86
1

ROMÃS DE VIDRO

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Neste "Romãs de vidro" os Haicais parece querer falar conosco, nos dizer algo acerca do que ainda não nos é dado saber. Eles vem igual partículas sagradas de um ostensório, onde a sublimação artística faz ressonância verbal e temporal à identidade regional a que estão inseridos. Neste "Romãs de vidro" a Ionete Brito encontrou a medida certa do sacrário, seus Haicais são lavras que nos guia a um mergulho jamais imaginado, eles nos ajuda a entender, natural e contextualmente, os estilhaços da uma personalidade ansiosa e criativa, apontando-nos uma vida em constante inquietude primaveril.

Citation preview

Page 1: ROMÃS DE VIDRO

1

Page 2: ROMÃS DE VIDRO

2

Page 3: ROMÃS DE VIDRO

ROMÃS DE VIDRO

3

Page 4: ROMÃS DE VIDRO

Copyright © Ionete BritoDireitos desta edição reservados à Ionete [email protected] Redenção – Pará - Brasil

4

Page 5: ROMÃS DE VIDRO

Ionete Brito

ROMÃS DE VIDRO

5

Page 6: ROMÃS DE VIDRO

ROMÃS DE VIDRO

Capa: Alufá-Licutã OxorongáDigitação: Ionete BritoEditoração: Ionete BritoRevisão: Ionete Brito

Ficha catalográfica:Brito, IoneteROMÃS DE VIDRORedenção-Pará – Brasil - América Literatura Paraense - poesia

6

Page 7: ROMÃS DE VIDRO

"Abre a romã, mostrando a rubicunda Cor, com que tu, rubi, teu preço perdes; (...........)" Luis Vaz de Camões, Os Lusíadas,IX,59

7

Page 8: ROMÃS DE VIDRO

8

Page 9: ROMÃS DE VIDRO

APRESENTAÇÃONeste "Romãs de vidro" encontramos uma poesia em estado de maturação. Uma poesia que, tendo já vivenciando os prazeres e as intempéries da vida encontra-se pronta para ser colhida. E tal qual o fruto da romanzeira, que guarda no seu interior pequenas sementes possuidoras de uma polpa comestível, este "Romãs de vidro" também possui suas sementes de sabedoria: películas de cores intensas, de cheiros e formas dispares que, harmoniosamente reunido, traz à boca aquele acentuado gosto de quero mais.Quando me veio às mãos este "Romãs de vidro" não o imaginava tão delicioso. Quis devorá-lo de uma só vez, pois desconfiava de seu verdadeiro sabor, mas acabei por comê-lo devagar e demoradamente, como se fosse um antioxidante descendo a garganta e limpando não só o corpo, mas a alma.Neste "Romãs de vidro" os Haicais parece querer falar conosco, nos dizer algo acerca do que ainda não nos é dado saber. Eles vem igual partículas sagradas de um ostensório, onde a sublimação artística faz ressonância verbal e temporal à identidade regional a que estão inseridos. Neste "Romãs de vidro" a Ionete Brito encontrou a medida certa do sacrário, seus Haicais são lavras que nos guia a um mergulho jamais imaginado, eles nos ajuda a entender, natural e contextualmente, os estilhaços da uma personalidade ansiosa e criativa, apontando-nos uma vida em constante inquietude primaveril. E não há angústia ou dor, tudo se desapega e se desprende naturalmente, como folhas secas no outono. A busca interminável pelo fugaz faz de cada Haicai contido neste "Romãs de vidro" um ofício de revelação. Tudo aponta para o mistério: os avanços, os recuos, as descobertas, as aliterações e até mesmo as ocultações

9

Page 10: ROMÃS DE VIDRO

renitentes são momentos únicos de reflexão sobre as muitas estações que permeia toda uma vida. E que nos salta aos olhos com graça sugestiva de uma noite de verão. Ionete Brito é, sem dúvida, uma 'haicazeira' (não confundir com raizeira, embora as duas funções se completam, uma, sendo bálsamo para a alma e a outra, para o corpo). Ionete Brito, neste "Romãs de vidro" desnuda-se em uma poeta do instante, do acaso e do transitório. Ela se apresenta concisa, precisa e sem rodeios. Passeia, livremente, em sintonia com a carga sensível que permeia toda a sua vida. O encontro casadouro com o Haicai, o tom espontâneo da natureza e a beleza plástica e poética de cada cena nos alarga a mente e traz consolo ao coração. Ela nos apresenta o sol, a chuva, as flores, os insetos, os pássaros, enfim, todas as mutações repentinas e cotidiana da vida com pinceladas tão suave que toca o nosso ser, e nos deixa querendo imortais.Neste "Romãs de vidro" podemos contemplar um por de sol se ocultando, devagarinho, no ignoto horizonte, abrindo caminho para que a lua se apresente em toda a sua intensidade "no canteiro de flores / trieiro das formiguinhas- / é final de tarde", ou o amanhã florescendo em seu jardim de paz, como se a vida, de fato, recomeçasse a cada manhã "ja é madrugada - / anuncia um novo dia / o canto do galo". Podemos ver o amarelado e o violácio das borboletas, em suas eternas cultivações de jardins " no jardim florido / borboleta não se cansa / de beijar a flor" ou o solitário vôo de uma mariposa, tímido e errante, sob a luz de uma lâmpada " na luz do poste / faz pirueta e dança / a mariposinha". Podemos ouvir o alegre gorjeio dos pássaros, entre folhas e galhos de encopadas árvores, "lá no quintal / pé de cajú florido: / passarada feliz", ou o aquietar-se, sorrateiro, de

10

Page 11: ROMÃS DE VIDRO

uma lagartixa no muro de uma casa: a lagartixinha / grudada no muro- / diz sim com a cabeça". Não há como resistir a tamanha beleza. Neste "Romãs de vidro" dá pra se ouvir o rumor das asas dos pardais, as folhas e arbustos se movendo sutilmente, daqui, prali, pracolá, a dor sistemática de um velho oiti caído ao solo, imóvel, satisfeito, inteirado, a policromia das cores, a placidez da natureza, o calor do sol, o doce aroma da terra e das plantas, o cheiro dos frutos sazonais (delicioso pequi), o cheiro quente do ar, a grandeza do firmamento e a luz embriagante do sol. Ionete Brito, neste seu universo haicaístico, tanto se preocupou em graduar o tempo quanto em louvar a paz e, com isto, desnudou toda a plasticidade de sua alma poética nunca dantes conhecida. O sangue haicaístico habitou de uma vez por toda em suas veias, escorrendo em cada poro, em cada vasos sanguíneos, e tudo isto é para mim, um presente de Deus. Ler este "Romãs de vidro" aprazerou a minh'alma e acalmou o meu espírito. E, em meio à tantas controvérsias vivenciais, fiz-me um velho intruso, que, apoiado ao bordão do verso e da poesia, cauteloso e vagarosamente adentra neste "Romãs de vidro" e, com a camisa aberta ao peito, sentindo a brisa da vida que lhe passa benfazeja e com o rosto tostado de sol, pela exposição diária e necessária do viver, se deixa saborear por cada Haicai lido. Por isto eu o recomendo, não apenas como leitura deliciosa (que se come e se sacia), mas como prato necessário (que dá forças e reanima) a todos os momentos desta longa caminhada que é a nossa vida.Ionete Brito, o teu cheiro de vida inebria meus olhos!

Alufá-Licutã OxorongáPoeta

11

Page 12: ROMÃS DE VIDRO

12

Page 13: ROMÃS DE VIDRO

“A vida é mais fantástica do que qualquer fantasia”

Dostoievski

13

Page 14: ROMÃS DE VIDRO

14

Page 15: ROMÃS DE VIDRO

FLASHES DA VIDA I

dona de casana melancolia da tardeprepara o jantar..na velha poltronatricota e cerze as meiasa dona de casa..rajada de ventona estradinha de chãoo oiti caído..ah,que tristezaa morte de uma árvore-que fim infeliz!..na fina teiao inseto debateu-sefim de vida..cheiro de flores-na latada de maracujáscantam os pássaros..diversos cantosno mês de agosto escuto-são os pardaizinhos

15

Page 16: ROMÃS DE VIDRO

.

.florada em setembrofalta pouco para primaveracheiro de flores..

caem devagaras pétalas da roseira-bem-te-vi canta..no canteiro de florestrieiro das formiguinhas-é final de tarde..luz da lamparina:o fogo bruxuleanteatrai os insetos

16

Page 17: ROMÃS DE VIDRO

MELHORES VENTOS I

ah! a libélula!a vida por um fiodepois de fecundar..as flores voltaramo jardim está colorido-acabou o frio..canto de insetosna noite alongadame deixam a pensar..primavera alegre-um casal de velhinhospasseia na praça..hoje caiu chuvaa cravina na janelanão a esperava

17

Page 18: ROMÃS DE VIDRO

OLHARES DE SAUDADE

janelas abertas na casinha do sítio- vento primaveril. . no jardim florido há cravinas e rosas é primavera!

18

Page 19: ROMÃS DE VIDRO

VISLUMBRES

entre nuvensa lua de primavera ri-amor distante..momentos a sósno quintal aqui de casaacácia florida..sol de primaveraa brisa sopra nuvens-a criança espia..fim de tardeo sabiazinho cantando-saudade sem fim..a chuva cessoujoão barreiro da terrafaz sua casinha

19

Page 20: ROMÃS DE VIDRO

MOMENTOS SUSPENSOS

roupa no varal-a borboleta pousadana anágua da vovó..tarde chuvosa-na rede da varandacochila o vovô..primavera azulexalando perfumeamores-perfeito..café da tarde-na mangueira em florfarra de pardais..chuva primaveril:a garota na janelapensa no amor..pétalas rosas-galhos da buganviliaacenam ao vento..flores vermelhaspor cima do telhadotorram ao sol!

20

Page 21: ROMÃS DE VIDRO

CANTO VERNAL

chuva miúdaquietinho ali no fiofilhote de pardal..campo queimadomas o ipê resistentepassou pela prova..quietude:por-do-sol primaveril-sabiá no ninho..chuva primaveril:chegou e fez a alegriado joão-de-barro..ali na colinano alto da árvorearaponga canta

21

Page 22: ROMÃS DE VIDRO

AR PRIMAVERIL

flor de manacásob o beiral do telhadoenfeita a varanda..três libélulasvoejam a poça d'água-vida por um fio!..brisa no capimtarde some no horizonte-lembranças doloridas

22

Page 23: ROMÃS DE VIDRO

BONANÇA VERNAL

veja! que lindo!na corticeira secao ninho de pássaro..na corticeira seca o passarinho se ajeita-cuida dos ovos..fim de tardepousa na antena da tvbando de pardais..depois da chuvano topo da antena-o pardalzinho..tarde vernal:plainando o céu azulo casal de pássaro..depois da chuvaas flores do vizinhoestão mais alegres

23

Page 24: ROMÃS DE VIDRO

ANDANÇAS

chuva sem fim-a calçada coloridacom pétalas da flor..já é visível:pela janela da casa-a acácia em flor..todo dia chegaatrás da fruta madura-o camaleão..sonolência:o tic-tac do relógioé canção de ninar..todos os dias-filhote do gato espreitano muro da casa..beiral da casa-os pombos ficam aguardandoa chuva cessar..após a chuvao sol surge bem tímidopor trás da serra

24

Page 25: ROMÃS DE VIDRO

.

.troveja longe...a chuva de primaveramolha o jardim..dia primaveril:um gato corre no quintalatrás do calango

25

Page 26: ROMÃS DE VIDRO

MELHORES VENTOS II

bela folhagemadornada de gotinhasdo orvalho vernal..sete da manhãantes do despertadorcanta um sabiá..em todo lugarcomo passe de mágicaacácias floridas..ixora floridaborboletas amarelasem vôos rasantes..do galho da árvoreo primeiro canto do diasabiá-laranjeira

26

Page 27: ROMÃS DE VIDRO

HAICAIS PARA CALLIOPE

pingos no varalda mi'a janela observoo colar transparente..manhã nubladacheiro de café no arcasa em silêncio..finda a chuvao dia também finda-lua primaveril.

27

Page 28: ROMÃS DE VIDRO

BUTTERFLY I

na pontinha do pé- bailando sobre a pétala linda borboleta

28

Page 29: ROMÃS DE VIDRO

BUTERFLY II

brisa suave:voejam borboletaspor todo jardim..vai rodopiandoem leves movimentosa bela borboleta

29

Page 30: ROMÃS DE VIDRO

CIGARRA CANTORA

agarrada na cascaa cigarrinha cantoraafina o gogó..ouço a cigarraquem diz que seu cantoa faz estourar?..alegria infinitanas tardes enfadonhascanto da cigarra..no tronco do oitia cigarra faz melodiana tarde longa..a formiga trabalha-e a cigarra sempre atoano um-sete-um..mês de agosto:a cigarra cantandodá um desgosto!

30

Page 31: ROMÃS DE VIDRO

PIRILAMPOS

início de verão-diversos pirilampos clareiam o caminho..noite escura- vaga-lumes sobrevoam brincam de ciranda!..dia de ano-bom-os pirilampos anunciamfesta ao ar livre

31

Page 32: ROMÃS DE VIDRO

CAMINHOS ABERTOS

cintilante céu-na noite fresca de janeiroalguns vaga-lumes..chuva de verão-um vôo do pardalzinhopor entre os pingos..alguns pássarospousados no fio do varal-nuvens de verão...

32

Page 33: ROMÃS DE VIDRO

ANDANÇAS

o um cacarejo:na tarde modorrentaninho de fartura..luz do lampião-à boquinha da noitevoam muriçocas..rangido do portão-na chuvosa manhã de verãoalegre retorno.....passos ligeiros-em meio ao aguaceiroescuto o sino..modorra da tarde:dorme embaixo do bancoum cão magrelo..noite de verãoà caça das cortadeiras-as duas velhinhas

33

Page 34: ROMÃS DE VIDRO

JÁ É VERÃO

no rabo da vacauma mosca insistente-tarde modorrenta..aranha tecelã- entre meio a forquilhaa renda perfeita..maria joaninha-na plantação de morangosquem é quem no canteiro?..já é madrugada-anuncia um novo diao canto do galo

34

Page 35: ROMÃS DE VIDRO

HAIBUM DE VERÃO

antigamente as brincadeiras eram muito diferentes das de hoje. Logo aqui em frente à minha casa havia um pé de pequi (hoje fica do lado de dentro do muro de Seu Bandeira, o homem das buganvileas) e, quando criança, ficávamos vigiando aqueles pequis. Queríamos ver quem apanhava mais frutos. Como ficava do outro lado da rua, 'apurávamos' os ouvidos (como Teiú) e corríamos em disparada até lá. Ficava bem carregadinho, e pela manhã, o chão ficava forrado de pequis bem madurinhos... a criançada ficava até com cheiro de ferrugem de tanto ficar no sol e saircorrendo em direção à velha árvore.....

final da tarde-barulho do pequi que caicorreria de crianças

35

Page 36: ROMÃS DE VIDRO

HAICAIS 106

quintal da vovó-sob a sombra da caixa d'águao pé de eloendro..observo o jardim-a pequena formiga de fogosegue com a folha..nuvem de verão:no vaso da samambaia secaum ninho de pássaro..final da tarde-barulho do pequi que caicorreria de crianças

36

Page 37: ROMÃS DE VIDRO

VERÃO AVANÇADO

noite insone-indiscreto casal de gatosnamora no telhado..vento matinal-com as pétalas murchasa papoula cai..velha tapera-nas paredes em ruínasum veludo verde...

37

Page 38: ROMÃS DE VIDRO

TRANSPARENCIAS

finda o verãono pátio da casa grande-cacos do vaso... ..arrepia as águasda lagoa atrás da casa-o vento estival..no fio de energiaas aves todas em fila-verão que fenece

38

Page 39: ROMÃS DE VIDRO

FENECE O VERÃO

outro dia de chuvao barulho da água na calha-e mais nada!..um belo dia-adornado de onze-horastodo o canteiro..manhã de sol-passeia pela pracinhaa pequena senhora

39

Page 40: ROMÃS DE VIDRO

DIAS DE CERRAÇÃO

tantos outonose vejo a mesma paisagemao longo da estrada..lua- desta- noite-galhos nus se abraçamcúmplices do vento..céu azul profundoos mesmos ventos trabalham-ramos ou braços?..tarde que passa-empoleirado no galhoum pássaro preto..vento sorrateiroderruba mais uma folhada árvore já nua!

40

Page 41: ROMÃS DE VIDRO

SEMENTES LANÇADAS

ninhos de guaxe-seriam grandes brincos?adornos da árvore.....pleno sol-das-três:deslizando pelo céucinco urubus..flores de jasmim-encostadinhos ao portãoum casal namora.....chuva ligeira-lava as folhas do jasmineiroao sabor do vento...

41

Page 42: ROMÃS DE VIDRO

MELHORES VENTOS III

gotículas de chuvabrilham à luz do poste-olho da varanda..eco do trovão-um clarão no céu anunciainício de chuva..tranquilidade:há uma rã escondidaentre bromélias..atrás da folhatecendo uma bela teia-a pequena aranha..tarde morna-o gorjeio dos pássarosrompe o silêncio

42

Page 43: ROMÃS DE VIDRO

REMINISCÊNCIAS

manhã de chuva-agasalhada entre folhasa pequena aranha.....primeiro bom dia-cheiro de dama-da-noitena entrada da casa..aranha miúda-hoje foi dia de despejo:faxina na estante..coro afinado-dezenas de muriçocasadentram a casa

43

Page 44: ROMÃS DE VIDRO

CHEIRO DE CHUVA

manhã escura-junto com a ventaniao cheiro da chuva..bem cedinho-o orvalho na florzinhaé encantador!..manhã nubladao pássaro solitárioprocura abrigo

44

Page 45: ROMÃS DE VIDRO

CHUVAS LIGEIRAS

chuva de pedrano amanhecer canta o galo-danos na horta!..velha mangueiravira banquete de pássarosao raiar do dia..chuva de pedrao barulho na janela causa um temor!..modorra da tardeno vai e vem da velha redepensamento voa.....pomba rolinha-majestosamente pousana grama do pátio..casa de veraneio-o sol beija as novas folhasna paz da tarde..casca da árvore:trieiro de formiguinhascarregando folhas

45

Page 46: ROMÃS DE VIDRO

.

.todo dia chegaatrás do mamão maduro-pequeno bem-te-vi..da velha janelaolho a plantação de feijão-homens na lida

46

Page 47: ROMÃS DE VIDRO

DIAS CHUVOSOS

arco-íris vernal-corre apontando o céu a criança feliz . . de repente treme: de uma flor de ipoméia surge a borboleta. . aguaceiro: há batuque na latinha embaixo da calha . . época de plantio sementes na terra arada traz vida nova. . lá se vai a tarde o vai e vem dos transeuntesna volta do trabalho . . dia chuvoso- dentro da velha padaria a mosca zunindo

47

Page 48: ROMÃS DE VIDRO

DIAS DE TORÓ

vento aromal-a tarde some no horizontehá tristeza no olhar.....dias de toró-sob o beiral do telhadoo ninho de pássaro..noite silenciosaa caminho da velha casa-um cheiro de jasmim

48

Page 49: ROMÃS DE VIDRO

FLASHES DA VIDA II

triste cantarna acácia amarelao fogo-pagô..chuva miúdacortina transparentecai pelo beiral..gotículas de chuvabrilham na luz do poste-observo da janela..tear da aranhade uma folha para outrafio prateado..flor de jasmim-mesmo a distânciainsiste no aroma..bela companhia:entra pela frestaa lua alvíssima

49

Page 50: ROMÃS DE VIDRO

ENTÃO É NATAL

da sala da casaouço a chuva primaveril-já penso no natal

.

.preparos de natal-a casa toda ornadaé atração da rua!

50

Page 51: ROMÃS DE VIDRO

HAICAIS DE ANO NOVO

folhinha nova-para o ano que cheganovos projetos.....ceia de ano novo-cintilando no céu escurofogos de artifícios..o ano fenece-deixa uma saudade imensano velho coração..depois do trabalhosem pique para comemorar-um brinde a sós..antes dos fogos-a contagem regressivatraz muitas alegrias.....comemorações:o que restou do ano velhofoi só a ressaca!.depois dos fogosna primeira noite do ano-homem solitário...

51

Page 52: ROMÃS DE VIDRO

HAIGATOS

silêncio no quintal-no velho muro cintilaos olhos do gato..armazém da rua-o gato gordo ronronaesticado no chão..sobre o telhadofazendo algazarraum par de gatos

52

Page 53: ROMÃS DE VIDRO

HAICAIS PARA SeGyn

sol do meio dia-sobre o velho cavalogavião pinhé.....calmaria da tarde-de olhos semicerradoso gato espreita.....noite mal dormida-ao vento frio da manhão canto do galo..tímido sol:no começo da manhã o apito do trem...depois da chuvao pelotão de patinhosadentram o lago..manhã chuvosa-protegido pelas folhaso ninho da rolinha..outro dia de chuvana casa a velha rotina:hora da oração

53

Page 54: ROMÃS DE VIDRO

.encolhido no cantoo gato fica à espreita-cadê o pássaro?

54

Page 55: ROMÃS DE VIDRO

ACONTECÊNCIAS I

gato perdidodorme sobre o borralhodo velho fogão..zunem as moscas-em baixo da mangueirafrutos maduros..um galho seco-descendo pela cascafieira de formigas..filhote de gatoainda mais solitário com a chuva que cai..quietude:na tarde modorrentao gato cochila..vento sacode-sob a fria tempestadeo pássaro treme

55

Page 56: ROMÃS DE VIDRO

PINGENTES

fios delicados-uma aranha tece a teiano canto da parede..frutos maduros-as crianças disputandoquem colhe mais?..o sol já se foi-se agasalham no poleirogalos e galinhas..a chuva passou:um pardalzinho alegresaltita por ali..noite estrelada-um velhinho solitáriopassa devagar...

56

Page 57: ROMÃS DE VIDRO

ACONTECÊNCIAS II

visitas na sala-roçando entre pernasum gato manhoso..gota na vidraça-no rosto um olhar tristemais um dia passa.....sopra o vento:a borboleta se esforçasegura na folha..oco na árvore-imóvel de olhos abertosa velha coruja..tudo escurece-um leve vento balançaa roupa no varal

57

Page 58: ROMÃS DE VIDRO

ROMÃS DE VIDRO

a romã rachadaos seus favos são brilhantes-ou serão rubis?..na floriculturaentre os braços da moçaum buquê de flores..resto de chuva:dentro das broméliasa rãzinha dorme..na manhã de sol-os encantos de minha ruasão canteiros flores..zunem as moscas-embaixo da mangueirafrutos maduros..um galho seco-descendo pela cascafieira de formigas

58

Page 59: ROMÃS DE VIDRO

DIA DE FINADOS

dia de finados- embaixo de um pequizeiro túmulo de mamãe...

59

Page 60: ROMÃS DE VIDRO

OLHARES I

quintal varrido:embaixo da aceroleirafilhote de gato..lá na goiabeiraanuncia um novo diao sabiá-da-mata..manhã cinzenta-em cima da porteirao pequeno sabiá

60

Page 61: ROMÃS DE VIDRO

OLHARES II

filhote de gatonesta manhã chuvosadorme no sofá..cores diferentesem meio a primavera-diversos perfumes..mata em gorjeiopela pequena trilhasubo a colina

61

Page 62: ROMÃS DE VIDRO

CRIANÇAS

meninos, meninos!ninguém consegue pará-loshoje é tudo festa!..ali na calçadariscada com caco de telhaa amarelinha...

62

Page 63: ROMÃS DE VIDRO

RECORDAÇÕES

na luz do poste faz pirueta e dança a mariposinha . .tarde de mormaço assustado o cão acorda:tiro de foguetes... . .no jardim florido borboleta não se cansa de beijar a flor . . lago tranquilo: atiro uma pedrinha e faço anéis . . o som da chuva na folha da bananeira traz recordações. . .

63

Page 64: ROMÃS DE VIDRO

BRISAS

com melancoliano telhado da casacanta o bem-te-vi..nova estação:ao sabor da brisabaila a florzinha

64

Page 65: ROMÃS DE VIDRO

SITIO I

enfeitado como árvore de natal- pé de acerola. . . as maritacas chegam em bandos- fim de tarde... . . árvore nua no alto do morro- casa do joão-de-barro . . no quintal as galinhas cacarejam- disputam o milho . . na cozinha tem café quentinho- o cheiro avisa... . . quero-quero todo alegre mergulha- banho no riacho. . . sol poente com fios dourados- banha a tarde...

65

Page 66: ROMÃS DE VIDRO

SITIO II

canção matinal- o canto do galo é despertador . . na tarde morna- o cacarejar da galinha rompe o silêncio . . a galinha se mexe ajeitando-se no ninho- aquece os pintinhos . . festa do divino- o cãozinho assustado com tanto foguete . . vento sopra suave- as folhas madurinhasbailam até o chão . . bambuzais ao vento- ramos fortes e flexíveis quase beijam o chão

.

66

Page 67: ROMÃS DE VIDRO

na força d'água o monjolo trabalha: triturando o grão . . da janela espia as crianças correndo envolta do cão . . ribombar do trovão: voraz é o vento daqui do sul do pará

67

Page 68: ROMÃS DE VIDRO

BORBOLETAS I

ei! acorda! vem pousar aqui borboleta linda. . borboletas voam em pleno mês de abril são mais coloridas . .no casulo lagarta se esforça linda borboleta . .aflita borboleta procura onde pousar entre as florzinhas... . . sobre a folha repousa e sonha a borboleta

68

Page 69: ROMÃS DE VIDRO

BORBOLETAS II

borboleta amarela revoando tão baixinho sobre o girassol . . festival de coresas borboletas circulam em meio ao canteiro . . borboleta lindaesconde entre as flores e rouba a cena! . . cores vibrantes borboletas e abelhinha uma paixão! . . . no roseiral um monte de borboletas circulam o ar . . um ponto na folha- ao vento morninho uma borboleta . . pousa na flor- um leve bater de asas diz que tá ali!

69

Page 70: ROMÃS DE VIDRO

CAJUS

lá no quintal pé de caju florido: passarada feliz . . tacho de cobre: os cajús perfumados viram compotas . . fim de tarde- no cajueiro carregado pardais em festa

70

Page 71: ROMÃS DE VIDRO

FLAMBOYANT

brisa suave acaricia paisagem... distante flamboyant.

71

Page 72: ROMÃS DE VIDRO

NINHO

jacarandá em flor ninho do joão-de-barro família a vista.....amanhece o dia- passarada bem feliz acácia em flor . .farfalho- folhas forram o chão pássaros voam.....novo amanhecer suavemente chega- canto do sabiá...sabiá canta cheiro de café no ar hora de levantar...

72

Page 73: ROMÃS DE VIDRO

LAGARTIXAS

lá do muro espia pela janela- a lagartixa gorda . . a lagartixinha grudada no muro- diz sim com a cabeça . . só observando: a lagartixa mira inseto voador . . lá concordando- a lagartixa gorda espera a vítima . . sempre faceira anda rebolando -a lagartixa . . o que será? dizem: é lagartixa! mas falam em jacaré! . . tomando o sol: para o inseto que passa lagartixa finge...

73

Page 74: ROMÃS DE VIDRO

. entre olhos: a danadinha espreita a mosca que passa...

74

Page 75: ROMÃS DE VIDRO

NO COMPASSO

compasso lento-quem jogou o punhado de salnas costas da lesma?..dia de sol tórrido-banhando no monte de areiapequenos pardais.....manhã de domingo-um tucunaré fresquinhovai virar almoço?

75

Page 76: ROMÃS DE VIDRO

CANTO QUE ENCANTA

sombreamento:um galo canta no quintal-finda-se a tarde..chuva ligeiraagora o calor é intenso-prossegue a capina..manhã de janeiroroupas quarando ao solcanto da lavadeira

76

Page 77: ROMÃS DE VIDRO

ESTAÇÃO

época chuvosa-também chora o coraçãona hora do adeus..vento aromal:o trem já na plataforma-aceno um adeus.....férias de verão:a grande estação vaziadepois da despedida

77

Page 78: ROMÃS DE VIDRO

TRIEIROS

água de nascente-caminhando no trieiroouço o regato..bica d'água-na corredeira incessantea lida matinal..arco-celestedepois de tanta chuvaa linha do horizonte..embaixo das folhashá um sem fim de baratas-é festa de fraque?..crime cometido-contra a barata cascudao chinelo voador!..largado no chãoum pedaço de bolacha doce-trieiro de formigas!

78

Page 79: ROMÃS DE VIDRO

HAICAIS 122 inicio da manhã:de um lugar não distantearrulho de pombos..forno de barro-biscoitos recém assadosaroma pela casa!..pequena pausa-após longo dia na lidaa volta pra casa..tomando a fresca-sob um céu bem claroestrelas cintilam..hora de brincar-ali no jardim floridocacos do vaso

79

Page 80: ROMÃS DE VIDRO

HAICAIS PARA PEDRO OTÁVIO, MEU FILHO dia agitado-uma criança em disparadaa professora chegou!..sorriso da criança-escondida na mochilauma lagartixa.. pátio da escola-há dezenas de olhinhosvendo um sapo gordo..maldade de irmão-um brinquedo escondidoatrás do sofá..... Presente que ganhei de Luiz Gustavo Pires..mãe aflita: primeiro dia de aula do filho inocente.....toca a sineta crianças em disparada para o recreio.....

80

Page 81: ROMÃS DE VIDRO

alunos felizes pulam amarelinha no pátio da escola.....só estudar ? eu quero é brincar diz a criança.....dia de aula - até logo diz a mãe ao filho que cresce.....reencontro:histórias são contadas à espera da aula.....reencontro:planos são traçados à espera do recreio...

81

Page 82: ROMÃS DE VIDRO

HAICAIS PUBLICADOS NA REVISTA CAQUI/GRAFFITI

brisa suave: voejam borboletas por todo jardim ..roupa no varal— a borboleta pousada na anágua da vovó ..café da tarde— na mangueira em flor farra de pardais ..gato perdido dorme sobre o borralho do velho fogão ..zunem as moscas— embaixo da mangueira frutos maduros

82

Page 83: ROMÃS DE VIDRO

FLASHES DA VIDA III

coisa mais bela!na ponta da folhaa borboletinha..barco de papelalegria da criançana poça d'água..árvore amarelarevoada de folhas-serão borboletas?..filetes de luzpor entre folhas do oitiespreita o sol..hoje choveu-a grama do quintalestá agradecida

83

Page 84: ROMÃS DE VIDRO

OLHARES III

de flor em flor-beija uma,beija outracolibri feliz!..acácia florida-colibri não se cansade tantos beijos!..manhã friorenta-o colibri suga o néctarda bela roseira...

84

Page 85: ROMÃS DE VIDRO

85

Page 86: ROMÃS DE VIDRO

86

Ionete Brito, neste "Romãs de vidro" desnuda-se em uma poeta do instante, do acaso e do transitório. Ela se apresenta concisa, precisa e sem rodeios. Passeia, livremente, em sintonia com a carga sensível que permeia toda a sua vida. O encontro casadouro com o Haicai, o tom espontâneo da natureza e a beleza plástica e poética de cada cena nos alarga a mente e traz consolo ao coração. Ela nos apresenta o sol, a chuva, as flores, os insetos, os pássaros, enfim, todas as mutações repentinas e cotidiana da vida com pinceladas tão suave que toca o nosso ser, e nos deixa querendo imortais.