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Alfabetização eo ensino da língua de sinais Literacy and the meaning of sign language Resumo Ronice MüIler de Quadros o presente trabalho desenvolve duas questões: a alfabetização e o ensino da língua de sinais no processo educacional da criança surda. A alfabetização em sinais e na escrita de sinais :-0 formas de garantir a aquisição da leitura e escrita da criança surda e o ensino da língua de sinais de forma consciente é uma forma de prover o refinamento de tais processos. Além de zpreseniar uma análise de cada questão, este trabalho lista alguns aspectos lingüísticos e atioi- Iades que devem ser considerados nesse contexto educacional. Palavras-chave: Alfabetização em sinais; Escrita em sinais; Ensino da língua de sinais Abstract The present paper develops two aspects: literacy and sign language teaching in Deaf :' ildren educational processo Literacy in signs and sign writing are forms to guarantee writing znd reading acquisition by Deaf children and sign language ieaching in a conscious form is a ay to provide the refinement of such acquisition processes. Moreover to preseni an analysis .' each topic, this paper lists some linguistic aspects and activities that should be considered in :his educational coniexi. Key words: Literacy in signs; Sign writing; Sign language teaching INTRODUÇÃO Os objetivos deste artigo envolvem duas questões básicas: a alfabetização e o ensino da língua de sinais no processo educacional de alunos surdos. Para isto, estou considerando aqui os estudos relacionados à comunidade urda e à língua de sinais brasileira. Ao longo das discussões são propostas algumas aborda- gens dos aspectos em questão no processo edu- cacional, bem como sugestões de atividades. Gostaria de esclarecer que parto de pres- supostos básicos que não serão discutidos no presente artigo, uma vez que dispomos de ra- zoávelliteratura que aborda tais aspectos (por exemplo, Ferreira-Brito, 1992; Quadros,1997a; 1997b; Skliar, 1997a, 1997b, 1997c; Souza, 1998)1. Listo a seguir tais pressu postos": 'Também não é objetivo aqui denunciar o fracasso do sistema educacio- nal para surdos e suas razões e origens, tais citações também podem servir de referência para a reflexão sobre tais tópicos. 'Tais pressupostos não estão listados em urna ordem linear masinteragem entre si. Ronice Müller de Quadros é Intérprete da lingua de sinais brasileira, pedagoga, mestre e doutora em letras (concentração em lingüística aplicada). Professora no Departamento de Letras da Universidade Luterana do Brasil. Pesquisadora da lingua de sinais brasileira na Universihj of Conneaicut- Huskies Laboralories - e Universidade Federal do Rio Grande do Sul- Núcleo de Pesquisas em Políticas Educacionais para Surdos. Endereço eletrônico: [email protected] ITextu ra 1 C_a_n_oa_s n_.3 2_º_s_em_es_tr_e_d_e_20_0_0p_.5_3-_6_1_-J

Ronice Müller de Quadros - A alfabetização e o ensino da LS

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Artigo que trata sobre assuntos concernentes à Educação da pessoa surda

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Alfabetização e o ensinoda língua de sinais

Literacy and the meaning of sign language

Resumo

Ronice MüIler de Quadros

o presente trabalho desenvolve duas questões: a alfabetização e o ensino da língua desinais no processo educacional da criança surda. A alfabetização em sinais e na escrita de sinais:-0 formas de garantir a aquisição da leitura e escrita da criança surda e o ensino da língua desinais de forma consciente é uma forma de prover o refinamento de tais processos. Além dezpreseniar uma análise de cada questão, este trabalho lista alguns aspectos lingüísticos e atioi-Iades que devem ser considerados nesse contexto educacional.

Palavras-chave: Alfabetização em sinais; Escrita em sinais; Ensino da língua de sinais

Abstract

The present paper develops two aspects: literacy and sign language teaching in Deaf:' ildren educational processo Literacy in signs and sign writing are forms to guarantee writingznd reading acquisition by Deaf children and sign language ieaching in a conscious form is a

ay to provide the refinement of such acquisition processes. Moreover to preseni an analysis.' each topic, this paper lists some linguistic aspects and activities that should be considered in

:his educational coniexi.Key words: Literacy in signs; Sign writing; Sign language teaching

INTRODUÇÃO

Os objetivos deste artigo envolvem duasquestões básicas: a alfabetização e o ensino dalíngua de sinais no processo educacional dealunos surdos. Para isto, estou considerandoaqui os estudos relacionados à comunidadeurda e à língua de sinais brasileira. Ao longo

das discussões são propostas algumas aborda-gens dos aspectos em questão no processo edu-cacional, bem como sugestões de atividades.

Gostaria de esclarecer que parto de pres-supostos básicos que não serão discutidos nopresente artigo, uma vez que dispomos de ra-zoávelliteratura que aborda tais aspectos (porexemplo, Ferreira-Brito, 1992; Quadros,1997a;1997b; Skliar, 1997a, 1997b, 1997c;Souza, 1998)1.Listo a seguir tais pressu postos":

'Também não é objetivo aqui denunciar o fracasso do sistema educacio-nal para surdos e suas razões e origens, tais citações também podem servirde referência para a reflexão sobre tais tópicos.'Tais pressupostos não estão listados em urna ordem linear masinteragementre si.

Ronice Müller de Quadros é Intérprete da lingua de sinais brasileira, pedagoga, mestre e doutora em letras (concentração em lingüística aplicada).Professora no Departamento de Letras da Universidade Luterana do Brasil. Pesquisadora da lingua de sinais brasileira na Universihj of Conneaicut-Huskies Laboralories - e Universidade Federal do Rio Grande do Sul- Núcleo de Pesquisas em Políticas Educacionais para Surdos. Endereço eletrônico:[email protected]

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• Bilingüismo - quando me refiro à "bi-lingüismo" não estou estabelecendo uma di-cotomia, mas sim reconhecendo as línguas en-volvidas no cotidiano dos Surdos, ou seja, alíngua de sinais brasileira (LSB)e o portuguêsno contexto mais comum do Brasil;

• Multicuralismo - está relacionado aoreconhecimento das culturas, bem como, desemelhanças e diferenças comuns existentesentre a forma de ser, agir e pensar das pessoassurdas e das pessoas ouvintes da comunidadebrasileira;

• Identidade/cultura surda - envolve oincentivo da formação e preservação da identi-dade surda através do reconhecimento e valo-rização da comunidade surda e produção cul-tural específica;

• LSB - língua de sinais brasileira, lín-gua que é o meio e o fim da interação social,cultural e científica da comunidade surda bra-sileira".

ALFABETIZAÇÃO NA LíNGUADE SINAIS BRASILEIRA

Quando pensamos em alfabetização, aidéia mais popular está relacionada a decifra-ção do código escrito. Talvez o próprio nomedado a esse processo seja uma das causas detal idéia, "alfabetização", ligada à "alfabeto".No entanto, o objetivo do presente artigo aoabordar o tema alfabetização envolve um con-ceito muito mais amplo desse termo, um pro-cesso que resulta da interação com a língua ecom o meio.

Quando usamos o artigo definido" a lín-gua" e "o meio", estamos nos referindo à lín-gua e ao meio que a criança surda interage, ouseja, a LSBe pessoas que usam essa língua. Eunão vou discutir aqui as formas distorcidas decomunicação em que as crianças surdas estãoexpostas; tais como, português sinalizado, ges-

'1àmbém utiliza-se a sigla UBRAS (língua brasileira de sinais) pararefe-rir-se a tal língua. Optou-se aqui por LSB, uma vez que há uma convençãointernacional de que as línguas de sinais sejam idenlificadas através detrês letras. Além disso, a colocação do adjetivo 'brasileira' antes do subs-tantivo 'sinais' é agramatical na LSB, apesar de não sê-lo no portugués.

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tos e quaisquer outros tipos de comunicaçãoque não envolvam uma verdadeira língua, Arazão de minha decisão reflete minha posturadiante da LSB,"a" língua em que a comunida-de surda expressa suas idéias, pensamentos,poesias e arte, ';4" língua que é usada como meioe fim de interação social, cultural e científica. Osfalantes nativos dessa língua conversam, pla-nejam, sonham, brigam, contam estórias explo-rando meios riquíssimos e complexos que sãopróprios de uma língua de sinais, no caso doBrasil, da LSB.

Alfabetização de crianças surdas en-quanto processo; portanto, só faz sentido seacontece na LSB, a língua que deve ser usadana escola para aquisição da língua, paraaprender através dessa língua e para apren-der sobre a língua. A primeira questão quesurge é a seguinte: Qual é o nível de profici-ência na própria língua das crianças surdasem fase escolar?

Então discutamos sobre o desenvolvi-mento da LSBnas crianças pré-escolares. Nãoexiste ainda produção científica suficiente so-bre o processo de aquisição da LSB,bem comonão dispomos de instrumentos que avaliem oestágio em que a criança se encontra na suaprodução em sinais. Alguns registros têm sidofeitos quanto ao desenvolvimento da línguade sinais americana que serão sintetizados aseguir".

Estágios de aqulalçâoda língua de sinais

Por volta dos 2 anos de idade, as criançasestão produzindo sinais usando um númerorestrito de configurações de mão (sugere-seque tal número corresponda a sete configura-ções de mão), bem como simples combinações

'Configurações de mãos formam um conjunto de unidades fonológicasmínimas das línguas de sinais (poder-se-ia estabelecer uma relação com asunidades sonoras das línguas faladas). As expressões faciais sáo marcas não-manuais que podem apresentar funções gramaticais tomando-se obrigatóri-as. Nesses casos, menciono como exemplos, asexpressões fadaisassodadasàs interrogativas, às construções com foco, às construções relativas e condi-cionais (para mais detalhes, ver Quadros, 1999). Sobre a aquisição da LSB verKamopp (1994, 1997)e Quadros (1995, 1997a, 1997b). O fato de estarmos apre-sentando os estágios de desenvolvimento da ASL não exclui a necessidadede verificarmos tal processo na LSB, uma vez que tratam-se de línguas dife-rentes. O objetivo aqui é usar tais estudos como ponto de partida parareflexáosobre os aspectos abordados no presente artigo.

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de sinais expressando fato relacionados com ointeresse imediato, com o 11aqui" e o" agora". Ascrianças nesta fase começam a marcar enten-ças interrogativas com expressões faciais con-comitantes com o uso de ite exicais paraexpressar sentenças interrogati 'as QCE\.1, OQUE e ONDE). Nesse período, tarnbé é veri-ficado o início do uso da negação ão manualatravés do movimento da cabeça ara negar,bem como o uso de marcação nã manual paraconfirmar expressões comuns a pr ção doadulto. Também observa- e q e as - ças co-meçam a introduzir classifica oresr 0_ eusvocabulários."

Por volta dos 3 anos de iças tentam usar configuraçõexas para a produção de sinais, a i:mente tais tentativas acabam eatravés de configurações de âosples (processos de substituição). O en-tos característicos dos sinais co en-do simplificados, embora já e o __erve o 50

da direção dos movimentos co ê - eguns contextos. Classificadore sã -para expressar formas de objetos, -movimento e trajetórias percorriobjetos. Aspecto começa a er lT· ,rr,,...,...naos sinais para expressar difere ça: e •....eações (por exemplo, CORRER de -a a: CO -RER rápido). A criança começa a es emarcas de negação sobre senten as assícomo os adultos fazem, inclusive o o oitem lexical de negação. As criança , tambémjá utilizam estruturas interroga ti -a- e razão(POR QUE). Nesse período, as c - ç co-meçam a contar estórias que não nece aria-mente estejam relacionadas ao fatos ío con-texto imediato. Elas falam de algum 'ato or-rido em casa, sobre o bichinho de e . ação,sobre o brinquedo que ganhou, ete. . .o en-tanto, as vezes não fica claro o estabelecimen-to dos referentes no espaço, o que dificulta oentendimento das estórias.

Por volta dos 4 anos de idade, as crian-ças já apresentam condições de produzir con-figurações de mãos bem mais complexas, bem

Y' Classificadores" são sinais que u Iilizam um conjunto espeóIico de con-figurações de mãos para representar objetos inrorporando ações. 1àis das-sificadores são gerais e independem dos sinais que identificam tais obje-tos. Éum recurso bastante produtivo que faz parte das línguas de sinais Paraa descrição de alguns classificadores na LSB ver Ferreira-Brito (1995).

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como o uso do espaço para expressar relaçõesentre os argumentos, ou seja, as crianças ex-ploram os movimentos incorporados aos sinaisde forma estruturada. A partir desse período,elas começam a combinar unidades de signifi-cado menores para formar novas palavras deforma consistente. Nesse período, começam aser observadas a produção de sentenças maiscomplexas incluindo topicalizações. As ex-pressões faciais são usadas de acordo com aestrutura produzida, isto é, as produções nãomanuais das interrogativas, das topicalizaçõese negações são produzidas corretamente. Ascrianças ainda não conseguem conservar ospontos estabelecidos no espaço quando con-tam suas estórias, apesar de já serem observa-das algumas tentativas com sucesso. Aos pou-cos, torna-se mais claro o uso da direção dosolhos para concordância com os argumentos,bem como o jogo de papéis desempenhadoatravés da posição do corpo explorados para orelato de estórias.

a verdade, em análises da produção dascrianças adquirindo ASL e LSB observei que adireção dos olhos é usada consistentemente porvolta dos 2 anos de idade. O uso da concordân-cia verbal através do olhar é uma das informa-ções que garante a compreensão do discurso dacriança durante este período tão precoce".

Instrumentos do processode alfabetização

Considerando essa evolução, o processode alfabetização se inicia naturalmente. Duaschaves preciosas desse processo são o relato deestórias e a produção de literatura infantil emsinais". O relato de estórias inclui a produçãoespontânea das crianças e do professor, bemcomo a produção de estórias existentes; por-tanto, de literatura infantil.

A comunidade surda tem como caracte-

6Lillo-Martin, Mathur e Quadros (em elaboração) verificaram que crian-ças surdas adquirindo língua de sinais marúfestam o uso de concordânciaverbal muito mais cedo do que havia sido reportado até o presente.'Parto do pressuposto que as crianças estejam tendo acesso a língua desinais brasileira e, em hipótese nenhuma a qualquer coisa que "tente"substituir a relação de comunicação sem estrutura lingüística (neste sen-tido me refiro a sistemas de comunicação artificiais, português sinaliza-do, ou qualquer outra coisa que não seja a LSB).

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rística a produção de estórias espontâneas, decontos e de piadas que passam de geração emgeração relatadas por contadores de estóriasem encontros informais, normalmente em as-sociações de surdos. Infelizmente, nunca hou-ve preocupação de registrar tais produções.Pensando na alfabetização, tal material é fun-damental para esse processo se estabelecer. Aprodução de contadores de estórias, de estóri-as espontâneas e de contos que passam de ge-ração em geração são exemplos de literaturaem sinais que precisam fazer parte do proces-so de alfabetização de crianças surdas. A pro-dução em sinais artística não obteve a atençãomerecida nas escolas de surdos, uma vez que aprópria língua de sinais não é a língua usadanas salas de aulas pelos professores. Desta for-ma, estamos reproduzindo iletrados em sinais.A LSB é "a" língua e merece receber o trata-mento de ser" a" língua. Sendo assim, recupe-rar a produção literária da comunidade surdaé urgente para tornar eficaz o processo de alfa-betização. Literatura em sinais é essencial paratal processo. Os bancos escolares devem sepreocupar com tal produção, bem como in-centivar seu desenvolvimento e registro. °queos alunos produzem hoje espontaneamente,pode se transformar em fonte de inspiraçãoliterária dos alunos de amanhã.

A LSBé uma língua espacial-visual e exis-tem muitas formas criativas de explorá-Ia. Con-figurações de mão, movimentos, expressõesfaciaisgramaticais, localizações, movimentos docorpo, espaço de sinalização, classificadores sãoalguns dos recursos discursivos que tal línguaoferece para serem explorados durante o de-senvolvimento da criança surda e que devem serexplorados para um processo de alfabetizaçãocom êxito.

Algumas investigações realizadas em es-colas bilíngües americanas têm evidenciado aimportância de explorar tais aspectos observan-do o nível de desenvolvimento da criança. Osrelatos de estórias e a produção literária, bemcomo a interação espontânea da criança comoutras crianças e adultos através da LSB de-vem incluir os aspectos que fazem parte dessesistema lingüístico. A seguir eu listo algunsdos aspectos que precisam ser explorados noprocesso educacional:

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• estabelecimento do olhar;• exploração das configurações de mãos;• exploração dos movimentos dos sinais

(movimentos internos e externos, ou seja, mo-vimentos do próprio sinal e movimentos de re-lações gramaticais no espaço);

• utilização de sinais com uma mão, duasmãos com movimentos simétricos, duas mãoscom movimentos não simétricos, duas mãoscom diferentes configurações de mãos;

• uso de expressões não manuais grama-ticalizadas (interrogativas, topicalização, focoe negação);

• exploração das diferentes funções doapontar;

• utilização de classificadores com con-figurações de mãos apropriadas (incluem to-das as relações descritivas e preposicionais es-tabelecidas através de classificadores, bemcomo, as formas de objetos, pessoas e ações erelações entre eles, tais como, ao lado de, emcima de, contra, em baixo de, em, dentro de,fora de, atras de, em frente de, etc.);

• exploração das mudanças de perspec-tivas na produção de sinais;

• exploração do alfabeto manual;• estabelecimento de relações temporais

através de marcação de tempo e de advérbiostemporais (futuro, passado, presente, ontem,semana passada, mês passado, ano passado,antes, hoje, agora, depois, amanhã, na semanaque vem, no próximo mês, etc.);

• exploração da orientação da mão;• especificação do tipo de ação, duração,

intensidade e repetição (adjetivação, aspecto emarcação de plural);

• jogos de perguntas e respostas obser-vando o uso dos itens lexicais e expressões nãomanuais correspondentes;

• utilização de "feedback" (sinais manu-ais e não-manuais específicos de confirmaçãoe negação, tais como, o sinal CERTO-CERTO,o sinal NÃO, os movimentos de cabeça afir-mando ou negando);

• exploração de relações gramaticais maiscomplexas (relações de comparação, tais como,isto e aquilo, isto ou aquilo, este melhor doque aquele, aquele melhor do que este, esteigual àquele, este com aquele; relações de con-dição, tais como, se isto então aquilo; relações

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de simultaneidade, por exemplo, enquanto istoacontece, aquilo está acontecendo; relações desubordinação, como por exemp o, aquele quetem isso, está fazendo aquilo;

• estabelecimento de refere e presen-tes e não presentes no discurso, em como, ouso de pronominais para retomada e tais refe-rentes de forma consistente;

• exploração da prod ção ar ' tica emsinais usando todos os rec r-os . táticos,morfológicos, fonológicos e e co pró-prios da LSB.

A proposta é de tornar-exploração de tais aspecto a L Bbilitam tal língua ser um .complexo. As crianças pre . am do . ar-taisaspectos para explorar toda a ca aci a e cri-ativa que pode ser expres a a a é e umalíngua possibilitando o amadurecimsuas capacidades lógica e cOoda língua, as crianças discute e _0-

bre o mundo. Elas estabelecem e a - - e 0--

ganizam o pensamento. As estó . - e a" era-tura são meios de explorar tais as s e o -nar acessível à criança todo osíveis de serem explorados.

As relações cognitivas ue omentais para o desenvolvimen o es o - es odiretamente relacionadas à capa . a eança em organizar suas idéia e penatravés de urna língua na interação co 0-

mais colegas e adultos. O processo e a.Jabzação vai sendo delineado com base - o-erta da própria língua e nas relações es e-

cidas através da língua.A riqueza de informação e to a-

mental. A interação comunicativa passa a a e-sentar qualidade e quantidade viabilizan o umprocesso educacional rico e comp exo. A alfa-- etização passa, então, a ter valor real para acriança.

Algumas formas de produção artis .cas em.•.5B que podem ser incentivada para a utiliza-ão de todos os recursos lingüístico ão:

• produção de estórias utilizando confi-gurações de mãos específicas, por exemplo, asonfigurações de mãos mais comuns utilizadas

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na língua; as configurações de mãos do alfabe-to; as configurações de mãos dos números;

• produção de estórias na primeira pessoa;• produção de estórias sobre pessoas

surdas;• produção de estórias sobre pessoas

ouvintes.O processo de alfabetização continua

através do registro das produções das crian-ças. Surge, então, outra questão: quais são asformas de registro? As formas de registros ini-ciais são essencialmente visuais e precisam re-fletir a complexidade da LSB.Explorar a pro-dução de vídeos de produções literárias deadultos, bem como das próprias produções dascrianças, é uma das formas mais eficientes degarantir um registro da produção em sinaiscom qualidade. A filmagem de adultos produ-zindo estórias, bem como dos próprios alunos,são instrumentos valiosos no processo de re-flexão sobre a língua, além, é claro, de sereminstrumentos que as crianças curtem com pra-zer. o entanto, uma forma escrita da línguade sinais torna-se emergente para a continui-dade do processo de alfabetização. O sistemade escrita de sinais expressa as configuraçõesde mãos, os movimentos, as direções, a orien-tação das mãos, as expressões faciais associa-das aos sinais, e as relações gramaticais queão impossíveis de serem captadas através deistemas de escrita alfabéticos. Aquele sistema

tende a sistematizar a língua de sinais, assimcomo qualquer outro sistema de escrita, o quefaz parte do processo.

O sistema de escrita de sinais é uma portaque se abre no processo de alfabetização de cri-anças surdas que dominam a língua de sinaisutilizada no país. Esse sistema envolve a com-posição das unidades mínimas de significadoda língua compondo estruturas em forma detexto. A seguir apresento um exemplo em queestá registrado uma relação de significação es-tabelecida utilizando vários recursos da línguade sinais brasileira" :

'Essa sentença faz parte dos dados analisados por Quadros (1999).

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_____ egIX<o> JOHNa

egIX<a> MARYb aAUXb

hnGOSTAR

t0-\.,. -~-~-~

----

o John gosta da Mary.

Nesta sentença, têm-se a marcação nãomanual, o estabelecimento do referente JOHNà esquerda do sinalizador, o estabelecimento doreferente MARY à direita do sinalizador, o usode um auxiliar que estabelece a relação grama-tical entre JOHN, o sujeito dessa frase, comMARY,o objeto, enfatizado através da direçãodo olhar e o verbo GOSTAR. Obviamente queeste exemplo não é simples, minha intenção foiapresentar um exemplo complexo para demons-trar a possibilidade de registrar aspectos espe-cíficos da língua através do sistema de escritade sinais".

A criança surda que está passando por umprocesso de alfabetização imersa nas relaçõescognitivas estabelecidas através da língua desinais para organização do pensamento, natu-ralmente passa a registrar as relações de signifi-cação que estabelece com O mundo. Diante daexperiência com O sistema de escrita que se re-laciona com a língua em uso, a criança passa acriar hipóteses e a se alfabetizar. "Experiência"com o sistema de escrita significa ler essa escri-ta. Leitura é uma das chaves do processo dealfabetização. Ler sinais é fundamental para que

"Maisinformações sobre tal sistema de escrita podem ser obtidas atravésdo site do Sign Writingwww.signwriting.com ,bem como em Quadros(1997b).

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*-=:õ.. Io processo se constitua. Obviamente que esseprocesso de leitura deve fazer parte de objeti-vos pedagógicos claros no desenvolvimento dasatividades. Eu menciono alguns dos objetivosa serem trabalhados pelo professor (em sinais):

• desenvolver o uso de estratégias especí-ficas para resolução de problemas;

• exercitar o uso de jogos de inferência;• trabalhar com associações;• desenvolver as habilidades de discri-

minação visual;• explorar a comunicação espontânea;• ampliar constantemente o vocabulário;• oferecer constantemente literatura im-

pressa na escrita em sinais;• proporcionar atividades para envolver

a criança no processo de alfabetização comoautora do próprio processo.

Particularmente, considero que a litera-tura impressa em sinais seja um dos pontoscríticos do processo de alfabetização, uma vezque a literatura está impressa em português enão dispomos de literatura escrita em sinais.Mesmo as crianças que têm acesso à LSB pre-cocemente apresentam alguns problemas noprocesso de alfabetização com as letras e pala-vras do português. A escrita alfabética não cap-ta as relações de significação da língua de si-nais, tornando bastante complicado o registro

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dos pensamentos e significados da criança deforma completa. A criança estabelece relaçõesom as letras e palavras do português e, a par-

tir daí, há uma interrupção do processo, poisal sistema escrito não consegue expressar a

língua que a criança organiza o pensamento, alíngua de sinais" .

Gostaria de explorar um pouco mais aquestão da interação comunicativa antes deentrar mais precisamente na relação que a cri-ança estabelece entre o mundo que ela signi-

ca e as formas de registro. As oportunidadesue as crianças têm de expressar suas idéias,ensamentos e hipóteses sobre suas experi-

ências com o mundo são fundamentais para orocesso de aquisição da leitura e escrita. Pen-

sando no contexto das crianças surdas, os pro-íessores deveriam ser excelentes na língua desinais, além, é claro, de terem habilidade deexplorar a capacidade das crianças em relatarsuas experiências. Esse é um dos métodos maisefetivos para o desenvolvimento da con ci-ência sobre a língua. Por exemplo, as crianças

ão precisam dizer que uma sentença comuma oração subordinada é uma entença com-lexa de tal ou tal tipo, mas elas precisam ter

milhares de oportunidades de u ar tais sen-tenças, pois esse uso servirá de base para oreconhecimento da sua leitura e produçãoescrita com significado. São a oportunida-des intensas de expressão que sustentam oconhecimento gramatical da língua que darásuporte para o processo da escrita, em e ped-al, da alfabetização na segunda língua, o por-tuguês, considerando o contexto e colar dacriança surda.

Quando a criança já registra suas idéias,estórias e reflexões através de textos e critos,suas produções servem de base para reflexãosobre as descobertas do mundo e da próprialíngua. O professor precisa explorar ao máxi-mo tais descobertas como instrumento de inte-rações sociais e culturais entre colegas, turmase outras pessoas envolvidas com a criança. Taisproduções precisam apresentar significado

"'Eu não estou advogando que a criança não deva ser exposta à escritaalfabética. Na verdade, considero importantíssimoaaiança surda interagircom a escrita alfabética para o seu processo de alfabetização em portuguêsacontecer de forma efidente. No entanto, para que Ia!processo ocorra, seráfundamenla! que a criança seja alfabetizada na sua própria língua, pontoque estou enfatizando no presente artigo.

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sociocultural das relações que as crianças esta-belecem.

Manter uma videoteca é essencial, pois éum recurso de reflexão sobre a língua viva quepode ser usado constantemente no processode alfabetização como instrumento lúdico edidático.

o ENSINO DA LíNGUADE SINAIS

Eu gostaria de explorar mais, a partir des-te ponto, o processo mais consciente da aqui-sição da leitura e escrita, isto é, a etapa mais"metalinguística" desse processo. Falar sobrea língua através da própria língua passa a teruma representação social e cultural para a cri-ança fundamental no processo educacional'! .Portanto, vamos conversar sobre "aprendersobre a LSB" usando e registrando as desco-bertas através desta língua.

Aprender sobre a língua é uma conse-qüência natural do processo de alfabetização.Osalunos passam a refletir sobre a língua, uma vezque textos podem expressar melhor ou pior amesma informação. Ler e escrever são processoscomplexos que envolvem uma série de tipos decompetências e experiências de vida que as cri-anças trazem. Ascompetências gramatical e co-municativa das crianças são elementos funda-mentais para o desenvolvimento de tais proces-sos. Ler e escrever são atividades que decorremde experiências interativas reais que as criançasexperienciarn. Proporcionar diferentes e criati-vas formas de interações sustentarão o processode aquisição do código escrito em forma de tex-to. Quando o leitor é capaz de "reconhecer" osníveis de interações comunicativas reais, ele pas-sa a ter habilidades de transpor este conheci-mento para a escrita. O objetivo é falar sobre taisinterações de forma consciente e esse exercícioprecisa acontecer em sinais. As crianças preci-sam internalizar os processos de interação entre

11 Eu não vou abordar no presente artigo a aquisição do português, masgostaria de registrar que o desenvolvimento mais metalingüistico doprocesso de alfabetização em sinais servirá de base sólida para o processode alfabetização na segunda língua, neste caso, o português.

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quem escreve e lê para atribuir overdadeiro sig-nificado à escrita.

Falar sobre os processos de interaçõescomunicativas e sobre a língua de sinais sãoformas de desenvolver a conscientização dovalor da língua e sua complexidade. Esse exer-cício apresenta valor inquestionável para asustentação do processo de aquisição da escri-ta em sinais, bem como para o desenvolvimen-to da leitura e escrita do português como se-gunda língua.

Os textos produzidos pelos alunos emsinais e literatura geral em sinais são fontesessenciais para o desenvolvimento desse pro-cesso. Essas produções podem ser arquivadasatravés de uma videoteca, pois tal recurso éfundamental para avaliação das produções deoutras pessoas, bem como das próprias produ-ções. Esse processo de avaliação deve ser inte-racional, constante e criativo.

Como os alunos expressam o reconheci-mento do valor da própria língua no processode aprendizagem? Abase da expressão dos alu-nos se constitue na medida em que eles pas-sam a ser autores do processo. Algumas suges-tões são apresentadas a seguir:

• apreciar a LSBenquanto língua espa-cial-visual através de produções artísticas;

• explorar o reconhecimento das funçõesda LSB;

• ampliar o vocabulário;• participar da comunidade surda en-

quanto membro crítico e criativo;• ajustar a produção de acordo com a au-

diência com o fim de comunicar efetivamenteatravés da língua;

• desenvolver a habilidade de reconhe-cer as variações e dialetos da própria língua,bem como a habilidade de reconhecer padrõessociais e culturais associados a tais variações;

• utilizar os estudos sobre a estrutura dalíngua, convenções socio-lingüísticas, lingua-gem figurativa e técnicas de produção para cri-ar, discutir e criticar nas formas escrita e oral(em sinais);

• reconhecer as relações gramaticais com-plexas no texto escrito e falar sobre elas.

Quero salientar que todas as atividadespropostas passam por um processo mais cons-

. , ciente. Na verdade, tais atividades já foram ex-ploradas anteriormente no processo inicial de

" 60

alfabetização de forma espontânea e voltam aser exploradas de forma mais reflexiva. O ensi-no da língua de sinais é um processo de refle-xão sobre a própria a língua que sustenta a pas-sagem do processo de leitura e escrita elemen-tar para um processo mais consciente. Quandoa criança lida de forma mais consciente com aescrita, ela passa a ter poder sobre ela desenvol-vendo; portanto, competência crítica sobre oprocesso. Acriança passa a construir e reconhe-cer o seu próprio processo, bem como, refletirsobre o processo do outro.

REFLEXÃO FINAL

Gostaria de listar alguns problemas emer-gentes na educação de surdos que contribuempara um processo de des-educação/des-alfabe-iização dos alunos surdos:

• inexistência de profissionais surdosatuando nas escolas;

• professores que desconhecem a LSBou usam sistemas distorcidos de comunicaçãoatuando no processo educacional;

• desconhecimento da escrita da línguade sinais;

• inexistência de literatura em sinais re-gistrada em vídeo e escrita em sinais;

• falta de planejamento, avaliação e re-flexão constante do processo educacional coma participação efetiva de profissionais surdos;

• necessidade de elaboração de um currí-culo educacional com base na LSBe em con-cepções sociais e culturais da comunidade sur-da brasileira;

• necessidade de elaboração de um cur-rículo para o ensino de LSB.

É tempo de reconhecer a língua de sinais,a escrita da língua de sinais, a riqueza culturalque a comunidade surda traz com suas experi-ências sociais, culturais e científicas. Se nãosomos competentes na língua usada pela comu-nidade surda e desconhecemos a riqueza cultu-ral que pode ser produzida de forma Surda,precisamos buscar esse conhecimento ou optarpor outra carreira profissional. A educação desurdos não pode mais continuar refém da falta

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Page 9: Ronice Müller de Quadros - A alfabetização e o ensino da LS

de conhecimento dos profissionais que estãoenvolvidos na educação de surdos. Temos mui-o a fazer no processo de alfabetização e no ensi-

no da língua de sinais para garantir a aquisiçãoda leitura e escrita das criança surdas.

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