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Rodrigo Torres de Almeida Construção e Expansão do Complexo Industrial-Militar Norte-Americano: Um passo em direção ao poder global Dissertação apresentada ao Corpo Docente do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de MESTRE em Economia Política Internacional Banca Examinadora: ______________________ Prof. Dr. Maurício Medici Metri (Orientador) ______________________ Prof. Dr. José Luís da Costa Fiori ______________________ Prof. Dra. Clarice Menezes Vieira RIO DE JANEIRO – UFRJ - IE Julho/2013

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Rodrigo Torres de Almeida

Construção e Expansão do Complexo Industrial-Militar Norte-Americano: Um passo em direção ao poder global

Dissertação apresentada ao Corpo Docente do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de MESTRE em Economia Política Internacional

Banca Examinadora:

______________________

Prof. Dr. Maurício Medici Metri (Orientador)

______________________

Prof. Dr. José Luís da Costa Fiori

______________________

Prof. Dra. Clarice Menezes Vieira

RIO DE JANEIRO – UFRJ - IE

Julho/2013

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Para Amanda, que tanto me incentivou, com amor.

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Agradecimentos

Em primeiro lugar, desejo agradecer à CAPES, que ajudou-me imensamente com o financiamento parcial de meu Mestrado no programa de Economia Política Internacional, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Agradeço também a grande paciência de que desfrutei por parte dos funcionários da secretaria do Instituto de Economia dessa mesma faculdade, os quais, sempre solícitos, facilitaram o trâmite burocrático de meu trabalho.

Sou grato ao Professor Dr. Maurício Medici Metri que sempre esteve disposto a trabalhar pelo meu sucesso. Sem dúvida foi um grande orientador do qual extraí bons ensinamentos e conselhos. Sou grato também ao Professor Dr. José Luis da Costa Fiori, quem foi responsável por um avanço sem igual nos ensinamentos sobre o sistema internacional e o poder global. À professora Dra. Clarice Menezes Vieira, a quem eu conheci apenas recentemente, fica a melhor das impressões com o cuidado e a prontidão com que ela aceitou fazer parte de minha banca examinadora. Por último, mas não menos importante entre meus professores, agradeço o carinho e o conhecimento passados a mim pela Professora Dra. Marta Skinner, quem primeiro me forneceu acesso aos jargões e aos desafios da Economia.

Finalmente, quero agradecer à Amanda R. B. Torres de Almeida, minha queria esposa e a quem dedico esse trabalho, por todo o seu amor para comigo. Destaco aqui sua fundamental positividade e carinho que foram prementes na conclusão desse trabalho. A você, meu amor, minhas mais altas estimas.

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Resumo

O termo Complexo Industrial-Militar foi utilizado pelo presidente americano

Dwight D. Eisenhower para descrever o intricado processo pelo qual os EUA cada vez

mais produziam armas e tecnologias bélicas. Esse complexo influiu e ainda influi

fortemente no desenho da política externa norte-americana.

Esse trabalho tem por objetivo analisar o desenvolvimento desse complexo,

delimitando seus elementos formadores. Quer-se desvendar a dinâmica desse complexo

e entender as relações existentes em seu interior.

Para isso, tentar-se-á ir às origens desse objeto em um esforço de investigação

histórico bem como analítico de sua situação política e econômica. Espera-se verificar

que o complexo industrial-militar dos EUA é um ente híbrido em sua constituição e que

permanentemente é utilizado como fator de expansão do poder americano no mundo.

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Abstract

The expression Military-Industrial Complex has been used by the American

President Dwight D. Eisenhower to describe the complicated process through which the

United States of America increasingly has been producing weapons and military

technology.

The main goal of this work is to analyze this complex, identifying its overall

structure and mapping its internal dynamics.

In this light, a historic-investigative effort will be applied in order to unveil the

economic and political development of the Military-Industrial Complex. I hope to verify

that the Military-Industrial Complex of USA is a hybrid entity in its constitution and

that it uses its drive to expand the American power throughout the world.

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Índice

INTRODUÇÃO 7

CAPÍTULO 01

1.1 – As Origens 14

1.2 – A Casa da Guerra 26

1.3 – O Congresso Americano e seu papel no rearmamento para a

guerra 33

CAPÍTULO 02

2.1 – Uma luz que não era desse mundo 43

2.2 – Uma reavaliação de rumos 50

2.3 – E agora? 57

2.4 – A influência indevida 64

CAPÍTULO 03

3.1 – O Vietnã 74

3.2 – O caso C-5A 78

3.3 – Do Vietnã à nova ordem mundial 82

3.4 – O viés militar do poder global 89

CONSIDERAÇÕES FINAIS 97

BIBLIOGRAFIA 101

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Introdução

O discurso da política externa americana, em sua quase totalidade, foi

expansionista. Desde a Doutrina Monroe de 1823 até a Doutrina do Ataque Preventivo

de 2003, o movimento do Estado americano foi o de avançar.

Nesse avanço, muito foi estudado sobre o papel das finanças, das agências

governamentais e da moeda, porém, é comum se esquecer que esse caminho para frente

também foi feito por meio da intervenção violenta. Quanto a esse aspecto, o

desenvolvimento das armas americanas possui grande importância.

Não se quer dizer com isso que o desenvolvimento do Complexo Industrial-

Militar possa ser estudado sem sua relação íntima com a política e a economia. Armas,

servem ao objetivo da expansão do poder e da riqueza de um país, e seu emprego e

desenvolvimento necessitam tanto de investimento econômico quanto de suporte

político.

Pela definição adotada neste trabalho, o Complexo Industrial-Militar Americano

é formado por um tripé, que, desde o início, já atesta sua natureza híbrida. Identificar

quais são esses três componentes e quais são as relações entre eles é o primeiro desafio

desse trabalho.

Como primeiro elemento do Complexo está o Pentágono, sede do Departamento

de Defesa Americano. É normalmente o Pentágono que identifica as necessidades

materiais a serem adquiridas ou desenvolvidas para que os objetivos de defesa nacional

sejam alcançados. Esses objetivos são normalmente estabelecidos em um plano de

defesa que representa um esforço conjunto dos burocratas do Departamento de Defesa,

da Casa Branca e das diversas Comissões no Congresso Americano.

É difícil estabelecer com exatidão quais desses grupos possuem premência no

estabelecimento das orientações da política externa ou de defesa dos EUA, porém, o

Pentágono, como estrutura burocrática permanente, possui, no longo prazo, bastante

peso, uma vez que governos mudam, mas o Pentágono permanece. Nesse sentido, é

difícil definir uma hierarquia sobre o processo de tomadas de decisão. O que se pode

divisar é que há um limite institucional que não deve ser cruzado pelos cargos políticos

eletivos no governo americano.

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Em termos econômicos, o Pentágono estabelece a demanda por produtos

militares que devem obedecer à doutrina do armamento superior, adotada desde o final

da Segunda Guerra Mundial pelos militares americanos. Tal doutrina estabelece a

necessidade de que haja uma enorme estrutura de inovação no desenvolvimento de

armas cada vez mais avançadas.

Essa estrutura nos leva ao segundo elemento do Complexo Industrial Militar: as

corporações e seus tecnopólos. As empresas de material militar e as instituições de

pesquisa públicas e privadas entram no mercado de defesa do lado da oferta, buscando

constantemente firmar contratos com o governo.

É importante perceber que esses contratos não dizem respeito apenas à produção

de armas, mas também englobam serviços os mais variados. Hoje, atividades que vão

desde a limpeza de instalações militares até a alimentação dos soldados nos cenários de

guerra são realizadas por empresas terceirizadas, que investem cada vez mais para

reduzir seus custos e obter melhores produtos. O que se assiste hoje é uma verdadeira

terceirização da logística das Forças Armadas americanas.

Nessa especialização cada vez maior no mercado armamentista, é imprescindível

verificar que a rede de instituições de pesquisas e empresas desse ramo alcançou seu

enorme dinamismo a partir da organização e do desenvolvimento de sistemas integrados

de administração e gerenciamento de projetos complexos que tiveram seus fundos

providos pelo Estado e justificados pelo cenário de ameaça que a Segunda Guerra e

principalmente a Guerra Fria estabeleceram. Nesse momento, introduz-se o terceiro

elemento do Complexo Industrial Militar americano: o Congresso dos Estados Unidos.

Curioso perceber que é o Congresso americano que aprova as verbas para

projetos militares custeados pelo Estado, bem como é ele que possui o maior peso no

momento de se estabelecer o orçamento anual para os Estados Unidos. Assim, o

Congresso é a verdadeira caixa de ressonância de todos os lobistas do país que desejam

ver seus setores privilegiados pelas verbas estatais. Correspondendo à quase metade do

orçamento americano, o setor de defesa é sem dúvida aquele que possui o maior número

de lobistas em Washington e as disputas por melhores alocações de recursos são, sem

dúvida, ferozes.

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Atualmente, o peso político do setor de defesa é muito grande no Legislativo

Federal americano. Isso se percebe quando mais de três milhões de americanos estão

diretamente empregados pelo Complexo Industrial-Militar, seja servindo em uniformes

ou construindo os meios para que soldados exerçam o melhor possível seu trabalho. O

papel do congressista, entre outras coisas, é garantir que os empregos vinculados à

indústria de defesa no seu Estado não desapareçam, pois isso teria consequências ruins

nas próximas eleições. Essa realidade pode ser ainda mais dura quando se verifica que

em alguns Estados americanos, metade da renda gerada provém direta ou indiretamente

do setor de defesa.

O Complexo Industrial-Militar Americano, em seu tripé, funciona a partir de

relações dialéticas, que, apesar de muitas vezes contraditórias, apontam, ao final,

sempre para um movimento expansivo, em que poder é sempre mais poder (P=+P).

É importante perceber que o diálogo que o Pentágono trava com a Casa Branca

e o Congresso é uma mescla de assessoria militar ao presidente, bem como um esforço

para manter seu orçamento e seu status na burocracia americana. O Pentágono não é

ente apolítico que atua apenas em nome de seus valores e da segurança nacional em

estrito.

As pressões que os militares exercem por mais recursos, por sua vez, também

estão presentes no setor econômico responsável pela produção de armamentos e

serviços militares em geral. Essas empresas têm o objetivo de lucrar e satisfazer seus

acionistas. Repare que acoplado ao dever do Pentágono de prover os meios necessários

à segurança nacional está o interesse econômico dos diversos atores privados

envolvidos no setor de defesa.

Para se ter ideia da enorme força dialética entre esses dois atores, é difícil

mapear muitas vezes, por exemplo, quem é o gerador da demanda por novos ativos

militares, se as empresas ou o Pentágono. No entanto, se há dificuldade em entender de

onde partem os pedidos e encomendas, não se deve ter dúvida de que as empresas do

setor de defesa precisam do Estado e das Forças Armadas para sobreviverem, uma vez

que estes são seus maiores compradores. Se invertermos os sujeitos, o Pentágono e as

Forças Armadas conseguem exercer melhor seu poder tanto burocrático como militar

mediante sua expertise e suas armas, as quais são providas por um ambiente privado.

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Aqui podemos ver uma conexão entre o poder e a riqueza, na qual um não vive nem é

gerado sem o outro.

As empresas, nesse cenário, estão preocupadas em estabelecer posições

privilegiadas em relação à burocracia americana, em especial ao Pentágono. Isso as leva

a gastar tanto em lobby e influência quanto no desenvolvimento de seus produtos. Por

seu lado, o Pentágono, no meio dessa competição por posições privilegiadas, tem sua

importância relativa elevada no Estado americano. Hoje, aliás, em termos de política

externa, o Departamento de Estado, órgão responsável pela mesma, vem perdendo

espaço em suas formulações para o Departamento de Defesa. Esse fenômeno vem se

tornando cada vez mais claro desde o 11 de Setembro.

As contradições no Complexo Industrial-Militar atingem novos patamares ao

adicionarmos o Congresso Americano na equação. O Congresso é um ambiente

nebuloso, pois se destacarmos seu interesse como instituição, veremos um corpo de

cidadãos americanos que devem guardar pela República e pela democracia. Porém, ao

analisarmos os congressistas, individualmente, veremos seres humanos que nem sempre

atendem ao interesse da nação. Ao contrário, preferem, muitas vezes, realizar sua

agenda privada e desconectada da vontade popular.

Mais do que isso, mesmo quando tentam realizar seu trabalho em pró da nação,

é importante lembrar que os congressistas, antes de atenderem aos interesses da União,

atendem ao interesse de seus respectivos Estados. A força do federalismo americano

não deve ser reduzida nesse cenário macro da política americana. Ao congressista

interessa, acima de tudo, cuidar de sua base eleitoral, e isso significa, em primeiro lugar,

garantir empregos no seu Estado. Nesse sentido, é importante entender, que a

espacialidade do complexo industrial-militar é abrangente e quase beira a ubiquidade.

Assim, não importa o Estado americano de que falemos, todos os congressistas estão

mais ou menos sujeitos à força que provém dos setores de defesa.

Portanto, o debate entre os grupos de interesse interno não é nada fácil e

raramente termina com todos os lados satisfeitos. Porém, o que se deve destacar é que

apesar de raramente haver consenso sobre como, quando ou onde o Estado americano

deverá intervir, ou com quem ficarão os contratos de um determinado setor, é premente

perceber que o movimento do poderio militar americano é sempre para frente, é sempre

expansivo. Mesmo que haja momentos de leve estagnação, como no imediato pós-

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Vietnã, isso não significa que as forças do poder e da economia americana não estejam

se movendo para dar o próximo salto inovativo, capaz de modificar a geopolítica

mundial. Vale lembrar que, em meros 20 anos após o Vietnã, os EUA venceram a

Guerra Fria, derrotaram a URSS sem disparar um só tiro e contiveram o Iraque, em

1991, momento em que, o mundo viu o novo poderio militar norte - americano com

seus caças invisíveis ao radar e suas bombas teleguiadas.

Buscando a vinculação entre as armas e a economia, chega-se ao segundo passo

necessário nessa pesquisa: entender como esse movimento expansivo militar rumo a um

poder capaz de atuar em qualquer parte do globo, consegue ser financiado. A resposta,

em nossa percepção, está na enorme capacidade da dívida pública americana em captar

recursos e no papel do dólar como moeda de curso internacional.

Quase 40% do orçamento anual americano é gasto em defesa. Isso não possui

paralelo no mundo. Para se ter ideia da dimensão desses recursos, os EUA gastam mais

em defesa do que todo o resto do mundo neste mesmo setor. Essa enorme capacidade

de os EUA em alocar recursos no plano militar, em nossa visão, só pode ser

compreendida se percebermos que as regras de endividamento para os EUA são

diferentes se comparadas aos outros países do sistema internacional. O dólar, ao mesmo

tempo em que é o comprovante da dívida pública americana, funciona como porto

seguro de todo o sistema financeiro mundial. Isso gera um fenômeno estranho às outras

economias nacionais: para se endividarem cada vez mais, os EUA não se sentem

compelidos a elevar sua taxa de juros, na mesma proporção em que o resto do sistema

opera suas respectivas políticas fiscais e monetárias.

Percebe-se, portanto, uma segunda relação dialética, na qual o poder gera

riqueza e esta é empregada para gerar mais poder (P – R – P’). Aliás, no que tange à

visão teórica aqui adotada, o poder seria o principal instrumento para a geração de

riqueza.

O terceiro e último passo desse esforço acadêmico é compreender a dimensão

estratégica que um complexo como esse proporciona às forças da economia americana.

Detentor não apenas das melhores armas, os EUA também possuem presença nas

principais rotas e posições estratégicas mundiais. Esse legado foi uma conquista, em

grande medida, da vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial. Desde o estreito de

Málaga passando por Suez e até o Panamá, bem como da passagem de Ormuz até o

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cabo da Boa Esperança, os EUA têm presença sólida, seja por meio de bases ou de

aliados, os quais são coordenados por uma enorme estrutura descentralizada de tomada

de decisões, bem como alimentados por uma complexa rede logística.

Essas posições privilegiadas, entretanto, desde o fim da Guerra Fria vêm

crescendo com o avanço da OTAN sobre o que costumava ser área de influência da

extinta URSS. Esse avanço possui seus limites e riscos, porém atesta a vontade

expansiva dos EUA, mesmo este já sendo o Estado mais poderoso e rico do mundo.

Na perspectiva teórica adotada nesse trabalho, a conquista contínua de pontos de

privilégio é uma característica do sistema capitalista internacional, que possui em seu

ápice, agentes os quais buscam rápida acumulação de riquezas. Esses agentes se valem,

muitas vezes, do poder do Estado americano, para operar em regiões longínquas com o

apoio da força militar americana para garantir seus interesses.

Em grande medida, essa foi a história da globalização das multinacionais

americanas na década de 1950 e 60. O poder político e bélico dos EUA permitiu que as

empresas americanas ocupassem posições privilegiadas na economia global já na saída

da Segunda Guerra Mundial e, mais modernamente, esse fato tornou-se ainda mais

explícito e violento com a ação unilateral dos EUA no Iraque em 2003, quando o

petróleo daquele país passou a ser operado eminentemente por empresas americanas.

Essas empresas, contando com o apoio militar e político de seus estados, em grande

medida, conseguiram lucros extraordinários, bem acima da média do mercado.

Nesse contexto, este trabalho parte da premissa de que o complexo industrial-

militar norte-americano consiste em uma síntese da tese do poder global nos moldes

colocados pelo professor José Luis Fiori. Nessa orientação, privilegiar-se-á nesse estudo

sobre o o objeto em análise seus conflito e suas contradições, que impedem a formação

de um equilíbrio do ponto de vista sistêmico tanto intra como interestatal, uma vez que

o mundo visto pela ótica do poder global consiste em um universo em permanente

expansão movido pela luta dos estados nacionais e sua estruturas continuamente

expansivas, as quais buscam acumulação de poder e de riqueza.

Tentar-se-á, portanto, confirmar que a dinâmica do Complexo Industrial Militar

norte-americano funciona a partir de relações dialéticas entre seus atores, que, apesar de

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muitas vezes contraditórios, apontam, ao final, sempre para um movimento expansivo

de maximização do poder americano no mundo.

A dissertação, nesses moldes, está estruturada da seguinte forma. No capítulo 1,

aborda-se principalmente as origens do complexo na Segunda Guerra Mundial: a

construção do Pentágono e o embate entre Casa Branca e Congresso em direção ao

rearmamento. No capítulo 2, tenta-se dar uma maior ênfase ao papel das empresas de

defesa e ao método adotado no desenvolvimento tecnológico-militar dos EUA. Esse

esforço é feito tendo como pano de fundo o fim da Segunda Guerra Mundial e o início

da Guerra Fria. No capítulo 3, mostra-se o avanço do complexo industrial-militar do

Vietnã até o presente. Ao mesmo tempo, tenta-se um diálogo com a teoria do poder

global, na qual esse trabalho foi lastreado.

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Capítulo 1

1.1 – As origens

Durante a Segunda Guerra Mundial em diante, os Estados Unidos da América se

tornariam o país mais forte tanto econômica quanto militarmente no mundo. Como

destaque deste trabalho estão as armas americanas, que tiveram uma evolução sem

paralelos neste período e, no centro desse desenvolvimento, está uma estrutura nomeada

pelo presidente Dwight D. Eisenhower (1953-1961) como Complexo Industrial-Militar

Norte-Americano. Esse complexo tem lugar de destaque em uma matriz de poder

expansiva da qual os EUA fazem uso até a atualidade.

Desde o início, os EUA foram uma nação ávida por conquistar mais território e

poder. Passaram de meras 13 colônias, espremidas entre o Atlântico, territórios

indígenas e coloniais, a uma nação bi-oceânica com representações diplomáticas e bases

militares em todo o mundo. No seu avanço, as guerras bem como as armas sempre

estiveram presentes. Desde a marcha para o Oeste até a conquista do Iraque em 2003, os

conceitos de defesa, expansão e liberdade passam a ser intercambiáveis, constituindo a

justificativa para a presença americana em todas as regiões do planeta.

O caminho para se atingir essa presença quase ubíqua não foi conquistado sem

sobressaltos e tropeços, mas, ao se analisar o movimento do Estado norte-americano,

percebe-se que seu crescimento pode ser atribuído não apenas à sorte, mas também à

tomada de decisões em momentos peculiares de sua história nacional e dos

acontecimentos mundiais.

Inicialmente aversos a se deixarem influenciar pela política europeia, conforme

o discurso de despedida de Washington atestava1, os EUA gradualmente, em seu

crescimento político e econômico, foram sentido a necessidade de atuar mais

globalmente. Passando pela experiência de 1853, quando então o Comorodo Perry,

1 The Great rule of conduct for us, in regard to foreign Nations is in extending our commercial relations to have with them as little political connection as possible. So far as we have already formed engagements let them be fulfilled, with perfect good faith. Here let us stop.

Europe has a set of primary interests, which to us have none, or a very remote relation. Hence she must be engaged in frequent controversies, the causes of which are essentially foreign to our concerns. Hence therefore it must be unwise in us to implicate ourselves, by artificial ties, in the ordinary vicissitudes of her politics, or the ordinary combinations & collisions of her friendships, or enmities. (discurso de despedida do Presidente Whashington, 1796) (http://gwpapers.virginia.edu/documents/farewell/transcript.html)

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compulsoriamente, abre o arquipélago japonês ao comércio internacional, essa

tendência internacionalista se consolida e atinge o ponto de não-retorno em 1898,

quando os EUA de maneira rápida e decisiva vencem a guerra hispano-americana e

chegam, incontestes, ao patamar de grande potência.

Tal guerra deu aos EUA o controle efetivo do Caribe e da América Central e

estabeleceu a consolidação da Doutrina Monroe, que passava a não mais precisar do

patrocínio da marinha inglesa. Tal mudança permitiu a construção do canal do Panamá

sob os auspícios de Washington o que deu um caráter ainda mais dinâmico a bi-

oceanidade dos EUA.

É também nesses anos iniciais do século XX, que os EUA realizam sua primeira

grande escalada militar, a qual era patrocinada teórica e politicamente pelo Almirante

Mahan. Esse novo poder logo estaria em uso, principalmente pelas mãos de Theodore

Roosevelt (1901-1909), quem pôs em prática as primeiras intervenções americanas na

América Central, ações essas que foram tributárias da política do Big Stick, que tanto

ultraje gerou nos países caribenhos e latino-americanos.

Os EUA eram a ilha-mundo, a qual deveria estar preparada e sempre disposta a

evitar que o hartland fosse dominado por um só poder. Essa teoria de Halford John

Mackinder, acadêmico anglo-saxão, prolatava já em 1904 a necessidade de os EUA

obterem meios efetivos de atuação no cenário internacional, para evitar que o equilíbrio

de poder mundial não fosse perturbado em desfavor dos EUA.

Os acontecimentos de 1914 na Europa apontavam para uma dominação alemã do

velho continente e uma Rússia sublevada em ondas comunistas e anti-liberais em 1917

atentavam contra os interesses anglo-americanos. Temia-se por uma radical mudança na

distribuição de poder no mundo, que poderia criar sérios obstáculos a futuras expansões

da influência americana.

A Primeira Guerra Mundial concedeu à indústria bélica americana considerável

estímulo, que serviu muito bem a homens como Allan and Malcolm Lockheed, Bob

Gross, John K. Northrop e outros. Porém, apesar de garantir “start ups” de diversos

nomes que ficariam famosos mais tarde, a Primeira Grande Guerra não conseguiu criar

o Complexo Industrial-Militar. Havia ainda muito espaço econômico para o crescimento

da indústria automobilística e o setor aeronáutico ainda era algo insipiente. Os gloriosos

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anos 20 para os EUA foram uma época de crescimento interno e grande volume de

exportações para a Europa em reconstrução.

No entanto, o sistema financeiro internacional ainda estava lastreado na libra

esterlina e a city ainda detinha grande peso no mundo das finanças. Wall Street já era a

praça financeira de maior movimentação, porém a city ainda deteria premência até o

final da década2.

O cenário político também não permitiu que o Estado americano financiasse um

enorme programa de rearmamento em tempos de paz. Woodrow Wilson (1913-1921)

não o fez por razões morais, bem como sua atenção estava mais voltada para a

aprovação do tratado que instituía a Liga das Nações no Congresso americano, uma

batalha que ele perdeu. Seus sucessores republicanos não o fizeram, pois, em grande

medida, suas convicções liberais não lhes permitiam. Basta lembrar que Herbert Hoover

(1929-1933), em plena crise de 29, estava certo de que o Estado não deveria financiar

setores da economia, pois esta possuía todas as capacidades de reverter o quadro

recessivo por si só.

A opinião pública também não estava a favor de um investimento no setor de

defesa. Woodrow Wilson foi eleito com a promessa de que os EUA ficariam fora da

guerra europeia, algo que em 1917 ele mesmo não pode cumprir. Havia muitos

americanos que se sentiam traídos e nas eleições de 1921, o republicano Harding se

elegia com a convicção de que os EUA não deveriam mais se envolver com as questões

de segurança europeia.

A década de 20 foi um período de prosperidade para os Estados Unidos, algo

que não se poderia dizer do resto do mundo. A Europa estava sob escombros, tendo a

Alemanha no centro de um redemoinho inflacionário, e a França cega em sua

necessidade por mais segurança e na sua insistência pelo pagamento de somas muito

altas no que se referia a reparações de guerra.

Na Ásia, o espectro político Chinês, enfraquecido com fim do império milenar

em 1911, estava sendo esgarçado por disputas entre inúmeros grupos de cunho

nacionalista, os quais recorriam ao ódio ao estrangeiro como núcleo de gravidade e a

guerrilha como método de combate. Nesse cenário instável, a China ainda tinha que

2 Para maiores detalhes: Eichengreen, Barry J.(2008)

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lidar com as questões envolvendo as potências europeias, que no pós-guerra ainda

influenciavam profundamente a economia e a política chinesa.

Nessa situação conturbada a China passa toda a década de 20 sem uma definição

sob sua forma de governo ou de Estado, uma fragilidade que os japoneses não demoram

a perceber. O enfraquecimento chinês era uma peça fundamental na estratégia japonesa

de domínio do sudeste e do nordeste asiático que seria posta em prática na década

seguinte.

Nesse contexto, talvez fosse de se esperar que os Estados Unidos, em franca

expansão econômica, fossem se empenhar em um maior comprometimento com a

estabilização mundial, porém essa não era a preocupação dos três presidentes

republicanos que ocuparam a Casa Branca nos anos 20. Aliás, os anos 20 e grande parte

dos 30, foram conhecidos na literatura acadêmica como um período isolacionista3.

O isolamento americano, aqui, não pode ser entendido como uma intenção

consciente de se manter afastado de tudo o que viesse de fora. A política externa

americana não tinha a xenofobia por característica e nem poderia tê-lo. Os EUA eram o

país mais rico do mundo e suas decisões possuíam impacto mundial. Sua população

cresceu 30% entre 1900 e 1920 e eram também o maior produtor agrícola bem como o

maior produtor de aço do mundo4. O problema estava no fato de os EUA não atuarem

diretamente sobre as questões que envolviam o equilíbrio geopolítico europeu e

asiático. O isolacionismo era traduzido, portanto, como um envolvimento sem

comprometimento, no qual a riqueza americana ainda não havia sido traduzida em um

poder militar global.

Involvement without commitment seems the best way to sum up US approach to the

world during this period. (Herring, George C. (2008): 436)

Esse isolacionismo americano também sofreu influência de uma maior intrusão

do Congresso na formulação da política externa americana, uma tendência encabeçada

por Herbert Hoover (1929-1933), que a época era secretário de comércio e ironicamente

conhecido como subsecretário de todos os outros departamentos do Executivo

americano5. Os chamados Peace Progressives, um grupo de congressistas com certo

3 Para mais detalhes: Divine, Robert A. (2012)

4 Para mais detalhes: Landes, David S. (2003)

5 Para mais detalhes: Jeansonne, Glen (2012)

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peso na casa, sempre estavam criticando a política externa do Executivo e defendiam

ardentemente o desarmamento como princípio para as relações internacionais saudáveis.

A redução de armas seria uma forte bandeira da política externa republicana

durante a década de 20. Por detrás da diminuição das armas havia um argumento

econômico.

“It would reduce government expenditures, permit a lowering of taxes, and promote the

sort of peaceful and stable environment in which international trade and investment

could flourish”. (Herring, George C. (2008):452)

Diante de tais convicções liberais e na falta de grandes ameaças estratégicas, não

havia a necessidade de Forças Armadas superdimensionadas. Assim, os republicanos

em 1922 realizaram em Washington uma conferência sobre a limitação e redução dos

meios de guerra, a qual acomodou os britânicos e os japoneses, por lhe permitirem

atingir objetivos de segurança nacional imediatos6.

Em um mundo no qual a guerra não era eminente, os assuntos econômicos

assumiram premasia e as atenções logo se voltaram para as questões comerciais. Logo

em 1918, o Congresso americano aprova o Webb-Pomerene Act e no ano seguinte o

Edge Act, ambas legislações que retiram as limitações anti-trust dos exportadores e

banqueiros americanos, dando a eles mais recursos e menores riscos para atuar no

estrangeiro.

A política de portas abertas era empregada em toda a sua amplitude na China e

na América Latina, tendo em Herbert Hoover (1929-1933) seu maior defensor. Ao final

da década, os EUA eram os principais exportadores para áreas como Japão, Canadá e

Europa Ocidental.

Se as exportações cresciam, as importações por sua vez tinha um forte redutor

nas tarifas Fordney-McCumber. Esse desenho de política comercial com uma agressiva

campanha para o aumento das exportações e uma redução das importações tinha seu

lastro na premência que a política interna possuía em relação à política externa.

“Despite talk about economic interdependence and the value of foreign trade, the

domestic market remained most important to the economy, and domestic priorities

6 Para mais detalhes: Herring, George C. (2008)

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generally took precedence over foreign policy objectives (Herring, George C.

(2008):448)

As altas tarifas de importação praticadas pelo governo americano

desestabilizavam o comércio internacional levando a França, por exemplo, a iniciar

também sua prática protecionista, que logo seria seguida por diversos outros países.

Essa postura americana, também prejudicava a Alemanha, que não conseguia vender

seus produtos para os Estados Unidos e assim não conseguia realizar os pagamentos da

reparação de guerra acordados em Versalles.

Os Estados Unidos, como maior centro financeiro pós 1919, teria condições

para realizar um melhor manejo dos débitos e das reparações de guerra, porém o

executivo americano foi omisso em relação a essa questão, preferindo uma política

privada para solucionar o assunto. O governo americano, dessa forma, não utilizou

dinheiro público, como seria o caso do Plano Marshall, 20 anos mais tarde, para sanar a

falta de liquidez das economias europeias. Tudo ficava, na política republicana, a cargo

do mercado. Assim foram forjados os planos Dowes e Yong, elaborados por dois

técnicos com ligações ao grupo J.P.Morgan, os quais criaram uma linha de crédito para

a estabilização da Alemanha baseada em empréstimos privados.

A política externa republicana anti-belicista e privada também não conseguia ver

as inflexões que o não reconhecimento da URSS provocaria. Havia muita ambiguidade

em relação a como atuar perante o nascente bloco. Por um lado não havia

reconhecimento, mas por outro, por intermédio da ARA (American Relif

Administration), os EUA ajudavam a reduzir a fome dos soviéticos. A justificativa

velada parecia ser mostrar que o capitalismo era superior ao comunismo e um melhor

caminho para o povo soviético. Se assim fosse, porque enviar dois mil engenheiros

americanos para ajudar a estabelecer o primeiro plano quinquenal e fornecer 25% das

importações soviéticas do período? O pragmatismo do reconhecimento seria somente

tomado com Roosevelt em 1933.

Apesar de a década de 20 do século passado ter sido, em sua maioria, um

exemplo de otimismo nos EUA, esse período termina de forma trágica no campo

econômico. A crise de 1929 terminou por solapar a pujança econômica daquele país.

Em menos de dois anos, 25% da força de trabalho do país estava desempregada, cenário

este que perdurou durante boa parte dos anos 30.

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Os efeitos da crise de 1929 logo cruzaram o Atlântico e abalaram a efêmera

recuperação europeia, o que, em boa medida, permitiu a ascensão do regime nazista na

Alemanha. O fim dos planos Dowes e Young, repatriando o capital americano, privou

de liquidez o sistema bancário europeu, jogando o continente novamente em uma crise.

“The dollars that had underpinned postwar economic recovery dried up, with ripple

effects across the world. The depression exposed the flaws in Republican approaches to

postwar problems. It dimmed US prestige in Europe, weakening its ability to lead and

Europe’s willingness to follow.” (Herring, George C. (2008):479)

Logo a cooperação entre os países centrais é suspensa e a política internacional

fica sem balizas claras. Aquilo que estava no campo econômico não demora para

contaminar o espectro político. Nos anos 30, a primeira vítima seria a Manchúria, que

no primeiro ano da década foi invadida pelo Japão. Sem nenhuma possibilidade de

homeostase, não houve capacidade de estabelecer sansões sobre a potência agressora.

Hoover (1929-1933) não queria trazer mais problemas para o pacífico e sem o apoio

americano, a Liga das Nações nada pode fazer para garantir a aplicação de sansões.

Em grande parte, beneficiando-se do total desarranjo financeiro e produtivo que

ocorria na Alemanha, Hitler sobe ao poder em 1933, depois de mais de 10 anos de

ativismo político. Sob a batuta do Nazismo, a Alemanha rapidamente busca se livrar das

amarras impostas pelo tratado de Versalhes. As consequências imediatas foram a saída

deste país da Liga das Nações e a sua retirada da conferência de Genebra sobre

desarmamento, um prelúdio para o anúncio nazista de que voltaria a se rearmar, o que

de fato aconteceu em 1935 com a remilitarização do Renânia.

O isolacionismo americano continuava com o novo presidente democrata. Em

1933, Roosevelt sobe ao poder e nos cem primeiro dias de governo, tenta estabelecer

seu New Deal mediante inúmeras propostas de lei. O ponto essencial de sua atuação

mais uma vez não era a política externa, mas a interna. Em sua única menção ao

exterior, em seu discurso de posse, estava algo ainda sem grande delineamento chamado

política da Boa Vizinhança.

Esse posicionamento de Roosevelt mostrava exatamente a preocupação do povo

americano da época. A política interna sem dúvida era muito mais importante sendo

fundamental para reverter as consequências nefastas da crise, porém não deixa de ser

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irônico bem como trágico que a política externa tenha se tornado algo de tamanha

importância para os EUA durante os 4 mandatos desse presidente.

Mais uma vez o isolacionismo americano não se aplica ao campo comercial.

Hull, Secretário de Estado logo tenta desenhar um aspecto econômico à política de boa

vizinhança. Em 1934, ele consegue aprovar uma Lei de Comércio Recíproco que deu ao

Executivo permissão para negociar diretamente com outras nações uma redução de até

50% nas tarifas de importação. Esse esforço legou aos EUA um comércio com a

América Latina que cresceu em três vezes durante os anos de 1931 e 1941.

Em 1935, os ecos de guerra já soavam mais fortes na Europa. No mesmo ano em

que Hitler dizia que não mais obedeceria a Versalhes, ele unificava a indústria de base

alemã com vistas ao desenvolvimento de recursos bélicos. Por sua vez, Mussolini

invadia sem grande justificativa plausível o reino da Etiópia. Mais uma vez a Liga nada

pode fazer e os EUA adotaram medidas que procuravam evitar que a ameaça de conflito

respingasse sobre si. Nesse espírito, o Johnson Act (1934) era aprovado, proibindo

empréstimos privados para nações que estivessem em atraso com os pagamentos de

dívidas de guerra. Essa lei claramente visava à Alemanha. Percebia-se que os EUA

sacrificariam todos os direitos de neutralidade para ficarem de fora da guerra que se

aproximava.

Roosevelt nada podia fazer então, as eleições se aproximavam e a opinião

pública era bastante sensível a assuntos que envolvessem a temática da guerra. Por isso,

o presidente também não pôde evitar que se estabelecesse no Senado um embargo sob a

venda de armas a países beligerantes, o que iria prejudicar enormemente ambas as

facções na Guerra Civil espanhola um ano mais tarde. Os EUA atuavam na mesma linha

de França e Inglaterra sob o signo da não intervenção, o qual em 1937 ficaria conhecido

na concepção de Neville Chamberlain como política do apaziguamento. O desenrolar do

impasse espanhol abriu espaço para a atuação de Hitler com sua Luftwaffe.

A ambição de Hitler acoplada à política do apaziguamento abarcaria a Áustria e

os Sudetos, que foram negociados em Munique em 1938, tratado no qual se estabelecia

a fronteira da Polônia como limite para o espaço vital alemão. Porém, ao analisarmos o

segundo mandato de Roosevelt, até a assinatura de Munique, veremos um EUA que

continuava céptico sobre o desenrolar da política europeia, mas que não queria

sacrificar mais a prosperidade, o que a crise ainda forte atestava com tamanha

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severidade. O embargo sob armas e suprimentos de guerra aos beligerantes estava

irritando muitos produtores e foi um dos representantes da alta indústria americana que

propôs um acordo para sanar essas diferenças. O nome desse homem era Bernard

Baruch.

Baruch foi um mago da arte especulativa, sua lendária insistência em evitar

sociedades nos seus negócios deram-lhe a alcunha de o lobo solitário de Wall Street.

Após conseguir milhões em ações, ele se lançou na política como conselheiro

presidencial em 1913. Em 1919, fez parte do grupo liderado por Woodrow Wilson na

conferência de Versalhes e durante a Segunda Guerra mundial serviria a Roosevelt no

War Production Board, orgão que coordenava o esforço produtivo militar americano em

conjunto com o Escritório de Administração de Produção.

Em 1937, Baruch sugeriu que se vendesse qualquer coisa aos beligerantes menos

armas letais. Esse venda de suprimentos de guerra deveria ser feita mediante pagamento

à vista em dólares. Foi o que ficou conhecido como sistema de Pague e Leve.

Baruch’s scheme offered the allure of peace without sacrificing prosperity.

FDR favored cash and carry recognizing that it could help Britain and France

in the event of war. (Herring, George C. (2008):pg. 509)

A possibilidade da guerra era apenas uma questão de tempo e o momento

parecia estar cada vez mais próximo. Com a assinatura do tratado de Munique em 1938,

duas coisas pareciam estar claras. França e Inglaterra queriam evitar a guerra a qualquer

preço, mesmo que isso significasse trair a Tchecoslováquia e desmembrá-la. O tratado

atestava também um fator intangível no pensamento dos futuros aliados: o medo da

força aérea alemã que tanta destruição trouxe à Espanha durante sua guerra civil. Os

líderes europeus já desconfiavam que a população civil estaria sob a mira de

bombardeios constantes. Chamberlain sabia que Londres não estaria a salvo e que o

surgimento do poder aéreo tornava o Canal da Mancha uma proteção obsoleta.

Essa realidade beligerante não escapava a Roosevelt tão pouco. Depois de

Monique ficava patente que se Hitler não se conformasse com o status quo acordado, a

guerra estaria sob a Europa. Esse era um evento que dificilmente os EUA conseguiriam

evitar. Assim, a ideia de Baruch, que já vinha sendo implementada, precisava ser

expandida para contemplar a venda de armas, iniciando um lento processo de

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desvinculação das leis de Neutralidade. Parecia que rearmar França e Inglaterra passava

a ser um meio para evitar que os EUA se envolvessem diretamente no conflito.

A venda de armas aos beligerantes, no entanto, só viria após 1939 e mediante

forte empenho do próprio presidente que submeteu ao Congresso projeto de lei, testando

sua capacidade política mediante temas de política externa. Sua justificativa principal

para a aprovação era, no entanto, de política interna, uma vez que ele acreditava que a

compra de materiais de guerra estimularia o rearmamento e promoveria a recuperação

econômica7. É interessante observar como foi difícil para Roosevelt estabelecer uma

política clara e constante no que se refere à produção bélica, uma enorme diferença para

o que ocorreria no futuro.

Em guerras de grande escopo, há sempre momentos em que o pêndulo da vitória

parece inclinar para um dos lados, são eventos marcantes que denotam superioridade em

armas ou em estratégia, muitas vezes definidores de novo status quo mundial. A queda

da França em 25 de junho de 1940 parecia ser um desses momentos. Em menos de 40

dias de campanha, os exército alemão levara a França a um armistício forçado, que

transformara a poderosa linha Maginot em uma muralha oca e sem justificativa

estratégica. Mais do que isso, a derrota francesa fazia com que a Inglaterra ficasse

lutando praticamente sozinha contra a Alemanha, um verdadeiro choque para os norte-

americanos.

Era preciso transformar a posição de anti-neutralidade americana em algo mais

claro, o que exigiu de Roosevelt forte atuação. Quase que de imediato, o presidente

passou a realizar esforços para angariar a opinião pública americana para a necessidade

de atuar ao lado dos aliados. Além de ordenar ao FBI que grampeasse os telefones dos

isolacionistas mais enraizados, Roosevelt encorajava a criação do comitê Luta pela

Liberadade.

Mesmo mediante uma interpretação bastante esticada da Constituição dos EUA

sobre as competências presidenciais, Roosevelt consegue fechar acordo que envolvia a

troca de 50 destroyers americanos por bases britânicas no Oriente. Para garantir o

7 Para mais detalhes: Smith, Jean Eduard (2007)

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acordo sem maiores resistências, FDR convenceu Churchill a ceder essas bases por 99

anos, algo pelo que os almirante ingleses nunca o perdoaram8.

Porém, nada disso colocava um fim ao problema que a Inglaterra rapidamente

sinalizaria para os EUA: o sistema pague e leve era insustentável a médio prazo. Devido

ao desequilíbrio que as importações americanas geravam na balança comercial inglesa,

o Reino Unido enfrentava uma falta de dólares com o que pagar os insumos de guerra

americanos. Churchill sinalizava com a impossibilidade de continuar o esforço de

guerra sem uma reformulação nos termos de pagamento.

A solução de Roosevelt foi o Lend and Lease. Disfarçada no que se chamou de

Lei para Promover a Defesa dos Estados Unidos, havia a previsão de poderes

extraordinários para o presidente que poderia fazer uso de

Unprecedented authority to sell, transfer, exchange, lease, lend or otherwise dispose of

any war material to any nation whose defense was deemed vital to the defense of the

United States (Herring, George C. (2008):524)

A aprovação desse instrumento jogava ao léu as leis de neutralidade e as

proibições contra empréstimos a beligerantes, resolvia a falta de dólares inglesa e

colocava os EUA em uma posição de envolvimento muito mais profunda com a guerra

europeia. Sem sombra de dúvidas, os EUA passavam a ser o Arsenal da Democracia.

No entanto, essa postura de ajuda americana logo cobraria seu preço, uma vez

que agora, com o Lend and Lease, os EUA se comprometiam estrategicamente com os

objetivos de guerra ingleses, tornando-se fornecedores e avalistas do esforço de guerra

britânico. Em 1941, todas essas amarras aos Britânicos chegaram a um ponto de não

retorno e no tabuleiro mundial essas amarras logo pressionaram a região do Pacífico,

onde o Japão tentava redesenhar o mapa em proveito próprio.

O grande problema entre as visões japonesas e americanas sobre o pacífico é que

elas não se complementavam, antes disso, eram competitivas. Na visão japonesa, era

necessário dominar aquelas colônias inglesas e francesas, reservando seus recursos

minerais, principalmente o petróleo, para uso da economia nacional nipônica. Isso era

fundamental para o Japão, já que seu território era praticamente desprovido de tais

recursos.

8 Para maiores detalhes: Jankins, Lord Roy Harris (2001)

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Porém, se a Esfera de Co-prosperidade do Leste Asiático fosse implementada,

França e Inglaterra seriam alienadas da região, o que seria um terrível abalo para o

esforço de guerra britânico. Assim, os EUA interviram nos plano japoneses e iniciam a

aplicação gradual de embargo comercial a esse país no início de 1941. Em resposta o

governo japonês assina o pacto Tripartite com os Alemães e Italianos.

As relações entre os dois países só se desgastam e em setembro de 1941, todo o

comércio entre EUA e Japão cessara. Nesse momento o governo japonês tinha apenas

duas opções. Ou se abandonava a expansão no Pacífico ou se tomava uma postura rígida

e belicista para forçar uma supremacia nipônica na região. Seja como for, a decisão

deveria ser tomada rapidamente, pois só se possuía 18 meses de reservas de petróleo no

arquipélago, produto central na questão do embargo promovido por Washington.

A resposta japonesa veio em forma de ataque a Pearl Harbour, lar da frota

americana no Pacífico. O dia 7 de dezembro de 1941, nas palavras de Roosevelt, viveria

na infâmia e tornaria a entrada dos EUA no conflito inevitável. A partir de então os

EUA não eram mais apenas o arsenal da democracia, eram parte integrante da guerra.

Pearl Harbour não foi o evento que iniciou o rearmamento americano, já que

este vinha sendo arquitetado desde o final 1939. Contudo, o ataque acabou com os

últimos entraves para uma mobilização total para a guerra. A produção industrial

voltada para as armas e outros recursos militares retiraram os EUA da estagnação

econômica e em menos de dois anos levaram o país praticamente ao pleno emprego.

No entanto, Pearl Harbour anunciava uma mudança talvez mais profunda nos

EUA. A entrada do país na guerra elevaria até 1945 o número de americanos em

uniforme de 1,5 milhão para mais de 12 milhões, o que representava uma superestrutura

militar nunca antes vista em uma democracia moderna9. Com esse enorme alargamento

das Forças Armadas era previsível que os militares tivessem mais influência no desenho

tanto da política externa quanto da política interna norte-americana e esse aumento de

poder foi fundamental para a construção do Complexo Industrial-Militar dos EUA.

Durante a Segunda Guerra Mundial, quando do rearmamento implementado

pelos militares americanos para atuar no conflito, houve em paralelo um aumento da

institucionalização das Forças Armadas, as quais desde então passaram a possuir

9 Para mais detalhes: Herring, George C. (2008)

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crescente influência no estabelecimento das diretrizes da política externa americana

bem como no delineamento dos orçamentos anuais no Congresso.

Todas as instituições possuem suas simbologias próprias, e com as Forças

Armadas americanas não poderia ser diferente. Entretanto, o que se destaca aqui foi a

dimensão épica que essa institucionalização tomou. Em destaque na paisagem, em

Arlington, às margens do Potomac, foi construído o maior centro administrativo militar

jamais visto. Esse centro era de tal forma emblemático que, na falta de um nome

adequado para si, ficou conhecido apenas pela sua forma singular: O Pentágono.

1.2 – A casa da Guerra.

Em meio ao episódio da queda da França, no terceiro maior porto do país, entre

os dia 27 de maio e 4 de Junho, foi colocada em prática a operação dínamo na cidade de

Dunquerque, a maior operação de recuo militar efetuada até então. Durante esses

poucos dias mais de 330.000 homens foram retirados da costa francesa, sob o percalço

dos alemães que avançavam rapidamente10.

Esse episódio não foi apenas outra decepção nacional para os franceses ou uma

demonstração da incapacidade dos ingleses em confrontar Hitler, foi o evento que levou

o coronel Brehon Burke Somervell a sair da reserva e voltar ao serviço ativo do

Exército americano.

Somervell foi herói durante a Primeira Guerra Mundial, ganhando a cruz e a

medalha por distinção em serviço, algo só igualado por nove militares americanos.

Antes disso perseguiu Pancho Villa pelo Norte mexicano a mando de Woodrow Wilson

e se destacara no corpo de engenheiros do exército americano.

Após a guerra, já no posto de Major, ele pede baixa e vai para a iniciativa

privada, onde seus contatos políticos o colocaram em destaque. Durante a depressão, ele

ganhara certa notoriedade no círculo democrata por conseguir organizar de forma

satisfatória o work-relief system da cidade de Nova York, uma importante vitrine do

New Deal de Roosevelt11.

10

Para maiores detalhes: Dildy, C. Douglas (2010) 11

Para maiores detalhes: Ohl, John Kennedy (1994)

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Suas qualidades administrativas e sua enorme capacidade técnica logo o levaram

a assumir maiores responsabilidades. Em 1935, ele comandava a construção do

importante aeroporto de La Guardia em Nova York, terminando o projeto em menos de

2 anos, algo sem igual para a tecnologia da época.

Somervell com essa façanha entrava no campo de visão de George Marshall, que

estava presente no dia da inauguração do aeroporto. Assim, quando a preparação no

incremento das tropas americanas começou seu nome já estava cogitado para a

condução dos preparativos.

Não foi sem dificuldades, entretanto, que Somervell conseguiria o posto

desejado. O prefeito La Guardia hesitou muito antes de liberar seu construtor preferido

para o Exército americano. Porém, as necessidades da guerra estavam pressionando o

Comando Maior por resultados rápidos, pois a imprensa criticava ferozmente a lentidão

na preparação americana para a guerra.

Em 1939, o principal desafio para o corpo de engenheiros do exército era a

construção de bases e acampamentos para receber mais de um milhão de recrutas até o

final do ano. Charles Hartman, chefe da divisão de construção a época não conseguia

cumprir os prazos e sua troca por Somervell era um movimento importante por parte do

Secretário da Guerra Stimson, pois Roosevelt ameaçava retirar todo o projeto das mãos

dos militares e entregá-lo a empreiteiros civis.

Agora com o posto de Coronel, Somervell estava onde queria e conseguiu tocar

o projeto de forma satisfatória, não sem antes fazer alguns inimigos.

Os gastos para a construção das novas bases e acampamentos estavam muito mal

dimensionados e o novo encarregado deveria ser franco com os congressistas e pedir

por mais recursos para terminar o projeto, o que ele fazia regularmente. Somervell

acreditava que as demandas da guerra davam ao Exército e a ele um verdadeiro cheque

em branco.

“Congress has given us practically a blank check on this construction” (Vogel, Steve

(2007): localização 595)

O coronel não era um homem preocupado com os custos de um projeto, seu

compromisso era terminá-lo, sabendo utilizar muito bem o momento político para

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conseguir os recursos desejados. Essa postura, no entanto, alarmou um Senador do

Missouri que estava começando sua carreira questionando o enorme gasto militar que os

EUA estavam realizando na preparação de uma guerra que ainda não era a deles.

Henry S. Truman (1945-1953) estava sempre atrás de motivos para criticar os

gastos de Somervell. O Comitê sobre gastos militares era a instrumentação política por

meio da qual Truman iniciou sua carreira até a nomeação na chapa democrata para vice-

presidente em 1944.

The committee’s report that summer charged that the army camp construction

program had wasted several hundred million dollars, and Truman told the Senate he

has utterly astounded at evidence of negligence and inefficiency on the part of the

War Department. (Vogel, Steve (2007):localização 614)

Entretanto, nada disso abalou o prestígio do Coronel na Casa Branca ou no

Departamento de Guerra. Os resultados positivos de Somervell só o levaram ao maior

projeto de construção civil que o mundo havia visto até então, colocando-o em uma

posição intocável.

Tal projeto mudaria a autopercepção das Forças Armadas dentro do Estado

americano, bem como levaria a burocracia militar americana a outro patamar. Somervell

conduziria a construção de um novo quartel general para o Departamento de Guerra que

em 1939 se encontrava em uma situação pouco vantajosa para entrar em um conflito de

escopo mundial.

Espalhado por mais de 17 prédios em Washington, o Departamento de Guerra

tinha suas acomodações centrais em um edifício temporário no Washington Mall, uma

situação que demandava mudança, pois essa falta de unidade espacial estava

atrapalhando a preparação americana para a guerra. Marshall insistia que seus principais

comandantes deveriam estar próximos para que pudessem comparecer facilmente a

reuniões necessárias para o alargamento em curso das Forças Armadas.

A ideia de Marshall era concentrar em uma série de edifícios provisórios o

Departamento de Guerra. Porém, Somervell já tinha planos para algo muito maior e a

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chance para isso veio do próprio Congresso Americano. Em 17 de julho de 1941, em

uma reunião do subcomitê de apropriação, um senador democrata, Clifton Woodrum,

perguntava ao representante do Departamento de Guerra por que não construir um

edifício mais permanente, resolvendo o problema do espaço para seu crescente número

de funcionários de uma só vez.

Somervell viu a janela de oportunidade e a explorou. Reunindo seus prepostos,

ele iniciou o projeto imediatamente e poucos dias depois, na segunda feira dia 21 ele já

possuía o esboço e a forma pentagonal do mesmo, que foi rapidamente aprovado pela

cadeia de comando e pelo Secretário de Guerra Stimson. Em 24 de julho de 1941,

Roosevelt dá seu aval. Em uma semana as linhas mestras do maior projeto de

construção civil até então concebido haviam sido estabelecidas.

A lei que aprovava os recursos para a construção do novo prédio era mesma lei

que liberava 8 bilhões de dólares para o rearmamento dos EUA. Ela seria aprovada,

mesmo com críticas ao novo quartel general por parte de Cordell Hull, Secretário de

Estado.12

Mesmo antes de a lei ser aprovada pelo congresso, Somervell já havia escolhido

um empreiteiro, sem grandes preocupações com licitações transparentes e abertas. John

Macshain era o construtor preferido de Roosevelt e já era conhecido por ter liderado o

projeto do Jefferson Memorial e o da primeira biblioteca presidencial, a Roosevelt

Library.

Em um projeto como o do futuro pentágono, o processo de escolha dos

empreiteiros cedeu aos interesses políticos. Nesse sentido, a escolha de firmas oriundas

da Virgínia, local do novo prédio, seria defendida por Clifton, que preteriu duas grandes

firmas de NovaYork (Fuller e Turner). Em uma época em que o desemprego ainda era

um problema para muitos, ter seu Estado beneficiado com a construção de tamanho

projeto era uma tentação grande demais, a qual o senador democrata da Virgínia não

resistiu.

O projeto teria como empreiteiro principal John Macshain e como empreiteiros

adjuntos duas firmas menores do Estado da Virgínia.

12

Para maires detalhes: Vogel, Steve (2007)

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Porém, o problema ainda não estava perto de uma resolução. Somervell sempre

privilegiando a rapidez não havia consultado nenhuma das comissões arquitetônicas

responsáveis pela manutenção da paisagem de Washington, o que logo gerou atritos

com Frederic A. Delano, chefe da comissão de Planejamento e Parques da capital e tio

do presidente.

Delano entendia que uma monstruosidade proposta por Somervell iria

descaracterizar o plano arquitetônico da cidade e foi pessoalmente pedir a seu sobrinho

que reconsiderasse sua decisão, reduzindo pela metade o escopo do projeto.

O presidente estava em uma situação pouco confortável, pois sabia que a

mudança no plano da cidade poderia ter consequências ruins, como foi a sua, duas

décadas antes, na construção do hospital para veteranos da Marinha, o qual era

considerado por ele próprio um crime contra a cidade. A torre do hospital

descaracterizava toda a paisagem de edifícios baixos da capital.

No entanto, tais preocupações eram menores tendo em vista que em poucos dias

Roosevelt sairia secretamente para a Terra Nova a fim de se encontrar com Churchill e

assinar a Carta do Atlântico. Antes de partir para o encontro histórico, o presidente

declarou sua vontade em reduzir o tamanho do prédio, mas o assunto não ficara de todo

decidido.

No dia seguinte à partida do Roosevelt, Somervell, considerando que as palavras

do presidente ainda não eram finais, iniciava os testes no terreno previamente escolhido

tendo como base seu projeto original. O impasse estava armado e seria levado a votação

no Congresso.

Na manhã da sessão do dia 14/08/1941, a casa legislativa iniciava seus trabalhos

com o anúncio de que o presidente havia assinado a Carta do Atlântico. A impressão

estava feita entre os congressistas: EUA e Inglaterra estavam juntos contra o nazismo e

a guerra estava se aproximado de Washington.

O debate foi acalorado havendo argumentos plausíveis de ambos os lados. O

senador Vandenberg, contra um quartel general de enormes proporções indagava:

Unless the war is to be permanent, why must we have permanent

accommodations for war facilities of such size? (Vogel, Steve (2007):

localização 1616)

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A votação foi vitoriosa para Somervell e a resolução da Casa 5412, sem

modificações, fora aprovada. A maioria dos senadores concordou que o Departamento

de Guerra estava perigosamente espalhado pela capital e a necessidade de maior

unidade para a eventualidade de uma guerra que se mostrava cada vez mais próxima era

desejável.

Tudo parecia estar a favor de Somervell, porém Roosevelt, ao voltar de seu

encontro com Churchill, estava irritado pelo fato de sua vontade em reduzir o prédio

não ter sido observada. O presidente até pensou em não sancionar a lei que autorizava

os 8 bilhões para o rearmamento americano, entretanto sabia que isso atrasaria demais a

preparação americana, o que teria um impacto político muito negativo. As comissões

arquitetônicas que desde o início não aprovavam o projeto continuavam a pressionar por

mudanças.

Nesse sentido Roosevelt resolveu pedir que ambas as partes interessadas se

reunissem com ele no local onde seria erguido o novo prédio, a fim de resolverem a

questão definitivamente. Ao final da reunião Roosevelt fazia modificações significativas

ao projeto, como a mudança do local para um terreno adjacente chamado Hell’s Botton,

de mais difícil manuseio, e a redução do seu tamanho pela metade.

Somervell não pôde se conter com a decisão e insistentemente pediu a Roosevelt

que reconsiderasse, a ponto de o presidente ter-se irritado com ele e respondido:

Of course you understand that I am commander-in-chief of the Army and

Navy” (Vogel, Steve (2007): localização 1880)

Diante da resposta, Somervell se calara, porém a situação não era irremediável e

a solução viria por uma questão técnica de redação legislativa. Quanto ao local não

havia maneiras de mudar a vontade do presidente. Somervell preferia o local original de

Arlington Farm, delineado no projeto, mas teria que aceitar Hell’s Botton, uma área

próxima, porém com muitas indústrias pesadas e com um solo de mais difícil trato para

a construção planejada.

Quanto ao tamanho do prédio, este seria oficialmente, no início do projeto, a

metade do que Somervell desejava. Entretanto, havia uma considerável flexibilidade na

redação da ordem de construção, o que Somervell sabia explorar. Em 11 de setembro de

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1941, dia em que as obras de fato começaram, o general comandava um orçamento de

33,3 milhões de dólares, pouco menos do que os 35 sugeridos nos planos originais.

Ficava patente que Somervell não reduzira seu prédio de maneira significativa

conforme Roosevelt aparentemente desejava, porém nada disso importava, uma vez que

o general trataria tudo em segredo. Em carta a seu oficial de relações públicas, ele dizia

In view of the discussion concerning the War Department building, it is considered desirable to limit publicity on our actions to the minimum, and in no event should information as to the amount of the contract be given to the press.

This information will be seized on by the press as indicative of the amount of work that we are going to do, and will probably start further unfavorable publicity, which we wish to avoid. (Vogel, Steve (2007):localização 2240)

A construção começara sem os desenhos das plantas de engenharia e sem uma

estimativa adequada do custo. Somervell sabia que precisaria de muito mais recursos

para construir o prédio, mas se recusou a informar isso a seus superiores, fato observado

pelo seu oficial imediato, o famoso general Lesly Groves. O mais importante: tudo

deveria ser completado em 14 meses. Sem dúvida um desafio.

No dia 7 de dezembro de 1941 a construção estava atrasada, porém Pearl

Harbour mudaria isso muito rapidamente. A decisão de expandir o prédio foi imediata e

unânime. Perante o ataque japonês, a América de fato entrava na guerra e o novo quartel

general se tornava uma necessidade. Agora somente o tempo importava e se pedia dos

construtores a missão aparentemente impossível de preparar, até o dia 1 de abril, 30%

do edifício já para ocupação imediata. Era novamente a ideia de cheque em branco que

Somervell prolatava em 1940 no início do programa de rearmamento americano.

The national outcry that accompanied the Japanese attack provided an

excellent opportunity to build an even larger headquarters without

bothersome consultations with the planning and fine arts commissions, or

even the Congress. (Vogel, Steve (2007): location 3060)

A idas e vindas de um empreitada como essa, envolvida em uma escassez de

tempo estratégica são muitas. Entretanto, não foram as mortes de trabalhadores

ocasionadas pela falta quase total de segurança laboral, não foram as questões raciais

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presente nos canteiros de obras de uma América ainda marcada por um regime

diferencial entre negros e brancos, não foram os escândalos que atingiram o arquiteto

chefe do projeto George Edwin Bergstrom, que impediram que o Pentágono de tornasse

uma realidade em 15 de Janeiro de 1943, quando foi inaugurado13.

A visão de Somervell de um departamento de guerra centralizado, dono de uma

identidade própria e com suporte da opinião pública era uma realidade. Eregia-se o

primeiro vértice do Complexo industrial-Militar Norte-Americano, aquilo que James

Carroll chamaria de “A Casa da Guerra”.

1.3 – O Congresso Americano e seu papel no rearmamento para a guerra

O Congresso americano sempre apresentou suas clivagens, e no prelúdio da

Segunda Guerra Mundial não era diferente. De um lado os isolacionistas que temiam as

consequências de um envolvimento mais profundo por parte dos EUA nos assuntos

europeus. De outro, um crescente número de congressistas que começavam a enxergar

que as ações de Hitler mais cedo ou mais tarde produziriam reflexos no Atlântico.

No meio desse impasse, havia as leis de Neutralidade, aprovadas em 1936, que

reduziam enormemente a possibilidade de um envolvimento americano em guerras

europeias. O desenlace desse processo havia sido gradualmente trabalhado por

Roosevelt que até 1938 ainda tinha em mente a política interna e o New Deal como

carros chefes de suas alianças.

Em meio ao episódio da queda da França em 1940, ficava a certeza de que a

Grã-Bretanha estava sozinha na condução da Guerra contra os alemães. A batalha da

Inglaterra e suas famosas disputas aéreas entre Luftwaffe e Real Força Aérea entravam

para os anais da história militar.

Nos EUA, a pressão por ajuda aos ingleses crescia não apenas por parte de

Churchill, mas por parte de alguns setores americanos que mais e mais percebiam que

se os EUA não ajudassem a antiga metrópole, logo estariam sozinhos contra o nazi-

facismo.

13

Quando a construção foi concluída, o prédio tinha 7,5 milhões de pés quadrados de área. Portanto, o

edifício ficou ainda maior do que qualquer um de seus projetos iniciais. Vogel, Steve (2007).

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O impasse no Congresso, no entanto, continuava até que em 29 de Dezembro de

1940, Roosevelt prolatava seu discurso “The Great Arsenal of Democracy”, em cadeia

nacional de rádio. Era um discurso contundente, de cunho realista dirigido não apenas

para os americanos em geral, mas também para os congressistas. Foi um movimento no

tabuleiro interno americano que teria consequências amplas no cenário mundial, uma

vez que forçaria o Congresso a delimitar uma posição clara sobre como tratar a Guerra e

mais especificamente como lidar com a Inglaterra.

Como ele mesmo colocava, este discurso não era mais uma conversa ao pé da

lareira, mas uma conversa sobre a segurança nacional. Seu ponto principal estava na

ideia de que os EUA bem como todo o hemisfério americano viviam em paz com a

Europa e Ásia devido, em grande parte, a boa relação de vizinhança entre os EUA e a

Inglaterra no Atlântico norte. Nesse sentido, se a Inglaterra fosse derrotada, as chances

de que os países do eixo voltassem seus enormes recursos militares e econômicos contra

os americanos eram grande.

If Great Britain goes down, the Axis powers will control the Continents of Europe,

Asia, Africa, Austral-Asia, and the high seas. And they will be in a position to bring

enormous military and naval resources against this hemisphere. It is no exaggeration to

say that all of us in all the Americas would be living at the point of a gun -- a gun

loaded with explosive bullets, economic as well as military. We should enter upon a

new and terrible era in which the whole world, our hemisphere included, would be run

by threats of brute force. And to survive in such a world, we would have to convert

ourselves permanently into a militaristic power on the basis of war economy.

Some of us like to believe that even if Britain falls, we are still safe, because of the

broad expanse of the Atlantic and of the Pacific. But the width of those oceans is not

what it was in the days of clipper ships. At one point between Africa and Brazil the

distance is less than it is from Washington to Denver, Colorado, five hours for the latest

type of bomber. And at the north end of the Pacific Ocean, America and Asia almost

touch each other. Why, even today we have planes that could fly from the British Isles

to New England and back again without refueling. And remember that the range of the

modern bomber is ever being increased

(http://www.americanrhetoric.com/speeches/fdrarsenalofdemocracy.html)

Roosevelt concebia a relação com o eixo como sendo de soma zero, no qual não

haveria espaço para negociação ou remota cooperação. Nesse cenário, era importante ir

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35

em socorro da Inglaterra, pois os EUA estariam mais seguros se a Inglaterra estivesse

mais segura.

O discurso sobre os EUA se tornarem o arsenal da democracia abriu espaço para

que o Lend and Lease fosse aprovado poucos dias depois. Esse mecanismo era

desenhado para evitar que a Inglaterra quebrasse, pois mais do que munição, tanques e

aviões, os ingleses precisavam mesmo eram de dólares para pagar por esses recursos

que estavam sendo vendidos no sistema de pague e leve14.

O senador Vandenberg e outros convictos isolacionistas logo estariam

criticando o projeto, mas já era muito tarde, a opinião pública já tinha sido convencida

pela eloquência e pela franqueza com que o presidente lhes havia dirigido a palavra. O

Lend and Lease, simplificado nas palavras do presidente, seria um empréstimo em que

no final não se iria querer o dinheiro mais juros de volta, mas apenas o equipamento

militar que foi emprestado em bom estado de uso. Isso foi exposto em uma alusão em

que o próprio presidente delineava uma relação entre vizinhos.

Suppose my neighbor's home catches fire, and I have a length of garden hose four or

five hundred feet away. If he can take my garden hose and connect it up with his

hydrant, I may help him to put out his fire. Now, what do I do? I don't say to him before

that operation, "Neighbor, my garden hose cost me $15; you have to pay me $15 for it."

What is the transaction that goes on? I don't want $15--I want my garden hose back

after the fire is over. All right. If it goes through the fire all right, intact, without any

damage to it, he gives it back to me and thanks me very much for the use of it. But

suppose it gets smashed up--holes in it--during the fire; we don't have to have too much

formality about it, but I say to him, "I was glad to lend you that hose; I see I can't use it

any more, it's all smashed up." He says, "How many feet of it were there?" I tell him,

"There were 150 feet of it." He says, "All right, I will replace it." Now, if I get a nice

garden hose back, I am in pretty good shape. (Edward Smith, Jean (2007): 485)

Após a América ser alçada ao patamar de arsenal da democracia as forças

isolacionistas foram gradualmente se dissipando, pois agora a questão já não era mais se

os EUA iriam ou não entrar na guerra, mas quando. Nessa atmosfera tensa delineada por

uma necessidade de prontidão para o possível conflito, as discussões no Congresso

americano se voltavam agora para a questão do financiamento desse rearmamento sem

precedentes no país.

14

Para maiores detalhes: Smith, Jean Edward (2007).

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36

Logo, bilhões de dólares seriam gastos em produção de armamentos, construção

de logística para soldados, novo quartel general para as forças armadas e o envio de

toneladas de material bélico para os aliados. Nessa euforia de novos recursos que

criavam enorme demanda por mão de obra e matérias-primas, o congresso americano

aprovava com facilidade cada vez mais verbas para o esforço de guerra. Esse fluxo de

novos recursos na economia teve como consequência sua dinamização. Nesse contexto

de retomada do crescimento econômico, não demorou muito para políticos e

empresários tentarem capitalizar sobre o novo cenário.

A promessa de empregos e investimentos era tamanha que a maioria dos

congressistas fazia vistas grossas para os desperdícios ou a falha no cumprimento de

contratos por parte de empresas. Havia, porém, um senador do Missouri, ainda sem

grande projeção nacional que pensava diferente. Para ele, era necessário uma

investigação minuciosa em favor das boas práticas nos negócios entre o governo e as

instituições privadas, a fim de otimizar o esforço de guerra americano. Era assim que

Henry Truman saía da obscurecência e entrava na grande política.

Truman não era exatamente material para o Senado americano. Sem uma

educação universitária e com certa dificuldade em sua ortografia, Henry Truman

chegava ao congresso americano após anos servindo como juiz distrital em Kansas City.

Sem recursos para realizar sua campanha, ele dependeu enormemente de T. J.

Pendergast, um homem de negócios que fez sua fortuna com a venda ilegal de wisky

durante a lei seca e a exploração desautorizada do jogo e das corridas de cavalos no

Missouri durante os anos 20 e 30 do século XX.15

Truman sabia de sua dívida para com Pendergast

No one seemed to think that Truman himself had a thing to do with his victory, and he

himself was quoted saying only how much he appreciated all that his friends had done

for him. (McCullough, David (1992): localização 3898)

Apesar de contar com a simpatia de alguns de seus colegas, a maioria dos

senadores o considerava sendo o Senador de Pendergast. O próprio Roosevelt quando o

conheceu lhe concedeu apenas pouco tempo e atenção. O estigma de Kansas City e as

amizades que o levaram ao capitólio pesavam sobre seus ombros. 15

Para maiores detalhes McCullough, David (1992).

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37

Durante boa parte de seu primeiro mandato ele foi um senador apagado, sem

grandes momentos, que tinha medo de subir na tribuna e discursar perante seus iguais.

Seus temas de defesa estavam principalmente na política estadual do Missouri. Porém,

já ao final de seu primeiro mandato, em 1938, Truman começara a se posicionar mais

claramente em relação a temas de política nacional.

Adotando uma posição pouco conservadora no que tange aos direitos civis para

um senador do Missouri, ele defendia a igualdade legal entre negros e brancos. No

entanto, talvez o ponto que mais saltava aos olhos era sua insistência, bastante “avant la

lettre” para o Senado de então, na necessidade de uma preparação militar consciente e

rápida para os Estados Unidos, uma vez que o cenário político europeu se deteriorava

rapidamente.

“We must not close our eyes to the possibility of another war”, he worned an American

Legion meeting at Larchmont, New York, in 1938, “because conditions in Europe have

developed to a point likely to cause an explosion any time”. He called for the

establishment of an air force “second to none”. No one could be more mistaken than the

isolationists, he said. (McCullough, David (1992): localização 4333).

Seu mandato acabaria em 1939 e o Senador Truman queria um segundo. Porém

a máquina partidária que o colocou em Washington em 1934, não estava bem amparada

em 1939. Pendergast sofria com problemas de saúde e seus inimigos o perseguiam por

evasão fiscal, crime pelo qual ele acabou sendo condenado e preso. A situação estava a

favor de Lloyd C. Stark, governador do Estado e também um democrata elegível para o

senado.

Nesse sentido, a vitória de Truman em 39 foi algo que poucos entenderam ou

esperavam, mas que mais tarde ficaria claro. Pendergast estava doente e preso, mas

ainda conseguia movimentar colaboradores e recursos como ninguém.

O senador Truman em campanha para seu segundo mandato era alguém que

estava preocupado com a preparação do país para a guerra e essa postura só foi

exacerbada em 1940, quando já reeleito fazia parte de dois importantes comitês no

Senado: o Comitê de Assuntos Militares e o Subcomitê militar para apropriações. A

guerra se tornava a principal preocupação do Senador e suas posições eram bem claras.

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“American Neutrality Act was obsolete in the face of such reality” he

said. The arms embargo must be lifted. “I am of the opinion that we

should not help the thugs among nations by refusing to sell arms to our

friends”. ( McCullough, David (1992): localização 4495)

Truman era a favor do rearmamento, assim, quando Roosevelt fez seu discurso

sobre o arsenal da democracia e lançou ao senado o Lend and Lease, o senador o aprova

imediatamente, bem como suas sucessivas ampliações durante a guerra. Porém sua

posição, ao contrário da do General Somervell, era de que o rearmamento não deveria

ser um cheque em branco e que desperdícios e tramoias não deveriam ser toleradas, pois

reduziam a eficiência do esforço de guerra americano.

Preocupado com essa situação bem como com o fato de seu Estado não estar

sendo contemplado tanto quanto os Estados do Leste no que tange aos contratos de

defesa, Truman parte para uma investigação própria na qual ele percorre 16.000

kilômetros de carro boa parte do país. Em seu trajeto estavam inúmeras bases e

empreendimentos que deveriam ser construídos ou remodelados para receber o

crescente número de soldados.

Sua curiosidade o levou a conclusão de que o desperdício era generalizado,

porém ninguém parecia estar preocupado. A preparação para uma possível guerra e a

superação da crise econômica, tudo em um só movimento, estava turvando, segundo o

Senador Truman, o bom julgamento empresarial e político. Mais especificamente,

Truman descobre que a maioria dos contratos estava sendo dados a grandes empresas, o

que um defensor fervorosos do New Deal como ele o era, não poderia acreditar ser

melhor para a geração de empregos.

There seems to be a policy in the National Defense set-up to concentrate all contracts

and nearly all the manufacturing that has to do with the National Defense in a very

small area. This area is entirely outside the location the Army survey, itself, has shown

to be safe. The little manufacturer, the little machine shop has been left entirely out in

the cold. The policy seems to be to make the big man bigger and the little man

completely out of business (discurso de 10 de fevereiro de 1941)

(http://www.trumanlibrary.org/whistlestop/study_collections/interwaryears/index.php)

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Nesse espírito, Truman sobe à tribuna do Senado em 10 de fevereiro de 1941 e

faz um discurso jogando luz ao problema. Nesse discurso ele defendia uma reavaliação

na forma como os contratos eram elaborados, a rejeição na excessiva predileção por

grandes empresas do Leste nos contratos de defesa e uma cuidadosa investigação sobre

como os recursos liberados estavam sendo gastos, pois havia não só enorme desperdício

bem como a suspeita de ampla corrupção na concessão e na execução desses contratos.

I don’t believe that any contracts should be let on the basis of friendship

or affiliation. We are facing national emergency....

... I think this Senate ought to create a special committee with authority

to examine every contract that has been let, with authority to find out if the rumors rife

in this city have any foundation in fact. (discurso de 10 de fevereiro de 1941)

(http://www.trumanlibrary.org/whistlestop/study_collections/interwaryears/index.php)

Desde então, Truman deixaria de ser o senador de Pendergast e ganharia

projeção nacional. Com seu pedido aceito, ele mesmo passa a presidir o “Comitê

Especial do Senado para Investigar o Programa Nacional de Defesa”, que acabou sendo

conhecido popularmente como Comitê Truman.

O sucesso de Truman preocupou a Casa Branca, que temia que tal instrumento

parlamentar atrasasse o cronograma de preparação americano. Isso também passava

pela mente de Stimson e seus generais no Departamento de Guerra. Porém, eram melhor

que uma auditoria nos contratos de defesa fosse feita por um democrata próximo como

Truman do que fosse conduzida por alguém abertamente contrário a política em marcha.

Assim, Roosevelt deu seu consentimento.

Truman balizara o comitê de tal forma que não houvesse caça as bruxas. Seu

staff era proibido de ir aos jornais para dar entrevistas e o presidente Roosevelt seria

informado antecipadamente de qualquer relatório produzido pelo comitê. O principal

para o senador era encontrar fatos que pudessem ser analisados.

Logo os fatos começaram a aparecer. Problemas como crescentes custos que

muitas vezes chegavam a 10 vezes o orçamento original não eram raros. O principal

problema envolvendo esses altos custos, de acordo com o comitê, estava na forma como

os contratos de defesa estavam estruturados. Em parte significativa desses contratos,

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eram pagos a um empreiteiro uma taxa fixa pelos seus serviços mais os custos que lhe

incorreram durante a condução do projeto. Esse modelo permitia que o contratado

inflasse seus custos e recebesse muito mais do que o inicialmente orçado.

Outro problema estava na própria estrutura em que grandes firmas estabeleciam

sua concorrência. Talvez o caso que mais tenha chocado a opinião pública foi aquele

entre a Alcoa e a I. G. Farben, ambas grandes empresas produtoras de insumos como

alumínio, magnésio, aço, etc..

An arrangement had been made though an interlocking cartel, between Alcoa and the

giant German firm of I. G. Farben. To safeguard its American market for aluminum,

Alcoa had agreed to hold back on producing magnesium, also to sell what magnesium it

owned to the Germans at a cut price, with the result that Germany had far more

magnesium that the United States (McCullough, Devid (1992): localização 4944)

Não que o simples fato de a I. G. Farben ser controlada pelo governo alemão não

fosse um contrassenso para o americano comum, mas ficava claro que o esforço de

Guerra Americano estava sendo prejudicado por uma estrutura de cartel que de acordo

com o presidente do comitê era, infelizmente, a forma como os grandes negócios eram

feitos, sem que isso representasse uma violação da lei.

No campo da aviação, havia atrasos na entrega das aeronaves, pois o Exército e

a Marinha haviam deixado para os construtores decidir quais seriam os melhores

modelos a serem construídos. Não havia um programa coordenado na produção de

aviões.

Mais sensível talvez tenha sido a conclusão sobre quem era o responsável pelos

atrasos em todos os projetos de defesa. A culpa recaía sobre o Escritório de

Administração de Produção, criado por Roosevelt. Isso sem dúvida, continuava o

relatório, era devido aos mais de 250 executivos que lá trabalhavam. Esses homens

possuíam um cargo público, mas não recebiam por isso. A justificativa era que eles

trabalhavam de graça para o governo, pois não precisavam de dinheiro, uma vez que

retinham o pagamento de suas empresas de origem. A imprensa logo os apelidou de

“one dollar a year men”. Ficava no cenário político uma dúvida sobre como se dava o

relacionamento entre o público e o privado nessa espécie de agência criada pelo

presidente da República, ao que Truman prontamente soube definir.

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“They have their own business at heart”, Truman remarked. The report called them

lobbyists “in very real sense”, because their presence inevitably meant favoritism,

“human nature being what it is.” (McCullough, David (1992): localização 4977)

Truman não pediu pelo fim do escritório, uma vez que isso feriria a imagem

do presidente, mas gostaria que este fosse reformulado para atender melhor ao projeto

americano.

O Comitê Truman foi um importante meio de coibir algumas fraudes e atrasos,

ele mostrava que no plano Federal havia uma estrutura que envolvia o Congresso, as

Forças Armadas e grandes empresas, que terminaram por se acomodar mutuamente ao

redor dos recursos voltados para a criação de uma estrutura de combate digna da

Segunda Guerra Mundial.

No entanto, apesar de ter sido capaz de coibir alguns abusos, o comitê não teve o

poder de impedir que a dinâmica entre esses atores, principalmente os interesses difusos

do Congresso, operasse de uma maneira que não refletisse o interesse público. A

Segunda Guerra mundial havia ensinado ao Congresso americano que uma guerra pode

recuperar a economia de um país, bem como colocá-lo no ápice do mundo tanto em

termos financeiros, como em termos políticos e tecnológicos.

Desde então o comitê de apropriação militar no Legislativo federal norte-

americano têm sido o comitê mais importante de todos, bem como o mais disputado no

congresso. A Segunda Guerra mundial permitiu uma nova forma de atuação aos

congressistas americanos mais ampla e com maiores consequências. Agora, a política

fiscal ligada ao expandido braço militar americano e à política externa eram

fundamentais para a ascensão de qualquer político. Isso era de tal forma verdade que em

44, um homem do Missouri descrito por vários anos como uma estrela menor do

Senado, mediante sua atuação nos assuntos da guerra chegava à presidência dos EUA.

Um novo Congresso americano surgia da segunda guerra mundial. Um

congresso que via nos gastos militares uma oportunidade de expandir seu campo de

atuação e acertar desequilíbrios internos. Esse novo congresso constitui-se no segundo

vértice do Complexo Industrial-Militar Norte-Americano.

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O complexo Industrial-Militar Norte-Americano, no entanto, a essa altura, ainda

não estava completamente estruturado. Faltava-lhe um último vértice o qual seria

formado pelas empresas voltadas para o setor de defesa e um constante e crescente

avanço tecnológico voltado para o desenvolvimento de vetores militares. Esse avanço

no conhecimento tecnológico seria cultivado em universidades privadas e laboratórios

governamentais, que lançariam algumas das bases para a liderança americana no século

XX.

Esse terceiro vértice tem seu início ainda na Segunda Guerra Mundial e seu

desenvolvimento está intimamente ligado ao gasto militar efetuado no período e no

desenvolvimento de um armamento capaz de dar ao EUA vantagem inconteste no

mundo pós-guerra: a bomba atômica. Esse ponto, entretanto, é assunto para o próximo

capítulo.

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Capítulo 2

2.1 - Uma luz que não era desse mundo

Em 6 e 9 de agosto de 1945, os EUA explodiam sobre Hiroshima e Nagasaki

duas bombas nucleares. Em menos de 5 segundos, as bombas mataram quase cem mil

japoneses em cada ataque. Isso mudava de maneira significativa a percepção do homem

sobre as consequências da guerra, pois de agora em diante o conflito poderiam significar

a aniquilação completa e permanente do inimigo.

A decisão de atacar com a bomba atômica ia muito além da necessidade de

submeter o Japão e vencer a guerra no pacífico. O Japão estava praticamente destruído.

Suas cidades de madeira eram queimadas sistematicamente pelos bombardeios diurnos

do General Le May. Um mês antes de atacar com as bombas nucleares, Tóquio não

passava de um canteiro de escombros e cinzas. A população japonesa preparava-se para

lutar homem a homem se fosse preciso, enquanto parte do alto escalão das forças

armadas japonês tentava, sem sucesso, abrir canal de comunicação com Washington a

fim de negociar um acordo de paz.

Essa relutância em negociar com os japoneses estava vinculada a dois fatores. O

primeiro era que em Teerã, Roosevelt havia se comprometido com seu eleitorado ao

afirmar que a única vitória possível seria aquela baseada na rendição incondicional dos

japoneses aos aliados. Churchill não gostou nada disso, uma vez que vinculava o

esforço de guerra britânico até as últimas consequências no campo de batalha16.

O segundo fator era que desde a vitória na Europa, EUA e URSS não se

entendiam acerca do que fazer com os territórios da Europa Oriental e, em especial, em

relação a Berlim. A desconfiança em relação aos soviéticos era tremenda em Postdam e

um cenário de maior instabilidade se formava acerca da ação conjunta para controlar o

Japão, acordada em princípio.

Na concepção do Departamento de Guerra e de Estado seria um erro entrar no

Japão com os soviéticos, uma vez que eles poderiam não respeitar os limites da

intervenção conjunta, exatamente como se pronunciava na Europa.

16

Para maiores detalhes: Carrol, James (2006).

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Assim, seria interessante evitar uma negociação de paz com os japoneses para

evitar que os russos participassem dela. Porém, o tempo estava acabando e os

preparativos para a invasão do arquipélago japonês já estava sendo arquitetada por

MacArthur, que desejava coroar sua estratégia de Island Hopping com o desembarque

de tropas no Japão.

Trumam sabia que tal estratégia poderia não evitar que os russos participassem

da luta contra os nipônicos, mesmo que o desembarque de tropas americanas ocorresse

primeiro. A proximidade do território russo na região da ilha Kurilas dava certa

vantagem ao posto avançado de Vladivostok no extremo oriente da URSS.

Os estrategistas americanos sabiam que os russos não teriam condições de

intervir no Japão. O exército vermelho era forte em terra e suas preocupações imediatas

estavam na Europa Oriental. Além disso, a marinha russa não possuía os recursos para

um desembarque de grandes proporções. Porém, ainda assim, isso não retirava a

legitimidade da URSS em criticar e futuramente tentar confrontar uma ação unilateral

americana no Japão. O que os militares americanos aparentemente precisavam era de

uma justificativa política para que o ataque japonês fosse conduzido apenas por forças

americanas, porém isso não era possível.

Em plena Conferência de Postdam, no entanto, a notícia de que o teste Trinity

havia sido um sucesso chegava a Truman no dia 18 de junho. A existência da bomba

mudava tudo. Ela, momentaneamente, retirava a necessidade de uma justificativa

política para a ação americana, pois colocava os EUA em vantagem estratégica, não só

no Pacífico, mas também na Europa.

A bomba transformaria as críticas de Stalin sobre uma possível traíção

americana em aplausos, uma vez que levaria o Japão à paz rapidamente. Além disso,

essa paz seria incondicional conforme Roosevelt havia anunciado. Ao mesmo tempo, a

utilização de vetores nucleares teria o poder de conter a Rússia no Pacífico e inibi-la de

maiores avanços na Europa. Todos esses ganhos ainda viriam coroados com a

preservação de mais de um milhão de vidas americanas necessárias, de acordo com o

comando maior americano, para conquistar o país asiático. Segundo a socióloga Ruth

Benedict, que escreveu o livro o Crisântemo e a Espada, as baixas americanas seriam

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45

altas, porque os japoneses imbuídos da lógica samurai iriam lutar até o último homem, o

que os voos suicidas dos Kamikazes pareciam confirmar17.

A questão moral da utilização da bomba não é uma preocupação desse trabalho,

mas as consequências de sua utilização para o sistema internacional o são,

especialmente, porque os EUA ao produzi-la adotou para si uma visão sobre a

importância das armas e a necessidade de constantemente desenvolvê-las muito

diferente daquela existente antes da Segunda Guerra Mundial.

Com a bomba atômica, os militares americanos passaram a adotar a doutrina do

armamento superior e a defender ferozmente os meios para produzir esses vetores, pois

a bomba havia transformado as regras da guerra, abrindo a possibilidade de inutilização

dos meios convencionais de batalha18. Nos passos que levaram à construção da nova

arma, os EUA estabeleceram um processo de produção que dependia não só da enorme

capacidade industrial americana, mas também de uma ênfase sem igual no

desenvolvimento de tecnologias verdadeiramente revolucionárias. A primeira parte os

EUA já possuíam antes da Guerra, afinal eram a maior economia do mundo, mas a

segunda concernente ao desenvolvimento tecnológico, principalmente no campo da

física e da química, os EUA tiveram de se esforçar para conseguir.

A física nuclear era um campo que nasceu de estudos teóricos e empíricos de

cientistas franceses, alemães e austríacos, principalmente. A propriedade radioativa de

determinados elementos, o desenho conceitual do átomo e a sua fissão eram todas

descobertas europeias.

A fissão nuclear, em especial, era algo revolucionário, pois essa reação

exotérmica liberava grande quantidade de energia. A ideia da fissão nuclear era um

conceito desenvolvido na Alemanha e comprovado pelos cientistas Otto Hahn e Fritz

Strassmann em 1938. Logo, não só uma nova fonte de energia, mas também um novo

tipo de arma era possível. Se a produção de uma grande quantidade de energia podia ser

originada da divisão do átomo, também se poderia estabelecer uma massa crítica para

liberar uma quantidade de energia enorme em um tempo bem curto, buscando um novo

tipo de explosão muito mais potente.

17

Para maiores detalhes: Benedict, Ruth (1946) 18

Para maiores detalhes: Friedman, George and Meredith (2009)

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46

Em 1939, essa era a preocupação dos físicos Enrico Fermi e Leó Szilárd, que

além de buscarem também a fissão do átomo, temiam um programa nazista voltado para

a produção de um artefato nuclear. Assim, Szilárd e Alexandre Sachs, um grande

banqueiro judeus e conselheiro da Casa Branca, vão até o cientista mais influente da

época, Albert Einstein, para pedir-lhe que escrevesse uma carta dirigida ao presidente

Roosevelt informando-o do possível risco para os EUA acerca de um projeto nuclear

alemão.

Einstein escreveu:

In the course of the last four months it has been made probable – through the work of

Joliot in France and as well as Fermi and Szilárd in America – that it may become

possible to set up a nuclear chain reaction in a large mass of uranium, by which vast

amounts of power and large quantities of new radium-like elements would be generated.

Now it appears almost certain that this could be achieved in the immediate future. This

new phenomenon would also lead to the construction of bombs, and it is conceivable –

though much less certain – that extremely powerful bombs of a new type may thus be

constructed. (Delgado, James (2009): localização 433)

O aviso de Einstein não surtiu o efeito imediato esperado pelos cientistas.

Roosevelt não podia alocar naquele momento muitos recursos ao projeto, mas deu a

Fermi seis mil dólares para iniciar sua pesquisa na Universidade de Columbia e

estabeleceu um pequeno comitê secreto para cuidar do problema.

A pressão para maiores ações veio dos ingleses que imediatamente

reconheceram a importância da descoberta e a ameaça que ela representava. Porém, a

Inglaterra nada podia fazer, uma vez que seus recursos eram muito escassos e estavam

focados na luta contra Hitler no continente. Os custos do desenvolvimento desse tipo de

projeto era algo que só poderia ser levado a cabo pelos EUA.

Em julho de 1940, logo após a queda da França, Roosevelt cria o National

Defence Reaserch Council, sob o comando de Vannevar Bush. Este comitê estava

focado na questão atômica. Com um orçamento ainda pequeno de quarenta mil dólares,

o Conselho começou a construir em Columbia, sob os cuidados de Fermi, uma pilha

sub-crítica de urânio e grafite. Outro grupo no Carnigie Institution for Science voltou-se

para a pesquisa com o U-235, com o objetivo de estabelecer a probabilidade de uma

reação nuclear.

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47

Inicialmente, os frutos das pesquisas eram divididos entre Estados Unidos e

Inglaterra sem grandes problemas. Isso começou a mudar em 1942, quando os EUA

decidem de fato financiar pesadamente o projeto nuclear, com a montagem de um novo

laboratório na Universidade de Chicago, o Metallurgical Laboratory, o qual seria

utilizado para abrigar os reatores nucleares que gerariam a reação em cadeia.

Esse mesmo objetivo estava sendo trabalhado na universidade de Berkeley, na

Califórnia, por um grupo de cientistas sob o comando de J. Robert Oppenheimer, que no

verão de 1942 trabalhou arduamente para estabelecer o desenho básico da bomba

nuclear.

Esses diversos grupos em faculdades diferentes até o final de 1942 ainda não

haviam sido unificados sob um único projeto, algo fundamental para um andamento

rápido e eficiente de tamanha empreitada. Assim, para dirigir todas essas mentes

pensantes e dar agilidade ao desenvolvimento de um vetor nuclear, o Presidente

Roosevelt aprova secretamente o projeto Manhattan e o coloca sob os cuidados do

Corpo de Engenheiros do Exército (USACE).

Para comandar esse projeto, a USACE e o departamento de Guerra escolhem um

homem que ajudou a estabelecer o primeiro vértice do complexo industrial-militar

americano. Conhecido por sua rudez, mas eficiência, o coronel Leslie R. Groves fora o

braço direito de Somervell na construção do Pentágono. Somervell nunca fora de

elogios, porém a Groves ele reconhecia sua importância no projeto às margens do

Potomac19.

Foi essa distinção que o fez se destacar aos olhos do Departamento de Guerra, e

Stimson aprovou seu nome e uma promoção à patente de general para que Groves

conduzisse a construção da bomba atômica. Ironicamente, Groves acreditava que seu

papel no exército estava chegando ao fim. Apesar de desejar um posto no teatro de

guerra europeu, Groves havia prometido a sua família que escolheria um posto tranquilo

sem grandes responsabilidades. Ao final de 1942, porém, quando estava pleiteando uma

vaga no interior americano, o subsecretário de defesa informava-lhe, sem grandes

detalhes, que, caso tivesse sucesso em seu próximo posto, os Estados Unidos venceriam

a guerra.

19

Para maiores detalhes: Carrol, James (2006)

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48

Quando Groves assume integralmente o projeto nuclear, os cientistas já haviam

estabelecido a massa exata para iniciar a reação atômica, a qual ficou conhecida como

CP-1. Após a determinação da massa crítica, o projeto entrava em uma nova fase, a qual

teria como centro as instalações super-secretas no Deserto do Novo México, as quais

abrigariam cientistas, laboratórios e locais de teste para a construção final da bomba20.

O principal problema agora passava a ser o estabelecimento do método da

detonação e o método para processar urânio enriquecido em grande quantidade. Para

resolver a questão de como iniciar uma explosão nuclear, foi introduzido ao projeto o

capitão Willian S. Parsons, que trabalhava no centro de ordenança da Marinha norte-

americana. Ele determinou dois métodos de acionamento do dispositivo: o método de

tiro direto, que consistia em atirar a uma enorme velocidade um projétil de urânio em

um núcleo maior também feito do mesmo material e o método de implosão, que se

resumia a colocar explosivos convencionais de alta potência ao redor do núcleo de

urânio e tentar esmagá-lo, implodindo-o e iniciando, assim, a reação em cadeia.

Logo ficou estabelecido que para o urânio - 235 o melhor método a ser aplicado

era o primeiro. Porém, ainda restava outro desafio. Como produzir urânio enriquecido

em nível industrial para a fabricação de várias bombas? A resposta estaria no método de

centrifugação gasosa que ainda estava em desenvolvimento. O problema central era que

não se sabia como impedir a corrosão das centrífugas ao se produzir o urânio

enriquecido.

A solução para impedir a corrosão seria encontrada ao final de 1944. Porém ela

não viria dos cientistas ou dos militares, mas de uma grande empresa privada: a Crysler

Corporation. Já era sabido que o nickel impedia a corrosão, mas não se sabia como

revestir de forma eficiente as paredes internas das centrífugas. Esse pequeno, mas

crucial detalhe, fora resolvido por Carl Heussner, um empregado da empresa. Assim,

Leslie Groves introduzira a companhia no projeto Manhattan para que ela convertesse

uma de suas fábricas em uma verdadeira centrífuga gasosa gigante.

When that breakthrough was made, Groves contracted the job to the Chrysler

Corporation. Chrysler turned one of its plants over to a massive effort to build the

gaseous diffusion units. Learning that the nickel needed would take two years to mine,

Carl Heussner, head of the Chrysler’s plating lab, ingeniously cut costs and saved time

20

Para maiores detalhes: Delgado, James (2009)

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49

when he developed a method for electroplating steel with the nickel. (Delgado, James

(2009): localização 697)

Com esses obstáculos resolvidos, Oppenheimer e seus colegas em Los Alamos

voltavam sua atenção para a construção de um segundo dispositivo à base de plutônio,

que em teoria seria 170 vezes mais potente do que o urânio.

Esse novo componente, no entanto, colocava novos desafios à frente dos

cientistas e militares. Com o plutônio, o método de tiro para atingir-se a explosão não

funcionava, pois o Pu-239 era mais denso do que o urânio. Assim, começou-se a testar o

método de implosão, o qual só foi concluído de maneira bem sucedida em abril de 1945.

A dificuldade estava em realizar uma detonação dos explosivos convencionais de

maneira precisa, para que o núcleo de Plutônio fosse comprimido por igual. Isso era

realmente difícil com os detonadores analógicos da época.

Após essa superação técnica tudo estava pronto para um teste em escala real.

Escolhido por Oppenhaimer, o codinome do teste ficou conhecido como Trinity e teve

como data final, o dia 16 de Junho de 1945.

Na madrugada do dia 16, às 5horas 29 minutos e 45 segundos, o experimento

detonou. A apreensão era grande, pois não se sabia exatamente quais seriam as

consequências do teste. Alguns cientistas elencavam a possibilidade remota de que a

bomba poderia incendiar a atmosfera.

O sucesso do teste do dia 16 fora testemunhado por apenas um repórter: Willian

L. Laurence. Ele escreveu:

... there rose from the bowels of the earth a light not of this world, the light of many

suns in one, It was a sunrise such as the world had never seen, a great green super-sun

climbing in a fraction of a second to a height of more than eight thousand feet, rising

even higher until it reached the clouds, lighting up earth and sky all around with a

dazzling luminosity. (Delgado, James (2009): localização 984)

A Guerra havia acabado. Agora, só faltava bombardearem o Japão. Truman,

rapidamente, no mesmo dia em que recebe a notícia do sucesso do teste, ordena a

utilização da nova arma, que, de acordo com o presidente, não deveria ocorrer antes do

dia dois de agosto.

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O desenvolvimento da bomba atômica, portanto, não permite apenas o fim

prematuro da Segunda Guerra Mundial. Ela estabelece também uma nova forma de

atuação dos Estados Unidos no desenvolvimento de suas forças armadas. A partir de

agora, o Estado cada vez mais recorreria às empresas privadas e aos institutos privados

de pesquisa no desenvolvimento sistemático de novos vetores militares.

O desenvolvimento tecnológico americano, a partir do projeto Manhattan estaria,

em grande medida, vinculado à pesquisa militar. O que poucos líderes e empresários

vislumbravam em 1945, no entanto, era que esses desenvolvimento tecnológico voltado

para os militares chegaria a proporções astronômicas em tão pouco tempo.

Porém, a razão para essa rápida expansão das forças armadas americanas após o

final da Segunda Guerra mundial estaria vinculada não apenas à nova percepção de

poder que os EUA possuíam de si mesmos, mas também à mudança do cenário

geopolítico mundial proporcionado pela disputa econômica-ideológica com a URSS. A

Guerra Fria forjará um argumento político bastante forte, para que as estruturas do

complexo industrial-militar, criadas durante o conflito, possam ser replicadas e

expandidas.

2.2 – Uma reavaliação de rumos

Quando o Japão assina sua rendição e a entrega a MacArthur, a Segunda Guerra

Mundial chegava a seu fim. No entanto, isso não significou o início de um período

pacífico. O término do conflito havia gerado pontos de atrito entre os dois grandes

vitoriosos, EUA e URSS. Ambos possuíam visões diferentes acerca da Europa Oriental.

A primeira questão de discórdia era a disputa acerca do mesmo país que deu

origem à guerra: a Polônia. Ainda antes do final do embate entre Eixo e Aliados, os

Russos davam sinais claros de que não iriam aceitar eleições livres no país. Para Stalin,

no fundo, era uma questão de segurança. Uma Europa Oriental integrada ao bloco

socialista funcionaria como um buffer, reduzindo o risco de intervenção ocidental.

Truman se sentia traído e ainda em Potsdam entendia que não seria possível um

acordo. A única saída seria uma demonstração de força. Em parte, o uso da bomba no

Japão foi guiado por essa impressão do presidente americano sobre os soviéticos.

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Após a guerra, no entanto, a nova arma assumia, na imaginação dos estrategistas

americanos, uma dimensão maior. Isso ocorria, pois a realidade da política doméstica

americana também modificava-se. Em 1946, os republicanos retomavam o controle do

Congresso e traziam como principal bandeira a redução de impostos e a necessidade de

se reduzir o tamanho do exército. Na impossibilidade de manter um enorme contingente

de soldados americanos na Europa, os líderes dos EUA passaram a perceber que, se

alguma nação se tornasse agressiva, o uso da bomba a conduziria à paz. O nome dessa

estratégia ficou conhecido como retaliação massiva21.

No entanto, a retaliação massiva não produziria os efeitos desejados. O

problema era que, entre 1945 e 1949, as bombas não eram ainda poderosas o suficiente

para deter o avanço do exército vermelho, nem os EUA tinham o suficiente delas ainda.

Em cálculos estratégicos, a destruição nuclear de Moscou, por exemplo, poderia ser

retribuída com a ocupação da Europa Ocidental inteira.

A prova de que a retaliação massiva não funcionou estava no fato de que as

tensões estavam somente aumentando. Na Alemanha, não havia entendimento entre os

aliados. Estados Unidos e Inglaterra desejavam uma Alemanha forte economicamente,

enquanto os Russos e franceses queriam uma Alemanha dividida e fraca. No Oriente

Médio, os Estados Unidos impediam uma aproximação soviética do Irã, tendo como

objetivo principal manter os contratos sobre a venda do petróleo favoráveis aos

interesses americanos.

O confronto militar como solução de diferenças era gradualmente retirado do

cenário político, mesmo tendo os Estados Unidos uma vantagem tática significativa. Se

o cenário geopolítico não poderia ser decidido militarmente, optou-se por uma saída que

pretendia estabelecer mais claramente os espaços de ação de cada competidor.

Curiosamente, não foram os Estados Unidos que começaram a estabelecer essas linhas,

mas o britânicos.

Em Fulton, Missouri, Churchill discursa para uma pequena, mas importante

plateia. No ápice de seu discurso, o ex- Primeiro Ministro dizia que uma cortina de ferro

caía sob a Europa. As palavras de Churchill completaram, no plano político, aquilo que

o avanço do Exército Vermelho havia iniciado no velho continente: sua completa

21

Ambrose, Stephen E. e Brinkley, Douglas . G (1997)

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divisão. Com a cortina de ferro se delineava claramente os limites de atuação de cada

bloco na Europa, bem como se definia quem era o inimigo.

O processo de disputa entre Leste e Oeste era iniciado ao mesmo tempo em que

se tentava estabelecer o maior esforço de cooperação até então vislumbrado entre as

nações. Esse esforço se consubstanciava na criação da Organização das Nações Unidas

em São Francisco. Assim, havia no espectro político mundial dois movimentos

antagônicos: um apontava para um compromisso permanente para se evitar os flagelos

da guerra22 e outro para o esgarçamento das relações entre os dois países mais

poderosos do mundo.

A ONU na segunda metade do século XX proporcionou grandes avanços que

não devem ser menosprezados. A descolonização, a tentativa de se estabelecer um

regime internacional de controle de armas nucleares, a introdução dos direitos humanos

na política internacional são conquistas significativas. No entanto, esse mesmo período

não foi considerado pacífico. Ao contrário, nos livros de História Mundial, ele ficou

conhecido por um substantivo acrescido de um adjetivo, no qual o primeiro nome já

contrariava o maior objetivo da nova organização. Essa palavra não era paz, mas

Guerra. Essa guerra traria luta armada e milhões de mortes, contudo ela não seria

travada entre as duas superpotências diretamente, seria uma guerra por procuração nos

recantos do mundo onde capitalismo e socialismo se friccionavam. Por esse motivo, ela

foi adjetivada de fria.

Em 1947, os anos de guerra fria já haviam começado. Truman entendia isso

muito bem e estava preocupado, pois os EUA, apesar de seu presidente entender que

existia uma ameaça significativa, continuavam a desmobilização de suas Forças

Armadas em passo acelerado.

By the beginning of 1947 the United States had almost completed the

most rapid demobilization in the history of the world. The Army had

been cut from 8 million to 1 million men; the Navy from 3.5 million to

less than a million; the Air Force from over 200 to less than 50 effective

combat groups. (Ambrose, Stephen E. e Brinkley, Douglas . G (1997): 76)

Para o presidente e seus conselheiros a ameaça soviética era global e os EUA

deveriam enfrentar esse inimigo onde quer que ele estivesse. Porém, isso não era

22

Preâmbulo, Carta das Nações Unidas (1945)

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possível se as Forças Armadas Americanas estavam sendo reduzidas. Outra opção para

Truman era o retorno ao sistema de Land and Lease para o rearmamento europeu, mas

isso também se tornava impossível com o Congresso americano cortando o orçamento

militar.

A única saída do presidente para essa ameaça era jogar com a opinião pública e

convencer o povo americano de que enfrentar os soviéticos era necessário. O primeiro

passo para implementar sua estratégia, no entanto, foi proporcionado por

acontecimentos externos à política americana. Logo no início de 1947, o partido

comunista grego parecia estar ganhando vantagem no país. Na concepção de Acheson,

Secretário de Estado, se a Grécia caísse sob a influência comunista, logo a Turquia

seguiria o mesmo caminho. O problema era que a Turquia e seu domínio dos estreitos

de Bósforos e Dardanelos eram um objetivo antigo dos russos para que pudessem atuar

no Mediterrâneo.

Truman vai aos líderes do Congresso e os tenta convencer da ameaça. O

presidente, no entanto, ao se dirigir aos líderes republicanos, sabia que apenas seus

temores de um avanço russo no mediterrâneo não iriam modificar a opinião deles sob a

necessidade de um orçamento equilibrado. Era necessário um convencimento profundo

lastreado por argumentos fortes e aceitáveis que mobilizassem também o povo

americano. Essa ferramenta, em 1947, já existia e foi criada por um diplomata

americano que viveu boa parte de sua vida da Rússia e de lá escreveu um documento

que ficou conhecido como o longo telegrama.

George Kennan baseava-se em duas premissas básicas. A primeira era que o

capitalismo e o socialismo eram antagônicos e incapazes de coexistirem no âmbito

político mundial. A segunda era que o objetivo dos soviéticos era a dominação

mundial23. Na sua opinião, os EUA deveriam agir de forma a conter a URSS nas regiões

em que esse esforço fosse fundamental para assegurar os interesses americanos.

A diferença entre o que Kennan havia delineado e o que Truman estava

propondo era o tamanho do esforço a ser empregado. O presidente queria que os EUA

pudessem atuar em todo em qualquer lugar que os soviéticos ameaçassem a democracia

e o capitalismo, já Kennan qualificava a contenção americana ao interesse nacional.

23

Para maiores Detalhes: Kennan, George (2007)

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Truman, portanto, ia muito além do que o intelectual propunha, uma vez que jovaga

com as expectativas e o apoio do eleitorado americano. Para angariar o apoio do

público, era preciso mostrar a ameaça como um evento global, que a todos atingiria com

mais ou menos intensidade.

Em 15 de maio de 1947, o Congresso aprovou 400 milhões de dólares para a

Grécia. Nesse episódio começava aquilo que ficou conhecido como Doutrina Truman, a

qual seria ampliada com os eventos que se seguiriam.

A doutrina Trumam abriu caminho para que os EUA iniciassem um programa de

auxílio massivo à Europa Ocidental. Esse viés não levava em conta apenas a questão

militar. Havia preocupações de ordem econômica que potencializavam a situação

geopolítica. Começava a ficar patente que sem a recuperação europeia, as exportações

americanas não poderiam ser expandidas, pois as economias do velho continente não

teriam dólares para apagar pelos bens americanos.

A recuperação europeia passava, no entanto, por dois obstáculos. O primeiro era

aprovar no congresso a ajuda financeira à Europa Ocidental. Apesar de aceitarem

intervir na Grécia, os republicanos, para cada nova requisição de recursos ao Congresso,

exigiam atenção ao equilíbrio fiscal. Além disso, 1948 era um ano eleitoral e não se

queria dar ao Presidente mais espaço de atuação além do que o estritamente necessário.

O outro obstáculo era que uma recuperação europeia passava por uma

recuperação e unificação alemã, ao que os russos eram contra. O Plano Marshall, como

ficou conhecido, portanto, não foi fácil de ser aprovado. De um lado, havia os

republicanos que exigiam sucessivas reduções para que se aprovassem as linhas gerais

de auxílio à Europa, de outro, os russos impediam que seus satélites aceitassem os

recursos americanos, criando uma alternativa à proposta de Truman, o plano Molotov.

O impasse só pode ser resolvido com uma mudança radical no cenário

geopolítico. Essa mudança veio com o golpe que derrubou o governo na

Tchecoslováquia, que rapidamente foi qualificada como inaceitável pelo governo

americano. Nesse momento, não se criticava apenas a provável influência soviética no

golpe, mas se passou a criticar pesadamente as limitações da política americana em

proteger o mundo democrático. Os Estados Unidos nada podiam fazer para salvar a

Tchecoslováquia.

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Essa impotência foi explorada por Truman que rapidamente a usava para dar

avanço à votação do Plano Marshall no Congresso, que o aprovou em 31 de Março de

1948.

O episódio Tcheco teve outra consequência de longa duração na forma como os

EUA desempenhavam seu poder no mundo: deu-se à CIA, então recentemente criada, o

poder para desempenhar operações secretas no exterior. Estabelecida inicialmente como

uma tentativa civil para se centralizar informações sensíveis do governo, a CIA (Central

Inteligence Agency), liderada por Alan Dulles, se transformava no principal meio de

espionagem contra a URSS.

Se Truman havia conseguido o Plano Marshall e a expansão dos poderes da CIA,

em 1948, ele ainda não havia conseguido o principal: o aumento dos gastos militares

voltados para as próprias forças armadas americanas, as quais haviam sido

desmobilizadas ao final da guerra. Essa retomada do poder militar americano e de sua

capacidade de atuação unilateral era, no entanto, um ponto que o Congresso não estava

disposto a entregar facilmente, pois isso não significava apenas o fim de uma bandeira

republicana acerca de um orçamento equilibrado, significava algo que ainda não havia

sido experimentado na república americana: a construção de um braço militar

extremamente desenvolvido em tempos de paz.

Observando-se o cenário político da Europa Oriental ao final de 1948, percebe-

se que todos os passos americanos possuíam um nó central na Alemanha. O plano

Marshall visava a recuperação econômica alemã e a ajuda técnica e militar que se

iniciava tinha como objetivo central garantir o país germânico. O dinheiro americano

dava amálgama à Europa Ocidental que começa a se aproximar. O primeiro sinal de

aproximação, no entanto, não foi econômico, mas militar. Em 1948, é assinado o tratado

de Bruxelas que assegurava uma defesa mútua entre os seus membros. Nesse bloco, a

presença da Alemanha Ocidental foi sentida por Moscou.

A resposta de Stalin precisava ser cirúrgica e definitiva. O objetivo seria retirar o

ponto de maior influência ocidental na União Soviética: Berlim Ocidental. Assim, Stalin

optou por uma estratégia que não significasse um ataque direto ao Ocidente, um

bloqueio.

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Em Washington, o movimento stalinista foi interpretado como algo muito maior.

A defesa de Berlim Ocidental era crucial para que se mantivesse a Alemanha Ocidental

livre. No Pentágono, vozes como a do General Le May defendiam um ataque nuclear

devastador a Moscou, outras buscavam moderação. A opção presidencial foi a de

cautela. Ao bloqueio seria aplicada uma estratégia de contra-bloqueio, que contaria com

o abastecimento aéreo da cidade por um período de quase oito meses.

O incidente em Berlim Ocidental mostrou dois pontos de importância crucial. O

primeiro era que sem bases avançadas na Europa, seria impossível garantir os

suprimentos para a manutenção do Contra-Bloqueio. A questão vinha sendo discutida

desde 1942 entre os comandantes das forças armadas e não conseguia uma definição

clara, em parte por motivos internos de discordância sobre a primazia de qual das

Forças Armadas deveria ser reponsável pelos postos avançados, se a recém-criada Força

Aérea ou o Exército. Com Berlim, todas essas dúvidas foram sanadas24.

The principle of American Forward air bases in Europe had been

established (Ambrose, Stephen E. e Brinkley, Douglas . G (1997): 99)

O Segundo ponto foi difundir entre os congressistas a visão da Casa Branca de

que somente bombas nucleares não seriam capazes de impedir o avanço russo sobre o

restante do continente europeu. O bloqueio de Berlim mostrava que a retaliação massiva

não era um bom dissuador contra o Kremlin. Assim, o recrutamento compulsório fora

reestabelecido, o que indicava, mas não garantia que o exército americano teria seus

números elevados. Isso ainda deveria ser conquistado no Congresso.

Quando a eleição de 48 chega ao fim, Truman consegue colher os frutos por

estar sendo firme em Berlim. A política externa ajudava-o em sua reeleição. Em 1949,

Truman continuou seu avanço para garantir a segurança da Europa Oriental. Em 4 de

Abril de 1949, assinava-se em Washington o Tratado da Organização do Atlântico

Norte, um mecanismo amplo de segurança mútua, que definitivamente ligava o destino

americano ao destino europeu. Agora, em caso de ataque a um dos membros da OTAN,

todos os outros membros deveriam defender aquele signatário alvo do ataque.

A OTAN teve como consequência imediata o fim do bloqueio russo à Berlim

Ocidental. Contudo, esse seu sucesso inicial não podia esconder falhas estruturais

24

Para maiores detalhes: Converse III, Elliot.V (2005)

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graves. Para garantirem a segurança da Europa Ocidental, os EUA não podiam se basear

apenas no uso das bombas atômicas. Isso já havia sido percebido no episódio de Berlim

Ocidental, mas passava a ficar claro e preocupante quando em Setembro de 1949, os

russos conseguem testar com sucesso a sua primeira bomba atômica. Agora a URSS

possuía duas vantagens: a bomba e o exército vermelho.

Em Washington, em meio a muitas opiniões diferentes, se passava a encontrar

voz uníssona sobre o assunto mais delicado acerca da nova aliança: o rearmamento

alemão. Trumam sabia que não conseguiria de imediato o envio de um grande número

de soldados americanos para as fronteiras socialistas. A França era terminantemente

contra essa orientação, enquanto a Inglaterra não se pronunciava claramente sobre o

assunto. Ao mesmo tempo, os EUA não queriam abrir mão do monopólio nuclear, o que

enfraquecia a aliança recém-criada25.

Enquanto os líderes ocidentais discutiam, o cenário geopolítico na Ásia se

deteriorava rapidamente. A China, ao final de 1949, se tornava comunista, coroando os

esforços de Mao Tse Tung com sua longa marcha. O exército comunista chinês

expulsava definitivamente Chiang para a ilha de Formosa. E nos EUA começou-se a

criticar a política do presidente, a ponto de o General MacArthur acusar os democratas

de traição à pátria.

Uma reavaliação de rumos era necessária.

2.3 – E agora?

Essa reavaliação de rumos consistia em garantir aos EUA uma política

abrangente e assertiva sobre a segurança nacional. Essa nova orientação deveria permitir

que o país e seus aliados assegurassem uma posição em que não se sentissem

ameaçados por um ataque devastador soviético.

A nova política, no entanto, não foi escrita na Casa Branca, mas no Pentágono.

O resultado ficou conhecido como NSC-68.

As one of the principal authors states, NSC-68 advocated “an immediate and large-scale

build up in our military and general strength and that of our allies with the intention of

righting the power balance and in the hope that through means other than all-out war we

25

Para maiores detalhes: Herring, Geoge C. (2008)

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58

could induce a change in the nature of the Soviet System. (Ambrose, Stephen E. e

Brinkley, Douglas . G (1997):111)

O NSC – 68, portanto, defendia a retirada total e incondicional das restrições ao

gasto governamental voltado ao setor militar. Quando Truman recebe das mãos de seu

secretário de Defesa o documento, logo o aprovou como o novo curso a ser tomado.

Esse novo caminho já era desejado pelo presidente e seria o final de uma

estratégia que se assomava desde Maio de 1947, quando Truman conseguia a aprovação

para ajudar a Grécia. Porém, para que se fosse percorrida essa trilha, seria necessário

reverter a visão majoritária e conservadora no Congresso sobre o aumento de gastos

públicos.

Isso não era tarefa fácil, uma vez que nem a bomba soviética com todo seu apelo

ideológico e militar conseguiu reduzi-lo por completo. Em junho de 1950, Trumam

tentava tecer alianças para aprovar a visão defendida pelo NSC – 68, mas as

negociações, apesar de já estarem avançadas, não chegavam a uma conclusão definitiva.

Para selar o acordo por definitivo era necessário uma crise significativa em um cenário

geopolítico sensível, que justificasse o aumento inequívoco das forças americanas. Em

25 de Junho de 1950, foi exatamente isso que ocorreu, quando a Coréia do Norte

invadiu a Coréia do Sul, a qual estava sob a proteção do General MacArthur.

Após uma tentativa frustrada de tentar reverter o avanço comunista somente com

bombardeios aéreos, em 30 de Junho, os americanos desembarcavam mais tropas ao Sul

da península, onde, na cidade de Pulsan, as forças de resistência estavam encurraladas.

Quando as tropas americanas em solo coreano tiveram seus números elevados,

marcava-se não apenas o início de uma guerra custosa e longa, mas também o começo

da instrumentalização do NSC-68 e do crescente e contínuo rearmamento americano.

Porém, o NSC – 68 não foi apenas uma política influenciada pelos imperativos

geopolíticos. Havia outro fator que influenciou muito a decisão pelo rearmamento

americano e ele viria da pressão sistemática que uma área específica do setor industrial

estava fazendo sobre vários congressistas: a indústria aeronáutica.

As perspectivas para essas companhias no início de 1950 não eram muito boas.

Com o final da Segunda Guerra Mundial, a demanda por mais aviões era reduzida

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59

significativamente e a pergunta mais comum que rondava a mente de seus executivos

era: e agora?

Não havia uma solução que pudesse ser encontrada no mercado. Com a

superprodução de aviões durante os anos de 42 a 45, havia um excesso de produtos

aeronáuticos em geral. Quando a guerra termina a indústria aeronáutica possuía um

tamanho muito maior do que aquele prévio ao conflito. Em contrapartida a competição

aumentava exponencialmente com a redução dos pedidos26.

A desmobilização das forças armadas a partir de 1945 atingiu essas companhias

ainda com maior força, uma vez que a conversão não podia ser aplicada por completo

na área. O problema era que as linhas de produção dos aviões militares não podiam ser

convertidas rapidamente em linhas de produção de outros produtos industriais. O que se

podia fazer de imediato era utilizar aquela mesma linha para produzir aviões de uso

civil, os quais requeriam poucas modificações para serem produzidos. Porém, esse tipo

de conversão esbarrava no fato de que, nas bases áreas militares, havia inúmeros aviões

parados, os quais seriam alvo ou de sucateamento ou de melhoramentos para serem

utilizados por companhias civis de transporte aéreo. Assim, não haveria novos pedidos

em quantidade suficiente para que aquelas companhias produtoras de aeronaves

mantivessem o nível de lucratividade experimentado durante o conflito.

Isso era percebido com tamanha gravidade que alguns dos executivos dessas

empresas logo começaram a planejar uma maneira de reverter essa tendência negativa

antes mesmo do término do conflito. A solução apontada por esses homens passava

impreterivelmente pela continuidade dos contratos governamentais. O principal nome

desse esforço em defesa do setor aeronáutico era o presidente da Lockheed, Robert

Gross.

Em Agosto de 1945, testemunhando perante o Comitê Truman sobre os

programas de defesa nacional, Gross buscava mostrar que a conversão não era uma

opção. Na base de seu argumento, estava um apelo quase que emocional para o

salvamento de sua indústria, que durante a guerra havia respondido ao clamor nacional

para derrotar Hitler. Sendo assim, era hora de o país fazer alguma coisa pelo setor, que

havia proporcionado aos EUA a maior força aérea do mundo.

26

Para maiores detalhes: Hartung, Willian D. (2011)

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60

O tom que Gross assume em suas declarações é o de que governo americano

tinha a obrigação de sustentar a indústria aeronáutica em tempos de paz. Ele inclusive

durante seu testemunho aponta algumas sugestões que os EUA poderiam seguir para

atender ao pedido dessas companhias.

First, he wanted the government to give the production equipment it had paid for during

the war to industry on a free or low-cost basis. Gross argued that it would otherwise be

sold for scrap with little benefit to the government. He also wanted to avoid having the

government dump military transport planes onto the commercial market, a move that

would deprive Lockheed and its cohorts of potential business. And he wanted the

development of a peacetime aviation policy that would provide subsides in areas such a

support for civilian transport planes that could be converted to military use in time of

war. (Hartung, Willian D. (2011): 53).

Os argumentos de Gross iam além. Para a Câmara Estadual de Comércio do sul

da Califórnia, Estado que possuía grande parte do setor aeronáutico, ele destacava a

importância de se manter o setor durante os tempos de paz. Os ganhos tecnológicos

advindos da pesquisa nessa área iriam revolucionar o transporte de passageiros e de

cargas. Sua visão de futuro apelava também para os militares, com promessas de que a

superioridade militar dos EUA corria risco se o setor não continuasse seu

desenvolvimento, pois os aviões, em sua concepção, eram os melhores vetores para o

emprego não só de armas convencionais como também de armas nucleares.27

Dessa forma, é interessante perceber que o esforço de Gross e de outros nesse

período não estava concentrado no desenvolvimento de novos produtos, mas na criação

de mecanismos que sustentassem a lucratividade de suas empresas. A solução para seus

problemas não estava em produzirem aviões melhores, mas em conseguir a influência

certa sobre os elementos políticos tomadores de decisões. O foco desses executivos

passava a ser, portanto, o Congresso, onde poderiam pressionar alguns representantes

republicanos para a criação de um grupo favorável à indústria aeronáutica.

O ano de 1947 começou a mostrar mais claramente a movimentação da indústria

aeronáutica no capitólio. Ela contou com as questões geopolíticas na Grécia e o início

da política de contenção. No dia 18 de Julho de 1947, o Presidente Truman cria no

Congresso a Comissão para a Política Aérea. Esse corpo de congressistas passa a

27

Para maiores detalhes: Hartung, Willian D. (2011)

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entrevistar mais de 150 testemunhas, todas elas grandes figuras na indústria aeronáutica,

militares da Força Aérea e políticos com interesse na expansão do poder aéreo28.

Quando homens como Robert Gross, Donald Douglas, Jack Northtrop e Glenn

Martin eram chamados pela comissão para testemunhar, sempre foram ajudados por

perguntas amigáveis de senadores e deputados como o Senador Warren Magnunson do

Estado de Washington, local das principais instalações da companhia Boeing.

O esforço de Truman em 1947 para dar algum alento à indústria aeronáutica não

funcionou, no entanto. Foi preciso novamente uma guerra para que o setor voltasse a

lucrar: a Guerra da Coreia. Ela indicava que os EUA estariam assumindo

definitivamente um papel global de combate ao comunismo. Essa necessidade por uma

quase ubiquidade norte-americana no mundo, fornecida pela política de contenção, foi,

em 1950, o maior argumento defendido pelas grandes empresas aeronáuticas. 29

As forças que se moviam no setor privado não estavam somente interessadas em

produzir mais aviões, elas também objetivavam um novo mercado: o transporte aéreo de

passageiros e de carga, que crescia já nos anos imediatos do pós-guerra. O serviço de

transporte aéreo era algo revolucionário, pois prometia transportar milhões de pessoas e

produtos pelo mundo em tempo muito menor do que aquele necessário para se viajar de

navio ou trem.

A expansão dessas companhias, no entanto, era dificultada por limitações

tecnológicas que ainda existiam naquela época. O maior problema era a autonomia dos

aviões. Em 1945, já se podia atravessar o atlântico de Nova Iorque a Londres, mas não

se podia chegar até Paris ou Berlim, sem reabastecimento. Assim, tanto do ponto de

vista militar estratégico como do ponto de vista do mercado de transportes era

necessário um conjunto de bases aéreas ou aeroportos civis espalhados pelo mundo

capaz de garantir a chegada e saída de aviões de forma constante e ininterrupta.

Desde 1942, os EUA já procuravam estabelecer bases aéreas em todo o mundo,

para garantir que o esforço de guerra pudesse ser realizado de maneira mais efetiva. No

momento em que a guerra acaba, os EUA possuíam bases desde o meio do pacífico, de

28

Para maiores detalhes: Hartung, Willian D. (2011) 29

Para maiores detalhes: Hartung, Willian D. (2011)

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Midway, até Portugal; passando por Japão, China, Sudeste Asiático, Oriente Médio,

África e Europa Ocidental30.

A princípio, não seria difícil utilizar algumas dessas bases para beneficiar o

transporte civil, principalmente de empresas americanas. Muitos oficiais, políticos e

homens de negócio acreditavam que o uso militar e civil poderia ser compartilhado em

benefício mútuo. A. A. Berle, o secretário-assistente de Estado já no início da guerra

informava ao secretário de Estado Cordell Hull que a aviação civil e militar teria um

impacto enorme na política externa americana, comparável ao efeito do poder marítimo

no início do século. Mais do que isso, o secretário-assistente chamava os tomadores de

decisão à maior atenção sobre como se deveria estruturar o mecanismo de concessão de

bases no exterior31.

Logo, o assunto chama a atenção de Robert A. Lovett, o secretário-assistente

para a Guerra Aérea, que entendia ser essa uma questão de enorme importância, que

deveria ser tratada com urgência, uma vez que os Britânicos já tomavam medidas para

se posicionarem melhor no mercado civil de aviação no mundo pós-guerra. Lovett diz:

“... we (the AAF) feel strongly both from the point of view of military defense as well

as from the point of view of peace commercial operations (that) treaties and agreements

should provide that no foreign owned or operated line other than a United States line

shall be permitted to operate in this territory.” (Converse III, Elliot V. (2005):

localização 285)

Assim, pode-se perceber que um movimento para o estabelecimento de uma

política de aviação civil nascia tanto dentro, quanto fora do âmbito militar e que uma

convivência entre o emprego civil e militar das bases americanas pelo mundo seria

possível e desejável.

Porém, a aceitação de uma política de aviação civil que beneficiasse empresas

americanas não seria imediata, uma vez que havia nas Forças Armadas algumas vozes

que consideravam que as bases adquiridas durante a guerra deveriam estar voltadas

somente para o uso militar.

30

Para maiores detalhes: Converse III, Elliot V. (2005) 31

Para maiores detalhes: Converse III, Elliot V. (2005)

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Essa discussão pode ser vista na reunião do Estado Maior Americano (JCS) de

23 de Março de 1943, na qual se debateu o tema sobre a aviação civil e as bases aéreas

militares. O Almirante Willian D. Leahy, chefe do Estado maior da presidência,

argumentava que o JCS não deveria discutir esse assunto, pois não havia uma ligação

imediata entre ele o esforço de guerra necessário para a vitória. Os outros oficiais, no

entanto, pensavam diferente. Eles argumentavam que o uso militar não poderia ser

divorciado do uso comercial. O Tenente-General Joseph T. McNarney, inclusive

lembrou que as bases aéreas americanas na América Latina voltadas para o uso

comercial foram originalmente estabelecidas para o uso militar. O General Arnold, que

desde 1927 estava envolvido no desenvolvimento da aviação civil com a criação da Pan

Am, seguindo a mesma linha, duvidava que se pudesse tratar o assunto

separadamente32.

A separação desses assuntos não era possível, pois os interesses civis e militares

já estavam fundidos desde o início do conflito. Em 1942, o General Arnold sabia que a

guerra necessitaria de um esquema de logística ainda não tentado. Assim, ele foi

procurar os homens que conheciam as especificidades do negócio e os colocou

unificados no Comando de Transporte Aéreo (ATC). Nomes como C.R.Smith,

presidente da American Airways, e Harold R. Harris, presidente da Pan American,

foram solicitados para administrar uma gama de atividade de transportes que

empregavam mais de 300 mil militares e civil33.

O ATC, por sua íntima relação com as companhias de transporte aéreo, possuía

uma visão muito mais ampla do papel a ser desempenhado pelo conjunto de bases

aéreas americanas pelo mundo. Ele definia que as bases americanas não se limitavam a

garantir a segurança nacional, mas sim a defender os interesses americanos no mundo.

Essa visão difusa e sutil é a que vai prevalecer no pós-guerra e se acoplar muito bem à

ideia de Truman de defender o mundo livre em qualquer lugar que a ameaça comunista

existisse.

Dessa forma, quando a guerra da Coreia explode e a política de contenção se

torna plena, as companhias aéreas americanas encontram uma justificativa mais do que

plausível para se expandirem. Elas, que também ajudaram na luta contra Hitler, iriam

32

Para maiores detalhes: Converse III, Elliot V. (2005) 33

Para maiores detalhes: Converse III, Elliot V. (2005)

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agora auxiliar na luta dos EUA contra a revolução comunista transportando pessoal e

material, seriam um ícone da presença americana no mundo tanto do ponto de vista

econômico quanto do ponto de vista ideológico. O símbolo desse avanço seria a

empresa que primeiro conseguiu atravessar o pacífico e que detinha um quase que

virtual monopólio nos contratos com o governo: a Pan Am

Essa empresa já possuía um grande escopo de atuação antes e durante a guerra,

mas é só depois de 1950 que ela atinge verdadeiramente uma amplitude global, que

justificasse o seu novo logotipo recém-criado, um globo azul que representava todo o

mundo. A Pan Am voaria em toda a Europa Ocidental, em toda a América Latina e em

boa parte da Ásia e isso só foi possível, pois lhe foi concedida a utilização de bases e

aeroportos nos quatro continentes34.

Dessa forma, tendo início com a Guerra da Coreia, a indústria de defesa e, em

especial, a indústria aeronáutica e a indústria de transportes aéreos americanas, iriam

experimentar um crescimento constante por mais de 30 anos até a derrota no Vietnã.

Durante esse período as companhias que produziam vetores militares iriam receber

contratos cada vez maiores e suas áreas de atuação sofreriam uma expansão sem igual.

Ao se falar especificamente sobre a indústria aeronáutica, ela se expandiria até o espaço

sideral e estaria sempre presente no programa espacial americano, que se iniciaria na

década de 50 e atingiria maturidade em 1969, com o homem chegando à lua.

Esse avanço da indústria de defesa, no entanto, não ocorreria sem resistências, as

quais viriam, não da sociedade civil, mas do centro do Poder Executivo americano: a

Casa Branca. O aumento dos gastos militares tentaria ser coíbo pelo novo presidente

Dwight D. Eisenhower que, em 1953, chegava ao poder.

2.4 – A influência Indevida

Ao se falar de Eisenhower nesse trabalho talvez seja interessante começar pelo

final de sua presidência e mais especificamente pelo seu discurso de despedida. Este não

foi apenas um agradecimento ao povo americano pelos oito anos de governo em que o

ex-general exerceu a presidência, mas essencialmente um aviso aos cidadãos sobre o

perigo, para um sistema democrático, de se desenvolver um enorme aparato militar em

tempos de paz.

34

Para maiores detalhes: Salini, Tas e Streng, Ursula A. (1992)

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Eisenhower compreendia a necessidade de se estabelecer uma força militar

poderosa, afinal ele foi um presidente americano durante a Guerra Fria, mas ao mesmo

tempo mostrava como isso poderia deturpar a divisão de poderes e as engrenagens do

sistema político americano. O presidente temia que aquilo que ele denominou de

complexo industrial-militar pudesse ganhar influência exagerada e indevida tanto na

esfera política como econômica.

We now stand ten years past the midpoint of a century that has witnessed four major wars among great nations. Three of these involved our own country. Despite these holocausts America is today the strongest, the most influential and most productive nation in the world. Understandably proud of this pre-eminence, we yet realize that America's leadership and prestige depend, not merely upon our unmatched material progress, riches and military strength, but on how we use our power in the interests of world peace and human betterment. …

A vital element in keeping the peace is our military establishment. Our arms must be mighty, ready for instant action, so that no potential aggressor may be tempted to risk his own destruction.

Our military organization today bears little relation to that known by any of my predecessors in peacetime, or indeed by the fighting men of World War II or Korea.

Until the latest of our world conflicts, the United States had no armaments industry. American makers of plowshares could, with time and as required, make swords as well. But now we can no longer risk emergency improvisation of national defense; we have been compelled to create a permanent armaments industry of vast proportions. Added to this, three and a half million men and women are directly engaged in the defense establishment. We annually spend on military security more than the net income of all United States corporations.

This conjunction of an immense military establishment and a large arms industry is new in the American experience. The total influence – economic, political, even spiritual – is felt in every city, every Statehouse, every office of the Federal government. We recognize the imperative need for this development. Yet we must not fail to comprehend its grave implications. Our toil, resources and livelihood are all involved; so is the very structure of our society.

In the councils of government, we must guard against the acquisition of unwarranted influence, whether sought or unsought, by the military-industrial complex. The potential for the disastrous rise of misplaced power exists and will persist.

We must never let the weight of this combination endanger our liberties or democratic processes. We should take nothing for granted. Only an alert and knowledgeable citizenry can compel the proper meshing of the huge industrial and military machinery of defense with our peaceful methods and goals, so that security and liberty may prosper together. (http://mcadams.posc.mu.edu/ike.htm)

Esse alerta de Eisenhower é interessante, pois não vinha de um político de

carreira, mas de um militar condecorado e líder dos aliados na Europa que se elegera

presidente. Mais do que isso, a preocupação de Eisenhower não se referia apenas ao que

poderia ocorrer nos Estados Unidos sob a influência de um vasto estabelecimento

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militar, mas também ao que já estava ocorrendo. Assim, seu discurso de despedida pode

ser entendido, em parte, como uma confissão de culpa, uma vez que, apesar de não

concordar com o inchamento excessivo da estrutura bélica americana, foi em seu

governo que o complexo iniciou um novo ciclo evolutivo tanto no desenvolvimento de

armas como no condicionamento do aparato burocrático que apoiaria as Forças

Armadas Americanas.

Essa percepção cautelosa de Eisenhower começou a ser formada por alguns

acontecimentos que ocorreram antes mesmo de ele chegar à Casa Branca. O primeiro

aconteceu ainda durante a Guerra da Coréia com o oficial americano mais graduado no

conflito, o General MacArthur.

Nos avanços e reveses do conflito, após a China entrar na luta ao lado dos norte-

coreanos, o exército americano, novamente se encontrava acuado ao sul da península.

Nesse momento, Washington modifica seus objetivos de guerra. Agora, a luta não seria

mais para liberar completamente o país e unificá-lo definitivamente. A partir do

envolvimento da China e o recuo americano, Trumam estabeleceu que se deveria

retomar a posição ofensiva, mas essa seria limitada ao mesmo paralelo 38 em que a

guerra havia começado.

Porém, essa ordem não foi acatada por MacArthur que, desobedecendo ao

presidente, vai além do ponto estipulado35. A ação do General refletia algo que ainda

não havia ocorrido no alto escalão das Forças Armadas: a desobediência total e

completa à uma ordem direta do presidente do país. Essa falta, perante as normas

militares, deveria ser punida com a corte marcial, contudo, MacArthur já não era apenas

uma figura da corporação militar, ele era um herói de guerra que para muitos

republicanos estava correto em seu julgamento. Truman não teve força suficiente para

retirar MacArthur imediatamente de seu comando na Ásia.

Nessa época, Eisenhower havia acabado de sair do comando da OTAN e

buscava a nomeação para concorrer às eleições presidenciais pelo partido republicano.

Ele evita comentar abertamente sobre a questão, pois havia um forte apoio popular ao

Almirante e sua campanha estava lastreada em grande medida no fato de que Truman

não estava fazendo muito para proteger a América e seus aliados. Contudo, chegou a

35

Para maiores detalhes: Ambrose, Stephen E. e Brinkley, Douglas . G (1997)

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67

comentar entre seus correligionários mais próximos que a postura mais benéfica para a

instituição militar seria respeitar a hierarquia e obedecer ao comandante em chefe das

Forças Armadas: o presidente Trumam.36

No ano de 1953, Eisenhower chegava à Casa Branca prometendo combater o

comunismo em todo e qualquer lugar, porém ainda naquele ano o recém-inaugurado

presidente tomava outro rumo. Em pouco tempo, a guerra da Coreia se congelava com

base em um armistício que, apesar de não significar a paz, estipulava o início de uma

coexistência possível na península. Eisenhower decidiu não estabelecer nova ofensiva e

passou a praticar a contenção estabelecida por Truman.

Essa opção de continuar a política de seu antecessor estava focada em duas

premissas. A primeira era que o Presidente não queria arriscar uma guerra nuclear com

a URSS ou uma guerra convencional com a China, a segunda era que uma solução na

Coreia iria necessitar de um aumento das forças militares na Ásia e na Europa, algo que

elevaria o orçamento federal a níveis exorbitantes.

Essa duas premissas não significavam, porém, que a América deveria ficar

menos segura. Ao contrário, a segurança nacional seria a preocupação número um de

seu governo. Assim, para aumentar a segurança e evitar um desequilíbrio orçamentário,

Eisenhower optou por reforçar de maneira decisiva o potencial nuclear americano.

Essa orientação fora discutida e implementada pelo novo Secretário de Defesa,

Charles Wilson, que a chamou de New Look. O New Look era uma tentativa de se

utilizar padrões racionais e corporativos ao Pentágono e tentar reorganizá-lo segundo

modelos de eficiência e de redução de custo. Isso era bastante lógico vindo de um

secretário que saíra das fileiras empresariais. Wilson, antes de ser Secretário de Defesa

fora presidente da General Motors37.

No entanto, essa nova racionalidade não apaziguou as críticas democráticas que,

no Congresso, exigiam que o presidente fizesse mais pela segurança americana. Os

Democratas, entre eles Lindon Johnson e Kennedy, queriam uma elevação significativa

36

Para maiores detalhes: Smith, Jean Eduard (2012) 37

Para maiores detalhes: Alexander, David (2010)

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do orçamento militar e uma resistência ampla e irrestrita ao comunismo. A Coreia, para

esses homens, era uma mancha na imagem dos EUA e não poderia ser repetida38.

Os debates sobre o avanço ou não nos esforços militares americanos permearam

todo o primeiro mandato de Eisenhower, mas foi em 4 de outubro de 1957, que esses

debates ganharam contornos de histeria. Nesse dia, os russos conseguiram enviar ao

espaço o primeiro satélite artificial da história. O objeto era pequeno e incapaz de

apresentar uma real ameaça aos americanos, o medo, no entanto, não era no satélite em

si, que apenas estava equipado com um emissor de sinais de rádio e circundava a terra

em altitude orbital inferior, mas no mecanismo que o levou até o espaço: os foguetes de

alcance orbital. Na concepção de especialistas, que se multiplicavam nos

recém-difundidos telejornais, em pouco tempo os soviéticos poderiam equipar esses

novos vetores com bombas atômicas, o que deixariam os EUA indefesos.

Esse suposto “missel gap” era, em 1957, combustível para os democratas

exigirem um aumento dos gastos militares. A pressão foi tanta, que o presidente foi à

televisão responder às perguntas de repórteres sobre a questão. Em cadeia nacional,

Eisenhower assegurava que esse avanço russo não representava uma ameaça imediata,

uma vez que essa nova tecnologia levaria ainda tempo para ser aprimorada e utilizada

militarmente39.

O líder americano sabia que não havia risco iminente. Os Estados Unidos

possuíam ainda superioridade nuclear, bem como ainda preservavam a capacidade de

realizar um primeiro ataque se fosse preciso. A fonte dessa informação, no entanto, não

podia ser divulgada, pois envolvia ações de espionagem da CIA, que sobrevoava o

território soviético com um novo avião de reconhecimento fabricado pela Lochheed: o

U-2.

Eisenhower, dessa forma, dizia não aos apelos por um aumento dos gastos

militares. Essa foi uma decisão solitária do presidente americano que, no entanto, não

significou imobilidade. Após o Sputnik I, os formuladores da política de segurança

nacional no Pentágono começavam a se movimentar e sob o comando de Neil Hosler

McElroy, o segundo secretário de defesa sob o comando de Eisenhower.

38

Para maiores detalhes: Ambrose, Stephen E. e Brinkley, Douglas . G (1997) 39

Para maiores detalhes: Smith, Jean Eduard (2012)

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McElroy, ex-presidente da gigante Proctor and Gamble, representava um

aprofundamento do viés corporativo no pentágono. Ele seguiria as diretrizes de

manutenção e equilíbrio orçamentários estipulados pelo presidente, mas teria carta

branca para reformular sua secretaria e dar condições de os EUA avançarem no

desenvolvimento de tecnologias estratégicas, principalmente voltadas para o

desenvolvimento de mísseis e foguetes militares de alcance espacial40.

Em 1958, os Estados Unidos criam dois pilares burocráticos e técnicos de uma

estrutura militar avantajada e global: a NASA (National Aeronautics and Space

Administration) e a ARPA (Advanced Research Projects Agency), mais tarde

renomeada para DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency). Ambas

agências foram uma resposta ao Sputnik e ambas tiveram seu início no plano militar

para a aceleração do programa espacial americano.

Under McElroy’s incumbency at the Pentagon, (…), not only the US’ nuclear and

ballistic missile programs modernized, but the fledgling US space program was lunched

with unabashed military objectives behind it. ( Alexander, David (2010): localização

378)

Até 1958, o programa espacial Americano estava atrasado. Isso não condizia

com os esforços americanos para assegurar, logo ao final da Segunda Guerra Mundial,

os conhecimentos acerca dos programas de mísseis alemães. Os EUA haviam vencido a

guerra, mas reconheciam que os avanços em balística e em aeronáutica alemães eram

impressionantes. Por isso não queriam que a URSS, com o avanço do exército

vermelho, se apoderassem da maquinária alemã, que tinha nos projetos do V-1 e do V-2

seus maiores prêmios.

Assim, foi criada, em maio de 1945, a operação Papper Clip, conduzida pelo

grupamento de inteligência dos exércitos americano. Essa operação tinha como objetivo

avançar no território alemão e assegurar, para os Estados Unidos, não apenas os

protótipos de tais armas como também os cientistas alemães que as desenvolveram.

Ao todo encontraram-se cento e trinta e dois cientistas aos quais foram

concedidos cidadania americana. Muitos deles teriam empregos tanto no Pentágono

como também junto às empresas do setor de defesa. O general Walter Dormberger irá

ocupar uma posição de destaque na NASA e irá fazer parte do board da empresa Bell

40

Para maiores detalhes: Alexander, David (2010)

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70

Aerospace. Kurt Debus, outro membro da SS, foi o primeiro diretor do Kennedy Space

Center. Otto Ambros, executivo da empresa alemã I.G Farbem, foi trabalhar na W.R.

Grace and Co., Leonard Albertus, um membro da Gestapo, consegue emprego na

Bechtel Corporation41.

O mais importante desses cientistas, chefe do departamento científico das

instalações secretas em Penemunde e Mittelbau, que desenvolveram os V-1 e V-2, foi o

major da SS Werner Von Braun. Von Braun seria figura fundamental no projeto

espacial americano, principalmente após 1958, quando a NASA é criada e ele é alçado

ao comando da nova agência.

Por sua vez, a ARPA (Advanced Research Projetc Agency), representou um

esforço para se sistematizar e administrar todo o conhecimento gerado por parte dos

Estados Unidos no que tange à tecnologia militar. Sua missão, definida pela própria

agência, é até hoje:

Prevent technological surprise and to act as a catalyst in the development of high-risk,

high-pay off military programs for the three armed services (Alexander, David (2010):

localização 109).

Nos anos seguintes a ARPA retiraria das universidades seus quadros técnicos e

do congresso americano seus quadros administrativos.

Dessa forma, A ARPA e a NASA, na década de 50 e 60, desempenharam papel

fundamental na expansão do Complexo Industrial-Militar Norte Americano. Elas

responderam à dinâmica competitiva da Guerra Fria e se instalaram, mesmo que contra

a vontade do presidente, no centro da política externa e militar americanas.

Essas duas grandes agências também mostravam que Eisenhower cada vez mais

estava isolado no seu discurso de contenção de gastos, o qual em 1960 não iria resistir

ao episódio do U-2 de Francis Gary Powers.

A queda do avião espião em território russo não foi um acidente e vários indícios

mostravam que a perda da aeronave não havia sido ocasionada pelo abatimento da

mesma em sua altitude operacional de 80.000 pés.

41

Para mais detalhes: Levenda, Peter (2011)

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71

Em primeiro lugar havia questões técnicas que transformavam a hipótese de

abatimento pouco provável. Os mísseis soviéticos em 1960, mesmo que conseguissem

atingir a altitude operacional do U-2, ainda estavam muito longe de possuírem um

sistema de alvo avançado o suficiente para atingir o avião. Na imagem dos destroços

analisada, o engenheiro chefe do projeto, Kelly Johnson da Lockheed, mostrava que os

destroços apresentados por Nikita Khrushchev não eram do U-2. A canopla não havia

quebrado com o impacto, o que não parecia plausível se um pedaço de vidro, mesmo

que reforçado, caísse de tamanha altura. Entretanto, o que mais chamava a atenção era

que todo o avião fora projetado para se desintegrar na possibilidade remota de ser

atingido, impedindo que o piloto sobrevivesse ao evento. Além disso, Gary Powers

sabia que a possibilidade de ejeção a tamanha altitude não seria possível.

Em segundo lugar, havia algumas coincidências acerca daquele voo. O avião de

Powers já havia sofrido um acidente há alguns meses antes por mau funcionamento do

motor. Powers, no meio do seu percurso, avisa à torre de comando que seu tanque de

hidrogênio, um dos combustíveis do avião, estava vazio e ele perdia altitude pois seu

motor apagara. Assim, os russos o interceptaram a uma altitude mais baixa. Outro fato

pouco explicado era que Powers, um piloto da CIA, carregava em baixo de seu assento

seus documentos pessoais, sendo possível sua identificação, algo inimaginável para um

espião. Além disso, o avião não estava equipado com a câmera Landall de altíssima

resolução, que permitia imagens precisas das áreas fotografada42.

Há muitos indícios, portanto, que apontam para uma sabotagem desse voo, que

Allen Dulles, chefe da CIA, nunca disse ter autorizado. É interessante verificar que a

principal perda da queda de um avião espião em território russo não foi o orgulho

nacional americano, mas a morte da Conferência de Paris, que estava ocorrendo em

Maio de 1960. Nessa conferência, líderes do Leste e do Oeste se preparavam para

discutir a paz e uma possível redução da corrida armamentista, que Eisenhower tanto

temia.

Tentou-se negar o ocorrido. O secretário de Defesa dizia que o U-2 era parte de

um programa metereológico da NASA. Porém, Eisenhower sabia que nada disso o

pouparia da vergonha. Assim, o presidente vai à cadeia nacional de televisão dizer a

42

Para maiores detalhes: Prouty, Fletcher L (1997)

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72

verdade sobre a aeronave. Em seu argumento, ele justificava como legítima a ação

americana, pois a América tinha o direito de se defender de possíveis ameaças43.

Se o U-2 impossibilitou a Conferência de Paris, ele também, em parte, impediu a

continuidade de um governo republicano na Casa Branca. Sem contar com o fato de

Eisenhower não aprovar a nomeação republicana de seu vice-presidente, Richard Nixon,

os democratas se apropriaram da discussão sobre a segurança nacional sem grandes

dificuldades. Na pessoa de um jovem e carismático político, os Democratas chegam

novamente ao Executivo federal com John F. Kennedy.

Antes, porém, de deixar a Casa Branca, Eisenhower se dirige à nação em seu

discurso de despedida, em parte reproduzido acima. Dele não fazem parte o crescimento

econômico americano no período ou o baixo nível de desemprego experimentado pelos

baby boomers, que andavam em carros enormes e experimentavam uma sociedade de

consumo avantajada. O “america way of life”, cobiçado por muitos no exterior, não foi

o foco principal de suas palavras. Ao contrário, ele alertava sobre a enorme influência

indesejada do complexo industrial-militar e a ameaça que isso representava para a

sociedade de seu país tanto do ponto de vista econômico, político e até espiritual.

O presidente que saía entendia claramente as forças que atuavam sobre esse

complexo, que não era apenas industrial ou militar. Além desses dois adjetivos,

Eisenhower queria adicionar um terceiro: a palavra congressual. Contudo, aconselhado

por seus secretários desistiu de fazê-lo44. O congresso americano era responsável pela

nova dimensão e poder desse ente amorfo que o presidente criticava. Sua presença,

segundo Eisenhower era sentida em qualquer legislatura no país.

Entretanto, isso já não importava, pois o alerta presidencial não foi ouvido.

Kennedy recolocaria os democratas no poder Executivo e logo elevaria os gastos

militares que não deveriam apenas defender os Estados Unidos, mas também assegurá-

lo a liderança tanto no mundo quanto no espaço. A juventude do novo presidente

chamava os americanos a maiores responsabilidades, pois não era o que o país poderia

fazer por você, mas o que você poderia fazer pelo país. Como o novo presidente

afirmava em seu discurso na universidade de Rice, os EUA tinham certeza de que

43

Para maiores detalhes: Smith, Jean Eduard (2012)

44

Para maiores detalhes: Jarechi, Eugine (2005)

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73

grandes feitos não nasciam sem grandes sacrifícios e que o país aceitava o desafio de

chegar primeiro à lua não porque era algo fácil, mas porque era difícil e desafiador.

Para Kennedy, a exploração do espaço poderia ser um exemplo de evolução no

modo como a humanidade conduzia suas relações e que a paz poderia ser o modus

operandi dessa nova e maior aventura. Porém, ao mesmo tempo, não descartava a

possibilidade de tal visão não dar certo. Ao lado de uma exploração espacial pacífica

estava a necessidade da liderança americana. Portanto, Kennedy antes de falar de paz

falava em competição, em conflito e a única forma de os EUA não perderem era estar à

frente.

O discurso em Rice vinha logo depois que Yuri Gagari afirmava que a terra era

azul, colocando a URSS novamente em vantagem na corrida espacial e na Guerra Fria.

O que Kennedy conseguiu, assim, ao desafiar os americanos a apoiá-lo em seus planos

de ir à lua foi suporte da sociedade civil para maiores gastos no desenvolvimento de

tecnologias de uso dual.

A NASA, comandada por Von Braun, seria a ponta de lança para o

desenvolvimento de tecnologias que contariam com a expertise de empresas privadas do

setor de defesa. A mesma tecnologia utilizada no desenvolvimento dos projetos Gemini

e Saturno seriam aplicadas no desenvolvimento do sistema Aegis da LockHeed e

Boeing.

Quanto isso custaria? Seriam os Estados Unidos capazes de financiar tais planos

sem ameaçar sua economia civil, como Eisenhower pensava? Essas perguntas não

podem ser respondidas sem analisarmos a política externa americana e o seu

envolvimento com o Vietnã, a crise do petróleo e o fim da paridade ouro-dólar no início

da década de 70. Essas questões serão analisadas no terceiro e último capítulo desse

trabalho que irá também mapear a situação atual do complexo industrial-militar

americano.

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74

Capítulo 3

3.1 – O Vietnã

Os três primeiros anos da política externa americana na década de 1960 foram

interessantes. Kennedy queria chegar à lua antes do final da década, suas palavras

falavam de paz e liderança e os EUA mais do que nunca acreditavam na sua

excepcionalidade como nação. Na nova figura política de Kennedy, estava impressa a

certeza de que os EUA iriam avançar e levar a liberdade para o mundo.

Contudo, em 15 de outubro de 1962, fotos aéreas, tiradas pelo mesmo avião que

tantos problemas causara a Eisenhower, mostravam a Kennedy que os russos estavam

construindo uma base secreta na ilha de Cuba, com capacidade para lançamento de

mísseis nucleares.

Antes de chegar à metade de seu mandato, o novo presidente democrata via seu

país ameaçado por um ataque nuclear soviético, que vinha de uma pequena ilha a menos

de 200 kilômetros da costa da Flórida. A reação presidencial foi imediata, com um

anúncio ao povo americano sobre o problema. Em seu discurso à nação, ele afirmava

que tomaria qualquer medida necessária para que se garantisse a total segurança de seu

país com a retirada imediata dos mísseis soviético de Cuba. Iniciava-se então os 13 dias

que abalariam o mundo.

Após muito nervosismo e discussões com seu pequeno comitê, de quem faziam

parte nomes como Robert Kennedy e Robert McNamara, a crise chegava ao fim com a

retirada dos mísseis russos da ilha caribenha. O acordo por parte dos americanos seria a

retirada de seus mísseis de médio alcance da Turquia.

Pela primeira vez, o mundo sentia que a possibilidade de uma guerra nuclear era

real. Nas palavras do Secretário de Defesa, Robert McNamara, o mundo chegou muito

perto de uma guerra nuclear, na qual não haveria vencedores45. Após a superação da

crise, os formuladores da política externa americana entenderam que uma comunicação

direta e sem intermediários era necessária entre as lideranças americanas e russas.

Assim, foi instalado o telefone vermelho no salão oval.

45

Para maiores detalhes: Morris, Errol (2003)

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75

Também se pensou que a ameaça nuclear era digna de maior atenção e se

iniciaram debates sobre o controle de testes e armas atômicos. O regime de não

proliferação começava a ganhar velocidade em outubro de 1962 e teria seu ápice com o

Tratado de Não Proliferação de 1968, que representou, conforme um diplomata

brasileiro na ONU afirmava, o congelamento do poder mundial46.

A grande crítica em relação à não proliferação era que ela era apenas horizontal,

ou seja, os países que a partir daquela data não tinham conseguido desenvolver armas

nucleares ficam vedados de fazê-lo. Ao mesmo tempo, se fazia promessas vagas sobre a

desnuclearização efetiva dos países que possuíam a bomba.

A construção de mecanismos de salvaguardas nucleares não significava,

portanto, o esquecimento das palavras de Kennedy sobre paz, liderança e competição. A

lógica da Guerra Fria ainda valia. Pouco antes da crise dos mísseis, o orçamento do

Pentágono chegava ao mais alto patamar até então: 56 bilhões de dólares. Esse era um

número alcançado pela estratégia de McNamara chamada de resposta flexível, que tinha

como núcleo o aumento do número de mísseis intercontinentais americanos.

Esse enorme orçamento militar também estaria voltado para o desenvolvimento

de mecanismos não-nucleares, o quais estariam focados nos esforços de contra-

insurgência. Kennedy, em 61, estabelece uma força americana com esse objetivo. Os

boinas verdes teriam uma missão militar, política e econômica a desempenhar nos

recantos do mundo onde os comunistas quisessem avançar. O Vietnã foi a primeira

missão desses novos combatentes que recebiam as mais avançadas armas americanas47.

Seguindo a teoria do dominó defendida por McNamara, os boinas verdes

começam a se dirigir para o Vietnã e quando Kennedy morre seus números já eram de

15.000 colaboradores. Esse fluxo de soldados americanos para a região era

problemático aos olhos da ONU e dos operadores do direito internacional, uma vez que

mediante o tratado assinado em 1955, o Vietnã do Sul era um território administrado

pelos franceses, o qual só seria reconhecido como independente após eleições, que

nunca ocorreram.

46

Para maiores detalhes: Cervo, Amado e Bueno, Clodoaldo (2002) 47

Para maiores detalhes: Ambrose, Stephen E. e Brinkley, Douglas . G (1997)

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76

Porém, os EUA, desde o início, entenderam que se tratava de uma questão de

facto, na qual havia a existência de dois países, sendo que o país do sul estava sendo

ameaçado por forças socialistas do norte. Assim, os EUA deveriam atuar para assegurar

sua independência.

Quando Lyndon Johnson assume, em Novembro de 1963, o clima já era o de

uma corrida eleitoral e os democratas estavam enfraquecidos, pois pareciam não ter

feito muito pela liberdade, algo que os republicanos, lembrando ainda o fim da era

Eisenhower, começavam a explorar.

Nesse sentido, o incidente da baía de Tonkin, semanas antes da eleição

presidencial, foi rapidamente explorado por Johnson. Mais uma vez, é preciso destacar

que o suposto ataque ao navio americano USS Maddox, estava cheio de incongruências.

Os operadores de sonar e o capitão do navio, quando solicitados para confirmar o

ocorrido, pareciam não ter certeza se houvera ou não um ataque norte-vietnamita. A

conversa no rádio com os oficiais em terra mostrava que não se sabia se os ruídos na

água eram provenientes de torpedos ou hélices de embarcações pequenas48.

Se o ataque aconteceu ou não, parece ser menos importante do que Lyndon

Johnson preferiu fazer com a dúbia informação. Indo ao Congresso, o presidente

consegue da casa legislativa a Resolução de Tonkin, que dava ao presidente poderes

para expandir o esforço de guerra da maneira como ele desejasse, sem consultar o

Congresso. Era novamente a ideia de cheque em branco que o Executivo recebia do

Legislativo. A vitória de Johnson foi ressoante, pois na votação ele conseguiu 408 votos

a favor, o que indica que a maioria dos representantes americanos desejava ir à guerra.

... Johnson wanted and got a blank check that would allow him to expand the war as he

saw fit without consulting Congress. (Ambrose, Stephen E. e Brinkley, Douglas . G

(1997):200)

Em pouco tempo os boinas verdes se tornavam minoria no sudoeste asiático.

Sem poder contar com o exército sul-vietnamita, que não era confiável, os números dos

soldados americanos cresceriam gradualmente. Ao lado da estratégia de enviar mais

soldados para o Vietnã, os EUA iniciam aquilo que seria a maior campanha de

48

Para maiores detalhes: Morris, Errol (2003)

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77

bombardeios da história, que tinham seus alvos, pessoalmente, escolhidos por Johnson e

McNamara.

Em 1965, os EUA elevavam suas tropas para 125.000 homens e em 1967, o

número chegava próximo dos 200.000, custando 30 bilhões de dólares por ano. Somado

a isso, o número de baixas começava a crescer e o custo humano aumentava. A partir do

final de 1967, a impopularidade da guerra crescia à medida que o recrutamento

compulsório começava a chegar à população branca de classe média. Não demorou para

os protestos começarem.

Muito se questionava acerca de como se iria ganhar no Vietnã e a insegurança

era tão grande que o presidente, no início de 68, foi à cadeia nacional tranquilizar a

população de que a vitória estava próxima. Porém, isso não era verdade, pois a linha de

suprimentos norte-vietnamita não estava no país, mas na Rússia e na China. Assim,

apesar de se destruir quase que completamente a infraestrutura dos “vietcongs”, não se

conseguia reduzir significativamente a capacidade dos norte-vietnamitas de lutar.

Em uma guerra, o sucesso muitas vezes é percebido não pela vitória, mas pela

capacidade de avanço da tropa e isso os EUA não conseguiam fazer. Essa era a razão da

ansiedade dos telespectadores que assistiam a Johnson na TV em Janeiro de 1968. Se

por um lado, os americanos não mostravam progresso significativo, por outro, os

“vietcongs” o demonstraram com maestria.

Em 30 de Janeiro de 1968, durante o ano novo lunar, uma data festiva para os

vietnamitas, houve a ofensiva do Tet, que desestruturou o domínio americano em várias

cidades da parte sul do país. O Tet ainda não significava a derrota final americana no

Vietnã, mas servia para demonstrar que Johnson estava errado e que a vitória, se fosse

possível, não estava próxima.

Com o Tet, Johnson estava liquidado e não encontrou apoio nem forças para

tentar uma reeleição. McNamara cai dizendo que não tinha palavras para expressar o

que sentia naquele momento e seu substituto aconselhava o presidente a suspender os

bombardeios. No campo de batalha, as notícias não eram boas e o General

Westmoreland informava que para vencer seriam necessários mais 200.000 homens.

Em 69, a Casa Branca estava aberta novamente para os republicanos e Nixon

assume a presidência em meio a euforia da maturação do projeto espacial americano.

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No dia 20 de Julho daquele ano, Neil Armstrong pisava na lua, dizendo que era um

pequeno passo para um homem, mas um gigantesco passo para a humanidade. Porém, a

alegria com a conquista da lua rapidamente dava espaço para preocupações acerca do

término da guerra, a qual Nixon colocara como ponto principal em sua campanha.

É diante desse cenário de preocupações e euforia, que se torna interessante

verificar o que ocorria nas instituições políticas americanas e nas indústrias do setor de

defesa.

3.2 – O Caso do C-5A

Quando a guerra do Vietnã começa, existe uma enorme demanda sobre novos

equipamentos militares. Novos veículos terrestres como jipes e blindados eram bastante

necessários, modernas vestimentas e armas mais leves tinham alta demanda para um

confronto no calor das selvas asiáticas. Novos tipos de veículos aquáticos como barcos

de patrulha fluviais, lanchas rápidas de ataque e submarinos se multiplicavam no rios e

baías do país asiático.

A quantidade de material e tropas que deveriam ser enviadas ao teatro de guerra

era simplesmente enorme e não era feita desde a Segunda Guerra Mundial. Para isso, os

EUA não poderiam apenas contar com a Marinha, uma vez que havia muitas unidades e

vetores militares que precisavam ser transportados rapidamente ao teatro de operações.

Assim, percebe-se a necessidade de se desenvolver um novo avião cargueiro,

que fosse capaz de cruzar grandes distâncias e de carregar muito mais carga do que os

C-130 Hércules carregavam. É preciso verificar que novamente grandes investimentos

seriam realizados no setor aeronáutico.

Cabe aqui, antes de se delinear o caso do C-5A, chamar a atenção que muitos

recursos foram aplicados no desenvolvimento de armas aquáticas e terrestres, havendo

enorme avanço nessas áreas, porém, há que se destacar que o setor aeronáutico possui

um custo de desenvolvimento muito mais alto, devido a sua maior complexidade. Dessa

forma, as empresas do setor aeronáutico, quando fecham contrato com o governo

americano sobre uma nova aeronave, levam a maior parte dos recursos disponíveis49.

Na guerra do Vietnã, todas as grandes empresas aeronáuticas dos Estados

Unidos possuíam contratos com o Pentágono. Boeing, Northorp, Martin Marieta, 49

Para maiores detalhes: Alexander, David (2010)

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79

Lockheed, eram nomes ouvidos a todo o instante nos corredores da Secretaria de

Defesa. E todas elas estavam interessadas no projeto.

Com dimensões inéditas, de uma ponta de asa a outra alcançava quase o

tamanho de um campo de futebol e seus motores produziam energia equivalente para

alimentar uma cidade de 50.000 habitantes, o C-5A era uma oportunidade de negócio

única.

No processo licitatório para se decidir qual a companhia que desenvolveria o

novo cargueiro, a Boeing se destacou por convencer os membros do painel técnico da

Força Aérea de que tinha o melhor projeto, porém isso não bastou e o desenrolar dos

acontecimentos iriam mostrar que a influência política de uma entidade privada pode

superar a decisão técnica do setor público.

Assim que o painel técnico divulga sua decisão, imediatamente a Lockheed

começa a exercer seu lobby para reverter o resultado indesejado. Primeiro, fez-se

pressão sob o prefeito Howard Atherton, da cidade de Marietta, no Estado da Georgia.

Nesse local eram fabricados os C-130, que seriam substituídos pelos novos C-5A.

Deixou-se claro que, se o contrato do novo avião não fosse da Lockheed, mais de

20.000 postos de trabalho diretos e indiretos seriam perdidos naquela cidade.

Nesse caso, era necessário subir na hierarquia de poder do Estado Americano e

pedir ajuda ao representante da Georgia no Congresso, o Senador Richard Russell.

Russell, no entanto, não era qualquer senador, mas o presidente do Comitê do Senado

para Serviços Militares e presidente do Subcomitê de Apropriações para a defesa

nacional. Assim, os gastos militares que o Senado americano fazia nas Forças Armadas

em última análise eram assinados por Russell.

Ao mesmo tempo, a Lockheed anunciou sua intenção de construir parte do C-5A

em Charleston, no Estado da Carolina do Sul. Sem que se pudesse afirmar que havia

apenas coincidência, esse era o Estado do presidente do Comitê da Câmara para

Serviços Militares, o deputado L. Mendes Rivers. Rives, a partir de então, passava a ser

um fervoroso defensor dos projetos para a Lockheed.

Porém, o lobby mais intenso a favor da empresa veio mesmo do Pentágono que

tinha o desejo de manter a Lockheed como parte permanente da base de indústria de

defesa. O argumento dos militares estava no fato de que, se fosse necessário mobilizar o

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país para a guerra, ter aquela empresa solvente e ativa era fundamental. A Boeing tinha

uma fatia significativa do mercado de aeronaves civis e poderia encontrar outra saída

para a manutenção de seus lucros, já a Lockheed estava enfrentando dificuldades com

seu Constelation.

É nesse momento em que a Lockheed irá se especializar cada vez mais em

produtos militares, um caminho que a levará mais tarde à liderança entre as empresas do

setor de defesa. Nesse sentido, é premente perceber que o setor de defesa americano não

é regido pelas normas da livre concorrência e de eficiência, sendo o conluio entre o

Pentágono e as empresas privadas a regra a ser observada, na qual esses dois polos

prosperam na burocracia e na economia nacional americana.

The practice of doling out contracts according to the financial needs of arms makers

than the merits of a particular weapons design is a long-standing practice in the military

industrial complex, where the investments needed to keep factories at the ready to build

modern armaments can run into the billions of dollars. As a result, a symbiotic

relationship has developed between the Pentagon and its top contractors in which each

needs the other to survive and prosper. (Hartung, Willian D. (2011): 72)

A inexistência do livre Mercado nesse campo é muito significativa nesse

período, pois o Pentágono era dirigido por Robert McNamara, um enorme defensor da

eficiência no mundo dos negócios. Quando ele estava à frente da Ford, antes de ser

Secretário de Defesa, seu alto salário se justificava pela capacidade de encontrar novos

mercados e reduzir custos.

Custos, aliás, seriam exatamente o grande problema do C-5A. Procurando evitar

desperdícios, Robert Charles, um dos whiz kids de McNamara, elabora um novo tipo de

contrato, o TTP (Total Packege Procurament). Por meio deste, Charles, que fora vice-

presidente da McDonnell Aircraft, pretendia fazer com que a empresa vencedora da

licitação fosse responsável por especificar os custos, não só da fase de desenvolvimento

e pesquisa do projeto, mas também os da fase de produção do bem ou serviço

contratado. As companhias teriam que respeitar as datas limites de suas próprias

projeções e absorver os custos provenientes de qualquer deficiência estrutural do

projeto.

A nova espécie de contrato seria de fato uma inovação se não fosse por dois

problemas. Primeiro, as multas que as empresas estavam sujeitas não poderiam passar

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de 11 milhões de dólares. Essa quantia perto do valor final e real de um projeto como o

C-5A era insignificante. Segundo, logo ficava claro que o novo contrato possuía

inúmeras brechas quanto ao reescalonamento dos custos do projeto.

Assim, as empresas que entravam em licitação pública para concorrer na

prestação de serviços para o Pentágono eram incentivadas a subestimar os custos de um

novo projeto, bem como estipular prazos muito curtos para sua conclusão. Tais

distorções teriam, no caso de um projeto de grande escopo como o C-5A, um enorme

impacto.

O problema, no entanto, não teria tomado as proporções que tomou se não fosse

por Ernest Fitzgerald, um funcionário do Pentágono responsável pela estimativa de

custo dos projetos na Força Aérea. Ele, em novembro de 1968, verificou que a

Lockheed pretendia embutir, no preço do segundo lote de aeronaves a ser entregue, todo

o aumento de custos sofrido no projeto pelos últimos cinco anos.

Em um cenário político de total deterioração para o presidente Lyndon Johnson,

o testemunho de Fitzgerald no congresso foi o último ato de um drama que tinha no

Vietnã seu pano de fundo. O desenrolar das revelações do analista de custos do

Pentágono mostravam que em plena guerra, a qual estava sendo perdida; em meio a

protestos que levavam milhares a Washington, o Pentágono parecia não se importar

com seus gastos.

Fitzgerald para muitos deveria ser considerado um herói e foi assim que o

Senador Willian Proximare, do Estado de Wisconsin, o qualificava. Porém, nada disso

foi suficiente para impedir que, em 1969, Fitzgerald fosse demitido do serviço público e

acusado de traição pelo serviço de investigação da Força Aérea, que o processou por

tornarem públicos documentos contábeis classificados como secretos.

É interessante perceber que o Pentágono dedicou mais tempo e energia para

desmentir o que Fitzgerald havia exposto do que para blindar Eisenhower no episódio

do U-2 na Rússia, quase 10 anos antes. Para justificar o aumento de custo no projeto do

C-5A foi contratado John Dyment, funcionário da Arthur Young and Company, a maior

empresas de contabilidade dos EUA, que tinha na Lockheed uma grande cliente.

Dessa forma, o projeto iria à frente mesmo que se verificassem irregularidades

significativas, mesmo que o escândalo denegrisse ainda mais a imagem de um

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presidente politicamente moribundo, mesmo que isso, em última análise, representasse

uma ameaça ao esforço de guerra americano na Ásia.

Em 1973, quando a política interna americana já estava conturbada com o caso

Watergate, um dos assessores de imprensa de Nixon, preocupado com um possível

retorno de Fitzgerald ao Congresso, perguntou-lhe o porquê de o presidente demitir

aquele funcionário, a resposta foi simples e direta.

“This guy that was fired ... I’d marked in the news summary. That’s how it happened. I

said get rid of that son of a bitch”. Nixon went on to say that he was not taking orders

by exposing the overruns on the C-5A. (Hartung, Willian D. (2011): 81)

Portanto, percebe-se que os interesses envolvendo o setor de defesa perpassam

por completo as instituições americanas, as quais os protegem e os incentivam, mesmo

diante de cenários pouco favoráveis e a década de 70 seria sem dúvida o pior deles.

3.3 – Do Vietnã à nova ordem mundial

Ao se analisar a política interna e externa americana da década de 70, dois

pontos saltam aos olhos. O primeiro é que este foi um período de claro declínio relativo

dos Estados Unidos no mundo. O segundo consiste no fato de que foi esse também o

período em que os Estados Unidos lançaram as bases para o que viria a ser um retorno

triunfal de sua liderança inconteste.

O Vietnã, desde 1968 com a ofensiva do Tet, passava a ser um problema que não

poderia ser resolvido pela via militar. Assim, quando Nixon assume, começa-se a tentar

estruturar um meio para negociar com o Vietnã. A simples oferta de conversações para

a paz, no entanto, não seria suficiente para atingir esse objetivo. Nesse sentido, Nixon,

em conjunto com Henry Kissinger, adota uma estratégia que os colocaria fora da guerra.

Primeiro, inicia-se uma campanha de bombardeios sem igual na história. De

1970 a 1973, os EUA ampliam o escopo e a intensidade dos ataques aéreos e lançaram

mais bombas sobre Laos, Camboja e Vietnã do que usaram na Segunda Guerra

Mundial.50

Segundo, os americanos imediatamente começam a explorar as diferenças

existentes no interior do bloco socialista. É nesse momento que Nixon expõe sua

50

Para maiores detalhes: Black, Conrad (2008)

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vontade de ir à China ao público. Isso não era algo simples para um presidente

americano, pois a China era um grande país comunista e o Vietnã era o símbolo maior

da Guerra Fria. Porém, Nixon não era um presidente comum, tendo construído toda sua

carreira política com o foco no combate ao comunismo. Ele havia sido eleito deputado e

senador tendo como maior bandeira uma perseguição implacável contra supostos

agentes soviéticos. O caso mais marcante foi o do servidor público Alger Hiss, que

catapultou Nixon à vice-presidência do país em 1953. Nesse sentido, se havia alguém

que poderia ir à China em 1972, essa pessoa era Richard Nixon.

A visita do presidente americano ao país de Mao Tse-Tung, rapidamente

chamou a atenção de Leonid Brezhnev e Nixon foi a Moscou no mês seguinte, onde

assinou acordos de desarmamentos com os soviéticos.

Porém, o maior resultado dessas visitas foi a intermediação da China na abertura

de negociações com o Vietnã. Em 1972, o processo de negociação de paz ganhou novo

ímpeto com as reuniões secretas de que Kissinger e Zhou Enlai realizavam em Paris.

Esse movimento permitiu que, ao mesmo tempo, se chegasse a um acordo sobre o

Vietnã e sobre a reinserção da China no mercado mundial. A partir desse momento,

depois de resolver suas diferenças internas na cúpula do poder, a China inicia seu

cominho para tornar-se, 40 anos mais tarde, a segunda economia do mundo.

Esse avanço chinês, no entanto, não poderia ocorrer sem que no centro do

sistema capitalista mundial, houvesse uma reformulação profunda: o fim do

compromisso estabelecido em Bretton Woods em 1944. Em 1971 e 1973, os Estados

Unidos abandonam a convertibilidade e a paridade do dólar ao ouro, respectivamente.

Essa grande mudança acabava com a estabilidade cambial experimentada pelo mundo

nos trinta anos subsequentes à Segunda Guerra Mundial, bem como reintroduzia a

possibilidade de maior mobilidade de capitais no sistema financeiro. Isso representou o

fim do período conhecido como os 30 anos gloriosos em que o sistema capitalista

presenciou um crescimento econômico em praticamente todo o mundo e, pela maioria

dos analistas internacionais e acadêmicos, foi interpretada como um sinal profundo de

fraqueza americana51.

51

Para maiores detalhes: Fiori, José Luis (2004)

Page 84: Rodrigo Torres de Almeida - ie.ufrj.br · Norte-Americano: Um passo em direção ao poder global ... Internacional, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Agradeço também a

84

Não eram poucos aqueles que entendiam que o fim do império americano estava

próximo e essa percepção era agigantada pelos diversos problemas que os EUA

enfrentavam não só no campo econômico, mas também no político. Além do Vietnã e

do abandono de Bretton Woods, a crise no Oriente Médio, em outubro de 1973,

começava. Em um ataque surpresa, uma coalizão de países árabes liderados pelo Egito

lançavam suas forças armadas sobre Israel.

A guerra do Yom Kippur carregava a possibilidade de significativa mudança na

liderança política no Oriente Médio. Mais do que isso, esse conflito chegava exatamente

no momento em que os EUA não podiam mais exercer o papel de balanceador do

mercado de petróleo. No início dos anos 70, a produção de dessa commodity nos EUA

já não era mais suficiente para atender o consumo nacional americano. Dessa forma, o

Oriente Médio crescia em importância estratégica, pois, além de conter as maiores

reservas mundiais, era também a região onde a produção do petróleo era a mais barata.

O Yom Kippur atingiu os israelenses de surpresa e a Primeira Ministra, Golda

Mier, avisava que não poderia sustentar a defesa de seu Estado por mais tempo, se os

EUA não entrassem na luta. Nixon não queria isso, mas com o rápido avanço árabe

sobre Israel, os EUA iniciam o abastecimento aéreo de Tel Aviv e Jerusalém, o que foi

suficiente para que a OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo) optasse

por um embargo aos Estados Unidos e a outros países que apoiavam Israel. Em poucos

meses, o preço do barril de petróleo, que antes de 1973 custava, em média, três dólares,

passava a custar trinta e três dólares.

Com o preço da energia muito mais caro e com a possibilidade do capital

começar a se movimentar mais livremente em busca de áreas mais seguras, grandes

partes da economia mundial começam a sofre com a estagnação e a inflação ao mesmo

tempo. Na Europa, o fenômeno ficou conhecido como euro esclerose e a na América

Latina abriu caminho para o que ficaria mais tarde conhecido como a década perdida.

Quando Gerald Ford assume e dá o perdão presidencial a Nixon, os EUA

aparentavam ter perdido o controle sob a situação tanto na Ásia quanto no Oriente

Médio. Quando seu sucessor, Jimmy Carter, sai da presidência as aparências davam

lugar à certeza do caos. A revolução iraniana que retirava o Xá do poder, em seu posto,

colocava o Aiatolá Komeine, transformando o Irã em um Estado teocrático.

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85

Nesse cenário desafiador, as mesmas mudanças, que no início da década se

comportaram como fator de alarme e preocupação, permitiram um retorno americano à

posição segura de liderança. Mais do que isso, o caminho trilhado pelo EUA foi tomado

de maneira consciente. O abandono da convertibilidade e da paridade já era discutido

desde 1968, quando nomes como Paul Volker, no FED, já levantavam a necessidade de

tais medidas52. Nixon, antes de ser eleito em 69, já percebia que a guerra do Vietnã nada

significava perto dos ganhos de uma China ativa no comércio internacional, operando

suas reservas e dívida pública em dólares.

Esse caminho, no entanto, não foi sem tropeços. Os americanos não contavam

com o Yom Kippur ou a Revolução Iraniana, nem com os reflexos inflacionários ou

com a forte competição em alguns setores industriais provinda de aliados como o Japão

e a Alemanha. Porém, agora o dólar era uma moeda de circulação mundial, que não

possuía lastro em algo materialmente mensurável e, por ser uma moeda, estava sob o

controle de uma e apenas uma economia nacional.

O exercício do poder americano com essa nova ferramenta monetária precisava,

no entanto, de liderança política para ser usada em toda sua força. No entanto, a década

de 70, com um executivo enfraquecido por escândalos e erros estratégicos, não a

forneceu. Isso ficaria para próxima década com o presidente Ronald Reagan que

começaria seu mandato com a difícil missão de não apenas recuperar o prestígio de seu

país no mundo, mas também de buscar a retomada do crescimento econômico e o fim da

inflação.

No centro da estratégia de Reagan, estava um conjunto de medidas

macroeconômicas como redução da carga tributária e a redução do gasto

governamental. Porém, o que escapou aos crentes da tese de que o poder americano

chegava ao fim era que muito da turbulência interna que se iniciava em 1973 poderia ser

sanada com a revalorização do dólar e a retomada de seu papel como moeda de reserva

internacional. A decisão política que inicia esse processo foi protagonizada por Paul

Volker, com a elevação da taxa básica de juros da economia americana em 1979.

Na verdade, neste momento – argumenta corretamente Micheal Hudson, os EUA

estavam impondo aos detentores de excedentes em dólar o US Treasury Bill Standard,

um padrão cujos ativos líquidos de última instância passaram a ser os títulos da dívida

52

Para maiores detalhes: Fergurson, Charles (2010)

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86

do tesouro americano, ampliando o poder de seignorage da moeda americana. (Tavares,

Maria da Conceição, em O Poder Americano (2004): 125-126)

A estratégia americana estaria completa com a desregulamentação do mercado

financeiro, que na década de 1980 ganha ímpeto. Os cortes nos impostos que Reagan

promoveu não retornaram à economia sob a forma de mais postos de trabalho e na

expansão da indústria no país. Pelo contrário, o que irá ocorrer é um crescimento de

ativos financeiros nas mãos das empresas e das famílias americanas. Com maior

mobilidade dos recursos financeiros, muitas vagas de emprego são transferidas para o

exterior, seguindo à lógica da mundialização do capital e do poder americano, que

tinham nas empresas multinacionais um fator importante53.

Na sua crença de Estado mínimo, Reagan era um enorme defensor da redução

dos gastos governamentais. Pare ele, menos gastos do governo era mais recursos nas

mãos do setor privado, o qual tinha como papel principal realizar os investimentos que

seu país precisava. Seguindo essa orientação, em 1981, Reagan, mesmo tendo a sua

frente um congresso democrata, conseguiu aprovar seus orçamentos naquele ano.

Houve uma redução significativa nas pastas de educação, saúde e serviços

sociais, porém os cortes atingiam todos os ramos do Estado americano, à exceção de

um: o orçamento de defesa. Para se ser mais exato, o orçamento de defesa foi inflado

enormemente.

Nesse cenário, é importante delinear como esse setor se comportou perante a

redução dos recursos militares logo após a guerra do Vietnã e como ele foi promovido a

partir da era Reagan.

De fato, a segunda metade dos anos 70 foi um período árido para as empresas

diretamente vinculadas aos gastos militares. A derrota do Vietnã, em conjunto com a

crise do petróleo, fizeram o Pentágono e as empresas do setor de defesa reavaliarem

seus objetivos. Acostumadas aos recursos fartos, muitas delas não eram um exemplo de

eficiência. Contudo, os menores proventos do Pentágono não significaram o abandono

dessas empresas por parte dos militares.

53

Tavares, Maria da Conceição (2004)

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87

Primeiro, elas passaram por reestruturação profunda ganhando maior

competitividade. Isso, entre 1975 e 1981, significou não apenas demissões, mas também

um maior e melhor planejamento de seus projetos54.

Outro fator, foi que apesar de haver menos dinheiro para a compra de armas nos

Estados Unidos, isso não significava que fora dele não houvesse oportunidades. O

Oriente Médio e a África seriam espaços disputados por essas empresas no período55.

No entanto, novamente o fator mais importante dessa manutenção e

sobrevivência dessas empresas foi que o Pentágono, apesar de não poder realizar

compras maiores, pôde continuar a financiar ao menos o desenvolvimento de novos

vetores de uso militar56. Produtos como o F-16, o F-18 e o F-117, tiveram seus projetos

iniciado ao final da guerra do Vietnã e atingiram a maturidade no início da década de

198057.

Assim, quando Reagan anuncia o retorno aos gastos militares, essas empresas,

apesar de não apresentarem a mesma lucratividade dos anos anteriores, puderam, com

empréstimos públicos e condições facilitadas de pagamento, rapidamente responder ao

chamado do presidente, que propunha o fim da Guerra Fria.

Reagan colocaria um ponto final na estratégia de contenção sobre a URSS

iniciada por Henry Truman, porém o caminho para isso seria o mesmo adotado pelo

presidente democrata quase quarenta anos antes: o aumento do gasto militar, que, ao

contrário de Truman, não dependeu de um convencimento amplo e desgastante no

Congresso.

Entre o discurso de 1981, que qualificava a URSS como o império do mal e o

discurso em Berlin, em 1989, que pedia a Gorbatchov para derrubar o Muro; entre o seu

resurgimento triunfal após a tentativa de assassinato que quase lhe custou a vida e o

episódio dos Irãs-Contra, que representou o ponto mais baixo de sua carreira política,

Reagan pressionou até o limite espacial, com o projeto Guerra nas Estrelas, a União

Soviética.

54

Para maiores detalhes: Alexander, David (2010) 55

Para maiores detalhes: Turse, Nick (2008) 56

Para maiores detalhes: Alexander, David (2010) 57

Para maiores detalhes: Crickmore, Paul F. e Crickmore, Alison J. (2003)

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88

Assim, a remilitarização americana na década de 1980 deve ser entendida no

contexto maior do padrão dólar-flexível e seu novo papel ampliado pela

desregulamentação financeira. A partir daquele momento, os Estados Unidos poderiam

gastar mais sem se preocupar com as limitações de uma política monetária

expansionista, uma vez que a dívida pública americana seria financiada com a compra

de títulos por parte, principalmente, do Japão, Alemanha e China. Esse movimento sob

o Japão foi forçado e disciplinado no acordo de Plazza em 1985. Com a Alemanha, a

desvalorização do dólar naquele ano, permitiu que se continuasse na política de um

marco forte, precursor do Euro. No caso da China, seu ingresso no sistema dólar-

flexível foi ao final da década de 70, quando a posição de Enlai sai vencedora na disputa

interna do partido comunista. A China seria um país com dois sistemas: no plano

político seria socialista e no plano econômico, crescentemente capitalista58.

O caminho trilhado por Reagan foi sem dúvida vitorioso. Em 1990, o muro de

Berlim caía e, um ano depois, os Estados Unidos demonstravam sua superioridade

militar na primeira guerra do Golfo. Mísseis teleguiados e bomba inteligentes de alta

precisão, aviões invisíveis ao radar, comunicações rápidas promovidas por uma recém

criada rede de computadores, precursora da internet, e um sistema financeiro que dava

ao país capacidade virtualmente infinita de gastos sobrepujaram as forças iraquianas em

menos de uma semana.

Nesse momento, a Perestroika e a Glasnost de Gorbatchov perdiam o sentido.

Nada no mundo comunista poderia superar aquela nova realidade e todos os membros

do partido e das forças armadas russas sabiam disso. A Guerra Fria chegava ao final

com o esfacelamento de dentro para fora da URSS e não demorou para que Bush pai,

recentemente eleito presidente, declarasse que surgia então uma nova ordem mundial. E

nessa ordem, o poder americano continuaria se expandido tanto por meio das finanças

quanto por meio das armas.

58

Para maiores detalhes: Medeiros, Carlos Aguiar (2004)

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3.4 – O viés militar do poder global.

Quando a Guerra Fria chega a seu fim e a nova ordem internacional proposta

por Bush pai é apresentada na Assembleia Geral da ONU em 1991, o sistema

internacional chegava a um ponto onde pensou-se que um longo período de paz

iniciava-se, sob uma liderança benigna dos EUA.

Chegou-se a suscitar que muitas das estruturas e instituições criadas durante o

período de tensões bipolares seriam reformuladas. Dentre essas instituições, aquela que

em um período de paz mais deveria sofrer reduções era a OTAN. Porém, o que se

assistiu foi exatamente o contrário59.

A OTAN entre 1991 e 2010 adotou uma estratégia clara de avanço sobre os ex-

satélites soviéticos na Europa Oriental e Oriente Médio. Aproveitando-se de um total

colapso do poder russo na década de 1990, a organização, coma liderança americana,

promove a inclusão de países como Polônia e República Checa e ampliam o rol de seus

parceiros com países como Belarus, Kazaquistão e Ucrânia60.

No momento em que esses Estados entravam na órbita de proteção da OTAN, os

capitais de empresas do setor de defesa americanas passavam a atuar diretamente sobre

eles. Com a livre movimentação de capitais da década de 90, surgem os blocos

econômicos e as megafusões como estratégias de manutenção de mercados e de redução

de custos. Isso ocorreu em muitos setores da economia mundial, tendência seguida pelo

setor de defesa. A Martin Marieta comprou a divisão de defesa da General Eletric, a

Lockheed comprou a Loral Corporation, a Boeing comprou MacDonnald Douglas e a

Northrop comprou a Grumman. Porém, a Lockheed, em 1995, realiza a maior

concentração até então experimentada no setor de defesa, comprando a Martin Marieta.

A partir de então surgia a Lockheed Martin, a maior empresa do setor nos EUA.61

Essas empresas aproveitaram a expansão da OTAN para transformar em cativos

os mercados de armas desses países recém-incluídos e só começaram a sofrer

competição mais significativa das empresas de defesa europeias como Airbus, BEA e

Dessault a partir de 2008, quando iniciam-se as tentativas de concentração e fusões de

59

Para maiores detalhes: Sloan, Stanley R. (2010) 60

Para maiores detalhes: Site Oficial da OTAN (http://www.nato.int) 61

Para maiores detalhes: Hartung, Willian D. (2011)

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90

empresas de defesa europeias. Essa tendência, no entanto, sofreu atrasos com a crise

financeira de 2008-2009, que atingiu fortemente o continente europeu.

É importante destacar que a internacionalização do setor militar americano, no

entanto, não representou, ao contrário de outros exemplos, o fenômeno do

“outsourcing”. A produção de armamentos, principalmente aqueles de maior tecnologia

e valor agregados, permaneceu no país. Isso fez com que os EUA sofressem nesse

período uma grande mudança na sua pauta de exportação. A partir dos anos 90, os

produtos militares representariam o item número 1 nas exportações americanas62.

Ao final da década de 90, juntamente como a expansão do mercado de defesa

das empresas americanas, começou-se a perceber uma crescente tendência à

terceirização de serviços nas Forças Armadas dos EUA. Atividades como lavanderia,

preparação de refeições, limpeza de instalações e serviços de entretenimento deixavam

de ser executados pelos soldados e passavam a ser contratados no mercado. Isso se

consolidou como regra na era Bush (2000-2008) com o 11 de setembro e teve na

empresa Halliburton o seu maior exemplo63.

A Era Bush representou, portanto, nova alavancagem dos gastos militares. Com

a guerra ao terror, o inimigo não era mais um Estado ou sistema econômico. Tratava-se

de uma ameaça difusa, que poderia atacar em qualquer lugar. Assim, era necessário

reformular as forças armadas do país para atender às necessidades de um novo tipo de

guerra. É nesse sentido que as agências de informação americana seriam reforçadas e

uma rede de monitoramento seria implantada para assegurar que terroristas, por meios

de seus rastros digitais, fossem encontrados antes que pudessem causar algum mal64.

Entre 2001 e 2012, a NSA, a CIA e as divisões de inteligência militares tiveram

sua atuação e seus orçamentos ampliados significativamente, muitas vezes restringindo

liberdades civis garantidas na Constituição. A permissão para esse tipo de conduta,

inclusive, contou com o apoio do Congresso americano com a aprovação do Patriot Act

em outubro de 2001. Esse instrumento legal também aumentou os poderes do tesouro

62

Para maiores detalhes: Jarecki, Eugene (2005) 63

Para maiores detalhes: Moore, Micheal (2004) 64

Para maiores detalhes: Shorrock, Tim (2008)

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91

americano para a monitoração de transações financeiras e endureceu as restrições

imigratórias para o país65.

Com o 11 de setembro, a administração Bush também colocou em marcha

planos que há muito estavam à espera de uma conjuntura favorável. Sem que se

estivesse estabelecido ainda o vínculo claro entre os atentados à Nova Iorque e seus

responsáveis, Bush imediatamente sinaliza que o culpado era o regime iraquiano de

Saddam Hussein. De acordo com a Casa Branca, ele não era apenas responsável por

ajudar o grupo terrorista Al Quaeda, mas também era uma enorme ameaça por possuir

um programa avançado de armas nucleares.

Em 2003, os EUA invadiam o Iraque com a justificativa de que suas ações

deixariam o mundo mais seguro e o Oriente Médio mais livre. A vitória militar foi

rápida, porém a estratégia pós-guerra de estabilização do país não foi capaz de alcançar

seus objetivos básicos de retorno à normalidade. Essa incapacidade afetou enormemente

a administração Bush, que passava a sofrer simultaneamente com o crescente

questionamento sobre se as armas nucleares iraquianas existiam ou não.

No entanto, se por um lado, os EUA não conseguiam estabilizar o Iraque, por

outro, seus objetivos de controle militar da vasta reserva de petróleo daquele país era

vencedora. No esforço de reconstrução daquele território, que privilegiou a retomada e a

expansão da produção de petróleo, o processo é, atualmente, liderado por 4 empresas

americanas: Halliburton66, Baker Hughes, Weatherford International e Schlumberger67.

É importante observar que, apesar de apenas uma empresa americana, a Exxon

Mobil, ter participado do leilão de exploração dos poços já mapiados e em

funcionamento; as novas áreas, que correspondem à maioria do país, foram concedidas

à empresas americanas.

A Guerra do Iraque, de um lado, portanto, serviu para que empresas de petróleo

americanas assumissem uma posição de quase monopólio sobre o petróleo daquele país

e disfrutassem de um lucro muito maior se comparado ao lucro proveniente de um

mercado competitivo. Ao mesmo tempo, as empresas do setor de defesa tiveram desde

65

Para mais informações: “Patriot Act” (2001) 66

Dick Chaney foi Secretário de Defesa de George H. W. Bush, CEO da Helliburton e vice-presidente de

George W. Bush. 67

Para maiores informações: New Yorker Times (17/06/2011)

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2001 até 2009 um período crescente em seus lucros, e conseguiram uma enorme

ampliação no escopo de suas atividades que, hoje, vão muito além do mero

desenvolvimento de vetores militares, abrangendo inúmeras atividades vinculadas ao

setor público. O maior exemplo disso, na atualidade, é novamente a Lockheed Martin.

A detailed accounting of all Lockheed Martin’s government contracts could fill several

large volumes. Suffice it to say that they are involved at one level or another in nearly

everything the government does, from providing instruments of death and destruction to

collecting taxes and recruiting spies. Even listing the government and quasi-government

agencies the company has contracts with is a daunting task: The Bureau of Land

Management, The Census Bureau, The Centers for Disease Control, The Coast Guard,

the Department of Defense (including the Army, Navy, Air Force and Missile Defense

Agency), The Department of Education, The Department of Energy, The Environmental

Protection Agency, The Federal Aviation Administration, The Federal Bureau of

Investigation, The Federal Technology Department, The Food and Drug Administration,

the General Service Administration, The Geological Survey, The Department of Home

Land Security, The Bureau of Indians Affairs, The Internal Revenue Service, The

National Aeronautics and Space Administration, The Social Security Administration,

De department of State, The US Customs Service, the US Postal Service, The

Transportation Security Agency, and the Department of Veterans Affairs.

(Hartung, Willian D. (2011): 248)

Esse tipo de expansão fez com que essas empresas não mais sofressem por

queda brusca de sua lucratividade com cancelamento de projetos ou com os períodos de

redução do orçamento militar. Isso ficou claro depois de 2011, quando lentamente o

orçamento do Pentágono começou a ser submetido a ajustes na gestão Obama. As ações

da Lockheed, da Northrop Grumman e da Boeing não tiveram recomendações negativas

para compra, com a indicação de uma possível redução na expansão do orçamento

militar.

A questão do orçamento militar na gestão Obama, inclusive, demonstra

resiliência política por parte das grandes empresas do setor de defesa e da dificuldade

em se costurar um acordo no Congresso entre republicanos e democratas para se reduzir

os recursos à disposição do Pentágono. Desde seu primeiro mandato, Obama apontava

para a necessidade de se reduzir os custos militares. Sua maior promessa de Campanha

era terminar a guerra no Iraque e trazer todos os soldados americanos naquele país para

casa.

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93

Quando seu segundo mandato iniciou, no entanto, ficava decidido que um

contingente de 35 mil homens ficaria indeterminadamente no Iraque a fim de ajudar na

manutenção da ordem, no treinamento de tropas iraquianas e na defesa de ativos

americanos no país. Por sua vez no Afeganistão, no primeiro mandato de Obama, houve

aumento de soldados e no início do segundo se estabelece uma redução gradual, sem

que houvesse promessas para uma retirada total das tropas.

No campo político, uma movimentação mais consistente na direção de uma

redução do orçamento militar só seria cogitada após a morte de Bin Laden no Paquistão

e da proposta de lei apresentada pelo presidente que buscava implementar maiores

controles internos na venda de armas para os cidadão americanos68. Um super comitê

foi montado para se discutir o tema, porém na impossibilidade de se chegar a um acordo

bipartidário sobre quanto seria cortado e quando esses cortes se iniciariam, a figura do

sequestro automático de recursos, mecanismo utilizado como última opção, entrou em

vigor. Mediante esse sequestro, no período de 10 anos, os recursos do Pentágono seriam

reduzidos na proporção da diferença entre o orçamento de 2012 e o orçamento de 2007.

Porém, esse tipo de corte não reduz em números absolutos o orçamento militar, apenas

reduz ligeiramente a velocidade com que os recursos destinados à Secretaria de Defesa

são elevados69.

Somado a esse cenário, a administração Obama, desde 2009, vem apostando

pesadamente em uma mudança profunda na forma de atuação de suas forças armadas.

No centro da nova estratégia, ganha ímpeto uma maior robotização na área operacional,

principalmente, da Marinha e da Aeronáutica e o número de drones nos EUA vem

crescendo significativamente.70

Os drones, ou veículos não tripulados, foram uma escolha que veio a sanar

parcialmente dois grandes desafios que assombravam o Pentágono desde a década de

1970. O primeiro refere-se aos efeitos negativos que um grande número de baixas em

batalha ocasiona aos objetivos da política externa delineada no Pentágono. No Vietnã, o

grande número de mortos foi um fator importante no aumento do movimento anti-

68

Após inúmeros atentados a escolas americanas, o presidente Obama propõe uma legislação federal

para se dificultar a compra e o porte de armas nos Estados Unidos. Essa foi uma proposta defendida por

90% da população americana, mas foi bloqueada no Senado e não pode seguir o trâmite legislativo. 69

O sequestro automático de recursos é uma modalidade de ajuste orçamentário implementada em

2011 pelo Buget Control Act. 70

Para maiores detalhes: Benjamin, Medea (2013)

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guerra nos EUA71. Com mais de 50.000 vidas perdidas, em qualquer lugar do país havia

um americano que possuía um parente próximo ou distante, que havia morrido ou se

ferido naquele conflito72.

Mais do que o aumento dos movimentos contrários ao esforço americano na

Ásia nos anos 1960 e 1970, um grande número de fatalidades prejudicava o

recrutamento de soldados no país. Com um exército de voluntários, os EUA foram

obrigados a adotar o alistamento compulsório, que gerou mais problemas do que

soluções. Dessa forma, como os drones ajudam a reduzir a presença direta do ser

humano no campo de batalha, um dos resultados é a manutenção mais constante do

número de voluntários para atuar nas forças armadas, uma vez que se preserva uma

sensação mínima de segurança para os combatentes.

O segundo desafio que os drones estão ajudando a resolver é a redução dos

custos operacionais das atividades de campo. Um drone utiliza uma rede de satélites já

instalada, não precisa ser controlado necessariamente por um piloto treinado, consome

menos combustível e pode assumir riscos muito maiores do que veículos tripulados.

Todos esses fatores associados ao uso cada vez mais recorrente de inteligência artificial,

os drones assumem uma posição de destaque na execução de missões ordinárias ou

sensíveis73.

Nesse sentido, percebe-se que o poder americano no campo militar não está

estagnado ou em declínio. Se uma comparação for feita entre o pós-Vietnã e o pós-

Iraque, conclui-se que a segunda metade da década de 70 foi, para o setor de defesa, um

período muito pior do que os anos de 2009 em diante. Mesmo assim, é comum ver-se

uma forte crítica proveniente das Forças Armadas, das empresas de defesa e do

Congresso americano à política dos sequestros automáticos sobre o orçamento do

Pentágono.

O aumento do poder militar dos EUA, desde 1942, vem sendo expandido

sistematicamente e orientado para impedir o surgimento de competidores regionais que

possam rivalizar econômica e militarmente ao país. Assim, o surgimento da China como

um possível líder asiático ocupa lugar principal nas preocupações da política externa

71

Para maiores detalhes: Benjamin, Medea (2013) 72

Na invasão americana do Iraque em 2003, após 5 anos de presença americana no país, as baixas fatais

dos EUA não superavam 5000 soldados. 73

Para maiores detalhes: Benjamin, Medea (2013)

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95

americana. Em 2011, Obama anunciou que o foco principal dos EUA na área

econômico-militar estava sendo realinhado em direção à China.

Como Fiori afirma, a China é a grande novidade geopolítica e geoeconômica do

sistema mundial, uma vez que esvaziou o tripé da “época de ouro” do capitalismo

mundial – Estados Unidos, Alemanha e Japão. Ao mesmo tempo, a China criou com os

EUA uma relação que é marcada tanto pela complementaridade quanto pela

competição74. A complementaridade, pelo lado da China, se dá com acesso de seus

produtos ao enorme mercado americano e, pelo lado dos EUA, se dá com compra

massiva por parte do governo asiático de títulos da dívida pública americana. Ao

mesmo tempo, enquanto a China ajuda financiar os gastos do governo americano, os

EUA ajudam a criar um elevado superávit comercial chinês gerador de empregos e de

riqueza interna.

Essa relação também é competitiva, porque, à medida que a China cresce, seus

interesses também se expandem. O que antes era um plano para assegurar a criação de

empregos e interligar os diversos pontos do país, passou a ser uma estratégia muito mais

ampla que tem em seu centro a liderança chinesa na Ásia. Para que isso se concretize

não basta apenas que a China demonstre força na produção industrial ou no campo

financeiro. Para o sucesso desse plano, a China precisaria reformular, favoravelmente a

si, a situação geopolítica e militar de toda Ásia, o que esbarraria nos interesses centrais

dos EUA.

Nesse cenário complementar e competitivo são inúmeras as possibilidades sobre

qual rumo essa relação tomará. A análise desse tópico extrapola os horizontes desse

trabalho. Porém, é importante observar que uma China vista tanto como oportunidade

quanto como desafio eleva o grau de incerteza americana de como conduzir suas

relações com os chineses. Em um ambiente duvidoso, é provável que os EUA, ao menos

por dissuasão, continuarão a apostar pesadamente no desenvolvimento de suas armas e

de novas formas de conduzir a guerra.

Dessa forma, se mantidas as condições presentes, parafraseando as palavras de

Eisenhower, o complexo industrial-militar norte-americano estará presente na

economia, na política e até na espiritualidade dos americanos. O viés militar no

74

Para maiores detalhes: Fiori, José Luís (2004)

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96

desenvolvimento do poder global dos EUA, portanto, continua, até o presente momento,

forte e crescente.

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Considerações Finais

Os Estados Unidos desde sua criação sempre estiveram preocupados com as

questões militares e a guerra. Por ter sido um filho do sistema internacional europeu,

sua existência foi forjada nos campos de batalha tanto da Europa quanto da América.

Em sua evolução como Estado Nacional, os Estados Unidos, que surgiram em 1776

com um território reduzido das 13 colônias originárias, passaram a ser um país de

tamanho continental e bi-oceânico em pouco mais de 70 anos. Nos cem anos seguintes,

os EUA passariam a liderar o mundo ocidental, incluindo aí o sistema europeu, do qual

se originou.

A conquista militar da Europa Ocidental por parte dos Estados Unidos em 1945,

no entanto, não significou o fim das guerras. Após a vitória sobre Hitler, novos desafios

surgiriam no campo geopolítico. A Guerra Fria contra o sistema soviético seria travada

mediante avanços e reveses, porém com a vitória americana, os EUA alcançariam um

novo patamar, ainda mais alto, de poder no mundo.

Nos seus quase 250 anos de existência, a situação de primazia dos EUA, em

1991, era tamanha que se chegou a anunciar o fim da História75. Sugeria-se que a

concentração de poder sob controle americano era tão grande que nenhum outro Estado

seria capaz contestar a “pax” americana.

Logo ficou claro que isso não se tornaria realidade. Após 10 anos de

reorganização, a Rússia ressurge no horizonte geopolítico e a China, após 40 anos de

crescimento econômico ininterrupto, se prepara para renegociar o seu papel na Ásia.

No caminho trilhado pelos Estados Unidos, portanto, houve e continua havendo

resistências ao seu avanço. A presença de um inimigo é constante na história americana.

Em 1776, foram os ingleses; em 1848, foram os mexicanos; em 1919 e 1945 foram os

alemães e japoneses; entre 1948 até 1991, foram os russos e agora, no século XXI,

aparentemente os chineses e o terrorismo surgem como desafio.

É curioso perceber também que todos esses países, na atualidade, estão mais ou

menos sob o domínio americano, seja da perspectiva econômica, financeira ou militar.

75

Para mais detalhes: Fukuyama, Francis (1992)

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Se as resistência ao aumento de poder americano são constantes, também é o

esforço americano para vencê-las. Nesse sentido, os EUA vêm, por meio de diversas

maneiras, construindo e impondo os alicerces de seu avanço. Esse movimento de

expansão, no entanto, teve uma aceleração significativa de 1942 em diante. A Segunda

Guerra Mundial e o seu período subsequente teve como consequência dois pontos

chaves na construção da liderança americana.

Primeiro, ela deu ao dólar um papel de moeda de reserva do sistema

internacional. Com Bretton Woods (1944), o sistema capitalista passou a operar em

dólares que podiam ser convertidos em ouro. Essa mudança também veio acompanhada

de um controle na movimentação de capitais anormal para o sistema, porém essencial

para a recuperação da Europa, devastada pela guerra. Durante os 30 anos subsequentes

ao conflito, o mundo conheceu um período sem igual de crescimento e estabilidade.

Contudo, o papel da moeda americana no sistema não pararia por aí. A década

de 1970 iria ampliar o poder do dólar no mundo. Com o fim da convertibilidade e da

paridade com o ouro, instituía-se um novo sistema, no qual os EUA teriam um poder de

emissão e gastos virtualmente ilimitado. A acomodação dessa mudança não se fez sem

sobressaltos, porém ao final da década de 80, os EUA, com a desregulamentação do

sistema financeiro lançam as bases econômicas para um novo avanço, que teriam seu

auge com o fim da Guerra Fria.

O segundo ponto chave, que está intimamente ligado ao primeiro, foi o

desenvolvimento de uma forma inovadora de preparação para a guerra. Ela surgiria em

meio à disputa pela supremacia mundial na Segunda Guerra e continuaria se expandindo

durante a Guerra Fria. Em seu núcleo estaria uma dinâmica singular entre três estruturas

do Estado Americano: As Forças Armadas, o Congresso e o setor industrial de defesa

americanos. A essa dinâmica Dwight Eisenhower (1953-1961) deu o nome de

Complexo Industrial-Militar Norte-Americano. Acerca desse ponto, objeto dessa

dissertação, cabem algumas considerações finais:

PRIMEIRA

Eisenhower não negava a importância de se desenvolver armas americanas mais

potentes e superiores a dos soviéticos, porém ele não aceitava a grande influência que

essa nova dinâmica assumia na política americana.

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O Complexo Industrial-Militar, na opinião do ex-general, exercia, ao mesmo

tempo, uma força para dentro e para fora do Estado americano. Internamente,

modificava sua economia e afetava o funcionamento pleno da democracia delineada

pela Constituição. Externamente, buscava cada vez mais influenciar os rumos da

política externa americana. De fato, desde 1945, o Pentágono tem sido cada vez mais

ativo na delineação dos objetivos da política externa dos EUA, muitas vezes ofuscando

a prerrogativa do Departamento de Estado.

O alerta de Eisenhower acerca de uma América cada vez mais belicosa

disfarçava também uma reclamação, a qual mais tarde outros presidentes, direta ou

indiretamente, fariam. A aquisição de influência por parte do complexo industrial-

militar, desejada ou não, era perigosa, pois esta nova forma de se preparar e executar a

guerra não possuía um comando claro e definido. Isso representou uma redução do

poder do presidente da república, pois é ele o comandante maior das Forças Armadas.

SEGUNDA

A forma como o complexo se desenvolveu também demonstrou que a ideia de

desenvolvimento de armas superiores e mais eficazes não conta obrigatoriamente com

um mercado liberal e competitivo entre as empresas do setor de defesa. Ao contrário, a

experiência americana tem demonstrado que na maioria das vezes é o lobby de algumas

empresas que impera na escolha de quais sistemas militares serão privilegiados ou

abandonados.

TERCEIRA

Em oposição aos riscos, que são reais e crescentes como a era Bush (2000-

2008) exemplificou, estão os ganhos que o Complexo Industrial-Militar legou aos

Estados Unidos. Por meio do financiamento público e do desenvolvimento de uma

burocracia militar e civil voltada para esse objetivo, muitas tecnologias verdadeiramente

inovadoras nasceram na pesquisa militar.

A guerra do Golfo, em 1991, não apenas assegurou que a superioridade militar

americana fosse acatada por seus competidores. Ela também foi travada com base em

tecnologias, como a internet e o GPS, que seriam difundidas durante a década de 90 e

dinamizariam a economia civil americana.

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QUARTA

É importante compreender que esse complexo não nasceu do pensamento

abstrato de algum líder político ou dos sonhos de conquista de um especialista militar.

Ele nasceu como resposta a um conjuntura geopolítica específica combinada a

características peculiares presentes na economia e no sistema político americanos.

Nesse sentido, esse complexo, como é percebido hoje nos EUA, não pode ser

replicado em outras economias nacionais com pura transferência de tecnologia ou

crescimento econômico rápido. A forma como outras nações desenvolvem ou

desenvolverão seus meios de guerra depende de fatores econômicos, políticos e sociais

que mudam mediante suas respectivas prioridades e processo histórico.

QUINTA

Como consideração final de maior destaque, é curioso perceber que o complexo

industrial-militar norte-americano, desde que foi criado, não conseguiu ser desmontado

ou reduzido, apesar do esforço de alguns presidentes nesse sentido. A imbricação com a

política e a economia desse ente híbrido é tal que sua dinâmica, muitas vezes, se

confunde com a do próprio Estado.

É fundamental ressalvar, entretanto, que essa constatação não permite que se

atribua ao complexo uma existência eterna ou indefinidamente crescente. Perante os

dados levantados e o processo histórico mapeado até a atualidade, verificou-se que a

tendência foi a de expansão e fortalecimento. Porém, não se pode afirmar que esse

caminho será trilhado para sempre. Caso as condicionantes que levaram o complexo

industrial-militar norte-americano até sua forma atual mudem, alterações profundas em

sua estrutura seriam sentidas a longo prazo.

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