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silviopedro
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" ,
. :N0' contato inicial eomc trabalho de Ag~de Carva-lho, parece depouca valia tentar vinculã-lo com excessivaprecisão a alguma dss tendências recentes da poesia bra-sileira. Fato que de resto 'só apresenta vantagens pois, se .por um lado, encontrar traços' que permit~ a. inclusãoem um conjunto, 'via de regrafacillta a aproximação, porourm, tende a.simp1ifiçá-Ja, toraanda poprert\énte aca-
,nhada a amplitude da leitura e:all obra, 0 à v6ntade, adisplicência, o achado entre 'súbjto e casuàl, o eventual
, humor de um trocadilho lá o seu tanto gratuito, o relatode episódios que não ultrapassam os limites do pessoal, 'a transcrição pura e simples de situações orais toram com-pondo ao longo das duas últimas décadas um panorama .
· de diluição em que erasempr~ bern-yindo mais um poe-ta e seu tesratn db çotidiano. E bem verdade que es~a si-' ,mação dão foi ex€lusiva, mas concemrou muitas atenções. 'Talvez o melhor da época, na maioria 'dos casos, não este-ja ai, mas também. não está rigidamente ligado a algumaoutra tendência.-, .Entre esses casos pode-se com certeza incluir o de Agede Carvalho, .(')C),uenão quer dizer que sua poesia não deixevisíveis seus parentescos, ainda ~ue is.to ocorra d~ modo
'~.àsvezes bastante énv.iesadQl.otítulo ArqUItetura dos os-SOi (tríplice título de urrrpoema.jie uma pane qe livroe de um livro), a presença recorrente da pedra e um'poe-ma dedicado ajoão Cabral de Melo Neto podem de ime-diato sugerir cenas associações, No entanto, o poema "AI-
-quitetur;! dos ossos" já se inicia CO/Ila conjugação de cons-trução earrebatameuto no verso" 'Edifico furioso esta ma-nhã"~; e a pedra está eorn notável freqãêacialigada à som, 'bFa e à indag:J,çao.1Se há um movimento de associação e I '
afastamento em relação a certos marcos literários, movi-• mento que em si i11jfnina uma produção PQétiq, há tam-'· bém outros movimentos tão ou mais im~onantes.
Seguindo' sua trilha, a poesia do autor de Arena, areia,apresenta sensíveis mudanças no percurso entre seus pri-meiros e seus mais recentes poemas. Um. discurso mais 10n-
, 'gó, um d~curso ínadS i1ilfl.amadoc~d(l!lJ pOUÓl>a pOl!lCOlu,gár a u~a maior contensâ'o, a uma màior 'discrição. Üar-ranjo dos versos, um ou outro neologismo, taras manipu,lações gráficas permanecem como marcas expressivas daluta com as palavras. Em outro âmbito, ainterrogação fla-grante e veemente, as imagens' sucessivas e violentas re-cuam diante da sugestão e,suas ressonâncias, da elipse eseus entreabertos espaços ..E possivd arrolar constantes te-
i I ! . \
IraI •
3:30--
ROR(1980·1990)
A redução no preço deste livro foi possívelpela co-edição patrocinada pela Secretariade Estado da Cultura de São Paulo.
L({] LivrariaL({] Duas Cidades
· .--..---~-"'" -
AGE DE CARVALHO
ROR(1980"1990)
desenho de Tbomas Kussin
/
(1980-1990)
Equipe de realização
Projeto de capa I ilustração: Moema CavalcantiProjeto gráfico: Silvia Massaro
Revisão: Herbene Mattioli
Assessoria editorial: Mara VallesSecretaria editorial: Gisela Creni
Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) ROR
Carvalho, Age de, 1958-
ROR: 1980-1990 I Age de Carvalho. - São Paulo:Duas Cidades; Secretaria de Estado da Cultura, 1990.(Coleção Claro Enigma)
BibliografiaISBN 85-235-0014-6
1. Poesia brasileira L Título.11. Série.
90-0891 CDD-869-915
Índices para catálogo sistemático:
1. Poesia: Século 20 : Literatura brasileira 869.915
2. Século 20 : Poesia: Literatura brasileira 869.915
Copyright © Age de Carvalho
Direitos desta edição reservadosà Livraria Duas Cidades Ltda.
Rua Bento Freiras, 158 - São Paulo01220 - Fone: 220-5134 I 220-4702
PEDRA-UM(1990)
o CÍRCULO na areia, o
que nogrão degrande
há,
sim sens, não nensa fala sem sentido
que éisto: menos queisto, isso
Ao meu filho, Pedra [9]
MARAHU REVISIT ADO
alegria de águaruivo ruído meninocirculando pela sala,
FILHO,
De palma em palmaabre-se
a bananeirailegível, as reconciliadas
portas da cabana, o círculoem novos círculos de água
que a pedra sonora inaugura
vê: cílio que se arrastae queima
vírgulacontra a luz
De palma em palmaofertado instante presentefloresce um imaturo diálogo
do ramo calado das mãos
(10) [ 11)
PAI, uma edradistantepara chorar,
um argumentado líriojacente, sede clarano jarro sem som,e esta conversa arvoradasobre a graça do branco -
"jóias damobilidade' ,
(in Marianne Moore)início da primavera
[12]
A CAMINHO
Do grande Verão, ãa
abre a porta, saúda:
o fumo de rosasdo atriurn parricio,
a contrabandeada estrela síriaque te acena Elena,
guerranos cabelos de Louise
torres de álcool folhas d' alba palmas abertas no sempreTerra!terra parente nos sapatos de Elias e Abraão
Saúda e agradece
Rernida, consoladauma pedra
infartada sobrevoa o coração
[13]
[ 14]
o MOTOR DE BUDAÀ BEIRAde si, mira
o rio contemporâneoem Gars am Kamp
passando em ando, paisagemSeguimos a seta - a Leste,para o altoleonado de nuvens,
lentas frases do barroabençoando o caminho
De segunda, GrandeMarcha, roncandosobe
a montanhao pequeno Daihatsu
[15 J
[16]
o PANAMÁ, a gravatafulva-murmurantede algas, esquinas
PASSAGEM
para a visita tardiaà rue D'Ulm: estrelasvarridas do gabinete,verões após, por ti Era julho
floresciam pedrascarregavas a sombra de um rioo Afogado de abril
(se abril era, dataincerta, Marte) Chamavam-nos
agosto, norte, ninguémverões, por ti,Após Irreconciliáveis
I
II
[17]
UNGARETII ROMA VIGIADA
com a outra buscaaquela, estreladaque se abreao diálogo
Em guarda, quatro ciprestescenturiõesfulguram sobre a cidade
Se una tua mano schiva Ia suentura,
Guarda: ninguémte espera com a mortalhados Sete Mártires Gregosnem te abrigarãodesconsoladas catacurnbasescarlates, a rosa brancatombada à pedra
Da oliveira,mais gue sombra, tenscom anhia
[18] [19]
11Monikl1 Grond FAZER COM, FAZER DE
A CURA, e sua auraesvaziada de abismo
.O abismo - o íntimoascender
Estar, entreestrelas e pedras,interrompido
um estrelar-se infinito(de boca
contra) ao beijo cruda queda
Resto deervas, tempo, entre dentesdetém-sea palavra-refém,
réstia
[20] [21]
[22]
LENÇÓIS, BA
I I·
III
NEGRO O. Ainda aqui faloo abismo,
o mstantedentro da queda
mas
já não guardaso osso,o parente óleo noturnocarregando um destino,o nome
manchaque no centroassombrado do corpoamadurecia a dúvida -
Onde,por falar em pedras,
fala-se diamantesob o leito abertodo rio deflorado
Onde,
ela, em sia resposta
o que na pedraé estar,sobre teu corpodeita fala
[23]
[24]
REVENDO P.P. CONDURÚ CORES
IIII I no olho
louco de AlfonsoFou'hallFerson, o Velho
Negrores, blau deesfumado lume,breus
raivas do brancoà luz ácidada estrela doenteque nos dá companhiaentre grades e ciprestescontra a mente - quemte ouve?
Alvorada amão entrevista em Colorsentre gradesentre-laçando confuso um gestopássaro, cruz
o mundo nas mãos
Com a chave rebeladatens a arte, a alvaporta de cilícios,torna-te o que és: santo,
flor, dragãodedo-
revólver
Hóspede de hospícios
[25]
[26]
HOLDERLINDA MORTE as festas,o aneltodo dourado-diâpara o inéditode uma vez
Sombra e sombra -todo o negropara os dedosestioladosde Deus
Pro-ferea palavra,
referea ferida
[27]
A FAIA VERMELHA DE VINCENTUNA DUDA SE VUELVE MEMORABLE
a Teresita Segui
Era a pedra errada, repetia
Nr. 562 - Fagus silvaticaLaciniata,o nome da árvore
E: "sob proteção legal"
Uma verdadeinstaurada pela dúvida(ensolarados pomos de pedra)
Floral,cega-purpúrea,cor-
rompida irmã, aberta --epara sempre enferruja a navalha
entre remorso, ervas
Era a pedra repetia
[28] [29]
IRMANAMENTE iluminao leão do fósforo
KópTJ, KópTJ, for tbe six seeds of an errarThe Cantos, LXXIX.
[30] [31]
uma boca, restos de conversaSarurno (guarda o anel
que não tivemos, guarda-o, sombra, por nós)
aceso o tabaco da remissão
fumaça
Cerchio d'ombra (errorde assombrado lustro,
Esplendor!)levanta-se aqui agora
tarde um braçomão humana manchaacenando da rurbaa dizer do bardo, dez latas
atadas ao rabo, o quenem mais interessa: inocente
Ese corrompe, ó
em círculos,dragões no ar, tempo
*(Zerou, morreu, ex -
aqui agora tarde- seis figueiras se erguem
pelo erro do velho Ez)
PESSOA NEGATIVO DE RICARDO REIS
.;
Agua-quando, pedr' estarÓ de fogo ouro ou: o
Bocas roxas (nãode vinho),
sobre a testabranca cresce a erva
Não te chamo Lídia: nada. sabemos sobre o rio das coisas
(32) [33]
OCUPADO. Sinais inter-calados de conversa nenhuma nemsombra de voz,
a cóleraenroscada na serpente espiralada,ramo de cifras ardendo nos dedos
para Sy/via, Benedito,Max e Miche/
Estar, não-estar: três estrelasde espera zumbem por ti,três estrelas se negam soando,chance de ser
APÓS circular o Ring -
Ó de
[34]
ouro,alta esfera de louros
se
ocup-
ocupado. Tentar de novo
- éramos nós agorao real radiante anela coroar esta mesa rouca
do Salettl-Pavillon, solredor de férias em áustrias austeras,
a contemplativa tília de perfumados pensaresdando sombra a vozes,
uma conversa entre árvoresem julho cafés e o poema (mais tarde)do verão
após
circular o
Ring
[35]
[36] [37]
POR MALCOLM LOWRY REDOR - redorfala exférica, andara, andar emcírculo
devorando-se
Duplo, cambaleantecai o mundojunto à pálpebra:
*(Ar, ar
doze árvores em chamasrespondem' 'Presente", alguémtrouxe o barco na garrafa,não estás sozinho
contra o muro -beijamos asombra,pronunciamos cinzasobre aexperiência da pedra)
Hélices de álcoolventiladores do inferno,um corpo de gasese destino (não estás sozinho)entra em passagem
*Pedra,pedra-umde ser e sombra,
e desceurna
BRASILIENSIS I: LOGOMARCA
Quis
o design da canoao diz-que do riscoa Estrela do Nortehévea letra, mata helvética
para a marca' 'Desenho da Selva"quando duas luas irmãs, reluzunindo
no arcose desintegram:
o alvoacerta a flecha
[38]
ROMA, ver notas(Villa Borghese não visitada,
pedra-alma de Adriano, cosmos)
ou: revê-Ia via Greenaway(enviando postais ao morto)n'A Barriga do Arquiteto, ofigo envenenado da simetriareproduzido aos pares
do ventre auri-luminosode Xerokopia, o Duplo
última geração, anno 1986
Outras anotações: cinco laranjasfunéreas alourando a mesa do hotel,
Keats' house (por M.i.)42 graus, noites brancas
[39]
OUTRO TOM: OUTONO
Desflorecer, aflorar contra -
bruno rorejanteapontao cabelo do futuro,
outro tom outonoa abraçar aviolentada cifra púrpuraquando declino
(falo, far-falho)ramos em flama: f,
fls,has
[40]
(AUSGANG, a saída
Uma portase oferta
experientepara outra porta,aberta
(por dentro,onde já não ardeum passo sobrea neve
ouo próximo
último, sem despedida)
para outra
porta)
[41]
DESATOU-SE, o último diado Ano - buquês na bocaa celebrar o mortomestre em desastres, dezembrado
Também por nós,festejando, berramas flores da gravatacristal-orvalhada
[42]
POR INNSBRUCK
A cidade em volta -a cidade, entre o colarnorte e o últimodialeto do branco
Estrela ferida,adeus, aqui estreitaso que é nevee parte do esquecimento
[43]
JUNTOS. Todas as velasse apagaram, aceitemos
Confia: filho, não seio caminho - só tensuma palavra, estaminha
[44]
IN ABSENTIA
E: ainda uma chance -uma pedra se refolhapara o repouso,o instante ésempre presença
Ror de erros,recolho repetidoso que ainda me pertence
[45]
[47]
NISSO SUMA
que ascendeuse reveloue esqueceu
Quantas vezesainda por repetir?
ponhamos uma pedraEstão comigo, todasde segunda mão,não classificadas
ó anelcírculo mancha ervassombra relva irmãestrela erro tumba
por companhia
[46]
pedra pedra pedra
ARENA, AREIA(1986)
Ao meu pai, JoséAo João, meu irmão
A Max Martins
DE AREIA, era a sombracoroando a pedraausente,a ferida do nada
Assoprada sementecelebrada sempre em ti,
a caminho (semti, tusêmen,
rr-repartida suma: um)
De areia era a sombra,de areia aobra
[51]
DIZ-QUE, e era a dúvidado retornorolando errada na boca
(uma pedra baixando o corpo,uma palavra perdida
baixando à pedra)
THE AGE OF THE OAK
A idade do carvalhoaflora real na pedra(ágrafo círculo da pedra,a sombra e a diferença)aponta para o deserto,declina
o ramo do nomeonde espera uma data,a resposta
dentro, buscandoa abismado caos do instante,o centro,a zoada mais íntima, do início: a
[52] [53]
BOCA,
a minha e a tua:o ímã das línguas lança promessas,letra-sobre-letra
À vera,a tempestuosa mão da rasurasubjaznegra no plural dos pêlosà procura do selo mais profundo,
funda
[54]
VERMELHO
Tua,de seda e feno
no transe da metáforaa fenda soletrada-sol,vala de luz, vocabulário
Tua, folhagem. Oolhoalcança o Olho,desce aos infernos:
sonha o cabelo da urna, overmelhoda cifra, a feridano centro da fogueira
Tua, tua
[55]
MARÇO 22, três anosdepois
Círculo brancocalcinadona pedra - ó,
ainda aquiVives,fora do nome,
todo, ósseo
[56]
A IDADE DO CARVALHO
The age of the oakblossoms out of stone(unwritten circle of stone,shadow and difference)points to the desert,articulates
the branch of a name,awaits a date,the answer
[57]
[58]
YOU'VE A SEA TO LIESOBRE UM CORPO
Caixa -de-árvore,Terra, cabana
do Marahu - sonoro, assim-falas o claro, o louro incêndiodas folhas, alguma linguagem
Seda de graçacorrompida,és
Leste a água, a flor na pedrasalina,duas juras traspassadas no verão:traçaste
a sentençapalavra a palavra, o poema
Ó
negro, leitocrespo de sombrascircunferido,água difícilque esgota-ralo, poema- toda mensagem
Onde o mestre, a trilhaestrelas? Outras palavras
tocaste, violento:tempo, laser, Tens um mar para mentir,
zen,Não és,
ó negro(azo, azar)
a chave, infinita, mestra
[59]
OS INCÊNDIOS
(Não cantarei o mar: que ele se vinguede meu silêncio, nesta concba.)
Carlos Orummond de Andrade
How alike are the groans of loueto the groans of the dying
Malcolm Lowry
1.
Via-limite. À beira do abismovazrode palavras, o clarão do nomelavra sua chaga em bocanoturna, esplende em erecta paixão:nome, dois nomes e amantes
(o ideograma sangremo de Sada riscado no corpo bár-baro e defunto? Yvonne estelar luzindo maligna nabotelha do Cônsul, sobre a barranca sinistra? o anjo su-jo de Cass espatifado bêbado às botas do poeta? ou
Tu, tu mesmaD.M., arfando histórica na inscrição amorosa da pedra,furiosos cabelos na tempestade, o ramo transtornadodas mãos sobre o rosto do deserto?)
Nome, dois nomes e amantesexasperam a urna escura para nosso verbo,tanta violência, mas tanta ternura:lume de vero exílio, a morte anunciada
[60]
2.
O solrncide no tanque negro e brilha enforcado entre as árvores,11 sol negro clamando por ti, louco astro subornadoJlirando neste esplendor de Lowry maldito girandoqui aqui
O Vale da Sombra da Morte1111 rc constelações, mancha de letra, o azar
(o mar, ondeo Mar?)
bananeiras indecentes alvoroçando suas pernasrnplarnente às serpentes de pluma: antros
do inferno: as formações cruéis, passando: nuvens
V I ios verbais na paz sonora. A latanulfabeta enferruja sua metáfora,/ltlst cego incendeia uma floresta de vocábulospu lavra-vulcão o estrondo da página
v .spera do silêncio
Aqui, ex
[61]
3.
Cessam os incandescentes signos da luz
Espelhos espaços claridades: tudoconvertido na turva escrita das pedrasonde piso-conciso hieróglifo
(o Mar, ondeo mar?)
Daqui, acima da tardee seu desastre, dos relâmpagosdestroçados, sobre a grave paisagem(feno tornado ouro, nunca queimado)
euescrevo (meto) gravona pele rnonolíticateu nome incinerado,
Nome
[62]
PEDRA
Erro. Ouro e cinza, aos paresa grande Irmã trafica suas letras
Nada te revela: relvarara, uma palavracega floresceu no caminho,azuluz perene na pedraestrangeira
Ergui-a,levo comigo, lida
Sem resposta(ouro e cinza, aos pares)beijo a pedra,sua testa indecifrada:
"D.M."
[63]
ENTRE PEDRAS, serni-sombras sob o arvoredo, a mãoofende a falha -
lá,entre o fresco rumor das folhase dos ramos lázaros, Láreino azul-redor:
à luz malina, nós, descobertos
[64J
NEGRO, forceja reconhecer a lajemarcada, conspira contra a cripta:
véspera do nome,véstia da paixão toda paixão,aqui
cresce uma cruz na última palavra -
A ofertada, irrepetida, ir-recusável
[65]
AQUILES, 1982
"Reúno e recuso: aindanão aceito a oferta,despojado, fiel a este corpoexilado de negro e sudário,
os sapatos apartados do barro,a cruz das mãos assinalandoo coração escuro, o mercadoferal das flores, muros de cinza.
Sim, aberto à relva mais ruivae salina, à cidade incendiadae corrupta do rubro lacre,
onde Heitor, lastro vencidoem defesa ao sítio, abre-meas portas para fundar o mastro. ' ,
[66)
OS JARDINS E A NOITE
Scmoarz ist der Scblaf.Georg Trakl
Os jardins e a noite,graves perfumes da noiteE nada. Nada
As ferasdormem nuas em sua severainconsciência de músculos. Eternasestátuas que ornam estes jardinsesquecidos mas reais: esferas do luto
- És ru,caranguejeira, quem nos percorre
tremenda o corpo, o sonho negroonde da janela a morte grita
Tu, bicho obscuro dos números verdes inscri-tos à pata na parede alva na pele da linguagem na falaobstruída do fogo e do sexo aberto apagando este astroostra que mostro quente agora enquanto as árvores e umcasal e o próprio trópico incendeiam distantes o que restada estação o verão que rola alegre inacessível acima deteus tentáculos rancorosos acima de abril o mais crueldos meses num sopro de ternura que desconheces.Câncer de julho,
são as esfinges que fingem contigocontigo desde a treva do ventre. A luz te fere
[67)
- Eu te amoAs feras (herasde sono) despertamlentas e lambem-se no euA noite acolhe-nos amorosaE nada,
nada
[68]
MÃE
Eu e tu, sombras aliJorge de Lima
Contigo, contigoem tenebrosa es eradesde a treva do ventre- véspera, as eras do sangue
Cresce, cresçodentro,fruta e nome,a luminosa lepra da idadelentamenteconduz o corpo às hastes do ofício
Cresce, cresceo Nome,mancha e destino,o cabelo da letraerrando rumo à residência da palavra:a palavra crespaque te adora e espera,negra,espera, espera
Ergues a camisa de fogo e crime -Mãe!(escura selva, Inferno)- e Lá me tens, promessa
Contigo, contigoem tenebrosa esperadesde a treva do ventre, amém
[69]
CUATRO TERRITORIOS PARA JULIO Y HUGO
ou amor, jogos-rituaiscom cadeias de luxo,recintos distantes, flores inúteis
2. recintos com floresde luxo, jogos inúteis,cadeias de esquecimento: rituais do amor
3. ou amorJogosdistantesflores rituais
4. cadeias-circuitorituais de esquecimento
espelhismos
ou amor
[70]
CINZAS, tua bocade sombras, interditada
Pedra sob a língua,errante, ondesempre tens o deserto,esta página, gueto da letraperdida, judeu: K
(Tua palavra, tuamais dura palavra- muda, irmã)
Cinzas, tu-a bocade sombras
[71]
A LETRA DE SER,
como VIU
Edmond jabês,do oásis -
sete vezesaberto o Livro,sete vezesa face de Deus
em questão:I' être, lettre
[72]
PODER, ervas da palavra
Raro arvoredoaquele que enredaazar e erroà sua meta:
a pedra e a florfraturadas na mesma boca
Aflorar da rocha -promessa, metáfora
[73]
[74]
É a praia que chama,o mar do sempre, sêmen
o POETA
Vigília, um rio presentevertido e vertenteecoa no fórum original:ruína da careta latina,Eneida incendiada, mortoo dador de fogo, nomen-numen
Aqui, tua aventurade ser, o bêbado retornonadaazul
entre onda e vagaágua aliterada
aqui, o espelho cifradoinformado rostoonde
branco, mira-se o alvo nome- geração amarga do eco,rasto verode
Passa o rio, ex -sub, solitário
razão e erro
Éa prata
o corporal tempo e leitoque chama
vaga onda nada
[75]
REINCARNA tION
and the street was narroweven for a shadow
seven lives, three poetsblack
catunder the wheels of the cab
scrowlingthumps & squashing death
escaped
and the subterranean river speaks lifehidden
by forceof a fateful wordturned against itself
springs through flat annihilation
OUI inheritance -death & lifelife & death
the three into one word: catblack on white
delivering us
o poema Reencamação/Reinoamasia« tem duas versões, escritas si-multaneamente durante sua concepção, em inglês e português, pe-lo poeta norte-americano James Bogan, por Max Martins e por mim,não existindo portanto uma versão original do poema entre os doisidiomas, constituindo-se ambas independentes entre si. (AC)
[76]
REENCARNAÇÃO
e a rua era estreita para a sombrasete vidas, três poetasnegro
o gatosob as rodasdo carro,
o grunhidoda atropelada & esmagada morte
e um rio subterrâneo diz da vida,reclusa
a pulsonuma palavra azaradavoltada contra si
saltando através da perda, aniquilando-a
herdando-a para nós- morte e vida
vida e morteos três numa palavra: gatopreto no branco
libertando-nos
[77]
ENTEpara Belo/a e Zeca
~gua,pedrafundarnent~de Tales, habita o ser,Ser de antro: grave,
partes à alegriado primeiro filho, cesariano
[78]
MÜHLAUER FRIEDHOF
Me-dita, a
brancasombra da neve,o nevadesse silêncio, fendido: Trakl
(Arde,arde a folha
forasteira, o lourolatim das folhas,o ce o ventoledordas folhas)
Aberta, apedra interrogada
[79]
ENGLISCHER GARTEN, MÜNCHEN
a Ingnd Rõderer
Aérea-alumbrada
mão do desastre,
que sobrevoou o verão da frutae se fechou na sombrajovem da pedra,na jura grisalha que nos acolhia
(sem simnem não, poesia)
Arvorada em si, assinadabaixou sobre o exiladojardim, aí,
anônima
[80)
SALZBURG, OUTONO
Fulgor da memóriano tráfico das folhas: quedao passo
e outroressoante neste pátioda Waagplatz, A-I
eco do mesmonome, o
rasto apagado neste pasto de pedras,a mesma sede subterrâneaque conduz ao velho poço(água de norurna mecânicamovendo-se em puro estar ,estanque, o secreto lume do círculoesplendendo fechado em sua ruínade urina e sombra)
Cai o passo(e outro) refolhando o poço
abandonado neste paçoe deito e rastreio
c'o
meu olho, teu olhooo
[81]
EPITÁFIO PARA PAUL CELAN
após a leitura de Grabschrift für François
Num mesmo outubro, num outro outonotraduzo teu poemafechado às cinzasde Francisco, o anônimo
Rogas da pedragrave o que nela é muda:
Palavra, a que tombou,a-para sempre, rosade ninguém,de tumba
[82]
De boca no mundo, arfaa palavra soterradade razão e chão,
Grund
[83]
À MERDA. Sem que possas florescer,grita a árvore por ti, muda
Áurea-suja, uma palavra contundidaJura -crânio azulado,estrela - memória cegaà cadelamortano asfalto
[84]
NÃO
Desfolhada, mão-de-sete-erros,jogas no vazio tua palavra
não. Três subterrâneoscelestes, três sinaissobre a selva da letra,palavra
negra, clara: Não,o soletrado, calcinado
[85]
o salpela mãodo rio-sem
DOIS ESCRITOS DE ÁGUA
para Vicente Cecim
A JOÃO CABRALDE MELO NETO
só dizero que se!e duvido saber,
Vertidono Rio Vermelhoem muroindecifrável: Afoxé-Otun-Obá
resposta -um luxuoso dizer, de vagar sem ondae vaga, fluvial, não aliterado;
um dizer repetido na diferença,barrento, semi-dito, em Não fechado;
Fechado o círculo,outra escritaencerrava Keats,26, numa linha d'água:Here fies one whose nametoas writ in water
ou o não-dito, rios sem discurso,nome por dizer ou dizer empedrado;
dizer sim o raro e claro do poema,dizer difícil e atravessado, com margem
Aéreacamisa incendiada do verão,
corpofuneral contemporâneo, éassimtecido o encarnadorito entre homens, áfricasincomunicáveis?
de erro
[86] [87]
[88]
Vem,
[89]
CANTO DA URCA
Vem, ó tubaixar à praia
onde outrora era rastodas sandálias negras de Ezra(anno 1885) o alvorado centurião
ó tubaixar à praia, belcompanho: si dorrnetz o veillatz?
Acorda,não dorme, vela -
Vem,baixar os degraus
em febre da pedra, ume um,inscrever o grisalho,o que respira gris-empedrado, letrae letra,lepra soletrada - "A'Z"
nomes contrao funéreo sopro do azar
brancoum barco
cresce, aurora héliceincendiadasobre a praia, ondeoutrora era rastodas sandálias negrasde Ezra
Vem, sigamosalvos
onde
ou
COBRA
Folha em-folha, entrelaçadosao varo tempoíntimo raro,um em um éramosnós,juventude, num:
era a palavra,a mais alta
que embaixo rastejava à covadefendida por ninguém,
mais alta é a estação,o ereto verão da devora,
ooco da obraenvenenada, palavraque se come pelo rabo
(umem uméramosnós)
ramostensos sobre o grão anel da praiaemblemados contra si contra
um coração de madeiraenredando as toscas iniciaisno lenho torturadoparao olvido,
cobra
a frase barrenta do rioo ir, o vindose ouvia-se inacabada, indo, in-do,
água esclarecida em negrorà margem do conhecimentodo rio, riosendosem solução
[90] [91]
INTERLUZ. o halo bruno da coroadevora o olho, o sinistro
(Digo: isto é o meu corpoescrito, o doloroso textoentrevisto no fulgor da carne,uma ferida)
Inocência do olhar, restoao sexo,
teu V-revelado - travessia
[92]
SEM SIM NEM NÃO
Tardedemais
A flechazarp
ou
da corda
[93]
[94]
NÃO ERAM DOISo caminho
da porta ao aberto, doiso deserto entre a areia e o texto,entre arena, areiarastro, rastonão eram dois um
lOstante 'na pedra da atenção,mais
sombra sobrea sombramaisumbria
não
Àluz selvagemde quatro chavesde areia, eis
a obra,jogo de sombras -
[95]
[96)
PEDRO,
[97)
1937-1983
Arena, areia meu filho, do fósforoaceso num diad'alumbramento perfeito,
In, caminho e campode existência interditada, digoa página destinada,
corpodoloroso de fórum e fortuna,o poema e sua experiência de morte- para sempre
que na língua a-final assombro,ror de erros, àprimeira palestra
Reina sob o númeroardente do nadaque assinalou meu pai,sob a chave que revolvea difícil folhagemneste leito do nome: pedra-umde ser e sombra, urna
de luz, lzz
Reina,reina, rés chão
sob o ínfero pano do exílio,no vinho extinto da paixão,sob seteno éter e secreta cinza,a cada degrau da descida(Era a cidade exata, aberta, clara) -aar
auroara
Aurora, A última queda.
Arena, areia
Reponds, "absent ", toi-même, sinontu risques de ne pas être compns.
René Char
OUTRA VEZfloresce um comércioentre homens maduros etc
eu dizia, Não tem saída,um corpo jogado azar sem dados possíveis irreconhecí-vel sós e ninguém por nós ardendo num círculo sujo deluz do batismo ó ao réquiem cirúrgico numa mesa deoperação sem saídae tu, Mais dez anosé tudo, fim, fragmentos destruídos diário o poema damorte a vida inteira visto revisto e inacabado, respon-dendo "ausente" sob todo risco a não ser que,
que
Outra vezfloresce etc
[981'
A FALA ENTRE PARÊNTESIS(1982)
Poema escrito comMax Martins
à moda da renga
ParaMari4 Sy/viae Benedito Nunes
Une amitié, ce n'est peut-êtr« qu'un échange de lexique
Edmond jabês
Eu era dois, diversos?Guimarães Rosa
Marque d'un signet rouge Ia premiêre page dulivre, car Ia blessure est invisible ii son commencement,
Edmond Jabes
1
Das florestas de Blake aos topos da Ásiaquem, da confusão entre chão e carnecom seu púbis, seu discurso e chamas, QUEMDEFENDE TEU ROSTO DESTE SUDÁRIO INFERNAL?
Teu nome é Não em cio e som farpadossinuoso grafito gravado no muromudo contra o tem o Arfanoturno, o olho do astro na memória
Este é o meu céu: numa bandeira turvaincendeia seus últimos signoste insinua às sombras (que estão nos antros
e subsistem ao gráfico parêntesis:Flechas ferindo-se no espelho. Reflexos
Dança indefinida
[103]
2
E nós dois, doisfálus críticos, acariciando esta cri taque doura em sentidos, cavernade grades negras, selvade pura escrita, rubrica indecifrada:
(poesia)
teu nome é Não em cio e som farpadoscilício escrito, escrita ardendo (dentro,se revendo), ferado silêncio úmido, se lambendo, lábillabiríntima.. E esta línguade pura estria ávida se desfraldando
lâminae se ferindo, se punindo:
[104]
3
As bananeiras indecentes alvoroçando suas pernasamplamente às serpentes de pluma: antrosdo inferno: as formações cruéis, passando: nuvens
É que vens nu, e as nuvens te amoralçamassanham ecos, sonham o silêncio atrás dos muros
Mais alto a fala do sol de ensiná às pedraste insinua às sombras (que estão nos antros- fendas noturnas)
Claro-escurode linguagens subterrâneas, ânuspara a fala de dois espíritos:
Escrirura,filtro de luz, as marcas inscritas no crânioda palavra, verão de alfabetos esquecidos,sílabas, louras mitologias manchadas no muro
Que existe / insiste escuro para manhãs, amanhos, aventuras:A Ilha do Tesouro, a mala do defunto, o escaravelho
- a falase amofina estéril e lisa, espuma
ao gozo de neblinas
[105)
4
Aludir, aludo:planto medulas
Meus dédalos dedos de medoprometem contato
Tento. Ágrafa,a marginal vagina
subsiste ao gráfico parênresisMas a mão assinala o teu centro, teu
último grito de ti - de ti, verdadeiramente
[106]
).
Os corpos. Pronúncia constelada pelo amore morte de Faustino, entre a crespa coroanegra
e o teso nervo alojado em olho profundoCorpos, faloe vulva - falo
a silva língua genital dos amantes, galo
Para amar / morrer os corpos falam / falhamUm masturba o outro - confabulame se simulam
não se assimilamPois que a palavra é palha combustível
os corposcom seu púbis, seu discurso e chamas
se consomem
- não se consumam
Ilhas de si, confundem-se no incêndionatural (um come o outro), negam-seno abraço, engastados, em seu idioma encadeado-solo a dos uoces
- os corpos: os sexos
se dilaceram, calam neste mar de lábiosque se abrem, ébrios, e se desdizemou se desgastam nesta praia: esfriam
[107]
6
Já não há mais sonhos Lá e amamos rastrosgastos no asfalto onde se arrasta a asa, restopútrido de um vôo que exalto e cito, excita-mecontra a parede e ex' ala a vício
fala entre parêntesis
(Negro,negro pêlo caligráfico
que recobre selvagem o sexo escrito,sinuoso grafito gravado no muro:
o SONHO ACABOU
O carro-olho velocíssimo. Os girassóislançando-se obscenos aos fachos de luz,faro luminoso. Na estrada. Seguimos)
[108]
7
Um verde vaginal inscreve-se nesta tarde- a alma de Bashô a contemplá-Ia
duma gavetaParadisíaca musa' ácea, páginaem que me iludo ,escrevo , jogo
planto bananeirasTarde-em gue me acena adolescente, fêmea e pornográfica, a morte
Cinema-camaleão,desvanece-se, desdobra-se invertebrada em laranjaazul, dourado - panorama
. onde o mar esporranas rochas, coxas
pernas seios braços púbis cu cinzelados onde penetro, caulemacio, tenro orifício do mal
azul, adentroconvulso róseo vermelho tremendo
branco branco branco(A rã mergulha no velho container.
Gozo)
E perco a fala, brancoE o próprio branco apaga tudo, as cores deste gozoe o próprio gozoneste poçocala o som da água
A tardefulgura arcaica no fogo de seu próprio pó,incendeia seus últimos signos,
ilumina,rara, um rasto inútil de memória, calendáriogiz do esquecimento, palavra
[109]
8
Jardim de escrita rara arar (orar) entre 15 pedras
Flechas ferindo-se no espelho - reflexos
(110)
9
Voam e voltam setas neste escudomudo, contra o tempo
Arfaum coração de pedra e de silêncio entre palavrassecas que se quebram
e se quebrantamE neste espelho
neste jardim fechado-imóvelum tigre é que nos vê
(puro-feroz)- não vemos
Nos ouve?Atrás da pele, acaso no oco abafado de fúriae mal, sou o outro
inominável? Azulde Trakl no hospício?
Vozes volam para fora desta frase, corpoe arrebentam-se no turquesa violento do verãoÉs um tenebroso corsário no mar salino da melancolia
É desouvindo que nos ouve, o som negando-nosE assim nos é, nos há: não somos
nem penetramos e sumimosnas sombras desse olhar
da areia
Voam e voltam setas neste escudomudo, neste campo de riscos subscritosonde figura tem nome apagado -
ágora telepáticasepulcro verbal- nesta página metáfora do Silêncio
[111]
10
Sob a folhagema lua de lábios, as facas interditas
o sub-azul olhar de Lícia M. atravessando-me
Sob a folhagemagora as cinzas pânicas se enrubescemnum sonho de palavras flagelando-se
Sob a folhagem(profusão de letras?) rumoreja o nevo
fendido, o obscuro. Quem fala?
quem, da confusão entre chão e carne- que cova ou boca sinistra conclama o nervo
sob a folhagem?
[112]
11
As bananeirasloucasagora dançam prenhasNão mais às nuvenspúberesmas para espelhos-luas,ensangüentadas
Dançame exibem o ventredesvelam o frustoo roxo cacho de egoísmo
- ;J. nossa gulaeste coágulo
(Mancha andrógina: mastro(fruta) em esfola, foda(gruta) vagináceade pé: dança indefinidaCoreografia vegetal)
[113]
Nascem aranhas louras destas folhasAranhas-homens, homens-bananeiras. Edos lanhos-lábios nasce o nosso mimosebo e saliva de palavras ínguas
Dançamdançam enlouquecidas, defloradassalientes dançam no vento, verãoazul, as bananeiras alegres
Medusaanã de turvas palmas múltiplasmas pura constatação da real
árvore,contemplação da fix.idade
[114]
12
QUEM DEFENDE TEU ROSTO DESTE SUDÁRIO INFERNAL?(Na câmara escura, o pássaromono petrificava os despojos sobre a rochae teu barroco sexo exposto jazia aprisionadosob tua juventude, a tua pele
a peleque deixaste na praia no último verãoa tua pele secava para outra, e caía
Teu rosto era sereno - não vi)
Estes rastros, estas rotas, estes ritosdos olhos de nuvem, ensangüentadosEstes riscos, estas rugas, estes restosde oceano e de cinzas pela praiaO sentido e a denúncia desta flauta quebrando-seA demência irada destes músculos. A ferida -
Quem defende o sudário deste rosto infernal?
[115]
13
Uma vez mais a aula das cinzas
Desce a estação traficando a folhagemperdida, o rasto que à tua passagem azula:grafo: a pedra, "Ana"
Traçodo meu gozo aos gozos de Anaiz - Joana
Arcanjode Laarcen
os lábios desta jaulaTeu nome de amargura me instrumentafunda o que me escreve e nego transferindo-medos jardins de mim ao resto de tuas frasesA rendiz das folhas, úmido, o mus o mostra olhao texto amado, o rosto soletradoo frio silêncio tátil duvidando-nos
Oh égua aveludada, juventudearranca do meu beijo este saber, sabor de cinzas!
[116]
(O céu se fecha: chuva na mataO bambuzal fulminado, a centelha estilhaçando a poça- estrada para as estrelas
VIDAo que se funda no corpo, em tiser, na raiz destroçada entre as ervas
Noturno, o olho do astro na memória)
[117]
- eis-me
1514
Este é ue é o sudário. A teiaem que me escrevo e me aliviado san ue aiante na sua cóleraEste é o meu céu. Numa bandeira turva
Claro ideogramasob a lanterna de lepra, discosolar no dorso amarelo-cadeia: tigre
a Palavrasobrevoadapor astros-constelações de minha vida, uma juraadorada no silêncio
Amargo Id e ígneo tigre por dentro, subescrito risco, seta atravessando atreva
em linho corrompido amordaçando a ilhaamordaçando a chaga, aliciando a carneanavalhada, a luanegra na pele - eiserótico-erosivo, o ideograma da morte
a flor da areia
Tu és aquele que escreve e que é escritodas florestas de Blake aos topos da Ásia
Salto relâmpago satori
Ou boustrophédon dentro de jaula rajada,oco ti' gwer, raio apagado de idas e venidas
O Nome na escritura, eisa palavra, o deserto da páginae o vero mistério da fé
Eiso caminho
o branco que firo, a letrao gueto do signo e suas estrelas
Eis-nos, em abandono
[118} [119}
ARQUITETURA DOS OSSOS(1980)
I IiIi
Para Cunca,Maria e Cira
OS QUINTAIS
Para Ruy de Bastos Meira
Tem uma caveira de burro enterrada no mundo.
Cezar Teixeira
OS QUINTAIS
Os quintais do mundonão estão no mundo. Os quintais- arquitetura da manhã - é a tardeque o corpo não regula
ouum sopro que a terra coagulanoutra tarde banida da esfera.
II
(Um beijo de lepra conduzo planeta:sete novos galos mortos: a goelae a faca dentro do dia.
O Equador é uma linha enfiada na carne da cidade)
[125]
III
Nestes dias de ódio escurotenho um braço no escudoe a espada na claridade. Tenhoa mão na fronte da noite,fecundando a noitecom os gametas da eletricidade.Carrego no corpo a medula da árvore- bicho de frutos. Batizo a cidade:
Santa Maria de Belém do Grão-Pará,eu te esquecerei na Praça da República,longe do Forte e dos canhões,sem teus ingleses dos alfarrábios da Biblioteca Pública,perto dos Correios e do funcionário,na esquina da Riachuelo,
na I? de Março,na zona.
[126]
IV
Va arei ela inexistência da cidade,por sobre os telhados
(nunca mais pelos da Palmeira,que rescendiam a pão,e hoje resistem noutra tarde) da cidade,
sobre a vida que transpira na pele da idadedos meus 20 anos
de poeta,de aprendiz de arquiteto,menino de sonho
e ossos no universo de um quintal do Norte.
Vagarei soturno por entre as mangueirascom o coração exilado da cidade
(talvez num quintal de outro país),como os gases noturnos despreendidos das usinas de
[castanhaperseguindo as nuvens levando uma esperança operária;
como um homem e outro homem(às duas da tarde);
um homem e seu sonho; umBrasil, um brasileiro.
[127]
v
(A vida grevana neve do coração. Um homem (com sua vida) bebe.
Ri ,dentro do Bar do Parque.Vinte minutos depois, vai ao banheiro
[e suicida-se',Uma mulher (com seu filho) chora em algum canto da cidade).
A vida greva na neve do coração.
VI
Porém, há um universo de estrelase rosas perdidas num quintal,com seus galos matinais e aromas de café ao fogo.
Outro universo, diverso,os quintais da cidadede cercas paredes e muros: geografia escolar.
Um terceiro, o indigente universo da miséria- sol de vermes -
quintais do mundo (que não estão no mundo,mas naquela barriga inchada da criança nigerianaou da Nicarágua,e, com certeza, dessa que vive no Norte do Brasil),
lágrima de ferro.
Todos, contudo, quintais do homem.Pois, o mundo é grande,o quintal é grande.
[128]
VERÃO
As frutas, neste verão,amadurecem distantes e limpas,embora as máquinas trabalhemsob um vento antigo de besouros.
As máquinas do verãotrabalham ao sol do séculopelos fachos da manhã,ausentes da fruta - cão esférico -
amadurecendo na costa do planeta.
O chão, bandeja de terrana queda do cometa: fruta.O mar é o arcoazul para todas as referências.
O verão é móvelquando a fruta a roda da estação.
[129]
A CADELA
Caminhava grave pela casa,a cadela.
A cabeça quieta era sua altivezquadrúpede no centro da cozinha.
Caminhava. Os olhos, costelas,o mar de ossos, o coraçãopardo e lento - caminhava.
A manhã debruçava-se pela janela: cristais no pó,o púcaro da china, horas de louçabatendo nas palavras na sala da casa.
A cadela caminhava, dura,secular.
(Domingo dormiaprolongado como um funcionário feriado).
Vivera demais. Descansava à sombra,peno ao quarador.
Sonhava farta, invisível,a cadela azul,nua(o sexo velho e molhado,um caranguejo arcaico sob o rabo).
Dormia, vazia.
Outubro doia longe, na Ásia,Quando a Fuluca anunciou: "A Catucha morreu".
[130]
A ÁRVORE
Sem rumo remo nem direçãonavega a árvore- um silêncio que a tudo atenta - oclusaem seu próprio corpo, lenta.
A omoplata do tempoapóia, plena,
o turvo sonho centrípeto(mesmo quando seu coraçãoé uma revolução contidano escudo do caule), e acena-lhe a eternidade
A árvore estanca-se.Sujeita, a espinha curva-se;as nádegas gastas sentam no mundo
Escura,dorme limitada, a árvore.
[131]
[132] [133]
CANTO DE GALO
Na madrugada dormida,onde a chama
(agora apagada) do diareclama o fogo das manhãs,um galo canta
(apodrecendo rígido ao passar das horas)
COMPOSIÇÃO PARA QUEM VIVE
A CASA Sob o sol do dia,no sereno do pó lunar,a casa será construída.
De alvenaria, urna casaseca, branca.Dentro do universo (querendo,no mapa), um retângulo vivo que roda,'
roda, roda.
A ÁRVORE O fero martranscorre veloz e mudono interior do corpo: árvore.
A MULHER A que se quer no mundo,e, por isso, absoluta: tamborque deflagra a luta- seja ao pão, ao amor.
A que se quer no homem,no filho, dividida: uma, violenta,que se deixa entrar, infinita;a outra, explodida em carne tenra.
Ainda, a que se posta em si(como uma árvore ou uma casa),fitando o mundo, definitiva.
Que espera, no fundo, o fim- a que não tem pêlos e é sem asas -,e a árvore é sem sentido e a casa contida
OS CONDENADOS· José, vê:a Terra é azul
(como não foi quando nasci),e o homem pisa em plumanavegando os mares da Lua.
Maria/Pedro, eu te querouma estrela no sonho do capinzal,
minha flor.
[134]
ARQUITETURA DOS OSSOS
o mar envolta-se musculoso em todos os seus azuisenquanto a manhã crepita quente na areia e por entre ocajual a poucos quilômetros dali. Nada cessa sua existênciaentre a plantação e o homem que agora caminha sozinhoà margem da estrada que leva a essa praia inventada numséculo perdido e próxima das frutas .
.Na praia, uma casa amarela ergue-se sobre o arealdeste inferno.
ARQUITE1URA DOS OSSOS
Edifico furioso esta manhãnascida im rovável or sobre meu ombroplúmbeo de lutas
(uma serra que se move),crescida na vergonha argilosa de minhas unhas empobrecidas
em sua carne arruinada, funcionadapelo motor incessante do mar,iluminada pelo mar do sol.,
e finda pelo último homema tomar lugar no espaço(suicidando-se o meio-dia),nesta praia, infinita.
2
A laranja entrega-se em dois sóis líquidosao sono da urina de amanhã: é o verão da frutaque agora serves sem cerimônia nesta jarra velha e sem estilo;entre o mar e a cozinha da casa, na varanda da manhã,em pleno julho.
[137]
3
A água, a mulher arrepiou-sena eletricidade do mar. Olhaa linha agora: o azulcostura-se em outro azul.
A Terra é redonda, pensa.
4
alavras: sol e câncer.
como em meu
5
Estando a manhã acabada, sujo as unhas de terra e entregoos cabelos ao sacrifício de cortá-Ias. A barba cresce em desa-cordo com o dia. Espuma o oceano em sua raiva azul. Fre-mem as margens ejaculando para o fim. Cega-se a lâmpadavertical do sol. Amadurece a fruta. Vermelha e amarela.
É meio-dia.
[138]
6
A tarde se iniciapelo sono, e é lenta e brandaa tarde da varanda.
Uma onda(a tarde branca)quebra outra quebra a onda
quebra
7
(Meu bisavô extirpava, de quando em quando,um artelho podre. Penso que deve ter coisade sete dedos no par de pés. Mastudo parecia normal).
[139]
8 11
Começo a decompor-me aos poucos.
9
A noite vem por ruídose cheiros trazidos do mar.Vem também, inversa
(a noite oriental, meu dia),pela anunciação da manhãe sua própria morte e minha carne rediviva.
Caem-me as mãos, e consigo sentir-me.(O nariz, as orelhas, já os perdi).Depois, na fome do crepúsculo, um homemmagro amaldiçoará a vida, esquartejado:
Ó partes perdidas, ó postasfedorentas consumidas na lepra do mundo!
Pelos bichos da terra,pelos vagos desenhos escondidos no muro, vemarrastada a noite em seus claros e escurospenetrando a casa, violandoo quarto, adentrando meu corpoinexistente feito de vapor, de medo,
sem tudo.O dia afogou-se no mar,desesperado.
Ao mesmo tempo,uma tristeza pânica pisou a planície do meu peito
12
lição de anatomia: não existo
10
Estou cego.
[140) [ 141)
13
A mulher dorme.Possuo-a pensando tê-Iaem minha branca inconsistênciamas estou ausente e não estou em lugar nenhum.
A mulher dorme.
14
Nada me escurece o rostoenquanto caminho para a entrega de meus ossosà calcinação desta noite.
Porém, minhas mãos queimamem minha própria arquitetura.
15
Espero.
[142]
16
Es eco reaver-me em mim mesmo.
17
Desenterro os ossos pensando reconstruir-mena manhã próxima que pousará absurda nesta praiaà margem do mundo.
Tudose dá sob os reinos da invenção: morro,hoje, nunca concluído (uma escultura na areia),sem ruído;
amanhã,como há milhares de anos, estarei vivo(os cabelos num novo incêndio, o corpoinconsútil no espaço)e, recomeçado,
serei inacabado e breve.
[143]
OS GUINDASTES
Mãos sórdidas, meus guindastes,nada do que deslocasé rota para a humanidade.
Não é nave nem guiana lâmpada do dia.
Nem rumo tampouco mapado mundo que te escapa.
Não é bússola exatanão é vereda não é nada.
És par sujo e pendularquando ando e sou sem razão.
[144]
Eis-me sem governo:o caminho iluminadoé meu traço inacabado.
Meu corpo de evidênciasestá soterrado sob as pálpebras do mundo: escureço(Dizem,
há guerras em países que desconheço).
(145]
o corpo na praiaé uma voz insegura embaixo do sol.
o corpo na praiaé uma voz insegura embaixo do sol(como uma fruta pronta).
o corpo na praiaé uma voz insegura embaixo do sol(como um fogareiro morto).
o corpo na praiaé uma voz insegura embaixo do sol(como a pedra-pomes gasta nos pés).
Uma fruta,um fogareiro,uma pedra na praia.
[146]
--------------------------------------------- ._.--------~---
o espaço desocupado em inúmeros azuis:o tempo e o mar: a pratadeflagrada por duas esferas imensuráveis,quase corpos, em seu perscrutar simétrico:meus olhos vislumbram o universo efêmeroonde a morte articula-se em seu triânguloregular de eternidade:
a praia, o tempo,o homem.
[147]
Homem, querem teus cabelosacesos ao solcomo uma flor condecoradaque chora suas partes perdidas num quintal nordestino
- como um fuzil que o salcome, esquecido.
Aviso-te,virão buscar tuas mechasnoturnas em tarde de fome.(A terra arderá em trezentos sóisegípcios, desentendidos).
E, sei, porão fim a tua fonasciaquando tua palavra - párvoa
e sepulta aos famintos - resvalarpara um túmulo de absurdos vespertinos.
[148]"
l"
Tuas palavras de sono e sonho caem súbitono vasto clarão de pedra do sol,esquecidas de teu corpo que não comenenhuma fome porventura sentida nesta tarde
Em abismo,há muito rolaram tuas espadas da bocasem que percebessem a necessidade delas, . .
feito vegetais.
[149]
Senão pelo corpo,o sol engendrarialuz, os fogos na carne?
E do corpo,como um sistema de sóisa~~drecidos, apenas uma lâmpada,
. pálida e puntiforme (planta aérea,um mineral escuro na noite do subúrbio),
aquece o coração do homem.
[150J
Corpo, árvore móvelabandonada de raiz, pésindizíveis de tanto rumo.
Corpo, matéria violada na densamultidão que já se aproxima,entre o grito próprio e os pássaros de anunciação,em marcha dentro da manhã incontidapelo chão, proclamando a miséria humana.
[151 J
Aqui, em meu paísirremediavelmente nordestino e miserável,à luz elétrica de meu século,sob todos os alfabetos do medo e da fome;
aqui.entre o homem e o homem(como dois sistemas totaisnum universo de águas inacabado),
aqui vivo.
[152]
Ai, cabelos do sono,viajo azul aos teus reinos, querida.
Permito-me parvo e inútilnestas tardes de sol
_ caranguejeiras de julho.
o oceano bate longe nas costas de Salinas.
[153]
Recolho-te dos escombros como quem removeflores num inverno infernal. No entanto,é sob o escárnio incandescente do verãoque te trago à luz por minhas mãos.
Entre o fogo e o fogo,luz, somente.
[154r
Minha mãe morreu aos 48 anos;meu ai, aos sessenta. Uma edra,a cadela morreu dura.
Morreu o João: câncer;o Carlito suicidou-se
(novo novo).O Abílio morreu, nunca mais. A Márcia,a Jane. O Zeca, no Rio.O esqueleto do volkswagen enferrujahistórico numa praia da Paraíba.
(Enfrento prematuro a idadeonde meus dentes estarão num álbum
e perdidos para sempre
(não sei aonde não sei aonde, meu deusl)e terei uma lembrança e uma cadeira,
próxima à janela).
[ 155]
38, salienta o canoque a vida é medida- inútil o hálito dos anos.
(Cala-me portanto a todomotor que dispare acesoo canto
- ~ toda palavra que lavre o tolo engano:vagina,
cabelo, vapor).
Pois, como a vida,a bala arquiteta a mira.
Turvo, feito cão que a bala desvencilhafeito pluma quando o corpo abranda. '
(O tiro escapulido resvala na lembrança).
[ 156]
Abato o tempoproclamando o futuro e convocando todos os deusesenraivecidos que me invadem diariamente e me levam à rua,os olhos queimando, a carne adormecida.
Tempo,luz miserável, facho de fome, minha vida te atravessa cotidiana e de-sapercebida da fúria com que a recebes - fora de mim, que te obser-vo sublevado, cão odioso, inversão medonha de toda vida. Te amaldi-'çoarei enquanto tua incidência for desprezível - e mesmo depois,quando tu, puto, me tomares o corpo e modelares a horrenda escultu-ra que me quiseste desde meu nascimento. Esperas - esperar, ver-bo de tua criação - com que paciência pelo final que a ação ininter-rupta das tuas mãos em pó fazem vislumbrar em matéria tão fraca.
Em vão conferi as idades e as fotografiasiluminadas por manhãs acontecidas; a vida, recordei-a remota maisdo que havia, e quase morro em tuas lâminas de claridade. Mais que ~tudo, caí irreversível em tua pior invenção, Tempo: membro obsole-to, objeto histórico, inutilidade futura: o passado.
[157]
Em vãofoi tentada a vida,a vida em todas as coisaspelas quais estive em fato.
As iluminaçõesque do ouro banhavam a casa - estas, esqueci-as todas. No entantoa mim foram legadas, e possuo-as no desprezo de seu brilho louro 'de sofismas. Inconciliável.
A mulhernunc~ me terá um filho. Estou velho em demasia para o trabalhod.a mação - e nada se reiniciará a partir deste meu corpo de obsolên-~~ego:me, resoluto e covarde.
. Principio minha ~~ desolação, no imenso desprezo asmlOhas mãos.
Grave, cai a tarde em seu mármore de abandono
[158]
Agora era o sol que vinha por detrás do muro branco e vinhao céu mais cruel e metálico fundido no azul/cinza/verde claro damanhã reiniciada em calor. A claridade oblíqua, dentro do arcosolar,incidia na solidez pétrea do mar, que era calmo e contínuo, e era in-fjnitamente presente este espelho líquido movendo-se na eternidade.O tempo inexistia, raro. O relógio, feito de areia e vento, rolava ve-loz para fora do mundo, e as idades estavam perdidas.
Um homem de bicicleta, na estrada, passavacomo uma imagemterrível aos olhos do outro homem que observava. Instaurava-se ali onovo dia irreal alas com a hora vermelha na ar anta tem o e ame.
SETE EXERCíCIOS
A FALA DIDÁTICAa Paulo Preire
Aqui me detenho, disposto:entre homens, a vida pressupõe a FALA,·mecanismos da boca
_- canto ferial.
Aqui me contento, deposto:entre falas, a vida presume o VERBO,flor acesa na boca
- fogo in/transitivo.
Aqui me enfrento, morto:entre verbos, a vida rompe o SILÊNCIO,exercícios do mundo
- a vera boca do povo.
[163]
11Tbomas Lee Ml1hon
[164J
o ATORUM EXERCÍCIO PARA JOÃO
Que o mar tenha seus azuise a terra, dois terçosimersos; que o mundo desandeinverso ao berço:o pão é do homem,seja na terra, no sal,no inferno do terço.
Ontem, julho plenoum homem chorava-se inteiroprestes a tomar o avião
(menos os olhos, encenandouma comédia de Moliere).
[165J
DISCURSO
Há palavras que a boca não falae lutas que o homem desconhece.
Uso da palavra (falha, palha)como vivo delas: sem mecanismos- e intensamente.
Das lutas, conheço algumas,e me desfaço de toda armaduraà dura carícia de suas feras.
Mas,há palavras que a boca não falae lutas que o homem desconhece.
Por isso luto: falo.E enquanto falo a vida é apenas seu turvo incêndio.
[166]
CARLOS
Chego as tuas primeiras idades, Carlos,e a dor que me funcionanão é igual a que carregaste,tampouco semelhante àquela que movea fome do mundo.
Compreendo lutar com palavras,feita de consistências diárias e azuis,e, embora talvez ria como em algum temporiste, tenha gestos, atitudes,dores palavras amores;embora mesmo que chegue a tocar um poemacomo tu, a beijá-Ia com pudore desprezá-Ia usado na boca errada,nada será igual nem parecido.
O mundo não é o mesmo.(Como não será adiante e não foi no passado,a minha infância e a tua maturidade).
Contudo, Carlos,caminhamos.
[167]
RECADO PARA O NATAL DADO EM AGOSTO
Uma voz não se portacomo se carrega uma alegriaou um filho no ventre(apesar de todos virem em abrile do interior do corpo).
Não se traz a vozsenão pelo outro homemque fala de dentro de nós(não como um filho ou uma alegria),posto que dele partimos para a humanidade,pois o mar não é tantonem a terra pouca.
[168]
PEQUENO INVENTÁRIO POÉTICO À MEMÓRIADE OSWALD
ABRIL
Em Algodoal,abril abria fogopor sobre os rochedos da Praia da Princesa.
OS JOGADORES
Zeca e Mand,em marcha, caíram no matonum sonho de álcool e juventude.
Suas costas riscadas- dois tabuleiros ardidos -eram brigas de galo empatadas na rede.
SÉRGIO BRAGA
.- O onanismo está nas mãos!
[169]
SOCIALISMO
À noitinha, da praia,o vento trazia ao pátio o mare vozes fuzilando a casa. Discutiam.
Uma guerra com cachaça, samba e Lênin.
EU TE AMO
.Ao todo, doze pessoas. Algodoal elétrica no sol artificial, dormia.Um homem enrolava cigarro. ~éu de gaze e estrelas na janela semestilo. Rede de álcool. Mar preto, olho preto junto ao rosto. Ester eManel. - Dói ... Ester / Manel. Man / Est / eerl pentelhinho grosso, ai,meu amor. Sonho de algodão em Algodoal etérea, rosa de espermana perna de Ester, ai, benzinho, que a Terra roda roda sobre ti sobrenós ai, e não pára não pára a Terra como pára uma revolução ai co-mo pára uma rev ... ai, fermata minha,
lento amordesta noite conspirada no ócio de Algodoal!
PESADELO DE ARRIBAR
Um pé de castanha fica.Vai - se vai! - abarrotado de cachaçae mala o bote à Johnnson. Até, mano,que a lembrança é um músculo estriado do esquecimento!
- Até!
[170J
A ÚNGUA INSÓLITA
[173]
A LÍNGUA INSÓLITA
o curare é uma florbélica
que brota na boca do homem.
Vermelha,sua crosta férrea;ferina, quando da língua uma lançainsólita, verdenta, surge.
Como a prata, o curareé uma palavra durabatendo veraz no dorso do tempo.
Curare - ticuna, genocídio adiado,vooara,ave líquida, uirari,os rios paralíticos do sangue.
a José Mana de Vi/ar Ferreira
POEMA COMPLEMENTAR SOBRE O RIOA TERRA NÃO É REDONDA
o mundo revelado amplo,junção de paralelas, planoinfinito do homem: o índio integral,a utopia da terra, "Quarto Mundo",
de Gismonti
o rio consagrado: a vazantelembrança que escoa em marébaixa e retoma - água escura- na reamar.
IIO rio sangrado: invólucro de céue margem, e duas visagensdos caboclos amantes. O rio
O mundo tornado curto,quadrado percorrido, turvainfância de Galileu: as arestas do vento,o discurso dos rios, a Amazônia,
cabeleira do mundo
passado: cismando ria crisma, paresque: _dumas lembranças que trabalham a solidão:o paralelo das margens, uma igara partida,as águas sujas que sempre voltam.
[174] [175]
[176]
BESTIÁRIO
GÊNESIS
Algodoal, duna de silêncios,chão remoto, tua iluminação diáriaapaga em mim o carvão inconsistenteque antes pensava alimentar-me, secaem minha carne gasta (como se exposta ao sol
e curtida por séculos)um rio que nunca houve e que hojesinto paralítico e, por vezes, imagino mover-mesem as águas gerais do sangue- os sais precipitados e atlânticos, as correntesquentes, os riachos, o próprio piso de águasque julgava aos pés quando nunca existiu.
(Nem por isso deixo de desceraos teus infernos matinais e visitar tuas pirâmides de sal,Algodoal, quando teu sono ultrapassa a todas as idadese reside no começo do mundo: eu, navio suicida,galera do medo, nave ue te ercorre inconscientefere teu dorso e te leva a outras eo rafias .
o homem a mulher do homem (seu sexo) o cãopara a lua asputas h/ases e prontas os ratos os meninos andróginos os que falamfalam falam os que dormem sozinhos os tolos a corja de advogadosque bebem indecentes o comunismo o colunismo social o mal do sé-culo o cego o cego tocador de sanfona da praça. Aquela perna depus que esmola. O tiro fedido no ouvido do poeta (quando José Ve-ríssimo morreu, uma chuva das duas encheu a Presidente Vargas, to-mou o Teatro, varou soleiras e foi parar na Página policial de um Li-beral atrasado lido no Maranhão).
Os analfabetos
os meus culhões disseminados - fóm/ elemen-tar da traição - no coreto no dia num cinema escuro de 1910 à luzdo Halley no obscuro cudo mundo: Grécia obscena de Bunuel, fê-mur esfrangalhado, arco retesado que não dispara, o universo fodi-do de Walt Disney: a Amazônia vendida.
[179]
BIBLIOGRAFIA
Do autor:
Poesia
Arquitetura dos ossos. Editora Falângola/Semec, Belém, 1980.A/ala entre parêntesis (renga com Max Manins). Edições Gráphol Grafisal Semec,
Belém, 1982.Arena, areia. Grafisa/Edições Grápho, Belém, 1986.
[183)
Sobre o autor:
ALMEIDA, Miguel de. "Max e Age, unidos na renga à brasileira". Folha de S.Paulo, 19 jul 1982.
ARAUJO, Lats Correa de. °Estado de Minas, 18 jul 1982.ÁVILA, Carlos. "A fala entre parêntesis". °Estado de Minas, 5 ago 1982.CASTRO, Acyr. "Cantares de amigos". A Província do Pará, 10 out 1982.CECIM, Vicenre. "Rara consciência". Leia Livros, ago 1981.
·'15 pedras". A Província do Pará, 30 mai 1982.CUNI IA, Fausto. Revista Status, secção Livros, mar 1983.CUNHA, Helena Parente. "Do Pará, um poema criado a quatro mãos". O Globo,
29 ago 1982.L6BO, Clodoaldo. "Quando a poesia vem do Pará". A Tarde, Salvador, 4 nov 1986.MENDES, Francisco Paulo. Comentário crítico in Arena, areia. Grafisa/Edições
Grâpho, Belém, 1986.MENEZES, Carlos. "Dois poetas paraenses publicam poema escrito a quatro
mãos, à moda da renga": O Globo, 25 ago 1982.NUNES, Benedito.Comentáriocrítico (prefácio) in Arquitetura dos ossos. Semec,
Belém, 1980."Jogo marcado", in A/ala entre parêntesis . Grafisa/Edições Grápho/Semec,
--Belém, 1982.PALMQUIST, Sérgio. "A fala entre parêntesis". A Província do Pará, 23 mai 1982.PONTES, Mário. "Uma renga e um álbum". Jornal do Brasil, 6 ago 1982.
[184]
ÍNDICE
/
PEDRA-UM(1990)
o círculo 9Marahu revisitado 10Filho 11P~ 12A caminho 13À beira 14O motor de Buda 15O panamá 16Passagem 17Ungaretti 18Roma vigiada 19A cura 20Fazer com, fazer de 21Negro O 22Lençóis, BA 23Revendo P. P. Condurú 24 .Cores 25Da morte 26Hõlderlin 27Una duda se vuelve memorable 28
ROR(1980·1990)
*
A faia vermelha de VincentIrrnanamenteCerchio d'ombraPessoaNegativo de Ricardo ReisOcupadoApósPor Malcolm LowryRedorBrasiliensis I: LogomarcaRomaOutro rom: ouronoAusgangDesatou-sePor lnnsbruckJuntosIn absentiaNissoSuma
29303132333435363738394041424344454647
ARENA, AREIA(1986)
De areiaDiz-queThe age of the oakBocaVermelhoMarço 22A idade do carvalhoSobre um corpoYou've a sea to lieOs incêndiosPedraEntre pedrasNegroAquiles, 1982Os jardins e a noiteMãeCuatro territorios para
Julio y HugoCinzasA letra de serPoderO poeta
51525354555657585960636465666769
ÉReincarnationReencarnaçãoEnteMühlauer FriedhofEnglischer Garten, MünchenSalzburg, outonoEpitáfio para Paul CelanGrundÀ merdaNãoA João Cabral de Meio NetoDois escritos de águaCanto da UrcaCobraInterluzSem sim nem nãoÀNão eram dois1937-1983PedroOutra vez
75767778798081828384858687889092939495969798
7071727374
A FALA ENTRE PARÊNTESIS(1982)
Das florestas de Blaee Jardim de, escrita rara 110aos topos da Ásia 103 Voam e voltam
E nós dois, dois 104 setas neste escudo 111As bananeiras indecentes Sob a folhagem 112
alvoroçando suas pernas 105 As bananeiras 113Aludir, aludo 106 Quem defende teu rostoOs corpos 107 deste sudánó infernal? 115
Já não há mais sonhos Lá 108 Uma vez mais a aula das cinzas 116Um verde vaginal Este éque éo sudánó, A teia 118
inscreve-se nesta tarde 109 Claro ideograma 119
ARQUITETURA DOS OSSOS(1980)
OS QUINTAIS
Os quintaisVerãoA cadela
125129130
A árvoreCanto de galoComposição para quem vive
ARQUITETURA DOS OSSOS
ARQUlTETIJRA DOS OSSOS .137Os guindastes 144Eis-me sem governo 145O corpo na praia 146O espaço desocupado em
inúmeros azuis 147Homem, querem teus cabelos 148Tuas palavras de sono
e sonho caem súbito 149Senão pelo corpo 150
Corpo, árvore móvelAqui, em meu paísAi, cabelos do sonoRecolho-te dos escombros
como quem removeMinha mãe morreu aos 48 anos38, salienta o canoAbato o tempoEm vão foi tentada a vida
131132133
151152153
154155
'156157158
A fala didáticaUm exercício para JoãoO atorDiscursoCarlos
A língua insólitaA terra não é redonda
Recado para o Nataldado em agosto
SETE EXERCÍCIOS
A LÍNGUA INSÓUTA
163164165166167
O homem fi mulher do homem 179
168
PEQUENO INVENTÁRIO pOÉTIcoA MEMÓRlA DE OSW AID 169
173174
Poema complementar sobre o rio 175Gênesis 176
BESTIÁRIO
BIBUOGRAFIA 181
EXEMPLAR N.'
F.C.
Esta obracomposta pela Paika Realizações GráficasLtda., em Garamond corpo 10, para a Livra-na Duas Cidades, acabou de ser impressa,pela Prol Editora Gráfica, no inverno de/990, na cidade de São Paulo. Da ediçãode 1.500 exemplares, 25 foram impressosem papel Suzano Classic - com a rubricaF. C. (Fora de Comércio) -, numerados eassinados pelo autor.
APOIO CULTURAL: Metal Leve S/AIndâstries de Papel R. Ramenzoni S/A