perodo que segue bem de perto o nascimento, um perodo sensvel durante o qual se faz o vnculo da me criana e vice-versa. Eles afirmam que este um perodo crtico para o desenvolvimento de uma interao sadia e para o desenvolvimento de um vnculo normal. Os pesquisadores tambm apontaram que, em alguns casos, as prticas hospitalares que foram uma separao entre me e criana destroem, as vezes de maneira irreversvel, o desenvolvimento do sentimento maternal (p. 44). Tal afirmao, mesmo que parea um tanto radical, aponta que a formao de vnculos entre me e beb pode ser iniciada ainda no ambiente hospitalar, durante o puerprio.

    De acordo com Brazelton et al (1987, p. 21), a experimentao da atmosfera materna pelo beb fornece a ele subsdios para que possa adquirir mais rapidamente um senso de si mesmo e dominar

  • [41]

    mecanismos complexos de controle interno. O recm-nascido ainda aprende igualmente a servir-se de sistemas de respostas sociais que lhe asseguraro recursos do meio ambiente. Assim, pode-se afirmar que essa experincia precoce fornece ao beb o fundamento das suas emoes futuras.

    O AC tambm facilita a execuo das tarefas da equipe de sade, pois ele oferece condies para o treinamento materno sobre os cuidados indispensveis com o RN, como diminuir o risco de infeco hospitalar, alm de agilizar o encontro da me com o pediatra. O AC ainda teria a vantagem de desativar o berrio para bebs saudveis, existente em sistemas de maternidade anteriores ao AC, dando mais rea til aos EAS.

    A importncia da amamentao assunto presente ainda no CO, contudo [...] no AC que se instaura definitivamente o tempo de amamentar (TORNQUIST, 2003, p. 425), onde a equipe ensina e auxilia o processo. Tornquist (2003, p. 425) aponta que a alta da me e do beb estar condicionada, entre outras coisas, a um bom encaminhamento da amamentao.

    Durante todos os eventos que constituem o nascimento o pr-parto, o parto prpriamente dito, e a recuperao ps-parto a me tem direito livre escolha de um acompanhante. O acompanhante visto pela equipe de funcionrios como uma fonte segura de suporte emocional e apoio na facilitao do trabalho de parto (massagens, banhos, respirao), muitas vezes assumindo pequenas tarefas que caberiam s auxiliares (TORNQUIST, 2003, p. 422). Ou seja, a presena do acompanhante desonera a equipe de atividades de cuidados. Existem diferenas na escolha do acompanhante, para parturientes de classe mdia o pai do beb quase sempre o eleito, enquanto que para mulheres de classes mais baixas o acompanhante nem sempre o pai, e sim uma mulher da rede de parentesco, como a me, irm, cunhada, e, at mesmo, uma amiga.

    O acompanhante completa a trade que associada a todo e qualquer leito de umaa maternidade.

  • [42]

    2.1.2 Legislao pertinente

    Projetos de ambientes voltados para a assistncia sade precisam estar de acordo com uma srie de formatos de legislao, que constantemente so revistos, complementados por outros ou at mesmo revogados. A maioria encontra-se disponvel para consulta pblica em sites na internet do MS ou da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (ANVISA). Fbio Bitencourt (2007), na sua tese de doutorado faz uma organizao da legislao existente at ento, de relevante interesse. J no presente estudo, alm das referncias sugeridas pelo autor, foram consultados outros documentos, que completam a relao normativa aqui constituda.

    As primeiras aes pblicas acerca da assistncia ao parto no Brasil se deram ao longo da dcada de 40. Nos anos 60, elas tinham como principal objetivo reduzir a mortalidade infantil. Foi somente na dcada de 80 que surgiram iniciativas voltadas para a reduo da mortalidade materna. Para atender demanda do movimento iniciado e liderado por mulheres, foi institudo o Programa de Assistncia Integral Sade a Mulher (PAISM), que inclua a assistncia pr-natal, entre outras providncias.

    J em 1985 a OMS propunha mudanas nos sistema vigente de ateno ao parto e reconheendo a importncia de manter juntos no ps-parto a dade da me e rec-nascido, no documento Appropriate Technology for Birth, tambm conhecido como carta de fortaleza. No ano seguinte, outra importante publicao da OMS Recomendations for Appropriate Technology Following Birth, conhecida como carta de Trieste reconheceu pela primeira vez a importncia da trade da me-beb-acompanhante, recomendando a presena do acompanhante no parto e ps-parto. Contudo, somente em 26 de agosto de 1993 criou-se a Portaria GM/MS n 1.016, que instituiu o sistema de AC nas maternidades vinculadas ao SUS, e afirmou que as medidas sugeridas eram um mnimo ideal para oferecer ao binmio me-filho condies adequadas de atendimento (BRASIL, 1993). Entretanto, tambm reconheceu que as medidas preconizadas podiam no conseguir ser atingidas em todo o pas e, independentemente, o importante era manter o beb junto me logo depois do nascimento. Esta portaria tambm apresentou normas quanto aos recursos fsicos mnimos para

  • [43]

    esses estabelecimentos, determinando medidas de rea por conjunto de leito materno/bero e afastamento entre beros. Tambm fez especificao de recursos materiais, listando equipamentos e mobilirios obrigatrios.

    Mais tarde, em 11 de novembro de 1994, a ANVISA publicou a Portaria n 1.884, que aprovava novas normas para projetos fsicos de Estabelecimentos Assistenciais de Sade18 (EAS), na tentativa de incluir critrios epidemiolgicos, ambientais, culturais e geogrficos, pois a legislao que regulava o planejamento fsico dos sistemas de sade (Portaria n 400/77, do MS) desde 1977 foi considerada pelo prprio Ministrio da Sade como de carter restrito e pouco flexvel (BRASIL, 1994b, p. 6).

    Em 1990 foi idealizada pela OMS e pela UNICEF a Iniciativa Hospital Amigo da Criana. Criado para promover, proteger e apoiar o aleitamento materno, esse prmio reconhece as instituies que incentivam a prtica, tendo como objetivo mobilizar os funcionrios dos estabelecimentos de sade para que mudem condutas e rotinas responsveis pelos elevados ndices de desmame precoce. Seis anos mais tarde, foi institudo no Brasil, o Projeto Maternidade Segura, que pretendia reduzir a mortalidade materna e perinatal, atravs da melhoria da assistncia ao parto e ao recm-nascido (BRASIL, 2001b, p. 17).

    Outro importante incentivo s maternidades integradas rede SUS foi o Prmio Galba de Arajo, criado em 1998, pelo MS, atravs da Portaria n 2.883/GM. O prmio reconhece e premia financeiramente uma instituio, por cada regio do pas, que permite famlia vivenciar o parto de forma mais acolhedora. Contudo esta iniciativa no enfoca a questo do espao fsico, pois busca valorizar, principalmente, ideias, solues e prticas que busquem oferecer um atendimento seguro, acolhedor e humanizado s mulheres e aos recm-nascidos [...] (BRASIL, 2009).

    18 Estabelecimento Assistencial de Sade a denominao dada a qualquer edificao destinada prestao de assistncia sade populao, que demande o acesso de pacientes, em regime de internao ou no, qualquer que seja o seu nvel de complexidade (BRASIL, 1994b, p. 6). Desta forma, passamos a denominar arquitetura dos ambientes de sade (BITENCOURT, 2003), em preterncia da expresso arquitetura hospitalar, considerando-se que o adjetivo - hospitalar - no permite incluir todo o tipo de estabelecimento existente.

  • [44]

    Contudo, foi somente no ano 2000 que surgiu a primeira ao pblica voltada oficialmente para a humanizao de servios pblicos de sade, quando o MS promoveu a criao de um comit tcnico, constitudo de profissionais da rea de sade mental. Este comit elaborou o Programa Nacional de Humanizao da Assistncia Hospitalar (PNHAH), cujo projeto-piloto foi apresentado no dia 24 de maio de 2000 para convidados representativos de vrias instncias da rea da sade (BRASIL, 2001, p. 09). Com a aprovao desse piloto, surgiu, oficialmente, o PNHAH com o objetivo fundamental aprimorar as relaes entre profissional de sade e usurio, dos profissionais entre si e do hospital com a comunidade (BRASIL, 2001, p. 07). Mais tarde, esse Programa transformado em poltica pblica a Poltica Nacional de Humanizao (PNH), que teve como objetivo transformar os modelos tradicionais de gesto e ateno em sade e estender estas prticas a todos os programas do SUS. A partir de 2004, o PNH passa a ser chamado de HumanizaSUS.

    Mas com o surgimento de um conjunto de portarias (n 569/GM, n 570/GM, n 571/GM e n 572/GM), tambm no ano 2000, que fica institudo o PHPN, no mbito do SUS. Este programa, concomitante ao movimento PNHAH, surge para aprimorar o PAISM, que embora tivesse como base a integralidade nas aes na rea da sade da mulher, era ainda questionado quanto qualidade da assistncia prestada e ao impacto na mortalidade materna (TANAKA, 2004 apud ALMEIDA; TANAKA, 2009, p. 99). Considerando o acesso das mes e de seus bebs a um atendimento digno e de qualidade no decorrer da gestao, parto, puerprio e perodo neonatal como direitos inalienvel da cidadania (BRASIL, 2000, p. 01), este documento teve como objetivo:

    [...] o desenvolvimento de aes de promoo, preveno e assistncia sade de gestantes e recm-nascidos, promovendo a ampliao do acesso a estas aes, o incremento da qualidade e da capacidade instalada da assistncia obsttrica e neonatal bem como sua a organizao e regulao no mbito do Sistema nico de Sade (BRASIL, 2000, p. 01).

  • [45]

    No anexo II desta portaria, tambm fica clara a importncia do ambiente:

    A adoo de prticas humanizadas e seguras implica a organizao das rotinas, dos procedimentos e da estrutura fsica, bem como a incorporao de condutas acolhedoras e no-intervencionistas (BRASIL, 2000, p. 06).

    Tambm afirma que todas as unidades integrantes do SUS tm como uma de suas responsabilidades, assegurar condies para que as parturientes tenham direito a acompanhante durante a internao, desde que a estrutura fsica assim permita (BRASIL, 2000, p. 07).

    No ano seguinte, o MS publica o documento Parto, aborto e puerprio: assistncia humanizada mulher, onde ratifica a importncia do espao fsico das maternidades, afirmando que o ambiente acolhedor, confortvel e o mais silencioso possvel, conduz ao relaxamento psico-fsico da mulher, do acompanhante e equipe de profissionais e indica qualidade da assistncia (BRASIL, 2001b, p. 28).

    Em 21 de fevereiro de 2002, foi aprovada a RDC n 50, um completo documento que atualizou e modificou as normas para os projetos fsicos de EAS, tanto na rea pblica, quanto privada, regulando construes novas, reformas e ampliaes em estabelecimentos existentes. Neste ano, tambm, revogada a Portaria n 1.884, pela Portaria n 554.

    Mais tarde, a resoluo n 50 foi alterada, passando a incluir as alteraes contidas na RDC n 307, de 14 de novembro de 2002 e RDC n 189 de 18 de julho de 2003. A primeira faz alteraes na redao da RDC n 50; a segunda obriga os projetos de arquitetura de estabelecimentos de sade pblicos e privados a serem avaliados e aprovados pelas vigilncias sanitrias estaduais ou municipais previamente ao incio da obra a que se referem os projetos.

    Finalmente, em 3 de junho de 2008, considerando a PHPN, a ANVISA emite um novo documento, a Resoluo de Diretoria Colegiada (RDC) n 36, que dispe sobre regulamento tcnico para funcionamento dos servios de ateno obsttrica e neonatal. Esta hoje a resoluo mais atualizada sobre o tema e contm normas que substituem os itens referentes ateno obsttrica e neonatal, contidos na RDC n 50. Desta forma, a RDC n 36 ser utilizada como

  • [46]

    referencial legal nesta dissertao uma vez que hoje o principal documento a ser consultado em projetos de maternidades19.

    A fim de relacionar toda a legislao citada nesta seo em uma sequncia lgica, uma linha do tempo foi organizada no grfico 1. A legislao marcada em azul traz recomendaes aos aspectos fsicos dos estabelecimentos de sade, enquanto que as em amarelo dizem respeito somente ao aspecto atitudinal dos servios de ateno sade. Os documentos relevantes publicados pela OMS esto marcados em verde. A marcao com a cor branca corresponde legislao revogada.

    19 Ver anexo D.

  • [47]

    Grfico 1 Legislao pertinente sobre humanizao hospitalar e ateno obsttrica.

  • [48]

    2.1.3 A arquitetura dos ambientes de assistncia obsttrica.

    Uma vez analisada a legislao pertinente, faz-se necessria uma caracterizao dos ambientes onde se d o processo do nascimento e a recuperao ps-parto. Conforme consta na RDC n 36, existem duas estruturas distintas voltadas para o nascimento: o Centro Obsttrico e o Centro de Parto Normal. Este ltimo caracteriza-se como um estabelecimento voltado exclusivamente ao parto normal sem complicaes; nesses lugares, no so atendidas parturientes que iro realizar o parto cesareano. J o Centro Obsttrico uma unidade destinada higienizao da parturiente, ao trabalho de parto (normal ou cirrgico) e aos primeiros cuidados com os recm-nascidos. Uma vez feita esta distino, importante ressaltar que no sero estudadas as unidades de Centro de Parto Normal, pois se pretende, tambm, analisar as necessidades das puperas de partos cesarianos.

    Junto ao Centro Obsttrico, existe tambm uma unidade destinada somente acomodao e assistncia de purperas ou gestantes com complicaes, a Internao Obsttrica.

    Segundo a RDC n 36 (BRASIL, 2008), a infraestrutura bsica do Centro Obsttrico e da Internao Obsttrica podem ser divididos em Ambientes de Apoio e Ambientes Fins. Como demonstrado o grfico 2, no Centro Obsttrico no existem ambientes exclusivos para recuperao ps-parto, apenas o quarto ou sala PPP (Pr-parto, Parto, Ps-parto). Este destinado assistncia mulher durante o trabalho de parto, o parto propriamente dito e o ps-parto imediato (somente at a primeira hora de dequitao20).

    20 Dequitao a separao e expulso da placenta.

  • [49]

    Grfico 2 Ambientes do Centro Obsttrico.

    Fonte: adaptado de Brasil (2008).

    Assim sendo, so nas unidades de Internao Obsttrica onde ocorre a recuperao ps-parto aps a primeira hora de dequitao, o chamado puerprio. L, a me fica com o beb e um acompanhante no sistema de AC, em um quarto e/ou em uma enfermaria (ambientes destacados no grfico 3, pela cor vermelha):

  • [50]

    Grfico 3 Ambientes da internao obsttrica.

    Fonte: adaptado de Brasil (2008).

    Abaixo, segue um quadro com uma sntese das diferenas entre o quarto PPP, o quarto de AC e a enfermaria de AC. Nele pode-se perceber a diferena funcional entre os ambientes: no PPP todos os eventos pr-parto, parto e ps-parto ocorrem no mesmo ambiente. Nos demais, o parto propriamente dito ocorre em outro local. Neles pode haver poucos leitos (quarto de AC), ou muitos (Enfermaria de AC).

  • [51]

    Quadro 1 Espaos onde ocorre a recuperao Ps-parto.

    Caractersticas Quarto PPP Quarto AC Enfermaria AC

    N leitos 1 1 ou 2 3 a 6

    Tempo de Permanncia At 1 hora At 48 horas At 48 horas

    Eventos

    Pr-parto Sim Sim Sim

    Parto Sim No No

    Ps-parto Imediato Sim No No

    Ps-parto No Sim Sim

    Ocorrncia Centro Obsttrico Sim No No

    Internao Obsttrica No Sim Sim

    Fonte: adaptado de Brasil (2008).

    Ainda destacam-se as caractersticas fsicas que devem apresentar os ambientes do quarto e enfermaria de AC, segundo a resoluo, no seguinte quadro:

  • [52]

    Quadro 2 Condicionantes legais do quarto e enfermaria de AC.

    Ambiente rea mnima Observaes:

    Quarto de AC

    01 leito: 10,50m * Todos os quartos/enfermarias devem ter, ainda, rea de 4,00m para cuidados de higienizao do

    recm-nascido - bancada com pia. * Previso de bero e poltrona de acompanhante,

    para cada leito de purpera. * O bero deve ficar ao lado do leito da me e

    afastado 0,6 m de outro bero. * Adotar medidas que garantam a privacidade visual

    de cada parturiente, seu recm nascido e acompanhante, quando instalado ambiente de AC

    para mais de uma purpera. * Prever instalaes de gua fria e quente, oxignio e

    sinalizao de enfermagem21

    .

    02 leitos: 14,00m

    Enfermaria de AC

    6,00 m por leito

    Banheiro do quarto

    ou enfermaria

    de AC

    * Pode ser compartilhado por at dois quartos de 02 leitos ou duas enfermarias de at 04 leitos cada.

    * O banheiro comum a dois quartos/enfermaria deve ter um conjunto de bacia sanitria, pia e chuveiro a

    cada 04 leitos, com dimenso mnima de 1,7 m. * Deve prever instalao de gua fria e quente e

    sinalizao de enfermagem.

    Fonte: adaptado de Brasil (2008).

    Considerando que os parmetros legais da RDC n 36 tenham sido criados com base nos movimentos pela humanizao na assistncia sade, estes sero tratados na seo que segue.

    21 Sinalizao de enfermagem a campainha utilizada pelos pacientes para chamar o auxlio de um enfermeiro.

  • [53]

    2.2 HUMANIZAO

    Vistos os esforos pblicos para empregar polticas de humanizao em todos os servios de assistncia a sade, necessrio um maior esclarecimento sobre o significado da humanizao.

    Vasconcelos (2004, p. 23) entende-a como valor, na medida em que resgata o respeito vida humana. J Oliveira et al (2006, p. 280), citando Baremblitt, destacou a definio de humanidade como um funcionamento de toda a espcie humana, cujo objetivo seja dar a todos acesso aos que precisam, segundo suas necessidades e a cada um as condies para desenvolver e exercitar suas capacidades.

    O conceito de humanizao , geralmente, associado a diversas dimenses da sade, principalmente em relao s suas prticas, no que diz respeito ao modo como so atendidos e tratados os pacientes, e tambm a humanizao dos ambientes em que essas prticas ocorrem, nesse caso, ligada efetivamente arquitetura desses espaos.

    Essas duas dimenses da humanizao sero tratadas nas duas sees que seguem: A humanizao nas prticas de sade e A humanizao dos ambientes de sade. J em Estratgias de projeto promotoras de bem-estar, sero expostas quais estratgias de projeto provem a humanizao da arquitetura dos ambientes de sade.

    2.2.1 A Humanizao nas prticas de sade

    Quando se procura aplicar esse conceito no mbito especfico da sade, humanizar ganha novos significados, como apontou Suely Deslandes (2004) ao analisar os documentos do MS sobre o tema22, quais sejam: oposio violncia institucional; qualidade do atendimento, associando excelncia tcnica com capacidade de acolhimento23 e resposta; cuidado com as condies de trabalho dos profissionais; e ampliao da capacidade de comunicao entre usurios e servios.

    Contudo, Jos Ricardo Ayres (2005) acredita que a humanizao merece um conceito mais abrangente, e a define como:

    22

    Ver 2.1.3 Legislao pertinente. 23 Acolhimento o modo de operar os processos de trabalho em sade, de forma a atender a todos que procuram os servios de sade, ouvindo seus pedidos e assumindo no servio uma postura capaz de acolher, escutar e dar respostas mais adequadas aos usurios.

  • [54]

    [...] um ideal de construo de uma livre e inclusiva manifestao dos diversos sujeitos no contexto da organizao das prticas de ateno sade, promovida por interaes sempre mais simtricas, que permitam uma compreenso mtua entre seus participantes e a construo consensual dos seus valores e verdades (AYRES, 2005, P. 558).

    A humanizao, no que diz respeito ao aspecto atitudinal dos servios de sade, se torna necessria visto que o tratamento dado aos usurios nem sempre de qualidade:

    As organizaes, agentes e prticas contemporneas da sade variam entre um tratamento [...] que vai desde o uso de uma linguagem tcnica impessoal [...] at outro autoritrio ou paternalista que infantiliza os usurios, passando por modalidades que vo da homogeneizao indiferena (os agentes no chamam o paciente pelo seu nome, no olham para seu rosto quando falam, gritam com ele etc.) (OLIVEIRA, 2006, p. 281).

    Diversas so as aes de organizaes no governamentais que procuram divulgar e estimular o movimento da humanizao na sade, atravs de campanhas de conscientizao, sites na internet, eventos e congressos.

    Paralelo ao movimento de humanizao da sade, o movimento especfico pela humanizao do parto e do nascimento vem ganhando fora e levantando importantes questes quanto ao atendimento das mes, bebs e acompanhantes em maternidades hoje. No seu iderio, o chamado modelo tecnocrtico24 muito criticado, visto que considera o parto um evento patolgico, e no um evento existencial e social, ligado sexualidade da mulher e vida da famlia. O parto

    24 Modelo tecnocrtico, assim como o modelo humanstico e o modelo holstico so modelos de atendimento obsttrico propostos pela antroploga Robbie Davis-Floyd (apud TORNQUIST, 2002). O modelo tecnocrtico caracterizado por diferentes crenas, como por exemplo: a separao mente-corpo, o paciente como objeto, a alienao do profissional em relao ao paciente, a organizao hierrquica, a padronizao dos cuidados, a valorizao excessiva da cincia e da tecnologia, entre outras (DAVIS-FLOYD, 2004).

  • [55]

    hospitalizado ainda introduz uma srie de recursos e procedimentos no-naturais [...] que afastariam tanto a mulher quanto o beb de sua suposta natureza, destituindo-os de seus direitos vida e boa sade (TORNQUIST, 2002, p. 484).

    Carmen Simone Diniz destaca diversos estudos que evidenciam o atendimento aos partos em ambientes hospitalares como violento e humilhante para as mes podendo at ser enquadrado como violador dos direitos humanos (DINIZ, 2001). Alm da desinformao e da falta de acesso aos leitos, so diversas as prticas que o movimento considera sua aplicao demasiada e muitas vezes, prejudicial sade da mulher e do beb como o enema (lavagem intestinal), a amniotomia (ruptura provocada da bolsa que contm lquido amnitico), a episiotomia (inciso efetuada na regio do perneo da mulher para facilitar o parto) e a tricotomia (raspagem dos pelos pubianos).

    Mas somente no final dos anos 1980 que se intensifica o movimento pela humanizao do parto e do nascimento. Segundo Tornquist (2002, p. 482) foi uma dcada decisiva do ponto de vista da organizao de algumas associaes de tipo no-governamental e redes de movimentos identificadas centralmente com a crtica do modelo hegemnico de ateno ao parto e ao nascimento. A autora destaca as iniciativas da Rede de Humanizao do Parto e do Nascimento, mais conhecida como ReHuNa, e as recomendaes da OMS, realizadas na Conferncia sobre tecnologias apropriadas para o nascimento, em 1985. Este documento prope mudanas de atendimento do parto hospitalizado brasileiro, visto como tecnologizado, artificial e violento, e incentivar as prticas e intervenes biomecnicas no trabalho de parto, consideradas como mais adequadas fisiologia do parto, e, portanto, menos agressivas e mais naturais (TORNQUIST, 2002, p. 484).

    As recomendaes incluem: o incentivo ao parto normal (em preterncia ao parto cirrgico ou cesariano), o aleitamento materno no ps-parto imediato, o sistema de AC, a presena do acompanhante durante e aps o parto, a atuao de enfermeiras obsttricas na ateno aos partos normais, a incluso de parteiras leigas no sistema de sade em regies sem rede hospitalar. Tambm se recomenda a reduo das rotinas hospitalares consideradas como desnecessrias, geradoras de risco e excessivamente intervencionistas no que tange ao

  • [56]

    parto (TORNQUIST, 2002, p. 482) apenas s situaes de necessidade comprovada.

    As recomendaes do iderio da humanizao do parto e do nascimento, somadas aos prmios e ttulos de incentivo valorizam o momento do nascimento como um evento social, cultural e de sade (TORNQUIST, 2003).

    2.2.2 Humanizao dos ambientes de sade

    Uma vez abordadas as questes atitudinais dos servios de sade, a poltica de humanizao passa tambm a se preocupar com a qualidade do espao fsico dos EAS. O MS considera que a humanizao dos servios de sade deve ser acompanhada da ambincia de seus territrios. A RDC n 36 define ambincia como:

    ambientes fsico, social, profissional e de relaes interpessoais que devem estar relacionados a um projeto de sade voltado para a ateno acolhedora, resolutiva e humana (BRASIL, 2008, p.2).

    O MS afirma tambm que a ambincia no compreende somente o aspecto social, o aspecto profissional e as relaes interpessoais que ocorrem em seus territrios, mas tambm o espao fsico dos ambientes de sade, em textos das chamadas Cartilhas da PNH25:

    A cartilha que trata sobre ambincia destaca a contribuio de elementos da arquitetura importantes para humanizar os ambientes, como a morfologia, luz, cheiro, som, sinestesia, arte, cor e o tratamento das reas externas, apresentando breves exemplos de cada um. Ainda assim os exemplos so bastante genricos, como no caso da contribuio do som, onde o texto afirma a importncia da proteo acstica, mas no indica estratgias de como ela pode ser alcanada: [...] podemos propor a utilizao de msica ambiente em alguns espaos como enfermarias e esperas. Em outro mbito, importante

    25 As Cartilhas da PNH so publicaes do MS que no possuem poder regulador, mas visam disseminar algumas tecnologias de humanizao da ateno e da gesto no campo da sade.

  • [57]

    considerar tambm a proteo acstica que garanta a privacidade e, controle alguns rudos (BRASIL, 2008b, p. 9).

    A cartilha, contudo, no faz recomendaes especficas para cada ambiente do EAS, no considerando as diferentes necessidades advindas da diversidade de usurios e atividades realizadas em cada estabelecimento. Por outro lado, o texto afirma que o projeto precisa considerar os valores e costumes da comunidade em que se est atuando, cabendo ao arquiteto incorpor-los ao projeto de estabelecimento, de forma a respeitar o cotidiano j estabelecido na instituio. O documento tambm releva a importncia de promover a acessibilidade espacial para todos os usurios.

    Diversos autores que pesquisam o tema da humanizao tambm apontam a sua relao com o bem-estar dos usurios. Segundo Vasconcelos (2004, p. 10), esta nova viso abrange o conceito de Humanizao dos Ambientes Hospitalares, considerada fundamental para o bem estar fsico e psicolgico do paciente. A humanizao aproxima o ambiente fsico dos valores humanos, tratando o homem como foco principal do projeto. Para Maria Lcia Malard (1993) a humanizao hospitalar est intimamente ligada com a apropriao dos ambientes e afirma que humanizar espaos significa torn-los adequados ao uso dos humanos; torn-los apropriados e apropriveis (MALARD, 1993, p. 4). Desta forma, a autora traz a habitabilidade como condio para a humanizao dos espaos. Vale destacar que a habitabilidade aqui entendida como a qualidade de habitar, que por sua vez nos leva palavra habitvel: adjetivo que significa que se pode habitar [...] (YURIAR, 2002 apud DEMARTINI, 2007, p. 16).

    Apesar de Roslyn Lindheim (LINDHEIM, 1975 apud TOLEDO, 2005) negar a capacidade do ambiente construdo de humanizar ou desumanizar os servios de sade, inegvel que o ambiente hospitalar pode ser um facilitador e, at mesmo um estimulador, de prticas que considerem a auto-estima dos pacientes como fator de cura (TOLEDO, 2005, p. 3).

    O momento do parto para a mulher , sobretudo, um momento de apreenso: o medo do desconhecido, da dor do parto. Humanizar os ambientes de nascer, e principalmente, os espaos de recuperao ps-parto, significa tambm reconhecer a capacidade do meio fsico de

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    amenizar o estresse causado pelo evento do nascimento e aumentar o bem-estar da me, dos acompanhantes e do recm-nascido.

    Um importante autor que estuda os efeitos das instalaes de sade no bem-estar dos usurios Roger S. Ulrich. Para ele, o impacto da arquitetura de qualidade complementa os efeitos de medicamentos e procedimentos mdicos, acelerando o processo de recuperao. Ulrich (1995) parte do pressuposto que todo paciente sofre um estresse considervel.

    De uma forma geral, este estresse pode ser causado tanto pela enfermidade, ou razo da internao em si, quanto pelos ambientes que podem ser estressantes (barulhentos ou sem privacidade) (ULRICH, 1995). Ainda segundo o autor, o estresse pode afetar o corpo de forma negativa, de diferentes formas: psicolgica (sensao de desamparo e sentimentos de ansiedade e depresso), fisiolgica (mudanas no sistema corporal, como aumento da presso sangunea, tenso muscular e nveis de hormnios do estresse), e ou comportamental (ampla variedade de reaes que alteram o bem-estar, tais como a exploso verbal, o isolamento social, a passividade, a sonolncia, o abuso de lcool ou drogas, e complicaes diversas com medicamentos).

    O estresse causado pelo ambiente afeta no somente os pacientes, como tambm os familiares, visitantes e funcionrios da instituio. Quando a equipe mdica atingida, agrava-se a situao, pois a qualidade do atendimento pode ser reduzida, afetando ainda mais o bem-estar dos pacientes (ULRICH, 1995).

    O ambiente de sade deve, acima de tudo, no ser causador de estresse; se possvel, possuir atributos que facilitem ou aumentem a sensao de bem-estar nos seus usurios. John Zeisel (2001) afirma que os espaos podem ser curativos e, ainda, que eles podem ser classificados de acordo com a sua influncia no bem-estar do usurio, podendo ser os ambientes passivos, funcionais ou pr-ativos.

    Na forma passiva a configurao do ambiente visa simplesmente no adoecer o usurio. As edificaes podem, quando no possuem bons sistemas de ventilao e troca de ar, prejudicar a sade dos seus usurios: [...] sndrome da edificao doente o termo cunhado para grandes edifcios de escritrios com uma alta incidncia de doenas respiratrias graves entre os seus usurios (ZEIZEL, 2001, p. 8.3).

  • [59]

    No nvel de influncia funcional, h uma postura mais ativa ao projetar para a sade, onde o projetista rene informaes sobre as necessidades do usurio e as incorpora no projeto. [...] Tais profissionais demonstram, na sua prtica, que o ambiente no s contribui para a sade das comunidades, organizaes, instituies sociais e pessoas, mas tambm tais contribuies podem ser previstas, dimensionadas e avaliadas (ZEISEL, 2001, p. 8.3).

    Finalmente, na forma pr-ativa, o ambiente projetado possui poderes benficos, atuando como ferramenta de cura, como as edificaes para fins espirituais e os jardins que podem acalmar a alma e elevar o esprito, da mesma forma que um escritrio bem planejado pode aumentar a produtividade de seus trabalhadores. Em ambientes hospitalares, o espao interior bem planejado e reas de jardins podem ser teraputicos para pacientes em recuperao (ZEISEL, 2001).

    Zeisel (2001) ainda utiliza uma classificao onde as edificaes variam em uma escala podendo ser no doentes, saudveis e, at mesmo, curativas , a fim de distinguir como diferentes meios se relacionam com a sade: a edificao no doente quando simplesmente no adoece as pessoas que nela habitam (ausncia de desconforto); a edificao saudvel medida que auxilia as pessoas a fazerem suas atividades (presena de satisfao); curativa, quando contribui ativamente para o bem-estar das pessoas (presena de qualidade de vida).

    2.2.3 Estratgias de projeto promotoras de bem-estar

    Levando em conta a capacidade de a edificao poder ser curativa, recomendvel considerar, em projetos arquitetnicos que buscam a humanizao, qualidades do ambiente que, possivelmente, ajudam a combater o estresse; portanto promovem o bem-estar. Para Ulrich (1995) a possibilidade de controle do ambiente, a presena de distraes positivas e o acesso ao suporte social so componentes capazes de reduzir o estresse. De acordo com o autor evidncias cientficas mostram que a presena desses componentes em ambientes de sade produz melhorias fisiolgicas nos pacientes.

    Semelhante concepo a respeito de ambienbte hospitalar tem Millicent Gappel (1995), cujos estudos na rea da

  • [60]

    psiconeuroimunologia26 demonstram claras evidncias de que a mente, o corpo e o sistema nervoso podem ser diretamente afetados por elementos do ambiente, tanto de forma positiva, quanto negativa. Gappel considera seis fatores de ambiente, sejam eles: luz, cor, som, aroma, forma e textura.

    O presente captulo pretende relacionar componentes promotores de bem-estar de Ulrich e os elementos do ambiente de Gappel. Contudo, segundo estudos ergonmicos, a temperatura e a vibrao so importantes elementos que possibilitam ou impedem a sensao de bem-estar do ambiente (KROEMER E GRANDJEAN, 2005), por isso devem ser controlados. Assim sero considerados, nesta pesquisa, os elementos presentes no ambiente que forem passveis de controle: o som, a forma, a luz, a textura, o aroma, a cor, a vibrao e a temperatura.

    a) Suporte social

    Para Ulrich (1995), o suporte social uma qualidade do ambiente que, ao possibilitar aos pacientes a convivncia com seus amigos e familiares, reduz o estresse em qualquer tipo de ambiente ou de situao. Por exemplo, o fato de poder receber amigos ou ter um espao prprio para a interao com os colegas no local de trabalho. Para corroborar sua tese, o autor cita o fato de que pesquisas mostram o quanto pacientes com infarto do miocrdio, que possuam elevado suporte social, tm maiores taxas de sobrevivncia (ULRICH, 1995).

    O arranjo espacial do ambiente pode encorajar a formao de grupos de pessoas de forma confortvel, permitindo o suporte social aos indivduos (OSMAND, 1957 apud GIFFORD, 1987). O arranjo espacial junto s configuraes volumtricas de uma edificao nada mais do que a sua forma, um dos fatores de influncia do bem-estar, segundo Gappel (1995). A forma, no seu mbito mais externo, constituda pelos elementos das construes (a estrutura, o piso, as paredes ou fechamentos, as coberturas) e permite distinguir uma edificao da outra.

    Outra autora Malard tambm reflete sobre essa questo. Para ela, a forma arquitetnica mediadora das relaes sociais e s

    26 Psiconeuroimunologia uma cincia que estuda as relaes entre sade e estresse (GAPPEL, 1995).

  • [61]

    pode ser compreendida nessa relao (MALARD, 2004, p. 2). No mbito mais interno, entende-se que a forma est ligada tanto geometria dos ambientes, a forma e dimenso de suas vedaes, quanto a localizao das aberturas nos planos. Uma janela, por exemplo, pode ser considerada bastante ampla e, ainda assim, ter um peitoril muito alto a ponto de no permitir a vizualizao do exterior.

    J, para Vasconcelos (2004), a flexibilidade dos arranjos uma condio para o suporte social:

    Sendo confortvel, aconchegante, com a moblia organizada de forma a promover a interao social e flexvel de forma a possibilitar o rearranjo para grupos menores, o ambiente pode aumentar a interao entre pacientes-visitantes e pacientes-pacientes aumentando o suporte social (VASCONCELOS, 2004, p. 39).

    Tambm Ulrich (1995), ao recomendar a criao de jardins ou reas de estar que permitam a interao social entre pacientes e visitantes, traz uma proposta intimamente ligada com a forma final da edificao.

    Contudo, a qualidade da interao entre os indivduos, principalmente em ambientes onde pode haver o encontro de vrios grupos familiares diferentes, como no caso das Enfermarias de AC27, est condicionada ao nvel de privacidade que aquele espao proporciona. Possuir barreiras fsicas que isolem, visualmente, os indivduos pode permitir o desenvolvimento de dilogos com mais intimidade e conforto. A necessidade de privacidade para o suporte social de um ambiente leva a outro elemento de Gappel: o som.

    A qualidade das conversas depende do isolamento acstico dos ambientes; interessante que haja um espao onde os dilogos possam ocorrer sem que outros escutem. Desta mesma forma, importante amenizar os barulhos perturbadores provenientes dos prprios EAS e, que no caso do CO, podem vir de diversas fontes:

    O sinal sonoro dos telefones fixos e celulares, os rudos provenientes dos carrinhos com material da enfermagem, os gritos nas conversas entre os

    27 Ver 2.1.3 O espao de recuperao ps-parto.

  • [62]

    profissionais de sade, bem como os gritos produzidos pelas gestantes em trabalho de parto, foram considerados como parte integrante do conjunto de rudos estabelecidos nos centros obsttricos (BITENCOURT, 2007, p. 215).

    Torna-se claro que as condies de conforto do ambiente precisam ser controladas. Se os territrios de cada indivduo no estiverem bem demarcados, ao possibilitar o encontro de uma famlia, corre-se o risco de tirar a privacidade de outra. Desta forma, o suporte social oferecido deve ser passvel de controle pelos indivduos. O tema do controle do ambiente ser tratado mais adiante nesta pesquisa.

    b) Distraes positivas

    Quando um ambiente oferece estmulos em quantidade moderada as chamadas distraes positivas (ULRICH, 1995) , propicia nas pessoas uma sensao de bem-estar. O prprio acesso ao suporte social (a conversa, troca de carinho ou o simples contato com a famlia e amigos) pode ser considerado uma distrao positiva. Ulrich (1995) ainda ressalta que as distraes positivas mais efetivas so alguns elementos essenciais, que se mostram importantes para o ser humano h milhares de anos, como as expresses faciais carinhosas, sorridentes ou felizes e presena de animais mansos ou de estimao.

    Contudo, em um ambiente hospitalar, devido ao controle de agentes infecciosos, descarta-se a possibilidade de permitir animais junto aos pacientes internados.

    O autor ainda destaca a importncia dos elementos naturais rvores, plantas e gua como eficientes estmulos que distraem positivamente o observador. No entanto, se os estmulos forem demasiados cores muito vibrantes, som muito elevado, luminosidade muito intensa podero provocar estresse nos usurios. Por outro lado, a completa falta de estmulos pode trazer sentimentos ruins ou at mesmo sucitar depresso.

    Os estmulos que promovem distraes positivas podem ser aqueles j citados no suporte social: som e forma. O som, na intensidade adequada, pode exercer uma influncia positiva em ambientes de sade, atravs da msica. Por exemplo, Gappel (1995) afirma que esta influncia pode ser tanto fisiolgica, pelo controle dos

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    batimentos cardacos e diminuio da presso arterial, quanto psicolgica, pelo estmulo para o relaxamento e reduo da dor. J a forma pode ser considerada como uma distrao positiva, uma vez que a arquitetura interessante de um espao (com variaes de altura, ritmo e de composio) o mais estimulante que um espao muito simples e montono.