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SUMÁRIO 1 – O ROMANCE POLÍTICO E A QUESTÃO DA REFERENCIALIDADE LITERÁRIA 1.1– A semiose literária 1.2– O romance político como situação-limite da referencialidade li- terária 1.3- O romance político e a questão do realismo e do engajamento 1.3.1 – Preliminares 1.3.2 – Literatura, realismo e engajamento 2 – A FICÇÃO BRASILEIRA CONTEMPORÃNEA E O LUGAR DO ROMANCE POLÍTICO 2.1 – Antecedentes: o romance político na literatura brasileira 2.2 – Breve inventário: o romance político e a ficção contemporânea 3 O ROMANCE POLÍTICO EM TRÊS AUTORES REPRESENTATIVOS 3.1 – O aprendizado de Brasil na ficção política de Antonio Callado 3.2 – A “visão carnavalizada e lisérgica” da realidade brasileira: o realismo oblíquo de Roberto Drummond 3.3 – Os estandartes do horror na ficção política de Heloneida Stu- dart

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SUMÁRIO

1 – O ROMANCE POLÍTICO E A QUESTÃO DA REFERENCIALIDADE LITERÁRIA 1.1 – A semiose literária 1.2 – O romance político como situação-limite da referencialidade li-

terária

1.3 - O romance político e a questão do realismo e do engajamento

1.3.1 – Preliminares

1.3.2 – Literatura, realismo e engajamento

2 – A FICÇÃO BRASILEIRA CONTEMPORÃNEA E O LUGAR DO ROMANCE POLÍTICO 2.1 – Antecedentes: o romance político na literatura brasileira 2.2 – Breve inventário: o romance político e a ficção contemporânea 3 – O ROMANCE POLÍTICO EM TRÊS AUTORES REPRESENTATIVOS

3.1 – O aprendizado de Brasil na ficção política de Antonio Callado 3.2 – A “visão carnavalizada e lisérgica” da realidade brasileira: o realismo oblíquo de Roberto Drummond 3.3 – Os estandartes do horror na ficção política de Heloneida Stu-dart

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1 - O ROMANCE POLÍTICO E A QUESTÃO DA REFERENCIALIDADE LITERÁRIA

1.1 - A semiose literária Tomado o texto literário, e em particular a narrativa de ficção, como um signo,

por imperativo semiótico terá ele um referente1.

Considerado esse signo como resultado de um processo, de uma semiose, e en-

tendida esta como a articulação entre um plano da expressão e um plano do conteúdo,

de que deriva um sentido, deve ser notado que se trata, neste caso, de uma semiótica

conotativa, pois o plano da expressão é, por sua vez, constituído de outra semiótica (ou

de outro sistema semiótico), qual seja uma língua natural2.

A equivalência proposta acima não é, na verdade, integral, pois o plano da ex-

pressão do signo literário excede à língua natural em causa, já que dele fazem parte e-

1Qualquer das definições usuais de signo e de referente satisfaz aos propósitos deste trabalho. É necessá-rio esclarecer, no entanto, que a idéia de referente não se esgota no entendimento de “realidade” como concretude do objeto da significação. Alcança, também, os objetos abstratos, tais como os sentimentos e as emoções, e mesmo os objetos inexistentes (?) - um fantasma, por exemplo -, na medida em que tais inexistências, por paradoxal que pareça, existindo na imaginação, são também reais. 2A nomenclatura aqui adotada é de base hjelmsleviana, mas não haverá prejuízo considerável se plano da expressão e plano do conteúdo forem tomados como os equivalentes do significante e do significa-do da terminologia de Saussure. Atenção especial deve ser dada ao conceito de semiótica conotativa, formulado por Hjelmslev – “uma semiótica que não é uma língua e cujo plano da expressão é constituído pelos planos do conteúdo e da expressão de uma semiótica denotativa” (HJELMSLEV, Louis. Prolegô-menos a uma teoria da linguagem. Trad. J. Teixeira Coelho Netto. São Paulo: Perspectiva, 1975. p. 137), de que Barthes lançou mão para falar do “mito, hoje” – “um sistema particular, visto que ele se constrói a partir de uma cadeia semiológica que existe já antes dele: é um sistema semiológico segundo” (BARTHES, Roland. O mito, hoje. In: ---. Mitologias. Trad. Rita Buongermino e Pedro de Souza. 4. ed. São Paulo: Difel, 1980. p. 136), e que corresponde, grosso modo, ao conceito de sistema modelizante secundário de tipo artístico de Lotman, de que a literatura, que “fala uma linguagem particular que se sobrepõe à língua natural como sistema secundário” (LOTMAN, Iuri. A estrutura do texto artístico. Trad. Maria do Carmo Vieira Raposo e Alberto Raposo. Lisboa: Editorial Stampa, 1978. p. 55), é um exemplo. Uma refutação vigorosa do aproveitamento do conceito de semiótica conotativa por Barthes é feita por Costanzo di Girolamo (Para uma crítica da teoria literária. Trad. Salvato Teles de Menezes. Lisboa: Livros Horizonte, 1985), baseada principalmente no fato de que Hjelmslev “não se refere claramente à natureza da semiótica conotativa” como referente à literatura (p. 15) e que a conotação, ainda segundo Hjelmslev, não é “uma marca específica do texto literário” (p. 19). Contudo, deve ser dito que o fato de a conotação não ser privativa da semiose literária não significa dizer que o texto literário não seja exemplo de semiótica conotativa, e o próprio aproveitamento do conceito para explicar “o mito, hoje”, por Barthes, já é prova suficiente da abrangência do conceito.

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lementos não estritamente lingüísticos, de que são exemplos as convenções métricas, as

opções pela composição do relato de um ponto-de-vista unitário ou não etc.

Admitida a permanência do dado lingüístico no interior do plano da expressão

do signo literário, devem ser admitidas duas instâncias decodificadoras desse signo: a

primeira instância, lingüística, como se o signo literário não se distinguisse qualitativa-

mente do verbal stricto sensu; a segunda instância, literária, desobrigada de tomar a

textualidade como esforço de máxima correspondência entre o signo e seu referente.

Em termos absolutos, a decodificação lingüística precede a literária, pois a leitu-

ra mais “ingênua” de um texto literário se faz em obediência às regras usuais: palavra

por palavra, linha após linha etc. Deve ser lembrado aqui que a tradução de um texto

literário, por exemplo, faz-se de uma língua para outra e não de uma literatura para ou-

tra3.

Contudo, tanto reconhecer as duas instâncias de decodificação - a lingüística e a

literária - quanto fixar-lhes um cronograma não significam a anulação da primeira no

interior da segunda, nem tampouco a consideração da segunda como o simples resultado

de uma adição, como se o texto fosse composto “lingüisticamente”, num primeiro mo-

mento, e só depois transformado em “literário”4.

A coexistência do lingüístico e do literário deve ser vista como superação dialé-

tica, isto é, como absorção do primeiro elemento pelo segundo e sua transformação num

terceiro no qual ambos os componentes são reconhecíveis, além de imprescindíveis5.

3A observação visa apenas a enfatizar o necessário suporte lingüístico do texto literário. Não se pretende, é claro, reduzir a tradução literária à simples obtenção de equivalentes lingüísticos, semânticos antes de mais nada. Mas é indiscutível que todas as alternativas de tradução são possíveis apenas a partir da consi-deração dos respectivos sistemas lingüísticos, isto é, das correspondentes línguas naturais. 4Observa Vitor Manuel de Aguiar e Silva (O sistema semiótico literário. In: ---. Teoria da literatura. Volume I. 5. ed. Coimbra, Almedina, 1983. p. 575): ”O texto literário não se organiza, porém, bifasica-mente, digamos assim: primeiro, constituir-se-ia como texto lingüístico; depois, através de um processo de semiotização que transformaria as estruturas verbais do texto lingüístico, outorgando-lhe qualidades literárias, constituir-se como texto literário.” E ainda: “No sistema semiótico literário, o sistema modeli-zante primário, historicamente determinado, faz integral e indissoluvelmente parte, não raro sem tensões de variada ordem, de um sistema sígnico de nível semiótico mais elevado (. . .) que possui signos, normas e convenções de natureza própria” (. . .). Ibidem. p. 576.

5O termo “superação dialética” é aqui empregado de acordo com Leandro Konder em O que é dialética. 17. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. Segundo Konder, Hegel, para “expressar a sua concepção de supe-ração dialética”, empregou o termo alemão aufheben, “um verbo que significa suspender” (p. 26), mas em “três sentidos diferentes: (. . .) o de negar, anular, cancelar (. . .) o de erguer alguma coisa e mantê-la erguida para protegê-la (. . .) o de elevar a qualidade, promover a passagem de alguma coisa para um

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Dito de outro modo, o lingüístico responde pela legibilidade imediata do texto li-

terário, já que o signo verbal, tendo ele também um plano da expressão e um plano do

conteúdo, é, no momento de seu ingresso em outro sistema semiótico, uma construção

cultural completa, circula entre os homens como moeda de comunicação, tem uma “his-

tória”, e vai por inteiro, e não representado por apenas uma de suas faces, participar de

um novo processo semiótico. Nisto consiste precisamente a conotação. Daí ser possível

dizer que, a rigor, não há texto ilegível, por mais hermético que pareça à primeira vista,

já que ao menos a compreensão lingüística está assegurada.

Fazendo parte agora de um outro complexo - o literário - o componente lingüís-

tico, se não é elidido completamente, deixa de ser soberano, não mais responde sozinho

pelo sentido do texto. Este sentido resultará agora da semiose literária, isto é, da articu-

lação entre um plano da expressão e um plano do conteúdo novos, inexistentes até en-

tão.

Cabe então a pergunta: como é possível existirem uma nova expressão e um no-

vo conteúdo a partir do componente lingüístico? No caso do plano da expressão, como

já foi dito antes, pelo amálgama de elementos de origem nitidamente lingüística - os

grafemas, as palavras, a frase etc. - e elementos imediatamente reconhecíveis como

literários, alguns no nível da textualidade explícita, sobretudo no caso da poesia, outros

no nível da textualidade implícita, oculta6. No caso do plano do conteúdo, pela explora-

ção dos limites da referencialidade, entendida esta como a relação necessária entre o

signo e seu referente.

Aqui é preciso afirmar inicialmente que, em termos estritamente semióticos, o

problema da referencialidade não existe. Enquanto relação, todo signo tem um referente,

qualquer que seja a natureza deste, ou não será signo, pois o signo é sempre signo de-.

plano superior, suspender o nível” (p. 26); ou seja, ainda em Hegel: como “simultaneamente a negação de uma determinada realidade, a conservação de algo de essencial que existe nessa realidade negada e a elevação dela a um nível superior” (p. 26). Não cogitamos, ao adotar o conceito de superação dialética, de afirmar que da semiose literária resulte obrigatoriamente algo de “nível superior” (sublinhado nosso) em termos qualitativos, mas tão só no sentido de ultrapassagem de um estágio do processo semiótico. 6Este paradoxo – “textualidade implícita” - pretende dar conta de aspectos da construção ficcional em prosa que dizem respeito ao nível do discurso (isto é, ao “como”, por oposição ao nível da estória, isto é, ao “que”) e que podem ser considerados aspectos formais, no sentido de que são autônomos em relação ao conteúdo. São os casos, por exemplo, de opções “técnicas” por este ou aquele ponto-de-vista (interno ou externo), pelo discurso direto ou indireto e vice versa.

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Não é adequado dizer-se, por exemplo, que o signo literário “não tem referente”, para

dizer-se que o referente do signo literário “não existe”. Nem dizer que o signo literário

tem um referente, sim, mas que esse referente é produzido pelo próprio signo literário...7

Interessa saber como a percepção/decodificação do signo literário pode conduzir ao

referente... literário.

Se a semiótica literária é realmente uma semiótica conotativa, isto implica a du-

plicação de termos, com as ressalvas já feitas quanto à não correspondência integral

entre o seu plano da expressão e a semiótica-primeira, de que resulta o esquema abaixo

7”A afirmação de que o texto literário carece de referente não nos parece correta, exceto se se entender restritivamente por ‘referentes’ os ‘objetos’ do mundo real. Os enunciados do texto literário também denotam e fazem referência. (. . .) manifestam uma pseudo-referencialidade, porque as condições e os objetos da referência são produzidos pelo próprio texto (e por isso a pseudo-referencialidade se identifica, sob vários aspectos, com auto-referencialidade)” - (SILVA, Vitor Manuel de Aguiar e. O sistema semióti-co literário. In: ---. Teoria da literatura. Volume I. 5. ed. Coimbra, Almedina, 1983. p. 640. Apesar do acerto da observação, melhor seria não empregar o termo “pseudo-referencialdiade”, pois se trata, de fato, de referencialidade, uma referencialidade literária, mas ainda assim, referencialidade. Quanto à opção “auto-referencialidade”, trata-se de uma impossibilidade semiótica, pois o referente é precisamente o outro (alter) do signo, nunca o próprio signo (auto).

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1.1 Forma

1.2 Substân-

cia

2.1 Forma

2.2 Substân-

cia

1. Plano da Expressão

I.I FORMA

2. Plano do Conteúdo

I.II SUBSTÂNCIA

II.I FORMA

II.II SUBSTÂNCIA

3. Signo I. PLANO DA EXPRESSÃO

II. PLANO DO CONTEÚDO

III. SIGNO

no qual as inscrições em arábicos e texto com as iniciais maiúsculas correspondem ao

que se poderia chamar de Sistema A – Lingüístico, enquanto que as inscrições em ro-

manos e texto em caixa alta correspondem ao que se poderia chamar de Sistema B –

Literário.

Pode-se observar que, estando o PLANO DA EXPRESSÃO “contaminado” pe-

lo plano do conteúdo da semiótica-primeira, toda e qualquer produção de sentido, isto

é, toda e qualquer articulação PLANO DA EXPRESSÃO PLANO DO CONTE-

ÚDO, carregará consigo o sentido que originalmente resultava da articulação plano da

expressão plano do conteúdo. Dito de outro modo, nenhum sentido novo

poderá ser instaurado sem “memória” do sentido anterior. Toda estranheza ou não-

estranheza nascerá exatamente dessa relação entre SENTIDO e sentido. Ou dito ainda

de outra maneira, da leitura do SENTIDO enquanto construção que absorveu, sem eli-

minar, o sentido.

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Entretanto, a diferença entre SENTIDO e sentido pode ser mínima, quase im-

perceptível (supostamente, aliás8), ou máxima, a ponto de parecer deslocar o

REFERENTE do signo literário do âmbito da experiência humana para fora dela. Vari-

ados fatores contribuem para fixar estes limites, e o fenômeno como um todo costuma

ser visto como “a questão da referencialidade”. De certo modo se postula que, quanto

mais próximos um do outro estiverem o REFERENTE e o referente, maior será a refe-

rencialidade do texto. Isto significa, antes de mais nada, atribuir à semiose literária a

ambição de não ir mais longe que a semiose lingüística, pois se a diferença puder ser

reduzida a zero (eliminada, é claro), teremos a igualdade REFERENTE = referente.

Duplicação semiótica desnecessária, além de convicção ingênua tanto de que tal igual-

dade seja possível quanto de que, na instância lingüística, algum signo logre, de verda-

de, ser a perfeita representação do seu referente9.

O REFERENTE é, portanto, outro que não o referente10. Mas só o é quando a

ele confrontado. Dele depende para sua afirmação como diferença. Não pode estar radi-

8A hipótese aqui contemplada é a de uma forma de realismo capaz de produzir um duplo perfeito da rea-lidade representada, hipótese cuja refutação pode ser, de momento, esboçada com base na constatação de que: a) a realidade a ser ficcionalmente representada não é um dado uniforme e inquestionável, “univer-sal”, mas sim um conceito complexo, cujas fronteiras de aceitação são determinadas por fatores de varia-da procedência, subordinados às condições de tempo e espaço; b) a percepção humana da realidade, mesmo no caso da realidade sensível (isto é, perceptível pelos sentidos), é falha, pelas limitações dos órgãos humanos, o que impossibilita a percepção completa de qualquer objeto; c) as formas de represen-tação artística , isto é, as semioses artísticas (literatura, pintura, música etc.) possuem “leis” próprias - a bidimensionalidade da pintura, por exemplo - que produzem resultados inevitavelmente diferentes. Ade-mais, no mundo da representação imitativa, como observa James McFarlane a respeito do teatro irrealista de Pirandello (O teatro neomodernista - Yeats e Pirandello. Ind: BRADBURY, Malcolm & McFARLANE, James. Org. Modernismo: guia geral 1890-1900. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 465-466), “a imitação da realidade não se distingue imediatamente da imitação de uma imitação”, sendo esta justamente a “contradição interna a que está exposta toda míme-se”, de modo a constituir-se no maior desafio à “crença naturalista” no princípio da “ilusão de vida”. 9Tanto em Peirce quanto em Saussure existe a convicção de que o signo não aponta diretamente para o referente. Num (Peirce), postula-se o fenômeno da “semiose ilimitada”: o referente (mais adequadamente, o interpretante) seria, na verdade, outro signo, e assim indefinidamente - “para estabelecer o significado de um significante (Peirce fala, não obstante, em ‘signo’) é necessário nomear o primeiro significante por meio de um outro significante que pode ser interpretado por outro significante, e assim sucessivamente. Temos, destarte, um processo de SEMIOSE ILIMITADA “ (ECO, Umberto. Tratado geral de semiótica. Trad. Antonio de Pádua Danesi e Gilson Cesar Cardoso de Souza. São Paulo: Perspectiva, 1980. p. 58.Noutro (Eco), o significado, sendo um conceito, uma produção intelectual, abre caminho para a diver-sidade conceitual, permitindo pensar-se, no mínimo, numa pluralidade de referentes possíveis, ou na sua existência apenas como idéia/virtualidade. 10 “(. . .) é necessário recusar-se a representação tradicional, segundo a qual o mundo dos referentes do sistema modelizante secundário é idêntico ao mundo dos referentes do sistema primário. O sistema mode-

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calmente desvinculado do conjunto de experiências humanas a que mais prontamente

parece corresponder o referente, sob pena de nada dizer, de ser absolutamente incom-

preensível e, portanto, sem sentido. Nenhuma representação de seres, objetos, lugares,

acontecimentos etc. distará da experiência humana o suficiente para ser percebida como

“impossível” senão como o resultado de uma combinatória nova de elementos na ver-

dade perfeitamente familiares.

A metamorfose kafkiana11, por exemplo, é uma construção engenhosamente in-

sólita, é verdade, mas seus componentes são até banais: o “homem”, o “inseto” e a “me-

tamorfose”. O resultado dessa mistura é que é chocante. Mais ainda porque desprovido

de causalidade: não resulta da vontade de nenhuma potência definida, não há anteceden-

tes justificadores da metamorfose aberrante: ela simplesmente aconteceu. Elipticamente,

até poderia ser tomada como hipérbole da “insondabilidade dos desígnios divinos” – por

alguma razão ignorada, a divindade resolvera fazer do pobre caixeiro viajante um “inse-

to monstruoso” - mas aí já seria o caso de reconhecer-se a existência de uma instância

“divina”, e com isso se restauraria o império da causalidade, pelo menos no que diz res-

peito à fonte do poder metamorfoseador. Ou então essa potência inominada seria talvez

a expressão radicalizada do genérico “desconhecido”, mas o fato de ser inominada a

potência não significaria não existir ela. Deve ser lembrado ainda que, no nível mesmo

do enunciado, isto é, da estória, a metamorfose sofrida pelo protagonista não cancela a

substância “homem”, pois o novo ser dela resultante mantém algumas características

humanas semelhantes às de qualquer um de nós, espantados leitores. Nem poderia ser

diferente: o circuito produção (metamorfose) produto (homem-inseto) está inteira-

mente no âmbito das experiências compartilhadas pelos homens de carne e osso. A me-

tamorfose só seria absolutamente incompreensível para os humanos se fosse, literalmen-

te, narrada pelo inseto, na sua “linguagem”.

Os limites da referencialidade são, assim, impossíveis de serem estabelecidos.

Como processo de representação da realidade, o ficcional literário alimenta-se dessa

lizante secundário de tipo artístico constrói o seu sistema de referentes, que não é uma cópia, mas um modelo do mundo dos referentes na significação lingüística geral.” (LOTMAN, Iuri. Op. cit. p. 95) 11 “Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranqüilos, encontrou-se em sua cama meta-morfoseado em num inseto monstruoso.” (KAFKA, Franz. A metamorfose. Trad. Modesto Carone. São Paulo: Companhia das Letras, 1997). A primeira edição alemã é de 1915.

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possibilidade de situar-se entre a relação do SIGNO com o REFERENTE e a relação do

signo com o referente. Quando muito próximos, supostamente indistintos, a represen-

tação é “realista”; quando muito distantes, supostamente irreconciliáveis, a representa-

ção é “irrealista”. Sob a segunda rubrica podem ser aninhadas as correntes ditas do rea-

lismo maravilhoso, do realismo mágico, do realismo absurdo, do realismo fantástico

etc. Como se pode notar das próprias rubricas, curiosamente o termo determinante vem

precedido da palavra “realismo”, como que a indicar, a despeito do caráter antitético do

sintagma, a permanência de uma idéia de essencialidade realista nas formas de represen-

tação ficcional da realidade.12

Referências bibliográficas: 1) ARRIVÉ, M. La sémiotique littéraire. In: COUQUET, J. C. Et alii. Sémioti-que: L’École de Paris. Paris: Hachette, 1982. p. 127-147. 2) BARTHES, Roland. O mito, hoje. In: ---. Mitologias. Trad. Rita Buongermi-no e Pedro de Souza. 4. ed. São Paulo: Difel, 1980. p. 129-178. 3) ------. Élements de Semiologie. Communication. Paris: Seuil, 4:91-144, 1964. 4) ------. Literatura e significação. In: ---. Crítica e verdade. Trad. Geraldo Ger-son de Souza. São Paulo: Perspectiva, 1970. p. 165-184. 5) ECO, Umberto. Viagem na irrealidade cotidiana. Trad. Aurora Fornoni Her-nardini e Homero Freitas de Andrade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. 6) ------. Tratado geral de Semiótica. Trad. Antonio de Pádua Danesi e Gilson Cesar Cardoso de Souza. São Paulo: Perspectiva, 1980.

12 Esta contradição é apontada por Emir R. Monegal (4. Para uma nova poética da narrativa. In: Borges: uma poética da leitura. Trad. Irlemar Chiamppi. São Paulo: Perspectiva, 1980. p. 125-181), se bem que restritivamente, para referir o desconforto da crítica na rotulação do “novo romance hispano-americano”: Segundo Monegal, “os críticos procuraram em seu repertório fórmulas, mais ou menos válidas, para defi-nir um grupo de obras que, aparentemente, fogem a qualquer definição” (p. 127-128). Monegal historia, a seguir, a cunhagem de termos relativos ao assunto, nos quais vê tentativas de “superar a poética do rea-lismo que havia dominado a narrativa hispano-americana, já bem avançado o século”, tais como: “realis-mo mágico” (Uslar Pietri), “real maravilhoso americano” (Alejo Carpentier), “narrativa mágica” ou ”lite-ratura fantástica” (Jorge Luis Borges). Não é abusivo estender para a consideração de todos os realismos irrealistas consagrados no século XX a idéia de que tenham sido tentativas de “superação” do velho Rea-lismo do século XIX, o que implica a reafirmação da obsessiva presença do conceito de realismo no arse-nal crítico-teórico do Ocidente.

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7) ------. As formas do conteúdo. Trad. Pérola de Carvalho. São Paulo: Perspec-tiva, 1974. 8) GIROLAMO, Costanzo di. Para uma teoria da crítica literária. Trad. Salvato Teles de Menezes. Lisboa; Livros Horizonte, 1985. 9) HELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. Trad. J. Teixeira Coelho Netto. São Paulo: Perspectiva, 1975. 10) LOTMAN, Iuri. A estrutura do texto artístico. Trad. Maria do Carmo Viei-ra Raposo e Alberto Raposo. Lisboa: Editorial Stampa, 1978. 11) MONEGAL, Emir R. Para uma nova poética da narrativa. In: ---. Borges: uma poética da leitura. Trad. Irlemar Chiampi. São Paulo: Perspectiva, 1980. p. 125-181. 12) PEIRCE, Charles Sanders. Escritos publicados. In: ---. Escritos coligidos. Trad. Armando Mora D’Oliveira e Sérgio Pomeranglblun. São Paulo: Abril Cul-tural, 1974. Volume XXXVI da Coleção “Os Pensadores”. 13) SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. Trad. Antonio Che-lini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1970. 14) SILVA, Vitor Manuel de Aguiar e. O sistema semiótico literário. In: ---.

Teoria da literatura. Volume I. 5. ed. Coimbra, Almedina, 1983. p. 43-179. 1.2 - O romance político como situação-limite da referencialidade literária: De todas as formas possíveis de semiose literária, a narrrativa de ficção em prosa

é a que melhor explicita a questão da referencialidade, pois seus componentes estrutu-

rais - personagens, espaço, tempo etc. - guardam maior relação de similaridade com os

correspondentes elementos do mundo real. Em especial o romance, pela abrangência da

representação, e muito particularmente o romance que se aproveita de matéria de extra-

ção histórica, que é verídica na origem, portanto, ou como tal é aceita. É este precisa-

mente o caso do romance político. Aqui, não apenas as personagens, os eventos, os am-

bientes se parecem com personagens, eventos e ambientes reais, mas são personagens,

eventos e ambientes reais, pois muito freqüentemente conservam suas marcas de identi-

ficação, em especial os nomes próprios, isto é, suas “marcas registradas”.

A impressão de familiaridade causada pelo reconhecimento dessas “marcas re-

gistradas” provoca, inevitavelmente, o confronto comparativo entre o REFERENTE e o

referente. Por mais que se defenda, para o primeiro, autonomia, e mesmo independên-

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cia, frente ao segundo, sempre serão suscitadas questões tais como: houve ou não “trai-

ção” do verídico pelo ficcional? tem ou não tem o ficcionista “direito” de livre inven-

ção? houve ou não houve “acerto” ou “erro” na posição política do autor? terá sido sua

“contribuição” positiva ou negativa para a suposta causa que o romance político deveria

defender? Poder-se-ia estabelecer uma escala de fidelidade da personagem em relação à

figura histórica, mas mesmo essa figura histórica não é um dado incontroverso. Dela

não há “ruínas” físicas, como podem ser os monumentos, os edifícios, as cidades. É

inteiramente uma construção da memória coletiva, oficial ou não.

O romance político é, assim, exemplo de situação-limite da referencialidade do

texto literário, pois nele não cabe distanciamento muito acentuado da realidade empíri-

ca, sob pena de ilegibilidade. O termo determinante do sintagma - o adjetivo político -

aponta, até por imperativo etimológico, para um conteúdo específico, de difícil determi-

nação, é verdade, mas distinto de outros conteúdos, tais como regionalista, psicológico

etc. A especificação desse conteúdo só é possível tendo-se em mente um universo de

referências que permita sua conversão funcional.

O conteúdo “político” do romance político, para merecer o designativo, deve ser

de tal modo abrangente que não se confunda com o simples relato de uma experiência

puramente individual.13 Com ou sem indicação explícita de fatos e/ou figuras verídicas,

deve ser de natureza pública, coletiva. Sem que o protagonista precise tornar-se mera

ilustração da posição político-ideológica do narrador (para não dizer mais extensiva-

13Fábio Lucas, em O caráter social da literatura brasileira (2. ed. São Paulo: Quíron, 1976. p. 49) desen-volve um conceito próximo ao nosso, pois afirma: “A perspectiva social será apanhada toda vez que a personagem ou o grupo de personagens tiver seu destino ligado ao da sociedade global de que faz parte, sob o impulso de forças fundamentais que conferem historicidade às tensões entre indivíduos ou grupos.” No entanto, no seu entender, “somente aquela ( personagem) identificada com o destino de sua classe pode ter visão totalizante da sociedade; na medida em que encarna a função e as aspirações da classe, denuncia os obstáculos da emergência dela na cenário social e ocupa o lugar devido na mecânica do pro-gresso humano, é que a personagem se reconhece nas devidas proporções e contempla a humanidade, os amigos, os conhecidos, os vizinhos, enfim, “os outros numa perspectiva social e histórica. (p. 51) Esta conclusão vincula em demasia a sorte da personagem à classe social a que ela pertence, num determinis-mo de corte marxista inaceitável. Uma outra possível definição de romance político pode ser encontrada em HOWE, Irving. A política e o romance. Trad. Margarida Goldztajn. São Paulo: Perspectiva, 1998: “Por romance político entendo um romance no qual idéias políticas têm papel dominante, ou no qual o milieu político é o cenário dominante – embora seja novamente necessária uma qualificação, pois a pala-vra ‘dominante’ é mais do que questionável. Talvez fosse melhor dizer: um romance no qual assumimos serem dominantes as idéias ou o milieu político, um romance que permita essa pressuposição sem que com isso sofra qualquer distorção radical e que, em decorrência, propicie a possibilidade de algum lucro analítico”. (p. 5).

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mente: do autor), ou contra a qual ele se bata, a trajetória desse protagonista deverá im-

bricar-se de modo indiscutível e irremediável à sorte política da comunidade de que faz

parte ou com a qual se relaciona. Dito de outro modo, o dado político não pode ser ape-

nas o pano de fundo para a trajetória do protagonista, mas componente relevante, de-

terminante mesmo dessa trajetória.

Ao se apropriar de matéria de extração histórica, o romance político se aproxima

de um seu correlato: o romance histórico. Claro que a matéria histórica pode ser a mes-

ma num romance histórico e num romance político; a ditadura de Vargas (anos 30/40 do

século XX, no Brasil), por exemplo. E não é apenas o fato de o romance ser publicado

na mesma época dos fatos históricos a que alude (caso típico do romance político) ou

posteriormente a eles (caso típico do romance histórico) que define os limites entre uma

e outra forma de romance. Este é um dado circunstancial, relevante sim, mas externo ao

universo ficcional. É mais conveniente que se busque um elemento intrínseco ao univer-

so ficcional para uma distinção válida. Em que pese o romance histórico contemporâneo

ter abandonado o distanciamento temporal que caracterizava a postura do narrador do

romance histórico tradicional, de matriz romântica, frente à matéria narrada, como

resultado da eleição de uma matéria “remota” vista como já passada em julgado, incon-

troversa, portanto, ainda é possível observar diferenças de comportamento entre o nar-

rador do romance histórico e o narrador do romance político. Este último coloca-se fren-

te aos fatos narrados como um seu contemporâneo, independentemente de o autor do

romance o ser também ou não. Daí resulta que a intriga apresenta um caráter de “inaca-

bado”, deixando no leitor a expectativa de que o processo venha a ser concluído, na vida

real ou no mundo da ficção, em outro momento.

É equivocado supor que um romance, inicialmente recebido como político, pos-

sa, com o passar do tempo, vir a transformar-se em romance histórico, como decorrên-

cia do “envelhecimento” da matéria narrada. Significaria delegar exclusivamente ao

tempo (melhor dizendo: ao passar do tempo) o poder de conferir historicidade a um fato

histórico. Deve-se reconhecer, é claro, que a percepção do fato histórico como histórico

torna-se mais nítida com o passar do tempo, embora não deva significar isso que, decor-

ridos anos (ou séculos) do fato, se alcance enfim a compreensão da sua “verdade” histó-

rica, o que teria sido impossível aos contemporâneos do fato, pois aquilo que chamamos

de “fato” histórico é, na verdade, resultado de um gesto cultural: a reconstituição discur-

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siva do que um dia foi, realmente, fato. É muito comum o fato de pessoas que foram

contemporâneas de determinado fato histórico, passados alguns anos, espantarem-se

com o aparato celebratório em torno da data. E se dizem, com legítima admiração: “-

Então, eu vivi a História e não sabia!...” Mas ou o fato tem relevância histórica em si,

destacando-se qualitativamente da massa de acontecimentos que constituem a vida real,

ou não bastará que os anos, os séculos passem para que ele adquira o estatuto honroso

de histórico14. De novo deve ser dito que a substância histórica ou política da matéria

ficcionalmente narrada é definida, prioritariamente, pela prática discursiva do narrador,

e não apenas nas expressões ostensivas de sua competência narrativa, mas também nas

astúcias do engendramento da matéria - nas falas e idéias atribuídas às personagens, no

relevo maior ou menor dado aos acontecimentos, por exemplo.

1.3 - O romance político e a questão do realismo e do engajamento 1.3.1 – Preliminares

No âmbito dos estudos literários, a palavra “realismo” tanto designa uma escola,

um estilo de época historicamente datado: o Realismo, que dominou a cena literária na

segunda metade do século XIX, quanto um princípio estético: o que afirma o privilégio

do real como objeto necessário da representação ficcional. A vertente naturalista do

Realismo tentou apagar essa distinção, afirmando-se não como um tipo de realismo den-

tre outros, mas como o único e verdadeiro realismo.

A confusão é hoje insustentável. Está superada a noção de que a mimese aristo-

télica significava cópia, apenas 15. E mesmo admitindo-se tal restrição de sentido, resta-

14 Numa das “orelhas” da 2. ed. de Marco Zero I – A revolução melancólica (Vol. III das Obras Comple-tas de Oswald de Andrade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971), Mário da Silva Brito afirma sobre o romance: “Com o correr dos anos, tornou-se um romance histórico, no melhor sentido da pala-vra.” Se com o adjetivo histórico quer-se dizer que o livro ganhou lugar de relevo no quadro da literatura brasileira, sendo ele mesmo um fato “histórico”, apesar de discutível, a opinião pode ser aceita. Mas se se quer dizer que o romance mudou de condição, passando a ser “histórico”, quando antes não o era, então não concordamos com o estudioso do Modernismo brasileiro, pelas razões já expostas. 15Claro que a mimese aristotélica era, antes de aristotélica, platônica, e em Platão correspondia, de fato, à idéia de imitação, de cópia. Contudo, ser a imitação de uma imitação anterior, e não a imitação direta da realidade, já conferia à obra-de-arte um estatuto diferente do objeto produzido pelo artífice, a quem Platão dava precedência sobre o artista na aproximação de Deus como criador. Degradada que fosse, a imitação artística tinha assim lugar próprio e não se confundia com nenhuma outra forma de imitação - “toda arte imitativa realiza o trabalho que lhe é próprio a grande distância da verdade.” (Livro X da República. PLATÃO. Diálogos. Trad. . Rio de Janeiro, Edições de Ouro. s.d. p. 370 - grifo nosso). A imitação artística em Aristóteles perde a carga de negatividade que lhe atribuíra Platão, é certo, mas deixa de ser um processo tão específico. Aristóteles afirma que a imitação é inata no homem “desde a infância”

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ria ainda a questão da natureza do objeto copiado. Ninguém se arriscaria hoje a afirmar

que a realidade é uma só para todos os homens e em qualquer tempo. E por acréscimo

deve ser dito que se tem hoje uma compreensão muito mais rica de em que consiste o

processo de captação e representação do suposto objeto copiado, isto é, conhecemos

muito melhor as diferentes formas de semiose artística, dentre elas a literária.

A idéia mesma de mimese = cópia, como fidedigna representação da realidade,

mesmo nos casos em que o objeto parecia imediatamente dado aos sentidos, já compor-

tava uma constatação incômoda: como a cópia não é, obviamente, o objeto copiado,

isto é, a própria realidade, a obra-de-arte não seria real, estaria fora da realidade. Contu-

do, como existe, a obra-de-arte logicamente faz parte da realidade, é também realidade.

A solução seria atribuir-lhe um estatuto de realidade diferente do usual, implicando as-

sim a consideração de duas espécies de realidade e de sua possível hierarquização: uma

realidade verdadeira e outra realidade falsa, ou não inteiramente verdadeira. Evidente-

mente, nenhuma das alternativas resolve o velho problema de achar um lugar adequado

para a obra-de-arte que refere a realidade. E se a utopia naturalista fosse praticável, terí-

amos a amedrontadora indistinção entre cópia e objeto copiado, embaralhando valores e

dificultando o estar do homem num mundo sem fronteiras entre a realidade “verdadeira”

e seu simulacro. Um mundo como o da máquina de Morel.16

Desfeita a ilusão naturalista17, a distância entre realidade e representação da rea-

lidade aumenta, se considerarmos que a eficácia da representação depende do processo

(ARISTÓTELES. Arte poética. In: ARISTÓTELES, HORÁCIO, LONGINO. Trad. Jaime Bruna. São Paulo: Perspectiva, 1981. p.21-22), e nisso o homem difere dos outros animais. O artista, então, não é dotado de uma faculdade inacessível aos outros homens. A imitação é, para Aristóteles, ainda um recurso pedagógico - o homem adquire “os primeiros conhecimentos por meio da imitação”. O esforço aristotéli-co para elevar a imitação artística dignifica-a, sem dúvida, mas lhe nega singularidade. 16Na novela de Bioy Casares (CASARES, Adolfo Bioy. La invención de Morel. In: ---. La invención de Morel / El gran Serafín. 6. ed. Madri: Catedra – Letras Hispánicas, 1999. p. 85-186), um homem (Morel) inventa uma máquina capaz de gravar e projetar no próprio espaço, dispensando tela ou qualquer outra superfície material, as imagens e os sons das pessoas, tornando possível repetir, como um filme ou um disco, indefinidamente as cenas captadas. O protagonista, refugiado numa ilha deserta, “convive” com essas imagens, apaixona-se por uma mulher, e acaba por se tornar, ele mesmo, imagem, condenado a morrer, pois a máquina vai além da simples captação de imagens: aprisiona a alma das pessoas gravadas. A mesma idéia de uma máquina capaz de preservar, mediante gravação, a alma de uma pessoa, aparece no conto Los afanes, em Historias fantasticas (Madri. Alianza Editorial, 1995. 5. reimpressão. p. 213-235). De La invención de Morel existe tradução brasileira: A máquina fantástica. Trad. Vera Neves Pe-drosa. São Paulo: Círculo do Lvro, sem data. 17Curiosamente, alguns aspectos da representação ficcional naturalista são cabal desmentido à pretensão de ilusionismo mimético. Como admitir a onisciência do narrador, por exemplo? Quem, no mundo dos homens de carne e osso, corresponde a essa entidade de poderes ilimitados, intruso de todas as consciên-

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semiótico escolhido. As formas de representação pictórica – pintura, desenho, gravura,

por exemplo -, estão limitadas pela bidimensionalidade e pelo estatismo. A representa-

ção verbal, por sua vez, esbarra na exigência elementar do domínio de um código lin-

güístico, de uma língua natural, além das limitações do próprio signo verbal (imotiva-

ção, arbitrariedade etc.). A semiose escolhida impõe até mesmo a alteração das caracte-

rísticas do objeto, de outro modo ele não propiciará o efeito de realidade, como no caso

dos atores (de teatro, de cinema, de televisão) que precisam maquiar-se para “compen-

sar” a perda de qualidade decorrente do emprego de luzes, de filmes etc.18

Contudo, por mais evidentes que sejam os obstáculos à perfeita representação da

realidade, é possível ainda defender uma forma mitigada de realismo fundada no

conceito de verossimilhança. A despeito de a verossimilhança aristotélica não significar

o veto radical ao inverossímil, por paradoxal que pareça, a cultura ocidental tem

privilegiado o realismo verossímil, sem dúvida. Excetuando a epopéia de corte clássico,

o aproveitamento do dado inverossímil fora, até o século passado, relegado às formas

“menores” do conto de fadas, do romance de terror, dos contos populares etc. Em

função desse apego à verossimilhança dita externa - isto é, à satisfatória conformidade à

aparência da realidade na qual se movimenta o homem comum -, tornam-se mesmo

irrelevantes as usuais distinções entre o romance romântico e o romance realista, pois o

que há de mais relevante no advento do romance como substituto da epopéia é que o

romance cancelou o maravilhoso e deixou as personagens entregues à própria medida

humana, vivendo situações em tudo parecidas com as situações vividas pelo homem de

carne e osso. Daí a redução do verossímil a padrões de aceitabilidade imediata, ditados cias, testemunha privilegiada de todos os atos, de todas as falas e de todos os pensamentos das persona-gens, viajante desembaraçado de tempos e de espaços dilatados? Ao contrário do que pensavam os natu-ralistas, eram justamente artifícios como esse que provocavam o “efeito de realidade”, não o transplante in natura da própria realidade para o texto ficcional. 18Eis um exemplo expressivo: Walter Gropius (Bauhaus: novarquitetura. 3. ed. Trad. J. Guinsburg e Ingrid Dormien. São Paulo: Perspectiva, 1977. p. 45-77) lembra que os degraus do Partenon, em Atenas, apresentam ligeira elevação (10 cm) na sua parte central, não por falha técnica, mas como recurso do arquiteto Ictino para compensar uma deficiência da percepção visual humana: a convexidade da nossa retina tende a tornar côncava, no seu centro, uma linha horizontal muito extensa. Assim, o observador vê não a realidade tal qual ela é, isto é, uma linha torta, mas uma ilusão ótica, isto é, a linha reta. Um outro exemplo: Umberto Eco (Prefácio. In: ---. Apocalípticos e integrados. 2. ed. Trad. Rodolfo Ilari e Carlos Vogt. São Paulo: Perspectiva. s.d. p. 7-30) conta o episódio de um crítico, um “apocalíptico”, que, presen-te no estúdio de uma emissora de televisão, surpreendeu-se ao constatar que as diversas imagens do mesmo rosto que ele via reproduzidas nos monitores, ainda que de ângulos diferentes, pareciam-lhe mais naturais que a imagem verdadeira, que ele também via à sua frente, pois o ator, para parecer no vídeo como de fato era, precisou maquiar-se fortemente. A imagem “falsa” parecia mais real que a imagem “verdadeira”.

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a redução do verossímil a padrões de aceitabilidade imediata, ditados sobretudo pela

ciência.

Não deixa de inquietar a idéia de que é impossível aprisionar o conceito de ve-

rossimilhança (e seu contrário, o de inverossimilhança)19. A mesma cena – uma perso-

nagem pressiona um botão, uma tecla,. e com isso provoca a aparição, na superfície

exposta de um objeto, de figuras em movimento, acompanhadas de som – pode ter valo-

res diferentes, dependendo da idade do romance. Num romance do século XIX, a cena

seria absolutamente inverossímil; num romance escrito na segunda metade do século

XX, pelo contrário, tratar-se-ia de banal naturalismo, pois a personagem provavelmente

teria apenas ligado o aparelho de televisão...

Inquieta mais ainda o esforço para distinguir a verossimilhança dita externa de

uma outra verossimilhança, dita interna, de validade limitada ao universo ficcional. Ora,

etimologicamente, a verossimilhança estabelece relação entre um objeto, no caso o

mundo que nos é dado perceber na obra-de-arte, e outro objeto, que lhe é obviamente

externo, no caso o mundo em que nós, receptores da obra-de-arte, existimos. Não sendo

para isso, não tem qualquer funcionalidade o conceito de verossimilhança. No entanto, a

verossimilhança dita interna consistiria num sistema de relações que naturalizaria o não-

natural, tornando aceitável o que, em princípio, não o seria - a transformação de um

príncipe num sapo, por exemplo. Assim, a obra-de-arte escaparia da acusação de não ser

verdadeira, de nem mesmo parecer verdadeira, pois o mundo que ela nos expõe seria

regido por leis diferentes das leis que regem o nosso. Neste caso, caduca o próprio sen-

tido de verossimilhança, pois tal mundo, por força de sua independência, dispensaria o

paralelo com o nosso. Seria verossímil em relação a si próprio, o que implica dizer: não

apenas semelhante (símil) ao verdadeiro (vero), mas o próprio verdadeiro. Num mundo

19Uma breve citação: “O verossímil, dizíamos, é cultural e arbitrário: (. . .) muda conforme os países, as épocas, as artes e os gêneros.” (METZ, Christian. II. Problemas de semiologia do cinema (p. 43-170) e III. O cinema moderno: alguns problemas teóricos. In: ---. A significação do cinema. Trad. Jean-Claude Bernardet. São Paulo: Perspectiva, 1972; p. 235). Metz dá como exemplo o “gangster” do cinema ameri-cano (“uma capa de chuva e um chapéu de feltro”) e o do cinema francês (“um jeito mais desalinhado, os cabelos cortados à escovinha e um forte sotaque suburbano”), diferentes e por igual verossímeis para cada padrão nacional de caracterização. Observa ainda que “tais variações alteram o conteúdo dos verossímeis, não o estatuto do Verossímil: este se situa na própria existência de uma linha de demarcação, no próprio ato de restrição dos possíveis.” Dito de outro modo, no recorte que uma cultura faz para aceitar ou não aceitar um conjunto de fatos, idéias, espaços etc. em detrimento de outros fatos, de outras idéias, de ou-tros espaços etc.

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em que bruxas podem transformar príncipes em sapos, se o quiserem, inverossímil seria

não o fazerem, querendo.

A defesa de uma verossimilhança interna, na verdade, disfarça o império da ve-

rossimilhança externa. A aceitação de um mundo inteiramente regido por leis irreconhe-

cíveis pela experiência compartilhada dos homens de carne e osso é impossível. Estas

leis são-nos familiares. Ainda que nos pareçam invertidas, deslocadas etc., são conver-

síveis à nossa experiência, e é só por isso que nos parecem invertidas ou deslocadas. O

que fazemos, no intuito generoso de supostamente desobrigar a obra-de-arte de construir

mundos regidos pelas mesmas leis do nosso, é atribuir-lhe um direito que já é seu, ine-

rente à sua natureza de ficção, isto é, de fingimento, invenção. Durante muito tempo, os

próprios ficcionistas deixaram-se prender por essa exigência, de modo que o inveros-

símil era domado em sua irracionalidade pela atribuição da causalidade a uma potência

sobrenatural, quando não a virtualidades ainda não exploradas pela ciência. Que espanto

poderia haver, para o leitor habituado ao sistema dos contos de fadas, na transformação

de um príncipe em sapo se, sabidamente, as bruxas podem operar tal metamorfose, na

hora em que bem quiserem? Tanto quanto não deveria haver estranheza no fato de o Dr.

Henry Jekyll transformar-se definitivamente em Mr. (Edward) Hide – o lado “mau” de

sua natureza - porque levara longe demais suas experimentações científicas e tornara-se

incapaz de controlar as mutações de matéria e espírito em seu ser dividido; ou o jovem

doutor Frankenstein20 ser bem (?) sucedido no prometeico esforço de criar seu mons-

tro...21

1.3.2 – Literatura, realismo e engajamento

Por força da crescente difusão dos princípios marxistas aplicados ao campo das

artes, uma questão ocupou grande espaço nos debates sobre realismo no século XX: que

postura deveria tomar o escritor em face da realidade política do seu tempo? Deveria

engajar-se a favor de uma causa política ou preservar sua literatura do condicionamento

ideológico? A questão não era inteiramente nova, mas nunca tivera antes a premência

20 SHELLEY, Mary. Frankenstein ou o moderno Prometeu. Trad. Miécio Araújo Jorge. São Paulo: cír-culo do Livro. s.d. 21 STEVENSON, Robert Louis. O medico e o monstro. Trad. Helena Pessoa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963. A propósito, ver GIASSORE, Ana Cláudia. O mosaico de Framkentein: o medo no romance de Mary Shelley. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1999 – especialmente sobre o triunfo da racionalidade entre os séculos XVII e XIX (p. 23-25), sobre o romance como ficção científica (p. 35-36), pela ênfase na questão do desenvolvimento científico e seus perigos (p. 85).

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que passou a ter, especialmente a partir da nítida configuração do mundo em dois blocos

econômico-ideológicos distintos e opostos: o capitalista e o comunista.

O engajamento em si, independentemente de seu direcionamento político, fora

prática observável em grandes obras e artistas desde o início da literatura ocidental22.

Não se pode dizer que a epopéia homérica não fosse engajada na exaltação da causa

grega, e as epopéias que se lhe seguiram – os Lusíadas, por exemplo – sempre cantaram

os feitos de um povo, representado na figura exemplar do herói, sem maiores condes-

cendências quanto às razões dos vencidos. Mas a novidade da Revolução Russa (1917)

e todas as promessas contidas no seu ideário incendiaram a imaginação dos artistas e

suscitaram o dilema ético entre pôr sua arte a favor da causa política ou persistir na a-

firmação de uma gratuidade da realização artística.

Lançar um olhar sobre a realidade empírica e nela identificar suas mazelas soci-

ais, bem como apontar o caminho para a redenção, sobretudo das “massas oprimidas”,

em suma, engajar-se politicamente, implicava discutir a questão do realismo, pois a efi-

cácia da mensagem parecia depender fundamentalmente da fidelidade da representação

ficcional em relação ao mundo real. Alegorias, disfarces e outras modalidades de repre-

sentação não veristas pareciam incapazes de denunciar as iniqüidades com as quais não

se conformava o artista engajado. Somente o realismo parecia capaz de servir à causa

política. Contudo, não era igual para todos o entendimento do que fosse arte realista. A

fria e objetiva reprodução da aparência da realidade, tal como praticada no Naturalismo

do século XIX, foi considerada por Lukács um procedimento estético reacionário, pois

não lograva mostrar a realidade na sua essência, entendida esta, de acordo com os pre-

ceitos marxistas, ainda que incansavelmente modulados, como determinada pelas estru-

turas econômicas da sociedade, o que obrigava o realismo a ser crítico e seletivo. Subja-

cente a esta visão do realismo estava a teoria do reflexo, que atribuía à obra de arte a

função de ecoar a realidade social, dela não podendo afastar-se pela hipertrofia do ima-

ginário23. A hipérbole dessa concepção de realismo viria a ser o realismo socialista,

22 Para um exaustivo histórico do engajamento na literatura, desde ver DENIS, Benoît. Literatura e enga-jamento: de Pascal a Sartre. Trad. Luiz Dagobert de Aguirra Roncari. Bauru, SP: EDUSC, 2002. Apesar de o estudo estar centra\do nas literatura francesa, como o sugere o próprio título, as considerações de cunho teórico são, no geral, extensivas às outras literaturas, com as acomodações inevitáveis. 23 Segundo Lukács (LUKÁCS, Georg. Arte livre ou arte dirigida. In: ---. Marxismo e teoria da literatura. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. p. 255-275), “a arte é uma forma particular de imagem da realidade, que a reflete por esta mesma razão, e – se se trata de um artista

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implantado na União Soviética na década de 1930, que impunha não só a estrita aderên-

cia à realidade observável, mas também, e principalmente, o compromisso do artista

com as diretivas emanadas do Partido Comunista, numa instrumentalização ostensiva da

arte24.

A literatura brasileira não escapou da polêmica, especialmente na década de 60,

quando, tal como acontecia em outros campos da cultura, formaram-se os blocos dos

engajados, que se viam a si mesmos como revolucionários também em arte, e aos outros

como alienados, e os não-engajados, que não admitiam a subordinação do seu projeto

estético aos ditames políticos de um partido. As mesmas discussões travadas nos países

culturalmente de ponta, em especial a França, aconteceram no Brasil, com o acréscimo

de uma problemática específica: a da possibilidade de uma arte de vanguarda num país

subdesenvolvido ou em desenvolvimento. Para os que não a aceitavam, as palavras de

Ferreira Gullar sintetizam muito bem a posição do comprometimento político inevitável

do artista: “A verdadeira vanguarda artística, num país subdesenvolvido, é aquela que,

buscando o novo, busca a libertação do homem, a partir de sua situação concreta, inter-

nacional e nacional.”25

A querela engajamento x não-engajamento, como tantas outras, permanece irre-

solvida, se bem que a desilusão com as “grandes causas”, observável especialmente a

partir da segunda metade do século XX, tenha esbatido a premência da opção. Como já

observado, no período em que a ficção brasileira mais tematizou a realidade política –

anos 70/80 do século passado -, a falar-se de engajamento tem-se que compreendê-lo de

modo diverso do tradicional, isto é, desprovido da pretensão de ser indicadora dos ca-

minhos certos para a melhoria do homem . O compromisso maior passou a ser o da re-

presentação impiedosa dos erros e acertos dos envolvidos na luta política, sem contem-

autêntico – reflete o movimento desta realidade, sua direção, suas orientações essenciais na existência, na permanência e na transformação” (p. 259). Este reflexo, se for o caso de um “artista autêntico”, “é, na maioria dos casos, mais amplo, mais largo e mais profundo, mais rico e mais verdadeiro do que a inten-ção, a vontade, a decisão subjetivas que a criaram” (p. 258), porque a “grande arte, a do grande artista, é sempre mais livre do que ele o crê e do que próprio o sente” (p. 259), e é mais livre “porque está mais profundamente ligada à essência da realidade do que o fazem supor os atos que se manifestam em sua gênese subjetiva e objetiva” (p. 259). 24 Sobre realismo socialista, ver POSADA, Francisco. Lukács, Brecht e a situação autal do realismo socialista. Trad. A. Veiga Fialho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970, e KONDER, Leandro. Os marcistas e a arte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967. 25 GULLAR, Ferreira. Vanguarda e subdesenvolvimento. ensaios sobre arte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969. p. 9.

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plação com os que exerceram o arbítrio e se valeram da violência, mas também sem

escamotear as equívocos dos vencidos.

Referências bibliográficas

1) ADORNO. Theodor W. Engagement. In: ---. Notas de literatura. Trad. Ce-leste Aída Galeão e Idalina Azevedo da Silva. Rio de Janeiro: Tempo Brasi-leiro, 1973. p. 51-71.

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temporânea. In: ---. O caráter social da literatura brasileira. 2. ed. São Pau-lo: Quíron, 1976. p. 47-96 e p. 97-129.

11) LUKÁCS, Georg. Arte livre ou arte dirigida? In: ---. Marxismo e teoria da

literatura. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasi-leira, 1968. p. 255-275.

12) POSADA, Francisco. Lukács, Brecht e a situação autal do realismo socialis-

ta. Trad. A. Veiga Fialho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970

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13) ROBBE-GRILLET, Alain. Sobre algumas noções obsoletas. In: ---. Por um novo romance. Trad. T. C. Netto. São Paulo: Documentos, 1969. p. 20-35.

14) SARTRE, Jean-Paul. Que é a literatura? Trad. Carlos Felipe Moisés. São

Paulo: Ática, 1989.

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2 - A FICÇÃO BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA E O LUGAR DO ROMANCE POLÍTICO

2.1 – Antecedentes: o romance político na literatura brasileira Na ficção brasileira do século XIX, tanto no período romântico quanto no realis-

ta, a realidade social foi alvo de constante interesse dos nossos autores. Não há um só

ficcionista desse período que tenha construído uma obra na qual não sejam visíveis as

marcas de referencialidade, modulando-se as representações pelos imperativos de escola

ou pelas idiossincrasias autorais. Sempre, porém, é possível reconhecer o Brasil real, se

vale a expressão, tanto na trama edulcorada de A moreninha (1844), de Joaquim Manuel

de Macedo, quanto nos cáusticos retratos de Machado de Assis. Nesse quadro, o dado

político é um dos componentes da matéria narrada, ganhando maior ou menor relevo de

acordo com o projeto estético-ideológico de cada autor. Contudo, são poucos os roman-

ces que podem ser indiscutivelmente rotulados de políticos, nos termos propostos nas

páginas anteriores. Assim sendo, o quadro esboçado abaixo informa-nos sobre as linhas

gerais da ficção brasileira do século XIX no que diz respeito à relevância que o dado

político teve na obra dos principais autores.

Joaquim Manuel de Macedo passou à história da literatura brasileira como ro-

mancista ameno, preocupado apenas com o retrato róseo de uma sociedade envolta em

intrigas namoradeiras. Não se faz justiça ao autor de A moreninha quando esquecemos

que mesmo nesse romance prototípico questões sociais são trabalhadas, se bem que re-

legadas a plano secundário, como é o caso do episódio envolvendo os meninos Augusto

e Carolina, abordados durante um passeio por alguém que lhes pede socorro para o pai

que morre... de fome. O êxito de A moreninha e de outros romances na linha cor-de-rosa

lançou no esquecimento três outros de Macedo que são, sem favor, de mordaz crítica

social – por extensão, política -, quais sejam A luneta mágica (1869), A carteira do meu

tio (1855) e Memórias do sobrinho meu tio (1867-1868). Também seus dois livros de

crônica histórica – Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro (1862) e Memórias da

Rua do Ouvidor (1878) -, nos quais o autor não refreia sua vocação de ficcionista, são

freqüentemente cáusticos no trato da vida política brasileira.

José de Alencar, o grande nome da ficção romântica brasileira, além da preocu-

pação com as origens da nacionalidade brasileira, nos romances históricos e/ou indianis-

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tas, ocupou-se tanto do Brasil interiorano, nos romances regionalistas, quanto do Brasil

urbano, especialmente na trilogia dos “Perfis de mulheres” - Lucíola (1862), Diva

(1864) e Senhora (1875). Focando a condição da mulher na sociedade brasileira de sua

época, Alencar desenha um painel significativo de algumas práticas nela vigentes, como

o comércio do casamento por conveniência (Senhora) ou a prostituição de alto coturno

(Lucíola), e nesses romances o dado político, se não é o mais relevante na determinação

do comportamento das personagens, fornece o pano de fundo para melhor compreensão

das engrenagens sociais, mesmo que os imperativos do ideário romântico pareçam con-

duzir o relato para o desenlace atenuador.

Na obra de Machado de Assis, reconhecido como o grande retratista da socieda-

de brasileira do Segundo Império, a despeito de não haver-se preocupado com a fixação

documental, um romance se destaca dos demais pelo peso da matéria de extração histó-

rica, do dado eminentemente político: Esaú e Jacó (1904). As alternâncias políticas do

final do Império e dos primeiros anos da República são trabalhadas pelo narrador em

correspondência com as divergências dos gêmeos Pedro e Paulo e as inconstâncias de

comportamento das demais personagens, numa duplicação, no plano da estória, das epi-

dérmicas transformações observáveis no plano da história, como no episódio da Tabule-

ta do Custódio. Vista em conjunto, a ficção de Machado de Assis, tanto nos romances

quanto nos contos, mas sobretudo nos primeiros, é o mais precioso documento da reali-

dade social brasileira do século XIX26.

Já no século XX, nos anos imediatamente anteriores ao Modernismo, será na o-

bra ficcional de Lima Barreto que a preocupação com a realidade social parecerá mais

evidente. E nenhum outro romance será tão exemplar dessa preocupação quanto Triste

fim de Policarpo Quaresma (1915), centrado na personagem que dá título à obra, um

patriota ingênuo e exaltado, cujo duro aprendizado expõe à consideração do leitor a a-

bissal distância entre sua integridade moral e os mesquinhos interesses dos que se ser-

vem do Brasil para interesses próprios. O narrador não deixa dúvidas quanto à sua aver-

são à República recém-fundada, e deixa um retrato arrasador do marechal Floriano Pei-

xoto.

26 Podem ser mencionados ainda: Coelho Neto (A Capital Federal – 1893, Turbilhão – 1906), Visconde Taunay (O Encilhamento - 1894) e Emanuel Guimarães (A todo transe - 1902).

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Dois nomes vão-se destacar na ficção brasileira anterior ao período que nos inte-

ressa, e são justamente os dois mais populares romancistas brasileiros do século XX:

Jorge Amado e Érico Veríssimo. O primeiro será, na primeira fase, o mais expressivo

exemplo de atendimento das recomendações doutrinárias do realismo socialista, em

romances como O país do carnaval (1932), Cacau (1933) e Os subterrâneos da liber-

dade (1954). Prova inconteste das preocupações do autor à época é a Nota que antecede

o primeiro capítulo de Cacau:

Tentei contar neste livro, com um mínimo de literatura para um máximo de honestidade, a vida dos trabalhadores das fazendas de cacau do sul da Bahia.

Será um romance proletário?27

Além do romance cíclico O tempo e o vento (O continente – 1949, O retrato –

1951 e O arquipélago – 1962), vasto painel da vida riograndense do sul através da saga

de duas famílias, os Terra e os Cambará, até os anos Vargas, a ficção de Érico Veríssi-

mo trabalhou diretamente o dado político em três romances: O senhor embaixador

(1965), O prisioneiro (1967) e Incidente em Antares (1971). Destes, o último é, sem

dúvida o de maior interesse, não só porque a ação se passa inteiramente no Brasil, na

imaginária cidade de Antares, no Rio Grande do Sul, mas também porque é mais evi-

dente o intuito político, na sobrenatural estória dos mortos insepultos que voltam à vida

para submeter os vivos poderosos do lugar a implacável julgamento, em praça pública e

à luz do dia.

Podem ser mencionados ainda os nomes de Dionélio Machado (O louco do Cati

– 1942), Viana Moog (Um rio imita o Reno - 1939), Gracialiano Ramos (São Bernardo

– 1934 e, fora do âmbito estritamente ficcional, Memórias do cárcere – 1953), Plínio

Salgado (O estrangeiro - 1924, O esperado - 1931 e O cavaleiro de Itararé – 1932),

Marques Rebelo (O espelho partido, constituído de O Trapicheiro – 1959, A mudança -

1962 e A guerra está em nós – 1968.

2.2 – Breve inventário: o romance político e a ficção contemporânea

27 AMADO, Jorge. Cacau. 47. ed. Rio de Janeiro: Record, 1987. p. 8.

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Em termos gerais, a ficção brasileira produzida nos anos 70/80, continuada nos

90, apresenta uma preocupação marcante com a contemporaneidade, em especial com o

dado político. A Revolução de 64 (ou Golpe, conforme a semântica adotada) é tomada

como fato nuclear, irradiador. Apesar da relevância atribuída à matéria política, obser-

vável também no memorialismo não-ficcional do período, praticado por ex-militantes

políticos, o tom dominante é de crítica avaliação dos erros e dos acertos (poucos) da

militância extremada, sem qualquer resquício de auto-comiseração28.

Não se observa na ficção do período o partidarismo explícito típico da literatura

"engajada", de "denúncia social" dos anos 30/50, substituído pela exposição quase natu-

ralista da violência cega do poder. Diferentemente da hispano-americana, a ficção brasi-

leira contemporânea pouco recorreu aos realismos irrealistas do mágico, do fantástico

etc. Mesmo nos casos em que o insólito irrompe no mundo representado, pode-se falar

de uma espécie de referencialidade oblíqua, porque ou os dados alegóricos são facil-

mente conversíveis à realidade empírica; ou a presença de "marcas registradas" (nomes

próprios de pessoas, de instituições sociais etc.) imediatamente reconhecíveis mantém o

leitor cativo de seu universo de referências.

Por outro lado, autores que chegaram ao período em causa com uma obra ficcio-

nal já consolidada (ou bem próxima disso), continuaram seu trabalho, seguindo suas

linhas temático-composicionais, como é o caso de Jorge Amado (1912-2001), o mais

lido de todos os escritores brasileiros, que pontuou as décadas de 70 e 80 com êxitos de

público retumbantes, como Teresa Batista cansada de guerra (1972), Tieta do agreste

(1977) e Tocaia Grande: a face obscura (1984), por exemplo; ou Clarice Lispector

(1925-1977), cujo último livro - A hora da estrela (1977) - parecia indicar uma abertura

para o social, sem abandono, porém, da dimensão introspectiva que caracterizara seus

romances anteriores (bem como os contos), centrados na singularidade do momento

epifânico na vida de suas personagens (exemplo: A Paixão segundo GH - 1964); ou

Lygia Fagundes Telles (1923-...), que publicou dois romances no período - As meninas

28 Para Fábio Lucas (LUCAS, Fábio. Literatura e política: a experiência brasileira. In: ---. Vanguarda, História e ideologia da literatura. São Paulo: Ícone Editorial, 1985. p. 94-145.), mais do que ausência de auto-comiseração, trata-se de negatividade: “Todas as ficções que cuidam da realidade brasileira no perí-odo pós-64 o fazem do ponto de vista da negação.” (p. 124), e ainda: “Não se encontra em nenhuma delas o desenvolvimento de uma utopia, uma abertura para o futuro.” (p. 125), o que, a rigor, não se aplica a Quarup, de Antonio Callado, cujo final é claramente auspicioso, pois coroa o processo de conscientização política do protagonista, Nando, e seu iminente ingresso na luta política.

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(1973) e As horas nuas, (1989), sempre fiel à temática da interioridade angustiada de

suas personagens femininas; ou Osman Lins (1924-1978), responsável por uma das

mais radicais experiências narrativas da literatura brasileira - Avalovara (1973); ou Au-

tran Dourado (1926-...), que com Ópera dos mortos (1970), O risco do bordado (1973)

e Os sinos da agonia (1974) deu continuidade à sua peculiar saga da vida mineira; ou

Nélida Pinon (1935-...), também praticante de uma escrita como que cifrada, com A

casa da paixão (1972) e Tebas do meu coração, além de A República dos Sonhos

(1984); ou Assis Brasil (, cuja obra diversificada tanto comporta o regionalismo da Te-

tralogia piauiense, publicada na década de 60, quanto o Ciclo do terror, constituído dos

romances Os que bebem como os cães (1975), O aprendizado da morte (1976), Deus, o

Sol, Shakespeare (1978) e Os crocodilos (1980), e que abraça, no início da década de

90, também o romance histórico, como Nassau: sangue e amor nos trópicos (1990) e

Villegagnon: paixão e guerra na Guanabara (1991); ou Adonias Filho (1915-, que dá

continuidade ao seu regionalismo lírico em Luanda Beira Bahia (1971) e As velhas

(1975).

Um breve inventário da ficção brasileira dos anos 70/8029 desenha o seguinte

quadro de traços característicos:

2.1.1 - Compromisso maior com a representação ficcional da contemporaneida-

de, em especial com o dado político, tomada a Revolução de 64 (ou Golpe, conforme a

semântica adotada) como fato nuclear da vida brasileira no período, eventualmente in-

corporando momentos anteriores e/ou posteriores.

2.1.2 - Abandono do partidarismo explícito, típico da “literatura engajada” dos

anos 30/50, em favor da exposição, por vezes naturalista, “neutra”, da violência cega do

poder, ficando a cargo do leitor a tomada de posição política.30

29Cf. BASTOS, Alcmeno. A ficção brasileira contemporânea. Iberoromania. 38. A problemática social na literatura brasileira. Tübingen (Alemanha): Max Niemeyer Verlag, 1993. p. 111-118. 30Segundo Silviano Santiago (Contra a dramaturgia da crise. São Paulo: Leia, julho de 1987), no Moder-nismo “o compromisso maior do escritor e do texto não era com os valores democráticos”, de modo que “quase sempre os modernistas içavam a bandeira do governo forte”, tendo sido “menos fortuita e gratuita do que se pensou a aproximação do intelectual modernista no governo ditatorial de Vargas”. Por outro lado, na literatura “mais recente, sem dúvida por ter sido maior e mais forte o peso do autoritarismo cen-tral, dramatiza-se menos a tomada do poder do que a própria questão do poder.”

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2.1.3 - Preferência por uma visão fragmentada (por vezes, minimalista e privile-

giadora da errância do protagonista) da realidade brasileira em detrimento do romance

totalizador e interpretativo do “caráter” nacional.

2.1.4 - Predomínio da problemática social urbana sobre a rural e virtual inexis-

tência da ficção regionalista; escassa representação da marginalidade pobre e centra-

mento nas aflições da pequena classe média urbana (intelectuais, jornalistas, estudantes

universitários etc.).31

2.1.5 - Respostas irrealistas (os realismos “mágico”, “absurdo”, “fantástico” etc.)

ao desafio da representação ficcional da realidade, ora como artifício para contornar a

censura, ora como opção consentânea com a natureza “absurda”, “mágica” etc. da pró-

pria realidade.

2.1.6 - Memorialismo de geração, voltado para o balanço das opções de luta po-

lítica: a guerrilha, o exílio, a resistência “interna” etc., como contraparte ficcional do

memorialismo propriamente dito dos que se envolveram na luta política dos anos

60/70.32

2.1.7 - Invasão do universo ficcional pela matéria de cunho jornalístico, através

do romance-reportagem, como forma substitutiva da “denúncia social” típica de movi-

mentos como o do romance social de 30.33

31A propósito, Jefferson Barros, autor do romance (apresentado pela editora como “novela”) Oficial da noite (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979), afirma, numa das “orelhas” do livro, que seu perso-nagem é a “classe operária”, pois tanto os pais de Rodrigo - o “oficial” a que alude o título - quanto os de Franklin - o jornalista que desvenda a trama que vitima o oficial - “são operários, ferroviários como meu pai”. Acontece que, se é verdade que ambos tem origens proletárias, pertencem agora à pequena classe média. No plano da estória contada, seus pais não são, a rigor personagens, mas simples referências, não se justificando dizer, como o faz o autor, que “a novela traça a trajetória da classe operária”. 32Vide, cf. nota 2, Silviano Santiago, a respeito da narrativa de tipo autobiográfico que esquece relações familiares e centra o interesse no pequeno grupo marginal de que faz parte o protagonista; Sonia Salomão Khéde, a respeito do cruzamento de documento, reportagem, autobiografia, história e ficção na literatura da época; Flora Sussekind, a respeito dos “egos inflacionados” da década de 70, tipo de ficção contrapos-ta àquela que apresenta dicção ensaística, reflexiva dos anos 80. Chamamos “de geração” a esse tipo de memorialismo para marcar sua diferença fundamental em relação ao memorialismo tradicional: neste é o indivíduo-protagonista quem dá sentido ao fato político (histórico, por extensão), na medida em que este fato só interessa à narrativa pelo valor que tem na trajetória da personagem; no memorialismo de geração, pelo contrário, a trajetória do indivíduo-protagonista recebe sentido na medida da inserção da personagem na vida política. 33Sobre o assunto, vide especialmente Flora Sussekind (Tal Brasil, qual romance? Uma ideologia estética e sua história: o naturalismo. Rio de Janeiro: Achiamé, 1984) e Davi Arrigucci Jr. (Jornal, realismo, ale-goria - O romance brasileiro recente. In: ---. In: Ficção em debate e outros temas. São Paulo: Duas Cida-des; Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1979. p. 11-50 (Coleção Remate de Males, 1)).

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2.1.8 - Incorporação definitiva do registro coloquial urbano, incluído o “baixo

calão”, coroando o processo de abrasileiramento da linguagem literária iniciado no Mo-

dernismo.

2.1.9 - Adoção de processos discursivos diversificados e típicos da modernidade,

senão da pós-modernidade, tais como: a recorrência alusiva, a intertextualização, a pa-

rodização, a carnavalização, a polifonia, a metalinguagem, a multiplicidade de pontos-

de-vista.

2.1.10 - “Divisão” eqüitativa das décadas quanto ao predomínio do romance ou

do conto: “boom” do conto nos anos 70, revitalização do romance nos anos 80.

2.1.11 - Redescoberta do passado nacional como tema ficcional, com a conse-

qüente revitalização da ficção histórica, tanto através do romance histórico propriamen-

te dito quanto das variantes do ”romance de fundação” ou da “metaficção historiográfi-

ca”.

2.2 – O lugar do romance político na ficção brasileira contemporânea

Considerando o afirmado em 2.1 - a importância do fato político de 1964 e suas

conseqüências como elemento nuclear da vida brasileira -, a ficção do período é, em

grande parte, ficção política. Daí a necessidade de um mapeamento dessa produção fic-

cional comprometida com a representação do fato político, com a ressalva necessária de

que aqui estão misturados critérios temáticos e composicionais, a par do fato de que

muitos dos romances a serem citados poderiam ser enquadrados em mais de uma classi-

ficação, sem prejuízo do traço característico dominante, propomos o seguinte esboço de

tipologia para o romance político na literatura brasileira contemporânea:

2.2.1 - Memorialismo de geração34, como superação do “depoimento”, voltado

para o balanço das opções de luta política: a guerrilha (urbana ou rural), o exílio (com-

pulsório ou voluntário), a resistência “interna” (na imprensa, nas universidades, nos

6 Entendido depoimento como “visão particularizada, relato centrado numa individualidade cuja trajetória dá sentido ao fato histórico”, propiciada pela “prerrogativa de fragmentar o ponto de vista narrativo, de mergulhar mais abrangentemente na dimensão interior dos envolvidos, de descompromissar-se com a estreita veracidade dos fatos narrados” (BASTOS, Alcmeno. Memorialismo de geração: a superação do

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sindicatos etc.); este tipo de ficção apresenta-se, e por vezes com ele se confunde, como

a contraparte do memorialismo propriamente dito de Fernando Gabeira, Alfredo Sirkis,

entre outros; exemplos: Em câmara lenta (Renato Tapajós), A festa (Ivan Ângelo), Pon-

che Verde (Janer Cristaldo).

2.2.2 - Maléfica atração do centro político, como ilustração do princípio de

que todos são “culpados”; este tipo de ficção desloca o acento das pessoas sem dúvida

comprometidas politicamente para aquelas que, habitando a periferia do drama político,

são atraídas para o centro e se tornam também “culpadas”; exemplos: Quatro-Olhos

(Renato Pompeu), Stella Manhatann (Silviano Santiago).

2.2.3 - Ficção antecipatória de um Brasil que (se espera) “ninguém verá”; este

tipo de ficção, que pratica um tipo de realismo irrealista, projeta o quadro de um Brasil

absurdo, desumano, como conseqüência dos erros que estão sendo cometidos no hoje da

ficção; exemplos: Não verás país nenhum (Ignácio de Loyola Brandão), Bolero (Victor

Giudice).

2.2.4 - Mundo fechado e origem absurda do poder: este tipo de ficção faz a

representação alegórica do totalitarismo imposto a uma comunidade “inocente”; nela o

poder tem origem incognoscível, e o horror surge e desaparece independentemente da

vontade dos homens; exemplo (quase único): a ficção de José J. Veiga.

2.2.5 - Radiografia do mundo dos vencedores: esta ficção, pouco usual na li-

teratura brasileira contemporânea, joga luz sobre os bastidores do poder (militar, sobre-

tudo), alimentando-se fartamente de referências jornalísticas, embora distante do ro-

mance-reportagem, pelo seu acentuado conteúdo político; exemplo: O jogo da gata pa-

rida (Luís Gutemberg).

2.2.6 - “Thriller” político: neste tipo de ficção predominam os elementos de

suspense, violência e intriga política, em ação vertiginosa e focalização “externa”; e-

xemplos: A condolência (Márcio Souza), A ilha nos trópicos (Marcos Santarrita).

2.2.7 - “Latinidad” como metáfora do país dos generais: este tipo de ficção,

modelado pelo romance hispano-americano (Garcia Marquez, sobretudo), mistura ele-

mentos de exotismo e sobrenaturalidade, com ambientação “tropical” conversível à rea-

lidade brasileira: exemplo: A ressurreição do general Sanchez (Christovam Buarque).

depoimento. In: Anais do 2o Congresso ABRALIC – Literatura e memória cultural. Vol. II. Belo Horizon-

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2.2.8 - Ensaísmo ficcional político-histórico: neste tipo de ficção o dado pro-

priamente ficcional se esbate em favor da circulação privilegiada de idéias, como na

ficção de Paulo Francis (Cabeça de negro, Cabeça de papel)..

2.2.9 - Visão “carnavalizada e lisérgica” da realidade brasileira: com este ti-

po de ficção, o dado político é submetido a um processo de referencialidade oblíqua,

pois se, por um lado, seus componente são “verídicos”, por outro a combinatória é insó-

lita, inverossímil, como na ficção de Roberto Drummond.

2.2.10 - Aprendizado de Brasil: este tipo de ficção tem caráter exploratório,

avançando além do dado estritamente político, atenta ao pulsar da vida brasileira e suas

motivações aparentes ou recônditas; é o caso da ficção de Antonio Callado.

2.2.11 – Estandartes do horror esta ficção confronta o drama individual de

pessoas atingidas (direta ou indiretamente) pela repressão política e suas pulsões interio-

res de variada ordem (amorosa, familiar, religiosa etc.); é o caso da ficção de Heloneida

Studart.

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31

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10) FEBROT, Luiz Izrael. Proposição e redução do romance político brasileiro da década de 70: Cabeça de papel, de Paulo Francis. In: Encontros com a Civilização Brasileira, n. 25, julho de 1980, p. 151-161. Nota de pé de pági-na informava que o “presente artigo faz parte de um estudo maior sobre o romance político brasileiro dos anos 64/78”.

11) FRANCO, Renato. Itinerário político do romance pós-64: A festa. São Pau-

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12) HOLLANDA, Heloísa Buarque de & GONÇALVES, Marcos Augusto. Polí-tica e literatura: a ficção da realidade brasileira. In: ANOS 70 - Literatura. Rio de Janeiro: Europa, 1979-1980. p. 7-82.

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Carlos-SC: EDUFSCar/Mercado de Letras, 1996.

17) REVISTA DO BRASIL. Ano 2, no 5/86. Literatura Anos 80. Rio de Janeiro: Conselho Estadual de Cultura, 1986.

18) SANTIAGO, Silviano. Prosa literária atual do Brasil. In: --. Nas malhas da

letra. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. P. 24-52.

19) -----. Poder e alegria. In: --. Nas malhas da letra. p. 11-23.

20) -----. Contra a dramaturgia da crise. São Paulo: Leia, julho de 1987.

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21) SILVERMAN, Malcolm. Protesto e o novo romance brasileiro. 2. ed. revis-

ta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

22) SUSSEKIND, Flora. Tal Brasil, qual romance? Uma ideologia estética e sua história: o naturalismo. Rio de Janeiro: Achiamé, 1984.

23) -----. Literatura e vida literária: polêmicas, diários e retratos. Rio de Janei-

ro: Jorge Zahar, 1985. (Brasil: os anos de autoritarismo)

24) -----. Ficção 80 - dobradiças e vitrines. In: --. Papéis colados. Rio de Janei-ro: Editora UFRJ, 1993. p. 239-252.

25) TRIGO, Luciano. Memórias do cárcere. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil,

Idéias, l 1 abr. 1987. p. 6.

26) VENTURA, Zuenir. Uma autobiografia precoce. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, Idéias, 28 mar. 1987. (Resenha do número especial da Revista do Brasil. Literatura Anos 80).

27) ZILBERMAN, Regina. Do mito ao romance: tipologia da ficção brasileira

contemporânea. Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 1977.

28) ------. Brasil: cultura e literatura nos anos 80. In: Organon. No 17. Porto Ale-gre: Instituto e Letras-UFRGS, 1991. p. 93-104.

Adendo:

Abaixo, uma também breve formulação de alguns dos “inventários” acima cita-

dos sobre a ficção brasileira do período em causa:

Silviano Santiago (Repressão e censura no campo da literatura e das artes na

década de 70. Encontros com a Civilização Brasileira. No 17, novembro de 1979. Rio

de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 187-194; Poder e alegria e Prosa literária

atual no Brasil. In: ---. Nas malhas da letra. São Paulo. Companhia das Letras, 1986. p.

11-23 e 24-52, respectivamente; Contra a dramaturgia da crise. São Paulo: Leia, julho

de 1987), é de opinião que:

a) dramatiza-se menos a tomada do poder que a própria questão do poder (Con-

tra a dramaturgia...), enquanto no Modernismo havia certa cumplicidade com os regi-

mes fortes - esta idéia está mais claramente desenvolvida em outro texto do autor, “Fe-

chado para balanço (60 anos de Modernismo)” (In: O Livro do Seminário; ensaios. São

Paulo: LR Editores, 1983. p. 71-100), onde afirma ter havido “conivência entre o pen-

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samento autoritário e totalitário de esquerda e de direita, expressa pelos romancistas e

poetas dos anos 30, então os nosso principais críticos do Movimento de 22”;

b) é difícil classificar-se hoje (em 1987) o que é o que não é romance, devido à

anarquia formal (Prosa literária..., p. 29);

c) observa-se acentuada tendência ao memorialismo (história de um clã) ou à au-

tobiografia, visando à conscientização política do leitor, de que decorre o “neo-

romantismo” (ibidem, p. 30-31);

d) são as seguintes as formas que revestiram a ficção brasileira do período no que

diz respeito à questão nacional:

d. l - resposta camuflada à censura e à repressão via jogo de metáforas e símbo-

los;

d.2 - romance-reportagem denunciador da violência militar e policial;

d.3 - narrativa de tipo autobiográfico voltada para a atuação de um grupo (e sem

levar em conta relações familiares), contrariamente ao memorialismo dos modernistas

(p. 33);

d.4 - outras tendências: a questão das minorias, o questionamento do papel do in-

telectual, o retorno ao regionalismo. (ibidem, p. 34-35).

observação: em Repressão e censura..., o autor distingue apenas “dois tipos de li-

vros que tiveram êxito durante o período” (década de 70): “textos que se filiaram ao

realismo dito mágico” e os “romances-reportagem”;

e) a literatura pós-64 troca o tema da exploração do homem pelo homem pelo

tema do funcionamento do poder, contrariamente à literatura engajada (vide a) - Poder

e alegria. (p. 11-12);

f) estilisticamente, a literatura pós-64 combina uma escrita realista herdada dos

anos 30 e uma escrita metafórica ou fantástica à maneira da literatura hispano-

americana; sua principal característica é a “descoberta assustada e indignada da violên-

cia do poder” (ibidem);

g) a literatura pós-64 não é mais otimista (o “otimismo social e edificante” – p.

18), como o era a literatura política anterior --- -> tropicalista (?) - ibidem.

Sônia Salomão Khéde (O fantasma romântico. Jornal do Brasil, Idéias: 13 de

abril de 1988. p. 5) é de opinião que:

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a) a narrativa brasileira contemporânea está marcada pelo continuismo de uma

busca da identidade (o “fantasma romântico” impede a passagem do modernismo ao

pós-modernismo): como categoria filosófica, como identidade nacional, como identida-

de textual);

b) as exceções são Clarice Lispector (opulência da linguagem, desestruturação

da forma romanesca e indicação de um vazio a ser preenchido) e Rubem Fonseca (o

vazio dos fatos da vida cotidiana, absurda, sem sentido e violenta);

c) as vertentes da narrativa pós-64 são as seguintes:

c.l - memorialismo: literatura como documento, reportagem, autobiografia, his-

tória e ficção;

c.2 - grotesco: crítica comprometida com um texto de impacto apoiado no fan-

tástico, no absurdo, no trágico e no cômico;

c.3 - simulacro: literatura presa à crise da representação - o simulacro nega tanto

o original quanto a cópia (como nos últimos romances de Rubem Fonseca);

d) autores mencionados: João Antônio, Ivan Ângelo, Márcio Souza, Antônio

Torres, Marco Santarrita, José Louzeiro, Clarice Lispector, Rubem Fonseca, Silviano

Santiago .

Luciano Trigo (Memórias do cárcere. Jornal do Brasil, Idéias: 11 de abril de

1987. p. 6) afirma que:

a) são relevantes as marcas da tortura praticadas pelos órgãos de repressão polí-

tica na literatura brasileira contemporânea; em alguns autores, com redução do dado

ficcional (exemplo: Em câmara lenta, de Renato Tapajós), e não merecem atenção a

tortura cotidiana (ver, também, as diversas opiniões emitidas por autores e críticos)

b) são os seguintes os autores que tematizam a tortura: Silviano Santiago, Rodol-

fo Konder, Renato Tapajós, Alex Polari, Júlio César Monteiro Martins, Frei Beto, Caio

Fernando Abreu, Renato Pompeu, Assis Brasil, Antônio Callado, Marcos Santarrita;

José Castello (Os anos 80 deram romance? Jornal do Brasil, Idéias: 20 de feve-

reiro de 1988;. p. 6-7) diz que na década de 80, a tendência dominante foi a do roman-

ce-fragmentário, em lugar do romance totalizador, com as exceções de Viva o povo bra-

sileiro (João Ubaldo Ribeiro) e A república dos sonhos (Nélida Piñon).

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Flora Sussekind (Tal Brasil, qual romance? Uma ideologia estética e sua histó-

ria: o naturalismo. Rio de Janeiro: Achiamé, 1984; Literatura e vida literária: polêmi-

cas, diários e retratos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985 (Brasil: os anos de autorita-

rismo); Ficção 80 - dobradiças e vitrines. In: ---. Papéis colados. Rio de Janeiro: Editora

UFRJ, 1993. p. 239-252), afirma que:

a) o romance-reportagem e o conto-notícia da década de 70 são a terceira mani-

festação do naturalismo (entendido naturalismo como ocultamento da ficcionalidade em

prol de uma maior referencialidade - p. 37), traço definidor da literatura brasileira, sem-

pre preocupada com a fundação de uma identidade nacional (p. 36) no Brasil - as anteri-

ores foram o Naturalismo propriamente dito do século XIX, sob o império das ciências

naturais, e o romance-social dos anos 30, sob o império dos fatores econômicos, en-

quanto o romance-reportagem estaria sob o império das ciências da comunicação, carac-

terizando, respectivamente, o caso clínico, o ciclo e o flagrante) - Tal Brasil.., p. 87-88.;

b) o romance-reportagem (José Louzeiro, João Antônio, Aguinaldo Silva) reto-

mou casos policiais já tratados pela imprensa e se propôs a ampliá-los, numa reporta-

gem mais extensa que a do jornal (ibidem);

c) nesse tipo de ficção, por um jogo de correspondências simbólicas, a redação

do jornal é a sociedade, o jornalista é o herói, o texto é a fotografia da realidade (ibi-

dem);

d) são exceções a essa tendência naturalista: Zero (Ignácio Loyola Brandão) e

Quatro-Olhos (Renato Pompeu) – ibidem,.p. 185 ;

e) não foi a censura o principal fator responsável pelo tipo de literatura produzi-

da no Brasil depois de 64 (Literatura e vida literária, p. 10);

f) o regime militar desenvolveu uma "estratégia da aranha", que teve as seguin-

tes fases: tolerou o protesto até 1968, desde que longe do povo; praticou a repressão em

seguida, até 1974; instituiu a coptação a partir de 1975, fraturando a esquerda (ibidem),

p. 12;

g) as polêmicas que marcaram os anos 70 (“patrulhas ideológicas", "estrutura-

lismo" etc .) foram oportunidades práticas de auto-valorização dos que nelas se envol-

veram (José Guilherme Merquior, por exemplo) - ibidem;

h) foram as seguintes as formas de ficção praticadas no período:

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h. I - "literatura-verdade" (Fernando Gabeira, Alfredo Sirkis e outros) x Em li-

berdade (Silviano Santiago);

h.2 - "bufonerias da tortura" (Rubem Fonseca, com "O exterminador"; Sérgio

Sant'Anna, com Confissões de Ralfo; João Gilberto Noll, com Alguma coisa urgente-

mente);

h.3 - "o cárcere do eu” (as memórias políticas, o memorialismo, os relatos auto-

biográficos) como tentativa de "recuperar a intimidade com o leitor" (Pedro Nava, Mar-

celo Rubens Paiva, Eliane Maciel); as "aventuras de um ego picaresco" (Paulo Lemins-

ki); os "folhetins históricos" (Márcio Souza);

h.4 - "salada de Salomão" (Wally Salomão e o ”estilhaçamento do narrador");

h.5 - "neonaturalismo" do romance-reportagem de par com o fantástico alegóri-

co (Moacyr Scliar, Érico Veríssimo, Murilo Rubião, José J. Veiga - como primado da

referência e recalque da ficcionalidade; textos predominantemente documentais; nos

anos 80, abandono da vertente realista, praticando:

h.5.1 - caçadas-lógico-fatais da novela policial (Bufo & Spallanzani);

h.5.2 - dicção ensaístico-reflexiva (Stella Manhattan e O nome do bispo);

h.5.3 - transparência irônica - João Gilberto Noll.

h.6 - "trilha do delírio", em Armadilha para Lamartine (Carlos Sussekind), Qua-

tro-Olhos (Renato Pompeu), como problematização da figura do narrador (ibidem).

David Arrigucci Jr. (Achados e perdidos: ensaios de crítica. São Paulo: Polis,

1979; ou ENTREVISTA/DEBATE. Jornal, realismo, alegoria (O romance brasileiro

recente). In: ARRIGUCCI JR., Davi et alii. Ficção em debate e outros temas. São Pau-

lo: Duas Cidades, 1979. p. 11-50. Coleção Remate de Males, 1), observa que:

a) pode-se observar uma tendência muito forte na “ficção de setenta para cá”

(1979) de voltar à literatura mimética próxima do realismo e com um lastro muito forte

no documento, através de uma espécie de neo-naturalismo ligado às formas de represen-

tação do jornal - caso do romance-reportagem (p. 11 ;

b) o romance praticado na época era essencialmente alegórico, pois “através de

um fato específico tende a aludir a uma situação mais geral” (p. 12); exemplos: Cabeça

de papel (Paulo Francis), Reflexos do baile (Antonio Callado) e Lúcio Flávio (José Lou-

zeiro), romances que “têm uma vontade de dizer o que é a totalidade” (p. 28); outros

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romances (Zero, Quatro-Olhos, A festa, por exemplo) também se enquadram na catego-

ria de “alegóricos”;

c) o nível de qualidade baixou “muitíssimo” com relação ao romance de 30/40

até Guimarães Rosa e Clarice Lispector (p. 44-45);

d) ficção e história: romance-vicário, pois a história ainda não existe como dis-

curso (p. 18); o ponto de vista do escritor (seja ou não o romance escrito em primeira

pessoa) é o centro (p. 32).

Janete Gaspar Machado (Os romances brasileiros nos anos 70. Florianópolis:

Editora da UFSC, 1981), ressalvando que suas conclusões aplicam-se apenas aos 10

romances escolhidos - A festa (Ivan Ângelo), Mês de cães danados (Moacyr Scliar), Em

câmara lenta (Renato Tapajós), Os que bebem como cães (Assis Brasil), Cabeça de

papel (Paulo Francis), Galvez, o Imperador do Acre (Márcio Souza), Quatro-Olhos

(Renato Pompeu), Essa terra (Antonio Torres), Caso Morel (sic - Rubem Fonseca),

Confissões de Ralfo (Sérgio Sant’Anna) e Zero (Ignácio de Loyola Brandão), arrisca ,

na Conclusão, dizer que:

a) os romances lidos, sem exceção, acham-se comprometidos com determinado

momento histórico brasileiro (p. 156);

b) neles é uma constante a reflexão poética explícita ou implícita;

c) um resultado da articulação entre proposta poética e sua realização é o recurso

da fragmentação (p. 157);

d) os traços característicos observados nos dez romances estudados - anulação

das fronteiras entre realidade e imaginação, questionamento obsessivo de valores histó-

ricos, estéticos e existenciais, denúncia contra a ordem repressiva e contra a violência

social, desarticulação da lógica do começo, meio e fim e do perspectivismo, persona-

gens sem funcionalidade heróica, entre outros - são recursos da tradição literária que os

romancistas em causa revitalizam em seu poder comunicativo;

e) o maior mérito dos textos estudados é, basicamente, o de “fixar e dar estabili-

dade a recursos explorados em datas anteriores” (p. 159):

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Heloísa Buarque de Hollanda e Marcos Augusto Gonçalves (Política e litera-

tura: a ficção da realidade brasileira. Anos 70 - Literatura. Rio de Janeiro: Europa,

1979-1980. p. 7-81), a par da coleta de depoimentos de escritores, afirmam que:

a) dois escritores veteranos - Antonio Callado e Érico Veríssimo - “vão lograr

maior repercussão expressando as dificuldades desse novo momento”, e com eles a lite-

ratura assume o compromisso de ser “testemunha ocular da história” (p. 13);

b) além do romance político, destaca-se uma outra forma “ligada ao relato teste-

munhal”: a “memória”, englobando o memorialismo e o “registro alegórico, ou quase,

da realidade imediata” (p. 17) e 19);

c) além dessas tendências, observou-se um “boom da literatura pasteurizada da

classe média” (Ibrahim Sued, Marisa Raja Gabaglia etc., “o lixo do vazio”- p. 19-20); a

que se opõem livros como Me segura qu’eu vou dar um troço, de Wally Salomão;

d) João Antonio constitui um “caso”, pois tematiza o povo e está “comprometido

de peito aberto com a realidade brasileira” (p. 49) e é um “neo-naturalista bem intencio-

nado” (p. 51);

e) a voga do romance-reportagem estabelece o “compromisso entre o pressupos-

to da objetividade jornalística e de uma certa intervenção do subjetivo”, aquilo que faria

dessa literatura literatura de fato;

f) o romance-reportagem indicia uma tendência mais geral da ficção dos anos 70,

uma espécie de “neonaturalismo ligado às formas de representação do jornal”, em al-

guns casos de forma problematizadora (A festa, de Ivan Ângelo; Zero, de Ignácio de

Loyola Brandão; Quatro-Olhos, de Renato Pompeu; Armadilha para Lamartine, de

Carlos Sussekind; por exemplo);

g) o conto, ao contrário da poesia dita “marginal”, apresenta, de parte dos escri-

tores “novíssimos”, um compromisso de profissionalização e de inserção no mercado.

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3 - O ROMANCE POLÍTICO EM TRÊS AUTORES REPRESENTATIVOS: ANTONIO CALLADO,

ROBERTO DRUMMOND E HELONEIDA STUDART

3.1 - O aprendizado de Brasil na ficção política de Antonio Callado 3.1.1 - As posturas discursivas do narrador: o ritmo lento até a precipitação final

em Sempreviva; o estilhaçamento do relato e a virtual ausência do narrador em Reflexos

do baile; a linearidade do relato em Bar Don Juan; os blocos narrativos e a epicidade

narrativa em Quarup.

3.1.2 - O caráter ensaístico da ficção política de Antonio Callado: não apenas na

seleção de assuntos (o “caráter nacional” em Quarup, o voluntarismo como opção de

luta política em Sempreviva etc.), mas também na atribuição às personagens de falas

marcadas pelo gosto da polêmica (Bar Don Juan, Quarup) e/ou no derramamento de

uma erudição localizada (teologia, farmacologia - em Quarup; guerrilha, intelectualis-

mo - em Bar Don Juan; botânica - em Sempreviva).

3.1.3 - A discrição do narrador (acentuada “exterioridade” na representação fic-

cional) e a delegação às personagens de uma função esclarecedora sobre elementos da

estória: remissões a dados anteriores, descrições de ambientes e/ou personagens, de que

resulta, por vezes, certa opulência “barroca” nas falas.

3.1.4 - As marcas de referencialidade histórica (nomes próprios de personalida-

des históricas, de instituições, de eventos etc.) e o seu relativo esbatimento, substituídas

por marcas de invenção ficcional, sem prejuízo da taxa de verossimilhança da narrativa,

nem de sua “conversão” à realidade empírica.

3.1.5 - O sentido alegórico da ficção de Antonio Callado: a recorrência a símbo-

los tais como o útero feminino (em Quarup), a atração magnética da terra, em especial o

centro geográfico do Brasil (em Quarup e em Sempreviva), o aprendizado do amor e da

luta política (em Quarup), a loucura (em Reflexos do baile), a culpa e sua purgação (em

Quarup, em Sempreviva), o batismo (em Quarup).

3.1.6 - A articulação desse sentido alegórico à construção de um universo ficcio-

nal rigorosamente contido em moldes realistas, sem qualquer recorrência a elementos

insólitos e inverossímeis - o mágico, o fantástico, o maravilhoso etc.

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3.1.7 - A natureza sismográfica da ficção política de Antonio Callado: romances

que são resposta imediata aos problemas da realidade brasileira contemporânea ( utopia

revolucionária em Quarup, a “doença” da luta armada e sem sentido em Bar Don Juan e

Reflexos do baile, o voluntarismo da vingança pessoal em Sempreviva).

3.1.8 - O “indianismo” particularmente desencantado: a representação ficcional

do índio brasileiro já “caído”, distante de qualquer idealização positiva (em Quarup,

Concerto carioca e A Expedição Montaigne).

3.1.9 - A visitação ao universo dos repressores e conseqüente enriquecimento da

representação ficcional, mediante atribuição de uma voz argumentativa aos torturadores

(o coronel Ibiratinga - Quarup; os (agora) estancieiros de Sempreviva).

3.1.10 - A questão da identidade nacional brasileira e seus correlatos: o ufanis-

mo, a cordialidade, a tropicalidade etc. e sua articulação com o projeto estético-

ideológico de Antonio Callado, dedutível da leitura de seus romances e. subsidiariamen-

te, de outras fontes de informação (entrevistas, bibliografia crítica, obras de cunho jor-

nalístico etc.).

3.1.11 - Bibliografia: a) obra de ficção de Antonio Callado: 1) Assunção de Salviano (1954) – romance 2) A madona de cedro (1957) – romance 3) Quarup (1967) – romance 4) Bar Don Juan (1971) – romance 5) Reflexos do baile (1976) – romance 6) Sempreviva (1981) – romance 7) A Expedição Montaigne (1982) – novela 8) Concerto Carioca (1985) – romance 9) Memórias de Aldenhan House (1989) 10) O homem cordial e outras histórias (1993) - contos b) sobre a obra de Antonio Callado: 1) ARRIGUCCI Jr., Davi. O baile das trevas e das águas. In: ---. Achados e

perdidos. São Paulo: Polis, 1979. p. 59-75. 2) BASTOS, Alcmeno. O aprendizado de Brasil na ficção política de Antonio

Callado. In: ARAGÃO, Maria Lúcia Poggi de & MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Org. América: ficção e utopia. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura; São Paulo: EDUSP, 1994. p. 487-500.

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3) ------. Um aprendizado de Brasil – o romance político de Antonio Callado. In: ---. A História foi assim: o romance político brasileiro nos anos 70/80. Rio de Janeiro: Caetés, 2000. p. 17-41.

4) CALLADO, Antonio. Entrevista. In: ---. Antonio Callado. Seleção de textos

etc. por Lígia Chiappini Moraes Leite. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p. 146-154.

5) CASTELLO, José. Callado atravessa o espelho. Jornal do Brasil - Idéias.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 1988, p. 5.

6) COSTA, Édison José da. Quarup: tronco e narrativa. 2. ed. Editora da Uni-versidade do Paraná, 1998.

7) FIGUEIREDO, Vera Follain de. Ruínas da utopia: uma leitura dos romances

de Antonio Callado. Iberoromania. No 38 - A problemática social na literatu-ra brasileira. Tübingen (Alemanha): Max Niemeyer Verlag, 1993. p. 101-110.

8) ------. Antonio Callado; a falência do projeto histórico. In: ---. Da profecia

ao labirinto: imagens da histórica na ficção latino-americana contemporâ-nea. Rio de janeiro: Imago/Editora da UERJ, 1994. p. 95-107.

9) GULLAR , Ferreira. Quarup, ou ensaio de desencucação para brasileiro. Re-

vista Civilização Brasileira no 15. Rio de Janeiro, 1967, p. .

10) LEITE, Lígia Chiappini Moraes. Quando a pátria viaja: uma leitura dos ro-mances de Antonio Callado. In: ---. Artes plásticas e literatura. São Paulo: Brasilinse, 1982. p. 129-267.

11) ------. Nem lero nem clero: historicidade e atualidade em Quarup. In: Revista

Brasileira de Literatura Comparada. No 2. São Paulo: ABRALIC, 1994. p. 97-108.

12) MALLARD. Letícia. Análise contrastiva de O que é isso, companheiro?, de

Fernando Gabeira, e Reflexos do baile, de Antonio Callado. In: AGUIAR Melânia Silva de et alii. O eixo e a roda. Belo Horizonte: Universidade Fe-deral de Minas Gerais, 1982. p. 75-120.

13) PINTO, Cristina Ferreira. Mito e realidade política em Sempreviva de Anto-

nio Callado. In: BRASIL/BRAZIL. Revista de Literatura Brasileira/A Jour-nal of Brazilian Literature. n. 1, 1988, p. 7-16. Porto Alegre: Mercado Aber-to/Providence (USA), 1988.

14) PONTES, Mário. Reflexos renovados do baile. Jornal do Brasil - Idéi-

as/Livros. Rio de Janeiro, 07 de junho de 1997. p. 3.

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15) SANTIAGO, Silviano. Ficção de Callado revela sua visão de mundo, via so-cial e literatura. Jornal do Brasil - Idéias/Livros. Rio de Janeiro, 10 de abril de 1993, p. 3.

16) SILVERMAN, Malcolm. A ficção em prosa de Antonio Callado. In: ---.

Moderna ficção brasileira. Trad. João Guilherme : Linke. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL-MEC, 1978. p. 19-30.

3.2 - A visão “carnavalizada e lisérgica” da realidade brasileira: o realismo oblíquo de Roberto Drummond 3.2.1 - A proposta de um “ciclo da Coca-Cola” como sucessor de outros “ciclos”

da literatura brasileira (o “da cana de açúcar”, o “do cacau”): limites de vigência, senti-

do da proposta e resultados observáveis.

3.2.2 - A “literatura pop”: sentido e abrangência do termo, possíveis relações da

ficção de Roberto Drummond com a música popular e com a Pop Art anglo-americana

dos anos 50/60.

3.2.3 - O peso das “marca registradas”: presença inflacionada das “marcas” co-

mo índices de contemporaneidade e urbanidade da ficção de Roberto Drummond; nive-

lamento do permanente ao passageiro; indistinção entre realidade e simulacro.

3.2.4 - A referencialidade oblíqua: corte transversal na realidade empírica – ma

vida brasileira nos anos 50-80 - e transposição das “marcas registradas” dela oriundas

para um universo ficcional assinalado pelo insólito.

3.2.5 - A escrita “sonâmbula” do narrador de Roberto Drummond; descontinui-

dade, fusões arbitrárias, desfechos imprevistos e inverossímeis, constância das idéias de

pesadelo, alucinação, pré-visão etc.

3.2.6 - O dado político na ficção de Roberto Drummond: presença de elementos

referenciadores da vida política brasileira, mesmo sob aparência alucinatória.

3.2.7 - A hipertrofia dos significantes: “marcas registradas” que, na condição

primária de signos, têm significantes autonomizados em relação aos significados, como

formas (quase) vazias, disponíveis para a arbitrária manipulação da matéria de extração

histórica.

3.2.8 - A produção do insólito e do inverossímil a partir de elementos verídicos

na sua origem: a recorrência a dados alegóricos e a questão da verossimilhança.

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.3.2.9 - A carnavalização da História: personagens que “aparecem fantasiadas de

pessoas reais” (Sangue de Coca-Cola) como paródia do “roman à clef”; a inver-

são/suspensão da normalidade; o “desfile” de figuras e situações grotescas; a sobrenatu-

ralidade alegórica.

3.2.10 - A atenuação do alucinatório: novos caminhos na ficção de Roberto

Drummond a partir de Hitler manda lembranças (1984): o tom autobiográfico de Hilda

Furacão; outros aspectos.

3.2.11 - Bibliografia:

a) obra de ficção de Roberto Drummond: 1) A morte de D.J. em Paris (1975) – contos. 2) O dia em que Ernest Hemingway morreu crucificado (1978) – romance. 3) Sangue de Coca-Cola (1980) – romance. 4) Quando fui morto em Cuba (1982) – contos. 5) Hitler manda lembranças (1984) – romance. 6) Ontem à noite era sexta-feira (1988) – romance. 7) Hilda Furacão (1991) – romance. 8) Inês é morta (1993) – romance. 9) O homem que subornou a morte (1993) – contos. 10) O cheiro de Deus (2001) – romance. 11) Os mortos não dançam valsa (2002) – romance. b) sobre a obra de Roberto Drummond:

1) BASTOS, Alcmeno. O realismo oblíquo de Roberto Drummond. In: Ensaios

de semiótica. Cadernos de lingüística e teoria da literatura. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 1985. p. 9-24.

2) ------. O realismo oblíquo de Roberto Drummond – uma visão “carnavaliza-

da e lisérgica do Brasil”. In: ---. A História foi assim: o romance político brasileiro nos anos 70/80. Rio de Janeiro: Caetés, 2000. p. 131-148.

3) ------. O fantástico clã dos Drummond. Jornal do Brasil. Caderno B, 16 e

agosto de 2001, p. 4.

4) CASTRO, José de e SENNA, Marta de. Roberto Drummond: um novo ro-mance em clima de euforia. Entrevista e Resenha. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil , 1984. Entrevista e resenha a propósito de Hitler manda lembran-ças.

5) CURVELLO, Aricy. O dia em que Ernest Hemingway foi crucificado. In:

Encontros com a Civilização Brasileira. Nº 7, janeiro de 1979, p. 280-283. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

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6) MARTINS, Wilson. Literatura "pop". Rio de Janeiro: Jornal do Brasil Livro, 05.02.83, p. .

7) MARTINS, Wilson. Encontros marcados. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil. Idéias/Livros & Ensaios, 17.10.92, p. 10. Sobre Hilda Furacão.

8) MEDEIROS, Charles Magno. A pior censura é a dos próprios intelectuais. Entrevista. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, Livro, 11.11.78, p. .

3.3 - Os estandartes do horror na ficção política de Heloneida Studart 3.3.1 - O peso (possível) da militância política da autora, incluído seu engaja-

mento no movimento feminista (Mulher – objeto de cama e mesa (1982), por exemplo)

na constituição da obra ficcional de Heloneida Studart.

3.3.1 - A posição das personagens femininas ante o drama político de que parti-

cipam: comparação possível entre elas, levando em conta o grau de envolvimento de

cada uma; por exemplo: entre Marina (O pardal é um pássaro azul) e Açucena (O es-

tandarte da agonia).

3.3.3 - A ambiência “nordestina” na ficção de Heloneida Studart: a representa-

ção ficcional de um mundo sombrio e opressivo, dominado por figuras matriarcais - Vó

Menina (O pardal é um pássaro azul), por exemplo -, propiciador de experiências mís-

ticas (a romaria de Açucena, Carmélio e outros, em O torturador em romaria, por e-

xemplo), e sua articulação com a representação fccional de um Brasil marcado pela re-

pressão dos anos 70.

3.3.4 - O peso da matéria de extração histórica nos três romances e sua corres-

pondência referencial a dados da realidade brasileira dos anos 70/80, em especial em O

estandarte da agonia.

3.3.5 - A atribuição de uma “voz” à figura do torturador (Militão, em O estan-

darte da agonia; Carmélio, em O torturador em romaria): alcance desse gesto ficcional

para o melhor entendimento, via representação ficcional, da realidade política brasileira.

3.3.6 - Os problemas de postura discursiva decorrentes da atribuição dessa “voz”

ao torturador, considerando-se ser essa a figura odiada do “outro” no imaginário político

brasileiro; a questão da coerência e da verossimilhança na composição ficcional desse

tipo tão incomum na literatura do período.

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3.3.7 - A constelação temática da ficção de Heloneida Studart: a mulher, a culpa,

a loucura, o sistema social repressor (em especial, no Nordeste; e não apenas no campo

político), os desejos reprimidos e o preço pago pelo seu ocultamento, o amor “proibido”

(Marina e João, em O pardal é um pássaro azul); Doninha e Célio, em O torturador em

romaria); a articulação desses dados com o dado político dominante.

3.3.8 - O ponto-de-vista feminino como elemento estruturador da narrativa; o ha-

lo poético de O pardal é um pássaro azul como possível decorrência dessa opção narra-

tiva, por exemplo; ou o centramento na devoção obsessivamente materna de Açucena

pelo filho, em O estandarte da agonia.

3.3.9 - O senso de tragédia na ficção política de Heloneida Studart; personagens

cuja trajetória parece marcada pela inexorabilidade de sua destruição.

3.3.10 - Bibliografia:

3.3.11 - Bibliografia:

b) obra de ficção de Heloneida Sutdart: 1) A primeira pedra (1953) – romance. 2) Dize-me o teu nome! (1956) – romance. 3) A culpa (1964) – romance. 4) O pardal é um pássaro azul (1975) - romance. 5) Deus não paga em dólar (1976) – romance. 6) O estandarte da agonia (1981) – romance. 7) O torturador em Romaria (1986) – romance. 8) A Deusa do Rádio e outros deuses (1995) – romance. 9) Jesus de Jaçanã (2000) – romance. 10) Selo das Despedidas (2000) – romance.

b) sobre a obra de Heloneida Studart:

1) BASTOS, Alcmeno. Os estandartes do horror – o romance político de Helo-neida Studart. In: ---. A História foi assim: o romance político brasileiro nos a-nos 70/80. Rio de Janeiro: Caetés, 2000. p. 93-108.