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Romance Sabiá Do Meu Terreio - Jefferson Matheus

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Trata-se de um pequeno romance escrito por Jefferson Matheus.

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Page 1: Romance Sabiá Do Meu Terreio - Jefferson Matheus

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Romance: Sabiá do meu terreiro

Jefferson Matheus Lima dos SANTOS

20016

Reprodução/Google Imagens.

I

AOS VINTE e nove dias do mês de Fevereiro de 2016, na capital sergipana, onde

eu morava, despertei com um som diferente. Olhei entre as brechas da porta de entrada e

não vi ninguém. Devia estar sonhando, mas o som era tão real quanto meu nascimento. O

sono fora embora. Fiquei assustado, pois o som que ouvira, vinha simplesmente do nada,

era tão melancólico e ao mesmo tempo eufórico. Realmente era muito estranho! E uma e

mais uma vez ele entoava nos meus ouvidos um som muito sereno. Fazia-me lembrar das

trilhas sonoras dos romances, daqueles contos de "felizes para sempre". E sempre que o

procurava, nem o rasto, se quer, eu o via. As horas iam se passando e o danado do

repertório carrancudo me procurava feito uma mãe apavorada atrás do seu filho perdido.

Aquilo me incomodava muito, não pela intensidade do barulho, mas pela curiosidade que

me sacudia os pensamentos de tudo que era ruim. Logo, quando pensei em desistir, o som

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silenciou meus ouvidos de burro. Então continue o dia como se nada tivesse acontecido.

Tomei o café da manhã com a minha avó materna, D. Bondade, que sempre acordara

cedo, pois além de ter que tomar a insulina (por conta da Diabete), tinha o hábito de

despertar-se muito cedo. Ela sempre fora muito cautelosa e zelosa para com os filhos,

netos, bisnetos, tataranetos, etc. Sempre do mesmo jeito, com seus cabelos grisalhos, suas

preocupações alheias e seu jeito de mato. Todavia, dava conselhos valiosos para meus

primos. Uma vez ela me dissera que eu não podia desistir da minha formação acadêmica

(isso foi quando eu tive dificuldades para ingressar no curso superior), pois tudo daria

certo, e deu mesmo. Mas tarde, a minha tia Firmina, também se juntara à mesa farta.

- A bênção minha mãe; bom dia José.

Durante o café da manhã, assistíamos o jornal regional, como era de costume. Eu

tentava de tudo para não me recordar do acontecido. Mas a minha mente me apunhalava

como numa guerrilha de irmãos. Eu tinha que me contentar com o mistério. O difícil era

conseguir.

II

DECIDI GUARDAR segredo sobre o acontecido. Sabia que elas iriam me chamar

de louco ou coisa do gênero. Elas nem se importavam com minhas teses e meus

argumentos de quimera. A minha tia Firmina, sempre implicava comigo:

- Esse menino só fala besteira. Mãe não der atenção às bobagens de José. Dizia a

tia mais chata que eu tinha.

Uma vez, ouvi minha avó conversando com tia Zenaide, que morava numa casa

ao lado da nossa, sobre meus comportamentos, dizia que eu tinha a quem puxar: A minha

mãe, Mirtes.

- Ah mãe! José age igual a sua filha mal educada. Pobrezinho.

A minha mãe morava com minha irmã, Janaina e com meu padrasto, Castro, num

pequeno povoado do alto sertão sergipano, o Povoado Curituba. Quase ninguém gostava

da minha mãe, porque ela tinha seus modos de lidar com pessoas iguais a tia Firmina.

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Minha mãe brigava com todos. Por isso amo-a eternamente, pois ela brigou por mim, pelo

meu futuro, pelo meu eu. Enfrentou os meus inimigos e meus medos, para me ver feliz.

Contudo, uma mãe Guerreira e destemida, porém mal compreendida. Tive que deixá-la,

por conta da faculdade, já que no povoado em que morava, não havia oportunidades para

ninguém, era um lugar bom de morar, mas difícil de viver.

III

SÓ HAVIA uma pessoa que me dava atenção: Minha prima, Bia, filha de tia

Zenaide e irmã de Geórgio e de Marcos, cujos, moravam sempre com a tia Zenaide, que

era separada do meu tio Álvaro. Tudo que acontecia de ruim comigo, só a minha prima

Bia sabia. Ela com seus cabelos de baiana, sua voz tenebrosa e seu aroma de fada, me

dava os mais belos conselhos de primos. Mas mesmo assim, não quis contá-la do esquisito

acontecimento. Então, fui para a biblioteca da faculdade na qual cursava Letras -

Português/Espanhol, peguei os coletivos lotados, ainda pela tarde, e comecei a refletir

sobre o acontecido. Entretanto, pela ironia ou não do destino, em meio a milhares de

livros, ouvi novamente aquele som sombrio. Parei feito uma estátua, e o coração

aceleradamente me agoniava. E passados alguns minutos, o silêncio voltava a predominar

naquele campo de pesquisa acadêmica. O tempo de repente, acelerou para mim. Já

chegara a hora das minhas aulas. Tomei um delicioso cafezinho com minha melhor amiga,

Maria Clara, uma menina dócil e carinhosa, tinha a minha idade, 18 anos, porém não tinha

mãe, morrera de câncer - pelo que sei -, Maria Clara morava com seu pai, Aroldo no

Bugio. Eu como um apaixonado bobo, amava tudo o que ela fazia. Depois de tomado

nosso café, seguimos em frente, e eu agi como se - mais uma vez - nada tivesse

acontecido.

IV

DEUS QUEIRA que eu chegue cedo em casa. A fome aumentava a cada segundo.

Minha mente voltara a me recordar e fazer-me pensar em coisas ruins por causa daquele

misterioso som. Continue guardando segredo sobre ele. No ponto do ônibus, ouvia

novamente o som, só que mais distante, era como se ele tivesse partindo e querendo me

falar alguma coisa urgente. Logo, minha reação fez-me cego e não vi o ônibus que chegara

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e parara na minha frente. Tudo cooperava para meu descaso. Só depois, com o severo

silêncio, vira o ônibus partindo.

- Que sorte a minha! Affs.

Fiquei muito angustiado, e quando menos esperava, outro ônibus chegara ao

ponto. Parti feito um cão ao encontro do seu dono. E quando cheguei em casa, comi igual

um leão faminto, fiz um belo poema inspirado em Maria Clara, arrumei minha cama fria,

fechei os olhos, mas não consegui dormi. O som intensificava a cada ronco que tia

Firmina soava. Levantei da cama e fiquei perambulando no corredor da casa. Até que

parou, tudo se silenciou. Dormi muito pouco, acordei com uma dor de cabeça insuportável

e a minha avó Bondade, falando abobrinhas. Segui a rotina árdua da vida acadêmica.

Neste dia, nem um ruído do tal som, eu ouvia. E ao contrário de antes, eu sentia-me

abençoado. Liberto daquele opressor sonoro. Mas confesso que senti muita saudade.

Chegando à biblioteca, encontrei Maria Clara. Ali estudamos juntos para um trabalho de

metodologia do trabalho científico. Ela, do nada, contou-me tudo, disse-me que estava

preocupada e sem dormir direito. Eu, por coincidência, indaguei-a, porque também não

dormia direito, etc.

-Maria Clara, minha flor. O que houve?

E perceptivelmente, eu ouvia de seus belos lábios, um acontecimento igual ao

meu, sobre um som apavorador, que eu também ouvia. E ficamos ali, abraçados por

alguns segundos. A emoção tomou conta do ambiente. Eu queria protegê-la, mas a ingrata

da minha flor, fora embora sem ao menos, me dar um "Tchauzinho".

V

NOUTRO DIA, a saudade do som aumentara. Eu me sentia culpado pela partida

do pobrezinho. E também da Maria Clara. Eu estava ansioso, para me reconciliar com

minha flor. Cheguei cedo à biblioteca da faculdade. Esperei, esperei e esperei. Mas nem

um sinal de vida de Maria Clara. Ela não veio fazer o trabalho. Fiquei pasmo e

preocupado.

- Devo ter deixado-a assustada.

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Na sala de aula, ela chegara atrasada. Eu a observava a todo o momento. Percebi

que ela estava nervosa com algo, pelo balançar repentino dos pés. Saímos mais cedo da

faculdade, não fora porque não tínhamos aula, mas porque ela aceitou meu convite para

que pudéssemos conversar um pouco. Em meio a diálogos expelidos pelos belos lábios

da minha flor, descobri algo esplêndido: A reação desavisada de Maria Clara, não fora

por minha causa.

-Ufaa! Ainda bem, menos mal.

Maria Clara contou-me que havia um mistério desde muito tempo, e que só agora

se caiu à ficha. Sua mãe um dia antes de falecer, contou-a algo, com essas palavras:

- Minha flor! Não se deixe ser levada pelos desejos precipitados da juventude. Não

se preocupe se o vazio te alcançar, eu cantarei para você todos os dias, com o som da

minha alma agasalhadora. Seu verdadeiro amor te encontrará por acaso, e no caso vocês

se entenderão perfeitamente, pois ele também me ouvirá, mas no tempo certo. A

experiência que você viverá, minha querida, você deverá contar para o rapaz que você

quer para si. Mas após, você deverá provocá-lo. No primeiro sinal, saia da presença dele.

Deixe-o procurar você. E por fim, vocês se completarão, de fato, e se fundirão, como uma

alma gêmea. Te amo filha! Tenha um bom dia.

Neste momento, meus olhos choraram rios de lágrimas. Meu amor por Maria

Clara se tornou profundamente verdadeiro. Beijamo-nos! Casamo-nos! Formamos uma

família. E no meu terreiro, continuo a ouvir um sabiá que não para de entoar o som do

meu amor.