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Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004 3 J. Germano de Sousa E D I T O R I A L assados os ecos e esbatidos os excessos da tempestade que recentemente assolou algumas mentes e reavivou alguns complexos de Electra mal resolvidos, importa agora um esclarecimento e uma palavra serena sobre quotas e sobre o «equilíbrio entre homens e mulheres nos cursos de medicina». Nas afirmações que fiz em entrevista ao «Público» de 2 de Junho comentei o acesso ao curso de medicina. De homens e de mulheres. E reiterei uma opinião que tenho repetido frequentemente. Há anos que defendo a alteração do sistema de acesso ao curso. Uma média mais baixa e outros valores de ponderação. Está escrito, dito há muito, e pode ser facilmente confirmado. Da leitura apressada ou mal intencionada do que disse, propalaram- se inverdades, designadamente que o Bastonário pretenderia limitar o acesso de mulheres às faculdades de medicina. Não é verdade! Condicionar o acesso a um curso superior em função do sexo de cada um não seria legítimo, ético ou moral. Aliás, assim o exprimi na referida entrevista quando claramente me afirmo contra qualquer tipo de quotas. Tal como muitos outros médicos, entendo que uma média altíssima, como a que é exigida actualmente, não é, só por si, garantia de que as Faculdades de Medicina estejam por esse facto a formar grandes médicos. Não são as mulheres, ou os homens, que estão em causa. Em causa está a fórmula de acesso às escolas médicas. Desta minha opinião podem discordar. As médicas, os médicos, as jornalistas, os jornalistas, os comentadores encartados, os comentadores avulsos, as feministas e os machistas mais empedernidos. Não podem é discordar do que não disse nem penso, ou deturpar o que penso e disse! o acabar de escrever este editorial fui surpreendido pelo falecimento do Doutor José Taim de Brouges da Silveira Estrela Rêgo. Durante longos anos Presidente do Conselho Médico da Região Autónoma dos Açores da Ordem dos Médicos foi activo participante em todas as lutas que a Ordem dos Médicos travou em prol da Medicina. Oftalmologista brilhante e homem bom, o seu desaparecimento representa uma perda para todos nós. Há família enlutada, em especial à sua filha que é nossa colega, em meu nome e da Ordem dos Médicos apresento as mais sentidas condolências. A «Quotas» P

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004 3

J. Germano de SousaE D I T O R I A L

assados os ecos e esbatidos os excessos da tempestadeque recentemente assolou algumas mentes e reavivou algunscomplexos de Electra mal resolvidos, importa agora um

esclarecimento e uma palavra serena sobre quotas e sobre o«equilíbrio entre homens e mulheres nos cursos de medicina».Nas afirmações que fiz em entrevista ao «Público» de 2 de Junhocomentei o acesso ao curso de medicina. De homens e demulheres. E reiterei uma opinião que tenho repetido frequentemente.Há anos que defendo a alteração do sistema de acesso ao curso.Uma média mais baixa e outros valores de ponderação. Estáescrito, dito há muito, e pode ser facilmente confirmado.Da leitura apressada ou mal intencionada do que disse, propalaram-se inverdades, designadamente que o Bastonário pretenderia limitaro acesso de mulheres às faculdades de medicina.Não é verdade! Condicionar o acesso a um curso superior em funçãodo sexo de cada um não seria legítimo, ético ou moral. Aliás, assimo exprimi na referida entrevista quando claramente me afirmo contraqualquer tipo de quotas.Tal como muitos outros médicos, entendo que uma média altíssima,como a que é exigida actualmente, não é, só por si, garantia de queas Faculdades de Medicina estejam por esse facto a formar grandesmédicos.Não são as mulheres, ou os homens, que estão em causa. Emcausa está a fórmula de acesso às escolas médicas.Desta minha opinião podem discordar. As médicas, os médicos,as jornalistas, os jornalistas, os comentadores encartados, oscomentadores avulsos, as feministas e os machistas maisempedernidos.Não podem é discordar do que não disse nem penso, ou deturpar oque penso e disse!

o acabar de escrever este editorial fui surpreendido pelofalecimento do Doutor José Taim de Brouges da SilveiraEstrela Rêgo. Durante longos anos Presidente do Conselho

Médico da Região Autónoma dos Açores da Ordem dos Médicosfoi activo participante em todas as lutas que a Ordem dos Médicostravou em prol da Medicina.Oftalmologista brilhante e homem bom, o seu desaparecimentorepresenta uma perda para todos nós. Há família enlutada, emespecial à sua filha que é nossa colega, em meu nome e da Ordemdos Médicos apresento as mais sentidas condolências.

A

«Quotas»

P

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4 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004

Ficha Técnica

Ano 20 - N.º 47 – Junho 2004

PROPRIEDADE:

Centro Editor Livreiro da Ordemdos Médicos, Sociedade Unipessoal, Lda.

SEDE: Av. Almirante Gago Coutinho, 1511749-084 Lisboa • Tel.: 218 427 100

Redacção, Produçãoe Serviços de Publicidade:

Av. Almirante Reis, 242 - 2.º Esq.º1000-057 LISBOATel. 218 437 750Fax. 218 437 751

Director:J. Germano de Sousa

Directores-Adjuntos:Miguel Leão

António Reis MarquesPedro Nunes

Redactores Principais:Miguel Guimarães,

Rui Nogueira, J. Gil de Morais

Directora Executiva: Paula Fortunato

Dep. Editorial:Paula Fortunato

Miguel Reis

Dep. Comercial:Helena Pereira

Dep. Financeiro:Maria João Pacheco

Dep. Gráfico:CELOM

Capa de: Carlos Rodrigues

Impressão: SOGAPAL, Sociedade Gráfica da Paiã, SAAv.ª dos Cavaleiros 35-35A – Carnaxide

Inscrição no ICS: 108374Depósito Legal: 7421/85Preço Avulso: 1,6 EurosPeriodicidade: Mensal

Tiragem: 32.000 exemplares(11 números anuais)

Ficha TécnicaS U M Á R I O

Ordem dosMédicos

REV

ISTA

30 OPINIÃOOPINIÃOOPINIÃOOPINIÃOOPINIÃO

O erro «dito» médico,por A. Coutinho Miranda

34 A saúde em Portugal,ou a eterna dicotomiaentre o ser e o parecer,por José Poças

42 A Entidade Reguladorada Saúde, por Rui Nunes

45 Ordem dos MédicosMasculinos,por Jaime Milheiro

46 O médico noacompanhamento dopapel dos não médicosno socorro, por JoãoPaulo Almeida e Sousa

49 HISTÓRIAS DAHISTÓRIAS DAHISTÓRIAS DAHISTÓRIAS DAHISTÓRIAS DAHISTÓRIAHISTÓRIAHISTÓRIAHISTÓRIAHISTÓRIA

Um plágio – umagreve,por A. Poiares Baptista

55 CONTCONTCONTCONTCONTOSOSOSOSOS

Barafunda´s Park,por Luís Miranda

56 CULCULCULCULCULTURATURATURATURATURA

Informação relativa aexposições de pintura efotografia, livros epoesia.

58 NONONONONOTÍCIASTÍCIASTÍCIASTÍCIASTÍCIAS

3 EDITEDITEDITEDITEDITORIALORIALORIALORIALORIAL

6 INFORMAÇÃOINFORMAÇÃOINFORMAÇÃOINFORMAÇÃOINFORMAÇÃO

Inclui comunicados doConselho NacionalExecutivo e dos trêsConselhos Regionais daOrdem dos Médicos.

18 ENTREVISTENTREVISTENTREVISTENTREVISTENTREVISTAAAAA

João de Deus,recém-eleito para avice-presidência daAssociação Europeiados MédicosHospitalares, fala daimportância da Ordemdos Médicos na políticaeuropeia de saúde, dofracasso anunciado daempresarialização, dasvantagens da opçãopor um médico/gestor,etc.

24 ACTUALIDADEACTUALIDADEACTUALIDADEACTUALIDADEACTUALIDADE

O futuro da saúde paraa EuropaResumo da conferênciaproferida por David Byrne,Comissário Europeu para aSaúde, no âmbito doencerramento do 7.º Ciclode Conferências do FórumGulbenkian da Saúde.

28 DISCIPLINADISCIPLINADISCIPLINADISCIPLINADISCIPLINA

Apresentação deprocesso disciplinar emque se evidencia anecessidade de umextremo rigor técnico/científico dos médicosquando chamados a sepronunciarem emsituações de conflitofamiliar.

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6 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004

I N F O R M A Ç Ã OConselho Nacional Executivo

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento do conhecimen-to médico na área da Medicina deEmergência no que concerne à prá-t ica da Ressuscitação Cardio--Pulmonar (RCP) aconselha que devaser utilizada a desfibrilhação preco-ce nas situações de paragem cardio--respiratória (PCR) com ritmosdesfibrilháveis.A importância desta atitude que per-mite salvar vidas está consignada noconceito de Cadeia de Sobrevivên-cia.No âmbito da RCP, sabe-se que forado Hospital a maior parte das situa-ções de PCR no adulto acontecempor fibrilhação ventricular (FV) e estasó pode ser tratada com desfibrilha-ção eléctrica.Em Portugal a desfibrilhação é en-tendida como um acto médico ecomo tal só pode ser realizada pormédicos. Isto dificulta a acessibilida-de, não permitindo que, em tempoútil, um cidadão que sofra uma para-gem cardíaca por FV possa ser rapi-damente desfibrilhado.

Na maior parte das vezes não é pos-

O Conselho Nacional Executivo aprovou o documento normativo sobre “DAE por nãomédicos”, elaborado pela Comissão de Avaliação para Admissão por Consenso naCompetência em Emergência Médica .*O seu conteúdo reveste-se de grande importância para o presente e futuro da práticade ressuscitação cardio-pulmonar em Portugal e respectivo fortalecimento de “cadeiade sobrevivência”.Este documento vai ser apresentado ao Ministério da Saúde sob a forma de projecto dediploma legal para regulamentação da desfibrilhação automática externa por nãomédicos, como acto delegado.

*Os trabalhos desta Comissão contaram com a participação do Dr. Daniel Ferreira (Cardiologista-Hospital Amadora – Sintra).

sível e exequível, por mais rápido queseja o tempo de resposta, ter um mé-dico e um desfibrilhador junto a umcidadão em PCR por FV em tempoconsiderado vital, dadas as dificulda-des conhecidas.

Em muitos países a prática de des-fibrilhação por não médicos estáimplementada, com a possibilidadeda sua utilização quer por outrostécnicos de saúde, quer por cida-dãos treinados (por exemplo noslocais de trabalho) quer por técni-cos de emergência (tripulantes deambulância, bombeiros, polícias,etc.), ou seja por quem testemunhae/ou socorre em primeiro lugar,mas sempre enquadrados em pro-jecto colectivo devidamente moni-torizado e auditado. Nestes casosrecorre-se à utilização de desfibri-lhadores automáticos externos(DAE).

CONSIDERAÇÕESGERAIS

A utilização de desfibrilhação auto-mática externa por não médicos emPortugal, fora de um contexto orga-

nizativo estruturado e sem controlomédico, pode acarretar riscos e pre-juízos inerentes a práticas menos qua-lificadas, por pessoas sem formaçãoou, porventura, deficiente formação.A prática da desfibrilhação em Por-tugal é um acto médico. De acordocom o “estado da arte” nesta maté-ria, este acto médico pode ser dele-gado em não médicos desde que me-diante recurso à desfibrilhação au-tomática externa - DAE (sistemas au-tomáticos ou semi-automáticos), des-de que:1. Exista um médico responsávelpelo programa de DAE.2. Enquadrada numa organizaçãoque normalmente responde a situa-ções de emergência.3. Enquadrada numa organizaçãoque possa vir a ter de responder asituações de emergência.4. A necessária formação seja coorde-nada directamente por um médico.5. Existam registos de todas as utili-zações dos DAE e que estes possu-am características que permitam asua posterior análise.6. Exista um permanente controlo dequalidade de todas as etapas do pro-grama.

NORMAS PARA A DESFIBRILHAÇÃOAUTOMÁTICA EXTERNA POR NÃO MÉDICOS

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004 7

7. É criada a Comissão de Acompa-nhamento, no seio da Ordem dosMédicos, que monitorizará a imple-mentação e funcionamento de todosos programas de DAE.8. Aos médicos responsáveis peloprograma de DAE, que coordenam aformação ou que supervisionam ocontrolo de qualidade em DAE, é exi-gido:a. A Competência em EmergênciaMédica da Ordem dos Médicos eb. Formação específica em DAE.

CONSIDERAÇÕESESPECÍFICAS

1. Exista um médico responsável peloprograma de DAE, que desempenhe,entre outras, as seguintes funçõesa. Informar e sempre que relevantesolicitar parecer, à comissão de acom-panhamento da Ordem dos Médicos.b. Assegurar que a organização ondese insere cumpra os requisitos defi-nidos pelo presente documento.c. Auditar, por amostragem, o desem-penho da organização em situaçõesde PCR.d. Auditar as utilizações do DAE, deacordo com as normas internacional-mente reconhecidas.e. Propor medidas conducentes àmelhoria do desempenho da organi-zação.f. Assumir a responsabilidade pelosactos por si delegados por escrito.2. Enquadrada numa organizaçãoque normalmente responde (Unida-des de Saúde, 1nstituto Nacional deEmergência Médica, Bombeiros, CruzVermelha Portuguesa, Forças de Se-gurança ou outras entidades que ve-nham a ser credenciadas para o efei-to) a situações de emergência.3. Enquadrada numa organizaçãoque possa vir a ter de responder asituações de especial risco de emer-gência (locais de concentração ouafluência de público como as gran-des áreas laborais, de diversão oulazer, superfícies comerciais, aviaçãocomercial e outros).4. A necessária formação seja coor-denada directamente por um médi-

co. A coordenação pressupõe oacompanhamento presencial do mé-dico com responsabilidade executi-va e de direcção nas respectivas ac-ções de formação, designadamenteno planeamento, concretização e ava-liação. Os conteúdos formativos sãoos preconizados nas recomendaçõesinternacionalmente aceites sobre amatéria.5. Existam registos de todas as utili-zações dos DAE e que estes possu-am características que permitam asua posterior análise. Assim, deverãoser analisadas quer a Folha de Re-gisto “tipo Utstein”, que deverá serpreenchida pelo operador do equi-pamento, quer a informaçãoelectrocardiográfica e/ou outras quedeverão ser armazenadas no DAE eque sejam transmitidas para uma cen-tral de controlo de qualidade, demodo a permitir ulterior controlo dosistema, dos operacionais e auditori-as externas dos mesmos. Sempre querelevante, no que respeita a protec-ção de dados, devem ser consulta-das as entidades competentes.6. Exista um permanente controlo dequalidade de todas as etapas do pro-grama o que pressupõe:a. A existência de responsabilidadeexecutiva e direcção técnica médicano controlo de qualidade.b. Um plano de qualidade específicono programa DAE que verse as ver-tentes assistencial, de formação e demanutenção de equipamentos.c. Protocolos de actuação e de pro-cedimentos, escritos, de acordo comas recomendações internacionais.d. Um plano de formação contínua,em função de objectivos consequen-tes, que visem o melhor funcionamen-to do programa DAE. As particulari-dades da aprendizagem e a utiliza-ção da DAE por não médicos reco-mendam que haja manutenção daqualificação para a prática da DAEcom periodicidade não superior a 3anos.7. É criada a Comissão de Acompa-nhamento, no seio da Ordem dosMédicos, que monitorizará a imple-mentação e funcionamento de todos

os programas de DAE. Esta comis-são terá como funções:a. Receber, analisar, e dar parecer so-bre propostas para criação de pro-gramas que visem a utilização da DAEpor não médicosb. Acompanhar e verificar o cum-primento do estipulado no presen-te documento.c. Realizar auditorias sempre quesolicitada para tal ou por sua inicia-tiva.d. Avaliar a qualidade da formaçãoministrada.e. Compete exclusivamente à Or-dem dos Médicos regulamentar acomposição, nomeação e funciona-mento desta Comissão.

CONCLUSÕES

De acordo com as recomendaçõesinternacionais, existe a certeza quea DAE deve ser introduzida comoconceito e realidade na cadeia de so-brevivência, sequência de aconteci-mentos essa cuja probabilidade desucesso se encontra estritamente de-pendente da capacidade de activa-ção de todos os seus elos em tempooportuno.Reconhecendo este facto, a Ordemdos Médicos sistematiza e normalizaos critérios para a utilização, em se-gurança, da DAE por não médicos.Tendo por finalidade a garantia daqualidade do socorro e cuidadosprestados ao doente vítima de para-gem cardio-respiratória, a Ordem dosMédicos exige a existência de res-ponsabilidade e controlo médico dosprogramas de DAE.

A Ordem dos Médicos, e sempre emfunção do interesse do doente, reser-va o direito de, a qualquer momento,se pronunciar e intervir nesta maté-ria sempre que achar oportuno.

Este documento deverá ser revistoaté 5 anos após a sua entrada emvigor de acordo com a evolução dosacontecimentos e a dinâmica que aprática da DAE por não médicos ve-nha a adquirir em Portugal.

I N F O R M A Ç Ã O

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8 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004

FECHAM COM SWEET LOVERSTerminaram no dia 19 de Junho as Noites de Primavera da Secção Regional do Sul da Ordem dos Médicos, um evento queterminou com chave de ouro, com um auditório esgotado para ouvir os Sweet Lovers. A dar as boas vindas, quer ao grupoque actuou nesta noite, quer à assistência que encheu por completo a sala, esteve Isabel Caixeiro em representação doConselho Regional do Sul, sendo que na assistência se encontravam outros membros do CRS, nomeadamente o presidente doCRS, Pedro Nunes, a tesoureira do CRS, Manuela Santos e o vogal do CRS, Francisco Madail. Este agrupamento musical, cujaformação inicial data de finais da década de 80, surgiu no âmbito da associação dos antigos estudantes de Coimbra, naMadeira. Os seus elementos, quase todos médicos, têm uma especial apetência pela música dos anos 60/70, décadas que osinfluenciaram em termos musicais durante a sua juventude, mas estão neste momento a começar a compor temas originais,dois dos quais, tocaram em estreia absoluta no espectáculo que deram na Secção Regional do Sul da Ordem dos Médicos. Oreportório escolhido para este espectáculo levou o público a uma viagem no tempo até meados do século XX, aos sons quepovoavam a música anglo-saxónica, francesa e brasileira. Inês Costa Neves, António Trindade, José Carlos Martins, Luís Jardim,Manuel de Brito e Rui Alves são os Sweet Lovers, um grupo que prima pela boa disposição e pelo amor à música.

I N F O R M A Ç Ã OConselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos

NOITES DE PRIMAVERA

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004 9

I N F O R M A Ç Ã O

www.medi.com.ptO site da Secção Regional do Sul

Caros Colegas,

Inicia-se agora um projecto já com algum tempo – a versão electrónica donosso Medi.com.Como se lembram o Medi.com pretende ser um jornal, muito informal,descomplexado, que acolhe a opinião de quem a quiser dar e a informaçãodos factos que o Conselho Regional va i tendo conhecimento.É inegável que para quem tiver tempo e hábito a versão electrónica permiteuma actualização permanente, um manancial de informação disponível, aligação a outros centros e veículos de informação e, brevemente, ainteractividade.É este mais um serviço que disponibilizaremos aos médicos da Região Sul,estando, pela natureza do meio, também ao alcance dos médicos das outrasRegiões. Porque só há uma Ordem e porque todos somos médicos qualquerque seja a especialidade ou o local em que trabalhemos, este é o instrumentoadequado à nossa troca de impressões.Espero que seja útil e estaremos disponíveis para a crítica para podermoscorrigir o que não gostarem.

Até breve.

Pedro NunesPresidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos

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10 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004

www.omcentro.comO site da Secção Regional do Centro

I N F O R M A Ç Ã OConselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos

Começa agora a disponibilização aos Colegas de um Site da Sec-ção Regional do Centro.É mais um esforço para a informação ser rápida e actualizada,utilizando os actuais meios de comunicação.Julgamos que a partir de agora poderá haver também um conhe-cimento mais aprofundado de todas as matérias ligadas à Ordemdos Médicos, desde os aspectos legais até aos eventos de lazer,passando pela estrutura organizativa, as funções, os órgãos, oscódigos, os Colégios e outros.Esperamos ser mais um serviço aos médicos e que dele possamostirar todos um maior conhecimento das iniciativas e daspotencialidades desta nossa casa.Será possível também através deste Site estabelecer um diálogoconstante com os Colegas.Foi com estes objectivos que arrancámos com mais esta valência.Mas este site permite uma outra panorâmica do trabalho que aSecção Regional do Centro vai fazendo. A organização interna daOrdem com a relativa autonomia das três secções, não dá emgeral aos médicos das outras regiões a informação necessária quan-to ao que se vai fazendo por todo o país.Pensamos que estas novas formas de informar são uma mais valia,facilitando assim uma maior comunicação entre toda a classe ereforçando também os factores de unidade que tanto necessita-mos.

António dos Reis MarquesPresidente do Conselho Regional do Centro da Ordem dosMédicos

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12 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004

I N F O R M A Ç Ã OConselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos

Consentimento livre e esclarecidoPedido de parecer do Director Clínico do Hospital de Mirandela datado de 3 de Fevereiro de 2004

Quando o doente está incapacitado paradecidir, podem os familiares tomar a de-cisão quanto ao consentimento para ci-rurgias ou para pedir a alta hospitalar,depois de devidamente esclarecidos pelomédico do doente?Se a decisão dos familiares for prejudicialà saúde do doente, ou mesmo compro-meter a vida do mesmo, poderá a deci-são do médico prevalecer sobre a dosfamiliares, sempre na defesa do estado desaúde do doente?Com os melhores cumprimentos,O Director ClínicoDr. Américo Magalhães

Consentimento livree esclarecidoResposta da Comissão Regional de Ética eDeontologia Médicas e da consultadoria ju-rídica da SRN da OM

Em referência ao oficio de V. Exa. n.º 73/CA, datado de 3 de Fevereiro p. p., trans-crevemos o parecer emitido pela Comis-são Regional de Ética e Deontologia Mé-dicas:«Em termos legais um doente incapacita-do deve ter um representante legal e sóeste pode dar consentimento por repre-sentação. A «família» não é automatica-mente nem legalmente, representante le-gal da pessoa incapaz.Saliento que o consentimento por repre-sentação só pode ser exercido no melhorinteresse do doente, o qual é definido pelomédico de acordo com as ‘leis da arte’.

No caso de a decisão do doente, de con-sentir ou não consentir, um tratamento,ter sido validamente expressa, por escri-to após informação adequada e compre-ensível, antes da pessoa ficar em estadode incompetência, esta decisão do doen-te deve ser respeitada, caso não haja pe-rigo iminente de vida. Na situação de peri-go iminente o médico deve praticar o tra-tamento com intenção de evitar a morte,presumindo que o paciente, se pudesseavaliar em tempo real, presente, a sua si-tuação, daria o seu consentimento paraintervenção terapêutica que no passadohavia recusado.»Igualmente transcrevemos o parecer quesobre o assunto também foi emitido pelaConsultadoria Jurídica desta Secção Re-gional:«Consentimento livre e esclarecido cons-titui um pré-requisito a qualquer actua-ção médica, sendo que é a presença des-se consentimento que afasta a considera-ção da intervenção médica como ofensacorporal típica, conforme decorre do n.º1 do artigo 156º do Código Penal.Nos termos do n.º 2 daquele mesmo pre-ceito, o consentimento presume-se nasseguintes situações:- Só puder ser obtido com adiamento queimplique perigo para a vida ou perigograve para o corpo ou para a saúde dodoente ou- Ter sido dado para certa intervenção outratamento tendo vindo a realizar-se ou-tro diferente por se ter revelado impostopelo estado dos conhecimentos e da ex-periência da medicina como meio de evi-tar um perigo para a vida, o corpo ou asaúde do doente- e, nos dois casos anteriores, não se veri-ficarem circunstâncias que permitam con-

cluir com segurança que o consentimen-to seria recusado,- Ou quando a intervenção ou o trata-mento é imposto pelo cumprimento deum dever legalPara efeitos de obtenção do consentimen-to impende sobre o médico um dever deesclarecimento sobre o diagnóstico e aíndole, alcance, envergadura e possíveisconsequências da intervenção ou do tra-tamento, salvo se tal esclarecimento im-plicar a comunicação de circunstânciasque, a serem conhecidas pelo doente, po-nham em perigo a sua vida ou sejam sus-ceptíveis de lhe causar dano à saúde, físi-ca ou psíquica (privilégio terapêutico).Quem presta o consentimento é o doen-te e/ou o seu representante legal.Assim, nas situações de incapacidade aci-dental (seja, situações de urgência em queo doente está incapaz de avaliar a situa-ção e/ou exprimir o seu consentimento),o médico deverá agir de acordo com oconsentimento presumido, seja, não adi-ando a intervenção que se mostre neces-sária para que não seja colocada em pe-rigo a vida do doente, o seu corpo ousaúde desde que não se verifiquem cir-cunstâncias que permitam concluir comsegurança que o consentimento do do-ente seria recusado (ex. os familiares dãoa conhecer factos dos quais com toda aprobabilidade permitem concluir que seo doente estivesse capaz não prestaria oseu consentimento).Do que antecede resulta que, em casode incapacidade do doente para prestaro consentimento, esta não é suprida pe-los seus familiares, mas sim pelo aludidoconsentimento presumido, razão pela quala decisão do médico prevalecerá sobre ados familiares e, muito especialmente, as-sim será no caso de aquela que pretendeser a decisão dos familiares for prejudici-al à saúde do doente ou comprometer avida do mesmo.»Com os melhores cumprimentosO Presidente do Conselho Regional,Dr. Miguel Leão

Sobre o assunto em questão têm surgidoalgumas dúvidas junto do corpo clínicodeste Hospital, sobre o modo correcto deproceder em circunstâncias particulares.

«Ser informado antes e consentir depois» - RectificaçãoPor lapso, publicámos na nossa edição de Março o artigo mencionado em epígrafe sem quetivéssemos reproduzido todo o seu conteúdo. Pelo facto apresentamos as nossas descul-pas ao autor, Daniel Serrão, Presidente do Conselho Nacional de Ética, e aos nossosleitores. Na próxima edição da revista reproduziremos na íntegra o artigo «Ser informadoantes e consentir depois».

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004 13

I N F O R M A Ç Ã O

O CRN da OM tomou conhecimento através das decla-rações públicas de Sua Excelência o Senhor Primeiro--Ministro que a Presidência da Entidade Reguladora daSaúde (ERS) ficaria sedeada na cidade do Porto, graçasà intervenção do Presidente da Câmara do Porto, Dr.Rui Rio, e que a mesma seria atribuída ao médico, Prof.Doutor Rui Nunes.Sem prejuízo do CRN tornar a sublinhar (no seguimentodas posições já assumidas pela Ordem dos Médicos) asua opinião negativa relativamente à ERS, o facto doreferido médico integrar os órgãos da Secção Regionaldo Norte da Ordem dos Médicos, leva-nos a produziras seguintes considerações:1 - O Prof. Doutor Rui Nunes é reconhecido como es-pecialista em Ética Médica e nessa qualidade foi nomea-do pelo CRN para vogal da Comissão Regional Consul-tiva de Ética e Deontologia Médicas e, por isso, é mem-bro do Conselho Nacional de Ética e Deontologia Médi-cas da Ordem dos Médicos (CNEDM). A sua carreiraacadémica, orientada pelo Prof. Doutor Daniel Serrão,cuja idoneidade moral, ética e científica dispensa apre-sentações, indicia um compromisso com os princípiosconstantes do Código Deontológico dos Médicos e comos princípios de solidariedade, equidade e acessibilidadeque caracterizam o Serviço Nacional de Saúde.2 - Considerou o Governo que o desempenho daque-las funções no âmbito da Ordem dos Médicos não es-tava abrangido pelo regime de incompatibilidades defi-nido pelo artigo 12º do Decreto-Lei nº 309/2003, de10 de Dezembro que criou a ERS. O pensamento doConselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos éidêntico. Na verdade, considera o CRN da OM que odesempenho simultâneo de funções na ERS e noCNEDM da OM não só não é incompatível, como tam-bém constitui uma garantia que a ERS cumprirá, positi-va, expressa e integralmente os princípios que orien-tam o Código Deontológico dos Médicos. Em confor-midade, e da mesma forma que não existia qualquerincompatibilidade entre o exercício de funções no Con-selho Estratégico da Saúde da Comissão Política Distritaldo Porto do PSD-Porto e na Ordem dos Médicos, oCRN expressa publicamente a sua determinação paraque o Prof. Doutor Rui Nunes continue a desempe-nhar, como até aqui, as funções que lhe estão atribuídaspela Ordem dos Médicos.

Nomeação do Presidente da EntidadeReguladora da SaúdeInformação do Conselho Regional do Norte - 15 de março de 2004

3 - No contexto desta nomeação é importante destacarque esta ERS não corresponde minimamente ao deseja-do pelo Ministro da Saúde, como resulta da compara-ção entre o diploma aprovado pelo Governo e aqueleque era da autoria do Senhor Ministro da Saúde. Odistanciamento geográfico da ERS e do Ministro da Saú-de, o perfil do Presidente da ERS e o facto desta enti-dade vir a assumir funções até agora cometidas ao Mi-nistro da Saúde, revelam uma preocupação e geram ex-pectativas. Revelam preocupação pela descentralizaçãodas decisões políticas que foi determinada, como setornou público, pelo empenhamento do Senhor Presi-dente da Câmara do Porto, em boa hora correspondidopelo Senhor Primeiro Ministro. Geram necessariamen-te expectativas positivas já que o CRN da OM tem aabsoluta convicção que o desempenho do Prof. DoutorRui Nunes será sempre superior ao do Ministro da Saú-de, Dr. Luís Filipe Pereira.4 - No seguimento do atrás exposto, o Conselho Regi-onal do Norte da Ordem dos Médicos proporá ao Con-selho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos, querenove a sua confiança no Prof. Doutor Rui Nunes, comomembro do Conselho Nacional de Ética e DeontologiaMédicas da Ordem dos Médicos

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14 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004

I N F O R M A Ç Ã OConselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos

Inquérito de opinião aos médicos de família(levado a cabo no 21.º Encontro Nacional de Clínica Geral realizado em Vilamoura em Março de 2004)

Sim Não Indiferente N/R

1. Concorda com a política deste Ministro para os CSP?

1.9% 96.2% 1.9%

2. Concorda com a possibilidade dos Hospitais (SA ou SPA) gerirem os CS?

1.3% 96.9% 1.9%

3. Concorda com a possibilidade de grupos económicos gerirem os CS?

2.5% 92.5% 3.8%

4. E se forem as Misericórdias? 3.1% 82.4% 14.5% 5. E a hipótese de grupos de médicos, concorda com ela?

80.5%

11.3%

8.2%

6. Prefere continuar a trabalhar num C. S. Público nos moldes actuais, mas dotado de maior autonomia?

93.7%

3.1%

3.2%

7. O modelo do Regime Remuneratório Experimental deveria ser definitivo e aberto a todos os médicos que a ele quisessem aderir?

78%

5.7%

16.3%

8. Está disposto a lutar contra uma Lei que apenas serve quem quer explorar a saúde como um negócio lucrativo?

93.7%

3.8%

2.5%

9. Está disposto a reclamar o direito constitucional à resistência?

95.6% 0.0% 4.4%

10. Acha que este Ministro da Saúde deveria ser substituído?

87.4%

5.7%

6.9%

11. Está disposto a manifestar-se junto ao Ministério da Saúde?

54.7%

38.4%

6.9%

12. Está disposto a fazer greve? 87.4% 11.9% 3.1% 13. Se respondeu sim à pergunta anterior, apoiará: - Greve de um dia............................................................ - Greve de 1 a 3 dias....................................................... - Greve de 3 a 5 dias....................................................... - Mais um dia em cada uma das próximas semanas - Outras hipóteses (descriminadas em documento anexo)

16.4% 8.2% 11.3% 22.6%

18.2%

14. Sugestões de medidas a implementar? (descriminadas em documento anexo)

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16 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004

Legislação sobre propriedade e licenciamento das farmáciase venda de medicamentos não sujeitos a receita médicaConsulta aos médicos inscritos na SRN da OM

Ex.mo (a) Colega:Encontra-se em discussão uma directivacomunitária relativa às actividades pres-tação de serviços que pode implicarmodificações na legislação portuguesarelativa à propriedade e licenciamentodas farmácias e à comercialização demedicamentos.Estas matérias não se encontravam con-templadas no programa eleitoral quelegitimou a eleição dos actuais corposgerentes da Secção Regional do Norteda Ordem dos Médicos.Deliberou, assim, o Conselho Regionalrealizar aos médicos inscritos na Sec-ção Regional do Norte, uma consultasobre estas matérias, nos termos de re-gulamento que estará disponível para

consulta na Sede da Secção Regionaldo Norte, à Rua Delfim Maia, 405, noPorto, a partir do dia 27 de Abril de2004.As opções objecto de consulta são asseguintes:Assegurada a respectiva direcção técnicapor um farmacêutico, considera que a pro-priedade das farmácias deve deixar de serpropriedade exclusiva de farmacêuticos?SIM/NÃOAssegurado o controlo técnico por um far-macêutico, considera que os medicamen-tos não sujeitos a receita médica poderãoser vendidos em grandes superfícies co-merciais, tal como acontece em outrospaíses?SIM/NÃO

Considera que a abertura de farmáciasdeve ocorrer sem restrições geográficas oude densidade populacional, tal como acon-tece com a actividade médica e todas asoutras actividades liberais?SIM/NÃO

Da mesma forma Que a Associação Na-cional de Farmácias emite opiniões so-bre o tipo e qualidade da prescriçãomédica, entendeu o Conselho Regionaldo Norte que os médicos têm idênti-co direito de se pronunciarem sobrequestões estruturantes no âmbito dapolítica do medicamento.Neste Contexto, o Conselho Regionalpermite-se fazer-lhe um pedido: VOTEPorto, 26 de Abril de 2004

Propriedade e licenciamento de farmácias e vendade medicamentos não sujeitos a receita médicaConferência de imprensa - 20 de Maio de 2004

Encontra-se em discussão uma directiva comunitária rela-tiva às actividades prestação de serviços que pode impli-car modificações na legislação portuguesa relativa à pro-priedade e licenciamento das farmácias e à comercializa-ção de medicamentos.Estas matérias não se encontravam contempladas no pro-grama eleitoral que legitimou a eleição dos actuais corposgerentes da Secção Regional do Norte da Ordem dosMédicos. Neste contexto deliberou o Conselho Regionaldo Norte da Ordem dos Médicos, nos termos do Estatu-to da Ordem dos Médicos, realizar a consulta acimaidentificada, aos médicos inscritos na Secção Regional doNorte, da qual constam as alternativas atrás reproduzidas.

Porque defendemos o simAo propormos e apelarmos ao VOTO SIM, em todas asquestões colocadas aos médicos do norte relativamenteà propriedade e licenciamento de farmácias e à venda de

medicamentos não sujeitos a receita médica, estamos aexercer um direito de cidadania com base em argumen-tos ideológicos e técnicos. Como médicos, temos direitoa opinar sobre questões estruturantes da política do me-dicamento e de procurar defender o que consideramosserem os interesses dos doentes.Sem prejuízo do realce devido aos farmacêuticos pela ac-ção que têm vindo a desenvolver ao longo dos anos, oacesso aos medicamentos pode ser significativamentemelhorado, quer no que diz respeito à comodidade doscidadãos, quer no que respeita aos preços de venda aopúblico, os quais poderão ser reduzidos desde o momen-to que exista concorrência livre no sector.A inserção de Portugal na União Europeia e a existênciade directivas comunitárias (em preparação) que apontampara a liberalização dos serviços no espaço da União, exi-gem que Portugal se prepare para um mercado de verda-deira livre concorrência.

I N F O R M A Ç Ã OConselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004 17

Como é sabido as farmácias são, fundamentalmente, lo-cais de venda a retalho de medicamentos, sujeitas a licen-ças (alvarás) concedidas pelo Estado. O mercado dos me-dicamentos tem crescido acentuadamente nos últimosanos, sem que tenha existido qualquer aumento paralelono número das farmácias, em virtude do Estado assim onão permitir. O Estado português assume-se claramente,neste campo, como travão à liberdade económica e comolimitador do fácil acesso dos cidadãos a medicamentos e,sobretudo, a medicamentos mais baratos.A política do medicamento aplicada pelo Ministro da Saú-de redundou, conforme é público, na diminuição das com-participações do Estado com os medicamentos, mantendo--se (ou até aumentando ligeiramente) as despesas supor-tadas pelos portugueses. Em suma, o Estado arrecadou,mas o Utente não ganhou! Tal situação é inconcebível.Admitimos que o Estado possa reduzir as suas despesas,mas não aceitamos que o faça através da manutenção deregras monopolistas que redundam na penalização doscidadãos.Por estas razões ideológicas votamos sim, por trêsvezesO regime legal de propriedade das farmácias, exclusivo defarmacêuticos, é anacrónico, e se fosse generalizado,corresponderia a que apenas costureiros diplomados pu-dessem vender roupa em lojas de «pronto-a-vestir» ouque apenas os médicos fossem proprietários de clínicasou hospitais. Trata-se de uma reminiscência de um regimenão democrático, de cariz corporativo, que demonstra queo Estado português não foi lesto na revisão generalizadade legislação sem base democrática, como é o caso dealguma legislação relativa a farmácias.Acresce ainda, como é óbvio, que liberalizando a proprie-dade de farmácias, o seu número tenderá a crescer, deacordo com a procura dos cidadãos, isto é, dos doentes,que verão facilitado o seu acesso à compra de medica-mentos.Por esta razão técnica votamos sim na primeiraquestãoO advento dos medicamentos não sujeitos a receitas mé-dicas (de «venda livre» ou «over-the counter» – OTC) vemtambém eliminar a necessidade de conferir as receitas mé-dicas, actualmente uma das funções fundamentais das far-mácias, abrindo o caminho para a venda de medicamentosnão sujeitos a receita médica em outros estabelecimen-tos. Aberta esta possibilidade, e porque a importância téc-nica de um farmacêutico decorre da sua formação e nãodo local do exercício profissional, serão os doentes a lu-crar com melhor acesso e a mais baixo custo, aos medica-mentos de venda livre, definidos segundo os critérios doINFARMED.Por razões de estrita coerência, não se entende porque éque em farmácias se podem adquirir produtos de cosmé-tica (não considerados como medicamentos) e porque éque o inverso é proibido.

Por esta razão técnica votamos sim na segundaquestãoOs critérios de atribuição de alvarás em função do núme-ro de habitantes («capitação») ou da proximidade de ou-tra farmácia, são pouco rigorosos, no que diz respeito àsnecessidades da população, dado que as necessidades emmedicamentos variam muito em função do padrão etáriodas populações, sendo ainda de assinalar a importânciadas populações não residentes, no caso das regiões turís-ticas.O sistema a adoptar deve ser, em suma, baseado no mer-cado e não no número formal de habitantes ou na exis-tência de uma farmácia concorrente a uma determinadadistância. Qualquer cidadão consideraria anacrónico quese limitasse a abertura de consultórios médicos ou deadvocacia, de mercearias ou de lojas de electrodomésti-cos em função da densidade populacional ou das possibi-lidades de concorrência entre estes prestadores de servi-ços.De notar ainda que o estabelecimento de mais farmácias,apenas dependentes da indispensável existência de umadirecção técnica farmacêutica, reduzirá o preço dos alvarás,permitirá alargar o mercado de emprego para jovens far-macêuticos e, sobretudo, melhorará o acesso dos doen-tes que deixarão de ter de procurar e decorar, a cadamomento, os horários das farmácias de serviço.Por esta razão técnica votamos sim na terceiraquestãoAlexandra Puga, António Marinho, Fátima Oliveira, JoséGuimarães Costa, José Luís Costa Lima, José Pedro Moreirada Silva, Luís Lencastre, Machado Lopes, Manuela Dias,Maria José Machado Vaz, Miguel Guimarães, Miguel Leão,Nelson Pereira, Silva Henriques, Strecht Monteiro

I N F O R M A Ç Ã O

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18 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004

E N T R E V I S T A

Revista da Ordem dos Médicos– Como é que se processou a suaeleição para a vice–presidência daAEMH?João de Deus – Desde 1998 que odr. Raymond Lies, da delegaçãoluxemburguesa, através de sucessivasreeleições, é presidente da AEMH. Asvice–presidências estavam com aAlemanha, professor Hartmut Nolte,com a França, dr. C.F. Degos, e com aItália, dr. Pier Maria Morresi. Estes doisúltimos representantes estavam nasvice–presidências há cerca de 10anos. Nesta eleição, a delegaçãoportuguesa, em conjunto com outras,nomeadamente dos países nórdicos,considerou que era importante trazeralguma renovação à direcção daAEMH. Entendemos que há algunsaspectos que é necessário seremintroduzidos na AEMH, que é umaorganização muito importante a níveleuropeu. Foi apresentada a minhacandidatura e fui eleito juntamentecom um representante da delegação

Com quatro vice-presidências em associações médicas

«Temos algum peso na política dasaúde a nível europeu»

João de Deus está no Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos desde1999, momento em que passou também a fazer parte da delegação portuguesa no

Comité Permanente dos Médicos Europeus (CPME) e na Associação Europeia dosMédicos Hospitalares (AEMH), na qual é, desde há dois anos, chefe da delegação.O trabalho que tem sido por si desenvolvido, em estreita ligação com os restantesmembros da delegação, produziu frutos indiscutíveis, entre os quais se destaca a

eleição de João de Deus para a vice-presidência da AEMH, durante o plenário quedecorreu em Madrid nos dias 23 e 24 de Abril. Uma eleição que, como nos expli-

cou, representa o reconhecimento da «grande entrega e empenho dos representan-tes portugueses».

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004 19

E N T R E V I S T A

sueca, o qual está muito ligado à edu-cação médica contínua e ao desenvol-vimento profissional médico contínuo,temas que estão em debate na AEMH.

ROM – Como se enquadra aimportância da AEMH ao nível europeuque referiu?JD – A AEMH é uma associação comuma longa história e tem um papelfulcral no panorama europeuenquanto membro associado doComité Permanente dos MédicosEuropeus. Temos levado contributosmuito importantes ao CPME atravésda elaboração de documentos queposteriormente foram aprovados peloComité e que seguiram para aComissão Europeia.

ROM – Em termos pessoais o que sig-nifica para si esta eleição?JD – É sempre gratificante, em termospessoais, quando os nossos colegasreconhecem que podemos dar umcontributo importante para a organi-zação. Mas considero que o fundamen-tal não é a questão pessoal, o funda-mental é pensar no contributo que adelegação portuguesa pode dar àAEMH. O trabalho que tem sido de-senvolvido pela Ordem dos Médicosnas organizações médicas europeiastem sido notável. Não é por acaso que,das cinco grandes organizações médi-cas europeias, Portugal tem quatrovice–presidências. É uma situação ím-par conseguir ter uma tal representa-tividade nestas associações, situaçãoque revela o muito trabalho e empe-nho de todos os membros da repre-sentação portuguesa nas várias orga-nizações e o reconhecimento dessecontributo traduziu–se precisamentenas sucessivas eleições para vice–pre-sidências. Tudo isto revela de facto quea delegação portuguesa tem ideias pró-prias e que têm sido bem aceites pelasoutras delegações. É nisso que sealicerça esta posição singular da Or-dem dos Médicos portuguesa ao maisalto nível das organizações médicas.

ROM – Que contributo pretende le-var à AEMH?JD – O que pretendo como vice–presidente da AEMH é continuar a lutarpelos valores e pelos princípios em queos médicos portugueses acreditam. Háuma série de dossiers que estão nestemomento em estudo na AEMH que sãomuito importantes. Exemplo disso é adirectiva sobre tempos de trabalho,assunto em que nós temos um papelmuito relevante pois, ao contrário demuitos outros países, em Portugal jáconseguimos alguns avanços neste ca-pítulo: até agora os ‘tempos de chama-da’ – on call – não eram pagos em ne-

nhum país da Europa. Nós temos con-seguido fazer passar a ideia de quetodos os tempos de trabalho devemser pagos. Em Portugal os ‘tempos dechamada’ são pagos, ainda que apenaspor metade do valor, mas estamos atentar que o pagamento sejageneralizado aos vários países, umaspecto que consideramos da maiorrelevância.

ROM – Que outras questões estão naordem do dia?JD – Outro capítulo em discussão naAEMH, e que vem a propósito dacontribuição da delegação portuguesa,é o chamado risk management (gestãode risco): é importante perceber que,quando ocorrem falhas, em vez de errohumano se deve falar em erros do sis-

tema. É que, muitas vezes, quando umprocedimento não corre como o pre-visto diz–se imediatamente que a cul-pa é do médico e isso não é correcto.Hoje em dia, e este é um dos contri-butos que pretendo levar à AEMH, temque se definir muito bem quais são oselementos do sistema organizacionalque estão em causa numa determina-da situação, para se efectuar uma cha-mada de atenção às administraçõeshospitalares, aos governos, etc. Em to-dos os momentos do acto médico oque falha menos vezes é o factor hu-mano. O que é preciso saber é se osfármacos estão bem formulados, se têma bioequivalência indicada, se o médi-co não tinha sido escalado sozinho, setinha alguém que pudesse terminaruma cirurgia no caso de lhe aconteceralguma coisa, se existia uma unidadede cuidados intensivos pronta a actuarno caso de algo correr mal, se oequipamento estava em boascondições, etc. É preciso parametrizartodo o sistema, saber onde é que omesmo pode falhar. Em resumo, chamarà atenção para as falhas do sistemapara diminuir o risco.

ROM – Mas é mais fácil atribuir a culpaaos médicos...JD – Claro que sim. Em vez de se fazeruma análise aprofundada dasinfraestruturas, dos meios logísticos ehumanos, é mais fácil atribuirimediatamente a culpa aos médicos,quando estes profissionais, na maiorparte das vezes, fazem o que está aoseu alcance perante as condições detrabalho que têm. O que gostariarealmente de transmitir e de veraprovado na AEMH é esta ideia de quemais do que o erro humano, é precisoanalisar os erros do sistema, processoque necessita do empenho dos médicosno sentido de ‘denunciarem’ o que estámal na organização, para que essesfactores possam ser corrigidos. Sóassim se conseguirá diminuir os riscosque os doentes correm quando sãoatendidos no sistema de saúde, e issoé que é fundamental.

ROM – Considera que o facto de

Em vez de se fazeruma análise

aprofundada dasinfraestruturas, dosmeios logísticos e

humanos, é mais fácilatribuir

imediatamente aculpa aos médicos...

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20 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004

E N T R E V I S T A

termos neste momento uma ampla re-presentatividade nas organizaçõesmédicas, reforça a imagem dos médicosportugueses a nível internacional?JD – Evidentemente que sim. O factodas delegações portuguesas teremdesenvolvido esse trabalho, teremdado contributos notáveis nos váriosgrupos de trabalho em que estãoenvolvidas, tem trazido umreconhecimento por parte dos outrospaíses da qualidade do trabalhoefectuado pelos médicos portuguesesde um modo geral.

ROM – Em que medida é que essereconhecimento tem relevância prática?JD – Penso que, para os médicosportugueses, este é um momentoimportante em que a representaçãosignificativa nas associações médicasinternacionais pode ser fundamental:existem algumas questões relevantespara os médicos europeus e, em

particular, para os médicos por-tugueses, cuja defesa tem sidoefectuada nas várias organizações. Porexemplo, quando se começou a falar anível europeu do problema doscréditos e da recertificação, foi a dele-gação portuguesa que, praticamentesozinha, se opôs à aplicação dessesistema. Sempre considerámos que ofacto dos médicos irem a congressosrecolher créditos para manter o títulode especialista não fazia sentido e quenão provava nada. Portugal foi, assim,o único país que se opôs desde o inícioà recertificação, por considerarmosque temos um processo de carreirasmédicas que já implica que hajaqualidade, não havendo necessidadede aplicação de qualquer modelo derecertificação da especialidade.

ROM – Qual é a posição internacionalquanto ao sistema de créditos, nestemomento?JD – Neste momento é um dadoadquirido que esse sistema não é oideal: conseguimos fazer com que asdelegações dos vários países percebes-sem que o modelo de créditos não fazsentido e que não é por um médico ir

a vinte congressos num ano que émelhor do que um médico que foi ape-nas a cinco ou que um que tenha feitoa sua formação de outra forma. O quedefendemos é que as várias acções deformação possam ser creditadas comotendo qualidade para o fim a que sedestinam, e foi isso que conseguimostransmitir, sendo que, neste momento,a ideia que está em desenvolvimento é

a da creditação dos eventos para quede uma forma individual os profissio-nais possam assegurar a sua formaçãomédica ao longo da vida em vez de‘coleccionarem pontos’ para justificarseja o que for. Isto é apenas mais umexemplo de que o trabalho das dele-gações portuguesas se tem reflectidonas posições assumidas por essas or-ganizações.

ROM – Que papel desempenha aAEMH na defesa dos interesses dosmédicos?JD – A AEMH tem como objectivosdefender os médicos hospitalares epugnar por uma boa medicinahospitalar. A organização ‘responde’perante o CPME e elabora documentosque depois de aprovados no ComitéPermanente são levados à ComissãoEuropeia e, muitas vezes, integrados naspolíticas europeias da saúde.

ROM – Pode dizer–se então quePortugal tem influência na políticaeuropeia da saúde?JD – Podemos dizer que Portugal,graças à presença nas direcções dasvárias associações médicas querespondem perante o CPME, tem umainfluência determinante no que chegaà Comissão Europeia pois o ComitéPermanente tem sempre uma palavraa dizer nas políticas europeias desaúde. Temos, portanto, algum peso napolítica da saúde a nível europeu pois,no sentido já referido, fazemo–nosouvir. Contudo, naturalmente que, oresultado final, depende sempre dasdecisões políticas da Comissão.

ROM – E dentro das organizaçõesquais as vantagens de ter quatro vice–presidências?JD – A visão global das várias organi-zações e de todos os assuntos que es-tão a ser debatidos, na União Euro-peia dos Médicos de Clínica Geral, naUnião Europeia de Médicos Especia-listas (UEMS), na Federação Europeiados Médicos Assalariados (FEMS), etc.,é uma grande vantagem da delegaçãoportuguesa. Daí decorre também o fac-to de termos neste momento a impor-

Creio que a curtoprazo se irá optar

pela escolha demédicos/gestores

porque este sistematem ‘os diascontados’.

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004 21

tância que temos ao nível dessas orga-nizações: é sempre uma delegação daOrdem dos Médicos que vai a todasas reuniões por isso conseguimos terconhecimento de causa em relação atudo o que se passa nas várias associ-ações, o que nos permite muitas vezesexplicar os nossos argumentos aosoutros países de uma forma clara esustentada, fazendo com que as outrasdelegações acabem por aceitar as nos-sas ideias. O facto de termos uma de-legação única e de trabalharmos emestreita ligação uns com os outros,procurando sempre a concertação deposições, tem permitido que Portugalseja visto como um parceiro essencialna discussão de todas as questões re-lativas à saúde.

ROM – Relativamente aos outrospaíses, a organização da delegação nãoé idêntica?JD – Relativamente aos outros paísesacaba por haver uma grande disper-são: na AEMH, por exemplo, há paísesrepresentados por associações de mé-dicos hospitalares e não pelas Ordens,na FEMS estão representados essenci-almente os sindicatos dos vários paí-ses (no caso da delegação portuguesa,além dos sindicatos está também aOrdem dos Médicos), na UEMS sãomuitas vezes as associações das váriasespecialidades, no CPME já são asOrdens dos Médicos, etc. Em Portugala existência de uma ‘delegação única’permite conjugar as ideias e conheceros problemas debatidos nas várias or-ganizações. Consequentemente conse-guimos assumir posições bem funda-mentadas que angariam o consensodos nossos parceiros europeus e te-mos o nosso trabalho reconhecido atodos os níveis. Não é por acaso quePortugal tem estas quatro vice-presi-dências: é fruto do trabalho, das idei-as, da dedicação, da entrega e do em-penho de todos os membros da delega-ção e de todos os médicos portugue-ses que connosco têm colaborado.

ROM – Em que medida é que a AEMHcolabora na melhoria dos sistemas desaúde?

JD – Ao contrário do que pode pa-recer, essa colaboração não se li-mita aos pareceres que efectuamospara o CPME. No plenário anual,por exemplo, temos um contributomuito interessante que tem ajuda-do a encontrar soluções para al-guns problemas do sector : todos

os países apresentam o relatórioanual sobre o que se passa em ter-mos de política de saúde e temostodos aprendido muito com a ex-periência uns dos outros. Temos aexacta noção do que se faz lá forae sabemos que algumas experiên-cias que parecem ideias inovado-ras já foram testadas noutros paí-ses e que se revelaram desastro-sas quando levadas à prática.

ROM – Pode dar–nos um exemplode uma política que se tenha reveladoineficaz?JD – A Suécia, por exemplo, até hápouco tempo, estava numa fase deempresarialização dos hospitais. Con-tudo, neste momento, está a retroce-der nesse processo, estando mesmo aefectuar a ‘desempresarialização’ doshospitais porque os responsáveis che-garam à conclusão que os prejuízoseram muito maiores do que anterior-mente, especialmente para os doentes,já sem referir as questões financeiraslevantadas por este modelo.

ROM – Então a troca de experiênciasentre os vários países tem sidofundamental...JD – Tem sido muito enriquecedor.Graças a esse intercâmbio, quandosomos confrontados com este tipode políticas sabemos exactamenteo que se passa nos restantes paísese sabemos muito bem o que res-ponder aos responsáveis pela pas-ta da saúde. Além disso, com essatroca de experiências conseguimostrazer ideias positivas para o nossopaís que transformamos em propos-tas concretas e apresentamos ao Mi-nistério da Saúde. Esta partilha deconhecimentos tem sido muitíssimoútil para os médicos em geral, epara os médicos hospitalares emparticular, porque só assim é pos-sível tentar influenciar as políticasdo nosso país, tendo em conta aexperiência acumulada noutros sis-temas de saúde. Esta é, sem dúvida,uma área fundamental da influên-cia da AEMH.

ROM – Salvo raras excepções, nãoexiste na maior parte dos paísesmembros da AEMH qualquer verbaespecialmente adstrita quer à formaçãocontínua dos médicos quer à pesquisa,qual é a posição desta associação emrelação a esse problema? O que é quetem sido feito?JD – De facto, muito raramente háverbas para formação ou investigação.É evidente que a responsabilidade daformação médica contínua devia ser

O feedback que noschega relativamenteaos resultados desses

hospitaisempresarializados

faz-nos acreditar queessa opção não tem

grande futuro.

E N T R E V I S T A

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E N T R E V I S T A

dos governos dos vários países e issonão tem sido feito, mesmo quando sefaz legislação obrigando os médicos aefectuarem formação. Considerandoque é fundamental que os médicos te-nham essa formação contínua, nãopodemos deixar de ressalvar que essadeve ser uma competência dos gover-nos, posição que temos feito chegarao ministro da saúde. No entanto, namaior parte dos países a formaçãomédica contínua está ainda muito de-pendente dos contributos da indús-tria farmacêutica. Neste momento, éum apoio fundamental pois sem ele aformação médica contínua estariacomprometida. Por isso e para quenão existam quaisquer problemas,temos um protocolo com a indústriafarmacêutica que estabelece osparâmetros desse apoio.

ROM – E nos restantes países tam-bém existe esse apoio da indústria far-macêutica?JD – Neste aspecto estamos um pou-co à frente de outros países que nãotêm regras convenientementeestabelecidas. Temos discutido estanossa experiência na AEMH e temsido muito bem acolhida. O nossoprotocolo está muito bemestruturado, define claramente comoé que os médicos podem ser subsidi-ados, para que tipo de congressospodem receber apoio, etc., defenden-do quer a indústria quer os médicos,aos quais é permitido fazerem forma-ção sem qualquer tipo de ilegalidade.A nossa experiência tem sido umaajuda para os países que não possu-em esse tipo de regras e algumasOrdens estão a preparar protocolosidênticos ao nosso.

ROM – A ética é uma área aborda-da no âmbito da AEMH?JD – A ética é abordada com algu-ma relevância na AEMH e eu, parti-cularmente, como faço parte dosubcomité de Ética Médica do Comi-té Permanente dos Médicos Europeus,tenho uma particular apetência paraessas questões. Portanto, dentro daAEMH, as questões éticas são igual-mente incontornáveis, pese embora o

facto da abordagem destes temas seefectuar com maior profundidade noâmbito do subcomité do CPME. Mascomo estou nas duas organizaçõesesforço–me por fazer a ponte entreelas e fazer o ponto de situação doque se está a tratar no subcomité deÉtica Médica e na AEMH. Desse tra-balho resulta que, muitas vezes, con-seguimos chegar a documentos úni-cos, em vez de elaborarmos mais do

que um documento sobre a mesmaquestão.

ROM – Há alguma questão ética demaior relevância neste momento?JD – Um tema que tem dado muitadiscussão é a eutanásia, área em que,por exemplo, a Ordem dos Médicosbelga efectuou uma alteração ao Có-digo Deontológico para se adaptar àlei vigente. Naturalmente que não con-cordamos com esse posicionamentoem que o Código Deontológico se-gue ‘a reboque das leis’.

ROM – Uma das questões preconi-zadas pela AEMH é o envolvimentodos médicos na gestão hospitalar. EmPortugal, a tendência parece ser aoposta: nos 34 hospitais com gestãoprivada, cerca de 70% dos gestoresnão tem qualquer experiência no sec-tor da saúde. Como analisa esta ques-tão?JD – A Ordem dos Médicos conside-ra que quem conhece bem o sistemade saúde são os profissionais de saú-de e estes devem ter uma formaçãona área da gestão para poderem es-tabelecer a ponte entre o ServiçoNacional de Saúde como actividadedo ponto de vista médico e o SNSorganizacional, do ponto de vista dagestão. Se estes profissionais conse-

guirem estabelecer esta ligação, jun-tando à sua experiência médica umaformação específica em gestão, isso sópoderá trazer benefícios para os do-entes e para a organização. A Ordemjá está a trabalhar nesse sentido, ten-do criado uma competência em ges-tão de unidades de saúde.

ROM – Pensa que esse afastamentodos médicos da gestão hospitalar po-derá então mudar com a recente cri-ação da competência em gestão?JD – Com a criação desta competên-cia o que pretendemos é criar ummanancial de médicos com formaçãona área da gestão, que possa depoispermitir ao poder político escolher osmédicos que entender que são os me-lhores para fazer a gestão das unida-des de saúde. Não pretendemos quetodos os médicos com essa compe-tência se tornem gestores, o que pre-tendemos é que haja um conjunto demédicos com essa formação e queisso permita que os decisores possamoptar por um médico/gestor. Estaabordagem seria com certeza benéfi-ca para os doentes, que são aquelescom quem estamos fundamentalmen-te preocupados. Creio que a curtoprazo se irá optar pela escolha demédicos/gestores porque este sistematem ‘os dias contados’: o feedback quenos chega relativamente aos resulta-dos desses hospitais empresarializa-dos faz–nos acreditar que essa opçãonão tem grande futuro. À semelhan-ça da Suécia, caso paradigmático quejá referi, penso que vamos reverter oprocesso. O futuro passa por modifi-car a gestão dos cuidados de saúdede forma a tornar–se muito maishumanizada e muito mais eficaz.

O futuro passa pormodificar a gestão doscuidados de saúde de

forma a tornar-semais humanizada.

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24 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004

saúde são comuns aos vários paísesmembros da União Europeia, DavidByrne falou da necessidade de umdebate igualmente transversal, e dasvantagens da troca de experiênciase ideias, e do valor potencial dessadisseminação de conhecimentos paraenfrentar os desafios que se colocamaos sistemas de saúde nos nossosdias, nomeadamente no que se refe-

re a uma melhor utilização dos re-cursos existentes que são, natural-mente, limitados.Quanto aos objectivos e indicadoresde saúde, já que o que se pretende éidênt ico nos vár ios países , oComissário Europeu para a saúdeconsidera que devem ser desenvol-vidos ao nível europeu e referiu que«os objectivos de saúde devem serintegrados em todas as políticaseuropeias».Referindo o sub-investimento na saú-de como um problema, explicou queé essencial fazer com que os responsá-

Terminou no dia 26 de Maio o 7.ºCiclo de Conferências do FórumGulbenkian de Saúde 2004, organi-zado pela Fundação Calouste Gul-benkian, pela Escola Nacional de Saú-de Pública (ENSP) e pela AssociaçãoPortuguesa de Administradores Hos-pitalares (APAH).Numa conferência moderada porAntónio Correia de Campos, presi-

dente do Conselho Científico da Es-cola Nacional de Saúde Pública deLisboa e ex-ministro da saúde, oComissário Europeu para a área dasaúde, David Byrne, falou do futuroda saúde no velho continente,focando aspectos como a migraçãodos profissionais de saúde, as regrasde movimento livre desses mesmosprofissionais, as expectativas dos Es-tados membros, o impacto das no-vas tecnologias e as consequênciasdo recente alargamento da UniãoEuropeia. Reconhecendo que osdesafios que se colocam ao nível da

veis políticos percebam que «a saúde éum factor de produtividade numa eco-nomia competitiva», concretizando essaideia no exemplo das doenças cróni-cas que impedem os cidadãos de con-tinuarem activos. «A saúde é um factoressencial e poupa dinheiro a todos osníveis. O crescimento económico eu-ropeu depende do investimento na saú-de e temos que reduzir as diferenças

entre os membros mais antigos e ospaíses recém-chegados à União Eu-ropeia. (...) Investir na saúde deviaser visto como uma prioridade naEuropa, quer através do investimen-to interno dos países, quer atravésda cooperação europeia». Explican-do que o que está em causa é, maisdo que o volume de recursos inves-tidos, como e onde se investe, DavidByrne referiu a importância da pre-venção e do investimento na saúdepública: «precisamos de governos eministros das finanças esclarecidosque percebam que há grandes bene-

A C T U A L I D A D E

O Futuro da Saúde para a EuropaDavid Byrne, o Comissário Europeu para a área da saúde, encerrou o 7º

Ciclo de Conferências do Fórum Gulbenkian de Saúde 2004, com a confe-rência «O Futuro da Saúde para a Europa», à qual se seguiu um debate

com a participação de Maria de Belém Roseira, Maria Clara Carneiro, Isa-bel Ramos, João Lobo Antunes e Vasco Reis

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fícios económicos na prevenção».Classi f icando a l ivre circulaçãocomo uma questão muito importan-te, o comissário europeu referiu odireito que um cidadão tem de re-ceber tratamento noutro Estadomembro, quando não consegueacesso ao tratamento no seu país deorigem. Quanto ao pagamento des-se tratamento, pelo qual será res-ponsável o sistema de saúde do paísde origem, ressalvou que tem quese ter em conta a sustentabilidadedo financiamento dos sistemas desaúde e que o pagamento deve serefectuado de acordo com a «taxa»aplicável ao acto/tratamento em cau-sa no país de onde é nacional ocidadão. Naturalmente que o desen-volvimento desta ideia e a aborda-

gem aos problemas que podem sur-gir deverá ser efectuada através deacordo entre os membros da UniãoEuropeia.Referindo-se aos vários sistemas desaúde e de financiamento existen-tes, e ao facto de cada país conside-rar que o seu é o melhor, DavidByrne conclui deixando algumasideias: a necessidade de uma maiorcon-vergência europeia nas questõesda saúde, a necessidade de políticasem todas as áreas que contemplemas questões de saúde, e reforçandoque saúde é sinónimo de riqueza

pois o investimento em áreas como,por exemplo, a saúde pública impli-cam ganhos económicos a médio elongo prazo.

Perspectivas para o futuro

Maria de Belém Roseira, da Associa-ção Portuguesa de AdministradoresHospitalares, ex-ministra da saúdee actual deputada da Assembleia daRepública, realçou a importância deum espaço de debate, reflexão e par-tilha de opiniões, como o FórumSaúde, numa altura em que «falta aavaliação do impacto de decisõestomadas noutros sectores mas quepõem em causa os sistemas de saú-de», ilustrando esta sua preocupa-

ção com o exemplo das consequên-cias do pacto de estabilidade no sec-tor da saúde: «quando se estabele-cem regras no âmbito do pacto deestabilidade, como por exemplo ovalor máximo de crescimento dadívida pública, isso tem impacto nagestão, que em vez de se pautar pelopreenchimento de critérios de qua-lidade, se passa a pautar apenas pelopreenchimento dos critérios do pac-to de estabilidade». Definindo a saú-de como «uma das áreas em que aaprendizagem ao longo da vida maisse manifesta», numa clara alusão à

necessidade de investir na preven-ção e na promoção de estilos de vidasaudáveis, Maria de Belém Roseiraconclui afirmando que é esta a áreaque mais contribuirá para o cresci-mento económico: «é com essa lei-tura em que saúde é igual a riquezaque iremos garant ir a susten-tabilidade económica dos sistemasde saúde e a coesão social».Maria Clara Carneiro, deputada daAssembleia da República, congratu-lou-se por, finalmente, após 30 anos,a Saúde ter passado a ser vista comoum problema de economia («a saú-de pública é a riqueza de um país»).Para os próximos anos, e dado o au-mento das assimetrias, consequên-cia natural do alargamento da UniãoEuropeia, Clara Carneiro considera

que «a grande reflexão sobre a saú-de na Europa centrar-se-á nos meiosde melhorar a eficácia e de garantira sustentabilidade dos sistemas desaúde».João Lobo Antunes, professor da Fa-culdade de Medicina de Lisboa, re-alçou ao longo da sua intervençãoo facto de «o grande progresso dasaúde das populações resultar da in-vestigação biomédica e das melho-rias económicas». Considerando fun-damental que os profissionais desaúde sejam «activos e participan-tes», João Lobo Antunes referiu o

A C T U A L I D A D E

Precisamos de governos e ministros das finanças esclarecidos quepercebam que há grandes benefícios económicos na prevenção.

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situar nesse contexto?»Isabel Ramos, presidente do Conse-lho de Administração do Hospital deSão João, dissertou sobre a necessi-dade de reduzir custos mantendo ospadrões de qualidade, sobre a ne-cessidade de implementação de no-vas tecnologias administrativas e dadefinição das regras para utilizaçãodas mesmas, e sobre a necessidadede investir em investigação.Ao longo de todas as intervençõesdeste fórum, pudemos encontraruma mesma mensagem: é importan-te que os decisores reconheçam ovalor económico da promoção dasaúde.

«Podíamos fazer melhor»

Luís Filipe Pereira, ministro da saú-de, encerrou este fórum com umaintervenção onde realçou aquilo que

processo de Bolonha como um mar-co que se vai revelar fundamentalna evolução do ensino superior, na-quilo que definiu como «uma revo-lução que vai tocar profundamenteas ciências da saúde». Uma interven-ção que, como referiu Correia deCampos, se debruçou sobre «a Eu-ropa do conhecimento».Vasco Reis, professor da Escola Na-cional de Saúde Pública, após real-çar o papel fulcral da Fundação Gul-benkian na realização do Fórum Saú-de, referiu-se às implicações finan-ceiras da «europeização» da saúde,deixando no ar a questão de comoé que o nosso país, que tem tantasbarreiras geográficas e administra-tivas, e em que é tão difícil até mu-dar de hospital, irá lidar com a pos-sibilidade de um utente mudar depaís para efectuar o seu tratamen-to: «como é que o nosso país se vai

É com essa leitura em que saúde é igual a riqueza que iremos garantira sustentabilidade económica dos sistemas de saúde

e a coesão social.

A C T U A L I D A D E

são, em seu entender, os aspectospositivos da reforma estrutural dosector da saúde.Segundo referiu, os objectivos da re-forma em curso são, nomeadamen-te, «a responsabilização do sistemaface ao cidadão», «o combate aodesperdício», manter um ServiçoNacional de Saúde «de acesso uni-versal e gratuito, salvo as taxas mo-deradoras», etc. Luís Filipe Pereiraconsidera que mais do que um Ser-viço Nacional de Saúde, o que devehaver é um Sistema Nacional deSaúde, «em que o Estado continua-rá a ter um papel de garante masadmitindo-se outras iniciativas, dosector privado e social». Como gran-des desafios do sector apontou anecessidade de assegurar melhorescuidados de saúde à população, deassegurar a acessibilidade efectiva(equidade do acesso aos cuidadosde saúde sem discriminações), asse-gurar a sustentabilidade financeirado sistema de saúde e um eficazemprego dos recursos disponíveis,através de uma gestão eficiente, etc.Referindo que Portugal gasta 9,2%do seu Produto Interno Bruto coma saúde, o ministro concluiu: «com9,2% do PIB podíamos fazer melhor,ou, eventualmente, fazer o mesmocom menos recursos».Questões como a remuneração emfunção da produção (naquilo que oministro considerou ser «uma lógi-ca empresarial de valorização da efi-ciência»), a «flexibilização dos recur-sos humanos», o «reforço da pro-moção dos genéricos» e as estraté-gias de combate às listas de esperaforam algumas das questões tambémabordadas no encerramento destaconferência.

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Conselho Disciplinar Regional do Norte da Ordem dos Médicos

D I S C I P L I N A

Maria José CardosoPresidente do Conselho Disciplinar SRN

PROPOSTA DE ARQUIVAMENTO1. O presente processo foi instauradona sequência de participação subscritapelo Ex.mo Senhor ... entrada na Or-dem dos Médicos em ...2. A participação anexava cópias dos se-guintes documentos:2.1. Relatório psiquiátrico subscrito peloSenhor Dr. ... elaborado no âmbito doprocesso n.º ..., do 2.º Juízo Cível do Tri-bunal de Círculo de ...2.2. Exames clínicos.2.3. Relatório da Clínica ..., de Espanha.3. O participante alega os seguintes fac-tos:1.1. Pretende, contra a vontade da res-tante família directa, interditar seu irmão... sofredor de um atraso mental desdenascença.1.2. Aquele seu irmão é o visado nosrelatórios médicos e exames clínicos ane-xos à participação.1.3. O Tribunal de ... onde foi apresenta-do o pedido de interdição, solicitou aemissão de um parecer ao Senhor Dr....3.4. O relatório elaborado por este mé-dico é, não só um emaranhado de con-tradições, como em nada reproduz a rea-lidade do estado de saúde mental do ir-mão do participante.3.5. Considera existir discrepância en-tre a avaliação efectuada pelo arguido ea da Clinica ... de Espanha, e diz ter ou-vido vários técnicos de saúde muito con-ceituados que o aconselharam a tomaresta atitude.4. No relatório subscrito pelo SenhorDr. ... é de realçar o seguinte:4.1. O peritado nasceu com uma comu-nicação inter-auricular, que foi corrigidaaos 14 anos, e frequentou a escola comdificuldades, tendo terminado o 2.º ano

do ensino secundário no programa deadultos. Trabalhou até 1991 numa em-presa de embalagens, pertença da famí-lia, entretanto encerrada.4.2. Entre 1973 e 1986, o peritado foiseguido pelo Senhor Dr. ..., estando dia-gnosticado como portador de um atra-so mental moderado e de uma epilep-sia.4.3. Chama a atenção para o facto dedeverem ser tidas em conta, na inter-pretação dos resultados da avaliaçãoefectuada por aquele médico, factoresexternos, como a língua materna dife-rente da do avaliador.4.4. O peritado apresenta comportamen-to em geral adequado, com alteraçõessazonais do humor; é inibido, inseguro eansioso, pelo que, quando pressionado,apresenta interferência na realização dassuas tarefas.4.5. Não apresenta alterações relevan-tes de memória. Tem capacidade de aten-ção e concentração. Mantém capacida-de de cálculo e escrita dentro do seunível escolar. Sabe o valor do dinheiro epossui conhecimentos de ordem socialgeral, como regras e funções das insti-tuições, nomeadamente bancárias.4.6. O pensamento é pobre e algo in-fantil, mas tem sentido lógico. Revela ima-turidade, mas tem preocupações com asua vida presente e futura. Apresentacompreensão das situações e modo ade-quado de agir. Compreende que teve do-enças e que tem limitações, tendo capa-cidade de julgamento para estabelecerprioridades e observar consequências.4.7. Como exames subsidiários apresentaum EEG sem alterações significativas,uma avaliação intelectual (escala WAIS)com um QI global de 79.4.8. «A avaliação neuropsicológica não

revelou défices evidentes em nenhumadas áreas avaliadas. Apresenta um nívelintelectual situado no limite, possibilitauma autonomia social e mesmo adapta-ção a um trabalho».4.9. Conclui com um parecer não favo-rável à interdição.5. O relatório da Clínica ..., datado de1998, contém um diagnóstico de atrasomental moderado e de epilepsia.6. Instado para se pronunciar, o SenhorDr. ..., responde que fez tudo como eradevido e reserva-se o direito de accio-nar judicialmente o participante porofensas à sua pessoa. Anexa vária do-cumentação que lhe foi facultada peloTribunal.7. Em ... o participante juntou aos autosum relatório médico da Senhora Dra. D...., perita nomeada pelo Tribunal, que tam-bém conclui pela não interdição doperitado.8. Solicitada a emissão de parecer aoColégio da Especialidade de Psiquiatria,o qual apresenta a seguinte conclusão:«O Colégio da Especialidade não encon-tra qualquer base para a queixa do Sr.... , que é infundada no aspecto proces-sual, formal e substancial, O Colégio nãoconsidera que haja qualquer fundamen-to que justifique um procedimento dis-ciplinar contra o Senhor Dr. ..., o qual,pelo contrário, tem razão para se sentirofendido na sua honra, por uma queixafalsa e arbitrária».9. Considerando que os elementosconstantes dos autos são suficientespara concluir que o Senhor Dr. ... agiucorrectamente, quer do ponto de vis-ta deontológico, quer do ponto devista técnico, proponho o arquiva-mento do processo.Porto, ...

O médico, quando chamado a pronunciar-se em situação de conflitosfamiliares, deve ser extremamente cauteloso, actuando com absolutorigor técnico-científico. Mesmo assim, é frequentemente injustiçado.

Agir com rigor nemsempre é suficiente

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O P I N I Ã O

A Revista da Ordem dos Médicos (Ja-neiro 2004) transcreve de forma re-sumida momentos importantes do 1ºCongresso Nacional sobre o ErroMédico e Negligência, uma iniciativa daresponsabilidade da Ordem dos Mé-dicos e da Ordem dos Advogados. Tra-ta-se de um problema, talvez poucodiscutido pelos próprios médicos, peloque, os promotores e intervenientesdo Congresso são credores pelo aler-ta lançado, ainda que certos temaspudessem ter um maior desenvolvi-mento prático. Permito-me assim re-alçar alguns pontos de interesse, agru-pados em torno de três ideias cen-trais.

De que lado errar – do ladocerto ou do lado errado(?)

O conceito de erro comporta umaambiguidade semantica relativa ao pró-prio termo. Na lingua francesa, “errar”implica como na portuguesa o cami-nhar sem uma direcção coerente emrelação a uma verdade. O termo ale-mão “Irrtum” aceita a mesma etimolo-gia mas, a palavra inglesa “mistake” jáintroduz a noção de uma actividade eterá talvez maior emprego que a pala-vra de origem latina “error” que, porvezes, envolve uma contradição comona frase corrente do inglês “errar dolado certo ou do lado errado” (to erron the right or wrong side). Palavramais utilizada é “malpractice”, reserva-da para o acto médico que não é exe-cutado correctamente; é negligente; oué criminoso. A ambiguidade do termoaumenta quando pretende uma maiorprecisão indo colidir com razões decontingência geográfica e histórica.Como é conhecido, o “erro” só setornou importante com a medicinamoderna e é também o penhor da sua

O erro «dito» médicoPor uma apreciação pragmática

extraordinária eficácia. No entanto oerro médico, já era conhecido desdehá vários milénios no código deHamurabi dos caldeus, onde o médicopodia reclamar um boi pelo acto bemsucedido ou ser sancionado pela am-putação do braço no caso deinsucesso.Em regra e até recentemente havia emrelação ao erro uma atitude de algu-ma complacência, sobranceria ou atéhumor, como se recorda a seguir:

••••• A Comédia é uma imitação doserros da vida (Sir Philip Sydnei,1595)••••• Calculo que seja mortal e quepode errar (J. Shirley, autor dra-mático inglês, 1637)••••• Os homens podem errar; amaior parte por paixão ou inte-resse (J.Locke, filósofo inglês,1690)••••• Errar é humano; perdoar é divi-no (A.Pope, poeta inglês, 1711)••••• É delicioso pensar na perfeição;mas bastante mais divertido fa-lar de erros e absurdos (FannyBurney, novelista inglesa, 1796)••••• Os erros do homem sábio po-dem ser preferíveis às perfeiçõesdo tolo (W.Blake, poeta inglês,1827)••••• Os erros das pessoas de poucosmeios e feias surgem quando seextraviam; as pessoas de benspodem-se permitir algumas delin-quências (G.Elliot, novelista inglês,1880)••••• A irracionalidade pode produ-zir verdades mais prejudiciais queos erros duma razão esclarecida(T.B.Huxley, biologista inglês,1881)••••• O Homem de génio não se en-gana; os seus erros são volitivos

e constituem portas de descober-ta (J.Joyce, novelista irlandês,1922)

O erro médico foi durante muito tem-po aceite como inevitável e talvezmesmo justificado quando escudadono latim “errare humanum est”. G.Bernard Shaw de modo desprendidoe já no séc. 20 declarava que “os ar-quitectos escondiam os seus errosdebaixo da argamassa, os cozinheirosescondiam-nos com a mayonaise en-quanto os médicos faziam repousar osdeles debaixo da terra”. Nenhumadestas atitudes é defensável hoje.

O médico é responsávelpelo “erro médico”(?)

Se a palavra “erro” tem diversas inter-pretações, a expressão “erro médico”potencia as ambiguidades. Efectivamen-te o “erro médico” só ocasionalmen-te é “do” médico e geralmente podebem ser do gestor, do enfermeiro, dofarmacêutico ou da Industria ou atémesmo do político. Pode-se exempli-ficar para mera ilustração o que sepassa com o gestor ou o político. Aeles caberá designar as “metas assis-tenciais” tais como listas de espera,duração do internamento, apoios deretaguarda (convalescença, casas derepouso), serviços com presença mé-dica de 24 horas (urgência interna) –medidas aliás, que há mais de 30 anosjá eram objecto das preocupações demuitos médicos séniores dos antigosHospitais Civis de Lisboa. Outro exem-plo prático é a carta ao The Lancet doinício do ano, assinado por um grupode notáveis e onde a própria OMS éassociada a malpractice por alegada-mente dificultar a introdução de umnovo antimalárico.

A. Coutinho de MirandaAntigo Chefe de Serviço e Director Clínico do

Hospital Curry Cabral

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O P I N I Ã O

Do lado médico, estas metas e osmeios utilizados para o seu cumpri-mento podem influenciar negativamen-te a performance profissional, desen-corajar a motivação profissional, dimi-nuir a realização pessoal, e não rara-mente conduzir a situações éticas edeontológicas graves. Para cada caso,devem-se analisar as decisões de ges-tão versus a actuação médica, bemcomo a responsabilidade de outrosprofissionais envolvidos no processo.O essencial será que o responsável sejaidentificado e que a legalidade preva-leça.

É possível alcançar o “riscozero” no “erro médico” (?)

Certas profissões da indústria possu-em uma componente científica de ex-tremo rigor, envolvem consequênciasde extrema gravidade para as popula-ções, terão uma definição precisa doerro profissional respectivo, e podemjustificar eventuais aplicações noutrasprofissões v.g. na Medicina. Apresen-tam-se a seguir exemplos emblemáti-cos de Desastres Industriais:

Three Mile Island uma estaçãonuclear da Pensylvania (USA) em1979 onde se verificou uma ava-ria grave do núcleo do reactorfora já uma advertência, que acen-tuou a hostilidade contra o usopacífico da energia nuclear e pro-vocou uma reavaliação das nor-mas de segurança então utiliza-das; Bhopal (India) em 1984 ondea fuga para a atmosfera de cloroduma fábrica de pesticidas deter-minou a morte de 2500 pessoase sequelas graves em milhares depessoas; Chernobyl em 1986 ondeum acidente numa estação nucle-ar provocou uma fuga de radio-actividade com repercussões deextrema gravidade na Ucrania,Bielorussia e outras regiões daEuropa; o acidente do petroleiroExxon Valdez em 1989 no Alascaprovocou uma grave poluição dacosta e dos mares. A agressão doambiente é hoje uma causa im-

portante de doenças. Os exemplosaqui referidos tornaram-se para-digmáticos da exigência públicae da necessidade de uma regula-mentação apertada para certasactividades industriais bem comopara o exercício da medicina,onde o erro pode ser causa de vá-rios inconvenientes.

Para um paralelo com a medicina aten-te-se ao que se passa com a aviaçãoonde a necessidade de controlar o erroé também obsessiva. O “check cross” queocupa os dois pilotos na meia hora queprecede o levantar de vôo, visa testardiversos parâmetros de segurança e asinstruções de vôo previamente recebi-das. Consiste em comparar as instru-ções escritas entregues aos dois pilo-tos e que começa por um deles ler ainstrução escrita em voz perceptível,antes de computorizar a informação,enquanto o outro ouve, repete e com-para com a respectiva instrução escri-ta antes de introduzir no próprio com-putador, e assim sucessivamente. Ametodologia assegura um duplo con-trolo das normas, que é triplo se forconsiderado o registo da caixa de vôo.Outra regra, para levar o exemplo umpouco mais longe, obriga um dos pilo-tos à adopção de alerta máximo quan-do o outro alivia a pressão de vôo p.e.“para desentorpecer as pernas”. A

analogia com a função médica é evi-dente na Urgência, onde qualquer dasfunções médicas deveria estar sob res-ponsabilidade dupla, sobretudo no tra-balho nocturno ou sempre que o res-ponsável da equipa o determinasse.Também as “guidelines” das centraisnucleares ou das fábricas de produtostóxicos são de cumprimento rigoro-so, pois o “erro humano”, é uma causafrequente de catástrofe. Os interessa-dos procedem à simulação do erro nocomputador para treino, descobertade falhas no sistema e motivação nodesempenho. Uma necessidade para orisco tendencialmente a zero é aindaa redundância no número de pessoasencarregues de determinada tarefa.Tudo afinal como os novos internoshospitalares praticavam com os doen-tes, no respeito rigoroso das normasmédicas e quando faziam a respectivaapresentação (actividade provavelmen-te de pouco interesse na óptica de pro-dutividade do gestor).

Mas será o erro ditomédico idêntico ao “erroindustrial” (?)

Há desde logo uma diferença essenci-al já que a realidade observada é umobjecto fabricado pelo homem no casoda indústria; e é o próprio homem nocaso da medicina. Por outro lado, o

Figura 1

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O P I N I Ã O

exercício médico depende de circuns-tâncias próprias e ligadas à formaçãocontinuada, tais como o conhecimen-to sempre em vias de actualização,sempre com lacunas e sempre com cer-tezas de vida curta; a execução, mui-to dependente do treino, da idade eda complexidade do acto executado,(inclui, é claro, o preenchimento ade-quado da ficha clinica) e bastante vul-nerável (p.e. pela fadiga excessiva, semrepouso suficiente tão frequentes nointernista pela multiplicidade de pos-tos de trabalho que ocupa); aafectividade que não deve ser esque-cida (nem exagerada) para a pessoadoente; e o senso clínico comum quecondiciona as outras vertentes, é frutodos anos de exercício e justificará emgeral uma acção mais oportuna, rápi-da e eficaz, sem o recurso à últimanovidade ou ao último “state-of-the-art”.Podem trazer sérios inconvenientes oesquecimento de aspectos essenciaisda praxis, que tem uma das suas raízesmais importantes nas observações deF.Sylvius (ou Franz de le Boë, Leyden,Holanda, sec. 17). Ele próprio procla-mara ter inventado um método con-sistindo em levar os discípulos aosHospitais públicos, ouvir e examinaros doentes, interpretar e considerar ascausas do mal e propôr o seu trata-

mento. Parte destas ideias não seriamoriginais, foram-se aperfeiçoando nosséculos seguintes tornando possívelum enquadramento cada vez mais per-feito das realidades clínicas em vida àcabeceira do doente e na visita médi-ca.Outra alavanca importante para oaprofundamento do conhecimento foio exame post mortem tornado possí-vel com a legislação de Napoleão, cer-ca de dois séculos depois. As realida-des tinham mudado e foram as mor-gues (figura 1), com a presença asse-gurada de curiosos em busca de emo-ções fortes, e o teatro anatómico (fi-gura 2), centro médico por excelên-cia, que iriam atrair médicos da maisvariada proveniência a Paris, desdeentão um centro de liderança médica,posição que ainda hoje disputa a mui-tas capitais. A responsabilidade e o erroprofissionais são conceitos mais recen-tes indissociáveis da modernidade mé-dica e só estarão salvaguardados poruma carreira assistencial hospitalar,profissionalizada, estruturada, digna eexigente, mas que nos últimos anostalvez tenha sido demasiado subalter-nizada.

As quatro vertentes, aqui sumariamen-te referidas, conferem um carácter sui

generis ao erro «dito» médico, comcomponentes próprios e repercussões,em regra, no singular. No entanto podeo erro assumir proporções catastrófi-cas à semelhança dos erros industriais,tais como a história recente da medici-na portuguesa mostrou com a trans-missão de infecções (SIDA) na transfu-são de sangue ou do factor VIII nahemofilia; na intoxicação pelo alumíniodo doente em hemodiálise; natoxicidade fetal como no caso daTalidomida, embora este último, comuma incidência mínima em Portugal; enum número apreciável de situaçõesque a atitude e o gesto aprendidos eaperfeiçoados, neutralizam no dia-a-dia.

Assim e em conclusão:

••••• A atitude tradicional perante oerro talvez tenha sido de compla-cência, e mesmo de aceitação oque parecia inevitável nas profis-sões como a medicina, dependen-tes da experiência.••••• Esta atitude cultural não temhoje cabimento, pode mesmo serprejudicial em profissões com ris-cos públicos e deveria ter o devi-do enquadramento legal. O mes-mo se passa com a medicina ondeo erro é em regra singular, maspode afectar grupos importantesde doentes com uma determina-da patologia (como infecçõestransfusionais, intoxicações, e umnúmero apreciável de outras en-tidades).••••• O exercício profissional médicocorrecto depende de um conhe-cimento actualizado, capacidadefísica, atitude humanitária e sen-so clínico. A preocupação com o“state-of-the-ar t” não deveminimizar ou esquecer aspectostradicionais, essenciais e enraiza-dos na Enfermaria (a “oficina” doclínico, para parafrasear um inglêsfamoso).••••• O erro dito médico é muitas ve-zes da responsabilidade de outrossectores da Saúde, tais como ges-tão, e deveria ser substituída poroutra expressão mais objectiva.Figura 2

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O P I N I Ã O

I - Introdução

«… mas os Directores de Serviçohospitalares têm que demonstrar en-volvimento total e apresentarem re-sultados. Quem não pensar assim,simplesmente não serve, seja qual foro modelo de gestão … »sic Eduardo Barroso, DN, Abril, 2004

Vivemos numa época em que cadavez mais a classe política entende quea aparência é mais importante paraa opinião pública em geral e para asua própria sobrevivência, do que arealidade, e em que um crescentenúmero de responsáveis cultivamcom discutível eficácia a capacidadede se auto-iludirem. Estando em fasede balanço o primeiro ano de vigên-cia da denominada «revolução» nosector da saúde no nosso país, é poiscada vez mais difícil de inferir se, nasdeclarações públicas dos nossos go-vernantes, existe alguma correspon-dência fidedigna entre «o que se diz»e «o que se pensa».

II - Equívocos

«… quando as ilusões economicistasdos filhos de Cavaco passarem, Por-tugal estará no exacto lugar onde D.João III o deixou há 400 anos, isto é,país lateral e periférico da Europa,50 anos atrasado face aos indicado-res europeus; mas o Estado, esse, ter--se-á tornado no pior inimigo dos por-tugueses…»sic Miguel Real, JL, Abril, 2004

Vejamos pois alguns exemplos bemilustrativos em como a tão necessá-

ria credibilidade nas instituições, naspolíticas e nos seus responsáveis éposta em causa, na prática, com de-masiada frequência. Para tal podemosentão servirmo-nos de alguns sloganstão propagandeados e do mais ge-nuíno «bom gosto» da hierarquiareinante, qual ev idência«lapalisseana» jamais passível de po-der ser contestada:

1) Diz-se:É necessário racionalizar a despesa,mas … sem por em causa a qualida-de dos serviços e os direitos dosutentes;

É necessário desburocratizar proces-sos … e agilizar procedimentos;As SAs têm maior autonomia admi-nistrativa.

a) Na realidade:Reduziram-se os «stoques» deconsumíveis nas instituições (medi-camentos, reagentes, etc.) de tal for-ma, que as roturas passaram a serainda mais frequentes, com as óbvi-as implicações no regular funciona-mento dos diversos serviços.Em muitos casos, não se diminuíram

os prazos de liquidação das despe-sas com consumíveis, nem se criaram,por exemplo, centrais de comprascomuns (por grupo hospitalar, regiãoadministrativa, etc.) que permitissemnegociar melhores preços a troco deum maior volume de aquisição.Muitas das regras dos concursos deadjudicação próprias da Administra-ção Pública, tidas justamente comoimpeditivas do bom funcionamentodo sistema e eloquentemente de-monstrativas da manutenção do«salazarismo» mais que obsoleto(compras, serviços, obras, etc.) con-tinuam na prática em vigor, em com-pleta contradição com apretensamente eficiente «cultura em-presarial» que se pretenderia imple-mentar.

2) Diz-se:É necessária mais Humanização emaior Qualidade;

b) Na realidade:Apesar de todos os indicadorescredíveis evidenciarem a existênciade um défice enorme de enfermeirose auxiliares de acção médica, ou seja,dos profissionais que mais permanen-temente estão em contacto directocom o doente, restringem-se os re-cursos humanos nas áreas de pres-tação directa de cuidados assistenci-ais e retiram-se-lhes os horáriosacrescidos, fomentando-se o desgas-tante e nefasto pluriemprego.Existe um enorme défice de médicosespecialistas em Medicina Geral e Fa-miliar, sendo a sua média etária con-sideravelmente avançada para se po-der exigir um aumento completamen-

A Saúde em Portugal,ou a eterna dicotomiaentre o Ser e o Parecer

O direitoconstitucional à saúdedas populações maiscarenciadas nunca

esteve efectivamentetão ameaçado...

José PoçasDirector de Serviço de um Hospital SA

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O P I N I Ã O

te desajustado de doentes e de actosmédicos. Desta forma, compromete--se irremediavelmente a qualidade damedicina praticada, e torna-se quaseimpossível levar a cabo as fundamen-tais tarefas de educação para a saú-de e de cariz preventivo, transfor-mando-se assim a sua actividade empouco mais do que a de um mero«referenciador» ao especialista hos-pitalar.Estes últimos, em nº também reduzi-do nalguns sectores e de uma faixaetária semelhante à dos anteriores,desgastam-se também de uma manei-ra quase desumana para fazer faceao caos das urgências, subtraindopois energias e tempo que obviamen-te muito comprometem as restantesactividades assistenciais tão ou maisimportantes.Por muito que custe aceitar a evi-dência mais que irrefutável, as im-prescindíveis actividades de forma-ção médica pós-graduada continuama sobreviver quase exclusivamente àconta do apoio da indústria farma-cêutica, enquanto os departamentoshospitalares respectivos e as biblio-tecas vão asfixiando à míngua decondições para desempenharem taisfunções. Para além disso, na prática,desincentiva-se a investigação clíni-ca, a realização ensaios farmacológi-cos, e paralisa-se a actividade de al-gumas Comissões Técnicas cuja exis-tência é obrigatória face à lei vigen-te, na «mira saloia» de que com es-tas atitudes se conseguirá poupar bas-tante dinheiro, etc.Os Internos do Geral e do Comple-mentar são cada vez mais encaradoscomo uma mera força indiferenciadade trabalho, nefastamente consumi-dora de recursos, a quem até se podeadmitir reduzir o salário, e não comoo garante da continuidade dos Ser-v iços e da sua nobre missãoassistencial, desígnio vital para o paíse suas populações que deveria serantes devidamente fomentado e aper-feiçoado.

3) Diz-se:Os médicos nomeados Directores de

Serviço, assumem a responsabilida-de pela gestão operacional dos res-tantes profissionais;A Gestão deve ser participada, trans-parente e profissionalizada.

c) Na realidade:Continuam a existir hierarquias fun-cionais paralelas, sendo a autorida-de do Director de Serviço, no querespeita à capacidade de planeamen-to das suas actividades, uma mera ca-ricatura daquilo que está consigna-do na lei vigente.

Os Regulamentos Internos dos hos-pitais, na generalidade, não foram ob-jecto de um prévio e profundo de-bate interno, nem algumas das pro-postas entretanto consideradas per-tinentes e apresentadas nas véspe-ras da sua aprovação final, foram se-quer integradas no respectivo textodefinitivo.Realizaram-se Cursos de Formaçãoem Estratégia de Gestão Empresari-al para os órgãos dirigentes de algu-mas SAs, através de fundos comuni-tários, onde foram apontados algunsvectores de desenvolv imentoinstitucional a serem seguidos e pre-vista a existência de algumas comis-

sões de acompanhamento interno,cuja concretização é, por ora, mera-mente virtual...Os Contratos Programa das institui-ções não integram a realidade e ascontingências próprias de cada Ser-viço, de pouco valendo o necessárioesforço despendido na realização dosRelatórios de Actividades anuais edos Programas de Acção para cadatriénio que é exigido aos seus res-pectivos Directores, a quem algunsdos mais elementares dados de pro-dução, receita e consumo não sãosequer fornecidos com aceitávelprontidão e fiabilidade.Irresponsavelmente, os quantitativosnegociados pelos CAs com a tutelapara pagamento da produção reali-zada/contratualizada não previramnenhuma espécie de verba para osexames realizados por algumas es-pecialidades (ex.: Fibroendoscopias,Cateterismos, etc.) aos doentes doSNS, o que se traduz na necessidadede se ter que optar entre tratar osmesmos ao arrepio das normasconsensuais e adequadas, aumentaro défice, ou codificar o exame soboutra denominação tida por menosruinosa…A taxa de aplicação de verbas co-munitárias neste sector, nomeada-mente em áreas tidas como vitaispara a própria Saúde Pública, é es-candalosamente baixa.Ainda não existe uma organizaçãointerna institucional que permita, deuma forma adequada, apurar a pro-dução efectiva em tempo útil, nemos hospitais são realmente subsidia-dos pela tutela em função da dife-renciação da medicina praticada, aopasso que, artificialmente, algumasdespesas são administrativamente«corrigidas» pelo ministério (veja-seo caso recente dos gastos com me-dicamentos cuja verba foi imputadaàs ARSs, ou o pagamento dos orde-nados dos internos do geral e docomplementar que iniciaram funçõesa partir de Janeiro do corrente anonos SAs e cuja verba é imputada in-compreensivelmente a certos hospi-tais SPAs!).

Alguns CAs de certosSAs já começaram a

estimular ou a sugerirveladamente que se

dê prioridade aosdoentes dos

denominadossub-sistemas, dasseguradoras ou

mesmo privados, emdetrimento dos do

SNS.

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O P I N I Ã O

O que se afigura aindamais inadmissível é aactual ARSLVT dizer

desconhecer aexistência de qualquer

Plano deRemodelação do

Hospital (...), tal comoadministraçõesanteriores se

atreveram a dizer quea lotação do mesmo,

determinada pelaDGS em 516 camas,desde 1996 (e nunca

posteriormenterevogada!), não era a

oficial...

O P I N I Ã O

Generalizou-se uma organizaçãodepartamental nos hospitais, sem seadaptar a mesma à realidade de cadainstituição, sem se ter em conta opeso enorme da «tradição» no nos-so país, e sem se cuidar que a eficá-cia da mesma está muito interligadaa uma reforma paralela que se impu-nha ter encetado primeiramente,quer ao nível da pré-graduação (en-sino com uma maior componenteprática e com o necessário enfoquena formação prioritária de médicosgeneralistas), quer ao nível da espe-cialização médica e cirúrgica (atra-vés da criação de um tronco comumde 3 anos em Medicina Interna, emCirurgia Geral ou em Pediatria).Pretende-se, absurdamente, subalter-nizar os Cuidados de Saúde Primári-os aos Hospitalares, tal como já foifeito relativamente à Saúde Pública,em vez de se aprofundar a necessá-ria e mais produtiva cooperaçãointer-sectorial de todos, sem subor-dinação de qualquer um deles.

4) Diz-se:A produtividade no sector da saúdeé muito baixa;É necessária maior disponibilidadedos médicos;Vai premiar-se o acréscimo de res-ponsabilidade e o desempenho.

d) Na realidade:Não se investe a sério na profissio-nalização do secretariado clínico nemna informatização dos registos médi-cos e dos circuitos administrativosligados directamente às áreas assis-tenciais, sendo os processos de tra-balho ainda incrivelmente demoradose obsoletos em relação às capacida-des técnicas actuais, logo, consumi-dores de muita mão-de-obra e tem-po que tanta falta faz noutro tipo defunções.Desincentiva-se objectivamente a de-dicação exclusiva dos médicos e im-pede-se a dos restantes profissionais,criando-se um desfasamento funcio-nal verdadeiramente anacrónico quese traduz numa deficiente rentabili-zação das capacidades instaladas, so-

bretudo no sector dos exames auxi-liares de diagnóstico, acarretando umconsequente, mas evitável, aumentodos tempos de internamento e lógi-ca diminuição da rotatividade das,por vezes, mais que exíguas camashospitalares.Até ao momento e ao longo de mui-tos anos, existiram muitos médicosque não receberam qualquer subsí-dio pela Direcção de Serviço ou porcargos de Assessoria Técnica, haven-

do outras funções a ltamentedesgastantes e de enorme responsa-bilidade profissional pelas quais sem-pre foram pagas importâncias verda-deiramente simbólicas, ao passo queos Gestores nomeados para os CAsdas recém criadas SAs viram os seusordenados insultuosamente aumen-tados numa época em os dos restan-tes funcionários estão congelados

desde há dois anos (incluindo o doDirector Clínico!).Os critérios de avaliação de desem-penho que se anunciam para a pro-gressão salarial têm em conta quasesomente a quantidade de actos outécnicas realizadas, sendo omissosquanto à qualidade dos mesmos, enão sendo claros na distinção quese impõe quanto à índole de cadaespecialidade (médicas, médico--cirúrgicas, cirúrgicas, se têm ou nãotécnicas próprias, se realizam apenasexames auxiliares de diagnóstico ouactividade clínica), ou quanto ao tipode doentes que tratam (crónicos e/ou agudos), etc.

5) Diz-se:Devemos ir de encontro às necessi-dades das populações;O Sistema e as Instituições têm quese saber adaptar às exigências dosdoentes.

e) Na realidade:O direito constitucional à saúde daspopulações mais carenciadas nuncaesteve efectivamente tão ameaçado,sendo de aguardar com a necessáriaprudência e expectativa a posição darecém criada ERS.Alguns CAs de certos SAs já come-çaram a estimular ou a sugerir vela-damente que se dê prioridade aosdoentes dos denominados sub-siste-mas, das seguradoras ou mesmo pri-vados, em detrimento dos do SNS.Doenças que geram maior despesasão encaradas como indesejáveis, nãose olhando aos chamados custos so-ciais indirectos.

6) Diz-se:Os hospitais gerais diferenciados sãopredominantemente para doentesagudos;Vai-se investir numa rede de cuida-dos continuados/paliativos.

f) Na realidade:Desarticulou-se irresponsavelmenteas camas da rede de hospita isconcelhios, sem se operacionalizarprimeiramente, em alternativa, outras

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004 37

Não será pois deestranhar que (...)

existam actualmentealguns serviços sem

camas deinternamento

atribuídas, ou com umnúmero

perfeitamente exíguopara as necessidades...

O P I N I Ã O

estruturas mais adequadas, e que, porora, só existem enquanto mero pro-jecto de intenções.Os internamentos de cariz social sãocada vez mais frequentes.Cada vez são internados mais doen-tes com agudizações de doenças cró-nicas (geriátricos, com patologias con-sumptivas ou degenerativas, psiquiá-tricos, portadores de distúrbios com-portamentais ligados mais ou menosdirectamente a disfunções sócio--económicas e/ou afectivas, comafecções secundárias ao abuso de, ouexposição a substância tóxicas, comdesregulação imunitária, etc.), etraumatizados graves (com todas assuas graves sequelas inerentes…), etc.

III - O Caso «Exemplar»do Hospital de Setúbal

«… a criação de boas condições detrabalho no sector público da saúdenão é um gasto, é um investimentoque tem como contrapartida a dis-ponibilidade obrigatória do médico.Se a empresarialização dos hospitaisfor nesse sentido, evitar-se-á muitodesperdício…»sic Francisco Azevedo e Silva, DN,Julho, 2003 )

Algumas das deficiências apontadaspreviamente podem, infelizmente, serencontradas com mais ou menos di-ficuldade no hospital onde trabalhoe ao qual dediquei grande parte daminha vida profissional de mais de20 anos, cerca de dois anos e meiodos quais como elemento integranteda sua Direcção Médica. Duranteeste último período, tentou-se,empenhadamente, fazer sair do ver-dadeiro estertor em que caiu devidoà inadmissível inacção dos respon-sáveis pela hierarquia da tutela aolongo dos derradeiros 15 anos, aque-le que foi outrora o primeiro hospi-tal regional nacional, paladino reco-nhecido da formação médica pós--graduada e viveiro de muitas gera-ções de médicos que se têm notabi-lizado nas mais diversas especialida-des e que foram posteriormente tra-

balhar para inúmeros outros hospi-tais.Numa «Carta Aberta» publicada narevista da OM há pouco mais de umano e dirigida ao actual Ministro daSaúde, intitulada «A Saga do Rei Nu»,para além de uma análise detalhadapremonitória acerca de toda estacomplexa problemática, atrevi-me a

contar alguns pormenores mais oumenos rocambolescos que envolve-ram a negociação com as sucessivasdirecções da ARSLVT acerca da de-cisão entre construir um hospitalnovo ou reabilitar o exis-tente, tal era (e continuaa ser) o avançado estadode degradação de algumasdas suas instalações. Afir-mei então (sem que al-guém tenha feito qualquerdesmentido público poste-rior…) que foram apre-sentadas às mais variadasinstâncias competentes(Ministros, Secretários deEstado, Presidentes daARSLVT, Coordenadoresda Sub-Região, ComissãoTécnica, etc.) os argumen-tos pró e contra de cadauma das hipóteses em es-tudo, bem como dois do-cumentos amplamente dis-cutidos e fundamentados

acerca das alternativas ao plano deobras e rotação dos respectivos ser-viços proposto pelo Grupo Técnicoda ARSLVT.Estas negociações não foram nadafáceis, tendo-se prolongado por todoo verão de 2001. Por incrível que sepossa conceber, para uma populaçãode mais de 250.000 habitantes, nocentro geográfico do distrito e nacidade capital do mesmo, numa re-gião altamente industrializada e emexpansão demográfica, com projec-tos turíst icos e de rede rodo--ferroviária de grande magnitude, par-timos de uma proposta inicial quecontemplava pouco mais de 300 ca-mas, quase só com valências básicas,para um acordo final de cerca de 410camas, compreendendo pelo menostodas as especialidades diferenciadasjá existentes.Foi posteriormente prometido, em ce-rimónia pública realizada no hospi-tal, perante todos os seus funcioná-rios, um investimento de cerca de3.000.000 de contos por um perío-do de 4 anos. Tal como então, é poislegítimo perguntar, perante todo odesenvolvimento posterior, se foi pro-metido aquilo que não existia, ou seoutros lobbies mais poderosos desvi-aram esse dinheiro posteriormentepara outros projectos tidos como

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O caso da enfermariade Infecciologia/

Pneumologia, complano de obras e

respectivo caderno deencargos completodesde há cerca de 8

anos!!!, comfinanciamento

garantido!!! por duasentidades (CNLCS e

Saúde XXI), (...),sempre tido como«prioritário» por

todas as entidades e…cujo concurso para asobras só agora parece

ir ser aberto!!!

O P I N I Ã O

«mais importantes»…O que se afigura ainda mais inadmis-sível é a actual ARSLVT dizer desco-nhecer a existência de qualquer Pla-no de Remodelação do Hospital(quando o anterior, da autoria dopróprio Grupo Técnico, até tinhasido publicado na revista da Associ-ação de Médicos da Carreira Hospi-talar!), tal como administrações an-teriores se atreveram a dizer que alotação do mesmo, determinada pelaDGS em 516 camas, desde 1996 (enunca posteriormente revogada!)não era a «oficial»!!!Não será pois de estranhar que, talcomo foi então previsto poder vir aacontecer, existam actualmente al-guns serviços sem camas de interna-mento atribuídas, ou com um núme-ro perfeitamente exíguo para as ne-cessidades, serviços que se planeiaserem transferidos para junto deoutros sem o mínimo de similitude eà custa da diminuição da sua lota-ção oficial, os espaços vagos para asua rotação já não existam, tenhamsido feitas obras provisórias em lo-cais não previstos, dê-se agora comodefinitivo aquilo que foi tido apenaspor temporário, doentes de umamesma especialidade tenham que seamontoar no Serviço de Urgência eserem posteriormente dispersos pe-los vários pisos e serviços nos doisblocos, em suma, se tenha criado odescrédito absoluto nas hierarquias,generalizado o caos na organizaçãodos espaços e dos circuitos, e o queé mais grave ainda, feito germinar onefasto clima próprio do aforismo po-pular «casa onde não há pão, todosralham, e ninguém tem razão»…Dois exemplos do que acabo de ex-por se podem apontar desde já. Oprimeiro, é o que se refere à audito-ria externa ao Serviço de Urgência,onde seguramente o «diagnóstico» da«doença» está feito há muito, peloque, certamente, não bastará umamera operação de cosmética para lheevitar uma agonia eternamente anun-ciada.O segundo e mais ilustrativo, é o casoda enfermaria de Infecciologia/Pneu-

mologia, com plano de obras e respe-ctivo caderno de encargos completodesde há cerca de 8 anos!!!, comfinanciamento garantido!!! por duasentidades (CNLCS e Saúde XXI), novalor total de cerca de 1.250.000euros, sempre tido como «prioritário»por todas as entidades e… cujo con-curso para as obras só agora pareceir ser aberto, ao passo que os doen-tes (quem se interessa?) se amonto-

am em todo e nenhum lado, como sea tão evocada Saúde Pública fosse coi-sa de menor importância.O resultado? Perante a recusa emcontinuar a financiar os SAs atravésdo PIDAC, o actual CA até já consi-dera a hipótese, para garantir a via-bilidade operacional da instituição, fa-zer obras recorrendo à alienação doseu capital social!

Não admira pois que, perante todoeste quadro, a meio do Outono doano transacto, após a apresentaçãodo pedido de exoneração do entãoDirector Clínico, a pretexto de «es-tarem em causa as condições insti-tucionais para a boa prática médi-ca», numa atitude perfeitamente iné-dita no nosso país, mais de 25 dosainda na altura indigitados Directo-res de Serviço, tivessem que mostrarindisponibilidade para a sua nomea-ção definitiva, apenas fazendo eco doclima generalizado de descrença nofuturo próximo da instituição que en-tão se vivia no seio da classe médicae dos restantes profissionais.Mais recentemente, com o prolongarda greve do sector médico para alémdo imaginável, não se assumindo osencargos inerentes a compromissosque decorrem tão-somente da apli-cação da lei vigente, e ao abusar-seda boa fé alheia, renegando a valida-de de documentos assinados em ple-na consciência perante representan-tes legítimos de ambas as partes emlitígio, deu-se a derradeira machada-da na confiança institucional e naentrega espontânea à causa do hos-pital, espírito emblematicamente cul-tivado ao longo de sucessivas gera-ções!Mas então, tal como se ouve insis-tentemente nos corredores, ondeestão e o que fazem as «forças vi-vas» da cidade? E o que dizem osórgãos do poder local? Será que que-rem que aguardemos tranquilamentepela vinda de uma «Comissão Liqui-datária»? Ou será que afinal este as-sunto é perfeitamente despiciente eaté nem lhes diz assim tanto respei-to? E a população, com o seu silên-cio ensurdecedor?Não será que no âmago de todas es-tas questões afinal, o mal reside, ape-nas e tão só, na falta de capacidadepara fazer lobbie por parte da popu-lação e responsáveis políticos de umacidade e de uma região que, histori-camente, sempre foi verdadeiramen-te esmagada pela proximidade da ca-pital do reino e visceralmente des-

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prezada por quem o tem governado?É pois com base nesta minha experi-ência e nestas conjecturas que ficocom a nítida sensação que, em cer-tas circunstâncias, infelizmente cadavez mais frequentes, a necessária so-lidariedade dos órgãos do poder paracom as chefias de algumas institui-ções, termina no exacto momento emque estas acabam por aceitar os car-gos para os quais os primeiros tive-ram tanta dificuldade em encontraralternativa, tornando posteriormen-te vãs todas as promessas de empe-nhamento para ajudar na resoluçãodos difíceis problemas que os seusresponsáveis têm que enfrentar quo-tidianamente.

IV - Considerações Finais

« … e a situação só não é pior devi-do à abnegação e competência demuitos médicos e enfermeiros quevão resistindo nos hospitais e nos cen-tros de saúde. Até se cansarem. Háuma espécie de ‘assassinato’ da clas-se média. E médica…»sic, Carlos Cáceres Monteiro, Visão,Fevereiro, 2004

Voltando finalmente aos problemasda saúde em geral, é inegável que seatravessa uma crise económica a ní-vel mundial, com fortes repercussõesno nosso país e, em particular, na re-gião onde vivo e onde trabalho. Porconsequência, nas sociedades comregimes democráticos (tal como tam-bém se deveria passar na nossa…), anecessária racionalização na distribui-ção da riqueza de cada nação serátanto melhor aceite e será tão maiseficaz, quanto maior for a formaçãocívica dos eleitores e a confiança noseleitos para os cargos de naturezagovernamental. Só que isso compor-ta várias condições prévias, acima dasquais a transparência nos métodosde decisão e o conhecimento infor-mado e a aceitação previa por parteda maioria da sociedade.É que neste tipo de regime político(o pior de todos, à excepção dos res-tantes…) os cidadão organizados nas

estruturas representativos da socie-dade, são livres de optarem por as-sumir colectivamente as consequên-

cias de se gastar mais, por exemplo,em saúde e educação, do que em ci-mento e balas, … ou ao contrário!De facto, não será detodo admissível, sub--repticiamente, os po-l ít icos empurrarempara os médicos oónus de determinadotipo de opções incó-modas aos olhos doscidadãos, que devemser antes da intrínsecaresponsabilidade dosmesmos, dado ultra-passarem completa-mente os limites de na-tureza técnica e os fun-damentos de índole éti-ca que estes estãoobrigados a defende-rem sempre por impe-rativos deontológicos,independentementedas pressões mais ou

menos directas dos poderes instituí-dos.Ninguém contestará pois, em conse-quência, a necessidade, cada vezmaior, de se racionalizarem os gas-tos e rentabilizarem os investimen-tos. Tão pouco a importância de pas-sarmos a ter Administrações altamen-te profissionalizadas na direcção dasinstituições de cuidados de saúde.Mas o mais importante, em termosdas necessidades dos cidadãos e dasatisfação dos doentes, continua econtinuará a ser, sem sombra de dú-vida, a disponibilidade, o empenha-mento e a competência técnica dosprofissionais do ramo. Porém, o queacontece é que, na situação actual eem muitas das instituições, cada veza disponibilidade e o empenhamen-to daqueles é menor, dado o ambi-ente interno de grande desmotivaçãoque se vive.Daria então, de seguida, apenas al-guns exemplos, todos bemilustrativos dos anacronismos donosso sistema, e da falta de confian-ça nalguns dos seus agentes.Dentro dos primeiros, referiria a exis-tência de uma multiplicidade de sub--sistemas de saúde, todos subsidia-dos directamente pelo Estado combase nos descontos efectuados pe-

Não admira pois que,perante todo estequadro, (...), após aapresentação do

pedido de exoneraçãodo então DirectorClínico, (...), numa

atitude perfeitamenteinédita no nosso país,

(...) tivessem quemostrar

indisponibilidade paraa sua nomeação

definitiva.

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los respectivos beneficiários, embo-ra com regras e vantagens muito di-ferentes, dando a sensação a um ob-servador externo (tal como já acon-teceu com diversas instituições inter-nacionais de credibilidade inquestio-nável), que estaríamos perante paí-ses diversos, com a agravante da pos-sibilidade de acumulação da váriosdeles pela mesma pessoa ou família.Em segundo lugar, diria que, numpaís em que a grande maioria doscuidados de saúde estão na depen-dência directa ou indirecta do Esta-do, e em que os cidadãos já descon-tam uma percentagem substancialdos seus salários para impostos, éinadmissível que ainda recaia direc-tamente sobre os mesmos o paga-mento de uma importância tão ele-vada dos seus custos totais, facto semqualquer paralelo nos países comu-nitários.Dentro dos segundos, citaria primei-ramente o caso da actual política domedicamento, com as fundadas sus-peitas de que existe uma deficientefarmacovigilância das cópias e dosgenéricos de moléculas originais que,a par do licenciamento da comercia-lização de um nº perfeitamente ab-surdo de similares de um mesmo pro-duto farmacêutico, produzam objec-tivamente uma menor aderência aosaudável princípio da prescrição porsubstância química, e estimulem oconsequente inflacionamento do con-sumo farmacológico desadequadoface aos diagnósticos concretos.Em segundo lugar, os sistemas de se-guros de saúde, onde os prémios sãomanifestamente exagerados para acobertura de cuidados que oferecem,nomeadamente o facto de não garan-tirem a sua manutenção em certoscasos de doença ou restringirem oseu âmbito a determinadas faixasetárias, razões pelo que não consti-tuem pois, à partida, verdadeiras al-ternativas, tal como se pretenderia.É por tudo o que disse que a conta-bilidade efectiva dos cuidados de saú-de não se pode fazer à moda do«merceeiro» de aldeia, havendo quecontabilizar, para além dos gastos di-

rectos, outro tipo de parâmetrosfármaco-económicos que, demagogi-camente, tão pouco são tidos emconta quando os nossos governan-tes pretendem «esclarecer» publica-mente a população, e cuja omissãotantos prejuízos pode trazer.Refiro-me concretamente aos «cus-tos do não tratamento», ou em sen-tido mais lato, ao custo de não setomarem atempadamente as medidascientífica e epidemiologicamente cor-rectas que se imponham em cadamomento, sobretudo quando estãoem causa doenças transmissíveis e aSaúde Pública. Será que não chegamos exemplos da BSE, do SARS e daGripe Aviaria, de que todo o mundofoi «cúmplice» mais ou menos ino-cente e (des)interessado, e do gigan-tesco prejuízo económico para aseconomias dos países afectados,sabendo-se que nesta era daglobalização, também neste aspecto,nenhum se pode verdadeiramenteconsiderar imune?É por isso para mim perfeitamenteincompreensível, à luz destes princí-pios, que no nosso país, por exem-plo, a declaração da SIDA comodoença crónica venha a ser sucessi-vamente prometida e ... sempre adi-ada. Pena é que a grande sensibiliza-ção genuinamente evidenciada pelomais Alto Magistrado da Nação quan-to a este problema, não tenha ainda«contagiado» os sucessivos Gover-nos. Se isso ocorresse, talvez o pro-blema já tivesse começado a deixarde ser o drama que é hoje em dia nonosso país, onde assume proporçõessem paralelo à escala comunitária.Finalmente no que concerne a outrodos aspectos tão polémicos da actu-al política de saúde, referindo-me es-pecificamente à decisão inopinada dese transformar de uma assentada 31hospitais em SAs (todos com carac-terísticas e condições de funciona-mento di ferentes) , poderemoscompará-la, em termos figurativos, aolançamento de uma frota de naviosao mar, em que cada um é supostoser auto-suficiente, enfrentar idênti-cas tormentas , fazer um trajecto se-

melhante, e desempenhar missãoequivalente, mas … em que existemuns com 10 anos de construção eoutros que têm 40 anos, uns comuma tripulação em quantidade e qua-lidade minimamente aceitáveis, e ou-tros em que uma parte da mesma seevade logo no primeiro porto, ou ain-da, uns que têm o casco restauradoe o parque de máquinas operacio-nal, ao passo que os restantes vãoter que fazer reparações frequentes,pagando-as à conta da venda do seurecheio.Perguntar-se-á então: Os resultadosfinais serão mais da responsabilidadedo comandante e da tripulação, oudo armador? E quanto aos resultados:Serão, honestamente, equiparáveis?

É, pois, infelizmente esta a realidadeque vamos vivendo e que importa tera coragem de analisar e denunciar acada passo, porque a reflexão inter--pares e o exercício livre e respon-sável da cidadania plena, além de fa-zerem parte da tradição e da culturamédicas, representam inequívoca e si-multaneamente, um direito e um de-ver de que jamais abdicaremos!Quanto mais não seja, para que nãonos tomem a todos por «tolos», eporque a «catarse» diminui o stresse este, como se sabe, faz muito mal àsaúde e gera muita despesa ao erá-rio público. Não é Sr. Ministro?

Enquanto tal, neste jardim à beira marplantado e de brandos costumes,caem as pontes, ardem as matas, euma parte dos «ícones mediáticos»da nossa sociedade balofa lá se vaisentando calmamente nas camas doscalabouços «vips» e no banco deréus comum à restante populaça.Tal como sempre, daqui por algumtempo, novos escândalos irão desper-tar a sua fugaz memória, e a «culpalá terá que se arriscar a morrer sol-teira» uma vez mais.Ou não terá sido sempre assim…!?Setúbal, 2004/04/26

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A Entidade Reguladorada Saúde Rui Nunes

Professor da Faculdade de Medicina do PortoPresidente da Entidade Reguladora da Saúde

Sendo a regulação na saúde uma prá-tica corrente na maioria dos paísesocidentais pode questionar-se porqueé que só neste monumento é que secriou uma autoridade dedicada ao sec-tor da saúde no nosso país.Por um lado, e tal como sugere suaExcelência o Sr. Presidente da Repú-blica, porque devido à reforma es-trutural do Serviço Nacional de Saú-de a regulação é um instrumento es-sencial não apenas para garantir aconcorrência saudável entre os di-versos operadores mas, sobretudo,para salvaguardar o direito inaliená-vel de todos os cidadãos a um siste-ma de saúde justo, solidário e equi-tativo. Por outro, porque importa se-parar claramente o financiamento daprestação de cuidados, sendo que ocontrolo deve ser efectuado por umaentidade isenta e independente.Mas, no quadro desta importante re-forma estrutural, deve ter-se em li-nha de conta que o pilar essencialdo Sistema de Saúde é o Serviço Na-cional de Saúde que tem que ser cui-dadosamente reapreciado à luz denovas correntes de opinião, consa-grando porém os seus valores estru-turais. Estes valores, constitucional-mente protegidos, em particular aequidade no acesso e a universalida-de na cobertura, não devem impedirum debate sério de ideias sobre omodo como se estabelecem as prio-ridades na saúde e sobre quais os

cuidados de saúde que o sistema po-de efectivamente oferecer aos cida-dãos.A protecção da saúde é hoje consi-derada como um direito civilizacio-nal, o que implica que a salvaguardadeste direito é sobretudo uma res-ponsabilidade da sociedade e dassuas instituições democráticas. Talcomo noutros países ocidentais, aexistência em Portugal de um siste-ma público de protecção da saúde

enquadra-se nesta dinâmica, sendoum factor decisivo para a melhoriasustentada dos indicadores de saú-de da nossa população. E a políticade saúde deve tentar conciliar osprincípios da equidade e da solidari-edade com a vontade social, demo-craticamente determinada, atribuin-do um carácter operacional aos cri-

térios de justiça, fundamentais parauma política de saúde atenta às ne-cessidades básicas dos cidadãos. Maisdo que um direito constitucional, aprotecção da saúde deve ser consi-derada como um dos grandes pila-res de uma sociedade democrática eplural.Porém, e não obstante o contributofundamental do Serviço Nacional deSaúde para a protecção da saúde dosportugueses, a gestão estatal dos ser-viços públicos tem-se revelado poucoeficiente. Ao longo dos últimos anos, eindependentemente da complexa ge-ometria político-partidária, os gover-nantes tentam dirimir este conflito –entre a necessidade de providenciarum bem social, como a saúde, e me-lhorar a eficiência económica – atra-vés da intervenção do mercado. Nasaúde, no entanto, o mercado é sem-pre imperfeito, pelo que é determinantea adopção de critérios de transparên-cia bem como a função reguladora doEstado. De facto, o mercado só provi-dencia os cuidados de saúde aos cida-dãos com capacidade para pagar e nãoa todos os que dele necessitam.Daí que a intervenção do Estado sejafundamental para harmonizar e arti-cular uma oferta e uma procura tãoparticulares, não estando em causa ocumprimento das mesmas regras daeconomia em geral, pois, aos olhos docidadão, a saúde não é um bem sus-ceptível de consumo ou de permuta.

Em Abril de 2004 tomou posse a direcção da Entidade Reguladora da Saúde(ERS) correspondendo ao imperativo legal que decorre da aprovação pelo Con-selho de Ministros do Decreto-Lei n.º 309/2003 de 10 de Dezembro.

Mais do que um direitoconstitucional, a

protecção da saúdedeve ser consideradacomo um dos grandes

pilares de umasociedade democrática

e plural.

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Está em causa uma nova cultura nasaúde fundada na convergência dedois factores aparentemente irrecon-ciliáveis: a qualidade na prestação decuidados de saúde e a optimizaçãoda utilização dos recursos disponí-veis. Assim, com base no vector cha-ve para o aumento da produtividadesurge o ideal de que melhorar a efi-ciência na utilização dos recursospode originar um sistema de saúdemais justo e de melhor qualidade. E,também, concorre para o reconhe-cimento do papel do contribuinteque através dos seus impostos con-tribui decisivamente para o financia-mento do sistema. Esta nova menta-lidade parte, então, da percepção deque a saúde e a sua protecção sãoum bem económico a ltamentedispendioso e não “gratuito”, aindaque frequentemente o seja no mo-mento da utilização dos serviços. Estáigualmente em causa a necessidadede se promover a eficiência do pon-to de vista económico através da ade-quada gestão dos recursos financei-ros e dos meios humanos e materi-ais. Este requisito é determinantepara a estabilidade social, dada a ac-tual falta de sustentabilidade econó-mica e financeira do sistema de saú-de. Esta reflexão preliminar remete-me para a questão inicial de que,numa sociedade justa e democráti-ca, os cidadãos – contribuintes epotenciais utilizadores dos serviçosde saúde – exigem que cada Euro-Saúde seja utilizado com a maior efi-ciência possível.O problema da saúde em Portugalnão reside apenas no sub-financia-mento, mas no modo como os recur-sos são geridos e utilizados. São de-sejáveis novas soluções no combatefirme e determinado ao desperdício,passando, naturalmente, pela plenaresponsabilização dos gestores, a to-dos os níveis da cadeia hierárquicadas organizações.A introdução de novos modelos degestão nas unidades de saúde reflec-te a resposta das instituições de saú-de a uma sociedade cada vez maisexigente, mais crítica e em perma-

nente evolução. De facto, observam-se profundas alterações na estruturatradicional da administração públicacom a finalidade de obter ganhos emsaúde para as populações. Procura-se, cada vez mais, uma estrutura fle-xível , centrada no princípio daracionalidade económica e na lei daoferta e da procura. Neste contexto

de mercado imperfeito, o Estado de-ve assegurar as funções de financia-mento, regulação, e acompanhamen-to dos cuidados de saúde. Mais ain-da, quando está em curso a imple-mentação de redes nacionais de cui-dados primários, hospitalares e con-tinuados.Com a criação de um mercado admi-nistrativo na saúde, no qual partici-pam distintos operadores – públicos,sociais e privados – e onde a procu-ra de eficiência económica implica aadopção de novos modelos de ges-tão de hospitais e de centros de saú-de – de que a empresarialização e asparcerias público/privado são exem-plos elucidativos – a Entidade Regu-ladora da Saúde tem como objectivonuclear a protecção dos direitos fun-damentais dos cidadãos. Direitos, taiscomo a equidade no acesso ao siste-ma público, a obtenção de informa-ção, a implementação de mecanismoseficazes de reclamação, ou mesmo aprotecção da privacidade individual.Recorde-se que, tradicionalmente, asalvaguarda dos direitos fundamen-tais dos cidadãos repousava sobre aética profissional que sobreviveu ao

longo de dois mil anos, tendo-se su-cessivamente consagrado em diver-sos códigos de ética profissional e nosjuramentos que os pretendem hon-rar. Todos estes documentos têm, emcomum, a atribuição de um papelcentral aos profissionais de saúde,exortando determinados princípioséticos que, independentemente dacultura de onde emanaram, visavama promoção das virtudes profissio-nais. De facto, qualquer profissão im-põe determinados deveres àquelesque a exercem. Quanto mais umaprofissão se organiza, mais tende adotar-se de um estatuto codificadoonde estão bem definidos os deve-res e as obrigações emanados dosseus órgãos oficiais. A deontologiaprofissional trata, assim, de garantiro bom exercício da profissão, alicer-çando-se, por um lado, na pureza dospreceitos éticos e por outro na suaregulamentação. A auto-regulaçãoprofissional decorre da aceitação deum padrão de competência e de con-duta determinado, e periodicamenterevisto, pelas associações represen-tativas da classe.Mas, ainda que a auto-regulação pro-fissional – de médicos, enfermeiros,farmacêuticos, e outros profissionaisde saúde – seja perspectivada comoo sentido último da responsabilida-de, constata-se que em todo o mun-

À Entidade Reguladorada Saúde compete a

tarefa de evitardisfunções no acesso à

saúde, de que aselecção adversa e aprocura induzida são

bons exemplos.

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do ocidental se tem desenvolvido umcontrolo sustentado e dirigido do di-reito à protecção da saúde, por par-te de autoridades reguladoras inde-pendentes. A existência de mecanis-mos regulatórios centralizados, comlegitimidade formal, e conceptual-mente distantes da hierarquia buro-

crática convencional da administra-ção pública, é o expediente transna-cional necessário para potenciar amelhoria do desempenho, da quali-dade e da segurança no domínio dasaúde.A regulação social e a regulação eco-nómica da saúde enquadram-se num

Qualidade, segurança, prática baseada na evidência, prevenção de riscos,clinical governance, são os termos da linguagem presentes na regulação dasaúde, onde as estratégias para a melhoria do desempenho organizacional

serão sempre acompanhadas com isenção e transparência.

novo modelo de administração públi-ca no qual a obtenção de ganhos deeficiência, e o combate ao desperdí-cio, implicam uma política de rigor nautilização de recursos, sempre comgrande sentido de responsabilidade.À Entidade Reguladora da Saúde com-pete a tarefa de evitar disfunções noacesso à saúde, de que a selecção ad-versa e a procura induzida são bonsexemplos. A regulação estará atentaa estes fenómenos e tentará, no qua-dro legal em que se inscreve, preve-nir o seu aparecimento através de umaintervenção serena, mas determinada.Ou seja, com a criação de um orga-nismo regulador independente, pre-tende-se separar as funções de con-trolo, supervisão e acompanhamentodos operadores no sector da saúde,garantido todavia que estas funçõesnão sejam influenciadas por nenhu-ma das partes envolvidas.Em todo o caso torna-se fundamen-tal uma colaboração activa de todosos intervenientes, desde os cidadãos,aos profissionais e respectivas associ-ações, às distintas organizações pú-blicas, privadas e sociais dedicadas àprestação de cuidados de saúde, dadoque se trata, verdadeiramente, de umaparceria para um Novo SNS.Qualidade, segurança, prática basea-da na evidência, prevenção de riscos,clinical governance, são os termos dalinguagem presentes na regulação dasaúde, onde as estratégias para amelhoria do desempenho organizaci-onal serão sempre acompanhadascom isenção e transparência. Em suma,no limite dos recursos existentes, pro-cura-se a excelência clínica e a hu-manização da saúde.

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Numa publicação mais em cima doacontecimento, fizemos humor sobrea necessidade de quotas de homensem Medicina sugerida por algumas co-nhecidas individualidades portugue-ses. Face ao “indecente” aumento donúmero de médicas em Portugal(como em toda a Europa) e dos alar-mes que pelos vistos tão judiciosamen-te provoca, fui adiantando que sedeveria organizar uma Ordem dosMédicos Masculinos (OMM) para nosdefender. E que na situação realmen-te intolerável em que nos encontra-mos, ainda por cima com tendênciapara piorar, esse nosso Vaticano sedeveria desembaraçar em atitudes,não fosse alguém duvidar da dotaçãohormonal de que tão orgulhosamen-te nos sabemos assistidos.E sugeri também que o Governo fosseobrigado a colaborar, arquitectandodiplomas impedientes desta invasão epropiciadores duma efectiva manuten-ção dos nossos “poderes”. Não se vis-lumbrando medidas mais benignas econsiderando que nos momentos gra-ves, com toda a justiça, nos devemossentir desobrigados de condescendên-cias, propus mesmo que os Directoresde Serviço masculinos fossem clona-dos e as suas cópias largamente difun-didas por todo o País. Acompanhadas,obviamente, por idênticas clonagensdas auxiliares de limpeza.Desse modo se acalmariam os medosmal confessados que os homens têmdas mulheres. Medos que são a causaverdadeira desta questão e que existi-ram desde sempre, mas que ao longoda História foram exemplarmente “re-solvidos” pelo nosso poder, aparente-mente agora posto em causa.Acrescentei ainda que esse medo dooutro sexo existe na profundidade doshomens e das mulheres. E que consti-tui até uma peça significativa na rela-ção entre os dois, constituindo igual-mente e em simultâneo, um atractivo

Ordem dos Médicos Masculinosfactor de busca no erotismo e na dife-rença. Será mesmo uma das peças inte-grantes dum conceito que não vem noslivros e que habitualmente designo por“ADN mental”. Mas o medo social (e édisso que se trata nesta questão dasquotas), não pode ser confundido comesse medo psicológico profundo, por-que se mobiliza noutros condimentose noutras motivações.

I

Mais a sério, é óbvio que o aumentodo número de médicas se deve a con-dições determinados pelas democra-cia e pela organização social dos paí-ses civil izados, ou seja, pelasinultrapassáveis culturas e mercadosa que ambos os sexos têm idênticoacesso. Além de assentar nesse desen-volvimento social, tem vindo a serexemplarmente cimentado no edifíciopúblico e profissional da mulher, aocontrário do que insinuam as indivi-dualidades assustadas. Pelo que, emminha opinião, deverá ser aplaudidocomo elemento benéfico, qualquer queseja a numeração e qualquer que sejao exercício. Sabendo nós que, numacondição normal de Saúde, aessencialidade do masculino e do fe-minino não se modificam apesar dasmudanças externas em cadeia. Só asuperfície do homem e da mulher sedesvanecem no alargamento cultura-lista, o seu interior profundo inevita-velmente permanece. Este Sapiens per-manecerá, com os sexos diferenciadose com as suas identidades característi-cas, pelo que será insensato temer aevolução social, como parece estar aacontecer. Factores psicológicos e fac-tores sociais têm origens diferentes:completam-se saudavelmente mas per-manecem diferentes. No que diz respeito à Medicina, pen-so que o aumento feminino deveria seraté preconizado. Muito seriamente,

acho que a Medicina do nosso temposó pode melhorar com o exercício fe-minino, o qual, de certa maneira vemjá compensando, nos nossos dias, oexcesso tecnológico e desumanizadoque infelizmente a caracteriza. Maisafectivas e mais disponíveis quase sem-pre, menos “instrumentais” dos que oshomens por história e por natureza,com uma constituição biológica, psi-cológica e social (o seu “ADN men-tal”) mais próxima do benefício numarelação médico-doente, só por razõesfreudianas se justificarão estas preo-cupações. Racionalmente, será difícilavalizá-las: só razões fundas e ances-trais, derramadas sobre o julgamentodos outros, as poderão justificar.

II

Por Saúde Mental entende-se um senti-mento íntimo de fluidez, uma harmoniaactiva nos movimentos psicológicos daspessoas e das sociedades. Funciona comcondição de bem estar ou de mal-estar,assente numa estrutura que supõeuma liberdade interior e pessoal, ainteragir com a liberdade exterior ousocial, advinda do meio ambiente. Meioque dá e recebe dentro do possível,mas que se torna dispensavelmenteprejudicial se artificializa dissonâncias.Há fundamentos de expectativa e deadaptação, de participação e desenvol-vimento, cujas potencialidades não po-dem ser coarctadas com ligeireza, sobpena de prejuízo da Saúde Mental detoda a gente.Qualquer constrangimento ou quotaserá negativo, nomeadamente quandorepresenta um absurdo sem benefíciopara ninguém. Será apenas um ensaiode menorização, suportado em fantas-mas de pouca consistência no nossotempo. Só com humor se poderão en-carar estes exclusivismos de cidada-nia, masculinos ou femininos. Devemos fazer Humor!

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Jaime MilheiroPresidente do Conselho Nacional de Saúde

Mental

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Várias leituras se podem fazer a partirdesta questão. Aceita-se como principiogenérico, a possibilidade no caso vertente(do socorro), de os médicos poderemser substituídos por não médicos. Admi-te-se também que outros (não médicos),desde que para isso estejam habilitados,possam desenvolver uma actividade quepressupõe a realização de actos quecompetem aos médicos e por isso, estestêm de ter controlo sobre isso; por ou-tro lado pressupõe-se que a actuaçãode não médicos no socorro, (mesmo quenão pratiquem actos médicos strictusensu) merecem monitorização e acom-panha-mento por médicos, porque a suaactuação perante uma vítima pode terimplicações quer imediatas quer no prog-nóstico. Nestes pressupostos várias in-terrogações se podem colocar: Qual opapel dos não médicos no socorro? Quenível de formação será desejável para osnão médicos no socorro? Qual a capa-cidade de intervenção dos não médicos?Poderá existir autonomia dos não mé-dicos no socorro? O acompanhamentopelo médico pressupõe: controlo de ac-tividade? responsabilização médica?responsabi-lidade na formação? Natural-mente que estas questões só se devemcolocar em cenários fora do «olhar» domédico, por isso sobretudo ao nível pré-hospitalar.O exercício ou prática de técnicas tera-pêuticas pressupõe a capacidade de dia-gnóstico; o diagnóstico e a terapêuticafazem parte do exercício da Medicinaainda que, sob condições possam serrealizados por outros profissionais daárea da saúde ou afim, por delegação decompetências. Mas não chega os médi-cos delegarem competências; nem bastaexistirem protocolos ou algoritmos deactuação feitos por médicos. Dada anatureza dos actos praticados, os médi-cos têm que ser directamente responsá-veis pela formação dos não médicosquando se trata da realização de actosmédicos; assim tem que existir umarespon-sabilidade repartida, de quem

executa e de quem deu formação e/ouhomologa a prática de actos médicos.Independentemente das opiniões e lei-turas sobre o papel dos não médicos,há uma questão que é fulcral: o sistemade socorro deve basear-se sempre nomédico porque a sua presença dácredibilidade ao que se faz e ao própriosistema e contribui para a manutençãoda qualidade do que é feito, no pressu-posto que o médico leva para a «rua» aexperiência e conhecimentos adquiridosna sua prática diária. Aliás será de pôrem causa a prática ou a autorização daprática de determinados gestos por nãomédicos, exactamente pelas dificuldadesque a falta de experiência acarreta e otempo, por vezes precioso, despendidona sua execução. Por exemplo: há de-terminadas técnicas e gestos que nãosendo praticados diariamente ou comfrequência, colocam dificuldades paraquem os executa. Assim pode não seradequado que outros, sem experiênciaos executem pelo tempo (perdido) quedemoram a executar e por vezes semsucesso, atrasando o tratamento defini-tivo; daí a já referida utilidade de levar aexperiência adquirida no hospital paraa «rua»; também por isto alguns defen-dem o load and go em vez do stay andplay. Sabemos que há outros sistemas desocorro e emergência noutros países, quenão se baseiam na presença do médicoa nível pré-hospitalar. Isto não nos devepreocupar nem conduzir à tentação decopiar e criar modelos iguais só porqueoutros os desenvolveram, até sendo pa-íses mais desenvolvidos que o nosso,quiçá possuindo uma Medicina maisavançada. Copiar não tem nada de ne-gativo, desde que se referencie a origemda fonte e se «copie bem»! Entenda-sepor «copiar bem» a identificação do queexiste de inovador e pode ser transpor-tado e adaptado à nossa realidade, de-pois de analisadas as condicionantessocio-políticas, culturais e geográficas deoutras realidades diferentes da nossa. Istoconsegue-se, neste particular, introduzin-

do variáveis (condicionantes) nacionaiscomo são: os factores culturais/tradição,os factores geográficos e demográficos,os recursos humanos e meios disponí-veis e os factores económicos. Entre nós,no primeiro caso, são exemplos a valo-rização da presença do médico e a suaesperada centralidade no desempenho;factores geográficos como a relativamen-te pequena extensão territorial a cobrircomparativamente a outros países, ascurtas distâncias aos hospitais e as me-lhores ou piores acessibilidades; facto-res demográficos como a maior/menordensidade populacional e a concentra-ção/dispersão habitacional; a disponibi-lidade de recursos humanos (designa-damente médicos) e meios materiais dis-poníveis ou instalados, e por fim, facto-res económicos (que não economicistas)na perspectiva da relação custo-eficácia.Como defendo que o médico deve estardirectamente envolvido no socorro, econstituir um pilar no desenvolvimentodo sistema designadamente fora do hos-pital, poder-se-ia pensar que não admi-tia nunca a presença de outros actorescom papel primordial naquele cenário.Não é verdade!Entendo que é admissível que não mé-dicos possam intervir no socorro, emsituações definidas e complementar-men-te à desejável cobertura medicalizada doPaís, sempre que razões de custo/eficá-cia, de ordem geográfica e circunstanci-ais o exijam. Contudo a realidade mos-tra-nos que, sendo teoricamente desejá-vel, é impossível ter um médico semprepresente, em qualquer ponto do País, naprimeira abordagem e resposta de emer-gência; porque geograficamente eoperacionalmente inviável e pelos cus-tos pesados com a perda de eficiência.Voltando ao assunto proposto, das in-terpretações referidas, o tema pareceimplicar a aceitação universal de que omédico pode ser substituído, o que nãodevendo ser a regra, pode ser excep-ção! Mas se em vez de excepção (aindaque alargada), a presença dos não mé-

O médico no acompanhamentodo papel dos não médicos no socorro*

* Palestra proferida na mesa-redonda «O papel dos não médicos no trauma» ( Trauma Um Flagelo do Século XXI, Auditórioda O.M., Lisboa 6-7 de Maio de 2004 )

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dicos como únicos intervenientes nosocorro fosse a regra, será que entãofaria sentido falar no «papel do médicono acompanhamento do papel dos nãomédicos no socorro», no âmbito da tá-cita autonomia de outros profissionais?Não tenho dúvidas que fará sempre todoo sentido, se quisermos um socorro comqualidade baseado em conhecimentosmédicos actualizados, em que só os mé-dicos têm essa capacidade de apport aosistema. Mas com o decorrer dos tem-pos não seria posto em causa esse papelde acompanhamento, referindo-se ouevocando-se a tal autonomia desta oudaquela profissão?E que formação/preparação terão essesnão médicos (leia-se «técnicos de emer-gência»). Será que terão uma formaçãoao nível de curso técnico-profissional?Ou um curso médio? E depois com oevoluir dos tempos, como sabemos quetem acontecido em Portugal, para o aces-so que até poderia bastar o 9.º ano, pas-sar-se-ia a uma maioria de candidatos àpartida com o 12.º ano, volvidos uns anosteríamos a reivindicação de bacharelatoem técnicas de emergência, meio cami-nho para uma licenciatura bietápica qui-çá, uma licenciatura em EmergênciaMédica exigindo-se uma intervençãocom prática mais alargada!...Seria o apa-recimento em Portugal de médicos de«segunda»! Poderá parecer um exagerointerpretativo da minha parte, uma vi-são quase maniqueísta sobre o assunto.Não tenhamos dúvidas que ao tentarresolver um problema (a melhor cober-tura e uma primeira resposta com qua-lidade) se podem correr riscos de ar-ranjarmos outros problemas, que seri-am fonte de conflictualidade, colocan-do-se mais uma vez em causa a hierar-quia técnico-científica! Tentar-se-ia sobre-tudo que o médico fosse arredado dosistema (até seria mais barato e há faltade médicos)! Já nada nos espanta!...E aí mais uma vez e por maioria da ra-zão seria questionado o controlo médi-co, e reivindicada a autonomia dessestécnicos, pondo-se mais uma vez (oucontinuando-se a pôr) em causa o actomédico.Repito a ideia de que poderá haver ex-cepções neste caso para que deteractos da estrita competência médica, masque permitem salvar vidas sejamefectuados por não médicos, ou seja, quemédicos possam delegar a sua realiza-

ção em não médicos desde que:– a rapidez necessária para o sucessode determinado gesto, que pode salvarvidas e/ou evitar complicações, não per-mita aguardar pela presença do médicoem tempo útil, como por exemplo acon-tece com a utilização da desfibrilhaçãoautomática externa.– a impossibilidade de ter uma cober-tura geográfica com presença médicana primeira resposta ponto por pontoem determinada área territorial, ondea casuística não justifica a permanentedisponibilidade de meios e recursosmédicos.– inexistência absoluta do médico emqualquer circunstância: em locais inós-pitos, em situações de conflito armadoou situações de multivítimas e catás-trofe.Mas há uma questão muito importan-te e que diz respeito à formação e àsua estruturação e que é um pontoinicial muito importante do acompa-nhamento dos não médicos.– que a formação desses não médicosseja da responsabilidade e supervisãomédica;– que os programas e conteúdosformativos sejam estruturados ouvida aOrdem dos Médicos;– que a formação seja auditada pelaOrdem dos Médicos.Dar formação pela formação não fazsentido, correndo-se o risco de criar umanova profissão sem uma carreira devi-damente estruturada. Interessa, nestecaso, que essa formação seja dirigida aquem está na primeira linha do socorroe potencie as capacidades instaladas emtermos de resposta à emergência ondenão existe cobertura médica na área pré-hospitalar. Na nossa realidade nacionalhá que olhar para quem ou quais asorganizações que estão implementadasno terreno e aproveitar essa mais valia,as suas potencialidades e capacidade ins-talada. E quem está implementado noterreno em Portugal para além do INEM?São as centenas de Corporações de Bom-beiros. Efectivamente os Bombeiros cons-tituem a primeira linha da resposta nosocorro em Portugal. Por isso há quevalorizar e melhorar a sua actuação nosocorro pré-hospitalar. Assim faz senti-do que sejam os Bombeiros a ter no seuseio gente com formação adequada –«técnicos de emergência», o que permi-tirá complementar a rede medicalizada

do INEM.Mas interessa definir outras regras queregulem o socorro pré-hospitalar pornão médicos:– que os não médicos estejam enqua-drados em organização que respondahabitualmente em situações de socorro/emergência;– que exista médico localmente respon-sável por esse modelo de resposta àemergência;– que seja definido a capacidade de in-tervenção técnica dos não médicos;– que exista avaliação do desempenhoe da qualidade.Parece às vezes, entre nós, que nestecontexto o que está em causa, mais doque o interesse em tratar doentes e sal-var vidas, é o desejo de ganhar prática eexecutar gestos (que numa hierarquiza-ção técnico-científica correcta devem serreservadas só para os médicos), em ati-tudes voluntariosas e com duvidoso in-teresse curricular reivindicando capaci-dades e competências a que só a licen-ciatura em Medicina deveria dar acesso.Porque saber fazer não quer dizer quese faça!Em conclusão:– os não médicos podem vir a ter umpapel complementar importante no so-corro desde que enquadrados em orga-nização que responde habitualmente nosocorro.– a prática de técnicas do foro médicopor não médicos, ainda que «simples»deve implicar o acompanhamento des-sa actividade por médicos.– do acompanhamento pelos médicosdo papel dos não médicos deve fazerparte:– estruturação e supervisão da forma-ção;– a existência de médicos (com a Com-petência em Emergência Médica) respon-sáveis por unidades ou serviços de pres-tação de socorro;– auditoria e verificação das competên-cias técnicas.– controlo de qualidade (por mecanis-mos a definir).

João Paulo Almeida e SousaCoordenador da Comissão da Competência

em Emergência Médica

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H I S T Ó R I A S d a H I S T Ó R I A

As greves dos estudantes universitários sempre foram ummeio utilizado como protesto contra determinadas deci-sões ou posições da instituição universitária ou contrapolíticas governamentais consideradas lesivas dos seus in-teresses. No primeiro caso, elas são locais, mais ou menossignificativas, na maioria dos casos sem importantes reper-cussões No segundo caso, podem tomar um significadomuito importante, sobretudo quando adquirem um carác-ter nacional, como sucedeu na greve de 1969, com gravesconsequências na vida nacional estudantil e política.

A greve desencadeada pelos alunos do 5º ano do curso deMedicina, do ano de 1921, relacionou-se directamente comos discursos fúnebres proferidos aquando do enterro doProfessor Dr. Daniel de Matos, em 25 de Fevereiro de 1921,pelo aluno do 5º ano médico, Eduardo Coelho, e pelo Pro-fessor Dr. Angelo da Fonseca. Ela teve a particularidade,julgo que única, de ter sido dirigida contra um único pro-fessor, o Dr. Angelo Rodrigues da Fonseca (Fig. 1), persona-lidade de prestígio nos meios universitário e político1, acu-sado de plagiador, de ter originado uma greve geral dosalunos e de ter causado a perda do ano lectivo e odesmembrar do referido curso médico constituído por 59alunos2.A singularidade do motivo da greve e das suas consequên-cias e o de possuirmos alguns panfletos publicados pelosalunos, deu-nos razões de a recordar.Os documentos que possuímos são um longo manifestodos alunos, intitulado «ROMPENDO FOGO...», de Abril de1921 (uma folha do tipo jornal, 39x52 cm, com a referência«primeira tiragem 20 mil exemplares») e um panfletointitulado «UM PLÁGIO do Dr. Angelo da Fonseca, Prof. deClínica Cirúrgica na Universidade de Coimbra», com «dis-tribuição gratuita em todo o País» e com a indicação «Edi-ção do Médico António Coelho, Porto, 1921» (8 páginas de12x19 cm), que reproduz integralmente o plagiado discur-so do Prof. Angelo da Fonseca, abrindo com o prefácio «Duaspalavras» do aluno do V ano médico, Eduardo Coelho , da-tado no Porto, em Julho de 1921 (Fig.2)Consultamos também algumas publicações da época, edita-das em Coimbra, sobretudo o «O JORNAL», semanárioeditado pelo Centro Republicano Liberal, a «GAZETA DECOIMBRA» e a publicação «O CONFLITO», «Órgão daAcademia de Coimbra» (foram publicados apenas 8 núme-ros, de 6 de Maio a 19 de Julho). Há referência a outros

Um plágio - uma greveA greve do curso do 5.º Ano da Faculdade deMedicina de Coimbra (1920-1921)

documentos, sobretudo a um panfleto inicial intitulado «Pa-lavras Claras» que não encontramos.

O conflito teve, como dissemos e como podemos deduzir,dois motivos, ambos em relação directa com o Prof. Angeloda Fonseca.Um primeiro motivo surgiu em 1 de Março, na segundaaula de clínica cirúrgica após o funeral do Prof. Daniel deMatos, na qual o Prof. Angelo da Fonseca após ter evocadoa memória do falecido, seu antecessor, comentou aspera-mente as palavras que o aluno Eduardo Coelho proferiuno funeral, considerando-as, «com grande desgosto», desa-gradáveis e insultuosas para a Faculdade. Logo nessa manhãos alunos, nomeadamente António de Pádua e EduardoCoelho, procuraram esclarecer o professor mas não foramrecebidos «porque estava muito fatigado» pois terminarade operar auxiliado pelo seu colega Dr. Bissaia Barreto.Contudo algum tempo depois os mesmos alunos são rece-bidos, o discurso é-lhe lido e é-lhe explicado não ter havidoqualquer intenção de agredir a Faculdade. Na realidade, nodiscurso do aluno, publicado na «Gazeta de Coimbra» de 3de Março, estão escritas frases como «O Grande Mestrevalia toda a Faculdade», «Rareiam cada vez mais os homensde envergadura moral e intelectual de Daniel de Matos. Desa-parecem grandes homens e ficam pequenos homens», «Quetristeza a geração de hoje! De maus e de doidos, mais mausque doidos, como ele tantas vezes dizia»; a sua morte foi paraFaculdade «uma desgraça!». E termina: «Com as nossas al-mas ajoelhadas no altar da nossa saudade choremos, em silên-cio, o Grande Mestre que, sendo uma das maiores figuras daMedicina portuguesa, era o maior professor da Faculdade deMedicina». Convenhamos que tais frases, não certamente«inocentes», poderão ter sido pouco agradáveis de ouvirpelo corpo docente da Faculdade... No entanto, o Prof.Angelo da Fonseca escreve na exposição à Faculdade,publicada no «O Jornal» (30 de Abril), ter considerado oassunto esclarecido e encerrado.Contudo assim não aconteceu...Com efeito, em 12 de Março, surge o segundo motivo, quan-do os alunos enviam ao Conselho da Faculdade uma expo-sição acusando o Professor Dr. Angelo da Fonseca de terplagiado o seu discurso de um outro proferido pelo DrBernardino Machado, vinte anos antes, por ocasião do fale-cimento do Prof. Augusto Rocha, também da Faculdade deMedicina, mas «individualidade intelectual e moral muito dife-

A. Poiares BaptistaProfessor Catedrático Jubilado

Faculdade de Medicina de Coimbra

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H I S T Ó R I A S d a H I S T Ó R I A

rente da de Daniel de Matos». De notar que este assunto nãoparece ter sido levantado na reunião havida com o Prof.Angelo da Fonseca, talvez por ter sido descoberto posteri-ormente. Diz-se que o «plágio» foi suspeitado pelo Prof. DrElísio de Moura...3

Eis a exposição enviada à Faculdade, dada a publico no ma-nifesto «Palavras Claras» e de novo reproduzida no mani-festo «Rompendo Fogo...»:

Exmo Senhor Director da Faculdade de MedicinaA gravidade dos factos passados numa aula de segunda clí-nica cirúrgica, onde o curso do V ano médico foi rudemen-te ultrajado pelo professor da cadeira, senhor Doutor An-gelo Rodrigues da Fonseca, traz-nos perante V.Excia, mago-ados, porque no ultraje ao V ano médico, não poupou osenhor Doutor Angelo Rodrigues da Fonseca a memóriasagrada do grande mestre que foi Daniel de Matos, com aagravante – saiba a nobre e ilustre Faculdade de Medicina –de ter chorado a sua morte com as mesmas palavras comque chorara a personalidade tão dife-rente, no talento e no carácter de Au-gusto Rocha, e de ter copiado e plagi-ado, com descaro e sem vergonha, odiscurso que o sr. Doutor BernardinoMachado, actual Presidente do Minis-tério, pronunciou à beira da campa des-te último sábio Mestre, para o ler sema menor sombra de pudor moral e in-telectual junto do ataúde de Daniel deMatos.O que se passou é meramente revol-tante para a dignidade e para o briodo curso do V ano médico que, poreducação e por temperamento, nãodobra a espinha nem leva a mão parasubtrair a propriedade alheia!Sobre o primeiro ultraje dirigido aocurso do V ano médico e à memóriasagrada da Daniel de Matos- acusan-do-nos de, no nosso discurso, atacar-mos a Faculdade de Medicina porquemuito elevámos a personalidade do sábio Mestre - vemmais este ultraje para a Faculdade de Medicina, para a Uni-versidade de Coimbra, para o País, e sobretudo, o que maisnos fere, para a memória de Daniel de Matos.E porque muito prezamos e defendemos o prestígio daFaculdade que nos educa não quisemos vir a publico. V.Exciaverá pelo Manifesto que profusamente distribuímos portodo o País que foi o senhor Doutor Angelo Rodrigues daFonseca quem nos atirou para a publicidade, afirmando : -«Isto é uma questão extra-escolar. Esclareçam a opinião públi-ca. Ela é que ha-de julgá-los.»Ao seu apelo viemos elucidar o País do que se passara. Aopinião pública acaba de nos julgar.Aqui vimos perante V.Excia e perante a ilustre Faculdade de

Medicina para que nos julgue também. Permitimo-nos su-por que a Faculdade não trilhará outro caminho que nãoseja o da Moralidade.O senhor Doutor Angelo Rodrigues da Fonseca, que per-deu a autoridade moral e intelectual – perante o País – nãopoderá ser professor do curso do V ano médico, sob penade perdermos o nosso brio e a nossa dignidade. Este actodo V ano médico é uma eloquente afirmação de caracter –afirmou-o todo o País.Um homem que assim se exautora não pode, para prestí-gio da nossa escola, continuar a reger a sua cadeira.O curso do V ano de Medicina encontra-se irredutivelmenteincompatível com o senhor Doutor Angelo Rodrigues da Fonse-ca.Foram estas as palavras que dirigimos ao País, são estas aspalavras que dirigimos à digna e ilustre Faculdade de Medi-cina.Saúde e FraternidadeCoimbra, 12 de Março de 1921

O curso do V ano médico

A Faculdade, por intermédio do seudirector, o Prof. Luís Pereira da Cos-ta4, informou «que o caso não seriaapreciado em congregação por lhe servedado ocupar-se de questões morais!...»e em virtude dos termos utilizados.Recorrendo ao Reitor da Universida-de, Prof. Oliveira Guimarães5, tambémlhes foi dito que o assunto só pode-ria ser analisado oficialmente se envi-ado pela «vias competentes», isto é, peladirecção da Faculdade de Medicina.Contudo na procura de sanar o pro-blema, o Reitor propôs que se dessepor terminado o ano escolar das ca-deiras regidas pelo Prof. Angelo daFonseca o que não foi aceite pelosalunos porque queriam aulas para«completar a educação cientifica» eporque «grande parte dos alunos não

tinha ainda a frequência da Urologia, cadeira semestral. E mais– porque o lei nos exige um ano de frequência». Entretanto acongregação da Faculdade mantinha a recusa da análise ede resposta à exposição dos alunos, tendo o Director dito,conforme o escrito no manifesto «Rompendo Fogo...»: «Ossenhores convençam-se que só têm uma plataforma airosa. É asaída em massa e espontaneamente da Universidade deCoimbra». Esta afirmação é comentada no manifesto: «Ocurso registou o conselho obsceno...».Em consequência, foi realizada uma Assembleia Magna, em18 de Abril, na Sala dos Capelos, cedida pelo Reitor, «a maisconcorrida e a mais entusiástica Assembleia Académica a quetemos assistido», na qual esteve durante algum tempo o pró-prio reitor! Nela foi votada, «em prova e contraprova» a

Fig. 1 - O Prof. Angelo da Fonseca

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seguinte moção :

«A Academia de Coimbra reunida em sessão magna, na salados Actos grandes, para apreciar o conflito existente entreo curso do V ano médico e o Prof. da 2ª clínica cirúrgica eclínica urológica, Doutor Angelo Rodrigues da Fonseca:Considerando, pelos factos expostos, que já foram esgota-dos todos os meios suasórios para a resolução do conflitoe que por isso o mesmo curso deliberou abandonar a Uni-versidade,Resolve, fiel às suas velhas e nobres tradições de solidarie-dade, proclamar a greve geral até a resolução do conflitodentro da única formula que honrosamente pode ser acei-ta: substituição do doutor Angelo Rodrigues da Fonsecacomo professor e examinador do actual V ano médico –para que aqueles seus colegas não tenham de retirar-se daUniversidade que sempre tem defendido.António Pedro Pinto de Mesquita 6

Perante a greve geral, a Faculdade toma então, em 20 deAbril, uma posição oficial que é dada a público :«A Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbratendo sido chamada a dar o seu parecer sobre o documen-to, entregue ao reitor, em que é reclamada pela Academia asubstituição do professor dr, Angelo da Fonseca, na regên-cia da sua cadeira de clínica cirúrgica, pelo professor dr.Raposo de Magalhães, aprovou por unanimidade a seguintemoção:Ouvidas, e devidamente ponderadas, as considerações queapós a leitura do referido documento e a propósito dosfactos que terão servido de pretexto, fez o professor atin-gido;Considerando que o professor dr. Angelo Rodrigues daFonseca tem dado à Faculdade de que é um dos mais ilus-tres membros todo o prestígio que provem da sua capaci-dade científica, da sua alta competência profissional e doseu comprovado mérito pedagógico;Considerando que o aludido professor, e independente dosrelevantes serviços prestados ao ensino da regência da suacadeira, tem procurado melhorar as condições de realiza-ção do ensino médico em Coimbra, sendo devido princi-palmente ao seu esforço tenaz e persistente que os Hospi-tais da Universidade sofreram a transformação profundaque deles fez também um estabelecimento modelar de as-sistência pública;Considerando que o professor dr. Angelo Rodrigues daFonseca tem sido um devotado amigo da Universidade, maisde uma vez tendo posto o seu valimento pessoal e políticona defesa da integridade deste estabelecimento de ensino edos direitos de muitos dos seus professores;Considerando que ao mesmo ilustre professor se deveminicialmente e em grande parte, quando Director Geral doEnsino Superior, as reformas que deram às Universidades aautonomia pedagógica e administrativa que delas trata defazer centros de intensa cultura científica;

Por outro lado:Considerando que, segundo o art.º 3º, nº1 da ConstituiçãoPolítica da República Portuguesa, ninguém pode ser obriga-do a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtu-de da lei;Considerando que o Estatuto Universitário, no seu art.56º,declara os professores ordinários inamovíveis, não poden-do ser suspensos nem demitidos, ou de qualquer formadestituidos dos seus direitos, senão pela forma e nos casosprevistos pela lei;Resolve:1º - Manifestar ao professor dr. Angelo Rodrigues da Fon-seca a sua mais ampla e cordial solidariedade,2º - Declarar que, em seu parecer, a reclamação que lhe foiapresentada, de substituição do mesmo professor, éinfundamentada e destituída de base legal.Coimbra, 20 de Abril de 1921. O professor (a) Luís Pereirada Costa

A reacção dos alunos foi imediata, publicando o já referidomanifesto «ROMPENDO FOGO...» com numerosas críti-cas à moção, e declarando que o «estranho documento sebaseia em premissas falsas», pois era falso que os alunostivessem proposto a substituição do Prof. Angelo da Fonse-ca pelo Prof. Raposo de Magalhães (a ideia partira do pró-prio reitor...) e eram também falsas as informações que oProf. Angelo da Fonseca prestara aos seus colegas sobre odesenrolar de um novo encontro havido com os alunospois dissera ter-lhes dado as explicações das palavras por siusadas e ter aceite os esclarecimentos dos alunos. Comoestes escrevem «De um lado está a palavra e a honra decinquenta e nove alunos que compõem o V ano médico e dooutro está ... o Dr. Angelo Rodrigues da Fonseca».Assinalemos que o documento da Faculdade não foi assina-do pelo Prof. Elísio de Moura, «a maior cabeça, e a almamais pura e verídica da Faculdade de Medicina», por estarausente no Porto, e pelos professores Álvaro de Matos,filho de Daniel de Matos e professor de ginecologia, e Al-berto da Rocha Brito, então professor de dermatologia esifiligrafia, porque «saíram da sala antes da votação» («Ga-zeta de Coimbra»). Este professor teria sido objecto decomentários do Prof. Angelo da Fonseca ao afirmar, no seuserviço, que o modo de ensino da sifiligrafia era um «cri-me»... De notar que o Prof. Angelo da Fonseca é tambémacusado de ter um comportamento ético censurável, criti-cando os colegas perante enfermeiros e doentes, «dizendoque mais do que os colegas sabem os enfermeiros» e de tam-bém de ter atitudes médicas e directivas muito discutíveis.De entre críticas à sua personalidade os alunos reprodu-zem, no manifesto «Rompendo Fogo», alegadas afirmaçõesdo reitor, Prof. Oliveira Guimarães, testemunhadas pelosalunos Lucena e Vale e Pinto Mesquita, da Faculdade deDireito, e Gualberto de Melo e Salgado Júnior, do V anomédico: «O Angelo sempre foi um bêbedo, um cínico, um per-verso».

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Depois destes e de outros vários comentários muito poucoabonatórios sobre a personalidade do Prof. Angelo da Fon-seca, e também indignados pelo apoio da congregação daFaculdade expresso na moção acima reproduzida, o mani-festo «Rompendo Fogo...» termina afirmando:«O curso do V ano médico afirma à Faculdade de Medicina,afirma à Universidade, afirma a S.Exª o ministro da Instru-ção Pública, afirma ao País inteiro que mais do que nuncase mantém irredutivelmente incompatível com oDr. Angelo Rodrigues da Fonseca.E para terminar, invocando a nota oficiosa da ComissãoDirigente do Movimento Académico, declara nobrementeque não toma a responsabilidade dequalquer acto que possa perturbara ordem pública.Viva a Universidade de Coimbra!Viva a Academia!Viva a greve!Coimbra, 26 de Abril de 1921O Curso do V ano médico de 1920-1921(seguem-se os nomes dos alunospor ordem alfabética)

Declaro que este manifesto foi lidoà comissão Dirigente do Movimen-to Académico que sancionou a suapublicação.Pela Comissão, o PresidenteAntero de Lucena e Vale7

A greve geral teve algumas reper-cussões políticas, tendo sido objec-to de intervenções na Câmara dosDeputados pelos deputados Dr. Al-ves dos Santos, de Coimbra, e Ho-mem Cristo, de Aveiro (este cha-mou a atenção para a gravidade doproblema, «exemplo da continuaçãoda anarquia do ensino») e pelo Ministro da Instrução, Dr.Júlio Martins. Este fez um circunstanciado relato sobre ohistorial do conflito, certamente baseado no relato do Prof.Angelo da Fonseca à Faculdade, afirmando ser sobretudoum «mal entendido e um equivoco» e «não poder admitir oprincipio de declaração de greve por incompatibilidades comqualquer professor. Seria o caos no ensino o que evidentementenão pode tolerar». Termina por declarar «no intuito de que agreve termine e quanto antes, que se eles não quiserem fazeros seus exames na Universidade de Coimbra os autorizará afaze-los nas escolas Médicas de Lisboa ou do Porto» («O Jor-nal», 27 e 30 de Abril).De notar que o relato do Ministro não faz referência ao játão falado plágio do Prof. Angelo da Fonseca. Também écerto que, inversamente, os manifestos dos estudantes nãodão realce às criticas deste professor, e eventualmente de

outros, ao discurso do estudante Eduardo Coelho.Em 24 de Abril, o Reitor faz um apelo publico aos estudan-tes («O Jornal», 30 de Abril). Após um resumo dos aconte-cimentos, termina escrevendo: «A Academia de Coimbrapode e deve pois revogar as suas deliberações do 18 do corren-te, porque desapareceu a base em que assentavam – umainterpretação de pensamentos e de actos que o seu autor de-clara em inequação com as suas intenções - e nestes termosentrar nas aulas de cabeça erguida, com aquela nobre altivezque a mocidade sempre timbrou em manter».Em Maio, veio a Coimbra uma delegação dos estudantes daFederação Académica de Lisboa que depois de ter sido re-

cebida pelo Prof. Angelo da Fon-seca, por um grupo de professo-res de Medicina e pela assembleiados alunos do V ano médico, de-clarou apenas estar solidária comos seus colegas de Coimbra («OTempo», de 21 de Maio de 1921).Note-se que os estudantes daFaculdade de Medicina de Lisboae do Instituto Superior Técnicoe que um grupo significativo deestudantes do 4º ano de Direi-to da mesma Universidade nãose associaram a tal iniciativa. Oaluno Eduardo Coelho, em Julhodo mesmo ano, e portanto nofim do ano lectivo, volta ao as-sunto, redigindo o prefácio dopanfleto «O Plágio» acima men-cionado, sob o título «Duas Pa-lavras». Nele escreve:«A personalidade de Angelo daFonseca está inteiramente vaza-da no plágio com que destruiupara sempre e sua medíocrecraveira mental.Quis chorar o grande prof.

Daniel de Matos, e, sem respeito pela sua santa memória esem consideração por milhares de pessoas que o ouviam,recitou, no cemitério, como seu, o discurso que o Dr.Bernardino Machado pronunciara, vinte anos atrás, dianteo ataúde do Prof. Augusto Rocha, individualidade muito di-ferente da de Daniel de Matos.O plágio, inutilizando-o mentalmente para sempre, tem tam-bém um alto significado moral.Este homem é professor duma cadeira importantíssima daFaculdade de Medicina de Coimbra. Plagiou um discurso pe-rante os seus discípulos. Como professor tem de darcaracter de independência e originalidade às suas lições, etem de incutir aos seus discípulos disciplina, iniciativa, umalto cunho de individualidade e gosto pela ciência. Tem, numapalavra, que ensinar e educar. Mas carece, para o desempe-nho de tão complexa função, de autoridade intelectual e

Fig. 2 - O folheto «UM PLÁGIO»

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moral...Exautorado como ficou perante todo o país, amarrado comoestá a um plágio sem nome, este homem irremediavelmenteperdido como professor, não tem autoridade intelectual nemautoridade moral para continuar na Faculdade de Medicina.Porque amanhã, os seus discípulos., para o correrem, sótêm uma coisa a fazer: levarem para a aula este folheto, emque se põe vis à vis a fraude da cópia e do plagiato, e ooriginal.O plágio deste professor sobre ser um tremendo estigmaque lhe amordaçou a alma, é também um epitáfio, que gizaa traços duros a pedra que o esmagou» – Porto, Julho de1921 —— Eduardo Coelho 8

Neste folheto, o discurso de Angelo da Fonseca, em home-nagem a Daniel de Matos, e o de Bernardino Machado,pronunciado vinte anos em homenagem a Augusto Rocha,são cotejados, comprovando-se plenamente o plágio. Oautor do panfleto, o médico António Coelho, tece violentocomentário à atitude da Faculdade : «Apesar de Angelo daFonseca ter deslustrado, com este imundo plágio, a Universida-de de Coimbra, a grande maioria do seu professorado cobriu-ocom a sua solidariedade!! Estranha manifestação de psicologiacolectiva!! Desventurada Universidade!... Pobre País de compa-dres!...»Como mencionamos, o conflito teve alguma repercussãonacional. Homem Cristo, deputado de Aveiro, escreve noJornal «O de Aveiro», em 24 de Abril de 1921: «Há doisfactos que o prendem, o Dr Angelo da Fonseca, de pés e mãos:um é o plágio indecoroso que os rapazes trouxeram a lume. Sea falta de probidade literária e científica é sempre condenávelem qualquer homem, num professor inutiliza-o. Outro são osescândalos, e as vergonhas, e a ruinosa administração do hos-pital da Universidade que o deixam numa situação não menosdolorosa e triste».Estas acusações e outras são mencionadas pelos estudan-tes no panfleto «Rompendo Fogo...» e, principalmente, nos8 números da publicação «O Conflito». Nesta publicaçãosão lançados «ataques» ao reitor por negar afirmações quehavia proferido perante os alunos, são publicados numero-sos artigos de apoio ao movimento, são publicadas morda-zes caricaturas de Angelo da Fonseca (autor?) a quem cha-mam o «Professor Pirilau», e largos editoriais verberando aFaculdade por ter dado apoio ao principal visado e por semanter alheada à solução do conflito.Noutros jornais publicaram-se algumas declarações de so-lidariedade para com o professor, nomeadamente pela Co-missão Executiva da Câmara Municipal de Coimbra e peladirecção do Centro Republicano Liberal.A greve arrastou-se, apesar da tentativa de mediação dosestudantes de Lisboa, de reuniões havidas, em Julho, comos pais dos alunos em casa do Prof. Guilherme Moreira,da Faculdade de Direito e antigo Reitor, e contra as quaisos alunos manifestaram o seu desacordo, dos apelos doReitor e do Ministro da Instrução, e de alguns artigos nos

jornais da cidade, etc. Na assembleia geral de alunos, havidaem 16 de Julho, é encarada a hipótese de se transferirempara Lisboa ou Porto «se o Governo não resolver o conflitoaté ao próximo mês de Setembro». Foi o que veio a suce-der... Acrescente-se que em 30 de Julho, é enviado peloGoverno, o Juiz do Tribunal da Relação de Lisboa, dr. Nunesda Silva, «incumbido de fazer uma sindicância à actual ques-tão académica». O inquérito foi concluído em Setembro.Neste mesmo mês, na base de um acordo entre a Comis-são Dirigente da Greve, o Presidente da Comissão dosProfessores e o Reitor, o governo autoriza uma nova «épo-ca de exames em Outubro e Dezembro e épocas extraordiná-rias segundo as Faculdades». Assim, em 24 de Setembro, a«Comissão Dirigente declara levantada a greve geral académica,votada em 18 de Abril» («Gazeta de Coimbra»). Foram 5meses de greve!Desconhecemos qual o aproveitamento escolar final nasdiversas Faculdades. Sabemos sim, pelo que meu pai medizia, que a quase totalidade do V ano médico perdeu oano lectivo e que se desmembrou: alguns permaneceramem Coimbra, muitos transferiram-se para a Faculdade deMedicina de Lisboa e outros para a do Porto.O recordar desta greve parece-nos ter algum interesse nahistória das greves dos estudantes da Universidade deCoimbra. Com efeito, julgo ter sido a única que se dirigiucontra um só professor de uma Faculdade, baseado numúnico facto preciso cuja base era essencialmente um prin-cípio ético: dois discursos de homenagem póstuma. Um,proferido por um aluno, considerado por esse professorcomo insultuoso para com a Faculdade, outro, proferidopelo mesmo professor, comprovadamente plagiado, factoconsiderado inadmissível pelos alunos. Seria de prever queos apoios dos respectivos corpos universitários em causa,alunos e professores, originaria um conflito. As diversastentativas de reconciliação falharam... A intransigência daposição tomada pela «congregação» dos professores daFaculdade de Medicina, ao ter recusado a análise do moti-vo apresentado pelos alunos, de ter manifestado a sua«mais ampla e cordial solidariedade» ao professor em causa,de se ter baseado apenas nas suas afirmações, e ao nãoter procurado qualquer solução conciliatória, reforçarama posição dos alunos, não apenas de medicina mas tam-bém de toda a Universidade, que nem as intervenções doMinistro da Instrução e do Reitor conseguiram ultrapas-sar. De qualquer modo é sobretudo de salientar a grandefirmeza da posição dos alunos do V ano médico, mesmo sepor vezes expressa em termos violentos, e que se traduziuno consequente prejuízo final para todo o curso.Não sabemos se outras razões tenham existido, pois oclima político nacional naquela época era conturbado. Con-tudo, cremos que não, não só porque meu pai, que setransferiu para Lisboa, a elas nunca se referiu, como tam-bém porque não encontramos referências nos panfletosou nos jornais (com excepção das moções da CâmaraMunicipal e do Centro Republicano Liberal). De qualquer

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modo, é de sublinhar, mais uma vez, que a razão da grevedecidida pelos alunos deste V ano médico, tenha sido ape-nas um princípio ético.Estamos bem certos que nos dias de hoje, um plágio, deum discurso ou de outros assuntos bem mais importan-tes, não causaria tanta polémica e nem teria tais conse-quências...

1 - Angelo da Fonseca (1872-1942) , além das funçõesuniversitárias, havia sido administrador dos Hospitais daUniversidade de Coimbra (1910-1911) e Director Geralda Instrução Pública (1911-1912), a convite de AntónioJosé de Almeida, então Ministro do Interior. Foi depoisDirector dos HUC de 1930 a 1942, período durante oqual se fizeram profundas reformas.2 - Fizeram parte do curso, meu Pai, médico do quadro doUltramar e os futuros professores António Manso da Cu-nha Vaz, da FM de Coimbra, António de Pádua, da FM doPorto e Eduardo Carneiro de Araújo Coelho, da FM deLisboa . A única aluna chamava-se Leonilde Rego Costa.3 - No funeral de Daniel de Matos tomaram a palavra oReitor, Prof. Oliveira Guimarães, o Director da Faculdadede Medicina, Prof. Luís Pereira da Costa, o Dr. Dias Perei-ra, em representação do Ministro dos Estrangeiros, os Prof.Angelo da Fonseca e Costa Lobo, pelo Instituto de Coimbra,os Prof. Basílio Freire (Faculdade de Medicina) e José C.Rodrigues Dinís (Fac. de Farmácia), o Dr. FernandesMartins e os alunos Eduardo Coelho , do 5ºano, e MárioRodrigues Martins, do 4º ano.4 - Professor de Bacteriologia e Parasitologia e de Fisiolo-gia geral (1921-1930), foi Director da Faculdade de 1919a 1925. Fora Presidente da Câmara Municipal de Coimbrade 1896 a 1898.5 - Professor da Faculdade de Letras, foi reitor interino em1918 e 1921. Transferido para a Faculdade de Letras deLisboa em 1936.6 - Quintanista do curso de Direito7 - Aluno quintanista do curso de Direito8 Em 1949, Eduardo Coelho, já professor da Faculdadede Medicina de Lisboa, é acusado por um seu colabora-dor, Dr, Leonel Cabral, no opúsculo “A probidade cientí-fica do Prof. Eduardo Coelho”, de ter feito “um autênticoroubo a propósito de um trabalho em que fui colabora-dor e citado no seu curriculum vitae para concurso aProfessor Catedrático”. No mesmo opúsculo lembra queele já havia sido acusado pelo Prof. Lopo de Carvalho,em 1935, de se ter servido de trabalhos seus sobre oprofessorado universitário e de ter também plagiado umtrabalho científico sobre electrocardiografia, publicadoem 1943 por um autor estrangeiro na revista Cardiolo-gia, copiado por Eduardo Coelho, em 1944, em artigopublicado na “Imprensa Médica”. Naturalmente que oDr, Cabral não deixou de relembrar a destacada posiçãodo então aluno Eduardo Coelho na greve do V ano mé-dico de 1921... Ironia do destino.

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C O N T O S

Quem tem a coragem de utilizar oparque de estacionamento do Hos-pital onde se situa o S4, fá-lo à suaconta e risco, e pode orgulhar-se deuma qualidade de vida invejável. Aochegar, o utente do parque tem oduvidoso prazer de esperar em filacerca de uma hora. Conversa nervo-samente com os seus colegas de in-fortúnio, a olhar constantemente parao relógio, sabendo que já estão vintepessoas à sua espera no serviço. Omais afoito toma uma bica à pressano café da esquina, sempre de sobre-aviso a controlar o avanço da fila; alémdisso, tem de se precaver contra al-gum malandreco a tentar furar a bi-cha, bem como estar atento à apro-ximação de algum polícia que decer-to o irá chatear para ir estacionarnoutro lugar. Um ou outro, menospaciente, vai de facto estacionar nasimediações: Erro! dado que, para alémde ganhar gratuitamente uma úlceraa calcular ao longo do dia o tempoque lhe resta no parquímetro, fre-quentemente descobre o seu carronão no sítio onde o deixou, mas simno depósito de carros da polícia, si-tuado a 10 km de distância.Voltando ao nosso camarada da bicha,ele lá consegue, finalmente, entrar noparque. Como de costume, o únicolugar vago é aquele em baixo da pal-meira, que, misteriosamente, foi o úni-co naquela zona que não foi atribuídoaos Directores de Serviço. Mas o nos-so utente sabe porquê: Sabe perfeita-mente que ao fim do dia, ao anoitecer,terá o seu querido Porche profusa-mente decorado com produtosexcrementícios de aves das famílias doscolumbídeos e dos fringilídeos, queabundam nos coqueiros e nos telha-dos do hospital; estes excrementos,deixem-me dizê-lo, custam mesmomuito a retirar da capota. Deixa o seucarro a travar a saída a mais três, con-fia a chave ao porteiro para a eventua-lidade de algum dos travados querer

Barafunda’s Parksair, e, no fim, lá vai experimentar oprazer supremo de chegar atrasadouma hora ao serviço, onde os olharesde soslaio e os comentários sarcásti-cos em surdina do pessoal o esperam.Entretanto, o seu precioso vai ficarsujeito a toda uma série de acidentes.Já não falamos nos comezinhos, do dia--a-dia: Patadas oleosas de gatos, poei-ra densa proveniente de intermináveisobras, sementes a cobrirem totalmen-te o veículo, graffitti, notas de papel comrecados ou comentários pouco reco-mendáveis, de tudo há um pouco. Osriscos e amolgadelas são também fre-quentes, tão frequentes que as pesso-as só se limitam a um simples enco-lher de ombros ao depararem com al-gum. Aliás, existe uma raça especial deutentes do Barafunda’s que nem de-veriam guiar um carrinho de mão:Alguns conseguem a proeza incrível dedemorar mais de uma hora a andar 1(Um!) metro em marcha-atrás. No en-tanto, acontecem acidentes mais gra-ves: Retrovisores misteriosamente ar-rancados, pára-choques a olhar nos-talgicamente para o céu (ou mais pro-saicamente, para o chão); portas to-talmente dentro das cabines; chega ahaver extremos de carros quase to-talmente destruídos, como no caso emque um contentor de entulho resol-veu fazer uma viagem sózinho,abalroando no caminho alguns veícu-los; ou noutro, quando um camião des-travado realizou idêntica proeza.Como exemplo extremo do Barafun-da’s, não se podia deixar de mencio-nar a experiência do chefe Marthin’s,pessoa respeitabilíssima no hospital, eum dos enfermeiros-chefes mais ocu-pados, num sector muito difícil. Tinhaacabado de entrar no hospital, antesdas 7 horas (ele é daqueles que chegamais cedo para escapar ao infernodantesco das horas seguintes), descan-sado da vida, quando vê crescer emsua direcção... não, não um gato, nemuma pessoa, nem tampouco um carro;

era sim, um gigantesco camião do lixo,que corria veloz no meio do Barafun-da’s em sua direcção. Num reflexo, en-colheu-se, encomendou a alma ao cria-dor, e esperou pelo inevitável. Um ba-rulho ensurdecedor, um estremeçãoviolento, e foi tudo. Olhou para trás, eviu o camião prosseguir a sua marcha,levando consigo o parachoques do seucarro! Felizmente que o porteiro ti-nha presenciado a cena, e fechou o por-tão, impossibilitando a saída do veícu-lo. O motorista, com ar de já ter bebi-do uns copitos, saiu do camião e co-meçou a barafustar.Não entrando em pormenores, bas-tar-nos-á dizer que este acidente fezcom que o chefe Marthin’s, que, comojá afirmámos, é um elemento impor-tante num sector do hospital, roubas-se a este último um dia completo detrabalho, ao ter de chamar a políciapara o auto do acidente, telefonar paraa câmara municipal, contactar com odepósito de material da câmara, pre-encher os papéis do seguro, deslocar--se à sua seguradora e à da câmarapara comunicar o ocorrido, levar ocarro à garagem e discutir o orçamen-to com o mecânico.Ainda bem que certos membros daadministração não ouviram falar nisto,senão decerto iriam descontar-lhe oordenado desse dia; é que eles já ti-nham previamente anunciado que nãose responsabilizariam por quaisqueracidentes que ocorressem noBarafunda’s Park...1.

1 Última Hora: Soube-se por fonteautorizada que o Barafunda’s vai en-cerrar durante um dia, para permitiro estacionamento a uma centena deVIP’s que vêm inaugurar uma novaunidade de cuidados intensivos. Osutentes não podem assim estacionarno local habitual, mas fazem encareci-dos votos que todos os columbídeos efringilídeos das vizinhanças tenhamuma gastroenterite das tesas.

Luís Miranda

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Eduardo Gageiro, fotógrafo, e João LuísQueiroz Taborda, médico de profissão,fotógrafo por paixão, estão presentes nagaleria da Secção Regional do Sul daOrdem dos Médicos até dia 25 de Julho,numa exposição colectiva de fotografia.As imagens em exposição representammomentos e expressões únicos, captura-dos pelas objectivas destes doishumanistas, perante as quais é impossí-vel não nos comover-mos, imagens quenos fazem deambular por viagens, mo-mentos históricos, notícias e sonhos, e quenos permitem ter um vislumbre da almadas pessoas, lugares e momentos retrata-dos. Para João Luís Queiroz Taborda estaexposição tem um significado muito es-pecial pois é a primeira vez que expõe naOrdem dos Médicos: «Existe umasimbologia especial pois sinto que estoua expor naquela que também é a minhacasa. Fazer uma exposição de fotografiana Ordem é uma dupla emoção». Poderpartilhar o seu olhar sobre o mundo comoutros médicos é, segundo João Taborda,uma forma de também tentar «despertaros colegas para algo que pode ser umaforma interessante de expressarem senti-mentos. Considero que os médicos, emvirtude da profissão que exercem, e porviverem muitas vezes na barreira que se-para a vida e a morte, têm uma sensibili-dade exacerbada. Estamos habituados a‘ler’ muita informação através da ‘simples’observação do doente e isso é algo que

se transporta para a fotografia». Um po-der de observação que se detecta nosrostos que fotografa e «na intimidade quese estabelece entre quem fotografa e quemé fotografado, existindo apenas um intru-so pelo meio: a máquina». Uma intimida-de e uma relação de compromisso como alvo da sua objectiva, seja ele uma pes-soa ou um lugar, que se percebe facil-mente ao contemplar as suas fotografias,pois «nada é fotografado ao acaso, hásempre um significado, uma relação». Avocação para a medicina e para a foto-grafia é algo que João Taborda identificacomo sendo «genético» pois a sua famíliasempre esteve ligada quer à medicina,quer à fotografia, arte a que o seu avô jáse dedicava e em que o seu pai e o seutio foram distinguidos com prémios.Quando se pede que nos diga qual a fo-tografia que seleccionaria como sendo aque mais gosta, refere como suas preferi-das as quatro premiadas no festival inter-nacional da Croácia, mas quando saímosdo tema ‘Um Olhar a Oriente’, a que su-bordinou a exposição que está a decor-rer na OM, as suas preferências mudam:«tenho, por exemplo, fotografiaslindíssimas da minha filha, das quais gos-to muito, mas tive que fazer uma selec-ção para esta exposição».Eduardo Gageiro nasceu em Sacavém, a16 de Fevereiro de 1935, e, logo aos 12anos de idade, tem a sua primeira foto-grafia publicada na primeira página do

Expõem na galeria da SRS da Ordem dos Médicos

Diário de Notícias. Dez anos depois, ini-ciava-se no Diário Ilustrado na profissãode repórter fotográfico. Quase cinco dé-cadas depois, o reconhecimento nacio-nal e internacional fazem de EduardoGageiro o mais premiado fotógrafo por-tuguês de sempre. Tem mais de trezentasexposições nos cinco continentes, figuraem diversos museus e tem mais de cemmedalhas de ouro. No passado dia 10 deJunho, Eduardo Gageiro foi condecora-do pelo Presidente da República, JorgeSampaio, com o título de Comendadorda Ordem do Infante D. Henrique.João Luís de Queiroz Taborda nasceu emLisboa a 19 de Junho de 1950. Licen-ciou-se em medicina, sendo hoje assis-tente hospitalar de pneumologia e res-ponsável pelo Serviço de SaúdeOcupacional do Hospital Pulido Valen-te. A partir de 1987, rendido à paixãopela fotografia, começa a concorrer acertames, tendo ganho mais de duascentenas de prémios, entre os quais sedestaca o Grande Prémio Batana no 11ºFotoFestival Mundial em Rovigno, naCroácia, que venceu no ano 2000.É por tudo isto, e, acima de tudo, pelabeleza estética e indeléveis emoções quecada uma das fotografias presentes nestaexposição nos provoca, que vale a penavisitar a galeria da Secção Regional doSul da Ordem dos Médicos até dia 25 deJulho e ter um vislumbre do mundo atra-vés dos olhos destes dois artistas.

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004 57

Caçada Real

O monteEsfumado,

Alto, como um púlpito,No horizonte.A águia real,

Em voo planado,Olhar astuto até ao infinito.

Súbito:O gesto e o grito!

Janeiro de 1993

Ofélia BombaMédica psiquiatra

In «Poemas do Rato Morto»

C U L T U R A

E X P O S I Ç Õ E S

LIVROS

Diálogos e Sustenidos

Esteve patente ao público até dia 20 de Ju-nho, na Galeria da Secção Regional do Sul daOrdem dos Médicos, uma exposição colecti-va de pintura com os artistas Virgílio Vaz e ZéDalmeida. O primeiro intitulou a sua selec-ção para esta exposição de «diálogos», e édisso mesmo que se trata, a pintura de VirgílioVaz dialoga com quem a contempla, contan-do histórias, transmitindo emoções. ZéDalmeida, por seu lado, transporta-nospara um universo onde paira o ritmo,e em que o piano reina: «sustenidos»,é o tema de uma exposição que nosfaz sonhar com recitais de piano e quenos transmite a beleza deste instrumen-to, que connosco é partilhada peloartista.

Será Depressão ou simplesmen-te Tristeza...?Pedro AfonsoPrincipia

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58 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004

N O T Í C I A S

Projecto inovador investiga regeneraçãoóssea

Durante três anos, cientistas holandeses vão investigar osmecanismos de formação do osso, com o intuito de desco-brirem novos tratamentos para doenças como a osteopo-rose, numa parceria entre a Organon, a Universidade deTwente e a Delft University of Tecnology. Este project rece-berá um subsídio do ministério da economia holandês.

Bramedica recebe Certificaçãode Qualidade

A Bramedica, empresa especializada no fornecimento dematerial cirúrgico e hospitalar, sedeada em Braga, obteverecentemente a Certificação da Qualidade, segundo a nor-ma internacional NP EN ISO 9001:2000, atribuída pela SGS– ICS. A Bramedica fornece aparelhagem e equipamentomédico, mobiliário metálico hospitalar, material de consu-mo clínico, equipamento para fisioterapia e para estética elazer. Como organismo de certificação, a missão da SGS ICSé verificar junto das empresas e em colaboração com elas,os seus sistemas de gestão, em conformidade comreferenciais definidos, visando a melhoria contínua da qua-lidade e da eficiência dos seus processos.

Projecto Sensibilizarte

No âmbito da comemoração do Primeiro Dia Mundial doLupus, a marca de produtos dermatológicos La Roche-Posayapresentou uma iniciativa de beneficência que pretende aju-dar a Associação de Doentes com Lupus. No âmbito dessaacção foram convidados cerca de 30 artistas conceituadosnas artes plásticas, como Emília Nadal, João Cutileiro, JoãoChichorro, Jacinto Luís e João Limpinho, para conceberemobras de arte e escultura inspiradas nos produtos da mar-ca, que serão colocados em exposição e leiloados no dia29 de Setembro de 2004. Os fundos angariados com oleilão serão entregues na sua totalidade à Associação deDoentes com Lupus.

Doenças Muco-Cutâneas de BaseImunológica

Durante o VIII Congresso Nacional de Dermatologia eVenereologia, a Fusijawa organizou um simpósio sobre asnovas terapêuticas nas doenças muco-cutâneas de baseimunológica. O simpósio teve como moderadores AntónioPicoto e Manuela Selores. O programa inclui os seguintestemas: tratamento da dermatite atópica comimunomoduladores tópicos, questão abordada por AgustinAlomar, do Serviço de Dermatologia do Hospital S. Paulo,Barcelona, as novas alternativas no tratamento do vitíligo,tema desenvolvido por A. Sousa Basto, do Serviço de Der-matologia do Hospital S. Marcos, em Braga, as novas tera-pêuticas tópicas no líquen plano e dermatoses liquenóides,

tema a cargo de Rui Tavares Bello, do Serviço de Dermato-logia do Hospital Militar de Belém, Lisboa, e a experiênciaclínica com imunomoduladores tópicos em outras patolo-gias, apresentado por Luis Leite do Serviço de Dermatolo-gia do Hospital do Desterro, Lisboa.

Dia Nacional de Luta Contra a Obesidade

A ADEXO – Associação dosDoentes Obesos e ex-Obe-sos de Portugal instituiu oDia Nacional de Luta Con-tra a Obesidade, que foi assi-nalado pela primeira vez emPortugal e no mundo no dia22 de Maio de 2004. Duran-te este dia, a ADEXO reali-zou diversas actividades pedagógicas e de sensibilização, como objectivo de chamar à atenção para a doença grave que éa Obesidade, com vista a conduzir a uma melhoria dos hábi-tos alimentares e físicos junto da população portuguesa.

Combater o sedentarismo

A Fundação Portuguesa de Cardiologia (FPC) e a BIAL «en-traram em campo», na jornada da Superliga de Futebol dedia 1 e 2 de Maio, no arranque do programa «Mês de Maio,Mês do Coração». Este ano o programa foi dedicado àtemática do sedentarismo e da importância da actividadefísica. Esta iniciativa conjunta contou ainda com o apoio daLiga Portuguesa de Futebol Profissional que abriu as portasdos estádios nacionais a esta campanha de sensibilização.Jogadores e equipas de arbitragem subiram ao relvado comuma camisola comum onde se podia ler «Vão passear –Parar é morrer», mote de todo o programa do «Mês deMaio, Mês do Coração».

Prémios para o Marketing Farmacêutico

A agência de Comunicação Loja da Imagem e a Markinfar(Associação Portuguesa de Marketing Farmacêutico) uni-ram-se para criar os “Prémios Estratégia, Marketing Farma-cêutico em Portugal 2004”. Pretendendo ser o reconheci-mento da qualidade e criatividade do trabalho desenvolvi-do pelos profissionais de Marketing Farmacêutico, este acon-tecimento terá este ano a primeira edição. Os prémios, dis-tribuídos por diferentes categorias, dirigem-se aos respon-sáveis pelas estratégias de marketing levadas a cabo duran-te o período compreendido entre Junho de 2003 e Junhode 2004, direccionadas para o mercado português. Os con-correntes podem apresentar a sua candidatura entre 1 deJulho e 15 de Setembro de 2004, sendo que a avaliação dostrabalhos estará a cargo de um júri com reconhecidas com-petências na área. Para mais informações, contactar PaulaRibeiro/Loja da Imagem ([email protected]).

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Guia Fiscal Fascículo 4 I

Guia Fiscal Simplificado

Fascículo 4 - Sociedades Comerciais

☞ Destacável

MédicosREV

ISTA

Ordem dos

Introdução

Após a publicação nas edições de Março, Abril eMaio, dos três primeiros fascículos do Guia FiscalSimplificado, a Revista da Ordem dos Médicos emparceria com a Médis e a Deloitte, apresenta agorao último fascículo reservado à actividade médicaprestada através de uma sociedade comercial.

Conforme foi analisado no fascículo anterior, oexercício da actividade médica com recurso à formasocietária poderá ser efectuado por uma sociedadeem que todos os sócios exercem a actividademédica (sociedade de profissionais).

Não se verificando esta última condição, poderá serconstituída uma sociedade civil não constituída soba forma comercial, a qual será tributada em moldessemelhantes ao das sociedades de profissionais(com excepção da aplicação do regimesimplificado).

Alternativamente, poderá ser criada uma sociedadecomercial sujeita ao regime geral de tributação emsede de Imposto sobre o Rendimento das PessoasColectivas (IRC) adiante exposto.

Tributação da sociedade em IRC

Enquanto sujeito passivo de IRC, a sociedadepoderá estar sujeita a tributação de acordo com

as regras do regime geral de determinação do lucrotributável ou de acordo com o regime simplificado.

Ficam abrangidas pelo regime simplificado associedades criadas para o exercício da actividademédica com sede ou direcção efectiva emPortugal, que apresentem no exercício anteriorao da aplicação do regime um volume total deproveitos inferior a € 149.639,37 e que não optempelo regime geral de determinação do lucrotributável.

Em termos genéricos, a aplicação deste regimedetermina que, na ausência de indicadores debase técnico-científica ou até que estes sejamaprovados, o lucro tributável é o resultante daaplicação de um coeficiente de 0,45 ao valor dosproveitos auferidos no exercício.

Note-se que, em virtude da aplicação deste regime,a lei prevê a existência de um montante mínimosujeito a imposto, independentemente dosrendimentos obtidos pela sociedade durante o ano(vulgo, rendimento colectável mínimo, o qualascende em 2004 a € 6.250).

Nos restantes casos (i.e., sempre que sejaaplicável o regime geral de determinação do lucrotributável), a determinação da matéria colectávelda sociedade deve efectuar-se de acordo com asregras gerais previstas no código do IRC.

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II Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004

Regime geral de tributação e regime simplificado

Em termos sintéticos, a tributação na esfera dasociedade encontra-se descrita no seguinteesquema:

Por outro lado, deverão ter-se em conta algunscustos cuja dedutibilidade se encontraexpressamente prevista na lei. Apresentam-se deseguida alguns encargos não dedutíveisconsiderados mais importantes no âmbito daactividade em análise, i.e., actividade médica:

• Despesas com combustíveis na parte em que o sujeito passivo não faça prova que as mesmas respeitam a bens pertencentes ao seu activo ou por ele utilizadas em regime de locação e de que não são ultrapassados os consumos normais

• Multas, coimas e demais encargos pela prática de infracções

• Encargos não devidamente documentados e despesas com carácter confidencial

• Não dedutibilidade das reintegrações ou prestações devidas pelo aluguer sem condutor de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas na parte do valor de aquisição ou reavaliação que exceda € 29.927,87 (cfr. fascículo 3)

Encargos não dedutíveis

• (…)

Note-se que, contrariamente ao previstorelativamente às sociedades transparentes, nãoexiste neste regime a limitação da aceitação doscustos fiscais a uma viatura motorizada por cadasócio e por empregado. Os encargos em causadeverão, no entanto, observar a regra geral dadedutibilidade dos custos em IRC, i.e., deverãoconsiderar-se essenciais à realização dos proveitosda sociedade.

Taxa de imposto

A taxa normal de IRC a aplicar à matéria colectável(ver esquema supra) é de 25% ou de 20% no casode a sociedade ficar abrangida pelo regimesimplificado, à qual acresce, na maioria dosconcelhos, a derrama à taxa máxima de 10%, oque resulta numa taxa agregada de 27,5% ou 22%respectivamente.

Tributação autónoma

As sociedades são ainda sujeitas a tributaçãoautónoma relativamente às seguintes despesas eencargos:

• despesas confidenciais ou não documentadas– tributação autónoma à taxa de 50%;

• importâncias pagas a entidades “off-shores” –tributação autónoma à taxa de 35%;

• despesas de representação dedutíveis –tributação autónoma à taxa de 6%;

Limitações à dedutibilidade

Em termos gerais, e nos casos em que a sociedadenão esteja sujeita ao regime simplificado dedeterminação do lucro tributável, deverãoconsiderar-se como custos ou perdas dedutíveis,para efeitos de IRC, os que comprovadamenteforem indispensáveis para a realização dosproveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para amanutenção da fonte produtora.

-

-

+

-

X

-

+ / -

-

Determinação da matéria colectável de acordo com o

regime geral em IRC (contabilidade organizada)

Contabilidade

Resultado líquido do exercício

+ Variações patrimoniais positivas

Variações patrimoniais negativas

Correcções fiscais

Lucro tributável

Prejuízos / benefícios fiscais

Matéria Colectável

Colecta (Matéria colectável X 25%)

Deduções à colecta • Dupla tributação internacional • Benefícios fiscais • Pagamentos especiais por conta

IRC liquidado

-

Determinação da matéria colectável de acordo com o regime simplificado em IRC

Valor total dos proveitos do exercício

indicador de base técnico –científico ou, na sua falta, 0,45

Lucro tributável

Prejuízos / benefícios fiscais

Matéria Colectável

• Retenções na fonte • Pagamentos por conta

Imposto a pagar ou a recuperar

• IRC de exercícios anteriores • Derrama • Tributações autónomas • Juros compensatórios / mora

Total a pagar ou a recuperar

Colecta (Matéria colectável X 20%)

+

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Guia Fiscal Fascículo 4 III

• encargos dedutíveis com viaturas ligeiras depassageiros ou mistas, motos e motociclos –tributação autónoma à taxa de 6%.

Note-se que, nos casos em que a sociedade seencontra sujeita ao regime simplificado detributação, haverá apenas tributação autónomarelativamente aos dois primeiros itens acimareferidos.

Pagamento especial por conta

Enquanto sujeitos passivos de IRC, as sociedadesserão sujeitas ao pagamento especial por conta, oqual é calculado com referência à diferença entre1% do volume de negócios do ano anterior e omontante dos pagamentos por conta efectuadosnesse mesmo exercício anterior.

Note-se que para estes efeitos, a percentagem dovolume de negócios a ter em conta terá como limitemínimo € 1.250. Quando ultrapassado este limite,o montante a considerar deverá ter em conta o limitemínimo já referido (€ 1.250) acrescido de 20% daparte excedente, com o limite máximo de €40.000.

Este pagamento especial por conta não é, contudo,aplicável às sociedades abrangidas pelo regimesimplificado.

Prejuízos fiscais

Os prejuízos apurados no exercício da actividadeda sociedade podem ser deduzidos nos lucrosapurados nos seis exercícios seguintes.

Contabilidade organizada e obrigaçõesdeclarativas da sociedade

Enquanto sujeito passivo de IRC, a sociedadedeverá dispor de contabilidade organizada quepermita o controlo do lucro tributável.

Ao nível das obrigações declarativas, as sociedadessujeitas ao regime geral de tributação encontram-seobrigadas ao preenchimento e entrega de:

• declaração de inscrição, de alterações ou decessação;

• declaração periódica de rendimentos (modelo22);

• declaração anual de informação contabilísticae fiscal.

Retenções na fonte

No âmbito da actividade desenvolvida pelasociedade não está excluída a hipótese de severificarem retenções na fonte relativamente acertos rendimentos que a esta sejam pagos. Emprincípio, os rendimentos decorrentes da actividadeprincipal da sociedade não estarão sujeitos aretenções na fonte. Poderão, no entanto, existirsituações em que a sociedade obtenha outro tipode rendimentos sujeitos a retenção, v.g.,rendimentos de capitais ou prediais. Tais retençõesna fonte terão a natureza de pagamento por contado imposto devido a final pela sociedade.

Pagamentos efectuados aos sócios

Distribuição de lucros aos sócios

Os lucros pagos aos sócios da sociedade devemser qualificados como rendimentos de capitais esujeitos a Imposto sobre o Rendimento das PessoasSingulares (IRS).

No momento do seu pagamento, a sociedadedeverá proceder à retenção na fonte de IRS à taxade 15%, quer se trate de uma sociedade anónimaou de uma sociedade por quotas.

Para efeitos de tributação final, os lucros pagosapenas deverão ser considerados em 50% do seuvalor, pelo que só esse montante deverá ser incluídona respectiva declaração de IRS.

Remuneração de gerência

No caso do sócio da sociedade exercer tambémfunções de gerência na sociedade, e sendo omesmo remunerado pelo exercício de tais funções,os montantes pagos deverão ser tratados como umrendimento de trabalho dependente tributado emsede de IRS. Tal rendimento será paralelamenteconsiderado como um custo dedutível da sociedade,caso esta se encontre abrangida pelo regime geralde determinação do lucro tributável em IRC. Casocontrário (i.e., sendo a sociedade sujeita ao regimesimplificado de tributação), tal remuneração nãoserá considerada para efeitos de custos, sendo asociedades tributada sobre 45% dos seus proveitos,conforme explicitado acima.

Convém referir que, para efeitos de SegurançaSocial, o(s) gerente(s) da sociedade ficarão

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IV Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Junho 2004

obrigados a efectuar contribuições para asegurança social, com base na remuneraçãoefectivamente auferida, com o limite mínimo igualao valor de um salário mínimo nacional e com olimite máximo correspondente a 12 vezes o saláriomínimo nacional.

As taxas a aplicar corresponderão a 10% para ogerente e 21,25% para a sociedade.

Assim, no caso de o gerente não se encontrarabrangido por outro regime obrigatório desegurança social, e ainda que não aufira qualquerremuneração pelo exercício da gerência deveráefectuar contribuições com base no limite mínimode um salário mínimo nacional.

Comparação regime geral / regime datransparência fiscal

Esquematicamente pode ser efectuada acomparação entre o regime da transparência fiscalcom o regime geral de tributação do modo seguinte(admitindo que a sociedade é exclusivamente detidapor pessoas singulares):

Ao compararmos os dois regimes, e tendo emconta as taxas de tributação aplicáveis emsede de IRS (entre 12% e 40%), a taxa detr ibutação em sede de IRC (entre 25% e27,5% no regime geral ou 20% e 22% noregime simplificado), bem como a dedução de50% dos lucros d is t r ibuídos com v is ta aatenuar a dupla tr ibutação económica doslucros distribuídos, poder-se-á concluir que,em ce r tas s i t uações , o reg ime datransparência fiscal se revela mais vantajoso(sobretudo nos casos em que se verifica umapolítica de distribuição frequente de lucros porparte da sociedade).

No entanto, o recurso à transparência fiscalsuscita algumas questões de ordem prática.Com efeito, e conforme referido no fascículo3, a matéria colectável a apurar no âmbitodeste regime deve ser imputada aos sóciosnos te rmos que resu l ta rem do ac toconstitutivo ou em partes iguais, caso destenão resultem quaisquer elementos.

Na prát ica, a matér ia colectável apuradapoderá não co r responder à e fec t i vacontribuição de cada sócio para a formaçãodo lucro tributável.Assim, poderá verificar-se uma situação emque cada sócio detém uma participação socialde 50%, mas um deles contribui em 30% parao lucro tributável e o outro em 70%.Para efeitos fiscais, a matéria colectável aimputar a cada um deles corresponderá, noentanto à partida a 50%, independentementedas contribuições efectivas.Face ao exposto, será necessária a criaçãode um mecanismo de ajustamento entre ossóc ios que venha a compensar essadiferença, caso tal situação não tenha sidoacautelada no acto constitutivo da sociedade.

Sócios Sociedade

Lucro da sociedade imputado ao sócio e sujeito a IRS,

a uma taxa marginal até 40%

Transparência fiscal

Lucros distribuídos

não sujeitos a IRS

Sócios Sociedade

Lucros distribuídos sujeitos a IRS em 50% do seu

montante, a uma taxa marginal até 40%

Lucro da sociedade sujeito a IRC – 25% (ou 20% estando a sociedade sujeita

ao regime simplificado)

Regime Geral