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ROSE MARIA ADAMI OS SIGNIFICADOS E REPRESENTAÇÕES ATRIBUÍDOS AOS CURSOS D’ÁGUA DA BACIA DO RIO CRICIÚMA (SC) DESDE 1880 ATÉ 2009 E SUAS INFLUÊNCIAS NA CONFIGURAÇAO DA PAISAGEM Florianópolis (SC), março de 2010

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ROSE MARIA ADAMI

OS SIGNIFICADOS E REPRESENTAÇÕES ATRIBUÍDOS AOS CURSOS D’ÁGUA DA BACIA DO RIO CRICIÚMA (SC) DESDE

1880 ATÉ 2009 E SUAS INFLUÊNCIAS NA CONFIGURAÇAO DA PAISAGEM

Florianópolis (SC), março de 2010

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Universidade Federal de Santa Catarina

Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Programa de Pós-Graduação em Geografia

Rose Maria Adami

OS SIGNIFICADOS E REPRESENTAÇÕES ATRIBUÍDOS AOS CURSOS D’ÁGUA DA BACIA DO RIO CRICIÚMA (SC) DESDE 1880

ATÉ 2009 E SUAS INFLUÊNCIAS NA CONFIGURAÇAO DA PAISAGEM

Orientadora: Prof. Drª Dra Sandra Maria de Arruda Furtado

TESE DE DOUTORADO

Area de concentracao: Utilizacao e Conservacao de Recursos Naturais

Florianópolis, marco de 2009.

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À Bento e Rosalia pela oportunidade de terem despertado em mim essa paixão pelos rios quando na infância, pescavam comigo no rio Brilhante.

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O Rio da Minha Aldeia

Alberto Caeiro O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. O Tejo tem grandes navios E navega nele ainda, Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, A memória das naus. O Tejo desce de Espanha E o Tejo entra no mar em Portugal. Toda a gente sabe isso. Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia E para onde ele vai E donde ele vem. E por isso porque pertence a menos gente, É mais livre e maior o rio da minha aldeia. Pelo Tejo vai-se para o Mundo. Para além do Tejo há a América E a fortuna daqueles que a encontram. Ninguém nunca pensou no que há para além Do rio da minha aldeia. O rio da minha aldeia não faz pensar em nada. Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

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AGRADECIMENTOS

O trabalho de construção de uma tese é muito solitário. Mas, para que

a pesquisa se realizasse, houve o apoio e a participação de inúmeras pessoas que contribuíram de diferentes formas para sua materialização. Em especial agradeço: à Professora e orientadora Dra. Sandra Maria Arruda Furtado, pela orientação, pela leitura e discussão dos manuscritos, pelos ensinamentos e pelo carinho com que me recebeu em sua casa; aos professores membros da banca de qualificação do projeto, Dr. Luiz Fernando Scheibe e Dra. Beate Frank e da banca de avaliação da tese por aceitarem gentilmente o convite e pelas sugestões; à professora Dra. Edna Lindaura Luiz, pela paciência de discutir comigo as várias ideias que norteiam essa tese, que muitas vezes eram um pouco calorosas, pela gentileza de me receber em sua casa e por ler meus manuscritos. à UNESC, por ter me proporcionado a oportunidade de conhecer Criciúma e todas as suas nuanças e também a mim mesma; à Professora e coordenadora do Projeto PIAVA, Dra. Beate Frank pela compreensão nos momentos em que precisei me ausentar da coordenação do PIAVA SUL para me dedicar um pouco mais a esta pesquisa. à professora M.Sc Yasmine Moura da Cunha, vice-coordenadora do Projeto PIAVA SUL, pela disponibilidade e apoio em assumir outras tarefas além das suas funções, nos períodos mais críticos dessa pesquisa. ao Professor M.Sc Maurício Pamplona, pelo trabalho cuidadoso de elaboração dos mapas temáticos; à professora Dra Claudete Lucky, pelas inúmeras quartas-feiras em que nos reuníamos para conversar sobre os “significados das coisas”. ao DNPM, em nome do geólogo Dario Valiati, pelas explicações sobre a exploração de carvão na bacia do rio Criciúma e o empréstimo de alguns mapas temáticos; a todos os entrevistados que se dispuseram a ser os co-participantes dessa pesquisa, por meio de suas lembranças; ao Professor Dr. José Francisco dos Santos pelas correções de Português; aos amigos Beate Frank, Claudete Lucky, Edison Peagle Balod, Edna Lindaura Luiz, Maurício Pamplona, Paulo César A. da S. Aragão e Yasmine Moura da Cunha, por ouvir com paciência e compreensão minhas lamentações, encorajando-me nos momentos de dificuldades. aos meus pais, Bento e Rosalia, e aos meus irmãos Raquel, Jacson e Elaine, por dividirem comigo o mesmo amor e admiração pelos rios, esse elemento geográfico que inspira os pesquisadores, os agricultores, os poetas, os amantes... a todos os citados e àqueles que por um lapso da memória não referenciei, o meu muito obrigada.

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RESUMO

O trabalho tem por objetivo compreender como foram construídos os significados atribuídos aos cursos d’água nas diferentes fases do processo de ocupação das terras da bacia do rio Criciúma (SC), desde o processo de colonização em 1880 até os dias atuais. O significado dos objetos norteia a relação dos indivíduos entre si e com seu meio. No caso estudado, a relação de diferentes grupos sociais que ocuparam a bacia do rio Criciúma ao longo do tempo depende do significado atribuído a este recurso, o que reflete nas formas de apropriação dos rios. O significado é uma construção mental acerca de um objeto e essa construção depende de valores, percepções, experiências e são abstratos. Quando há tentativa de comunicá-lo, perde-se alguma parte do seu conteúdo. A sua expressão dá-se por meio de diferentes linguagens, que na realidade representam este significado. As formas de apropriação do rio são também representações de significados atribuídos pelos grupos sociais apropriadores a este elemento da paisagem. A partir dos conceitos e abordagens da Geografia Cultural, faz-se um estudo das representações, incluindo as formas de apropriação, em diferentes contextos sócio-econômicos culturais pelas quais passou o processo de ocupação humana da bacia. Para compreender os significados e suas representações foram pesquisadas diferentes linguagens a partir de entrevistas, pesquisas bibliográficas, fotografias, mapas, leis e normas municipais. Três períodos históricos foram identificados durante o processo de ocupação da bacia, com distintas formas de apropriação dos cursos d’água. O primeiro período vai da colonização até 1930, quando as atividades econômicas predominantes eram a agricultura, o comércio e as pequenas manufaturas. Nessa época, o rio era um elemento referencial para as pessoas, pois se constituía no eixo norteador do processo de colonização e do traçado urbano, gerador de força motriz para os engenhos e atafonas e para abastecimento de água potável. No segundo período, de 1930 até 1950, a principal atividade econômica era a exploração de carvão, que utilizava o rio para a lavagem ou beneficiamento do desse mineral, drenagem das áreas ácidas, com consequente contaminação, assoreamento por deposição de material fino do carvão e desvios dos cursos d’água. Associada à mineração, houve a vinda de um contingente populacional acentuado para o município, e essas pessoas não tinham o rio Criciúma e seus afluentes como uma referência dos seus espaços vividos. Por isso, não havia problema em contaminá-lo com esgotos domésticos, mesmo aqueles que não estavam contaminados com carvão. O rio Criciúma passa a ter um significado negativo de sujo e mau cheiroso, por causa da apropriação para o despejo de efluentes do carvão, esgotos domésticos e resíduos sólidos. O terceiro período ocorre a partir de 1950, a bacia começa a ser intensamente urbanizada e, no final dos anos de 1960, inicia o processo de verticalização no alto e médio vale do rio Criciúma. Muitos trechos do rio e seus afluentes foram canalizados com contenção de margem e fundo e alguns até recobertos para a apropriação do espaço dos seus leitos e para resolver os problemas do cheiro exalado e das inundações. Partes dos rios desapareceram da

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paisagem da bacia por causa das canalizações e recobrimentos e passaram a não ter significado, pois não existem aos olhos de muitos moradores. Contudo, nos momentos de precipitações elevadas, o rio volta a se mostrar em forma de inundações, gerando na população uma sensação de medo. Nesses períodos o rio Criciúma e seus afluentes têm um significado para população, mas este significado esta ligado a sentimentos ruins. Conclui-se que, em cada período identificado, o rio Criciúma como elemento da paisagem recebeu distintos significados, traduzidos pelas representações, os quais são materializados por diferentes formas de apropriação.

Palavras Chaves: bacia do rio Criciúma, significados, representações, apropriações.

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ABSTRACT The study aims to comprehend how the meanings attributed to watercourses were formed in the different phases of land occupation of the Criciúma river basin (SC), from the colonization process in 1880 to current times. The meaning of the objects guides the relation of individuals among themselves and their environment. In the case studied, the relation of different social groups that occupied the Criciúma river basin throughout time depends on the meaning attributed to rivers, which reflects in the forms of appropriation of the resource. Meaning is a mental construction concerning an object and depends on values, perceptions, experiences and is abstract. When there is an attempt to communicate it, some of its content is lost. Its expression occurs through different languages which in reality represent this meaning. The forms of appropriation of the river are also representations of meanings attributed by the appropriating social groups to this landscape element. Using the concepts and approaches of Cultural Geography, a study of representations is carried out, including the forms of appropriation in different cultural social-economical contexts in which the human occupation of the basin occurred. To comprehend the meanings and their representations, different languages were researched through interviews, bibliographical researches, photographs, maps, laws and city norms. Three historical periods were identified during the occupation process of the basin with different forms of appropriation of the watercourses: from colonization to 1930, when the predominant economic activities were agriculture, commerce and small manufactures. The river was a reference for people due to the fact that it constituted the guiding axis of the colonization process and urban layout, and was the generator of the driving force for mills, as well as the drinking water supply. From 1930 to 1950, the main economic activity was coal exploration, with the river being used for cleaning and improving coal and draining acid areas, with consequent contamination, aggradation by deposition of fine coal material and deviation of the watercourses. Associated to mining, a large contingent of people arrived to the city and these people did not consider the Criciúma River and its affluents as a reference of their living spaces. Therefore, it was not a problem to contaminate it with domestic sewers, even the affluents that were not contaminated with coal. The Criciúma river begins to gain a negative meaning of being dirty and with foul odors, due to the appropriation for expelling coal effluents, domestic sewers and solid residues. From the 1950s on, the basin begins to be intensively urbanized and in the end of the 1960s, the verticalization process in the high and middle valley of the Criciúma river begins. Many stretches of the river and its confluents were canalized with the contention of the margin and bottom and some were even covered for the appropriation of its river beds and to solve the problems of the odors exhaled and floods. Parts of the river disappeared from the basin’s landscape because of the canalizations and coverings and lost their meaning because they did not exist in the eyes of the residents. However, in times of elevated precipitations, the river again

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shows itself in the form of floods, generating a feeling of fear in the population. In these periods, the Criciúma river and its affluents have a meaning for the population, but this meaning is connected to bad feelings. It can be concluded that in each period identified, the Criciúma river as an element of the landscape has received different meanings, translated through representations, which are materialized by different forms of appropriation

Keywords: Criciúma river basin, meanings, representations, appropriations

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Caracterização da área Figura 1.01: Localização da bacia do rio Criciúma. 08 Figura 1.02: Bairros na bacia do rio Criciúma. 10 Figura 1.03: Bacia do rio Criciúma – Imagem Spot 2005. 14 Capitulo II – Significado do rio Criciúma: da colonização até os anos de 1950 Figura 2. 01: Mapa da Parte dos Núcleos do Cocal e Cresciúma de 1907

64

Figura 2.02: Vista parcial do núcleo colonial de Azambuja no ano de 1878

69

Figura 2.03: Praça Nereu Ramos nos anos de 1910. 72 Figura 2.04: Vista parcial das residências localizadas no entorno da Praça Nereu Ramos, no ano de 1942.

72

Figura 2.05: Vista parcial das residências localizadas no entorno da Praça Nereu Ramos, nos anos de 1940.

73

Figura 2.06: Vista parcial da Praça Nereu Ramos, em 1930. 74 Figura 2.07: Vista da atual Praça Nereu Ramos em 1899, no dia da inauguração da primeira capela de Criciúma.

84

Figura 2.08: Vista parcial do centro urbano de Criciúma no ano de 1943.

86

Figura 2.09: Vista parcial do canal construído pelo Sr. Benjamim Bristot para desviar água do rio Criciúma, nos anos de 1940.

94

Figura 2.10: Cervejaria de Cincinato Naspolini, no bairro Vila Operária.

103

Figura 2.11: Vista da residência e do estabelecimento comercial de Pedro Benedet, na Praça Nereu Ramos, em 1926.

105

Figura 2.12: Vista parcial do rio Criciúma na atual rua Cons. João Zanete na década de 1920.

110

Capitulo III– O significado do rio Criciúma no período da exploração de carvão na bacia até o início dos anos de 1950 Figura 3.01: Vista de um poço de extração (boca de mina) na mina da C.B.CA na encosta do Morro Cechinel, em Santo Antônio.

114

Figura 3.02: Vista parcial de uma das minas de encosta do Morro Cechinel, no bairro Pio Corrêa, em 1915.

115

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Figura 3.03: Concessões para as empresas exploradoras de carvão mineral na bacia do rio Criciúma entre 1937 a 1942.

118

Figura 3.04: Ano de concessão das áreas de mineração de carvão na bacia do rio Criciúma.

120

Figura 3.05: Áreas das concessões exploradas na bacia do rio Criciúma.

122

Figura 3.06: vista das vagonetes que traziam parte do carvão para fora das minas localizadas nas encostas.

123

Figura 3.07: Vista parcial da paisagem de Criciúma no ano de 1929. 127 Figura 3.08: Praça Nereu Ramos na primeira metade do século XX, com plantações no entorno do rio Criciúma ao fundo da foto.

127

Figura 3.09: Vista da estação de embarque da Estrada de ferro Dona Tereza Cristina para o transporte de carvão e de produtos agrícolas, nos anos de 1920.

130

Figura 3.10: Vista parcial do centro urbano de Criciúma na primeira metade do século XX.

132

Figura 3.11: Vista parcial de um dos açudes no ano de 1956. 133 Figura: 3.12: Rede de drenagem da bacia do rio Criciúma – 1956. 135 Figura 3.13: Vista parcial de uma mina localizada na encosta, com vários poços de extração.

139

Figura 3.14: Vista parcial do canal que drena a água oriunda do interior da Mina Modelo Caetano Sonego.

140

Figura 3.15: Vista parcial do lavador de carvão desativado da empresa de mineração Companhia Carbonífera Urussanga (CCU), no bairro Santa Augusta.

142

Figura 3.16: Vista parcial de áreas de rejeito de beneficiamento de carvão junto das margens do rio Criciúma.

144

Figura 3.17: Vista parcial da paisagem de Criciúma em 1946. 146 Figura 3.18: Vista parcial da Vila Operária da Companhia Carbonífera São Marcos no ano de 1944.

152

Figura 3.19: Vista parcial da vila operária nos anos de 1940, no atual bairro Santa Bárbara.

157

Figura 3.20: Vista parcial do canal de desvio do rio Guarapari. 162 Capitulo IV – Os significados e representações do rio Criciúma no período da urbanização da bacia - de 1950 a 2009 Figura 4.01: Ocupação da urbana da bacia do rio Criciúma – 1956. 170 Figura 4.02: Vista parcial da Praça Nereu Ramos nos anos de 1950. 178

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Figura 4.03: Ocupação urbana da bacia do rio Criciúma – 1978. 194 Figura 4.04: Vista do processo inicial de canalização do rio Criciúma em um dos bairros da bacia, com contenção de fundo do leito.

199

Figura 4.05: Vista parcial de uma das ruas centrais de Criciúma na inundação de março de 1974.

201

Figura 4.06: Vista parcial do canal auxiliar do rio Criciúma na rua Marcos Rovaris, no ano de 1979.

205

Figura 4.07: Vista parcial do canal auxiliar do rio Criciúma na rua Getúlio Vargas, no ano de 1979.

206

Figura 4.08: Vista parcial do canal auxiliar do rio Criciúma na rua Araranguá, no ano de 1979.

206

Figura 4.09: Vista parcial do rio Criciúma, canalizado com contenção de margem e de fundo, na rua Araranguá.

213

Figura 4.10: Vista parcial da canalização nas encostas do Morro Cechinel, Bairro Cruzeiro do Sul

217

Figura 4.11: Vista parcial da canalização de parte do afluente da margem direita formador do rio Criciúma, na rua Vidal Brasil.

218

Figura 4.12: Vista parcial da canalização de um curso d’água, com contenção de margem, de fundo e recobrimento superior pelo poder público.

219

Figura 4.13: Vista parcial da paisagem da bacia do rio Criciúma, com a verticalização de parte do alto e médio vale e a horizontalidade das residências em parte do médio e baixo vale.

224

Figura 4.14:Ocupação urbana da bacia do rio Criciúma - 2007. 228 Figura 4.15: Vista parcial da ocupação das encostas do morro Cechinel, nos bairros Cruzeiro do Sul e Mina Brasil.

229

Figura 4.16: Vista parcial de uma das nascentes do afluente da margem direita do rio Criciúma, sem nenhuma obra de canalização.

230

Figura 4.17: Vista parcial da ocupação na encosta do morro do bairro Pio Corrêa.

231

Figura 4.18: Vista parcial do setor leste bacia do rio Criciúma. Ao fundo observa-se o Morro do Casagrande.

231

Figura 4.19: Vista parcial de parte do afluente formador do rio Criciúma (margem direita), com contenção de margem, de fundo e com recobrimento superior, na rua Lauro Muller.

232

Figura 4.20: Vista parcial da galeria aberta do rio Criciúma na quadra entre as ruas Santo Antônio, João Cechinel, Pedro Benedet e

233

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Hercílio Luz, Figura 4.21: Vista da confluência dos dois afluentes formadores do rio Criciúma, entre as ruas Cel. Pedro Benedet e Marechal Deodoro.

234

Figura 4.22: Vista de uma das tábuas utilizadas pelos comerciantes na rua Cel. Pedro Benedet para contenção das águas de inundação

236

Figura 4.23: Vista de alguns estabelecimentos comerciais na rua Cel. Pedro Benedet construídos mais elevados no terreno.

236

Figura 4.24: Vista parcial do rio Criciúma retilinizado, mas sem contenção de margem e de fundo, localizado no bairro Santo Antônio.

237

Figura 4.25: Vista parcial da galeria aberta do rio Criciúma entre as ruas Álvaro Catão e Wenceslau Braz, no bairro Centro.

238

Figura 4.26: Vista parcial de um prédio construído com um dos seus pilares posicionados no leito do rio Criciúma, localizado na rua Marcos Rovaris.

238

Figura 4.27: Vista parcial do afluente da margem direita do rio Criciúma com contenção de margem e de fundo.

239

Figura 4.28: Vista parcial da rua seis de Janeiro na inundação de 01 de abril de 2007.

246

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACARESC – Associação de Crédito e Assistência Rural de Santa Catarina

ACIC - Associação Comercial e Industrial de Criciúma

BNH - Banco Nacional de Habitação

CESACA - Cerâmica Santa Catarina S. A.

CEPCAN - Comissão Executiva do Plano do Carvão Nacional

CBCA - Companhia Brasileira Carbonífera de Araranguá

CCU - Companhia Carbonífera Urussanga S.A.

CSN - Companhia Siderúrgica Nacional

CERH Conselho Estadual de Recursos Hídricos

CNP - Conselho Nacional de Petróleo

CPRM - Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais -

DNOS - Departamento Nacional de Obras e Saneamento

DNPM - Departamento Nacional de Produção Mineral

EPAGRI – Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina

EFDTC - Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina

FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

PAC – Programa de Aceleração do Crescimento

SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SESI - Serviço Social da Indústria

SNH - Sistema Nacional de Habitação

SATC – Sociedade de Assistência aos Trabalhadores do Carvão

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................ 1 Caracterização da área de estudo .................................................................... 7 1. OS SIGNIFICADOS REPRESENTADOS NA PAISAGEM...................... 15 1.1 Os significados e suas representações........................................................ 16 1.2 A importância da cultura na construção do conceito de paisagem: breve histórico............................................................................................................

22

1.3 A construção dos significados e suas representações na paisagem............ 35 1.4 A leitura das diferentes formas de representação dos significados na paisagem...........................................................................................................

45

1.5 Materiais e procedimentos operacionais da pesquisa................................. 50 2. O significado do rio Criciúma: da colonização até os anos de 1930............ 58 2.1 Apropriação e uso dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma: das necessidades básicas à geração de energia.......................................................

58

2.2 O significado do rio Criciúma e seus afluentes a partir da elevação da colônia à sede do Distrito de Araranguá...........................................................

103

3. O SIGNIFICADO DO RIO CRICIÚMA NO PERÍODO DA EXPLORAÇÃO DE CARVÃO NA BACIA ATÉ O INICIO DOS ANOS DE 1950............................................................................................................

111 3.1 A exploração do carvão em criciúma e as mudanças na paisagem............ 111 3.2 A apropriação do rio Criciúma e seus afluentes durante a exploração do carvão na bacia e a construção de novos significados......................................

125

3.3 O crescimento populacional na bacia do rio Criciúma: a falta de identidade dos migrantes com a paisagem local..............................................

145

3.4 A paisagem da bacia do rio criciúma após a exploração de carvão............ 165 4. A URBANIZAÇÀO DA BACIA DE 1950 A 2009: OS SIGNIFICADOS E REPRESENTAÇÕES DO RIO CRICIÚMA...............................................

168

4.1 A urbanização na bacia do rio Criciúma nos anos de 1950 a 1980 e as modificações na rede de drenagem.................................................................

169

4.2 A urbanização na bacia do rio criciúma nos anos de 1980 a 2000 e as modificações na rede de drenagem.................................................................

210

4.3 A urbanização na bacia do rio criciúma nos anos de 2000 e as modificações na rede de drenagem..................................................................

224

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................... 250 6. REFERÊNCIAS.......................................................................................... 258

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INTRODUÇÃO

A observação da bacia do rio Criciúma a partir do alto do morro Cechinel a 270 metros de altitude mostra que os cursos d’água de sua rede de drenagem no centro urbano de Criciúma não aparecem mais na paisagem, ou seja, muitos trechos foram canalizados e recobertos pelo poder público e/ou pela população.

Essa situação motivou questionamentos acerca das formas de apropriação do rio e seus afluentes. Com as observações de campo e também as pesquisas bibliográficas foi possível identificar formas diferentes de apropriação do rio Criciúma em momentos históricos distintos ao longo do processo de ocupação humana dos terrenos da bacia. O termo apropriação aqui apresentado embasa-se em Chartier (1990) e remete à forma como o rio Criciúma e seus afluentes foram apoderados como bens culturais pela sociedade. O conceito está ligado à necessidade de enfatizar os diferentes significados, ou seja, as diferentes interpretações dos sujeitos "[...] remetidas para as suas determinações fundamentais (que são sociais, institucionais e culturais) e inscritas nas várias práticas que as produzem" (CHARTIER, 1990:26).

No início da colonização do município, as águas dos cursos d’água da bacia foram apropriadas para os usos múltiplos da colônia, como abastecimento da família, dessedentação de animais, alimentação (pesca), higiene pessoal, orientação, lavagem de roupas e dos utensílios domésticos, agricultura e para geração de força motriz de indústrias artesanais. Na primeira metade do século XX, com a descoberta do carvão mineral e a vinda de um contingente acentuado de pessoas para o município, as águas do rio Criciúma e seus afluentes foram apropriadas para drenagem das águas das minas de carvão, dos esgotos domésticos e dos resíduos sólidos e suas margens para depósito de rejeito de beneficiamento de carvão. A partir dos anos de 1970, os cursos d’água da bacia e suas margens foram ocupados com a construção de edificações.

Diante das diferentes formas de apropriação do rio Criciúma, surgiu a pergunta principal da pesquisa: como foram construídos os significados atribuídos ao rio Criciúma e seus afluentes pelos grupos sociais que ocupam a bacia desde o período de colonização até o ano de 2009? Essa pergunta mostrou que por trás das apropriações do rio Criciúma estava um significado atribuído aos cursos d’água diferente para cada momento histórico da

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ocupação da bacia. Contudo, os significados impressos na paisagem da bacia não podem ser apreendidos por si mesmos, haja vista seu caráter subjetivo. Para serem reconhecidos ou lidos, é necessário um trabalho de percepção e interpretação das diferentes formas de representações, materializadas a partir de múltiplas linguagens e/ou signos de identificação no espaço produzido. As interpretações se formulam, segundo Cosgrove (2004), a partir de um contexto de informações, valores e regras adquiridos por meio de experiências múltiplas, individuais ou grupais.

O significado se constitui de imagens mentais de determinado objeto que traduzem valores, experiências, percepções e juízos e são abstratos. A operação de comunicá-lo, exprimi-lo já provoca uma perda da sua totalidade, pois é impossível apresentá-lo na sua complexidade. A sua expressão ocorre por meio de diferentes linguagens, tais como a linguagem oral, escrita, pictórica, gestual, as quais vão “representar” o significado.

As representações, segundo Moscovici (1978 e 1995), são construídas mentalmente pela imaginação e advêm do simbólico, ou seja, do significado atribuído aos objetos representados de modo figurativo. A representação de determinados objetos se incorpora na vida cotidiana e coletiva da sociedade e as práticas sociais lhes conferem um valor simbólico. As representações que os sujeitos fazem na paisagem, resultam dos processos sócio-culturais a que estão atreladas (CASTRO, 2002), os quais são apresentados à sociedade por meio da interpretação de acontecimentos dotados de significação. As significações são re-elaboradas pela troca de opiniões e passam a fazer parte do conjunto de significados da sociedade. As apropriações simbólicas de determinados objetos pela sociedade, segundo Cosgrove (2003) produzem estilos de vida e paisagens, que são histórica e geograficamente específicos.

Contudo, as matrizes culturais da bacia mudaram ao longo do tempo e a sociedade re-organizou, representou, e/ou re-construiu seus significados, baseada em valores e escolhas de um dado momento da existência dentro da realidade social e econômica. As mudanças de significado foram impressas na paisagem que se reconstruiu a cada nova fase socioeconômica e cultural da sociedade. Sendo assim, os significados nortearam, ao longo dos anos, as diversas representações que foram impressas na paisagem pelos sujeitos que viviam na bacia do rio Criciúma. Essas

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representações são formas de linguagens impregnadas de significado e valores sociais, que refletem uma realidade.

Em Geografia, pouco se tem trabalhado com a abordagem do significado e da representação de elementos da paisagem, entre eles, os cursos d’água, sob o aspecto da apropriação cultural e a interpretação desse processo.

Castello (1996) desenvolveu um estudo para entender a evolução e a diversidade das relações estabelecidas entre a população do centro de Porto Alegre com o Lago Guaíba, a importância do lago na formação das imagens da cidade e as expectativas da população com relação à sua recuperação. O estudo baseou-se em registros históricos, crônicas, imagens pictóricas e entrevistas para investigar os valores culturais e ambientais da paisagem nos aspectos subjetivos da relação homem/meio. O autor argumenta que a sociedade “rompeu” relações com o Lago Guaíba na área urbana, pelo alto índice de contaminação que fez com que o poder público isolasse praticamente o lago da paisagem urbana da área central da cidade. Este isolamento ocorreu a partir da construção de um muro de proteção contra eventuais inundações; da implantação da linha férrea eletrificada do metrô de superfície, da execução de constantes aterros, e tudo isso formou uma barreira física e visual intransponível até o lago.

Na perspectiva da Geografia Cultural, foram desenvolvidos alguns trabalhos sobre as paisagens de rios urbanos, como o das urbanistas Costa & Monteiro (2002), que enfocam os valores e significados do rio Cachoeira (RJ), para os habitantes do bairro de Itanhangá. As autoras partem do pressuposto de que as paisagens refletem as relações de poder entre diferentes grupos sociais e consideram tanto o componente subjetivo da paisagem quanto a base objetiva. O estudo fundamentou-se em duas abordagens. Na primeira, a visão da paisagem como construção cultural e ideológica da sociedade fluminense é analisada a partir da compreensão do significado da paisagem em entrevistas com a população a partir do que foi possível detectar que há um entendimento diferenciado dos significados da paisagem para os diferentes grupos sociais. A segunda abordagem utilizou os conceitos de valores ambientais, estéticos, culturais e econômicos para compreensão da dinâmica natural dos rios na forma urbana.

Outro exemplo nesta linha de abordagem foi desenvolvido por Melo (2003), também com formação em arquitetura, sobre os

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significados e as representações de um recorte da paisagem do rio Capibaribe, em Recife. A autora utilizou os fundamentos da Geografia Cultural para compreender a diferença dos significados e representações das formas de apropriação da paisagem para os grupos sociais que convivem (moradores) e para os que não convivem (planejadores do município) com o rio Capibaribe. A interpretação dos significados e representações, ou seja, as “maneiras de ver” referente às formas de apropriação da paisagem foi realizada por pesquisa documental (mapas, litografias, poesias, relatos de viajantes, fotografias) e entrevistas, que se constituíram em múltiplos “produtos culturais” e contribuíram para um planejamento urbano que levou em conta as expressões culturais.

Bertoli (2006), nessa mesma linha de abordagem, analisa a mudança na dinâmica de uso e ocupação do solo no processo de urbanização e que se reflete no sistema de drenagem da sub-bacia do ribeirão Chico Paulo, em Jaraguá do Sul (SC). A autora utilizou-se de entrevistas para compreender as interpretações dos diferentes grupos sociais em relação aos cursos d’água. A autora também avaliou a ocupação em relação aos aspectos legais, tais como Código Florestal e Resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA).

Lubachevski e Sahr (2005) utilizaram a semiótica para identificar marcos referenciais da cultura ucraniana no espaço urbano de Prudentópolis (PR). Essa abordagem também foi utilizada para avaliar os valores de três marcos culturais – o portal da cidade, a igreja de São Josafat e o Colégio São José - como signos identitários e a potencialidade deles para o desenvolvimento municipal.

O entendimento do significado materializado na paisagem mostra a relação das pessoas com seu espaço vivido e com as formas de apropriação e ocupação. A paisagem vista como um texto que possibilita a existência de múltiplos significados e sucessivas revisões e reescritas, é uma teoria compactuada por diferentes autores e áreas do conhecimento, como August Berque, Clifford Geertz, Denis Cosgrove, James Duncan, Paul Claval e outros. O que todos estes autores têm em comum é a idéia de que a leitura da paisagem é uma ferramenta importante para os pesquisadores que querem compreender as etapas de “construção” pelas quais a paisagem passou e quais os significados culturais

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atribuídos a ela. Por isso, a paisagem pode ser percebida, lida e interpretada sob várias maneiras.

A leitura da paisagem realizada nesta tese foi voltada à observação de um dos elementos geográficos, muito discutido nos últimos anos: os rios que cortam os sítios urbanos. No presente trabalho, a leitura da paisagem foi realizada com o intuito de compreender como foram construídos os significados atribuídos ao rio Criciúma e seus afluentes nas diferentes fases do processo de ocupação das terras da bacia do rio Criciúma (SC), no período histórico entre 1880 a 2009. O estudo tem como recorte espacial a bacia do rio Criciúma, localizada no nordeste do município de Criciúma, extremo sul catarinense.

A bacia hidrográfica do rio Criciúma situada no noroeste do município de Criciúma (Figura 1.01) é utilizada como recorte espacial deste trabalho por ser esta o conjunto de terras drenadas por um rio e seus afluentes e sabe-se que todos os tipos de usos da terra nos terrenos da bacia refletem na qualidade e quantidade das águas dos seus canais e, por conseguinte, dos usos possíveis que podem ser feitos destas águas. Apesar dos processos da sociedade, como a urbanização ou as atividades econômicas, extrapolarem os terrenos da bacia, a dinâmica fluvial é fortemente determinada pelo que acontece nos terrenos entre os divisores de água e os talvegues dentro da bacia.

Nesta pesquisa, tem-se a hipótese de que as alterações das formas de apropriação das águas e das áreas ocupadas pelos rios (canal fluvial e margens) são resultado de um processo de significação e ressignificação por diferentes sujeitos ao longo do tempo. Levou–se em conta também que a própria forma de apropriação é um condicionante para a construção dos significados. Dessa forma, há uma sinergia entre apropriação e significação.

Dentro desta perspectiva, o significado que foi atribuído aos cursos d’água da bacia do rio Criciúma em diferentes momentos históricos foi apreendido a partir das diferentes representações impressas na paisagem. Várias linguagens de representação foram escolhidas para interpretar os significados, tais como análise de fotos, depoimentos orais de moradores da bacia, reportagens de jornais, leis e normas municipais. Outra estratégia utilizada foi o estudo das formas de apropriação dos cursos d’água pelo poder público e pela população em geral, as quais são marcas dos significados impressas na paisagem. A ação de grupos sociais é

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capaz de configurar a paisagem de acordo com seus valores e significados, apesar desta ação ser dependente e sobreposta a uma conjuntura econômica e a uma super-estrutura.

A partir da descrição das questões de pesquisa e da formulação da hipótese, procurou-se alcançar como objetivo geral a compreensão de como foram construídos os significados atribuídos ao rio Criciúma e seus afluentes nas diferentes fases do processo de ocupação das terras da bacia do rio Criciúma (SC), no período histórico entre 1880 a 2009. Diante do objetivo da pesquisa, buscou-se especificamente identificar os significados dos cursos d’água na bacia do rio Criciúma e suas representações nas diferentes fases do processo de ocupação, e determinar os apropriadores dos cursos d’água na bacia.

Os resultados da pesquisa foram estruturados em quatro capítulos. O primeiro capítulo consiste na apresentação e discussão dos conceitos de significado e representação, apropriação e paisagem. O conceito de paisagem é centrado na corrente de pensamento da Nova Geografia Cultural.

No segundo capítulo, foram apresentadas as formas de apropriação do rio Criciúma e seus afluentes no período da colonização de 1880 até 1930, e os significados que norteavam estas apropriações. Verificou-se, por meio de entrevistas e pesquisa bibliográfica, quais os significados do rio para os agricultores, comerciantes e industriais que produziam o espaço geográfico neste período e como estes significados se materializavam na paisagem por meio das representações.

No terceiro capítulo, foram discutidas as mudanças nas formas de apropriação dos cursos d’água da bacia no período de 1930 a 1950, as quais refletem uma mudança de significado deste elemento da paisagem. As mudanças ocorreram em virtude de uma nova conjuntura econômica e social atrelada à exploração de carvão nos terrenos da bacia do rio Criciúma. Para entender os processos de apropriação e ressignificação dos cursos d’água na paisagem da bacia foram utilizadas entrevistas, fotografias, pesquisas bibliográficas e reportagens de jornais do município.

No quarto capítulo, o intenso processo de urbanização da bacia do rio Criciúma no período de 1950 a 2009 levou a novas formas de apropriação dos cursos d’água e seus significados representados na paisagem. As representações ainda estão bem impressas na paisagem, pois neste capítulo, trata-se do tempo

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presente. Dessa forma, pode-se compreender o significado atual do rio Criciúma para os sujeitos que constroem o espaço geográfico local.

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Caracterização da área de estudo

Eu na minha fraca inteligência faço a comparação de Criciúma como uma concha de tirar sopa da panela ou feijão que seja. A concha é o centro de Criciúma que esta dentro de dois blocos de terra, assim dos dois lados e o cabo da concha é a saída do rio Criciúma (Antônio Meller, Bairro Santo Antônio, 2007).

A bacia do rio Criciúma situa-se no noroeste do município de Criciúma, no extremo sul catarinense entre as coordenadas geográficas 28º 29' 22,59" e 28º 42' 14,8" 280 40’ de latitude sul e 49º 21' 01,98" e 49º 24' 46,7" de longitude oeste (Figura 1.01).

O rio Criciúma tem suas nascentes localizadas no morro Cechinel, a uma altitude de 270 metros, e nos morros do bairro Pio Corrêa e São Simão a 210 metros. O rio principal é formado pela confluência de dois afluentes, um situado a nordeste e outro situado a noroeste. A partir da confluência nasce o rio Criciúma, localizada entre as ruas Cel. Pedro Benedet e Marechal Deodoro. Ele é um afluente do rio Sangão, afluente do rio Mãe Luzia, uma das subacias da bacia hidrográfica do rio Araranguá.

A bacia do rio Criciúma é constituída por pequenos cursos d’água que drenam uma área de 18,59 km2, onde se situa a área urbana do município de Criciúma, abrangendo os bairros Próspera, Pio Corrêa, São Simão, Mina Brasil, Cruzeiro do Sul, Lote 6, Vera Cruz, Santa Catarina, Centro, São Cristovão, Comerciário, Michel, Operária Nova, Santo Antônio, Santa Barbara, Boa Vista, São Francisco, Paraíso, Teresa Cristina, Pinheirinho, Santa Augusta, Milanese, São Luiz, Fábio Silva e Bosque do Repouso (Figura 1.02).

O relevo da bacia mostra-se muito dissecado pela rede de canais dos afluentes do rio Criciúma e pertence à unidade geomorfológica Depressão da Zona Carbonífera Catarinense (HERMANN & ROSA, 1986). O relevo é modelado sobre rochas sedimentares das formações Rio Bonito, Palermo, Irati, Estrada Nova de idade Gondwânica e de sills de diabásio da Formação Serra Geral de idade Juro-Cretácea.

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A Formação Rio Bonito aflora nas encostas do morro Cechinel, junto aos cursos d’água da margem direita do rio Criciúma e é constituída por arenitos e folhelhos carbonosos. Na Formação Rio Bonito ocorrem camadas de carvão que foram exploradas pela atividade de mineração tanto a céu aberto, na base e encostas do morro Cechinel (Sequências Bonito e Barro Branco respectivamente), e subterrânea, logo abaixo da Formação Palermo. A Formação Palermo aflora nos terrenos da maior parte do lado esquerdo da bacia e é composta por folhelhos siltosos. A Formação Irati aflora próximo dos topos das elevações mais altas e é constituída por folhelhos, argilitos e siltitos. O sill de diabásio aflora no topo do morro Cechinel, sendo originado de uma intrusão básica entre as formações Irati e Estrada Nova. No baixo curso, o rio Criciúma e seus afluentes correm por entre depósitos aluvionares e continentais do Período Quaternário, constituídos por cascalhos, areias, siltes e argilas (DIAS, 1995).

Dias (1995) mapeia falhas que atravessam os terrenos da bacia do Rio Criciúma na direção NW-SE principalmente e, secundariamente, há falhas com direção NE-SW. Estas falhas individualizam blocos que sofreram movimentação. Por meio dessas falhas, o bloco norte que inclui o maciço do Morro Cechinel sofreu soerguimento e, por isso, as camadas de carvão Bonito e Barro Branco afloram neste maciço. O bloco sul, englobando o baixo vale do rio Criciúma, apresenta-se rebaixado e por isso as camadas de carvão estão recobertas pelas rochas da Formação Palermo.

A bacia apresenta três compartimentos de relevo distintos. Um deles é o de morros mais altos, constituídos pelo maciço do morro Cechinel e pelo morro do Céu no alto vale. O maciço Cechinel possui orientação geral NE-SE e altitude de 270 metros. Este compartimento é modelado nas rochas das formações Rio Bonito, Palermo, Irati, Estrada Nova e Serra Geral. As elevações possuem topo plano e as encostas apresentam trechos com mais de 45 graus de inclinação. Apesar disso, estas encostas são ocupadas por arruamentos e moradias, principalmente de classe média alta.

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Outro compartimento são os morros e colinas que constituem o restante das elevações da bacia, que alcançam até 210 metros de altitude. Estas formas de relevo são modeladas predominantemente sobre rochas das formações Palermo e Rio Bonito e possuem topos convexos e encostas suaves. Neste compartimento, as encostas são ocupadas até uma altitude de 180 metros, com predominância de residências de classe média alta da sociedade de um pavimento.

O compartimento do fundo do vale possui uma planície ampla, com altitudes em torno de 60 metros, próximo do maciço do morro Cechinel, e menores que 30 metros junto à foz do rio Criciúma. Sua morfologia foi completamente alterada, pois este compartimento é o mais densamente ocupado, onde se localiza também a área central da cidade, principal setor de comércio e serviços. O processo de verticalização é mais intenso neste compartimento, principalmente em partes do médio e alto vale.

Predominam nas áreas em que as declividades são maiores e a alteração das rochas menos significativa, os solos do tipo cambissolo. Estes são solos rasos e pouco desenvolvidos, apresentando horizontes A e C, com B incipiente. Os argissolos vermelhos desenvolvem-se nas partes suaves onduladas e baixas das áreas drenadas pelos dois afluentes formadores do rio Criciúma, onde o perfil de alteração das rochas é espesso e por isso o solo é mais desenvolvido, ou seja, apresenta horizontes A, B e C. As texturas dos horizontes A e B desses solos variam de acordo com sua rocha de origem. Desta forma, os solos derivados dos siltitos da Formação Palermo originam solos com textura areno-argilosa, com muita areia fina. Por outro lado, o diabásio e os folhelhos da Formação Irati formam solos predominantemente argilosos. Na Formação Rio Bonito, podem se desenvolver solos com textura mais argilosa ou arenosa dependendo de qual de suas litologias aflora, pois contém folhelhos argilosos e arenitos. No fundo do vale, ocorrem Neossolos Flúvicos, cujo lençol freático está próximo à superfície, principalmente no médio e baixo Vale do rio Criciúma. A textura também pode variar nestes solos, pois são desenvolvidos sobre depósitos de sedimentos oriundos das elevações próximas (JUNGBLUT, 1995).

As diferentes texturas e espessuras dos solos que ocorrem na bacia do rio Criciúma produzem diferentes graus de permeabilidade aos terrenos e isso, juntamente com a cobertura vegetal, interfere na

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suscetibilidade da área a inundações e no abastecimento dos lençóis d’água e manutenção de nascentes.

O clima da região sul de Santa Catarina, onde está inserida a bacia do rio Criciúma, é Cfa, mesotérmico úmido com verão quente, segundo Köeppen (SANTA CATARINA, 2009). O morro Cechinel, por sua amplitude altimétrica, pode se configurar como uma barreira para o ar úmido, provocando chuvas orográficas. As chuvas são mais intensas nos meses de verão na bacia do rio Criciúma, especialmente fevereiro, com mais de 200 mm, segundo dados da Estação Meteorológica de Urussanga analisados por De Nez (2009).

As chuvas fortes de verão são associadas a processos convectivos locais, muitas vezes, organizadas pela passagem de frentes frias no litoral (MONTEIRO, 2001). Em alguns meses do ano, as precipitações diminuem, caracterizando períodos de estiagem, observados nos meses de abril, outubro, novembro e dezembro, segundo Sônego (2002). No inverno, as precipitações são devidas a entrada de frentes frias e são menos significativas que no verão. O outono é a estação com menores índices pluviométricos, enquanto na primavera, é possível a ocorrência de episódios de chuvas excepcionais, conforme Monteiro (2001), resultantes da entrada de sistemas meteorológicos específicos, como frentes frias e complexos convectivos de meso-escala.

A bacia do rio Criciúma apresenta forma circular no alto vale e toda água da chuva que precipita no divisor topográfico do Morro Cechinel a uma altitude máxima de 270 metros converge para um mesmo ponto, que seria a confluência dos formadores do rio Criciúma. Este fato contribui para aumentar a possibilidade de inundações rápidas e diferenciadas em pontos próximos a esta confluência, principalmente nos meses de dezembro, janeiro, fevereiro e março e em casos isolados no mês de setembro.

A cobertura vegetal foi substituída em grande parte da bacia por edificações e arruamentos e isso eleva a sua suscetibilidade às inundações, pois muitos terrenos estão impermeabilizados, o que aumenta o escoamento superficial. A vegetação original era Floresta Ombrófila Densa, com a Formação Submontana nas elevações de morros e colinas e a Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas no fundo do vale. A cobertura vegetal foi intensamente devastada desde o período da colonização, tratando-se atualmente de uma vegetação bem degradada. Há manchas de

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vegetação em vários estágios de sucessão da Floresta Ombrófila Densa Submontana nos morros Cechinel, do Pio Corrêa e do Céu.

Sobre as terras da bacia foram assentadas as primeiras famílias de colonizadores italianos, em 1880, que eram basicamente agricultores e comerciantes (BELOLLI et al., 2002). Os agricultores utilizavam as encostas dos morros Cechinel e do Céu e a planície de inundação do rio Criciúma para agricultura e pastagem. No final do século XIX, início do século XX, com a descoberta e exploração das camadas de carvão Bonito e Barro Branco que afloram nas encostas do maciço do morro Cechinel, alguns comerciantes, segundo Nascimento (1993), também se transformaram em mineradores.

A mudança de economia basicamente agrícola para indústria carbonífera, principalmente no final dos anos de 1930, fez com que houvesse um acentuado fluxo migratório de pessoas para Criciúma, a fim de trabalhar nas minas de carvão (CAROLA, 2002). A oferta de emprego na mineração de carvão e nos setores de serviços e comércio atraiu muitas pessoas para Criciúma até o final dos anos de 1970, consolidando-se como o município mais populoso do sul catarinense (NASCIMENTO, 2004c). Com o aumento da população, houve a expansão da malha urbana na bacia, principalmente no entorno da Praça Nereu Ramos, médio vale da bacia e, também na planície de inundação do rio Criciúma, para edificação das vilas operárias das empresas carboníferas.

A diversificação da economia com a instalação de novas indústrias, nas décadas seguintes, fez com que Criciúma se destacasse como um município pólo da região do extremo sul de Santa Catarina, com economia baseada nos setores cerâmicos, metal-mecânico, confecções e indústrias de plásticos e descartáveis.

A área da bacia do rio Criciúma, segundo o IBGE (2001a), é a mais populosa e densamente povoada do município, com cerca de 2.677 hab/km2 (Figura 1.03). O município de Criciúma tem uma população total de 170.420 habitantes e destes, 49.790 situam-se na bacia, o equivalente a 28% do total de habitantes.

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1. OS SIGNIFICADOS REPRESENTADOS NA PAISAGEM

Estudar geografia não é somente explicar o que vemos e mapeamos. É compreender conhecimentos geográficos e as interpretações do ambiente que as sociedades que ocupam tal ou qual lugar desenvolveram (CLAVAL, 2003:21).

As sociedades ao se apropriarem do meio natural constroem

o espaço geográfico e atribuem significado aos elementos que compõe este espaço. Nesta perspectiva de abordagem, Denis Cosgrove atribui aos geógrafos culturais a incumbência de compreender as transformações produzidas na sociedade e na sua relação com o meio natural e, sobretudo, entender os significados que as culturas atribuem às paisagens, por meio das suas representações. A dimensão cultural possibilita a compreensão da sociedade em termos econômicos, sociais e políticos e torna inteligíveis as espacialidades e temporalidades expressas nas paisagens.

Essa concepção da paisagem mais voltada às ações culturais desenvolvidas pelos processos sociopolíticos de transformação no mundo vivido foi construída na Geografia Cultural pela introdução de diferentes abordagens, entre elas aquelas vindos da Fenomenologia1 e a Semiótica2. A utilização dos conhecimentos dessas ciências na ciência geográfica possibilitou a descrição do mundo vivido, em que o ambiente e a sociedade que o transforma são elementos percebidos e interpretados pelos diversos sujeitos que os experienciam.

Um olhar mais aprofundado nas paisagens, além de contemplar as formas e as funções, revela determinados significados impressos pelas relações sociais estabelecidas no

1 O termo Fenomenologia foi criado em 1764, por J.H. Lambert com intuito de juntar o sujeito ao objeto percebido e descrever, compreender e interpretar os fenômenos que se apresentam à percepção. Ao longo dos anos recebeu significações diferentes de filósofos como Kant, Hegel, Husserl e Heidegger (DARTIGUES, 1992). 2 Semiótica é a ciência que estuda a linguagem verbal, veiculada pela língua, e a linguagem não verbal, constituída por signos, ou seja, ícones, índices e símbolos.

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processo de sua construção, por serem o resultado das apropriações e transformações do meio físico. Este universo simbólico está sempre em processo de construção, pois a sociedade reconstrói permanentemente seu espaço a partir dos significados e das ressignificações dos objetos que compõem o espaço geográfico. No espaço geográfico, os significados são os principais norteadores das atitudes e das ações dos atores sociais. É por intermédio dos significados que as sociedades interferem e/ou influenciam nos modos de vida e na ocupação e organização do espaço geográfico. A leitura e a interpretação que a sociedade e/ou o sujeito fazem da paisagem, se mostra de forma diferenciada para quem a observa, pois estão atrelados aos valores de cada observador.

1.1 Os significados e suas representações No pensamento humano, a forma de ver o mundo passa por

signos. O homem não vive sem os signos, precisa deles para viver, interagir e entender a si mesmo, as pessoas com as quais mantém relações humanas e o mundo. Pierce (1977 apud COELHO NETO, 1996) considera que para se entender um signo é necessário entender uma relação entre três entidades: representamen, interpretante e objeto. O representamen é o primeiro signo do objeto que representa algo para alguém, o que vai criar na mente desse alguém um signo equivalente ou até mais elaborado ou desenvolvido o qual passa a ser denominado interpretante. Esse interpretante é o processo relacional que assimila, reelabora, reorganiza e até inventa o signo. Ferrara (1981: 57) analisa que o interpretante “[...] é uma operação ativa na medida em que faz o objeto tornar-se signo [...]”. O objeto atuando nessa operação também se torna parte do interpretante. Coelho Neto (1996) explica que o signo é construído em parte pela referência feita a ele mesmo mais os fatores sociais e psicológicos que atuam no receptor ou em terceiros. Dessa forma, existe um processo dinâmico de auto-geração de signos para um mesmo objeto da realidade, ou seja, a cada instante é possível a criação, a reinvenção, a reelaboração de um signo.

Bakhtin (2002) argumenta que um signo é formado quando há consenso e interação entre os sujeitos socialmente organizados sobre determinado objeto, pois o signo se forma entre indivíduos,

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no meio social, quando o objeto adquire uma significação interindividual, ou seja, a significação do objeto é consenso entre os grupos sociais. O signo é constituído de forma coletiva, na medida em que compartilha valores e significados. Isso quer dizer que o signo e a situação social em que se insere estão indissoluvelmente ligados. Para o autor, a significação é a função do signo, que pode ser analisado e explicado por meio dela pela atividade mental, pois a própria consciência é a construção dos signos.

As categorias de construção do signo pensadas por Pierce e estudadas por Santos (2001), Santaella (1983) e Lubacheveski e Sahr (2005) foram designadas de primeiridade, secundidade e terceiridade. A primeiridade é a consciência imediata, uma impressão de um fenômeno ou objeto. É o momento de consciência que contém as qualidades de sentimento percebidas do fenômeno, sem qualquer julgamento ou análise. A primeiridade é a qualidade do fenômeno, enquanto que secundidade é a corporificação da qualidade do fenômeno, a interação com o mundo (SANTAELLA, 1983). Lubacheveski e Sahr (2005:27) interpretam a secundidade de Pierce como “Os elementos triviais, rotineiros que preenchem nosso cotidiano. Aqui nosso pensamento, imaginação e sentimento se tornam concretos, ou seja, se materializam, e se fixam para nossa consciência”. Ibri (1992, apud SANTOS, 2001) diz que a secundidade pode ser entendida como a excitação dos sentidos, é uma primeira percepção. A terceiridade reúne as duas categorias anteriores numa síntese intelectual (LUBACHEVESKI e SAHR, 2005). A categoria terceiridade corresponde, segundo Santaella (1983), a uma análise do fenômeno vivenciado, em que o pensamento se traduz em signos e ocorre a representação e a interpretação do mundo.

Pierce, citado por Coelho Neto (1996), propõe que os signos podem ser divididos de acordo com sua relação com seu objeto em ícone, índice e símbolo. O ícone é o signo que tem semelhança com o objeto, as qualidades desse objeto, e sua representação são sempre uma possibilidade. Para Rocha (2003), o signo ícone apresenta relação de analogia com seu objeto ou, como acentua Coelho Neto (1996), ícone pode ser caracterizado como um esquema, um diagrama do objeto, por exemplo, a fotografia de um carro, a escultura de uma mulher. O índice apresenta uma relação de causa com seu objeto, ou seja, é realmente afetado pelo objeto que representa e tem com ele uma relação direta, por exemplo, a

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fumaça geralmente indica fogo ou a grama molhada pode ser indicativo de que ocorreu chuva (COELHO NETO, 1996). Rocha (2003) atribui ao termo índice como sinônimo de sinal, ou seja, de indicativo, inferência. Já o símbolo, para o autor, é aquele que se liga ao objeto que representa com a força de uma convenção, por exemplo, a Bíblia é um símbolo para os cristãos. Os símbolos são instrumentos de conhecimento e de comunicação que integram a sociedade por intermédio de um consensus acerca do significado de determinados objetos no decorrer de um processo de interação que originam sentidos e atrelam valores a eles (BOURDIEU, 1989).

É possível dizer que qualquer som, palavra, gesto, linha, cor, expressões, tato, sinais, entre outros é capaz de atribuir um signo a um objeto ou fenômeno, desde que resultado de um consenso entre os indivíduos socialmente organizados. Dessa forma, a representação desse signo é a imagem, a tradução, a expressão, a apreensão de um significado do objeto ou fenômeno a partir de uma linguagem verbal ou não verbal. A representação é essencial ao conceito de signo. Pierce, citado por Santaella (1983), explica que o signo deve representar, pelo menos em parte, o objeto. A autora analisa que para que o signo represente o objeto, deve excitar a mente do intérprete, ou seja, é preciso usar algum tipo de linguagem para que o intérprete apreenda o signo relacionado ao objeto. “O signo é uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto” (SANTAELLA, 1983: 58).

O significado de determinado objeto, segundo Barthes (1975), é o resultado entre um estímulo e sua resposta, ou seja, o significado é conseqüência da percepção (sentidos) associada aos sentimentos, às experiências pessoais e ao nível cognitivo do intérprete com relação ao objeto. Coelho Neto (1996) propõe que o significado de alguma coisa é a veiculação do signo. Barthes (1975:46) explica mais detalhadamente que significado pode ser entendido como uma “representação psíquica da ‘coisa’....”. O autor cita a interpretação de significado dado por Saussure, um dos estudiosos da Semiótica, o qual se traduz como “o conceito da coisa”; por exemplo, o significado da palavra boi é diferente do animal boi (objeto). Pierce, citado por Santaella (2000) fala que significado é uma idéia que o signo liga ao objeto. O objeto contém inúmeros significados ou signos, de acordo com seu intérprete ou com o momento em que será apreendido.

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Os signos são expressos pela variada e intricada gama de formas sociais de comunicação e de representação verbal e não verbal que constitui o sistema de produção de sentido às coisas: a linguagem. A linguagem, segundo Santaella (1983), é muito mais do que a linguagem verbal articulada pela língua nativa oral e escrita. Inclui as formas não-verbais, como os sistemas de símbolos, sinais, imagens, sons, expressão corporal, formas de olhar, movimentos. Essas formas de linguagem fazem com que o intérprete se comunique, representando um signo relativo a um objeto. De acordo com a autora, graças às formas de linguagem, as pessoas conseguem se comunicar, ou seja, constróem uma mensagem que assegura a comunicação entre o emissor e o receptor e transformam o planeta em uma “aldeia”, quando ampliam a escala das comunicações humanas.

Kozel (2004: 176), embasada em Mikhail Bakhtin, argumenta que todo signo agrega um sistema de representações nas mais diferentes linguagens, porém as representações só adquirem significados quando são vivenciadas. Para a autora, “[...] quando os signos são retirados do contexto da comunicação no real vivido, transformam-se apenas em sinais, cujos valores e significados só podem ser entendidos dentro do sistema que os integra”.

A representação é considerada por Kozel (2002), como um tipo de linguagem (não-verbal), uma construção sígnica, que informa esquemas conceituais da sociedade. É um produto social impregnado de significados oriundo da comunicação que revela a quem interpreta a ação do sistema socioeconômico-cultural sobre os pensamentos da sociedade. Isso é possível, pois os significados de determinados objetos são construídos pelos sujeitos e/ou grupos sociais na inter-relação dos discursos, como salientou Moscovici (1978) que interpreta esse processo como a “arte da conversação”.

Essas representações podem ser objetivadas, segundo Moscovici (1978), por meio das diferentes linguagens. A objetivação ocorre pela capacidade que o pensamento e a imagem possuem de materializar um objeto abstrato. O autor salienta que pela “arte da conversação” (linguagem verbal), mantém-se um diálogo constante na construção das representações e reconstrói-se os objetos, tornando o que é “estranho” em algo “familiar”, colocando-o em categorias e contextos conhecidos, por intermédio das palavras e ações.

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A palavra, segundo Bakhtin (2002), é um elemento essencial que acompanha toda criação ideológica, pois está presente em todos os atos de compreensão e interpretação dos signos. Para o autor, a palavra “constitui o meio no qual se produzem lentas transformações quantitativas de mudanças que ainda não tiveram tempo de adquirir uma nova qualidade ideológica” (BAKHTIN, 2002:41). Para o autor, a palavra, por si só, não comunica. Essa forma de comunicação, carregada de sentido só adquire entendimento e estabelece relações entre as esferas sociais e os inúmeros interlocutores, quando inserida num contexto social e em determinado momento histórico, por meio do diálogo.

Na visão de Kozel (2004), os discursos aos serem incorporados pela sociedade, se constituem em signos que se transformam em representações e são objetivadas nas mais variadas formas de linguagem. Diante das transformações sociais é possível perceber, portanto, que o espaço vivido é portador de estruturas significativas para os grupos que vivem, pensam e agem em determinado contexto social e por isso, passíveis de serem codificadas e interpretadas.

A comunicação entre os atores sociais, por meio da linguagem verbal e não verbal, se confirma pela circulação horizontal da transferência de elementos culturais de uma camada social para outra, de um grupo para outro grupo, no espaço social. Por este procedimento, são atribuídos aos objetos e/ou as paisagens, valores simbólicos e significados, conforme as experiências individuais e coletivas (CORRÊA, 2003). Este processo é possível, pois os objetos geográficos participam da prática social, isto é, fazem parte do cotidiano individual e coletivo da sociedade, como acentua Castro (1997). Assim, as representações fazem parte da realidade social de determinada sociedade, e, embora a representação pertença a todos, transcende a cada um individualmente.

Castro (2002) argumenta que as representações interferem na difusão e assimilação dos conhecimentos, na definição das identidades individuais e de grupos e nas transformações sociais e do seu ambiente de entorno. A autora destaca que a representação “informa” esquemas conceituais da sociedade, uma vez que a interpretação do objeto advém de códigos e símbolos construídos de forma mental pela apreensão dos significados que são

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internalizados pelos indivíduos de uma sociedade, chamados de sistemas simbólicos.

As mudanças no sistema simbólico, segundo Bakhtin (2002), ocorrem quando não há mais consenso e interação entre os sujeitos socialmente organizados sobre determinado objeto. A falta de consenso e interação nas várias etapas de desenvolvimento da sociedade faz com que haja uma modificação e/ou reciclagem no signo ou uma ressignificação de determinados objetos. Isso implica que o significado do signo é dinâmico dentro de uma sociedade. Com a ressignificação dos signos surgem novos objetos, conceitos e representações que serão consenso e irão influenciar as novas relações sociais. Essas mudanças, segundo Leme (1995:48), tornam o ato de representar um processo ativo, isto é, “teorias” internalizadas pela sociedade que servem para re-organizar a realidade social, conhecer e explicar o mundo que os cerca nas esferas individual e coletiva, a partir da “arte da conversação”.

A capacidade que os sujeitos desenvolvem de se comunicarem entre si por meio de signos representados, no entender de Wagner & Mikesell (2000) é a própria cultura, assentada numa base geográfica. De acordo com Duncan (2004:101), ao citar Raymond Williams (1982), a cultura é “[...] o sistema de criação de signos através do qual [...] uma ordem social é transmitida, reproduzida, experimentada e explorada”. O autor insiste em que a prática cultural e a produção cultural não são “[...] simplesmente derivadas de uma ordem social constituída de outra maneira, mas são elas próprias, os elementos principais em sua constituição” (DUNCAN, 2004:101-2).

A comunicação regular e compartilhada só ocorre entre os sujeitos, segundo Wagner & Mikesell (2000), que partilham de uma mesma área geográfica, pois:

quando as pessoas parecem pensar e agir similarmente, elas o fazem porque vivem, trabalham e conversam juntas, aprendem dos mesmos companheiros e mestres, tagarelam sobre os mesmos acontecimentos, questões e personalidades, observam ao seu redor, atribuem o mesmo significado aos sujeitos feitos pelo homem, partilham dos mesmos rituais e recordam o mesmo passado (WAGNER & MIKESELL, 2000:114).

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No seu livro “A interpretação das culturas”, Geertz (1978)

defende um conceito de cultura fundamentado na semiótica, ou seja, em um sistema de signos que auxilia o pesquisador a acessar o mundo de significados no qual vivem os sujeitos. Baseado nesse preceito, Geertz (1978) considera a cultura como uma ciência interpretativa que procura decodificar as “teias de significados”, criadas pelos atores sociais e às quais estes estão amarrados. Compreender a cultura de um determinado povo não é, para o autor, definir conduta padronizada, mas saber interpretar os “textos culturais” impressos nas paisagens e representados em determinados comportamentos da sociedade, que reproduzem suas formas culturais. Dessa forma, o significado “das coisas” emerge do papel que a sociedade desempenha, ou seja, o modo de vida das pessoas.

Nessa perspectiva cultural, o autor considera que o pensamento humano é uma soma do ambiente social associado ao ambiente público que, integrados, originam símbolos significantes. Os símbolos significantes são definidos por Geertz (1978) como “qualquer coisa” usada para impor significado à experiência individual, e que são necessários para que o sujeito encontre seu apoio no mundo por intermédio da cultura. Estes são “apresentados” aos sujeitos quando nascem por meio dos laços sociais e permanecem nas “teias de significados” ao longo da vida. Enquanto estes sujeitos viverem utilizarão os símbolos. Alguns serão interiorizados, outros serão rejeitados, transformados, enriquecidos e difundidos. A transformação dos símbolos se constrói por meio das redes de contatos e/ou esfera de intercomunicação nas quais o sujeito está inserido. A rejeição ocorre quando os valores usuais não correspondem mais às aspirações individuais e nem do grupo, sempre com o propósito de “[...] fazer uma construção dos conhecimentos através dos quais eles vivem, para auto-orientar-se no ‘curso corrente das coisas experimentadas’” (GEERTZ, 1978:57).

De acordo com Claval (1999a e 2004), a paisagem reflete a cultura da sociedade que a vivencia e ela é constituída de signos que foram construídos por meio de experiências e modos de descrevê-la, dominá-la e verbalizá-la. As diferentes características consideradas na definição da paisagem, segundo Collot (1990) tornam-na uma estrutura pré-simbólica para a sociedade. Para o

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autor, é desde o nível perceptivo, que se constitui um conjunto de sentidos, a partir dos quais as categorias semânticas sócio-culturais se constróem.

Dentro da perspectiva da Geografia Cultural, a cultura de uma determinada paisagem representa um sistema de significados que norteiam o mundo vivido dos sujeitos. E os símbolos, que estão contidos na paisagem, são de suma importância para interpretá-la, pois representam os modos de vida e a interação que os sujeitos fazem com o seu ambiente. Entretanto, até a segunda metade do século XX, os significados e as representações que as sociedades utilizavam para interferir no ambiente natural não eram considerados pela grande maioria dos pensadores da Geografia em função da influência positivista que a ciência geográfica apresentava naquele momento segundo Cosgrove (2003).

1.2 A importância da cultura na construção do conceito de paisagem: breve histórico

Revelar os significados na paisagem cultural exige a habilidade imaginativa de entrar no mundo dos outros de maneira auto-consciente (COSGROVE, 2004:103).

O termo paisagem tem acompanhado a Geografia desde os

primórdios de sua concepção como ciência, nas mais variadas interpretações conceituais. Desde as primeiras observações do meio representadas em forma de pintura rupestre pelos homens primitivos, até os geógrafos da segunda metade do século XX, o conceito de paisagem foi alvo de inúmeras divergências, em função das múltiplas abordagens e interpretações, nas mais variadas correntes de pensamento científico.

Entretanto, a paisagem permaneceu ao longo do tempo como “um conceito chave da geografia” (CORRÊA & ROSENDAHL, 2004:07), que forneceu-lhe unidade e identidade. O estudo das paisagens, inicialmente voltado à descrição do meio natural, incorporou com o tempo os dados das interferências humanas, nas suas mais variadas formas de organização cultural, sem perder de vista as interligações com o meio natural.

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No seu livro “Geografia Cultural”, Claval (1999a) faz um estudo da evolução das interpretações culturais na Geografia e identifica momentos importantes da história geográfica, que enfocam a inclusão da análise de aspectos materiais e não-materiais da cultura, na ciência geográfica. Os aspectos materiais da cultura foram analisados por pensadores da Geografia, por meio de estudo das técnicas e instrumentos de trabalho que a sociedade utilizava para se adaptar ao meio natural a partir da distinção entre a paisagem cultural e a paisagem natural. Os aspectos não-materiais da cultura foram analisados sob a ótica do gênero de vida da sociedade.

A inclusão da perspectiva cultural no conceito de paisagem, segundo Claval (1999a), surge no final do século XVIII sob a influência do filósofo Herder para responder aos questionamentos “[...] em que medida o destino dos povos está ligado ao país onde estão instalados? Há influência deste sobre os homens? Ou há harmonia sutil entre a ordem natural e ordem social?” (CLAVAL, 1999a: 19).

A perspectiva cultural nos trabalhos da ciência geográfica foi abordada pela primeira vez nos trabalhos de Friedrich Ratzel, em 1880. O geógrafo alemão, influenciado principalmente por idéias darwinistas e de seus mestres naturalistas Alexandre Von Humboldt e Carl Ritter, concebeu a paisagem como a interação da natureza e das atividades culturais sobre o meio natural em que a sociedade se desenvolve (GANDY, 2004). Para designar o campo de investigação dessa nova concepção de paisagem, Ratzel “forja”, segundo Claval (1999a: 19 e 21), o termo antropogeografia, que trouxe à Geografia nova perspectiva, por mapear e descrever as áreas em que vivem os homens; além de estabelecer as causas geográficas da distribuição dos homens na superfície da Terra e definir a influência da natureza sobre os corpos e os espíritos dos homens. Vidal de La Blache e seus seguidores adotaram a nova concepção de Geografia e traduziram o termo antropogeografia, elaborado por Friedrich Ratzel, como Geografia Humana. Entretanto, segundo Sauer (2003)3, desconsideraram os estudos culturais realizados posteriormente por Friedrich Ratzel, como a

3 Artigo publicado originalmente em 1931, com o título “Cultural Geography”, na Encyclopedia of the Social Sciences, volume VI, New York, Mac Millan. Traduzido por Susana Mara Miranda Pacheco e Zeny Rosendahl para publicação no livro “Introdução à Geografia Cultural”, em 2003, organizado por Roberto Lobato Corrêa e Zeny Rosendahl.

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difusão da cultura por meio das vias de comunicação. As análises de difusão da cultura realizadas por Ratzel foram amplamente utilizadas apenas pelos antropólogos.

Friedrich Ratzel foi o primeiro geógrafo a introduzir o termo Geografia Cultural na ciência geográfica. O termo fez parte do título de um dos Tomos intitulado “A Geografia Cultural dos Estados Unidos da América do Norte com a Ênfase Especialmente Voltada para as suas Condições Econômicas”, da obra sobre os Estados Unidos (CLAVAL, 1999a).

No final do século XIX, início do século XX, a noção de paisagem presente na Geografia tradicional alemã de Otto Schlüter, August Meitzen e Eduard Hahn estava muito atrelada à influência darwinista, que associava a cultura apenas à adaptação do meio pelo sujeito, por intermédio dos utensílios e técnicas utilizadas pela sociedade. No entanto, nesse processo de dominação do meio, não eram abordadas as atitudes e as crenças da sociedade que transformavam este meio (CLAVAL, 1999a).

Paralelamente a esses fatos, no início do século XX, Vidal de La Blache, principal representante da escola francesa e seguidor de Ratzel, propõe o estudo das influências do meio sobre as sociedades humanas, utilizando como método de análise as técnicas e utensílios que os homens fabricavam para transformar o meio em que vivem. Na concepção de La Blache, ao invés de se adaptar ao meio, o sujeito procura modificá-lo e/ou transformá-lo para permanecer com seus hábitos. Entretanto, era preciso compreender as modificações do meio, como componentes de gêneros de vida e/ou modos de vida do sujeito refletidos na paisagem e a forma específica que cada grupo desenvolve sua maneira de ser e de viver (CLAVAL,1999b).

Em seus trabalhos, Vidal de La Blache, segundo Claval (2003), sempre utilizou a cultura como lugar central na interpretação das relações entre a sociedade humana e o meio natural. Entretanto, nunca falou propriamente da cultura das sociedades estudadas. A cultura estava presente na obra de Vidal de La Blache oculta pelo uso das técnicas, das inovações e da força de hábito. Segundo Gomes (2000), Vidal de La Blache utilizava em suas pesquisas o método científico de análise que envolvia três proposições: a observação (descrição), que envolvia o contato direto do pesquisador com a realidade para interpretar os fatores geográficos responsáveis pela formação de cada paisagem

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estudada; a comparação da paisagem estudada com seu entorno para o entendimento da paisagem como um todo; e a conclusão.

A categoria “gênero de vida” também inspirou inúmeros seguidores, como Jean Brunhes (1869 – 1930) e Pierre Deffontaines (1894 – 1978), que utilizavam o método de Vidal de La Blache para desenvolver estudos dos traços culturais na paisagem (CLAVAL, 1999a). Jean Brunhes, segundo Claval (2003), deu mais ênfase à cultura que seu mestre, pois iniciava suas pesquisas referentes às paisagens pela classificação dos usos do solo e a análise do funcionamento dos estabelecimentos da área estudada, utilizando ainda dados históricos e etnográficos. Pierre Deffontaines enfatizou as manifestações culturais, principalmente o folclore e a etnografia rural do sudoeste e do leste da França, da Europa central, do Quebec, da Catalunha e do Brasil.

Entretanto, nestes estudos nenhum dos dois autores questionava por que certos grupos sociais atribuíam determinadas representações às paisagens e também não faziam comparações entre as representações presentes nas diferentes paisagens (CLAVAL, 1999a). A partir da modernização da economia, na segunda metade do século XX, conforme Claval (1999a), a Geografia Cultural francesa, embasada na teoria da análise dos gêneros de vida, não conseguiu se adequar ao mundo urbano e industrializado. Isso ocorreu pela quantidade de generalizações do trabalho originadas pelas mudanças tecnológicas e econômicas no padrão de vida das pessoas e a abertura a novos horizontes culturais, em função da melhoria das redes de interação entre as culturas.

Nos Estados Unidos, a partir de 1920, Carl O. Sauer utilizou as teorias de seus conterrâneos alemães para estudar a paisagem, mas agregou o conhecimento cultural diferente do habitualmente utilizado. Sauer (2004) estudou a paisagem numa perspectiva morfológica como o “resultado” das transformações que a cultura impõe ao meio natural e afirmou que a “[...] cultura é o agente, a área natural é o meio, a paisagem cultural, o resultado” (SAUER, 2004: 59). O autor destaca que a interação entre o meio natural e as atividades culturais é fundamental no entendimento da paisagem.

Não podemos formar uma idéia de paisagem a não ser em termos de suas relações associadas ao tempo, bem como suas relações vinculadas

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ao espaço. Ela está em um processo constante de desenvolvimento ou dissolução e substituição. Assim, no sentido corológico [ciência das regiões], a alteração da área modificada pelo homem e sua apropriação para o seu uso são de importância fundamental. A área anterior à atividade humana é representada por um conjunto de fatos morfológicos. As formas que o homem introduziu são um outro conjunto (SAUER, 2004: 42).

Nessa citação, o autor traz a noção de que existem paisagens distintas: as paisagens naturais e as paisagens culturais. As paisagens culturais incluem as modificações realizadas pela sociedade e derivam das paisagens naturais, que seriam os elementos geográficos inter-relacionados no terreno, mas “[...] com o homem expressando seu lugar na natureza como um agente distinto de modificação” (SAUER, 2004: 57). Portanto, a paisagem cultural define-se a partir do momento em que uma área é delimitada, ocupada, vivida, transformada, ou seja, impressa pela identidade cultural de uma sociedade e sujeita a mudança contínua, em função do desenvolvimento das culturas. Para o autor, a paisagem cultural representa uma materialização de pensamentos e ações humanas, mas nunca se afasta do seu caráter físico-natural.

Cosgrove (2003) salienta que a perspectiva eminentemente antropocêntrica dos trabalhos de Sauer e de seus seguidores da Escola Americana de Berkeley, permitiu a compreensão da influência constante de determinada cultura sobre o ambiente natural que certamente sofreu influências da antropologia americana. A partir dessa concepção, a Geografia passa a se preocupar também com “[...] as marcas do homem na paisagem” (SAUER, 2004: 57), e segundo Cosgrove (2003), consolida ainda mais a Geografia Cultural como um subcampo da Ciência Geográfica.

As pesquisas geográficas, de acordo com Claval (1999a), tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, no século passado, se limitavam principalmente aos elementos visíveis na paisagem, pois estavam embasados na cultura “[...] como aquilo que se interpõe entre o homem e o meio e humaniza as paisagens” (CLAVAL, 1999a:35). Isso não quer dizer que Carl Sauer, Friedrich Ratzel,

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Jean Brunhes, Paul Vidal de La Blache, Pierre Deffontaines e tantos outros autores não utilizavam a questão cultural no estudo da paisagem. Mas, limitavam-se, conforme Claval (2001 e 1997), à descrição material da paisagem, caracterizando-a apenas como produto da relação entre os gêneros de vida e as técnicas e utensílios que os sujeitos fabricavam para transformar o meio em que viviam. Neste período, conforme o autor, as abordagens eram parciais, pois não tinham meios necessários para desenvolver uma análise em toda a sua dimensão, destacando apenas os aspectos materiais das culturas. Como o ponto de vista das ciências na época era positivista, estas não levavam em consideração as ideias e a estrutura de valores da sociedade.

Os estudos geográficos não consideravam, segundo Claval (1999a), como fatores relevantes de modificação da paisagem, os anseios e as necessidades dos grupos sociais. Pelo contrário, o autor salienta que os trabalhos geográficos eram pautados nas ciências sociais, na economia e na lingüística e essas ciências não levavam em consideração os aspectos subjetivos da realidade, como os símbolos e as ideologias da sociedade; supunham apenas que as decisões dos sujeitos referentes às transformações na paisagem eram simplesmente racionais. Esse enfoque fica mais claro no artigo de Sauer (2000: 105-106) quando salienta que “[...] o homem, por si mesmo, é objeto indireto da investigação geográfica [...]”, atribui-se a ele apenas uma expressão física na área “[...] com suas moradias, seu lugar de trabalho, mercados, campos e vias de comunicação”. Diante dessas concepções, a Geografia Cultural da época se interessava apenas “[...] pelas obras humanas que se inscrevem na superfície terrestre e imprimem uma expressão característica” (SAUER, 2000: 106). Não se dava ênfase às dimensões sociais e psicológicas do sujeito, como importantes fatores na transformação da paisagem.

Na segunda metade do século XX, a concepção cultural começa a mudar a partir do entendimento, por algumas áreas das ciências sociais e também pela Geografia, de que as culturas são construídas por meio das práticas sociais e refletem a diversidade da organização espacial e sua dinâmica (CORRÊA, 1999b). Nessa concepção, a diversidade de culturas apresenta-se, conforme Claval (1999b), cada vez menos fundamentada em seu conteúdo material e mais conectada à diversidade dos sistemas de representação e de valores que permitem a afirmação, o reconhecimento e a

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constituição da coletividade. Para o autor, a Antropologia foi uma das pioneiras desse entendimento principalmente com os trabalhos de Clifford Geertz, nos quais muitos geógrafos culturais se embasaram nas suas idéias, métodos e debates epistemológicos referentes à cultura.

A interpretação das culturas baseada na semiótica levou Clifford Geertz (1978) a buscar no filósofo Paul Ricoeur a concepção de interpretar a paisagem como um texto, que se revela a quem a observa. Essa interpretação, conforme Mondada & Söderström (2004), influenciou muitos geógrafos, principalmente da Escola norte americana de Berkeley, a repensarem seus métodos de análise sobre a paisagem a partir dos anos de 1970.

Outro fator importante que contribuiu significativamente para o entendimento das atividades culturais como fator primordial no processo de transformação das paisagens, ocorreu na segunda metade do século XX, com a introdução da Fenomenologia na Ciência Geográfica. A Fenomenologia, por ter como perspectiva filosófica a priorização do homem como “ser no mundo” e descrever fenômenos que envolvem o mundo vivido e suas experiências, foi adotada pelas correntes geográficas focadas nos processos cognitivos e preocupadas em compreender a relação que ocorre entre os sujeitos, seus lugares e significados (NOGUEIRA, 2004).

No livro “Geografia e Modernidade”, Gomes (2000) faz uma reflexão sobre a Fenomenologia e seus principais pensadores, principalmente Edmund Husserl que tem como ponto central do seu pensamento a “intuição pura”. Husserl propõe como ponto de partida do conhecimento da “essência das coisas”, os dados percebidos pela “consciência pura”. Esse “retorno às coisas nelas mesmas”, que é a observação dos fenômenos e, deve ocorrer, na concepção de Husserl, levando em consideração o fator cultural, por estar ancorado nos sentidos e significados da sociedade e sem qualquer preconceito tanto do senso comum, quanto da ciência. Logo, a consciência do sujeito que observa os fenômenos será orientada pela experiência vivenciada no mundo vivido e materializada pela comunicação.

Entretanto, segundo Gomes (2000), como existe uma intencionalidade no fenômeno a ser observado, ou seja, uma “intenção em direção a...”, haveria inúmeros significados ou essências das coisas, os quais para a consciência constituem-se em

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conhecimento. No parecer de Buttimer (1985), a Fenomenologia, cuja descrição dos fenômenos substitui a pretensão explicativa do racionalismo, proporciona ao sujeito observar o mundo de acordo com sua cultura, seus valores e significados, ou seja, examinar sua própria experiência e tornar-se sujeito mais do que objeto de pesquisa.

O artigo de Sauer “A Morfologia da Paisagem”, escrito em 1925, faz referências à Fenomenologia quando enfatizava os aspectos de ordem cultural no estudo das paisagens. A partir dos anos de 1970, a fenomenologia é referenciada nos trabalhos de Edward C. Relph, Yi-Fu Tuan, Augustin Berque e Michel Collot.

Na concepção de Nogueira (2004), a introdução da Fenomenologia nos estudos geográficos contribuiu significativamente para os geógrafos deixarem de descrever o meio natural e humano de forma separada, apenas como realidade objetiva, para priorizar o mundo vivido. Nogueira (2004) comenta ainda que os geógrafos incluíram em seus estudos, além da materialidade das culturas e das paisagens, a dinâmica dos comportamentos humanos, com suas respectivas crenças, valores, subjetividades e simbolismos diferenciados. Nesta nova concepção, a paisagem que relaciona o meio natural e a sociedade são elementos geográficos percebidos e interpretados pelos diversos sujeitos que os experienciam em seus diferentes significados.

A introdução da Fenomenologia na ciência geográfica, segundo Claval (2001), proporcionou aos geógrafos a constatação de que as organizações sociais não são processos puramente materiais; ao contrário, refletem a expressão de processos cognitivos, de atividades mentais, de trocas de informações e de ideias dos sujeitos que as imprimiram nas paisagens. Auxiliou os geógrafos a perceberem também que lugares “[...] não têm somente uma forma e uma cor, uma racionalidade funcional e econômica. [...] Estão carregados de sentido para aqueles que os habitam ou que os freqüentam” (CLAVAL, 1999a: 55). A concepção de lugar como a base da existência humana, numa visão de autenticidade e integralidade, descrita por Edward Relph (1979), contribuiu para construção do um conceito de paisagem mais voltado para as ações culturais desenvolvidas a partir do mundo vivido, como acentuam Cosgrove & Jackson (2000).

A partir dos anos de 1970, a diversidade cultural estava menos fundamentada no conteúdo material e mais voltada à

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coletividade pela diversidade dos sistemas de representação e de valores. Essa valorização das atividades culturais, como resultado das necessidades e aspirações da sociedade no entendimento da construção das paisagens, levou muitos geógrafos a repensarem seus métodos de análise e passarem a criticar as bases da Geografia Cultural vigente naquele momento (CORRÊA & ROSENDAHL, 2003b).

James Duncan (2003) no artigo intitulado “O Supra-Orgânico4 na Geografia Cultural Americana”5, publicado originalmente em 1980, sugere aos pesquisadores da Geografia Cultural uma revisão no conceito de cultura, pois, esta não pode ser tratada como um elemento estanque, sem dinamismo. Alerta que a cultura passa por processos contínuos de transformação, em função de ser o resultado da interação social e da habilidade do sujeito de criar seus sistemas simbólicos, ou seja, das idéias que cada sujeito recebe, interioriza e re-elabora durante a sua existência. Consequentemente, os grupos sociais que formam a paisagem as ressignificam, em função da diversificação do nível perceptivo das suas dimensões simbólicas (DUNCAN, 2003). Diante desse entendimento, o autor enfatiza que a cultura na Geografia deve ser abordada como uma explicação social, psicológica e política, pois se refere aos comportamentos e aos processos psicológicos dos sujeitos em constante troca de informações nas diferentes esferas de intercomunicação.

Segundo Linda McDowell (1996), foi o entendimento das influências culturais na paisagem, como suscetíveis a mudanças temporais e espaciais, por serem intimamente ligadas às inconstâncias dos grupos sociais que a constituem, que diferenciou os novos geógrafos culturais dos geógrafos seguidores de Carl Sauer. A autora enfatiza que a Geografia Cultural, no período pós-guerra, tomou dois caminhos e destaques distintos, no Reino Unido e nos Estados Unidos. Embora distantes em termos geográficos,

4 Na Geografia Cultural a discussão que envolve a teoria holística referente à relação do homem interagindo com a sociedade é conhecida como supra-orgânica. 5 Artigo publicado originalmente em 1980 com o título “The Superorganic in American Cultural Geography”, nos Annals of the Association of American Geographers, 70 (2). Traduzido por Beatriz Juaçaba e Maria Faço para publicação no livro “Introdução à Geografia Cultural”, em 2003, organizado por Roberto Lobato Corrêa e Zeny Rosendahl.

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essas “novas geografias culturais” tinham em comum a crítica em relação à ciência social singular e objetiva.

A Geografia Cultural desenvolvida no Reino Unido, considerada por Linda McDowell (1996) como “materialismo cultural”, embasou-se teoricamente na escola britânica de estudos culturais e história social e teve como foco principal o entendimento de como os grupos sociais expressam de forma simbólica suas ações sociais num determinado lugar. Raymond Williams, um dos principais destaques na Geografia Cultural inglesa, seguido de Stuart Hall, foi o principal defensor da abordagem, segundo a qual a produção cultural da sociedade e seus significados ocorrem no contexto social, político e histórico (McDOWELL, 1996). Contudo, a escola foi alvo de inúmeras críticas pelo sentimento de nostalgia por antigas classes culturais, em detrimento da cultura da produção e do consumo, sem o entendimento da dinâmica cultural e consequentemente da re-significação da paisagem (McDOWELL, 1996).

Para McDowell (1996), a Geografia Cultural desenvolvida nos Estados Unidos, considerada como a “escola do paisagismo”, identificava a paisagem como conceito central de discussão dessa nova concepção de Geografia. Para a autora, essa concepção tem uma ligação com a Geografia Cultural desenvolvida por Carl Sauer e apresenta “uma herança mais geográfica” se comparada à visão materialista cultural desenvolvida no Reino Unido. Os novos analistas da paisagem a re-teorizam não apenas como o resultado material da interação entre o meio natural e a sociedade, mas como um reflexo das relações de poder e como uma consequência de uma maneira específica de olhar, ou seja, a “maneiras de ver” o mundo (McDOWELL, 1996).

A ênfase recente da escola de paisagismo se remete a problematizar a paisagem como uma imagem cultural. Os geógrafos dessa escola passaram a dedicar-se às humanidades, especialmente à teoria literária, à semiótica e à teoria do discurso, como método de análise para ler as paisagens como um texto e investigar os múltiplos discursos e/ou significados acerca de determinada paisagem. Essa teoria foi embasada na Antropologia, principalmente nos trabalhos de Clifford Geertz descritos anteriormente.

O foco unificador da Geografia Cultural na atualidade, segundo Mcdowell (1996), consiste nas questões referentes ao

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sentido do lugar, representação, significado e política de localização, nas sociedades multi-culturais, palco da produção e legitimação do conhecimento público. A proposição da paisagem com aporte paisagístico e simbólico se deve a alguns pesquisadores da escola anglo-saxã, num movimento conhecido como Geografia Cultural Radical (COSGROVE, 2003), que aliaram em seus trabalhos os aportes teóricos metodológicos do materialismo dialético, da hermenêutica e da antropologia interpretativa. Duncan (2004) considera que a inclusão de todas essas dimensões epistemológicas ocorreu pelos autores entenderem que, na “nova” Geografia, a cultura é o meio pelo qual a mudança social é experimentada, contestada e constituída.

A visão da paisagem intimamente ligada à cultura, como uma auto-biografia coletiva, refletindo valores e simbolismo nos elementos da paisagem, possibilitou a Denis Cosgrove, James Duncan e Peter Jackson, dentre outros pesquisadores anglo-saxões, desenvolverem inúmeros trabalhos voltados à interpretação da paisagem como um “texto”, que pode ser lido e interpretado como um documento social. Entretanto, o texto cultural representado nas paisagens como uma imagem nunca será o mesmo em todos os lugares, pois não existe uma cultura unificada, seus elementos estão em processo constante de reinterpretação. Nesta concepção, a paisagem torna-se um lugar simbólico, com múltiplas matrizes de significados, pois os elementos visíveis têm significados diferentes e são representados por diferentes discursos e outras formas de linguagem pelos sujeitos.

A constatação da paisagem como uma dimensão simbólica levou os autores da “escola do paisagismo” à busca de métodos de análise mais interpretativos do que morfológicos para identificação de muitos dos simbolismos impressos na paisagem. Nos trabalhos desenvolvidos, os autores optaram por metodologias voltadas à lingüística, para compreender a cultura como um processo transmitido de geração para geração pela comunicação e à semiótica, para interpretar os sistemas de significação impressos na paisagem cultural. A grande maioria desses trabalhos, segundo Claval (1999a), sofreu também a influência da concepção do historiador inglês Raymond Williams que considerava a cultura como um “[...] sistema de significado que tem por objeto permitir o funcionamento da sociedade global” (CLAVAL, 1999a: 56).

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Cosgrove (2003) no artigo “em Direção a uma Geografia Cultural radical: problemas na Teoria”6, e Cosgrove e Jackson (2000) em “Novos Rumos da Geografia Cultural”7 abrem uma nova perspectiva na Geografia que enfatiza a interpretação dos significados culturais, por meio dos símbolos que seriam códigos de comunicação. Os autores argumentam que, quando a paisagem é considerada como uma imagem, representa a cultura de um povo e pode ser estudada por vários meios, como a “[...] pintura sobre a tela, a escrita sobre o papel, as imagens gravadas em filme” (COSGROVE & JACKSON, 2000: 18). Esses meios de representação revelam significados atribuídos pelos sujeitos sociais às áreas, lugares ou fenômenos do cotidiano e, como objetos de pesquisa, permitem também ao pesquisador relacioná-los a outros aspectos e condições da existência humana, pois a cultura é constantemente reproduzida por meio de suas ações rotineiras do cotidiano. Claval (1999a) considera essas fontes de informação verdadeiros documentos, que representam a relação simbólica do sujeito com o meio que o rodeia, pois muitas vezes, a “[...] a intuição sutil dos romancistas nos ajuda a perceber a região pelos olhos de seus personagens e através de suas emoções” (CLAVAL, 1999a: 55).

A metáfora da paisagem, como um texto e/ou um documento com significações mutáveis e aberto a múltiplas possibilidades de leituras simultâneas e igualmente válidas, já foi utilizada por geógrafos espanhóis, dinamarqueses, indianos, israelenses, suíços, além dos anglo-saxões. Entretanto, há modelos de interpretação da paisagem, fora das ciências geográficas, que fazem analogia a outras teorias literárias (COSGROVE & JACKSON, 2000).

Todas essas dimensões epistemológicas descritas anteriormente possibilitaram à Geografia Cultural, segundo Claval (2001), maior profundidade e ampliação do campo de trabalho. Estas permitiram aos geógrafos o entendimento da organização dos indivíduos no espaço e como “[...] modelam os ambientes e

6 Artigo publicado originalmente em 1983 com o título “Towards a Radical Cultural Geography of Theory”, em Antípode – a Radical Jornal of Geography, Worcester, 15 (1). Traduzido por Olívia B. Lima da Silva para publicação no livro “Introdução à Geografia Cultural”, em 2003, organizado por Roberto Lobato Corrêa e Zeny Rosendahl. 7 Artigo publicado originalmente em 1987 com o título “New Directions in Cultural Geography”, em Área, 19 (2). Publicado no livro “Geografia Cultural: Um Século (2)”, em 2000, organizado por Roberto Lobato Corrêa e Zeny Rosendahl.

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desenham as paisagens para neles afirmar sua personalidade, suas convicções e suas esperanças” (CLAVAL, 2001: 42).

Na apresentação do livro “Paisagens, Textos e Cultura”, Corrêa & Rosendahl (2004) argumentam que, após os anos 1970, o conceito de paisagem, embasado em outras matrizes epistemológicas, proporcionou simultaneamente várias dimensões. A soma de novas matrizes epistemológicas ao conceito de paisagem possibilitou o surgimento de múltiplas dimensões para este termo, dependendo da linha de fundamentação que é abordada. A paisagem adquire uma dimensão morfológica, quando observada como um conjunto de formas criadas pela natureza e pela ação humana. Se estudada levando em consideração as relações entre as diversas partes, a paisagem passa a ter uma dimensão funcional. Quando a paisagem se apresenta como produto da ação humana ao longo do tempo, adquire dimensão histórica. À medida que uma mesma paisagem ocorre em certa área superficial terrestre, apresenta uma dimensão espacial. Entretanto, quando a paisagem é estudada como portadora de significados, expressando costumes, valores, crenças, mitos e utopias da sociedade, obtém uma dimensão simbólica.

A Geografia Cultural moderna, por ter o sujeito como o centro de seus estudos, constituiu-se em torno de três eixos complementares. Primeiro, a Geografia Cultural parte do pressuposto de que o sujeito apreende o mundo por meio dos sentimentos, ou seja, das sensações e das representações que os codificam. Segundo, a cultura é estudada por meio da ótica da comunicação por ser compreendida como uma criação coletiva dos fatos culturais que circulam entre os sujeitos. Terceiro, a cultura resulta da dimensão individual do sujeito, por meio da construção de identidades e da dimensão simbólica da vida cotidiana, para dotá-lo de conhecimento e integrá-lo à sociedade (CLAVAL, 1997).

No artigo “Geografia Cultural do Milênio”, resultado da conferência do Primeiro Simpósio Nacional sobre Espaço e Cultura do Rio de Janeiro, Cosgrove (1999) salienta que os estímulos para o desenvolvimento da nova Geografia Cultural foram oriundos da convergência teórica metodológica entre as disciplinas de cunho humanístico com amplo campo nos estudos culturais. Editor fundador da Revista “Ecumene: Environment, Culture, Meaning”, Cosgrove enfoca que foram criados periódicos especializados como

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a revista que só publica pesquisas fundamentadas na perspectiva da nova geografia cultural “[...] utilizando-se de fontes históricas e nutrindo-se de métodos interpretativos e narrativos convencionalmente associados aos das humanidades” (COSGROVE, 1999: 17), para divulgar a crescente produção em Geografia Cultural.

No Brasil, os estudos geográficos que analisavam a paisagem sob o ângulo da cultura foram inúmeros, mas não eram destacados como trabalhos de Geografia Cultural. Esse subcampo da Geografia, segundo Corrêa (2003), não teve o destaque que apresentava em outros lugares, como nos Estados Unidos e na Europa, até início dos anos de 1990. Os geógrafos Zeny Rosendahl e Roberto Lobato Corrêa, com intuito de difundir e consolidar a Geografia Cultural no Brasil, criaram em 1993, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Espaço e Cultura – NEPEC. Em 1995, o NEPEC lançou um periódico intitulado “Espaço e Cultura”, com trabalhos referentes à temática. Em 1998, organizaram a “Coleção Geografia Cultural”, com artigos traduzidos de autores norte-americanos publicados originalmente em revistas especializadas em Geografia de seus países de origem e, também com artigos de autores brasileiros. Também foram organizados simpósios sobre o assunto a partir das atividades do NEPEC.

As mudanças na Geografia Cultural, ao longo do tempo, com a apropriação dos pressupostos, fundamentos e métodos da Fenomenologia e Semiótica abriram novas possibilidades no estudo da paisagem. Essas ciências contribuíram significativamente para a inclusão da discussão cultural no conceito de paisagem, na percepção de marcas culturais deixadas pela sociedade de geração para geração transformadas em matriz de informação e na própria renovação das bases conceituais da Geografia Cultural. Entretanto, a partir da inclusão desse método na ciência geográfica, o conceito de paisagem passou pela materialização das idéias de diferentes grupos culturais dentro de determinados sistemas de significação, construído a partir das marcas, matrizes e representações impressas na paisagem. Dessa forma, a paisagem tornou-se cultural não apenas pelas atividades culturais, mas também pela imaginação da sociedade que dela se apropriou, levando em consideração os sentidos e os simbolismos culturais.

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1.3 A construção dos significados e suas representações na paisagem

A paisagem é aquilo que ela revela a quem sabe olhar (CLAVAL, 2004:72).

A paisagem que se observa não é composta apenas dos

objetos que estão no campo visual do observador, mas também processados pelos elementos que se encontram na mente de quem a observa.

A complexidade do termo paisagem e seus inúmeros significados permitiu a Meinig (2002), no artigo “o olho que observa: dez versões da mesma cena”, propor um exercício que mostra uma mesma paisagem interpretada por um grupo de pessoas, sob diferentes ângulos, cujos resultados foram: a paisagem como nnaattuurreezzaa, o observador na sua memória visual remove o homem da paisagem e restaura a natureza em sua condição primitiva; a paisagem como hhaabbiittaatt, a paisagem é vista de maneira harmoniosa como a morada do homem, depois que este “domesticou” a natureza; a paisagem como aarrtteeffaattoo, a paisagem é considerada como produto da ação da sociedade; a paisagem como ssiisstteemmaa, a paisagem é considerada como um conjunto, um sistema em que as funções inter-relacionam os elementos físicos e humanos; a paisagem como pprroobblleemmaa, a paisagem é vista como algo que precisa de correção, conduzindo-a a maior harmonia e eficiência; a paisagem como rriiqquueezzaa, é atribuída a todos os elementos da paisagem valores monetários, com intuito de lucros; a paisagem como iiddeeoollooggiiaa, atribui-se à paisagem valores e significados da sociedade que a criou; a paisagem como hhiissttóórriiaa, a paisagem é uma seqüência cumulativa de fatos históricos em um dado lugar; a paisagem como lluuggaarr, a paisagem é vista como ambiente que envolve sentimento de pertencimento; a paisagem como eessttééttiiccaa, a paisagem é avaliada em suas qualidades artísticas.

Diante dos dez enfoques diferenciados da mesma paisagem, Meinig (2002) conclui que não é possível esgotar as possibilidades de interpretação da cena, pois há tantas paisagens quantos indivíduos que as observam.

As várias interpretações atribuídas à paisagem no texto de Meinig (2002) seguem a linha de Michel Collot quando afirma, no

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seu artigo “Pontos de Vista Sobre a Percepção das Paisagens”, que não se pode “falar da paisagem a não ser a partir de sua percepção” (COLLOT, 1990: 21). O autor considera a paisagem um espaço percebido e construído de forma coletiva pela sociedade, por intermédio de um sistema simbólico, científico e sócio-cultural. Entretanto, estas afirmações realçam também o caráter representativo da paisagem, considerando muito mais que apenas a percepção sensorial. Para explicar as significações ligadas à existência e ao inconsciente do sujeito que percebe a paisagem, o autor baseia-se em três elementos essenciais: o ponto de vista do lugar em que a paisagem é observada; a noção de parte da paisagem; e a noção da paisagem como conjunto.

Sob a ótica “do ponto de vista”, a existência da paisagem percebida está condicionada ao sujeito que a observa, pois a paisagem não é um objeto autônomo em relação ao sujeito, como se esse sujeito não tivesse nenhum envolvimento com aquele espaço. Ao contrário, Collot (1990:22) usa a fenomenologia para mostrar que há interdependência entre a paisagem e as experiências vividas pelo sujeito que a habita. Essa visão fenomenológica é bem retratada quando o autor escreve que “[...] a paisagem se confunde com o campo visual de quem a observa, mas em troca, toda a consciência sendo consciência de..., o sujeito se confunde com seu horizonte e se define como ser-no-mundo” (COLLOT, 1990:22). Nesta visão fenomenológica, o sujeito, ao tomar consciência da paisagem, percebe a multiplicidade de elementos que a envolve e também se percebe como parte integrante dela, com todas as suas experiências que são resultados do seu envolvimento com o entorno. Berque (2004) salienta que a paisagem não reside somente no objeto ou somente no sujeito, mas sim na interação complexa entre as duas partes e a multiplicidade de elementos que as envolve.

A consciência que o sujeito constrói a partir de determinados objetos, segundo Gomes (2000), não acontece num só momento, mas se desenvolve a partir da “estrutura de multiplicidades” dos elementos da paisagem e das experiências vividas pelo sujeito que a observa. Para o autor, a construção da consciência divide-se em duas esferas: a esfera do cogito, que representa o pensamento do sujeito que observa; e a esfera do cogitatum, que representa o que é pensado no momento da observação. A interação das duas esferas formaria uma idéia “[...] que corresponde ao conjunto de todos os predicados de uma coisa” (GOMES, 2000: 120).

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A paisagem, neste sentido, seria uma representação de objetos percebidos e codificados por categorias que permitem estruturá-la, conforme o sujeito que a observa, ou seja, existem tantos modos de perceber determinados objetos quantos forem os observadores e seus contextos de observação. Collot (1990) salienta que, na interpretação da paisagem, muitos geógrafos não se restringem à observação de mapas construídos, não levando em consideração nenhum ponto de vista, mas voltando-se para paisagem como um lugar do sujeito “[...] cada vez mais objetivado e que objetiva” (COLLOT, 1990: 23).

Outro elemento essencial para explicar as significações ligadas à existência e ao inconsciente do sujeito que percebe a paisagem é a noção de parte da paisagem, pois este sujeito percebe apenas parte dela para Collot (1990). Isso é possível se for levado em consideração a posição do sujeito observador, a qual determina a extensão de seu campo visual e o relevo da área observada. Esta limitação se deve à circunscrição da paisagem dentro de uma linha (horizonte externo) e à existência de partes não visíveis dentro do campo delimitado (horizonte interno). A parte não visível da paisagem, a que escapa ao olhar, o autor chama de “falha”. Esta não é de todo negativa, pois será completada pela inteligência perceptiva, que ultrapassa os dados sensoriais e pela troca de experiências com outros sujeitos. A troca de experiências é muito importante no conhecimento da paisagem, pois “[...] o que não é visível para mim em um dado momento, é o que outra pessoa, simultaneamente, pode ver” (COLLOT, 1990: 24).

Entretanto, como a paisagem não pode ser vista em todo o campo de visão do observado, em função da exclusão de certos elementos, o sujeito considera o que observa como um todo, um conjunto significante de elementos heterogêneos “fragmentários”, com características peculiares. Este conjunto de elementos heterogêneos que se destaca na paisagem a torna apta a significar, pois a paisagem se apresenta como uma “unidade de sentidos”, ela “fala’ a quem a olha” (COLLOT, 1990:24). Para o autor, as diferentes características consideradas na definição da paisagem tornam-na uma estrutura pré-simbólica para a sociedade; é desde o nível perceptivo que se constitui um conjunto de sentidos, a partir dos quais as categorias semântica sócio-culturais se constróem.

A argumentação que norteia o trabalho de Michel Collot parte do pressuposto de que a paisagem deve ser interpretada a

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partir da percepção de quem a observa, e vem ao encontro das idéias de Denis Cosgrove. Nas obras de Cosgrove (1999, 2000, 2003, 2004) analisadas nesta tese, o autor argumenta que a paisagem, por ser a imagem cultural de uma sociedade, revela um conteúdo simbólico para quem a observa. Na perspectiva de Cosgrove, a dimensão simbólica da paisagem é expressa, para o sujeito que a observa, por meio de seus valores e crenças, os quais revelam o seu significado. Este processo é possível, pois o sujeito em questão é parte integrante da natureza e constitui-se da mesma matéria, reage aos mesmos ritmos, processos e encontra-se em comunicação direta com ela por meio da existência corpórea e dos sentidos. Ao interferir e alterar o “mundo da natureza”, o sujeito transforma a si próprio, pois além de ser parte integrante desse mundo agora modificado, há uma mudança na forma de perceber a nova paisagem que se descortina diante do sujeito e dos significados a serem revelados.

Collot (1990), ao se questionar de onde advém a significação da paisagem e o que a torna um conjunto significante para a sociedade que a criou, elabora um método que resulta em três sistemas organizadores elaborados pelo observador: o sistema da visão; o sistema da existência e o sistema do inconsciente. Estes sistemas transcendem o processo de percepção sensorial e são muito semelhantes ao conjunto de primeiridade, segundidade e terceiridade propostos por Pierce para construção do signo de um objeto. Contudo, Collot (1990), ao criar seu método de análise estava se referindo não apenas a um objeto, mas a um conjunto de objetos e fenômenos que constituem a paisagem geográfica.

O sistema de visão definido por Collot (1990) é a primeira forma de organização simbólica, pois organiza e interpreta os dados sensoriais de forma a fazer deles uma mensagem fundamentada na estrutura de um determinado horizonte. Mas, como salientado anteriormente, o sujeito que observa a paisagem percebe apenas parte dela. Segundo o autor, esta seleção é de origem fisiológica, pois a própria estrutura dos órgãos sensoriais contém os “limites do espaço”, considerados como abertura de campo, condições de focalização retiniana e possibilidades limitadas e precisas de acomodação; bem como de origem psicológica, quando a mensagem selecionada é interpretada, tomando como base as experiências e as aprendizagens sócio-culturais do observador.

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A seleção do campo visual, por parte do intérprete, é válida, pois evita a percepção de um rol de informações que o deixará confuso sem saber o que fazer com elas. Neste processo seletivo, o intérprete tem a oportunidade de observar a paisagem relacionando-a com seu entorno, ou seja, “ver é ver em relação à” um outro objeto (COLLOT, 1990:26). Dessa forma, cada elemento que compõe a paisagem é percebido e interpretado em função de seu contexto, de seu horizonte, numa visão de conjunto, inserido na paisagem. A paisagem percebida numa visão de conjunto está condicionada a uma observação com certo distanciamento físico. A observação de certa distância ou em escalas diferenciadas leva o intérprete a ter a visão da paisagem e/ou de elementos que a compõe, como um conjunto espacial estruturado de forma simbólica e estética (COLLOT, 1990).

O segundo sistema organizador elaborado pelo observador que torna a paisagem um conjunto significante, segundo Collot (1990), seria o sistema da existência, estudado pela Fenomenologia. Este sistema parte do pressuposto de que a percepção da paisagem não depende apenas do sistema da visão. O corpo inteiro está envolvido neste olhar e isso define a paisagem como espaço “[...] ao alcance do olhar” (COLLOT, 1990:27), revestido de significados conectados a todos os comportamentos possíveis do sujeito, em todas as direções. Nesta interação com a paisagem, o corpo torna-se o centro de um sistema de significado do espaço em que está inserido e é portador de significações que repercutem nos registros da experiência humana e fazem da paisagem “[...] um espelho de afetividade do sujeito” (COLLOT, 1990:28).

O terceiro sistema criado por Collot (1990), o sistema do inconsciente é estudado pela psicanálise. O autor enfatiza que, no processo de criação das paisagens, o sujeito ou a sociedade passam para a realidade objetiva e coletiva um desejo pessoal, ou seja, inicialmente as paisagens são criadas na imaginação individual ou coletiva de uma sociedade para depois serem projetadas para a realidade física. Dessa forma, a significação da paisagem desejada e projetada parte tanto da memória coletiva quanto da iniciativa individual.

Outros autores como Duncan (2004), Machado (1988 e 1996), Del Rio (1996), Souza (1998) e Oliveira (1996 e 2004), ao analisarem a paisagem, também buscam entender a sua significação. Duncan (2004), no seu artigo “A Paisagem como

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Sistema de Criação de Signos”, salienta que não existe um olhar para a paisagem que não esteja imbuído de interpretação, pois “[...] o olho inocente é cego” (DUNCAN, 2004:100). O olhar no sentido apresentado por Cardoso (1995) no texto “O olhar viajante (do Etnólogo)”, remete às atividades dos sujeitos, como investigadores e indagadores do significado de determinadas paisagens, como resultado da apropriação do objeto geográfico pelo sujeito. Um olhar atento e interrogativo.

O olhar não descansa sobre a paisagem contínua de um espaço inteiramente articulado, mas se enreda nos interstícios de extensões descontínuas, desconcertadas pelo estranhamento. Aqui o olho defronta constantemente limites, lacunas, divisões e alteridade [...] não deriva sobre uma superfície plana, mas escava, fixa e fura, mirando as frestas deste mundo instável e deslizante que instiga e provoca a cada instante sua empresa e interrogação. [...] O olhar pensa; é a visão feita interrogação (CARDOSO, 1995:349).

Esse olhar interpretativo sobre o ambiente, no entender de Claval (1997) é que chamou a atenção dos geógrafos. O olhar geográfico, a partir das experiências individuais, permite estruturar o espaço, aproximar o distante, distinguir as várias camadas que compõem uma paisagem e perceber a realidade em múltiplas escalas, pois é “[...] sobre esta propriedade que se baseia toda a orientação geográfica” (CLAVAL, 1997:99). Desta forma, o olhar é ativo e educado para não reduzir e/ou simplificar a paisagem a uma dimensão vertical. Mas, para descobrir as marcas globais de um povo, que “[...] persegue seu destino e marca o espaço”, modificando a paisagem conforme “[...] os diversos status de seus membros e com as oposições sociais e políticas que ali se desenvolveram” é preciso desenvolver no geógrafo a multiplicidade de “pontos de vista” (CLAVAL, 2004:46).

A percepção, no entendimento de Machado (1988 e 1996), Del Rio (1996), Souza (1998) e Oliveira (1996 e 2004) é um processo mental de compreensão das interações dos indivíduos com o meio ambiente. É inicialmente sensorial, dirigido por estímulos

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externos e captado pelos cinco sentidos. Em seguida estas sensações apreendidas somam-se ao processo cognitivo, constituídos por valores construídos coletivamente pelo processo cultural, que compreendem a inteligência construída por meio de imagem mental, cultura, personalidade, experiência, transmissão de informação, orientação geográfica, leitura e memória. Esses componentes auxiliam a mente humana a estruturar, organizar, selecionar as informações apreendidas e as armazenar, conferindo significados aos objetos observados de acordo com seus valores que, posteriormente, orientarão as condutas e consequentemente as ações perante a paisagem.

A percepção e consequentemente a construção da paisagem pelas sociedades, conforme Oliveira (2002:41) baseiam-se principalmente na percepção visual “[...] sem desprezar a contribuição das demais percepções (olfativa, auditiva e tátil-cinestésica)”, pois é por intermédio da visão que os indivíduos se expressam e se comunicam mais frequentemente. A percepção de si mesmo, do eu e do mundo está ligada a um campo sensorial e subordinada à presença do objeto, que lhe fornece conhecimento por conotação imediata (OLIVEIRA, 1996), ou seja, a percepção é sempre relacionada ao objeto percebido, limitada pelo espaço e pelo tempo. O espaço, que é o contexto em que se desenvolvem as ações e percepções da sociedade, diz respeito a uma área limitada de observação com relação ao contexto que se analisa, ou seja, a paisagem atual. O tempo permite compreender a história da construção da paisagem que se observa. Desse modo, as pessoas olham e percebem os objetos geográficos e/ou as paisagens que têm significado para elas dentro de um determinado espaço e de um contexto histórico.

De forma semelhante Merleau-Ponty (1996), no seu livro “Fenomenologia da Percepção”, analisa que o sujeito percebe o mundo com o próprio corpo. O corpo do sujeito é o norteador das experiências dele no mundo, enquanto um ser natural, ou seja, é pelo corpo que o sujeito se percebe no mundo natural e encontra a si mesmo. O sujeito quando percebe seu corpo no lugar, não está apenas percebendo o lugar, mas está se percebendo no lugar e, dessa forma, poderá estabelecer uma relação de identidade com esse lugar.

O espaço torna-se lugar, na concepção de Tuan (1983), a partir do momento em que o sujeito o conhece com mais

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profundidade e adota valores simbólicos. O termo lugar é mais vivido do que expresso pelos indivíduos e refere-se às várias formas de sentimentos e relacionamentos que os indivíduos vivem e sentem de forma positiva (topofilia) ou negativa (topofobia).

Na Geografia, a categoria de lugar é tratada por muitos pesquisadores, dentre eles Relph (1979), Tuan (1983), Carlos (1996) e Holzer (1999). Esses autores enfatizam que o espaço transforma-se em lugar à medida que é vivido pelo homem e é dotado de valor afetivo, pois está enraizado no passado, com o acúmulo de experiências e de sentimentos. Trata-se de referenciais afetivos que os indivíduos desenvolvem pela convivência com seus espaços vividos e seus grupos, ao longo de suas vidas. Assim, os lugares são estruturados e modelados a partir das experiências que os atores sociais têm do mundo, ou seja, os lugares resultam dos padrões culturais dos indivíduos que ali vivem, com suas preferências, valores, aspirações, que dão os significados, e “marcas” das atividades produtivas. É o desenrolar da história em função da cultura, tradição, língua e hábitos próprios de cada lugar, o centro das ações e das intenções, em que são experienciados os eventos mais significativos de um sujeito.

Portanto, o conceito de lugar, para os autores, vai além do sentido geográfico de localização. Abarca as experiências dos indivíduos nos hábitos do dia-a-dia, o envolvimento com o mundo, a necessidade de raízes e de segurança, ou seja, os centros de significado no espaço e na paisagem. Entretanto, a relação de afetividade desenvolvida com o lugar só ocorre quando os sujeitos estão munidos de intencionalidade. Tal Intencionalidade é construída nos hábitos do dia-a-dia, nas formas de perceber, significar, representar e viver o espaço, a chamada materialidade do cotidiano, ou seja, apropriação do espaço por parte do sujeito.

Logo, a apropriação simbólica do ambiente pela sociedade produz formas distintas de se relacionar com as paisagens, originando histórias e geografias diferenciadas (CORRÊA, 2003). Neste processo de apropriação, Pol & Valera (1999), salientam que os sujeitos definem e constróem a sua identidade a partir da relação que têm com o lugar e com a vida social aí existente. É no processo de apropriação que a identidade dos sujeitos se expressa, como um agente transformador do meio natural que o cerca. Em outras palavras, é por intermédio da identificação e das representações que os sujeitos têm com determinados lugares que se apropriam dele, os

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transformam e os tornam, ou não, em “seu” lugar, deixando suas “marcas” gradativamente.

No artigo “As Questões de Identidade em Geografia Cultural: algumas Concepções Contemporâneas”, Bossé (2004) argumenta que as formas de apropriação de uma determinada paisagem (simbólica) e/ou de um objeto geográfico (material), como é o caso do rio Criciúma, objeto desta tese, estão relacionadas às representações simbólicas associadas aos padrões culturais presentes no universo relacional das pessoas que ali vivem. Isso quer dizer que as formas de apropriação decorrem de um sistema de símbolos que se modelam nos objetos e nas ações sociais e respondem por um consenso específico, socialmente reconhecido (BOSSÉ, 2004). É por intermédio da referência de coletividade interna e externa ao lugar, como uma prática simbólica e discursiva que os sujeitos, ao interferirem no meio físico, representam o significado de certos elementos ou fenômenos na realidade social da paisagem e desenvolvem uma identidade local individual ou coletiva. Essa identidade consiste na identificação por similaridade de “qualquer coisa”, que se traduz ao sujeito e ao seu grupo social, como um “[...] sentimento de pertencimento comum, de partilha e de coesão sociais” (BOSSÉ, 2004: 161).

Na identificação social e cultural com o lugar, os sujeitos constroem a sua relação com o meio natural e com os significados atribuídos aos elementos constituintes desse meio, ou ressignificam os elementos já significados anteriormente e garantem a natureza criativa da atividade simbólica, tornando-se um ator social. Esse processo é possível, no entender de Andrade (1998), pois o sujeito contribuiu para o processo de construção social da realidade, a partir da interferência nas significações culturalmente pré-estabelecidas e consequentemente na ordem social, contribuindo para a re-significação material e simbólica do espaço geográfico.

As várias facetas identitárias do sujeito repercutem na sua forma de representar determinados objetos na paisagem e/ou no processo de construção social da realidade, pois o “[...] sujeito projeta sua identidade no objeto que representa [...]” (MOSCOVICI, 1978:63). Essas representações, na visão de Kozel (2004) são consequências da construção mental decorrente da apreensão do significado, que raramente podem ser desvendadas pela razão.

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Os sujeitos interagem em diferentes grupos sociais assumindo identidades coletivas e, nesse processo, manifestam respostas individuais, mas que traduzem tendências de seu grupo de pertencimento, ou “[...] tendem a diferenciar-se, tornando-se autônomos e afirmando-se como sujeitos, [...] como atores sociais [...]” (ANDRADE, 1998:142). Por outro lado, os grupos com forte consenso de identidade desenvolvem formas específicas de produção de significados e estruturam suas representações a partir delas (ANDRADE, 1998).

Cosgrove & Jackson (2000) argumentam que, na constituição da identidade do lugar, a memória é um fator social imprescindível, pois é trazida do passado para ser conectada com o presente e projeta o futuro dos lugares. Não como um instrumento de exploração do passado, mas como um meio de entendimento das vivências em um determinado lugar. Os sentimentos dos lugares e suas experiências na paisagem são fatores temporais estabelecidos tanto de lembranças e anseios, como do próprio espaço geográfico. Essa temporalidade de sentimentos subjetivos, revividos pela memória, faz com que os lugares se constituam como fenômenos vividos e significativos, tanto individual quanto coletivamente. Essa afetividade que os sujeitos denotam ao “olhar” o seu lugar decorre do processo da construção da imagem e do valor da paisagem, que está impregnado de sentimento e de memória das pessoas que ali vivem.

O valor que os sujeitos atribuem aos lugares foi incorporado também pela cultura e apresenta, segundo Claval (1997), três finalidades. A primeira finalidade referente ao valor dos lugares seria “[...] guiar a ação, inscrevendo-a em um quadro normativo; segundo, sublimar a especificidade de tudo que é social; [...] terceiro, dar um sentido à vida individual e coletiva” (CLAVAL, 1997: 97).

Prontamente é possível enfatizar, na visão de Cosgrove & Jackson (2000) que a interferência no meio natural e o compartilhamento das experiências vividas relacionam materialidade e intersubjetividade, pois por meio das atividades sociais e econômicas são estabelecidos laços culturais e, consequentemente essa afetividade constrói lugares revestidos de valores simbólicos. Edward Casey, citado por Cosgrove & Jackson (2000: 37), argumenta que “[...] não existe lugar sem corpo e nem corpo sem lugar”.

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O ato de se apropriar de determinada paisagem e/ou objeto geográfico é estabelecer relações, por meio das quais os sujeitos constituem ligações, atribuem sentidos e valores, deixam suas marcas materializadas nos atos das suas transformações. Neste processo, segundo Pol (1996), os sujeitos integram as configurações espaciais nas suas necessidades cognitivas, a partir de determinados critérios de uso instituídos no seu sistema de interpretações do mundo. Para o autor, ao mesmo tempo em que a sociedade imprime suas marcas no entorno, em contrapartida é transformada por ele, e o ambiente construído aparece como um modelo de manifestação cultural da sociedade, ou seja, a realidade social.

Cosgrove & Jackson (2000) argumentam que, na relação dos atores sociais como “apropriadores e construtores” das paisagens, o modo de apropriação do meio natural depende da questão cultural de quem dele se apropria. É por intermédio da cultura que os atores sociais transformam o cotidiano do lugar. A apropriação de determinado objeto social é compreendida por Moscovici (1978:70) como a dimensão da atitude do sujeito social, pois este “focaliza a orientação global em relação ao objeto da representação”. O autor entende que essa dimensão da atitude é a de maior importância na formação das representações. É nesta dimensão que os indivíduos informam e representam por meio da apropriação de determinado objeto social, mas somente após terem tomado posicionamento ou atuado sobre determinada realidade de forma coletiva.

Essa realidade coletiva, que nada mais é que a realidade social é para Abric (1998) e Gil Filho (2005), o resultado da apropriação social de determinado espaço pelo sujeito e/ou grupo, modificada a partir dos sistemas cognitivos e de valores e significados, frutos da história pessoal e do contexto social e ideológico que cercam os indivíduos. A realidade apropriada e reestruturada permite ao sujeito e/ou ao grupo explicar as suas condutas e compreender a realidade por meio de seu próprio sistema de referências.

1.4 A leitura das diferentes formas de representação dos significados na paisagem

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Os homens procuram passar mensagens quando organizam um espaço ou o constroem. Mas podemos ir além disso? É possível ler, por detrás daquilo que as pessoas quiseram dizer, um outro sentido? Podemos reconhecer na paisagem sinais com valor arquetípico que nos esclareçam sobre o inconsciente das populações que a organizaram? (CLAVAL, 2004:66).

Um dos requisitos básicos para interpretar a paisagem, levando em consideração o conceito de Collot (1990) que a considera um sistema simbólico, científico e sócio-cultural construído coletivamente, é a “leitura” e/ou interpretação dos vários significados atribuídos pela sociedade que a produziu. Essa leitura das diferentes formas de representação dos signos é possível, pois a paisagem é uma “[...] ‘maneira de ver’, uma maneira de compor e harmonizar o mundo externo em uma ‘cena’, em uma unidade visual” (COSGROVE, 2004: 98). A paisagem vista dessa forma “fala” ao intérprete por meio de seus sistemas de significados sobre as sucessivas relações entre a sociedade e o meio natural, num determinado tempo da história em que as gerações representaram e/ou escreveram suas ações na paisagem. Nessa forma de linguagem também está incluso o contexto em que o intérprete da paisagem a “olha” e busca entendê-la.

A “maneira de ver” de cada intérprete fará com que as paisagens deixem de “aguardar decodificações geográficas” (COSGROVE, 2004:108) para os seus múltiplos significados, pois na interpretação que se faz de determinadas imagens estão inclusos o aprendizado e as experiências pessoais, a cultura, a imaginação e a memória do observador. O processo de decodificar passa pela observação das representações e seus significados impressos na paisagem pela sociedade. Por isso, ler e/ou interpretar e/ou decodificar as paisagens, por meio de seus signos de identificação, é uma tarefa interessante que pode ser realizada por qualquer pessoa “[...] porque a geografia está em toda parte, reproduzida diariamente por cada um de nós” (COSGROVE, 2004:121).

O olhar interrogativo sobre a paisagem permite ao leitor observar que ela não é estável, mas dinâmica, em função dos constantes processos de transformação tanto naturais quanto sociais. Este dinamismo faz da paisagem um “[...] espaço

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geográfico impregnado de história” (DOLLFUS, 1991:11). Para o autor, a partir do binômio físico e humano que a paisagem abarca, é possível percebê-la sob dois pontos de vista: da materialidade, pela concretude de ser vista, tocada e pisada e, da subjetividade, pelo sentido que os sujeitos lhe atribuem.

No processo de interpretação do contexto histórico da formação da paisagem, é possível perceber as “pistas materiais” deixadas pela sociedade que a criou (MENESES, 2002), por meio das representações. Para Berque (2004), a “marcas” representam “uma grafia impressa”, como um sinal de suas atividades na superfície terrestre que “[...] pode e deve ser descrita e inventariada [...]” (BERQUE, 2004:84) pelas civilizações, como a forma de divisão das terras, de construção das casas, de canalização dos rios, entre outros. As marcas na paisagem deixadas pelo processo de apropriação, para o autor, são descritas como um dado perceptível, que modifica o espaço a partir dos sinais deixados pelos atores sociais e de seus símbolos de identificação.

No entanto, as marcas deixadas podem ultrapassar as mudanças nas escalas espaciais e temporais e serem transmitidas de uma geração à outra simultaneamente, por meio de usos e significações, como uma “matriz” que caracteriza determinada cultura. Em outras palavras, as marcas deixadas pelo processo de apropriação da paisagem foram estruturadas, possibilitando a leitura dos usos, significados e valores sociais de uma geração à outra, como uma matriz de informações. A marca e a matriz da cultura ocorrem simultaneamente numa paisagem, segundo Berque (2004:85), pois “[...] canalizam em um certo sentido, a relação de uma sociedade com o espaço e com a natureza”.

A interpretação da paisagem como marca/matriz cultural foi proposta por Augustin Berque (2004) no artigo “Paisagem-Marca, Paisagem-Matriz: Elementos da Problemática para uma Geografia Cultural” e relaciona a paisagem a um “produto” construído coletivamente pelos atores sociais inseridos em um ambiente e em uma história. A paisagem vista como marca ou como matriz é a expressão da ação da sociedade impressa sobre o seu meio físico. O autor procura compreender os sentidos que os sujeitos imprimem no meio natural e explica que é impossível separar o sujeito e o objeto numa paisagem, porque o sujeito está envolvido pela paisagem e vice-versa.

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A paisagem e o sujeito são, para Berque (2004:86), “[...] co-integrados em um conjunto unitário, que se autoproduz e se auto-reproduz (e, portanto, se transforma, porque há sempre interferências com o exterior) [...]”. Collot (1990) também enfatiza que a relação do sujeito com a paisagem não se situa numa relação de externalidade. Situa-se, sim, numa relação de interdependência, porque “[...] o objeto espacial é construído pelo sujeito, [...] e o sujeito por sua vez, aí se acha envolvido pelo espaço [...]” (COLLOT, 1990:22). Essa interrelação sujeito/paisagem resulta numa “escrita” e/ou “grafia” dos propósitos e experiências humanas sobre a paisagem, portanto, constitui-se numa mensagem que pode ser decodificada.

A paisagem como matriz de informação de uma cultura desempenha um importante papel na construção de conhecimentos, atitudes e interpretações, pois, “[...] traz a marca da atividade produtiva dos homens e de seus esforços para habitar o mundo, adaptando-o às suas necessidades” (CLAVAL, 1999a: 14). Claval (1999a) também considera que é por meio das marcas e matrizes deixadas na paisagem que o sujeito consegue compreender as relações estabelecidas entre os atores sociais e suas interações na paisagem.

As marcas deixadas pelo sujeito como parte integrante da sociedade reforçam o pensamento de Sauer (2000)8, que considera o sujeito um “agente geomorfológico”, ou seja, o último agente modificador da superfície da Terra; e o grau desta transformação “[...] constitui a verdadeira medida do poder das sociedades humanas” (SAUER, 2000:106) sobre as paisagens.

Santos (1997a) salienta que a paisagem revela tanto a dinâmica da sociedade e a sua estrutura, como o conteúdo do imaginário social, as crenças, os sistemas de valores e os sentimentos que os seres humanos desenvolvem em relação ao espaço vivido. A paisagem expressa num dado momento histórico, “[...] as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre os seres humanos e a natureza” (SANTOS, 1997a:83). Essa relação entre a sociedade e a paisagem impregnada de simbolismo é passível de modificações quando há uma mudança social.

8 Artigo publicado originalmente em 1931, in Encyclopedia of the Social Sciences, volume VI, New York, Mac Millan, como “Cultural Geography”.

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A paisagem quando analisada, segundo Corrêa (2003), pela ótica dos diversos contextos histórico-culturais em que foi modelada, permite múltiplas leituras. Segundo Santos (1997a), a paisagem é um “objeto” de mudança, criada por “acréscimos” e “substituições” sucessivas. Portanto, não é criada de uma vez. É resultado da combinação de diferentes “obras” dos atores sociais, espécie de marcas da história do trabalho e técnicas, de contínuas mudanças nos diferentes momentos da história “[...] é uma escrita sobre a outra, é um conjunto de objetos que têm idades diferentes” (SANTOS, 1997b:66).

Os “acréscimos” e “substituições” sucessivos na paisagem, de acordo com Santos (1997c), remetem à ideia de “reconstrução”, mudanças constantes, que podem ser mais ou menos rápidas. Esse é um movimento de certa forma esperado, pois a história caminha de forma constante. Entretanto, tanto as mudanças realizadas na paisagem no tempo presente, quantos as “marcas” do passado, trazem para a paisagem atual, por meio das “matrizes”, a combinação de variáveis de tempos diferentes, pois segundo o autor “[...] o novo e o velho acotovelam-se, mudando as relações pré-existentes e estabelecendo outras” (SANTOS, 1997c:228).

Em suma, conhecer os usos e as funções que a sociedade desenvolveu no espaço vivido ao longo da sua história é fundamental no processo de interpretação da paisagem, pois nas múltiplas decisões dos atores sociais é que se concentram os significados mais profundos (MENESES, 2002). Ao considerar os usos da paisagem, Relph (1979:15) a denomina como implemento. Vista dessa forma, possui significado para os que vivem nela, pois implica a “[...] totalidade da existência humana e sua ligação com a terra... a terra é o sítio, a base e os meios das suas realizações”. Para o autor, o uso da paisagem significa mais que valor de troca, inclui os recursos que mantêm a vida diária e todos os significados para a sociedade, pois a paisagem está diretamente ligada a ela.

Nas ideias dos autores citados acima fica evidente que a sociedade, ao atuar na paisagem, não atua somente sobre os objetos e/ou nos elementos geográficos, como realidade física, mas, também, como realidade social que tem o poder de significar e/ou ressignificar e representar os objetos sociais. A abordagem conceitual utilizada ao longo do texto permite entender a paisagem como uma construção cultural de uma sociedade. No entanto, não

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deixa de considerar a relevância das experiências individuais e a subjetividade presente no olhar de quem interpreta a paisagem.

Na interpretação dos significados “impressos” por uma cultura em uma paisagem, é necessário um conhecimento das diferentes linguagens usadas para representá-lo. Cosgrove (2003; 2004) argumenta que no processo coletivo de construção da realidade social, o sujeito é um ser pensante e criativo, imerso num universo de comunicação com a realidade sensorial e material e de significados que lhe são oferecidos pela cultura.

O conhecimento da linguagem, para Cosgrove (2004), é muito importante para compreender que muito do simbolismo da paisagem reproduz normas culturais e estabelece valores de determinados grupos dominantes. Para o autor, o uso da perspectiva da cultura como poder decodifica nas paisagens a cultura dominante e as culturas alternativas, que se dividem em residuais, emergentes e excluídas; cada uma com sua cota de importância na paisagem simbólica.

Na mesma linha de raciocínio, Bourdieu (1989) considera que quando os grupos dominantes da sociedade se apercebem das paisagens simbólicas e se apropriam delas, ocorrem as relações de poder. Ao se apropriar das paisagens simbólicas, o grupo dominante as leva para o universo reificado, que corresponde às atividades intelectuais, influenciando na vida cotidiana, impondo uma ordem natural, de acordo com seus próprios valores. Sob a ótica de poder de Pierre Bourdieu, o conjunto de signos e significados na paisagem é um meio pelo qual o modelo de ideologia dominante reforça suas relações sociais e culturais na sociedade, ou seja, lugar de superposição de poder e que influencia a imaginação da sociedade.

Relph (1979) salienta que cada sujeito atribui significados à paisagem e/ou aos objetos geográficos segundo o seu “modo de olhar”. Para o autor, apesar de fazer parte do mundo vivido, os significados dos objetos geográficos não são absolutamente óbvios. Eles não se apresentam por si mesmos, mas têm de ser descobertos. Os significados não estão visíveis como elementos materiais, são criações dos sujeitos. É o olhar do sujeito que incorpora e/ou determina os significados na paisagem, conforme seus padrões de valores apreendidos numa determinada cultura. Estes podem ou não ser reconhecidos e compartilhados por outros componentes do

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grupo social. Os significados não precisam ser universais entre os grupos sociais para serem significantes.

Quando a paisagem não apresenta significado, segundo Machado (1996) não há um vínculo por parte das pessoas que convivem com a paisagem e o lugar. Consequentemente, o lugar torna-se apenas “[...] o local das atividades, e sua paisagem, simplesmente o cenário de fundo” (MACHADO, 1996:107).

O desenvolvimento ou introdução de uma nova técnica ou comportamento humano por uma sociedade cria novos significados para fenômenos e objetos conhecidos. A partir de diferentes estratégias de representação, ou seja, diferentes linguagens, é possível apreender o significado de um objeto, a sua ressignificação em diferentes contextos e momentos históricos e, a partir daí, compreender as diferentes formas de apropriação desse objeto (SANTAELLA, 1983 e 2000). 1.5. Materiais e procedimentos operacionais da pesquisa

A recuperação do significado em nossas paisagens comuns nos diz muito sobre nós mesmos (COSGROVE, 2004:121).

Para estudar os significados atribuídos ao rio Criciúma e seus afluentes nas diferentes fases do processo de ocupação das terras da bacia do rio Criciúma (SC), a pesquisa baseou-se em uma abordagem teórico-metodológica que contemplou a leitura e/ou interpretação da paisagem como uma construção cultural fundamentada em August Berque (2004), Paul Claval (1997, 1999a e 2004), Denis Cosgrove (2000, 2003 e 2004), James Duncan (2003 e 2004) e Michel Collot (1990).

A paisagem urbana brasileira, nos últimos anos, tem sido estudada por alguns autores a partir da análise dos significados e representações. Esses autores utilizaram-se de diferentes metodologias que tem como base os trabalhos de Denis Cosgrove (2000, 2003 e 2004), James Duncan (2003 e 2004) e Michel Collot (1990). Estes trabalhos revelam diferentes formas de linguagem, ou seja, entrevistas, fotografias, jornais, documentos antigos, para expressar a compreensão daqueles que vivenciaram essas paisagens.

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Com base na concepção da paisagem como resultado da construção cultural da sociedade, selecionou-se como objeto material a ter seu significado estudado ao longo do tempo, os cursos d’água da bacia do rio Criciúma, desde a instalação da colônia em 1880 até 2009. Esse recorte temporal amplo faz-se necessário, pois os cursos d’água sofreram diferentes formas de apropriações ao longo do período de tempo definido acima e isso reflete significações e ressignificações.

Os procedimentos metodológicos aplicados na pesquisa decorrem dos objetivos propostos descritos anteriormente e dos conceitos de significado e representação, visando interpretar os significados e as representações relativas aos cursos água da bacia do rio Criciúma ao longo do período de tempo determinado.

Para atingir os objetivos propostos nesta tese, adotou-se um dos métodos empregados na Geografia Cultural que seria a análise da paisagem de forma interpretativa. A proposta de interpretação da paisagem foi formulada por Cosgrove (2004) depois de perceber que muitos geógrafos, ao estudarem a paisagem, tencionavam reduzi-la a uma “[...] impressão impessoal de forças demográficas e econômicas” (COSGROVE, 2004: 97), sem se importar com os significados contidos na paisagem. O estudo interpretativo da paisagem tratou a Geografia como “humanidade” e ciência social, embasada na inter-relação entre as categorias paisagem, cultura e simbolismo. Como resultado desse tripé, o autor salienta que todas as paisagens são possuidoras de significados simbólicos, pois resultam do processo de apropriação e transformação do meio ambiente pelo homem.

James Duncan (2004)9, também seguindo o método interpretativo na Geografia Cultural, desenvolveu pesquisas embasadas na teoria da paisagem como um “texto”, a ser lido e interpretado como um documento social, cuja significação é mutável e a sua estrutura e leitura reproduzem os processos sociais e políticos. Entretanto, para ler nas “entrelinhas” ou nos “subtextos que estão abaixo do texto visível”, é preciso compreender as interrelações que as originaram, é preciso “completá-lo com muito do que é invisível” (DUNCAN, 2004: 100). Para interpretar os

9 O artigo faz parte do segundo capítulo do livro de James Duncan “City as Text. The Politics of Landscape Interpretation in the Kandyan Kingdom”, publicado originalmente em 1990 e traduzido parcialmente por Márcia Trigueiro para o livro “Paisagens, Textos e Identidade”, em 2004.

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“subtextos” da paisagem, o autor, fundamentado nos trabalhos de Geertz, propôs linhas de investigação por meio de depoimentos orais, que convidam à reflexão sobre a diversidade dos sistemas de significação e representação e dos intérpretes da paisagem.

Para compreender como foram construídos os significados atribuídos ao rio Criciúma e seus afluentes, pela população da bacia do rio Criciúma, nas diferentes fases do processo de ocupação das terras, utilizou-se o método interpretativo da leitura textual da paisagem simbólica proposto por Cosgrove (2004). O método indicado pelo autor compreende o trabalho de campo, a interpretação de mapas e a pesquisa documental, que envolve os levantamentos bibliográficos e a coleta de documentos. Foram utilizados também no método interpretativo, os depoimentos orais, propostos por Duncan (2004). As formas textuais (fontes escritas, tais como leis, referências bibliográficas, etc) e de registros (fotos, jornais, entre outros), segundo Cosgrove (1999), possibilitam múltiplas leituras das paisagens e todas igualmente válidas, pois a partir da concepção da paisagem como um texto, as interpretações realizadas pela sua leitura dependerão da perspectiva de quem as lê.

Trabalhos de campo na área de estudo foram realizados muitas vezes, principalmente quando havia dúvidas com relação a algum assunto em dado momento da pesquisa, ou simplesmente para observar a paisagem sob vários ângulos. A importância da observação como um instrumento investigativo possibilitou olhar, indagar e observar a paisagem, para entender a apropriação do objeto geográfico, no caso o rio, pelos sujeitos sociais.

Em campo, foi realizado o reconhecimento da área de estudo, com o propósito de determinar os apropriadores dos cursos d’água da bacia. A observação em campo das formas de apropriação tendo em mente os questionamentos que norteiam a pesquisa desta tese forneceu respostas iniciais para o processo investigativo. Ao observar a bacia do rio Criciúma do seu ponto mais alto, no morro Cechinel a aproximadamente 270 metros de altitude, buscou-se subsídios para entender como foram construídos os significados atribuídos ao rio Criciúma e seus afluentes pelos grupos sociais que ocupam e ocuparam a bacia.

Os aspectos históricos, econômicos e culturais do município foram pesquisados visando compreender o contexto de construção de significados dos cursos d’água na bacia do rio Criciúma. As pesquisas possibilitaram a identificação de três períodos históricos

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de ocupação da bacia com formas de apropriações dos cursos d’água específicas, mas algumas vezes sobrepostas. A partir dessa identificação, a pesquisa foi dividida em fases, as quais presumiam diferentes significados dos cursos d’água: do início da colonização, em 1880, até 1930, quando as atividades econômicas predominantes eram a agricultura, o comércio e as pequenas manufaturas. De 1930 até 1950, quando a principal atividade econômica da área era a exploração de carvão, ficando a agricultura relegada às partes mais distantes do atual centro da cidade de Criciúma. A partir de 1950, o processo de urbanização foi intensificado na bacia, com o fenômeno de verticalização no alto e médio vale do rio Criciúma já no final dos anos de 1960. Nesta década iniciam também as obras de canalização dos cursos d’água.

A partir dessa divisão no trabalho, jornais foram pesquisados com intuito de coletar matérias referentes aos cursos d’água da bacia do rio Criciúma e as intervenções ocorridas na qualidade e quantidade de água, além do seu uso, como também nos traçados dos cursos d’água e nas suas margens. A intenção foi captar tanto o ponto de vista dos jornalistas (formadores de opiniões) quanto a opinião da população em geral. Para isso, foram pesquisados os jornais: “O Mineiro”, de 1926 a 1927; “Jornal do Povo”, alguns números do ano de 1950; “Jornal de Criciúma”, alguns números do ano de 1962, “Tribuna Criciumense”, de 1955 a 1999, “A Tribuna”, de 2000 a 2009 e “Jornal da Manhã”, de 1987 a 2009. A análise das matérias de jornais foi muito importante para a pesquisa, pois possibilitou entender os significados impressos na paisagem, a partir da interpretação de suas representações.

No entanto, não foram encontrados jornais disponíveis para pesquisa no município no período de 1928 a 1950, ou seja, vinte e três anos. Para o conhecimento das atividades econômicas e sociais desenvolvidas neste período e também complementar a pesquisa sobre a construção dos significados e representações, foram utilizadas 22 depoimentos orais semi-estruturados, como um dos meios de informação e de análise dos discursos. Os depoimentos foram realizados com moradores mais antigos, que conviveram com diferentes formas de apropriação das águas, das margens e dos cursos d’água da bacia. Dois gestores públicos municipais também foram entrevistados para os mesmos fins.

Por meio dos depoimentos orais das pessoas que viveram na bacia em diferentes momentos históricos, foi possível interpretar

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como foi criado o sistema de significados atribuídos aos cursos d’água da bacia do rio Criciúma ao longo das fases estudadas. A partir da análise dos discursos dos atores entrevistados foi possível obter as representações não verbais do rio Criciúma e seus afluentes. Os depoimentos orais convidam à reflexão sobre a diversidade dos sistemas de representação e significação dos intérpretes da paisagem. Os depoimentos das pessoas que convivem com a paisagem, segundo Duncan (2004), mostram a importância que eles atribuem a esta paisagem e seus elementos.

Tais “espaços discursivos ou abertos”, na opinião de Duncan (2004), revelam uma área muito rica de pesquisa referente aos signos que são atribuídos as paisagens, pois no campo discursivo cultural, os grupos participantes diferem muito de opiniões. Entretanto, as diferentes interpretações mostram a participação profunda dos significados na construção dos valores atribuídos daqueles que produzem e transformam a paisagem.

A escolha das pessoas para os depoimentos orais ocorreu por indicação das próprias pessoas entrevistadas, as quais se lembravam de alguém de seu convívio que também poderia fornecer mais dados sobre quais os significados dos cursos d’água, principalmente para a fase que representava o início da colonização. Os depoimentos muitas vezes se transformaram em uma conversa informal, até íntima. Um desabafo. Era o momento de recordar os “bons momentos”, de ordenar um pouco os pedaços de experiências que se acumularam com o correr do tempo, sob a forma de fragmentos dispersos. Na maioria das vezes, percebeu-se que a entrevista era um momento em que as pessoas tinham para serem ouvidas, de terem alguém que prestasse atenção nas suas recordações. Muitos entrevistados se sentiram honrados por serem indicados a dar entrevista, pois suas recordações eram consideradas úteis. Mas, não foi possível realizar entrevistas com todas as pessoas indicadas, pois como argumenta Costa (1999:14) “ao recordar, as pessoas atribuem significados diferentes para o passado, mesmo que tenham habitado o mesmo ambiente, na mesma temporalidade, em condição social equivalente”. Houve uma candidata que se negou, pois não queria recordar o tempo em que foi lavadeira de roupa, no rio Criciúma. Ao ser indagada sobre os motivos de não se sentir à vontade para falar sobre este período, ela comentou que recordar o passado lhe trazia lembranças ruins de

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um tempo muito difícil, e o passado era para ser deixado no passado.

Nas entrevistas, muitos narradores recordavam de fatos que ouviram de seus pais ou avós e incorporaram as experiências contadas. Alguns entrevistados, quando questionados se gostariam de dar uma entrevista para falar sobre o rio Criciúma, davam a impressão de certo desapontamento: “Ah! do rio Criciúma”. Uma entrevistada perguntou “por que você quer estudar sobre o rio Criciúma, se nem rio ele é. É apenas um córrego”. Em algumas situações, diziam que não sabiam muito do assunto. Entretanto, quando iniciavam o relato, suas recordações fluíam e recordavam de coisas que não lembravam mais: “olha é mesmo, já tinha me esquecido disso”. O esquecimento de alguns fatos faz parte da memória, segundo Bosi (1987), ficando registrado apenas o que significa. Isso já é uma indicação de que o rio Criciúma já não tinha importância para estes moradores da bacia. Para a autora, a memória necessita ser estimulada, e uma simples palavra evoca muitas lembranças.

Outra característica que marcou praticamente todas as entrevistas foi a lembrança de apenas uma parte do rio Criciúma, ou seja, a paisagem do rio em que os sujeitos tinham maior convívio. Os entrevistados muitas vezes frisaram “eu estou lhe falando desse trecho que eu conheço” ou “eu lembro só de um pedado do rio, aquele que eu convivi”. O fato do intérprete da paisagem da bacia do rio Criciúma perceber apenas parte dela caracteriza o que Collot (1990) chama no seu método de análise das significações ligadas à existência e ao inconsciente do indivíduo que percebe a paisagem, de ter noção de apenas uma parte da paisagem.

Para determinar os distintos apropriadores dos cursos d’água nas diferentes fases de ocupação foi necessário estudar a ocupação histórica na bacia do rio Criciúma, com ênfase no aspecto do modelo colonizador e nas formas de apropriação e usos dos cursos d’água. Nesta etapa da pesquisa, foram utilizadas referências bibliográficas referentes aos aspectos históricos e econômicos do município; entrevistas com moradores mais antigos da cidade que deram base para o entendimento das representações dos significados de forma individual e coletiva; análise dos Códigos de Posturas municipal - Lei n. 48, de 09 de janeiro de 1928, Lei n. 27, de 28 de janeiro de 1949 e Lei n. 1. 193, de 10 de outubro de 1975,

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e pesquisa nos arquivos do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).

Foram analisadas também as legislações municipais referentes às modificações dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma, como os planos diretores do Município – Lei n. 111, de 07 de dezembro de 1953, Lei n. 163, de 30 de novembro de 1955, Lei n. 208, de 03 de julho de 1957, Lei n. 947, de 11 de abril de 1973, Lei n. 2.038, de 29 de novembro de 1984, Lei n. 3.900, de 28 de outubro de 1999; leis municipais, que autorizaram a retilinização e canalização do rio Criciúma e seus afluentes - Lei n. 243, de 22 de agosto de 1958, Lei n. 270, de 24 de junho de 1959, e a desapropriação das margens direita e esquerda do referido rio - Lei n. 425, de 27 de dezembro de 1965.

A análise dos documentos municipais indicados, associadas às entrevistas, contribuiu na identificação das representações verbais e não verbais e materializadas ou não na paisagem da bacia do rio Criciúma. Com a pesquisa foi possível identificar os agentes sociais, econômicos e culturais que representavam os significados do rio na paisagem e, em muitos casos, se apropriavam desse recurso de diferentes formas. Estas fontes também permitiram interpretar as transformações pelas quais a paisagem da bacia do rio Criciúma passou ao longo dos anos.

Uma das modificações observadas, o avanço do processo de urbanização da bacia foi estudado por meio da construção e análise de mapas de ocupação urbana em 1956, 1978 e 2007. Os mapas foram realizados a partir de cartas base e temáticas, em escalas diversas e de fotointerpretação dos vôos realizados nos anos de 1957 e 1978, na escala 1: 25.000.

O mapa de ocupação urbana de 1956 foi realizado a partir da planta planialtimétrica da Zona Carbonífera do Sul de Santa Catarina, realizada pela Comissão Executiva do Plano do Carvão Nacional (CEPCAN), por apresentar a topografia da época e a hidrografia, na escala 1: 10.000. A ocupação urbana desse período foi realizada a partir da mesma planta associada à interpretação das fotos originadas pelo vôo aerofotogramétrico de 1956, na escala 1: 25.000. Para elaborar o mapa de ocupação urbana de 1978 foi utilizada a carta topográfica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na escala 1: 50.000, o mapeamento da rede de drenagem foi obtida a partir da pesquisa realizada por Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais - CPRM (2005) e pelo

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levantamento aerofotogramétrico de 1978. O mapa de ocupação urbana de 2007 foi realizado a partir do mapeamento temático para o plano diretor de Criciúma e do mapeamento para elaboração dos planos diretores dos municípios atingidos direta e indiretamente pela duplicação da BR 101.

Os princípios metodológicos desta pesquisa direcionaram os caminhos percorridos para elaboração da tese, que resultou em um texto sobre os significados atribuídos aos cursos d’água da bacia do rio Criciúma, nas diferentes fases de ocupação. Neste caso, o papel da linguagem e das “marcas” e “matrizes” impressas na paisagem foram fundamentais para a compreensão dos diferentes significados atribuídos ao rio Criciúma e seus afluentes.

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2. O SIGNIFICADO DO RIO CRICIÚMA: DA COLONIZAÇÃO ATÉ OS ANOS DE 1930

O objetivo desse capítulo é mostrar o significado que o rio Criciúma e seus afluentes tinham no momento da colonização até os anos de 1930, quando as atividades agrícolas predominavam na bacia. Para isso discutiu-se, a princípio, as primeiras formas de apropriação e uso dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma pelos colonizadores do Núcleo Colonial de São José de Cresciuma a partir de diferentes representações que permaneceram na paisagem por um longo período. Nesse período, os colonos eram basicamente agricultores e comerciantes e as formas de apropriação refletiam essa realidade.

As primeiras famílias colonizadoras de Criciúma foram instaladas às margens dos diferentes cursos d’água da bacia do rio Criciúma, principalmente, pela forma como o modelo colonizador dividiu os terrenos, pois todos os lotes coloniais tinham o rio como delimitador. Essas famílias, pela proximidade com o rio, criaram relações e instituíram diferentes significados que, ao longo dos anos, sofreram alterações e foram representados e/ou impressos na paisagem da bacia hidrográfica de formas diferenciadas. Na atualidade, as diferentes representações dos antigos significados foram perdidas ou se incorporaram à paisagem urbana sem serem percebidas.

O capítulo foi estruturado em dois momentos: a apropriação dos lotes coloniais e o uso das águas do rio Criciúma para as suas necessidades básicas até à geração de energia para as primeiras indústrias; a mudança de significado atribuída ao rio Criciúma em função da localização da sede de São José de Cresciuma, localizada na bacia do rio Criciúma, ter se firmado como o núcleo principal do Distrito, e o início da exploração do carvão mineral na própria colônia agrícola.

2.1 Apropriação e uso dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma: das necessidades básicas à geração de energia

Então, os mais velhos contavam... (Jorge Darós, 2009).

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Os rios em grande parte do território brasileiro desempenharam um importante papel no processo de colonização, pois foram as principais vias de acesso pelas quais as empresas colonizadoras adentraram no interior do continente e deslocaram os primeiros colonos até seus lotes coloniais.

A importância dos rios pode ser constatada por meio de um relato de um colono de Urussanga descrito por Dall’Alba (1986), que descreve que o rio Tubarão foi utilizado como norteador para o deslocamento dos primeiros colonos de Urussanga até próximo aos seus lotes coloniais:

Chegamos no Desterro no dia dois de maio de 1878, depois de 29 dias de travessia. Ali nos alojaram por alguns dias na Casa de Imigração, e, em seguida, aos poucos, nos enviaram em até à cidade de Laguna. De Laguna nos fizeram subir o rio por cerca de 40 quilômetros, isto é, à Villa de Tubarão, que então era formada por dúzia de ranchos. As barcaças onde nos haviam amontoados, completamente descobertas, apesar do sol abrasador, eram puxadas a braço, com longas e robustas cordas, desde a margem. [...] para chegar aos lotes que nos haviam destinado, a 50 quilômetros de distância, empregamos três dias. Nada de estradas, nada de carros, nada de cavalgaduras. Caminhava-se a pé, cada um seguindo pela própria familiazinha, com fardos sobre as costas, procurando, da melhor maneira abrir-nos estradas através da floresta (DALL’ALBA,1986: 157-158).

Depois de instaladas as diversas colônias, os colonizadores se apropriaram dos rios para fazer uso no abastecimento de água para dessedentação da colônia, na irrigação da agricultura, na higiene pessoal, na geração de força motriz para suas indústrias artesanais e tantos outros. Relatos como estes foram descritos por Piazza (1994), Cabral (1987), Santos (1995) e Seyferth (1974), entre outros historiadores, que registraram o processo de colonização das terras em Santa Catarina.

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O processo de colonização em grande escala das terras brasileiras foi regulamentado pela Lei n. 601, de setembro de 1850, conhecida como a “Lei de Terras”, em que as terras devolutas deste momento em diante deveriam ser compradas da União. Regulamentada em 1854 pelo Decreto n.º. 1318 de 30 de janeiro, esta legislação dispunha sobre as terras devolutas no Império, com normas de medição, demarcação e utilização para colonização nacional e estrangeira (PIAZZA & HÜBENER, 2003). A Lei de Terras substituiu o método de distribuição de terras por meio de sesmarias, adotado no Brasil até 1822. A partir dessa lei foi abolida a gratuidade de lotes aos colonos e proibiu-se outro título de aquisição de terras devolutas que não fosse a compra, com exceção das terras situadas nos limites do Império com países estrangeiros, que podiam ser concedidas gratuitamente (DALL’ALBA, 1983).

A Lei de Terras, segundo Dall’Alba (1983), considerava devolutas as terras não utilizadas para uso nacional, provincial ou municipal; as terras que não se localizavam em domínio particular sob nenhum título legítimo e as terras cujos títulos de propriedades provenientes de concessão ou ocupação que não fossem convalidados pela mesma lei. Essas terras eram disponibilizadas pelo Governo para venda direta aos imigrantes e particulares ou a companhias colonizadoras em lotes com extensão de até 30.000 hectares para terras cultiváveis e com extensão de 2.000.000 hectares para terras aptas à criação de gado.

Os interessados que se dispunham a colonizar as terras brasileiras, consideradas devolutas, eram favorecidos com prêmios e vantagens e regidos pelas disposições estabelecidas no Decreto nº 528, de 28 de junho de 1890, conhecido como a Lei Glicério. Este Decreto regulamentava o serviço de introdução e localização dos imigrantes na República dos Estados Unidos do Brasil e representou a continuidade da política imigratória imperial, pois mantinha auxílios e recursos dos cofres públicos para transporte e introdução de imigrantes no país. O Decreto era dividido em duas partes: a primeira regulamentava o transporte e a introdução do imigrante e a segunda normatizava o processo de colonização e as propriedades agrícolas privadas (DALL’ALBA, 1983).

Segundo o Decreto n. 528, de 28 de junho de 1890, tinham passagem para o Brasil por conta do Governo as famílias de agricultores, os agricultores solteiros entre 18 e 50 anos, os operários mecânicos, industriais e domésticos com idade entre 18 e

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50 anos (DALL’ALBA, 1983). De acordo com Dall’Alba (1983), estes imigrantes ficavam sob a proteção especial do governo e dos inspetores gerais durante os primeiros seis meses de chegada ao Brasil e, dentre outras garantias de proteção, auxílios e até de passagem de volta.

A Lei de Terras tinha como intuito criar colônias de povoamento, diferente da legislação anterior de capitanias hereditárias, as quais eram destinadas à exploração dos recursos da colônia do Brasil pela metrópole portuguesa. O governo brasileiro precisava povoar seu território e dessa forma se apropriar efetivamente dele. Para isso, foi incentivada a vinda de imigrantes europeus após a independência do país e no final do século XIX e início do século XX.

As propriedades destinadas a acolher os imigrantes, segundo o Decreto n. 528/1890, deveriam ser registradas, divididas em lotes providos de água e bosques, ter picadas para comunicação com a estrada principal ou projetada, dentre outras obrigações. Para fiscalização dos contratos que regulamentavam a fundação de núcleos particulares de colonização e os serviços de demarcação, separação e medição das terras devolutas, o Governo criou, em 15 de janeiro de 1891, uma “Instrução do Ministério da Agricultura” (DALL’ALBA, 1983).

Com a promulgação da Constituição de 1891, o governo republicano transferiu o domínio das terras devolutas para as unidades da Federação e estabeleceu liberdade de ação aos estados na resolução dos problemas de imigração e colonização. O novo posicionamento do governo refletiu a atuação dos federalistas, que lutavam pela descentralização dos serviços de imigração e colonização (IOTTI, 2001). Em Santa Catarina, a Lei de Terras facilitou o acesso à terra e estimulou a vinda de imigrantes estrangeiros que contribuíram para o desenvolvimento econômico do Estado.

No sul catarinense, por volta de 1876, o processo de colonização foi conduzido por uma Comissão de Colonização10, designada pelo governador da Província, que se encarregou da medição e da demarcação das terras do vale do rio Tubarão. Com a chegada dos imigrantes ao vale do rio Tubarão, no ano de 1877, a

10 A Comissão de Colonização foi designada no ano de 1876 pelo governo da província e sua chefia ficou a cargo foi Engenheiro Joaquim Vieira Ferreira (FERREIRA, 1939).

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Comissão exerceu também a função de colonizadora e implantou o primeiro núcleo colonial, chamado Azambuja (PIAZZA & HÜBENER, 2003). Este núcleo serviu de base para todo o processo de ocupação das demais terras devolutas do vale do rio Tubarão e, posteriormente, das terras dos vales dos rios Urussanga e Araranguá, como aponta Ferreira (1939).

De acordo com Marzano (1985), o Núcleo Colonial de São José de Cresciúma foi fundado em 1880 a partir de um destacamento de imigrantes vindos para Urussanga. Dezoito meses depois de fundado o núcleo de Urussanga, chegaram em dezembro de 1879 novos colonos e em poucos dias, esse contingente foi distribuído em 440 lotes de terra. Desta leva de imigrantes, 30 famílias foram “obrigadas” a se deslocar, escoltadas por soldados a 25 quilômetros ao sul de Urussanga, em terras do vale do Araranguá, que posteriormente seria chamado de Núcleo Colonial de São José de Cresciuma.

Entretanto, existem divergências entre os autores quanto ao número de famílias italianas pioneiras que formaram o Núcleo Colonial de São José de Cresciúma. Belolli (1996 e 2001), assim como Marzano (1985) apresentam o número de 30 famílias e acrescentam que estas se constituíam em 139 pessoas. Arns (1985) acrescenta a essas informações que as famílias eram provenientes de Treviso, Beluno e Cremona. Por outro lado, o relato de viagem de Alberto Roti, Cônsul Real responsável pelo Sul de Santa Catarina em 1895, citado por Dall’Alba (1983:30), enfoca que “os primeiros colonos foram italianos, 44 famílias”. Volpato (1984) afirma que chegaram a Criciúma 31 famílias, totalizando 139 pessoas vindas da Itália. Já na reportagem do Jornal O MINEIRO de 1926, é relatada a chegada a Criciúma de 160 pessoas de nacionalidade italiana, que constituíam 25 famílias:

Chegaram aqui os primeiros imigrantes conduzidos por um velho conhecedor de toda esta zona de nome Miranda – chamavam-lhe o velho Miranda – eram ao todo 25 pessoas, acompanhadas por oito praças, para os defenderem dos bugres que havia aqui em grande quantidade. Começaram por fazer alguns ranchos e um grande barracão, afim de se accomodarem, e poderem vir as famílias cujo total era

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composto de 160 pessoas, todos italianos. [...] chegadas que foram as famílias, começaram o desbravamento das matta-virgens e o início do primeiro núcleo colonial, que tomou d’esde então o nome de Crescuima, que até hoje conserva11.

Oficialmente a instalação no Núcleo Colonial de São José de Cresciuma é comemorada no dia 06 de janeiro de 1880. Entretanto, nas pesquisas realizadas por Nascimento (1993) em documentos antigos, observa-se que há imprecisão referente à data oficial da instalação do município. Segundo o autor, essa data tornou-se oficial somente a partir da publicação do primeiro número do jornal O Mineiro12, em janeiro de 1926, quando trouxe uma reportagem sobre a história da fundação de Criciúma que evidenciava 06 de janeiro como a data de chegada dos primeiros imigrantes.

As primeiras famílias chegadas no Núcleo Colonial de São José de Cresciuma foram assentadas em lotes previamente demarcados pela Comissão de Colonização. Segundo relatos de Pimentel & Belolli (1974), o núcleo foi demarcado em um vale de um pequeno rio meandrante, com encostas pouco acentuadas.

A empresa responsável pela demarcação das terras do Núcleo Colonial de São José de Cresciuma utilizou o rio Criciúma para dividir os 44 primeiros lotes coloniais, segundo o “Mapa da Parte dos Núcleos do Cocal e Cresciúma” (Figura 2.01), escala 1: 50.000, elaborado por João Sarin, em 1907. Observa-se também que os trabalhos de demarcação das terras e de definição dos limites dos lotes realizados pela companhia colonizadora foram efetuados com base no padrão meandrante do rio Criciúma, em faixas perpendiculares a ele, desde as nascentes até a sua foz no rio Sangão. Conforme é possível verificar no mapa, a Comissão de Colonização utilizou como base o rio Criciúma para demarcar os primeiros 44 lotes coloniais. Em todos os lotes coloniais iniciais havia aproximadamente 250 metros de leito de rio e foi por meio desse “pedaço de rio”, que os proprietários se apropriaram dele e puderam usá-lo de forma diferenciada.

11 “Um Pouco de História: a Fundação de Criciúma”, Jornal O MINEIRO, de 01 de janeiro de 1926. 12 “Um Pouco de História: a Fundação de Criciúma”, Jornal O MINEIRO, de 01 de janeiro de 1926.

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O Núcleo Colonial de São José de Cresciuma não fugiu a regra brasileira quanto à demarcação dos lotes seguindo os cursos d’água. Apesar de Criciúma ser fundada anteriormente à criação da Instrução do Ministério da Agricultura que dispunha sobre a inspeção dos trabalhos de medição das terras realizadas pelo Estado, a preocupação de usar os rios como delimitadores de lotes e norteadores de traçados de estradas se materializa nessa legislação no artigo 10 parágrafos 1o e 2o:

10. Os lotes serão de 25 hectares, quando destinados ao imigrante por conta do Governo, e terão, sempre que possível, condições hidrográficas e de viabilidade, 250 metros de frente e 1000 metros de fundo, com a frente olhando para os cursos d’água. 20. As estradas e os caminhos acompanharão, sempre que possível, os cursos d’água (...) (in: DALL’ALBA, 1983:20).

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Os artigos citados na Instrução do Ministério da Agricultura oficializam uma prática comum efetuada pelas empresas colonizadoras. Por exemplo, em 1876, a área colonial de Azambuja abrangia os distritos de Pedras Grandes, com seus três confluentes, Armazém e Canela Grande; de Urussanga com seus confluentes; e de Criciúma e Cocal, que totalizavam 24.804 hectares. As colônias fundadas tinham nomes dos rios que as demarcavam, como as colônias dos rios Pinheiro, Carlota, Caeté, Carvão, Maior, dentre outras (FERREIRA,1939). O procedimento adotado no sul de Santa Catarina pela companhia colonizadora de utilizar o rio como base para delimitar os lotes coloniais, também foi encontrado nos trabalhos de Seyferth (1974) e Santos (1979) referentes à colonização do Vale do Itajaí; Ferreira (1939) no Vale do Tubarão e em outros empreendimentos colonizadores no Brasil, descritos por Freyre (1999) e Kahtouni (2004).

No estado de Santa Catarina é possível afirmar, baseado no relatório de G. Caruso Macdonald13, que as empresas colonizadoras seguiram as instruções do Ministério da Agricultura definidas em 1891. O Regente do Real Consulado em viagem pelo Estado no ano de 1906, relata que “as águas [...] são abundantes. Não há lote colonial que não seja atravessado por um rio, um córrego, um regato” (DALL’ALBA, 1983:151).

A vinda de europeus para o sul do Brasil, após 1850, estabeleceu uma nova “fisionomia” nas áreas de colonização, pois formaram povoações nas proximidades da “foz dos rios, na confluência de cursos d’água ou se expandiam ao longo deles, obedecendo ao traçado das linhas coloniais” (PIAZZA & HÜBENER, 2003:134). Esse modo de demarcação de terras por parte das empresas colonizadoras fez com que os vales fluviais passassem a exercer forte influência no plano urbano das colônias.

A apropriação e uso dos cursos d’água, no processo de desenvolvimento das vilas coloniais ocorreram de forma a satisfazer as necessidades básicas, em função da importância vital desse recurso para a sobrevivência humana – consumo, alimentação, higiene, defesa. Entretanto, além da demarcação dos lotes e/ou das novas colônias, os rios também eram utilizados como meio de comunicação e geração de energia para as pequenas propriedades agrícolas da época. 13 G. Caruso Macdonald, era Regente do Real Consulado, em Florianópolis.

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No Núcleo Colonial de São José de Cresciuma, o rio Criciúma assumiu um importante papel na primeira organização espacial da colônia. O significado do rio Criciúma era para as primeiras famílias que se estabeleceram na colônia um elemento extremamente importante na paisagem local, pois representava a sobrevivência da colônia e o ordenamento da estrutura viária e fundiária. As formas de apropriação desse recurso natural pelos colonos demonstram o quanto ele era importante para sua vida cotidiana e para a construção de sua nova identidade.

Ao estabelecer relações com seus lotes coloniais, os colonos materializaram a sua primeira forma de apropriação e deixam suas marcas. Essa analogia entre a paisagem e o sujeito não se situa numa relação de externalidade, como diria Berque (2004), mas, ao contrário. No caso dos colonos, existia uma relação de interdependência, pois a paisagem que se formava a partir da apropriação era uma construção deles e estes por sua vez se achavam envolvidos por ela. Essa relação dos colonos com a paisagem resultou numa grafia e/ou numa marca (BERQUE, 2004) que expressava os propósitos e experiências vividas e que foram escritas sobre a paisagem, como uma forma de mensagem.

As primeiras transformações no Núcleo Colonial de São José de Cresciúma surgem no momento em que os colonos tomam posse de seus lotes e imprimem nessa paisagem a sua marca. As marcas deixadas pelo processo de apropriação do rio Criciúma e seus afluentes, foi o corte inicial da mata ciliar pelos colonos para construção das primeiras moradias, como já citado em Pimentel & Belolli (1974). Isso porque, segundo Bardin (1999), o processo de corte da vegetação dos lotes coloniais era um acordo das empresas colonizadoras, entretanto esse acordo não foi realizado na maioria das colônias:

Ao chegarem às colônias de destino, os imigrantes recebiam os lotes que haviam comprado, em plena floresta, sem que estivessem roçados ou mesmo definitivamente medidos e sem a casa inicial de recepção (BARDIN, 1999:71).

O acordo também não foi cumprido no Núcleo Colonial de São José de Cresciuma, como pode ser constatado no relato de

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Antônio Meller, neto de imigrantes, da chegada de seu avô no Núcleo Colonial de São José de Cresciuma.

O meu avô instalou-se no meio do mato. Quando vieram da Europa, eles vieram na primeira leva que veio de imigrantes pra Criciúma. [...] Contava o meu avô e a minha avó que o governo tinha contratado a Companhia pra distribuir as áreas de terras pros colonos que vinham de lá (Europa). Então, eles começaram lá do centro (a distribuir as terras). As dezoitos famílias, começaram a abrir uma picada e vieram vindo (em direção a foz). Começaram lá os Bristot, depois Zanetti, depois Milanez e tal, e aqui então da Tereza Cristina pra cá, então vieram seis famílias e aquele guia que vinha trazendo, abrindo caminho. Soltaram eles ali onde é a Igreja hoje (Igreja Católica de Santa do Bairro Santa Augusta), no meio do mato. Fazer o quê? Desespero, né. E, então, ai começaram a fazer umas tendazinhas, começaram a derrubar... Pra fazer uma cabaninha coberta de palha, pra poder se abrigar. Até que conseguiram fazer cada um o seu rancho14.

Com a falta do cumprimento do acordo das empresas colonizadoras, os primeiros colonizadores fizeram todo o trabalho de infra-estrutura nos lotes recebidos, abriram as clareiras na floresta para o plantio agrícola e para as pastagens da pecuária de subsistência. Segundo Antônio Meller, as atividades iniciais de infra-estrutura dos lotes foram realizadas em uma parceria entre vizinhos “o desmatamento foi feito pelos pioneiros que se ajudavam para fazerem a coivara, a roça e casa”15.

Naspolini Filho (2000a) no seu livro “Criciúma, Orgulho de Cidade: Fragmentos da História de seus 120 anos” descreve o trabalho diário desenvolvido na colônia agrícola, a fim de garantir a sobrevivência do lotes coloniais.

14 Antônio Meller nasceu em 1925, em Criciúma. 15 Entrevista de Antônio Meller concedida para a elaboração do livro de ARNS, Otilia. A semente deu bons frutos. Florianópolis: Governo de Santa Catarina, 1985.

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Assim que os primeiros colonos foram tomando conta da terra que adquiriram da Companhia Colonizadora, aqui na vila São José de Cresciúma, começaram a desenvolver a economia agropecuária: ao lado dos barracos que chamavam de casa, a criação de suínos, galinhas, cavalos e gado leiteiro. Nas roças, abertas com o desmatamento, o plantio de milho, de arroz, de feijão, de outros cereais e de verduras (NASPOLINI FILHO, 2000a: 30).

Na entrega das terras e consequentemente do “pedaço do rio” aos colonos as empresas colonizadoras no ato da entrega deixavam explícita a relação que estes deveriam ter com os lotes coloniais: a relação de posse e, assim sendo, podiam deles se apropriar da maneira que lhes conviessem. Conforme pode ser observado em um depoimento em Baldessar (1991 apud BALDIN, 1999).

[...] O imigrante era levado pela picada e nela lhe era mostrado o piquete de onde começava a sua propriedade e outro, de onde terminava. As palavras que acompanham o gesto da entrega eram as mesmas: esta é a sua propriedade. Pode tomar posse. Pode derrubar a floresta, pode construir a sua casa. Pode plantar, colher...” (BALDESSAR (1991, apud BALDIN, 1999:71).

A entrega dos lotes coloniais aos colonos italianos de Criciúma foi relatada por Marzano (1985), em que mostra que a empresa de colonização que trouxe os colonos à Criciúma deu a eles o poder de se apropriar da forma que lhes conviessem de seus lotes:

O caminho que conduzia a Criciúma era uma picada estreita, seguindo curso de regatos, internando-se na mata, que se igualava a uma galeria. Passaram a primeira noite todos juntos num barracão, ainda agora existente e decadente

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(1903), e no dia seguinte, o que presidia à imigração indicou a cada um o lote de terra que lhe tocava, apresentou-lhe um machado e depois, com uma maneira cínica e desdenhosa, voltando as costa a todos disse: --‘E agora é com vocês. Arranjem-se!...’ (Marzano, 1985:62).

As marcas das primeiras atividades deixadas na paisagem pelos imigrantes eram comuns na época e poderiam ser encontradas na grande maioria dos núcleos coloniais. Como em Criciúma quase não existem documentos ou fotos do período em que os primeiros colonizados se instalaram na colônia, buscou-se exemplos de outros núcleos coloniais formados quase na mesma época, no sul de Santa Catarina, para retratar a paisagem. Um exemplo é a paisagem de Azambuja, no vale do rio Tubarão, fotografada em 1878. Na figura 2.02, observam-se as primeiras marcas dos colonos no processo de apropriação da paisagem de um determinado vale, a partir de uma clareira aberta na floresta junto à planície do rio e a edificação de cabanas que serviam de moradias, sede administrativa e igreja, à direita. O rio, à esquerda da foto, é um elemento integrador dessa nova paisagem que se forma. A apropriação do lugar mostrado na figura significa não só um processo de uso funcional ou instrumental da colônia, mas recobre também um domínio diversificado de práticas culturais, simbólicas e afetivas.

Esse domínio é percebido quando Ferreira (1939) descreve a foto e detalha a distribuição das casas e a localização da capela, “a casa em plano mais alto é a do Diretor da colônia. Entre ela, e a casa branca à direita vê-se a capela de madeira” (FERREIRA, 1939: 52a). Observa-se a partir da descrição da foto realizada pelo autor que existe uma hierarquia social já no início do processo de ocupação e urbanização da colônia, bem como a preservação de crenças religiosas com a materialização do símbolo dessa crença que seria a capela.

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Figura 2.02: Vista parcial do núcleo colonial de Azambuja, no atual município de Tubarão, no ano de 187816.

Depois de empossados de seus lotes, os colonos ao mesmo tempo em que imprimem suas marcas nos lotes coloniais são também transformados por esse novo ambiente, diferente do que estavam acostumados no seu país de origem. Essa procura de adaptação por parte dos colonos italianos aparece retratada na carta escrita em 1892 pelo imigrante Antônio Cordella, endereçada ao Prefeito de Fusine Di Zoldo, região do Vêneto, quando expressa momentos de melhoria nas condições de vida dos habitantes da colônia de Urussanga.

Mas, não pensem que na América tudo é fácil. É preciso trazer as ferramentas para o trabalho e quem não tem vontade de trabalhar vive em uma miséria pior que aquela da Itália. Os terrenos são todos virgens com florestas fechadas. Assim, um colono que deseja vir para esses lados encontra terreno de grande abundância, mas quanto mais tarde chegar, sempre mais longe da Sede vai se estabelecer. Aqui é preciso aqueles que têm vontade de trabalhar e não de se fazerem de “vagabundos”, pois que assim irão viver na miséria17 (BARDIN, 1999:90).

16 Foto publicada em FERREIRA, J. V. Azambuja e Urussanga. Niterói: Oficinas Gráficas do Diário Oficial, 1939. 17 Relato de partes da carta escrita em 1892 pelo imigrante Antônio Cordella, publicada no Jornal Diário Catarinense, encarte especial sobre imigração de Santa Catarina. Florianópolis, 28 de março de 1997. Edição n.4, p11, citado por Bardin (1990).

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Nos primeiros anos de adaptação ao novo ambiente, o rio Criciúma e seus afluentes foram significativos para sobrevivência das famílias. Como na grande maioria dos outros núcleos coloniais catarinenses não havia uma infra-estrutura básica para as famílias e elas retiravam do rio a água para a sua dessedentação e dos animais, pesca, higiene pessoal, orientação, limpeza de roupas e dos utensílios domésticos, agricultura e a geração de energia. No Núcleo Colonial de São José de Cresciuma o uso do rio para as primeiras necessidades básicas da população não foi diferente das outras colônias.

Segundo relatos de Arns (1985), os imigrantes utilizavam as fontes, rios e sangas para o abastecimento de água nas moradias, que segundo um de seus entrevistados “a água era conduzida da fonte do alto do morro, por meio de tubo de taquara, para dentro de um tanque... era a água corrente de então, e às vezes, conduzida para dentro de casa” (ARNS, 1985: 69). Com o tempo, os imigrantes procuraram “veios d’água” e abriram poços que abasteciam as casas e os estabelecimentos comerciais.

Desde o início do século XX, as águas das nascentes do afluente formador (margem direita) do rio Criciúma, localizadas no Morro Cechinel já abasteciam uma parte da população do município. O Jornal O Mineiro de março de 1927 traz uma reportagem, levantando a possibilidade das águas desta nascente serem trazidas para a área central do município, a fim de abastecer a população local. Segundo o Jornal:

Há dias esteve uma commissão estudando o manancial d’água, que tem nas propriedades do sr. Ângelo Benedete afim de ver se o município pode trazer essa água até a praça e ahi construir um chafariz, para beneficiar a população local, com uma boa água potável18.

Mario Belolli, em entrevista, relata que foi efetuado no ano de 1931, por iniciativa do segundo prefeito da cidade Cincinato

18 Água Encanada, Jornal O Mineiro de 15 de março de 1927. Acervo: Biblioteca Pública de Florianópolis.

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Naspolini, a canalização das águas do afluente da margem direita do rio Criciúma, a partir da propriedade do Sr. Ângelo Benedet, próximo ao atual Hospital São João Batista e colocadas à disposição para a comunidade na atual Praça Nereu Ramos, que na época era um potreiro. Segundo o entrevistado, o processo foi realizado por meio de um contrato entre a prefeitura e o proprietário das terras Sr. Ângelo Benedet, com vigência de 50 anos, ou seja, até 1981. Mas, com o advento da Segunda Guerra Mundial, Criciúma foi solicitada a explorar uma quantidade maior de carvão mineral e o Governo Federal, no ano de 1943, proporcionou água encanada para alguns bairros e o centro da cidade.

A atual Praça Nereu Ramos, localizada no centro de Criciúma até os anos de 1930 era utilizada pela comunidade para jogar futebol, bola de pau e também como potreiro para os animais que viviam soltos (Figura 2.03). Razões pelas quais houve discórdia por parte da população à ideia do prefeito Cincinato Naspolini de implantar uma praça no local. Augustinho (2007), no livro “Praça Nereu Ramos: o Coração de Criciúma” salienta que a relação da comunidade com a praça, nos primeiros anos de sua instalação, era pouco amistosa. Os animais que na época era criados soltos, invadiam a praça e dividiam o local com as pessoas. Os agricultores também utilizavam a praça para comercializar, em carros de bois, os excedentes das suas lavouras.

Figura 2.03: Praça Nereu Ramos nos anos de 1910. Acervo: Foto Zapelini

Ao longo dos anos, a relação com a praça mudou. Muitas

residências, estabelecimentos comerciais e de serviços foram

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instalados no entorno da praça (Figura 2.04), principalmente pelo fortalecimento da indústria carbonífera. Os empreendedores de municípios vizinhos decidiram investir suas economias em Criciúma, abrindo estabelecimentos comerciais no entorno ou em ruas próximas da praça. Isso mudou a imagem da praça e a tornou, conforme Augustinho (2007), um local de discussão e construção da formação social, econômica, cultural e filosófica, bem como palco de muitos dos fatos históricos do município que contribuíram para o desenvolvimento da sociedade criciumense.

Figura 2.04: Vista parcial das residências localizadas no entorno da Praça Nereu Ramos, no ano de 1942. Acervo: Fotos cedidas gentilmente por Libera Napoleão.

A comparação entre as figuras 2.03 e 2.04 mostra que em praticamente 30 anos houve uma mudança na paisagem no entorno da Praça Nereu Ramos, pois foram construídas inúmeras residências e estabelecimentos comerciais.

Muitos comerciantes abastados instalados no entorno da praça (Figura 2.05) foram os primeiros beneficiados com as águas vindas da margem direita do rio Criciúma, pois por iniciativa desses comerciantes as águas foram encanadas e colocadas à disposição nas suas residências.

No início dos anos 30, por iniciativa dos senhores Abílio Paulo, Elias Angeloni, Frederico Minatto, Pedro Beneton, Pedro Benedet e outros residentes ao redor da Praça (Nereu Ramos), suas respectivas

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residências conheceram o conforto da água encanada que era trazida em finos canos de ferro, de uma nascente localizada no bosque aonde temos hoje o hospital São João Batista, então propriedade do senhor Ângelo Benedet (NASPOLINI FILHO, 2000a:198).

Figura 2.05: Vista parcial das residências localizadas no entorno da Praça Nereu Ramos, nos anos de 1940 e beneficiadas com água encanada. Acervo: Fotos cedidas gentilmente por Libera Napoleão.

Naspolini Filho (2000a) também relata que as águas captadas

nas encostas do Morro Cechinel e desviadas até a Praça Nereu Ramos foram utilizadas para dessedentação humana e dos animais (Figura 2.06).

Na Praça Nereu Ramos, a uns 15 passos da Galeria Benjamin Bristot, havia também o poço da cidade, com uma bomba manual que trazia água para copos, canecas ou baldes, para o ser humano e para os eqüinos já que naquele logradouro eram amarrados os cavalos (NASPOLINI FILHO, 2000a:198).

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Figura 2.06: Vista parcial da Praça Nereu Ramos, em 1930. Em primeiro plano, vê-se o poço protegido por uma pequena construção redonda que possibilitava a dessedentação humana e dos animais. Acervo: Arquivo Zapelini.

As nascentes do afluente da margem direita do rio Criciúma

por não serem poluídas pela exploração de carvão mineral abastecem ainda hoje famílias do bairro Mina Brasil. As águas são coletadas e armazenadas em tonéis, mantidos pela associação dos moradores do bairro. No bairro Cruzeiro do Sul, localizado no Morro Cechinel os moradores também captam água para beber numa das nascentes do afluente da margem direita do rio Criciúma. A nascente foi transformada em um lugar de oração e conhecida, a partir de 1946, como Gruta Nossa Senhora de Lurdes.

Nos primeiros tempos da ocupação colonial, o rio Criciúma e seus afluentes serviram também como fontes de alimentação (pesca), pois há relatos de 1930, indicando a existência de peixes nesses rios. Os peixes, segundo Arns (1985: 52), junto com a caça e os produtos agrícolas, complementavam a dieta alimentar dos primeiros pioneiros “lançados à sorte da natureza no núcleo de Criciúma”.

Para Arns (1985), a pesca nos rios do núcleo colonial implicava inicialmente trabalhos de artesanato para os primeiros imigrantes, pois estes não tinham os instrumentos adequados para pesca e os adaptavam. Segundo a autora, os primeiros imigrantes:

Fabricavam os jequis, denominados de nassa pelos italianos, os ‘balaios em forma

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de funil’, feitos de varas finas e flexíveis de taquaras. Deitavam-nos na correnteza dos riachos onde os peixes eram conduzidos mais desordenadamente. A isca era a tripa da galinha (ARNS, 1985: 52).

Pedro Milanez (1991), em seu livro “Fundamentos Históricos de Criciúma” também relata que os imigrantes utilizavam várias alternativas de pesca, como o anzol; a lança, vara de madeira com dois metros e meio de comprimento, com ponta de ferro na base; o jequi, cesto de taquara, pontiagudo medindo dois metros de comprimento com quarenta centímetros de boca e afunilado na base; o covo, cesto de taquara em forma de coração; e a peneira. Segundo o autor, essas alternativas de pesca apanhavam peixes, como cascudo, cará, jundiá, muçum, piava, traíra e outros, considerados os peixes mais comuns na época.

Outro instrumento de pesca relatado por Arns (1985: 52) era o facão. Segundo a autora os imigrantes “matavam o cascudo a facão, à luz de uma tocha conduzida em vara comprida em noites escuras”. Essa afirmação também foi relatada por Antônio Meller quando recorda que ia ao rio matar peixes a facão à noite com seu pai, utilizando a iluminação proporcionada por uma taquara com fogo na ponta.

Às vezes de tarde, na hora do almoço, a minha mãe dizia “olha, amanhã não se come carne e não tem nada pra fazer”. Porque sexta-feira não se comia carne. Então, meu pai dizia assim “ali atrás, em cima, tem taquara”. E, mandava nós buscar um fecho de taquara. Depois da janta da noite, passava a mão no facão, tocava fogo nas taquaras e ia na beira do rio matá o peixe com facão. E, meia hora lá (no rio), trazia o peixe pro outro dia19.

Pelo tempo que o Núcleo Colonial de São José de Cresciuma foi formado, aproximadamente 130 anos, não foi possível entrevistar pessoas que vivenciaram a formação do núcleo. Foram entrevistados descendentes da terceira geração dos primeiros

19 Entrevista concedida Rose Maria Adami, em 04 de agosto de 2007. Antônio Meller nasceu em 1925, em Criciúma.

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colonizadores que relatam lembranças de seus antepassados. Em algumas entrevistas e pesquisa bibliográfica realizadas para esse trabalho, foi relatado que existiam muitos peixes no rio Criciúma e seus afluentes até os primeiros cinqüenta anos do século XX, pois nem todas as águas estavam poluídas com esgotos domésticos e as drenagens industriais.

O Sr. Alcebíades Bristot20 lembra que a água do rio Criciúma “era uma água limpa. A gente ia pescar ali, neste rio onde a água era mais calma. Então, do barranco (do rio) tu olhava lá no fundo e via o peixe. A água era tão cristalina”. Segundo o entrevistado, no açude que seu avô construiu a fim de desviar água do rio Criciúma para gerar energia para um engenho havia muitos peixes, que desciam do rio Criciúma para o canal. Muitos desses peixes eram utilizados para alimentação.

Por outro lado, os entrevistados que nasceram após os anos de 1950, salientam que a água do rio não era muito limpa e não lembram de peixes no rio Criciúma. O Sr. Joel Casagrande21 não se lembra de ver peixes no rio Criciúma por volta de 1958.

Nos primeiros tempos da colonização, o rio também era utilizado para a higiene pessoal e para lazer. Minotto (2005) em seu trabalho sobre a memória das mulheres agricultoras de Criciúma no período de 1930 a 1950, comenta que a higiene pessoal dos integrantes das famílias era realizada nos rios e córregos e somente no inverno tomavam banhos em banheiras grandes com águas dos rios.

A grande maioria dos entrevistados salienta que existiam no rio Criciúma e seus afluentes alguns açudes que também eram utilizados para lazer. No depoimento do Sr. Alcebiades Bristot, morador da bacia do rio Criciúma e cujos antepassados faziam parte dos primeiros colonizadores da área, aparece que o rio Criciúma era utilizado para tomar banho: “[...] aquele rio (rio Criciúma), a gente aproveitava até para tomar banho, água pura”. Em outra entrevista, o Sr. Antônio Meller recorda de tomar banho na represa que ficava na foz do rio Criciúma, a qual servia para gerar força motriz para uma tafona:

nós e, inclusive meu pai também quando eu era guri chegava o sábado ou quando era

20 Alcebíades Bristot nasceu em 1935, em Criciúma. 21 Joel Casagrande nasceu em 1954, no Rio Grande do Sul.

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muito calor, então nos ia ali no açude, que tinha a represa que acumulava água pra tafona, serraria. Então, ia pra lá tomar banho, nadar, mergulhar e até tinha no açude uma queda d’água. Então, nós guri, por exemplo, gurizada no domingo, nosso divertimento quando era calor nós ia lá mergulhava tomava banho. Inclusive, naquela época, até os jovens do centro, vinham de bicicleta pra tomar banho aqui nesse açude22.

Da mesma forma Dona Bersábia Pizzetti Sonego se recorda de que o rio era um lugar utilizado pelas famílias de agricultores para tomar banho depois de virem da roça:

As roupas eram lavadas no rio, tomava banho no rio. [...] Tudo no rio. Vinha da roça se enfiava debaixo... E, no inverno. Sei lá o que é que nós fazia (risos geral). Não tomava banho. Não tem uma bacia mais ou menos assim (gestos de uma bacia grande)? Nós se lavava ali. Mas, no verão era no rio. Nós nadava. Nós fazia de tudo naquele rio. O rio Criciúma, quando dava enchente ia perto da nossa casa23.

Outra apropriação das águas do rio Criciúma e seus afluentes

era para higiene das roupas, praticada desde o início da formação do núcleo colonial até a primeira metade do século XX. Quatro entrevistados que nasceram nos anos de 1918, 1925, 1932 e 1935, os Srs. Libera Napoleão24, Antônio Meller25, Dalva Aguiar Silvestre26 e Alcebíades Bristot27, respectivamente, lembram que quando pequenos as pessoas lavavam roupa no rio Criciúma. O Sr. Alcebíades Bristot, morador do bairro Santa Bárbara na infância e adolescência comenta que “era um rio usado pra lavar roupa” e complementa “era lavado (roupa) aqui onde era a rodoviária

22 Antônio Meller nasceu em 1925, em Criciúma. 23 Bersábia Pizzetti Sonego nasceu em 1908. Entrevista realizada dia 22 de julho de 1999 e cedida gentilmente pela Professora Dra Marli de Oliveira Costa. 24 Libera Napoleão nasceu em 1918, em Criciúma. 25 Antônio Meller nasceu em 1925, em Criciúma. 26 Dalva Aguiar Silvestre nasceu em 1932, em Araranguá. 27 Alcebíades Bristot nasceu em 1935, em Criciúma.

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(antigo terminal rodoviário da empresa São Cristóvão - na Travessa Padre Pedro Baldoncini) ali atrás”. Quando questionado se existiam outros pontos no rio em que se lavava roupa, ele explica:

Devia ter outro ponto, mais ali é onde eu me criei. Então ali onde é o campo do Criciúma (bairro comerciário) [...], todo mundo se utilizava daquela água ali para lavar roupa. O rio passa, botava o cochinho lá. Cada um tinha seu lavador, né. Tinha a parte de botar o joelho e era meio inclinado, então a pessoa se ajoelhava, molhava a roupa e sabão.

A Sra. Libera Napoleão moradora da rua Henrique Lage desde 1922, lembra que quando pequena, era possível pescar e lavar roupas no rio Criciúma. Segundo a entrevistada:

[...] a gente pescava, lavava roupa, tudo naquele rio. Ai atrás da casa que eu morava bem ai na esquina quem vai para o hospital Santa Catarina, na rua Henrique Lage esquina com a Venceslau Brás. Nós morávamos ali. E, a gente lavava roupa, tudo. Não tinha carvão naquela época. Tinha, mas não nos riachos. Era bem bonito, com boa água e tudo.

Essa senhora comenta que também sua mãe fazia uso dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma para lavar roupas, “a minha mãe lavava roupa no rio. Naquela época a gente lavava roupa no rio”. Entretanto, ela não recorda de pontos no próprio rio Criciúma em que se lavavam roupas, para ela “cada um tinha seu lavador de madeira e lavavam. Nos fundos da casa da gente onde tem o rio. Não era aquela turma de lavadeira”. Talvez, essa observação da entrevistada justificasse a colocação do Sr. Alcebíades quando enfatiza que “cada um tinha o seu lavador”, ou seja, não existiam pontos em que as pessoas se juntavam para lavar, as roupas eram lavadas no fundo de suas casas.

A Sra. Dalva Aguiar Silvestre recorda que existia um ponto de lavação de roupa coletivo no início da rua Henrique Lage, ou seja, no próprio rio Criciúma. Segundo ela: “ali atrás tinha um

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espécie de barragem, onde caía ali em forma de cachoeira. Tinha gente que levava roupa, ali. O rio ainda era limpo”. A cachoeira que a referida entrevistada se refere era a comporta do desvio de água efetuado no rio Criciúma para gerar energia para o engenho de Sr. Benjamim Bristot.

O historiador Mario Beloli, em entrevista, também comenta que muitas pessoas vinham de diversos lugares para lavar roupa no bairro Comerciário. Segundo o historiador as pessoas tinham “os tanquezinhos direto de qualquer rio. Dava muito aqui no bairro Comerciário, onde a gente morava. As pessoas vinham de longe para lavar roupa. No rio Criciúma era uma coisa costumeira. [...] A tábua já ficava lá mesmo (no rio). Já era quase um porto”.

O Sr. Antônio Meller, morador do bairro Santo Antônio, recorda de histórias que sua mãe contava sobre a utilização do rio Criciúma para fins agrícolas e domésticos:

Eu sou de 25 (nascido em 1925), mas eu lembro das histórias que minha mãe contava. Inclusive meu avô, [...] instalou-se aqui (Bairro Santa Augusta), já instalou-se perto do rio, para se servir com água (para agricultura). Então, contava minha avó à minha mãe, que lavava roupa no lavador em cima do rio.

A história oral também registra que algumas mulheres não lavavam roupa no rio, mas utilizavam a água do rio para lavar as roupas dentro de suas casas e para a higiene pessoal dos integrantes da família.

A higiene das roupas praticada no rio Criciúma e seus afluentes por grande parte da população que morava próximo a ele indica que existia uma cultura posta. Essa cultura de lavar as roupas nos cursos d’água do rio Criciúma foi desenvolvida pela criação inconsciente da população que percebia, conversava, trabalhava e vivenciava a mesma realidade, ou seja, a falta de água encanada nas suas residências. O significado dos cursos d’água do rio Criciúma para essas pessoas que lavavam as roupas estava atrelado ao modo de vida delas na época.

As margens do rio Criciúma e seus afluentes foram também apropriadas para serem utilizadas para cultivos agrícolas e pastoris, que modelaram a paisagem do Distrito de São José de Cresciuma,

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segundo Nascimento (1993), até meados dos anos de 1910. Além dessas atividades, havia o beneficiamento de produtos agro-pastoris e no comércio.

As atividades agrícolas e pastoris na bacia do rio Criciúma eram uma realidade para todo o estado de Santa Catarina28 que, segundo Olinger (2000), até meados do século XX se evidenciava basicamente como um estado economicamente agrícola, com destaque para algumas indústrias de manufatura associadas à agricultura. O autor destaca que o primeiro período do desenvolvimento agrícola de Santa Catarina, até 1950 se caracteriza pela agricultura e pecuária de subsistência que se desenvolvia em propriedades rurais familiares diversificadas.

Na bacia do rio Criciúma e adjacências, a economia agropastoril era próspera, pois em 1910 foi criada a Sociedade Cooperativa Victória Ltda, com 92 sócios, no centro do povoado, localizada na rua Henrique Lage. Esta Sociedade de acordo com Pimentel e Belolli (1974) tinha grande importância para o comércio local e regional, pois comercializava a produção agropastoril da região e outras mercadorias. As mercadorias compradas em Florianópolis eram entregues na localidade de Pedras Grandes e trazidas a Criciúma de carros de bois pelos colonos associados.

A cooperativa agrícola, após três anos de instalação, já havia exportado uma quantidade significativa de banha (40.285 quilos), carne suína (15.780 quilos), feijão (135 sacas), arroz (2.600 quilos), aguardente, farinha de mandioca e açúcar, segundo o levantamento estatístico de 1913 (BELOLLI, 1996).

Nos primeiro anos do Núcleo Colonial de São José de Cresciuma, os cultivos produzidos não satisfaziam às necessidades 28 Até 1950, considerado por Olinger (2000) como o primeiro período histórico do desenvolvimento agrícola de Santa Catarina, a agricultura apresentava maior destaque ao longo de todo o litoral. No Planalto Norte cresciam as indústrias extrativistas de erva-mate e as madeireiras. No Vale do Itajaí, predominavam as lavouras de mandioca, cana, milho arroz e bata-doce; bem como, o crescimento do rebanho leiteiro, a criação de suínos e aves não confinadas. Os excedentes destes produtos agrícolas e pecuários propiciaram o desenvolvimento das fecularias, indústrias de laticínios e de carne suína. No planalto catarinense, principalmente nos Campos de Lages, se destacava a pecuária de corte e, no Vale do Rio do Peixe, a agricultura diversificada, com cultivo de milho, feijão, trigo e uva e a pecuária, com criação de suínos. No Sul do Estado, crescia o cultivo de mandioca, cana-de-açúcar e milho, produtos estes processados nos engenhos, que utilizavam a água dos rios para funcionarem e a uva que deu origem a vários tipos de vinhos.

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básicas das famílias pioneiras. Estas necessitavam de gêneros alimentícios, instrumentos agrícolas, munição, roupas e remédios, que eram trazidos das localidades de Urussanga e Araranguá. Como na época não existiam estradas, o acesso a estas localidades se fazia por “picadas”, que cortavam a mata virgem (ARNS, 1985). A estrada geral que ligava Urussanga a Criciúma “era uma picada estreita, seguindo cursos de regatos, internando-se na mata, que se igualava a uma galeria” (MARZANO, 1985: 61).

Nos primeiros anos do Núcleo Colonial foram construídas estradas de acesso à Urussanga. O Engenheiro Jacinto Antônio de Mattos faz um apanhado das atividades desenvolvidas na colônia de Urussanga desde 1876 a 1917 e descreve que, no ano de 1880, os engenheiros Emílio Oderbrecht e Theodor Kleine construíram “o trecho da estrada de Urussanga até Cocal, na extensão de 12.130 metros, continuando a construcção do restante até Cresciuma”29 (FERREIRA, 1939: 101). Em outro trecho do relato, o autor coloca que no ano de 1881 estava em construção a estrada geral de Urussanga à Vila de São José de Cresciuma. Mesmo com a implantação dessas vias era difícil escoar os excedentes da produção agropastoril das colônias, inclusive Criciúma.

Mesmo com a construção da estrada que ligava Urussanga a Criciúma, esta precisava de manutenção frequente em função das chuvas constantes. Segundo o relato de viagem de Alberto Roti, Cônsul Real pelo Sul de Santa Catarina no ano de 1895, citado por Dall’Alba (1983), a situação das estradas era calamitosa:

[..] quem não as viu não pode imaginar como era, especialmente, na estação das chuvas: desníveis de cinqüenta centímetros ou mais; pântanos, diante dos quais os próprios burros param longamente indecisos; postes destruídos pelos regatos em cheias ou pelas torrentes; troncos de árvores que atravancam o caminho; longos trechos de estradas atulhados de terra e pedras pelos aluviões... Também na boa estação, o trânsito dos produtos é por demais penoso, esses são carregados [...] em pequenos carros de madeira bruta, de rodas

29 A citação contém a grafia original.

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maciças e não ferradas. Puxados por uma parelha de bois, [...] devem percorrer cinqüenta e mais quilômetros de estrada para chegar ao local da entrega [...] e tudo isto para conduzir ao mercado ou à estação duzentos ou trezentos quilos de batatas ou de milho (DALL’ALBA, 1983: 65-66).

Ainda de acordo com o representante do governo italiano, no

ano de 1895, o Distrito de São José de Cresciuma contava com estradas e caminhos rudimentares que cortavam o centro do núcleo colonial de noroeste a sudoeste. As estradas eram designadas de Estrada Geral e ligavam Criciúma a Urussanga e Criciúma a Nova Veneza (DALL’ALBA, 1983). Segundo o relatório:

[...] para Nova Veneza há uma estrada para tropas, mas ocasionalmente pode dar passagem a um carro. Para Araranguá só há uma picada para animais cargueiros. Esta atravessa as linhas 1ª, 2ª, 3ª e 4ª linhas, das quais apenas a primeira é habitada. Todas as linhas são em comunicação com o centro, mas apenas com caminhos para muares (DALL’ALBA, 1983:30-31).

Por meio das entrevistas foi possível também constatar que por intermédio do rio Criciúma e seus afluentes, as famílias pioneiras e seus descendentes estabeleceram articulações dentro do espaço da colônia, pois os cursos d’água do rio Criciúma eram os principais delineadores dos primeiros caminhos e posteriormente das estradas. Na organização espacial da colônia, os rios e os caminhos estabelecidos a partir deles ajudaram a constituir laços fundamentais na identidade e apropriação do novo espaço da colônia.

No estabelecimento do núcleo colonial de São José de Cresciuma, o caminho seguia o traçado do rio Criciúma, sendo utilizado pelas primeiras famílias de colonizadores quando saíram de Urussanga para a nova colônia. O uso constante das margens do rio Criciúma como guia desempenhou um papel significativo para o estabelecimento de caminhos rudimentares que posteriormente se constituíram em articulações primordiais para os espaços da colônia e consequentemente para formar algumas estradas principais do

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atual perímetro urbano da cidade. Esta organização viária ao longo do rio Criciúma, segundo Fermo (2002), teve sua consolidação por meio do estabelecimento de estruturas, serviços e locais de convivência às margens do rio ou próximos a ele.

No ano de 1885, o Núcleo Colonial de São José de Cresciuma contava com apenas 44 lotes localizados na bacia do rio Criciúma. A partir desse ano, foram abertas novas frentes de colonização denominadas de linhas Batista, Cabral, Anta e Três Ribeiros, abrangendo outras bacias hidrográficas dentro do atual município de Criciúma. Segundo Belolli (2001) nessas linhas foram estabelecidas famílias de nacionalidade italiana e de outras etnias, como as alemãs, russas, polacas, entre outras.

O estabelecimento dos novos núcleos coloniais implantou a base para as futuras representações rurais e urbanas no extremo sul catarinense. Os núcleos instalados contribuíram para o desenvolvimento econômico de São José de Cresciuma e auxiliaram na formação de novos caminhos entre eles, pois no antigo núcleo colonial existia a conexão entre a Estrada Geral de Cresciuma-Urussanga e a Estrada de Araranguá. A densificação da malha viária permitiu o fortalecimento do comércio dos excedentes agrícolas dos núcleos coloniais (FERMO, 2002).

A formação do núcleo colonial “Accioli de Vasconcelos”, no ano de 1885 e o aumento da população do Núcleo Colonial de São José de Cresciuma, incentivou os colonos a reivindicarem melhores condições nas estradas, o que permitiu o fluxo da produção agrícola e pecuária para outras localidades (BELOLLI, 1996).

O aumento da população oriunda de outros núcleos coloniais próximos contribuiu para instalação no Distrito de São José de Cresciuma, dos primeiros armazéns de secos e molhados, usualmente chamados de “vendas” e outros estabelecimentos comerciais e pequenas indústrias, como engenhos, tafonas, alambiques, olarias, ferrarias, entre outros (BELOLLI, 1996). A instalação dos estabelecimentos comerciais e das pequenas indústrias fortalecia, segundo Naspolini Filho (2007), a economia do Distrito basicamente agropastoril.

As “vendas” localizavam-se em pontos estratégicos, frequentemente na confluência ou proximidade das estradas coloniais. Estes estabelecimentos comerciais eram pontos de encontro de muitos agricultores para comercializar os excedentes produzidos na propriedade agrícola, e também para a compra de

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produtos que não produziam. Eram espaços importantes, em que os agricultores se reuniam para conversar, beber e para as articulações políticas, ou seja, um lugar de socialização do núcleo colonial. Entretanto, um lugar estritamente masculino (NASCIMENTO, 2004).

No ano de 1892, a colônia de Criciúma foi elevada à categoria de Distrito de Paz com a denominação de “São José de Cresciuma”, pertencente ao sexto distrito do município de Araranguá, pela Lei n. 48, de 02 de setembro de 1892. A instalação do Distrito de São José de Cresciuma permitiu a criação de uma infra-estrutura administrativa incipiente composta por intendência, juizado de paz, sub-comissionato de polícia, cartório civil e de registro de imóveis e escola pública, todos instalados na sede do Distrito (PIMENTEL & BELOLLI, 1974).

A elevação da categoria de vila para distrito solicitou um determinado local, a fim de se instituir a infra-estrutura administrativa do então Distrito. O local escolhido para se estabelecer a sede do Distrito de São José de Cresciuma com as atribuições sócio-administrativas foi a atual Praça Nereu Ramos e adjacências, entre as ruas João Pessoa, Santo Antônio, Coronel Pedro Benedet e Seis de Janeiro. O local já era utilizado para encontros religiosos (Figura 2.07), desde os primeiros anos da colonização quando, segundo Arns (1985: 56), foi erguida uma pequena igreja ainda na “mata virgem” para as rezas dominicais. Desse modo, no entorno da atual praça e próximo à igreja católica desenvolveu-se uma rede de serviços e comércios.

Figura 2.07: Vista da atual Praça Nereu Ramos em 1899, no dia da inauguração da

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primeira capela de Criciúma. Acervo: Naspolini Filho (2007).

Diante de toda essa efervescência em torno do vínculo político administrativo entre o Distrito de São José de Cresciuma e a sede municipal de Araranguá, estabeleceu-se um novo caminho de comunicação, denominado Estrada de Araranguá (NASCIMENTO, 1993). Essa estrada, em continuidade com a Estrada Geral Cresciuma-Urussanga passou a compor um novo sistema de comunicação ainda rudimentar entre São José de Cresciuma, Urussanga e Araranguá. A comunicação entre estes núcleos coloniais aliada às necessidades de serviços e comércios implantados nas linhas Batista, Antas, Três Ribeirões e Sangão deram à sede do Distrito de São José de Cresciuma um caráter de centralidade administrativa (FERMO, 2002).

A centralidade da maioria desses estabelecimentos comerciais de serviços e comércio do Distrito de São José de Cresciuma localizarem-se no alto vale da bacia do rio Criciúma e isto incentivou os colonos situados à jusante do rio Criciúma a criarem caminhos que se estabeleceram ao longo do rio e serviam de ligação frequente entre eles e o Núcleo Colonial, principalmente seguindo o caminho que hoje se transformou na rua Henrique Lage e na Avenida Júlio Gaidzinski. Outro caminho que os colonos faziam, seguindo os cursos d’água, era para o Núcleo de Urussanga ou à “distante” Sede da Colônia de Azambuja, em busca de produtos ou serviços diversos, inexistentes no núcleo colonial (FERMO, 2002).

As estradas principais do Distrito de São José de Cresciuma foram consolidadas pela própria população local, pois o poder público não definiu essa infra-estrutura. Os transeuntes utilizavam o traçado do rio Criciúma como um norteador, desenhando caminhos sobre a malha fundiária do Distrito e que atualmente se constituem em importantes ruas de Criciúma, como é o caso das ruas Cel. Pedro Benedet, Marechal Deodoro e a Henrique Lage.

Os caminhos foram se consolidando ao longo dos anos e algumas ruas (Figura 2.08), já na segunda metade do século XX, foram moldadas pelos moradores de alguns bairros utilizando o rio Criciúma para se direcionar ao centro da cidade. A Sra. Dalva Aguiar Silvestre recorda que, quando criança, morava na rua Anita

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Garibaldi e para ir ao centro utilizava um caminho que costeava o rio Criciúma:

Eu fui morar no centro, na rua Anita Garibaldi. No início foi na Henrique Lage. Morei pouquinho tempo na Henrique Lage, quando surgiram as primeiras casinhas na rua Anita Garibaldi. O Colégio Lapagessi não tinha sido construído ainda. Aquilo ali era tudo terrenos baldios. [...] Tinha um caminho que a gente às vezes encurtava para ir ao centro. [...] A gente ia (ao centro) costeando o rio pelo outro lado. [...] Tinha um início de rua, mas um carreirinho que a gente passava. O rio passava pela rua Miguel Giacca, aquilo ali era mais ou menos o leito do rio, naquela época30.

Figura 2.08: Vista parcial do centro urbano de Criciúma no ano de 1943. Atrás dos casarios, observa-se a vegetação junto ao rio Criciúma e paralelo a ele há solo exposto (em branco na foto) que constitui um caminho rudimentar. Acervo: Fotos cedidas gentilmente por Libera Napoleão.

30 Dalva Aguiar Silvestre nasceu em 1932, em Araranguá.

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O significado coletivo de que o rio Criciúma representava um guia e/ou um direcionamento para se dirigir a determinados lugares foi construído inconscientemente pela sociedade que vivenciava o espaço da colônia. Portanto, neste período da história da organização da colônia, o rio Criciúma era uma estrutura significante, um signo de localização no espaço vivido do núcleo colonial para os grupos que interagiam naquele local. O rio era um norteador ou elemento de referência do lugar. Os elementos da paisagem participam ativamente do cotidiano individual e coletivo da sociedade.

O rio Criciúma também era utilizado para geração de energia, pois segundo Marzano (1985) os italianos que vieram para o Brasil tinham o hábito de utilizar “máquinas medievais”, como moinhos movidos por rodas d’água em seu país de origem. Os colonos aproveitavam a força motriz das pequenas quedas d’água como fonte de beneficiamento de seus produtos agrícolas. Os rios eram utilizados como força motriz em empreendimentos como tafonas (moinhos), engenhos de farinha e açúcar, indústrias artesanais, têxteis e de fabricação de instrumentos agrícolas e utensílios domésticos, serrarias, curtumes, fábricas de móveis, entre outros. Posteriormente, a geração de energia foi de fundamental importância para o desenvolvimento industrial das atividades agrícolas e industriais na grande maioria dos núcleos coloniais catarinense.

Em pesquisa a alguns autores e entrevistas realizadas, percebeu-se que na bacia do rio Criciúma existiam tafonas ou engenhos que tinham múltiplos usos. Muitos estabelecimentos eram utilizados para diversas atividades. Os colonos construíam grandes galpões que serviam de serrarias, tafonas, ferrarias, casa de banha, entre outros.

As tafonas e engenhos eram formados por um conjunto de máquinas artesanais, entalhadas em madeira de lei, acionadas por meio de roda d’água ou tração animal (SERPA, 2000). O termo “engenho” utilizado em Santa Catarina, segundo Pereira (1992), foi consolidado durante a colonização açoriana no litoral ocorrida entre 1748 a 1756 e refere-se apenas ao conjunto de máquinas usadas no beneficiamento de produtos agrícolas como a cana-de-açúcar, mandioca e milho e o rancho que abriga aquele conjunto. O termo

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engenho é diferente do significado conferidos à palavra em outras regiões do Brasil31.

Pereira (1992) salienta que conforme o produto manufaturado e/ou beneficiado, os engenhos recebiam uma denominação diferente em diversas partes de Santa Catarina. Se o produto beneficiado era a farinha de mandioca, o engenho denominava-se “engenho de farinha”; se o produto era farinha de milho, passava-se a chamar “tafona”; se o produto era basicamente o açúcar e a água ardente, chamava-se “alambique”; e se fosse madeira, chamava-se “engenho de serra”. Em determinados locais, um único engenho beneficiava todos estes produtos, apenas com a adaptação de determinadas peças. Os engenhos movidos por rodas d’água recebiam a denominação de “engenhos de azenha” e eram comuns em vários pontos da província de Santa Catarina a partir de meados do século XIX.

Conforme Seyferth (1974), os engenhos eram indústrias domésticas decorrentes das lavouras, atividade econômica fundamental da colônia e garantiam o beneficiamento da produção agrícola destinada ao auto-consumo da família. O excedente da produção era comercializado nas casas comerciais de “secos e molhados” ou revendido em outros centros urbanos. Os engenhos foram parte fundamental do sistema econômico camponês implantado no sul do Brasil, no período colonial. Os engenhos eram o alicerce da produção manufatureira dos colonos e movimentava com seu excedente a existência de um comércio local, as chamadas “vendas”. Essa produção manufatureira era de suma importância à sobrevivência nas colônias como pode ser observado nas constantes referências presentes na historiografia catarinense.

Pimentel & Belolli (1974) consideram que a primeira indústria de Criciúma constituía-se de um moinho construído próximos às atuais ruas Anita Garibaldi e Henrique Lage, às margens do rio Criciúma. Entretanto, não especificam o nome do estabelecimento ou o proprietário. Segundo os autores, o rio, na época caudaloso, era capaz de movimentar as pedras de mó trazidas da comunidade de Rancho dos Bugres em Urussanga, que moíam o milho produzido na colônia, a base da alimentação na época. Naspolini Filho (2000a) salienta que as pedras de mó trazidas de 31 Freyre (2001) emprega o termo “engenho” às grandes propriedades territoriais do Brasil Colonial, incluindo o conjunto de características sociais, políticas e culturais dos latifúndios de cana-de-açúcar do nordeste brasileiro.

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Urussanga foram levadas para a tafona do Sr. Benjamim Bristot. Diante dessa observação, foi possível salientar que o primeiro engenho construído foi o do Sr. Benjamim Bristot o que foi confirmado com o Sr. Alcebíades Bristot, neto do Sr. Benjamim Bristot, quanto enfatizou que seu avô construiu o primeiro engenho tocado pelas águas do rio Criciúma.

Os primeiros estabelecimentos industriais na bacia do rio Criciúma foram designados levando em consideração os dados de indústria, comércio e serviços pesquisados por Arns (1985). Segundo a autora existiam nesta área as serrarias de Felix de Lucca, Domingos e Benjamim Bristot, Marcos Rovaris, Lourenço Zanette e Francisco Meller; as tafonas de Amilcar Piazza, Ernesto Piazza, Domingos e Benjamim Bristot, Lourenço Zanette e Francisco Meller; as ferrarias de L. Venzon, Domingos e Benjamim Bristot, Nicolau Machado, Leoni Perazzoli e João Venson; as marcenarias de Pedro Just, Ângelo Benedet, Antônio Milanez, Scott, Frederico Minatto, David Carlesi, João Milanez, Antônio Just, Antônio Benicá; e as olarias de Augusto Casagrande, Cassimiro Milioli, Ernesto Piazza, Marcos Rovaris, Leoni Terracali e Antonio Meller; os alambiques de Zanette, Milanez e Martinello.

É possível observar que determinados estabelecimentos comerciais descritos acima têm os mesmos donos. Isso não significa que estas pessoas tinham vários estabelecimentos comerciais, mas sim, que tinham um engenho que funcionava como serraria, tafona e ferraria, como era o caso do Sr. Benjamin Bristot. As diversas finalidades dos engenhos evidenciam as atividades agrícolas desenvolvidas na colônia, ou seja, a policultura conjugada com a extração de madeira e a criação de animais.

Relatos encontrados indicam que existiam outros engenhos na bacia do rio Criciúma. Milanez (1991) traz em seu livro um relato de Jorge Darós sobre os engenhos de açúcar de Criciúma. Darós ressalta que no ano de 1910, Ângelo Benedet construiu um engenho de açúcar, no atual bairro Cruzeiro do Sul, nas proximidades do hospital São João Batista. Após 10 anos de trabalho o engenho foi vendido para o Sr. Augusto Casagrande que o instalou por um período de sete anos no bairro Comerciário, nas proximidades do estádio de futebol Heriberto Hülse, entre as ruas Constante Casagrande, Almirante Barroso e Desembargador Pedro Silva. Entretanto, Darós não faz menção, no seu relato, de como era o mecanismo que gerava força motriz no engenho.

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Naspolini Filho (2007:40) comenta que as primeiras tafonas foram construídas em Criciúma em meados de 1900 por alguns colonos, a fim de suprir a necessidade de farinha de milho utilizada na alimentação. Até este período, os colonos manufaturavam a farinha de milho em suas residências nos pilões de madeira, uma vez que as tafonas só eram encontradas em Pedras Grandes e Urussanga, comunidades localizadas a muitos quilômetros de distância.

Entretanto, o relatório de viagem de Alberto Roti (Cônsul Real da Itália) pelo Sul de Santa Catarina (DALL’ALBA, 1983), mostra que já no ano de 1895 o Distrito de São José de Cresciuma contava com:

Cinco moinhos, quatro dos quais de italianos, doze engenhos de açúcar com alambiques, todos de proprietários italianos, uma fábrica de cerveja pertencente a um alemão, 4 negociantes, três dos quais de italianos, mas todos os colonos vendem artigos de consumo não produzidos por eles. Quase todos os colonos possuem um parreiral e a produção de vinho é calculada em 30 hectolitros (DALL’ALBA, 1983: 31).

A indústria e o comércio do núcleo colonial permaneceram interligados, conforme Arns (1985) durante as primeiras décadas do século XX.

Um líder da comunidade abria um negócio na freguesia, chamado de “vendas” ou “negócio”, onde se processava a troca das mercadorias dos colonos. Junto a esse negócio se desenvolviam as pequenas indústrias que atendiam às necessidades da comunidade. Assim, a fábrica de produtos suínos era uma constante em todas as localidades. A banha, a carne, as costelas, o torresmo e a lingüiça eram produtos colocados no mercado das cidades maiores como Laguna e mesmo Rio de Janeiro. [...] Ao lado dessas indústrias, a serraria, a plainadeira, a carpintaria e a olaria, proviam

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o material para a construção das casas, dos paióis, dos carros de boi, das carroças, das “aranhas”, e as ferrarias fabricavam os apetrechos complementares: ferraduras e algumas ferramentas para a lavoura Segundo Arns (1985: 176).

Naspolini Filho (2007) ressalta que próximo à parte central da cidade, funcionava a tafona de Marcos Rovaris que estava associada a uma madeireira e um açougue, na atual rua Marcos Rovaris; no atual bairro Santa Augusta, funcionava a tafona de Arcângelo Meller, associada a uma serraria e a tafona de Benjamin Bristot que servia também como serraria e ferraria, na atual Avenida Centenário, próximo ao Hotel Crisul. Na foz do rio Criciúma.

O estabelecimento industrial do Sr. Arcângelo Meller era constituído por um engenho de farinha de mandioca, uma serraria, uma tafona e um descascador de arroz, todos funcionando pela força motriz gerada pelas águas do rio Criciúma. O Sr. Antônio Meller32, afilhado de Arcângelo Meller, comenta em entrevista que:

[...] Tinha terra do meu padrinho né, em sociedade com irmão. Então, tinha a serraria e tinha a tafona, descascador de arroz, e engenho de farinha de mandioca. [...] Tudo no mesmo bloco só, né. Tinha a parte que era da serraria, descascador de arroz, tafona e as outras partes. Mas, era tudo ligado, né. Tudo numa casa só.

Segundo o entrevistado, nos anos de 1936 ou 1937, ele não recorda direito, o engenho foi consumido por um incêndio e ao ser reconstruído, foi anexada a roda d’água a uma turbina, o que proporcionou maior agilidade aos movimentos da roda e consequentemente maior força e produtividade. O entrevistado recorda de outros engenhos nos bairros de Santa Luzia e Santo Antônio que também utilizavam a água do rio Criciúma para gerar energia para seus estabelecimentos.

32 Antônio Meller nasceu em 1925, em Criciúma.

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O Sr. Alcebíades Bristot33, neto de Benjamin Bristot, em entrevista, comenta que o engenho de seu avô, localizado próximo a atual Avenida Centenário nas proximidades da rua Antônio A. Althoff, envolvia uma serraria, uma tafona de milho, um descascador de arroz e uma oficina, que funcionava pela força motriz originada das águas do rio Criciúma, por meio de uma roda d’água.

A serraria do Sr. Benjamim Bristot atendia grande parte da demanda de Criciúma e da região, principalmente para a empresa que administrava a Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina (EFDTC), criada para transportar carvão da região carbonífera para o porto de Imbituba. Quando questionado acerca da origem das madeiras que eram processadas na serraria de seu avô, o Sr. Alcebíades Bristot responde:

[...] onde é o Michel (bairro de Criciúma) um pouquinho mais para baixo. Ali tinha mato verde, então tirava dali. Só que pra desdobrar uma tora de madeira depois de ela ta na serraria, então, a máquina levava uns 2 ou 3 dias para acabar com a tora de madeira de 50 cm de diâmetro. Era tudo tocado lentamente não tinha aquela velocidade como é hoje. Então a gente tirava madeira dali. A estrada de ferro mandava lá do Rio Fortuna, passando por Tubarão via férreo. Mandava aquela tora de madeira aqui pra serraria para desdobrar para fazer os dormentes. Aquela madeira que tem embaixo para dar apoio aos trilhos de sustentação, né. Então, era pregado os trilhos em cima, para máquina circular. Então, sempre tinha serviço, às vezes tinha que trabalhar dia e noite, aí não parava mais.

A Sra. Dalva Aguiar Silvestre moradora da rua Anita Garibaldi por muitos anos, lembra da serraria do Sr. Benjamim Bristot:

33 Alcebíades Bristot nasceu em 1935, em Criciúma.

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Naquele trecho, entre o Posto São Pedro esquina com a Rua Anita Garibaldi, existia uma serraria, serravam umas toras enormes, saíam àquelas taboas bonitas. A gente quando era menina brincavam até de brincar nas serragens. E, tinham uma moenda de farinha de milho, que agente ia comprar farinha de milho lá. Era um engenho do Seu Benjamim Bristot. No engenho tinha uma roda d’água, eu lembro tão bem, tinha uma pedra que solvava o milho ali embaixo.

A tafona e o descascador de arroz eram outras atividades que também necessitam de força motriz geradas pelas águas do rio Criciúma para processar o milho e o arroz. Estas estavam acopladas ao engenho do Sr. Benjamim Bristot e também atendiam aos agricultores e compradores de Criciúma. Segundo o Sr. Alcebíades Bristot, seu avô, Sr. Benjamim Bristot:

[...] só trabalhou com o milho em grão, o arroz com casca para deixar prontinho para o consumo. Então, o colono já trazia suas quantidades de milho e moía aquilo tudo ali, tinha farinha pro ano todo. [...] Esse pessoal da redondeza, Mãe Luzia, Forquilhinha, São Bento, Cocal todos vinham pra cá com carro de boi, carregando saco de milho para deixar ai. Quando fosse chegando à vez de cada um, né. Então naquela época a cobrança que se fazia por saco de milho era a tal da mizura por saco de 60kg. Então, eles dava 15kg de milho para pagamento de cada saco e levavam 45kg de volta.

A oficina também era uma atividade que utilizava as águas do rio Criciúma para gerar energia por meio de uma roda d’água. A roda d’água movimentava um instrumento modelador que confeccionava utensílios agrícolas para os agricultores de Criciúma, Içara, Nova Veneza, Forquilhinha e região. Segundo o Sr. Alcebíades Bristot:

A oficina mecânica era tocada pela roda da água. Ela tocava uma espécie de martelo

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que tocava no eixo. Ele era adaptado ali tocado por uma roda grande. Cada volta que dava, ele (martelo) levantava, voltava batendo no ferro, fazendo uma foice, uma enxada. [...] Aquecia aquele ferro a vapor deixava na brasa, carvão vegetal, deixava o ponto de ser batida botava em baixo, botava ali e ia formando ferramenta.

Como o empreendimento do Sr. Benjamin Bristot não foi implantado próximo ao rio Criciúma, ele construiu um canal para desviar águas deste rio até o seu empreendimento. Segundo o entrevistado, seu avô fez “um tapume no rio e nesse canal que ele construiu, a água em vez de descer no leito original, pegava o canal que ele construiu e vinha encher o açude, para no outro dia eles ter água para trabalhar”. Questionado sobre o local do desvio do canal do rio Criciúma, o entrevistado salienta que localizava-se próximo ao início da rua Henrique Lage:

Por baixo onde era o Cine Milanez. Passa por baixo do Bradesco, ali ele (o rio) faz um pequeno desvio, vem até a Seis de Janeiro. Passa por baixo da Casa Ouro. Então, atrás da Casa Ouro, ai ele faz eu acho um ângulo de uns 90°, segue em direção aos fundos do Shopping Della Gustina e Bortoluzzi Center. Então ali onde é o Bortoluzzi Center, foi onde meu avô cortou o rio. Fez uma represa, primeiro fizeram o valo. O valo já existia quando me entendia por gente, com uns 5-6 anos eu já andava pescando por ali, com o falecido meu pai. Então ele (avô) fez o valo. Tem aquela travessa nos fundo ali, eu acho que é a Pedro Baldoncini, né. Então, aquela ruazinha ali entre o Lapagessi (Colégio) e a Henrique Lage (rua), aquela rua ali era o leito desse canal daquela largura, mais ou menos três metros e meio a quatro de largura. (Figura 2.09) [...]. Então ele (avô) fez essa represa no rio Criciúma e a água entrava neste canal e ali onde é o prédio da Crisul (Hotel Crisul na Av. Centenário),

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então ali formava um açude, e a serraria do lado, onde tinha essa roda com a pressão da água. Então ali era a represa que recebia toda a água durante a noite.

Figura 2.09: Vista parcial do canal construído pelo Sr. Benjamim Bristot para desviar água do rio Criciúma, nos anos de 1940. A água desviada servia para tocar a roda d’água que gerava energia para o engenho. Percebe-se a esquerda da foto o canal que segue paralelo ao rio Criciúma junto a vegetação. Acervo: Foto cedida gentilmente por Dona Libera Sebastião.

O Sr. Alcebíades Bristot comentou também que havia uma

comporta de mais ou menos 60 cm de largura e 40 cm de altura na saída do canal do rio Criciúma. Esta comporta desviava as águas à noite para “continuar, enchendo o açude para no outro dia botar tudo funcionar”. Segundo o entrevistado, algumas vezes faltava água no rio Criciúma, mas, durante à noite, quando o açude ficava cheio, a água passava por cima da comporta e dava vazão para o rio novamente, “no outro dia gastava toda aquela água do açude para movimentar a pequena indústria que ele tinha. Ai, tinha que esperar a noite pra encher”.

Ao analisar o local do rio em que o Sr. Benjamim Bristot fez o desvio das águas do rio Criciúma, percebeu-se que o canal fora construído de forma retilínea e num lugar em que a planície apresentava um pequeno declive na topografia. Esse declive do terreno foi mencionado pelo Sr. Alcebíades Bristot, em entrevista:

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[ ...] ali na rua Anita Garibaldi na entrada dessa rua ali que é a rua Padre Pedro Baldoncini, então o rio cortava por baixo dessa rua a ponte que fizeram ali, passava ali por baixo. Ali esses terrenos era tudo dele (Benjamim Bristot). Então, o terreno descia cada fez mais, quanto mais descida mais água entrava, até atingir o nível aqui em baixo (açude).

Esse declive na topografia, associado à comporta, fazia com que as águas do canal ganhassem velocidade e chegassem mais rápidas ao açude, impulsionando o seu preenchimento e gerassem energia para tocar a roda d’água do estabelecimento. A velocidade do rio, neste trecho, foi lembrada pela Sra. Dalva de Aguiar Silvestre34 que brincava em volta do rio Criciúma. Segundo ela “tinham várias “pinguelinhas” pontes de madeira, que nós atravessávamos de um lado para o outro”. Ao ser questionada sobre a velocidade do rio, a entrevistada salienta:

Eu lembro que o rio ganhava velocidade a partir daquela volta na rua Henrique Lage, hoje seria ali onde está o prédio do Raul de Oliveira, no início da Henrique Lage. Não tinha a rua Padre Pedro Baldoncini? Aquilo ali era tudo pasto que nós brincávamos de pegar ali por trás, nós éramos tudo criança. [...] Ali atrás tinha uma espécie de barragem, onde caia ali em forma de cachoeira.

A “cachoeira” que a entrevistada recorda era a comporta

posta no rio Criciúma para desviar as águas do rio para o canal que levaria água para encher o açude e gerar energia no estabelecimento do Sr. Benjamim Bristot. Entretanto, a entrevistada não consegue diferenciar que era um canal de desvio das águas do rio Criciúma, acredita que era o rio. Isso fica muito claro na entrevista quando explica em que locais o rio Criciúma passava:

34 Dalva Aguiar Silvestre nasceu em 1932, em Araranguá.

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Esse rio passava na rua Henrique Lage quase na altura onde hoje é o Mercado Angeloni. Tinha um pontilha ali onde [...] a gente pega da Rua Henrique Lage para a rodoviária (rua Diácomo Sônego). [...] O rio entrava ali para sair lá onde hoje é a rua Araranguá. O caminho que ele tem hoje. Por isso é que eu digo, o rio foi desviado da rota dele. Porque ele passava atrás da marcenaria do seu Nelinho, e ele (rio) tocava a roda d’água da tafona do Seu Bristot.

As águas do rio Criciúma, ao girar a roda d’água do estabelecimento do Sr. Benjamim Bristot, proporcionavam muito mais que a farinha de milho, para a polenta, o arroz descascado, as madeiras para as construções e os instrumentos agrícolas. Elas geravam também energia elétrica para as casas do seu entorno, conforme lembranças de Sr. Alcebíades Bristot.

Dali do posto São Pedro (rua TV Antônio Augusto Althoff), subindo em direção à Avenida (Centenário) ele (Benjamim Bristot) tinha uma dúzia de casas que ele tinha construído, ali. Eram casas de madeira na época, né, e ele fornecia, não só para a casa dele, como para outras ali de perto, energia elétrica, também movimentada por esta água desse canal. [...] Era uma serraria com tipos de máquinas diferente. Então ele (Benjamim Bristot) comprou um gerador, dino que se dizia na época, né. Então, durante a noite ele instalava uma correia na polia desse dino pra dar rotação e dali distribuía energia. A energia vinha aqui para Anita Garibaldi, mais um pouquinho lá perto do Lapagessi (Colégio - rua Marechal Floriano Peixoto) umas casas que existia ali. Naquele tempo era muito rara as casas, né. Então, eu me lembro assim que às 10 horas da noite eu já tinha um compromisso, com 7, 8 anos de idade eu tinha que ir em todas as casas, avisar os moradores. Oh! o nono, que a gente tratava, mandou passar por

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aqui para vocês não deixar essa claridade aparecer na janela. Aquele tempo a janela duas folhas de madeira e em cima tinha espelho com vidro para deixar durante o dia a claridade entrar. Pra vocês tapar esses vidros aí e não deixar sair a claridade que os aviões de guerra estão passando aí por cima. Então, a gente saía avisando os moradores né, a guerra de 40. Dizia assim oh! Esses aviões que tão passando por ai, não é avião brasileiro, esse é avião lá da Alemanha é avião não sei da onde. Um pouco assustava claro. Se vê uma cidadezinha iluminada eles (os pilotos) vão jogar uma bomba lá de cima e vão destruir tudo, vão matar todo mundo. Então vocês que são responsáveis para manter as casas escuras nesse período.

No inicio dos anos de 1920, estas residências possuíam mais conforto do que aquelas situadas no centro da cidade, as quais não possuíam esta infra-estrutura, apesar de estarem próximas de minas de carvão que dispunham de energia elétrica. Antenor Morais, em artigo publicado inicialmente no Jornal “Imbituba” e transcrito no jornal O Mineiro, de 31 de julho de 1926, explica que, no início dos anos de 1920, o centro da cidade era desprovido de luz elétrica.

Ora, pelo progresso commercial de que se torna centro obrigatório, essa falta não é positivamente explicada. [...] E, no entanto, Cresciuma está no centro de duas Minas – Próspera e a Paulo de Frontin – ambas illuminadas a luz electrica, com villas operarias faiscantes de boa luz e isso tudo a três kilometros, apenas, distantes de uma e outra. Uma simples corrente de fios bastava para illuminal-a e fazel-a ‘gente’35.

O autor da reportagem também menciona que os cursos d’água “cujos ramaes atravessam-lhe a sede encadeando-a, é como se vê dotados de todos os elementos propícios a diversas indústrias,

35 Jornal O Mineiro, de 31 de julho de 1926. Biblioteca Pública de Florianópolis. A citação contém a grafia original.

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principalmente a lavoura”. Entretanto, o jornalista faz uma ressalva a todo o desenvolvimento visto no município, pois não há iluminação pública na sede de Criciúma.

O Jornal O Mineiro, de 15 de novembro de 1926, informa a liberação do conselho municipal, autorizando a instalação de luz elétrica na sede do município, por meio de edital público. Segundo o jornal “por deliberação do Conselho Municipal, vão ser chamados concurrentes para a installação de Luz Electrica, na sede do município36”. O último jornal O mineiro que circulou no município, de 15 de março de 1927, relata que o conselho municipal tinha aprovado o contrato para iluminação elétrica da sede do município e “é muito provável que brevemente vamos ter as nossas ruas e praças bellamente illuminadas a Luz Electrica”37.

Além de gerar energia para as casas do entorno do estabelecimento de Sr. Benjamim Bristot, as águas do rio Criciúma geravam também energia para tocar um cinema da cidade:

[...] meu avô fornecia energia ali pro Rovaris (cinema) para acionar a imagem dos aparelhos na tela. [...] Então depois fui saber, a primeira máquina que veio pertencia a meu avô ela era tocada manualmente para gerar luz elétrica. Então, distribuía a imagem na tela e se tocasse um pouquinho mais depressa já passava mais rápido, então tinha que ter um certo controle na manivela.

Segundo seu Alcebíades, seu avô “vendeu” um pedaço do canal de desvio das águas do rio Criciúma para o Sr. Anibal Baldário. O entrevistado cita uma conversa com o Sr Aníbal em que ele confirma a venda:

Semana passada tava mexendo nos meus livros lá em casa e ai comecei a olhar. Sabe aquelas páginas que a gente marcava tudo que era registrado? Sabe o que é que eu

36 “Aviso ao Público”, Jornal O Mineiro, de 15 de novembro de 1926. Biblioteca Pública de Florianópolis. A citação contém a grafia original. 37 “Aviso ao Público”, Jornal O Mineiro, de 15 de novembro de 1926. Biblioteca Pública de Florianópolis. A citação contém a grafia original

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achei ali? O nome do teu nono, quando ele me vendeu um pedaço do rio. Então, eu precisei da água também. Aí falei com teu nono para ele ceder um pouco da água ali. Ele exigiu que eu pagasse uma porcentagem porque ele gastou para fazer aquilo tudo ali. Ele já tinha requerido aquilo ali pra ele. Mas, ele não podia requerer pra ele!. Eu paguei lá não me lembro se era 30 contos na época, arrumei um desviozinho lá e de vez em quando a água passava pelo meu terreno e me servia ali. Molhava uma coisa, molhava outra, pra lavar roupa e tudo, né.

O ato de “vender parte do rio”, ou seja, das suas águas, pode ser interpretado como uma apropriação das águas do rio Criciúma. O Sr. Benjamim Bristot se sentia dono das águas do rio e do canal que ele construiu. Ao mesmo tempo, mostra que o canal tinha um significado para ele, ou seja, as águas eram a sua fonte de energia e era necessário ter água no canal para manter suas atividades econômicas e seu status social na sociedade local. Caso as águas fossem retiradas do canal em grande quantidade, seu estabelecimento não teria a mesma produção e rendimento.

Mesmo não sabendo a data certa que o Sr. Benjamim Bristot desviou as águas do rio Criciúma, percebe-se pela dominialidade de água que existia no Brasil até o início do século XX, que isto era liberado pelo Alvará de 181938 que vigorou no Brasil39 até a

38 Em todo o período colonial, a coroa portuguesa, fazendo valer no Brasil o sistema das regalias, autorizou o Governador geral a fazer doação ou concessão dos cursos de águas, para promover a cultura, colonização de terras e a construção de engenhos. No início do século XIX, com as excessivas criticas quanto à extensão do poder real e contra a teoria jurídica das regalias, foi criado em Portugal o Alvará de 1804 e aplicado no Brasil pelo Alvará de 1819. Neste Alvará, foram extintas as antigas doações régias, ou seja, os direitos da Coroa sobre as águas. O Alvará de 1804 permitia a criação da servidão legal de aquedutos para a agricultura e indústria, em terrenos alheios, sem licença régia (BOHN, 2003; POMPEU, 2002). 39 No Brasil, o domínio das águas foi regulamentado pela legislação portuguesa até 1934 com a aprovação do Código de Águas, que por sua vez remonta ao Direito Romano (BOHN, 2003; POMPEU, 2002; GRANZIERA, 2003). As normatizações referentes aos recursos hídricos evoluíram conforme as necessidades, interesses e relevância econômica de cada período histórico brasileiro.

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aprovação do código de águas em 193440. Este alvará permitia às comunidades em comum ou proprietários em particular o direito de desviar as águas dos rios e ribeirões, por canais para benefício da agricultura e da indústria (BOHN, 2003; POMPEU, 2002). Antes da aprovação do Código de Águas, em 1934, era possível também requerer o direito de desviar os rios a partir de pedidos às câmaras municipais, pois segundo Antunes (2002), a Lei de 1º de outubro de 1828 que disciplinou as atribuições das câmaras municipais, determinou que estas tivessem competência legislativa sobre as águas. Esta lei atribuiu competência aos vereadores para deliberar sobre aquedutos, chafarizes, poços, tanques; esgotamento de pântanos e qualquer estagnação de água infecta.

Após a aprovação do Código de Águas instituído pelo Governo Provisório por meio do Decreto 24.643, de 10 de julho de 1934, o desvio também estava amparado por lei. Conforme Freitas (2002), o Código classificou as águas: (i) públicas de uso comum, (ii) comuns e (iii) particulares; bem como dividiu as águas públicas entre a União, os estados e os municípios. Com a implantação da Constituição Federal de 1988, as águas superficiais e subterrâneas, fluentes (rios), emergentes (fontes) ou em depósito (lagos, lagoas, açudes e represas) passaram a ser consideradas bens do Estado. As águas comuns e particulares, previstas no Código de Águas deixaram de existir.

Os conflitos em torno da quantidade e qualidade das águas, derivados da apropriação intensa e uso diversificado dela para o desenvolvimento econômico, impulsionaram à edição de políticas nacional e estadual, referente aos recursos hídricos. Em 1997 foi instituída a Política Nacional de Recursos Hídricos e criado o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (Lei Federal 9.433), que propôs um modelo de gestão que mudou a influência dos atores sociais nos conflitos que envolvem os recursos hídricos. Nesta Lei, a apropriação do recurso água ocorreu para atender uma função técnica em que o ser humano era o primeiro beneficiário. Este processo de apropriação pode ser, a partir de dois

40 Posteriormente ao Alvará de 1819, as leis que se seguiram até 1934 - Constituição do Império de 25 de março de 1824 e a Constituição Republicana de 1º de outubro de 1828 e de 24 de fevereiro de 1891 - não trataram em seus artigos de forma especifica da apropriação e uso da água. A Constituição do Império faz apenas uma ressalva ao item água quando, no item 22 do Art. 179, garante o “direito de propriedade em toda a sua plenitude” (GRANZIERA, 2003).

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modelos distintos: (i) a água é considerada um bem público, pertence à coletividade e regulada pelas autoridades socialmente instituídas; (ii) a água é um bem econômico, em que a coletividade deve ser ressarcida do uso privado que cada usuário faz deste bem coletivo.

Na década de 1940, o Sr. Alcebíades Bristot relata que seu avô passou a utilizar o carvão mineral para gerar energia no seu estabelecimento comercial e não mais utilizou o rio.

Então esse rio Criciúma ali, ele agüentou bastante tempo este canal. Só que mais tarde ele (Benjamim Bristot) comprou uma máquina tocada a vapor, tipo assim uma máquina de ferro bem pequena, tinha mais ou menos quatro metros de comprimento e uma caldeira grande. [...] Era (a máquina) movida a fogo, a lenha, carvão mineral. A pressão dela tinha que subir até um certo limite pra tracionar as máquinas. Só que às vezes tinha que auxiliar com a roda da água que ela vinha fraca, né. [...] Ai foi indo, foi indo, então foi ampliando melhor, foram fazendo modificações. Nas modificações que eles fizeram, o tamanho da polia, das rodas que recebiam as correias instalada no eixo, pra tocar uma circular, tinha que dar mais velocidade na lâmina da circular para a máquina não apanhar. Então colocava uma roda maior e uma bem pequeninha ali no eixinho da circular que ia essa enquanto aquela ali dava uma volta aquela pequeninha dava dez, uma rotação violenta e foram ampliando. Ai acharam que esse rio não servia mais. Daí, desistiram do rio.

O relato indica que processo de rejeição deste elemento da paisagem, no caso o rio Criciúma foi motivado pela modernização do estabelecimento. Dessa forma, os valores usuais atrelados ao rio Criciúma não correspondiam mais às necessidades individuais ou do grupo que gerenciava o estabelecimento. Era preciso mais velocidade das máquinas e as águas do rio naquele momento não propiciavam esse dinamismo e perderam o valor para o dono do

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estabelecimento, levando a uma ressignificação do rio Criciúma para ele.

O desuso do rio Criciúma ocasionava a mudança do seu significado e foi representada por meio do abandono do canal. A mudança de significado do rio Criciúma em função do seu desuso no caso descrito pode ter sido iniciada nas conversas sociais em que se falava das vantagens da energia obtida do carvão e da necessidade de implantar o progresso. Moscovici (1978) explica que pela “Arte da Conversação” há a troca de opiniões e isso pode levar a mudanças de valores e até à ressignificação de objetos.

Além dos engenhos que tinham múltiplos usos como descritos anteriormente existiam outros estabelecimentos industriais que necessitavam de água que eram as olarias, as fábricas de banha, as cervejarias, entre outros.

As olarias representavam outra atividade industrial proporcionada pela proximidade do rio Criciúma e seus afluentes. Estas se localizavam próximas aos afluentes da margem esquerda do rio Criciúma, no bairro Comerciário e São Luiz, em função da matéria-prima (argila), retirada das várzeas. A exploração de argila para fabricação de telhas e tijolos e a construção de olarias iniciou, segundo Milanez (1991), no bairro Comerciário pelo imigrante Sr. Augusto Casagrande. O bairro São Luiz foi chamado de Olaria entre os anos de 1950 a 1960, segundo Naspolini Filho (2000a: 45) pela “sucessão de chaminés a expelir fumaça para todos os lados”.

A criação de suínos, principal matéria prima para as fábricas de banha que se desenvolveram em Criciúma, segundo Marzano (1985:110) foi incentivada por negociantes. O autor relata “diante de incitações e conselhos de negociantes” além de plantar milho e amendoim, os agricultores de Criciúma resolvem seguir o exemplo de outras colônias e iniciam a criação de suínos. Esta atividade foi considerada pelo autor, como um recurso de segura fonte de lucro, que iria possibilitar melhorias das condições materiais dos colonos criciumenses. Esses suínos serviam para alimentação e fabricação de banha.

A fábrica de banha “Oriente” de propriedade de Marcos Rovaris ganhou destaque na mídia por intermédio da Revista La Nuova Itália, editada em 1920, no Rio de Janeiro:

A banha produzida naquela fábrica, levando nome de “Oriente”, é a mais procurada nas

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cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, onde goza de justa e merecida fama. A fábrica, dentre outros, possui duas seções: uma para embalagem e outra para o fechamento das latas, obedecendo criteriosos princípios comerciais e de higiene. A exportação da banha se leva de cinco a seis mil caixas por ano. Também a carne de porco em conserva é exportada em larga escala daquela fábrica e por ser bem condicionada, dentro de processo moderno, é mais procurada nas principais casas de gênero, no Rio e São Paulo (PIMENTEL E BELOLLI, 1980: 26).

Nessa pesquisa foram identificadas algumas fábricas da banha, como a de Frederico Minatto que se estabeleceu em Criciúma, no ano de 1892. Além da fábrica de banha, o empreendedor tinha também uma cervejaria instalada no município por volta de 1909 e um armazém de secos e molhados (NASPOLINI FILHO, 2000a). Posteriormente, Cincinato Naspolini (Figura 2.10), segundo Milanez (1991), instalou no bairro Vila Operária uma fábrica de bebidas.

Figura 2.10: Cervejaria de Cincinato Naspolini, no bairro Vila Operária. Criciúma (SC). Foto sem data definida. Acervo: Foto Zapelini.

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2.2 O significado do rio Criciúma e seus afluentes a partir da elevação da colônia à sede do Distrito de Araranguá

Após os primeiros anos de colonização, o significado que os imigrantes atribuíam ao rio Criciúma e seus afluentes, passou por ressignificações que foram representadas e/ou materializadas na paisagem da bacia do rio Criciúma. As ressignificações atribuídas ao rio Criciúma e seus afluentes foram permeadas por mudanças na vida da comunidade local, principalmente pelo estabelecimento da sede de São José de Cresciuma como o núcleo principal do Distrito, situada no médio vale do rio, e pela descoberta do carvão mineral e sua exploração.

O fortalecimento da sede de São José de Cresciuma no médio vale da bacia do rio Criciúma, a partir de 1892, contribuiu significativamente para que as atividades ligadas à agricultura se distanciassem da sede do Distrito. Por outro lado, houve a permanência das atividades ligadas à administração do Distrito e a vinda de outras atreladas a serviços e comércio.

No povoado que se formava no entorno do núcleo central, algumas habitações e estabelecimentos comerciais que se instalaram no entorno da sede e posteriormente do Distrito eram de propriedade de agricultores abastados que investiram os lucros adquiridos com a agricultura no comércio. Essa era uma prática seguida por alguns dos agricultores do sul catarinense com melhores condições financeiras que abandonavam a agricultura para investir em outros setores, como o comércio e a manufatura de produtos agropastoris, proporcionando a diversificação da economia (PIMENTEL & BELOLLI, 1974).

O acúmulo de riquezas e consequentemente o progresso econômico atingiu apenas alguns colonos instalados no Distrito de São José de Criciúma. Ao discutir a gênese econômica da elite que dominava Criciúma nos anos de 1920, Nascimento (1993), levanta alguns elementos que proporcionaram melhores condições de enriquecimento para alguns dos colonos. Para o autor, o número maior de pessoas da mesma família plenamente apta para o trabalho na propriedade agrícola e a compra de um número maior de lotes, foram os elementos primordiais para o acúmulo de capital e consequentemente do início das desigualdades sociais no Distrito.

O relatório do Cônsul Régio da Itália Cav. Príncipe Gherardo Pio de Savóia, escrito em 1900, mostra que a troca da agricultura

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pelo comércio era uma atitude comum entre os colonos. Para o Cônsul, os antigos colonos em melhor situação econômica foram os que revenderam ou alugaram seus antigos lotes coloniais, ou deram em usufruto aos filhos ou a terceiros e se voltaram para o comércio. Para o Cônsul, o abandono da agricultura por parte de alguns agricultores teve como razões o seu caráter estacionário nas colônias e a falta de estradas para escoar os excedentes agrícolas, que era uma atribuição do próprio estado. O Cônsul faz uma observação que até os colonos que obtiveram ótimos resultados também abandonaram as terras (DALL’ALBA, 1983).

Entretanto, antes da instituição do Distrito, em 1892, já existiam colonos do Núcleo Colonial de São José de Cresciuma com dificuldades financeiras e que comercializavam suas terras ou partes delas para pagamento dos lotes coloniais. Essa prática levou alguns colonos a se afastarem da sede do núcleo principal com suas atividades agrícolas e em alguns casos para fora da área da bacia do rio Criciúma para outros núcleos coloniais formados pelas novas frentes de colonização. Os colonos que permaneceram na bacia do rio Criciúma tiveram que se adaptar às novas atribuições do espaço urbano que ora se formava.

A comercialização das terras em Criciúma foi uma das observações do relato de viagem pelo Sul de Santa Catarina de Alberto Roti, Cônsul Real, no ano de 1891, citado por Dall’Alba (1983). No relatório, o Cônsul salienta que em Criciúma existiam vários lotes de terras de tamanhos consideráveis à venda, pois apenas 18 colonos pagaram seus lotes.

À medida que a população crescia na sede do Distrito, novos espaços eram demarcados, os antigos lotes eram subdivididos e o núcleo urbano se expandida cada vez mais, sempre atrelado à atividades administrativas e de comércio. O censo de 1920, realizado pela igreja católica, segundo Nascimento (1993), demonstrava que a sede de São José de Cresciuma tornara-se a área mais populosa do Distrito, com 13,3% da população total, o equivalente a 945 pessoas e 122 prédios construídos.

Após o desencadeamento do processo de urbanização do Distrito surgiram outros estabelecimentos comerciais de propriedade de investidores, vindos posteriormente de outras localidades, seduzidos pelas possibilidades de comércio, como foi o caso de Pedro Benedet (Figura 2.11), Marcos Rovaris, Fábio Tomaz da Silva, João Batista Targhetta, Frederico Minatto, entre

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outros (NASCIMENTO, 1993). A grande maioria desses estabelecimentos localizava-se nas proximidades da Praça Nereu Ramos.

Figura 2.11: Vista da residência e do estabelecimento comercial de Pedro Benedet à esquerda da foto, na Praça Nereu Ramos, em 1926. O caminho traçado entre as casas era a antiga Estrada Geral de Urussanga, atual rua Pedro Benedet. Acervo: Naspolini Filho (2007)

O primeiro número do jornal O MINEIRO datado de 01 de

janeiro de 1926, especifica os primeiros estabelecimentos comerciais instalados em Criciúma: Marcos Rovaris & Filhos, Pedro Benedetti & Filhos, Cooperativa Victória, Benedetti e Cia, Rovaris e Lodetti, José Piazza, Lourenço Codti, Alberto Mundi, Pedro Benetom, Roberto Mayer, Domingos Zanetta, Vicente Guidi, Flávio Silva, Arthur Colle, Lodetti e Angeloni, Victorio Garbellotto, José Gaidzinski e Irmãos, Natalício Lima, Benjamim Bristott, Leoni Perasolli, João Schinelli, João Targuetto, Manoel Herculano, Armazém Lage Irmãos, Carlos Sampaio, Paulo de Rizzieri, Cervejaria Naspolini. As minas de carvão mineral de Paulo de Frontim, da Próspera Limitada, de Antônio de Lucca, de Rovaris e Minatto e de Marcos Búrigo.

Muitos dos estabelecimentos comerciais citados acima, localizavam-se na bacia do rio Criciúma e eram administrados por comerciantes prósperos que se destacavam do conjunto da população pela influência política que exerciam no Distrito. Posteriormente, com a criação do município de Criciúma41 esses

41 O município de Criciúma emancipou-se de Araranguá em 1925. Lei n. 1.516, de 04 de

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comerciantes se tornariam líderes políticos de seus grupos dominantes.

A implantação das diferentes atividades comerciais na sede do Distrito fez com que o núcleo principal (sede do Distrito) se distinguisse dos núcleos secundários (núcleos formados em torno das frentes de colonização). A distinção do núcleo principal o destacou como um lugar de compra e venda de mercadorias diversas, ampliando a capacidade de comercialização de produtos com novos mercados regionais. A comercialização de produtos diversificados vindos de outras regiões fortaleceu o núcleo como uma das “praças” importantes de comercialização da região sul catarinense (FERMO, 2002).

Alguns destes estabelecimentos citados pelo jornal O Mineiro já existiam desde o início do século XX. Baldin (1999) traz um relato sobre o crescimento do Núcleo Colonial de Criciúma, de um italiano chamado Alfredo Cusano que viveu em Urussanga de 1904 a 1906. Segundo Alfredo Cusano:

Em Criciúma as casas comerciais são em número de 07, sendo que conheço os proprietários de 04 delas: os senhores Pedro Benedet, Marco Rovaris, Frederico Minatto e Antonio De Luca, os quais, têm juntos, um capital entre 25 a 40 mil Liras (o que equivaleria, à época, mais ou menos 1:000$000 a 1:500$000 réis) (grifo de BALDIN, 1999: 89).

Na fala do imigrante italiano quando relata “conheço os proprietários de 04 delas”, percebe-se a importância e notoriedade dos comerciantes na região pelo capital que representam. Segundo Nascimento (1993:18), os donos dos estabelecimentos comerciais e “negociantes” ganhavam destaque no núcleo colonial, pois além de se distinguir dos agricultores no seu estilo de vida pública e privada, representavam “o elo de ligação entre a economia de subsistência e a economia de troca”. Esse elo fez com os colonos se tornassem dependentes dos comerciantes que se beneficiavam do consumo e da produção dos excedentes agrícolas. Referente a esta relação Nascimento (2004) enfatiza que:

novembro de 1925.

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Os agricultores recebiam a crédito, do comerciante, os produtos que não eram produzidos na localidade e depois vendiam e ele a sua produção agrícola, numa relação de dependência entre os colonos e o comerciante, em que se beneficiava do consumo e da produção do agricultor e sua família (NASCIMENTO, 2004:10).

A dependência criada com os colonos e a notoriedade desses

comerciantes e “negociantes”, no Distrito de São José de Cresciuma, os transformou na elite dominante. A realidade do poder político que os comerciantes representavam em Criciúma se perpetuou nos anos subsequentes (NASCIMENTO, 1993 e 2004).

Os agricultores abastados, que se transformaram em grandes e pequenos industriais e comerciantes mais os “negociantes” que se instalaram em Criciúma vindos de outras localidades, foram os protagonistas das mudanças econômicas e sociais em Criciúma. As mudanças originadas pelos comerciantes e pequenos industriais foram idealizadas de forma individual a partir da visão do mundo de cada um e compartilhadas nos grupos sociais pela “Arte da Conversação”.

As opiniões ou tendências antes individuais, quando compartilhadas com o grupo social passam a ser a opinião do grupo (MOSCOVIVI, 1978). As opiniões ao se transformarem em uma representação são apropriadas pelos “líderes da comunidade”, que se utilizando dos poderes políticos, históricos e ideológicos as representam, por meio de ações econômicas e sociais na bacia. Na época, os comerciantes representavam, também, o poder político no município e em alguns casos da região sul catarinense.

A agricultura permaneceu como a principal atividade econômica, segundo Volpato (1984), por durante 30 anos no núcleo colonial. A baixa produtividade agrícola associada à falta de estímulo por parte do governo na abertura de estradas para comercialização dos excedentes associada a exploração de carvão mineral em 1917, proporcionou uma mudança significativa na economia de Criciúma, principalmente no final dos anos de 1920 (VOLPATO,1984).

Segundo Nascimento (1993), a elite dominante baseada em comerciantes e “negociantes” de produtos agrícolas e de primeiras

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necessidades após a descoberta e exploração do carvão mineral em Criciúma, não sofreu alterações. Os mesmos comerciantes e “negociantes” encontraram na comercialização do carvão mineral um campo de investimento a mais, integrando Criciúma ao mercado interno, por meio da associação com grupos de comercialização de carvão nacional.

A expectativa de mudar o sistema econômico com a exploração do carvão levou, no ano de 1916, alguns imigrantes a desenvolverem com empresários do Rio de Janeiro um contrato de royalty sobre o carvão explorado nas suas propriedades (PIMENTEL & BELOLLI, 1974; MILANEZ, 1991). Segundo o documento faziam parte os imigrantes José Piazza, Giácomo Tomé, Batista Darós, Giácomo Sônego, Lúcia Ortolan, Viúva Miliolli, João Palamede, Maria Miliolli, Ângelo Scotti, Luiz Cacciatore, Constante Miliolli e Benjamin Bristot. Os empresários estavam representados pelo engenheiro Paulo Lacombe e o negociante Arthur Walson Sobrinho.

A partir dessa iniciativa a exploração do carvão mineral tornou-se, nas décadas seguintes, a base econômica do município ao ponto de transformar Criciúma na “Capital do Carvão”.

[...] A partir da década de 30, começou a se concretizar um ideal de economia preconizado desde o início do século. Criciúma inaugurou a era do carvão e durante cinco décadas, ostentou o título de a “Capital do Carvão” ou “Metrópole do carvão” como se enaltecia na década de 40 (CAROLA, 2001: 123).

A descoberta e a exploração do carvão mineral na bacia do rio Criciúma, incentivou o processo de construção do sítio urbano de Criciúma e consequentemente da mudança de significado do rio Criciúma e seus afluentes. Essa atividade, no parecer de Nascimento (1993), completou o círculo do processo de construção da cidade. O autor distingue três momentos fundamentais para constituição da cidade de Criciúma: a) Da fundação do núcleo, em 1880 até 1890 em que a principal atividade econômica era agricultura de subsistência; b) Do fim do século XIX até o início dos anos de 1920, quando havia a transição das características de vila para cidade, ou seja, economia baseada no mercado local; c)

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Após a exploração de carvão, em que a economia baseava-se no mercado interno e externo.

Os comerciantes, ao se transformarem também em mineradores constituem as funções geradoras e organizadoras dos significados na bacia do rio Criciúma. As características dos geradores e organizadores das mudanças proporcionaram significação e permanência à representação de suas ações na bacia do rio Criciúma. Isso porque os comerciantes estavam interligados aos pequenos agricultores, pelo comércio dos produtos agrícolas e exerciam sobre eles um poder econômico e social muito grande.

Este fato ocorreu porque os comerciantes atuaram como elementos unificadores e estabilizadores das representações construídas por interesses econômicos. Os pequenos agricultores permitiram certa flexibilidade, pois também tinham interesse no processo de mudança econômica, em função da falta de incentivo governamental na agricultura e na grande divisão ou pequena extensão de seus lotes coloniais.

Por meio das mudanças econômicas, da agricultura para a mineração, o rio Criciúma passou por um processo de ressignificação, em função de não mais ser um elemento importante para população da bacia. Até aquele momento, o rio Criciúma e seus afluentes eram representados como os impulsionadores de energia para as pequenas indústrias, como abastecedor de água a algumas residências, e como fonte de parte da alimentação. Os comerciantes e mineradores exerceram a função geradora de mudança do significado do rio Criciúma e seus afluentes. Portanto, com as mudanças econômicas, o rio Criciúma deixou de exercer a sua função social para população e muitos estabelecimentos comerciais foram construídos próximos aos cursos d’água (Figura 2.12), em função da localização estratégica dos caminhos pré-estabelecidos quando o rio era importante para população.

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Figura 2.12: Vista da ponte sobre o rio Criciúma na atual rua Cons. João Zanete na década de 1920. Observa-se à direita da foto que Café São Paulo foi construído muito próximo do rio. Acervo: Arquivo Zapelini.

As mudanças econômicas e sociais ocorridas na bacia foram

para população uma transformação e com ela o processo de ressignificar seus valores com relação ao rio Criciúma, pois a nova condição econômica e social da bacia não estava mais integrada aos cursos d’água. O significado e sua representação referente ao rio Criciúma estava em fase de re-elaboração. A poluição dos afluentes formadores do rio Criciúma pela exploração do carvão se manifesta como uma representação dessa re-elaboração do significado do rio.

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3. O SIGNIFICADO DO RIO CRICIÚMA NO PERÍODO DA EXPLORAÇÃO DE CARVÃO NA BACIA ATÉ O INÍCIO DOS ANOS DE 1950 O capítulo aborda as transformações que o rio Criciúma e seus afluentes passaram, decorrentes da ação dos sujeitos sociais, no período em que houve exploração de carvão mineral na bacia, de 1930 a 1950. Apesar da exploração de carvão ter iniciado antes desse período, os primeiros registros datam da Primeira Guerra Mundial, ou seja, entre 1914 e 1918. Contudo, optou-se neste trabalho por abordar o momento de maiores mudanças na paisagem da bacia relacionadas à exploração de carvão e à apropriação dos cursos d’água, entre os anos de 1930 e 1950. Até o início do século XX, o município de Criciúma tinha sua economia basicamente voltada para agricultura, comércio, serviços e exploração de carvão. Essas atividades eram executadas de forma consorciada quando possível. As diferentes formas de apropriação do rio Criciúma e seus afluentes ainda eram importantes para economia local e representavam um modo de vida. Contudo, a intensificação da exploração do carvão em função de uma conjuntura nacional e internacional levou à reorganização do espaço geográfico local e a criação de uma nova paisagem em um curto espaço de tempo. O capítulo foi estruturado em dois momentos: o primeiro momento mostra o auge da exploração de carvão na bacia do rio Criciúma e suas modificações na paisagem local, especialmente nas diferentes formas de apropriação dos cursos d’água. O segundo momento aborda a chegada de um grande contingente de pessoas de outros lugares para trabalhar na exploração do carvão que não tinham os elementos da paisagem local como referência na construção de sua identidade, em especial o rio Criciúma. Essas duas situações descritas em momentos distintos provocaram formas diferenciadas de apropriação do rio Criciúma, mas interligadas já na sua origem, pois foi a exploração lucrativa de carvão que atraiu muitas pessoas para viver na área da bacia.

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3.1 A exploração do carvão em Criciúma e as mudanças na paisagem

A mineração do carvão já era desenvolvida no início do século XX em outros municípios da região sul catarinense, pois alguns agricultores de Criciúma foram trabalhar nas minas de carvão de Lauro Müller para proporcionar melhores condições de vida aos seus familiares.

O carvão mineral era explorado na Formação Rio Bonito, encontrado nas encostas da Serra Geral no município de Lauro Müller. Essas minas eram exploradas, segundo Bossle (1981), desde 1876 em terras do Visconde de Barbacena. Entretanto, a exploração de carvão não teve muito êxito naquele momento, principalmente pela falta de infra-estrutura no processo de exploração executado de forma manual, aliado ao transporte ineficiente entre as minas e o porto de Laguna feito por carro-de-boi e canoa. A falta de recursos e a demora nas concessões por parte do governo foi outra razão apontada pela autora como um dos fatores que dificultaram a exploração e a comercialização do carvão catarinense.

As indústrias de carvão no sul catarinense só foram estruturadas, conforme Bossle (1981), a partir da Primeira Guerra Mundial, com o bloqueio europeu à importação do carvão para o Brasil, o que fez com que o governo federal incentivasse a produção local e criasse o porto de Imbituba para sua exportação. Anterior a esse período, o carvão importado da Inglaterra e Alemanha tinha preferência pela sua qualidade e por ter menor preço, quando comparado ao carvão produzido em Santa Catarina. O que encarecia o carvão nacional eram as altas tarifas do transporte ferroviário e marítimo, uma vez que o grande mercado consumidor localizava-se em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Na bacia do rio Criciúma, a primeira mina de carvão mineral foi aberta por volta de 1917 no bairro Santo Antônio pela Companhia Brasileira Carbonífera de Araranguá (CBCA), para atender à demanda nacional de carvão42. Nos anos de 1920, a produção de carvão diminuiu em função do restabelecimento da importação do carvão europeu. 42 “CBCA funda a primeira mina de Criciúma no Santo Antonio”. Jornal da Manhã. 21 de janeiro de 1998. Criciúma. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense.Texto de Tatiana Rodrigues e pesquisa de Mario Belolli.

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Todavia, dados de Mario Belolli43 mostram que nos final dos anos de 1910 e início dos anos de 1920, o Distrito de São José de Cresciuma contava com diversas empresas atuando na exploração de carvão. Na época, além da CBCA, foram fundadas outras empresas de grande porte, como a Companhia Carbonífera Urussanga (CCU), em 1918, a Sociedade Carbonífera Próspera Ltda, em 1920 e a Companhia Nacional de Mineração de Carvão Barro Branco, em 1922. Existiam também outras empresas de porte menor, como a Companhia Carbonífera ítalo-Brasileira, Mina Francisco Meller, Mina Rovaris & Minato, Mina Boa Esperança, Companhia Carbonífera União Ltda. e Mina Búrigo & Companhia Ltda.

Na bacia do rio Criciúma, além da mina de subsolo no bairro Santo Antônio, próximo à foz do rio Criciúma, administrada pela CBCA e que operava desde 1917 aproximadamente, existiam outras localizadas nas encostas do Maciço do Morro Cechinel. As minas situadas nas encostas eram exploradas pela CBCA, CCU, Sociedade Carbonífera Próspera Ltda, Companhia Nacional de Mineração de Carvão Barro Branco e também por outras de menor porte, como a Companhia Carbonífera União Ltda. Há relato de que as empresas cediam para os proprietários dos terrenos ou para seus protegidos, parte das áreas concedidas para explorar pequenas quantidades de carvão.

No ano de 1958, existiam no Maciço do Morro Cechinel na área da bacia do rio Criciúma, seis (06) minas de carvão em atividade pertencentes a CBCA e Próximo ao Morro do Céu existia uma (01) mina administrada pela Sociedade Carbonífera Próspera S.A. Segundo dados de Fermo (2002), essas minas localizavam-se, do médio para o alto vale da bacia, nomeadas como minas Paulo Frontin, Wenceslau Braz, Araçatuba, Álvaro Catão, Lote N.6 e Ouro Preto44. O autor aponta também que no atual bairro São Cristóvão, no ano de 192545, existia uma (01) mina chamada

43 “Região carbonífera se consolida a partir da metade do século 20”. Jornal da Manhã. 23 de janeiro de 1998. Criciúma. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense. Texto de Tatiana Rodrigues e pesquisa de Mario Belolli. 44 Para localizar as minas da CBCA, Fermo (2002) utilizou a “Planta Geral das Minas em Atividade da Cia. Brasileira Carbonífera do Araranguá no Entorno do Morro Cechinel/Criciúma/1958”. 45 Dados do mapa da concessão da Sociedade Carbonífera Próspera S.A. organizado por Jorge Becker de 1925.

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Hercílio Luz com três (03) poços de extração em atividade de propriedade da Sociedade Carbonífera Próspera S.A.

Neste período, uma mesma empresa abria nas encostas várias galerias de extração de carvão ou as chamadas bocas de minas. As minas localizadas nas encostas eram consideradas minas de menor porte, pois as camadas de carvão afloravam à pequena profundidade do solo. As minas localizadas na meia encosta eram exploradas por perfurações de galerias horizontais, como pode ser visualizada na figura 3.01.

Figura 3.01: Vista de um poço de extração (boca de mina) na mina da Companhia Brasileira Carbonífera de Araranguá na encosta do Morro Cechinel em Santo Antônio, sem data definida. Criciúma (SC). Acervo: Casa da Cultura de Criciúma.

Em função da facilidade de acesso às camadas de carvão,

praticamente na superfície, era comum encontrar diversas bocas de minas nas encostas do Maciço do Morro Cechinel, como é possível visualizar na figura 3.02. A fotografia foi utilizada em Pimentel & Belolli (1975) para mostrar uma mina localizada nas encostas de

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propriedade da Sociedade Carbonífera Próspera S.A. Os autores ressaltam que foi a primeira boca de mina aberta em Criciúma datada de 1915, no atual bairro Pio Corrêa.

Figura 3.02: Vista parcial de uma das minas de encosta do Morro Cechinel, no bairro Pio Corrêa, em 1915, com duas galerias de extração. Criciúma (SC). Acervo: Arquivo Zapelini.

Segundo Pimentel & Belolli (1975), da referida mina foram

“extraídos 400 sacos de carvão, a título de amostra e remetidos ao Rio de Janeiro, em 1915”. Na época a mina era administrada pela Companhia Carbonífera “A Colônia” de propriedade de alguns comerciantes de Urussanga. Quando a companhia foi sucedida pela Sociedade Carbonífera Próspera S.A., ingressaram com algumas cotas alguns comerciantes de Criciúma, como Marcos Rovaris, Pedro Benedet, Frederico Minatto, Pacífico Nunes e Francisco Meller.

As concessões de exploração de carvão existentes na área da bacia do rio Criciúma anteriores a 1936, foram encontrados apenas em um relato citado por Pimentel & Belolli (1975). Os autores apresentam o contrato de royalty firmado entre empresários do Rio de Janeiro e alguns comerciantes e agricultores para exploração de carvão em agosto de 1916. Neste contrato ficou estabelecido que a empresa se comprometia a pagar royalties de dois e meio por cento do carvão extraído nas propriedades pelo tempo em que perdurasse a extração.

Após o acordo entre o governo federal e alguns comerciantes e agricultores muitos foram os incentivos para exploração de carvão

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em Criciúma. Um deles apresentado por Belolli et al. (2002), data de setembro de 1916, e parte do governo de Santa Catarina, quando Felipe Schmidt promulga a lei n. 1.136, que concede benefícios aos empresários interessados em explorar o carvão de Criciúma, com a construção de estrada como forma de incentivo ao desenvolvimento da indústria carbonífera.

Até os anos de 1930, os proprietários dos terrenos não precisavam solicitar autorização para explorar carvão ou outro mineral no subsolo, evido à existência do regime de acessão, que considerava o subsolo uma continuação do solo e dessa forma o proprietário do terreno era também proprietário das jazidas minerais. Em função desse regime, muitos proprietários de terrenos em Criciúma exploraram ou arrendaram o subsolo para exploração de carvão.

Após a mudança da ordem jurídica referente ao regime de propriedade das minas e jazidas minerais legalizado pelo Código de Minas de 1934, houve inúmeras solicitações de concessão, que, quando exploradas, desencadearam no setor de mineração um impulso na produção. Só no perímetro urbano de Criciúma no ano de 1939, segundo o Jornal O Albor existiam “vinte e sete minas de carvão com uma produção anual de cento e vinte mil toneladas, ocupando três mil operários”46.

Para incentivar a exploração de carvão nacional, o Governo Provisório de Getúlio Vargas, a partir de 1930 cria uma série de leis que estabeleciam a obrigatoriedade de cotas para o consumo de carvão nacional em relação ao estrangeiro (BELOLLI, et al., 2002).

Entre os anos de 1930 a 1950, Vargas aprovou em torno de 415 leis para regular, financiar e incentivar a produção e o uso do carvão nacional (CAROLA, 2002)47. Entre elas estava o Decreto n. 24.642 de 1934 (Código de Minas), que desvinculava o direito de propriedade do subsolo do direito de propriedade do solo e determinava que o aproveitamento dos recursos minerais dependia de autorização ou concessão federal. Posteriormente a esse Código, a posse da superfície não gerava mais os direitos sobre o subsolo.

A partir da aprovação do Código de Minas, Vilella (1989) salienta que Criciúma tornou-se uma referência nacional na exploração de carvão mineral. Neste período, o subsolo do 46 O Albor, 25 de junho de 1939. Laguna. Apud de Belolli et al. (2002). 47 Carola (2002) se embasou na “Legislação Sobre o Carvão Nacional: Programas e Planos Governamentais”.

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município de Criciúma foi dividido em glebas concedidas pelo governo federal às empresas particulares e de capital público e a pessoas físicas para exploração de carvão.

Os incentivos do governo para o consumo do carvão mineral no Brasil fizeram com que se instalassem na região sul catarinense no período de 1930 a 1960, de acordo com Carola (2002), mais de 30 companhias carboníferas. A abertura de novas minas e consequentemente a oferta de novos empregos incentivaram muitas pessoas a migrarem para a região, desencadeando um rápido crescimento populacional.

Em Criciúma, as empresas estabelecidas aumentaram sua produção e novas empresas foram abertas para atender à demanda nacional. Nos anos de 1931 a 1951 foram instaladas no município, segundo Heidemann (1981), 17 companhias de mineração. Entre elas estavam as empresas que exploravam carvão na bacia do rio Criciúma, como a Carbonífera União Brasileira Ltda., Companhia Carbonífera Catarinense S.A. e a Carbonífera Metropolitana S.A.

Estas empresas trouxeram para seus quadros de funcionários, profissionais de vários estados do Brasil, entre técnicos, engenheiros, geólogos, administradores e políticos a fim de gerenciar a exploração de carvão, além da mão-de-obra assalariada que trabalhava diretamente nas minas. Sem contar também o número de profissionais que já tinham vindo para Criciúma a partir de 1917 com a instalação da CBCA, da Companhia Carbonífera Urussanga (CCU) e da Sociedade Carbonífera Próspera S.A. Segundo Bernardo (2004), essas três empresas eram formadas por empresários cariocas que vieram para Criciúma, como tantos outros, para explorar carvão.

Após a aprovação do Código de Minas, sete (07) empresas carboníferas solicitaram a concessão do governo para explorar carvão na bacia do rio Criciúma entre os anos de 1936 a 1942 (Figura 3.0348).

48 A figura 3.03 foi elaborada a partir dos dados coletados em um mapa do DNPM de 1984 que mostra as áreas de concessão no município de Criciúma.

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As duas primeiras empresas a solicitar concessão para explorar carvão na bacia, no ano de 1936, foram a Carbonífera Metropolitana S.A. (processo n. 14.921) e a Companhia União Brasileira Ltda. (processo n. 2.906), nas encostas dos morros da margem direita da bacia (figura 3.04).

No ano de 1937, houve o maior número de concessões para exploração de carvão na área da bacia, um total de doze (12). Essas concessões foram solicitadas para apenas três (03) empresas, a Companhia Brasileira Carbonífera de Araranguá (CBCA) (processo no. 2.182), a Companhia Nacional Mineração Barro Branco S.A. (processo no. 1. 663) e a Companhia Carbonífera Urussanga (CCU) (processo n. 1. 535). Observam-se no mapa da figura 3.04 que foram concedidas áreas em lugares diferentes da bacia utilizando o mesmo número do processo. Mas, nas observações realizadas no mapa de concessões do município percebe-se que as áreas que aparecem na bacia de forma separadas fazem parte de uma única área quando a concessão é observada do ponto de vista do município.

A única empresa que recebeu a concessão no ano de 1938 foi a Sociedade Carbonífera Próspera S.A., por meio dos processos de números 4.270, 2.572, 1.272 e 4.270.

As concessões expedidas nos anos de 1937 e 1938 para explorar carvão praticamente dividiram a bacia em duas áreas distintas. As áreas da margem direita da bacia foram concedidas, na sua maioria, no ano de 1937 para a CBCA e as áreas da margem esquerda para a Sociedade Carbonífera Próspera S.A., no ano de 1938. As poucas áreas que restaram foram concedidas para a CCU em 1939 por meio do processo de número 403.

De 1940 a 1942, foram concedidas apenas cinco (05) áreas para exploração de carvão. Em 1940, foram concedidas três (03) áreas, destas duas (02) para a CCU (processo n. 6.265), e uma (01) para Companhia Carbonífera Catarinense Ltda. (processo n. 4.920). Entre 1941 e 1942, foram concedidas duas (02) áreas consideradas caducas, pois espirou o prazo da concessão e foram anuladas. Essas concessões aparecem no mapa da figura 3.04 com os números de processos de 2.751/ 1941 e 2.752/1942.

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As áreas concedidas para exploração de carvão na bacia do rio Criciúma não foram todas exploradas, conforme Figura 3.05. As áreas de nascentes da margem direita do rio Criciúma, Maciço do Morro Cechinel, foram concedidas para a Companhia Carbonífera Catarinense Ltda, CBCA, Sociedade Carbonífera Próspera, Companhia União Brasileira Ltda. e Companhia Nacional Mineração Barro Branco S.A. Nessas concessões, o carvão foi explorado nas encostas do Morro Cechinel. No topo do Morro Cechinel houve recuperação de pilares nas áreas de concessão da CBCA e da Companhia Carbonífera Catarinense Ltda., ou seja, os pilares de sustentação de mina foram retirados após o término da exploração para aproveitamento do carvão.

As áreas de nascentes da margem esquerda do rio Criciúma foram concedidas para a CBCA, Sociedade Carbonífera Próspera e CCU. Na área da concessão da CBCA, o carvão foi explorado em subsolo nas encostas dos morros do Pio Corrêa, continuidade do Morro Cechinel. Na área da Sociedade Carbonífera Próspera, o carvão em subsolo foi explorado nas encostas do morro Casagrande e na meia encosta de pequenas elevações nos atuais bairros, Milanese e Fábio Costa. Nesses pontos da bacia, segundo geólogo do DNPM, não existem informações do tipo de lavra, isto é, se houve ou não recuperação de pilares das minas pelas empresas mineradoras. Em parte da concessão da Sociedade Carbonífera Próspera, no bairro Pinheirinho, houve a exploração do carvão nos pilares, deixando a mina sem sustentação.

As áreas do baixo vale da bacia que continham a camada Barro Branco eram concessões da União, CCU, Companhia Nacional de Mineração Barro Branco, CBCA. Todas essas empresas mineraram suas áreas de concessão.

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Nas minas localizadas nas encostas do Maciço do Morro Cechinel, segundo os entrevistados, o carvão era explorado de forma manual, com picaretas e ponteiras para colocar os explosivos. O material desagregado pelas explosões era trazido para fora das minas por meio de vagonetes, conforme figura 3.06.

Figura 3.06: vista das vagonetes que traziam parte do carvão para fora das minas localizadas nas encostas. Criciúma (SC). Acervo: Casa da Cultura de Criciúma.

Uma vez fora da mina, depois de peneirado para separar o

carvão fino (moinha) do carvão maior, este era selecionado manualmente pelas escolhedeiras (mulheres e crianças) que se encarregavam de separar o carvão dos rejeitos. Dados de Carola (2002) mostram que a grande maioria das empresas da região sul catarinense empregava mulheres para esta atividade.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a produção de carvão nacional aumentou significativamente, com os auxílios governamentais. Este auxílio decorria de dois fatores. Um deles foi a interrupção da produção de carvão na Europa, uma vez que este continente estava em guerra, o outro, as ambições do governo Vargas em desenvolver a indústria de base no país, sendo o carvão a fonte energética para isso (VOLPATO, 1984). Essa ambição foi concretizada na criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em 1941 no Rio de Janeiro, que, após a Segunda Guerra Mundial, manteve estável a produção de carvão, pois passou a se constituir como mercado absorvedor da produção de carvão metalúrgico.

A grande quantidade de carvão explorado no subsolo do município o transformou nos anos de 1940 na “capital brasileira do

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carvão”. Esse título, segundo Carola (2002), foi o mote para a grande maioria dos discursos oficiais quando se referiam a Criciúma como município explorador de carvão. A estabilidade na atividade carbonífera, a partir de 1950, fez com que houvesse em Criciúma uma mudança significativa na paisagem, conforme descrito por Campos (2001):

A população das cidades e das vilas operárias crescia. O comércio crescia, o dinheiro corria, os negócios prosperavam. Era um agito, uma compulsão coletiva. Minas eram abertas em qualquer afloramento, em cada encosta, em cada plano inclinado (CAMPOS, 2001: 31).

Nos anos de 1960, essa realidade muda significativamente, pois, de acordo com Vilella (1989), o carvão foi relegado a segundo plano em função do uso intensivo das fontes energéticas importadas, especialmente o petróleo. Com a desvalorização do carvão, a Comissão Executiva do Plano do Carvão Nacional – CEPCAN49, que era um órgão do DNPM responsável pela produção e distribuição do mineral no país, foi extinta e a política do carvão ficou a cargo do Conselho Nacional de Petróleo (CNP). Esta conjuntura nacional levou à diminuição da exploração de carvão na bacia do rio Criciúma.

No maciço do Morro Cechinel, provavelmente nos anos de 1960, a exploração de carvão já havia acabado, pois a extensão da camada de carvão era limitada, mas nas outras áreas da bacia, principalmente junto à foz do rio, ainda havia carvão a ser explorado. A exploração de carvão na foz do rio Criciúma permaneceu até início da década de 2000.

A partir da ocorrência do primeiro choque do petróleo, no ano de 1973, o governo procura estimular a produção de carvão nacional, sendo nesta época implantadas minas de grande porte com o uso de mecanização na lavra e a adoção de uma política de subsídios, procurando viabilizar a substituição do petróleo. Entretanto, no final dos anos de 1980 e durante os anos de 1990, a falta de uma política para o setor carbonífero e a retirada dos

49 A CEPCAN, em Santa Catarina, foi instalada em Criciúma e contava com uma sede com escritórios, equipes de levantamento topográfico, engenheiros de minas, laboratórios químicos, residências para engenheiros e funcionários (CAMPOS, 2001).

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subsídios por parte do governo, fez com que grande parte das indústrias carboníferas fosse extintas.

Na década de 2000, o crescimento econômico e o aumento na demanda de energia levam o governo federal a investir na diversificação da matriz energética e no aumento da produção de energia. Dentro dessa nova conjuntura, é projetada para o sul de Santa Catarina, a instalação de usinas termelétricas e o aumento da exploração de carvão para abastecimento de tais usinas.

A exploração de carvão em Criciúma foi considerada por Pimentel & Belolli (1974), Milanez (1991), Belolli, et al. (2002) e outros, como uma atividade econômica muito rentável, pois além de proporcionar diretamente emprego e renda para várias pessoas, movimentava o setor de serviços o comércio e projetou Criciúma no cenário nacional. Os autores apresentam a exploração de carvão, como “a mola propulsora” do desenvolvimento e o carvão como um símbolo de progresso do município. Sem a exploração do carvão, o município seria considerado sem muita expressão econômica, como outros do sul catarinense. Esses autores apenas refletiam as representações sociais que imperavam na época, na “Capital do Carvão”.

Em meados dos anos de 1960 a 1970, segundo Teixeira (1996), iniciaram os investimentos por parte dos empresários do carvão em outros ramos industriais, como a cerâmica e os calçados. Essa tendência se acentua na década de 1990, após a retirada dos subsídios federais à produção de carvão. As sucessivas crises do setor carbonífero geraram condições para o fim da exclusividade do carvão como principal atividade econômica do município e com isso a organização do espaço de Criciúma anteriormente voltada para a indústria carbonífera, inicia o processo de modificação da sua configuração. 3.2 A apropriação do rio Criciúma e seus afluentes durante a exploração do carvão na bacia e a construção de novos significados

A paisagem da bacia do rio Criciúma sofreu um processo de mudança intensa, com a exploração do carvão mineral. Após os anos de 1917, a paisagem rural, baseada na agricultura e no

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comércio, sofreu interferências pela mudança da economia basicamente agrícola para a mineira.

Com o passar dos anos, a paisagem rural, com propriedades agrícolas, engenhos, tafonas, armazéns de secos e molhados, cooperativas para o beneficiamento e comercialização dos produtos agro-pastoris perdeu as marcas dessa atividade e passou a apresentar uma nova matriz de informação, as marcas da indústria carbonífera. Sobre a paisagem rural se edificaram marcas produzidas pela exploração do carvão, como as minas de carvão; as vilas operárias, voltadas basicamente para abrigar trabalhadores das indústrias carboníferas; imensas áreas de rejeitos próximas dos cursos d’água; ferrovias; desmatamentos50 das encostas dos morros e matas ciliares para uso da madeira nas construções de caixas de embarque de carvão, nas sustentações das galerias das minas, nas casas das vilas operárias, nos dormentes dos trilhos das ferrovias; entre outros elementos ligados à exploração de carvão.

A nova paisagem que se impõe sobre um ambiente basicamente rural revela uma mudança econômica e social resultado da dinâmica da sociedade aí existente. Entretanto, as marcas deixadas na paisagem de Criciúma do início da primeira metade do século XX não foram de todo apagadas: transformaram-se em matrizes, pois permaneceram na paisagem e também nos aspectos sociais. Entre a nova atividade econômica da mineração ainda era possível perceber na paisagem características do meio rural, como a permanência durante certo tempo dos engenhos, das tafonas, das casas de comércio de produtos agrícolas e das plantações.

A figura 3.07 possibilita ter uma visão de um recorte da paisagem da bacia no ano de 1929. A fotografia mostra que em meio às representações vinculadas ao carvão impressas na paisagem - caixa de embarque de carvão, Estação Ferroviária Dona Tereza

50 O desmatamento era tão intenso na região sul catarinense que foi destaque no jornal A Paz de Tubarão de 13 de novembro de 1927, com o título “A devastação das matas e o problema do reflorestamento”. Na reportagem o autor comenta que “[...] é phantastico, é absurdo, é criminoso, o que vem acontecendo no sul do nosso estado, quanto ao arrazamento das nossas reservas representadas em florestas. Nada escapa ao machado inclemente do lenhador inconsciente e desavisado. Dezenas de milhares de metros cúbicos tão sendo engolidas pelas locomotivas da Estrada de Ferro Dona Thereza Christina. Onde iremos parar? Quando acordaremos para perceber o crime que está sendo commetido com a creação inconsciente de desertos?”.

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Cristina (EFDTC), trilhos do trem da estrada de ferro e Casa do Ferroviário -, é possível perceber resquícios da paisagem rural da bacia, como a Cooperativa Vitória, construção de dois pavimentos localizada à direita da foto na atual rua Conselheiro João Zanette.

Figura 3.07: Vista parcial da paisagem de Criciúma no ano de 1929. Observa-se à direita da foto a Cooperativa Vitória, localizada na atual rua Conselheiro João Zanette, construção de dois pavimentos, resquício da paisagem rural da bacia. Acervo: Foto Zappelini.

Na primeira metade do século XX ainda era possível

perceber no centro urbano de Criciúma algumas plantações no entorno do rio Criciúma, como pode ser observado ao fundo da figura 3.08. Fotografias desse período mostram que as plantações localizadas no centro urbano, concentravam-se no entorno da Praça Nereu Ramos e seguiam em direção às encostas do Morro Cechinel.

Figura 3.08: Praça Nereu Ramos na primeira metade do século XX, com plantações no entorno

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do rio Criciúma ao fundo da foto, atrás do casario. Criciúma (SC). Acervo: Foto Zappelini

Essa dicotomia da economia que se reflete na paisagem é

possível, pois como enfoca Santos (1997c), não existe uma paisagem em que tudo é novo, ou que todas as variáveis que compõem a paisagem tenham a “mesma idade”. Existe sim, uma combinação de elementos com idades diferentes que se “acotovelaram-se” e/ou acomodaram-se na nova paisagem com a mudança das relações pré-existentes e o estabelecimento de outras. No caso da bacia do rio Criciúma, a transição da paisagem rural para extrativa/urbana foi responsável pelas mudanças das relações pré-existentes entre os agricultores e comerciantes com a paisagem da bacia, e o estabelecimento de outras, com a vinda dos migrantes para trabalharem na exploração de carvão.

A escultura de bronze edificada na Praça Nereu Ramos em 1946, a qual configura uma homenagem à figura do mineiro, pode ser utilizada como exemplo dessa adaptação. Carola (2004) revela que a escultura ainda conservava traços muito marcantes de um agricultor. A figura de linguagem que simboliza o mineiro, “sujeito forte e valente” mesmo trazendo utensílios utilizados na exploração do carvão, como o gasômetro e a picareta, apresentava matrizes culturais de comportamento, na sua forma de vestir, muito voltada para a agricultura.

Talvez essa característica ainda estivesse muito forte nos anos de 1940, pois a economia agrícola era a segunda fonte de renda da grande maioria das famílias dos mineiros. Minotto (2005) revela que, enquanto a atividade de mineração estava em ascensão no período de 1920 até 1960, em algumas famílias, os homens se dedicavam à mineração e as mulheres e os filhos desenvolviam as atividades da agricultura e pecuária.

Isso significa que foi preciso um longo período de adaptação para que a paisagem da bacia do rio Criciúma obtivesse características de paisagem extrativa e urbana e o mineiro perdesse as características de colono, pois ainda era uma das suas fontes de renda. Portanto, assim como, via de regra, ocorre, a nova paisagem da bacia do rio Criciúma não foi criada de uma só vez: foi resultado de contínuas mudanças das atividades econômicas nos diferentes momentos da história, “escritas” umas sobre as outras.

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Nos aspectos sociais, a população rural tentou se adaptar à nova economia, utilizando os implementos agrícolas em prol da indústria do carvão, como mais uma fonte de renda. Como o processo de exploração de carvão envolvia a mão-de-obra de grande parte da população local e também dos municípios próximos, foram os colonos que primeiro desenvolveram as atividades de extração de carvão e transporte com seus carros para Jaguaruna. Como pode ser constatado em relatos evidenciados por Costa (2000) a partir de entrevistas realizadas com descendentes de imigrantes, no bairro de Santo Antônio:

Antes de a estrada ser construída, os agricultores transformaram-se em transportadores de carvão. Quem possuía uma junta de boi, levava o carvão até o Pontão, município de Jaquaruna. [...] Segunda a memória dos filhos e netos dos primeiros carregadores de carvão, imigrantes italianos e seus filhos, seus pais, embora sendo donos de terra pouco receberam financeiramente com a exploração de carvão mineral (COSTA, 2000: 64-65).

Para escoar o carvão até o porto de Laguna, num primeiro momento, as empresas mineradoras de Criciúma contrataram os colonos com seus carros-de-bois para transportar as cargas até Pontão, próximo à Jaguaruna (PIMENTEL & BELOLLI, 1975). Posteriormente no ano de 191851, foi iniciada a construção a Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina (EFDTC) que ligava Araranguá à Tubarão.

Conforme Nascimento (2004c), após a construção do ramal da estrada de ferro em Criciúma52, os carros-de-bois eram utilizados para trazer o carvão das encostas do Morro Cechinel até a área de embarque (Figura 3.09) que se concentrava no centro da cidade, atual terminal central localizado na Avenida Centenário. O

51 “Ramal ferroviário é construído para escoar produção de carvão”. Jornal da Manhã, 29 de janeiro de 1998. Criciúma. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense.Texto de Tatiana Rodrigues e pesquisa de Mario Belolli. 52 A estrada de ferro cortava a cidade de leste a oeste, atualmente constitui-se na Avenida Centenário.

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carvão era estocado na estação ferroviária, à espera do trem para transportá-lo até Laguna e, como as minas não tinham caixa de embarque, os vagões eram carregados de forma manual.

O carvão estocado e o seu processo de carregamento ocasionavam, conforme Campos (2001:30), “uma nuvem de pó e gases resultantes da combustão natural, dando à cidade um tom cinza e um cheiro forte e permanente de enxofre”. Nascimento (2004c) relata que à medida que as companhias carboníferas se modernizaram e construíram suas caixas de embarque próximas as minas ou ao longo da ferrovia aos poucos, a estação foi se constituindo como um local apenas de embarque de passageiros.

Figura 3.09: Vista da estação de embarque da Estrada de ferro Dona Tereza Cristina para o transporte de carvão e de produtos agrícolas, nos anos de 1920. Observa-se ao fundo um carro-de-boi utilizado para o transporte de carvão das encostas do Morro Cechinel até a Estação. Acervo: Casa da Cultura de Criciúma.

Nascimento (2004a), ao escrever sobre a estrada de ferro no

sul de Santa Catarina, salienta que o trem tornou-se um meio de comunicação e transporte muito utilizado em Criciúma e em todo o sul catarinense. Transportava, além de carvão, mercadorias, produtos agrícolas e semimanufaturados e também passageiros. O trem proporcionava o progresso da região ao fazer a comunicação entre os municípios e o transporte de mercadorias:

Grande parte dos estabelecimentos comerciais do interior da região mandava vir os seus

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produtos, via porto de Laguna, pela estrada de ferro. Ao mesmo tempo, na época de safra de alguns produtos, este era explorado, beneficiado ou não, através da ferrovia (NASCIMENTO, 2004c: 50).

Para os poucos agricultores que ainda tinham plantação na área da bacia e também da região, a vinda do trem até Criciúma, depois de tantos anos de solicitação aos órgãos públicos, era sinônimo de progresso e agilidade na comercialização dos produtos agrícolas e também da pecuária.

O traçado da ferrovia em Criciúma ainda hoje está presente na paisagem, pois foi adotado para a implantação da Avenida Centenário, principal artéria de trânsito da cidade, configurando-se em uma matriz de informação, de acordo com Berque (2004).

A economia do carvão, em franca expansão, criou uma nova paisagem e modificou o modo de vida das pessoas. A riqueza gerada criou a possibilidade de instalação de residências de alto padrão no centro da cidade, inclusive junto do rio Criciúma e seus afluentes; surgiram prédios que abrigavam lojas comerciais e apartamentos, por iniciativa da política do Sistema Nacional de Habitação (BNH). Segundo Nascimento (2004c), foram construídos também os primeiros sobrados, após com a demolição das casas próximas a estação de trem, como sinônimo de uma arquitetura mais moderna.

Essa riqueza foi representada na paisagem da bacia com a construção de novas residências, principalmente para os técnicos, engenheiros, geólogos, administradores e políticos que vinham para Criciúma administrar a exploração de carvão. Essas residências localizavam-se nas proximidades da Praça Nereu Ramos, como pode ser observado na figura 3.10. A praça e seu entorno, segundo dados do Mapa de Evolução Urbana de Criciúma até o ano de 1956, era considerada o núcleo inicial da cidade. Era o lugar em que se desenvolviam as atividades de serviços e comércios e as poucas atrações culturais do município.

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Figura 3.10: Vista parcial do centro urbano de Criciúma na primeira metade do século XX. Observam-se diversos prédios de lojas comerciais e residências e partes do rio Criciúma entre as ruas Conselheiro João Zanette e Seis de Janeiro e Seis de Janeiro e Rui Barbosa. Acervo: Foto Zapelini.

A pujança gerada pelo carvão também aumentou a circulação

de veículos motorizados, o que levou à necessidade de abertura de novas vias e instalações de pontes sobre os rios. Todas estas modificações levaram à drenagem de muitas áreas da planície do rio Criciúma, uma vez que o centro da cidade encontra-se no fundo do vale.

Nas planícies da bacia do rio Criciúma, haviam áreas alagadas conhecidas pelos moradores como banhados, além dos açudes construídos pelos moradores. As várzeas, que no início do século XX ainda estavam bem definidas na bacia (Figura 3.11), sofrem o impacto da expansão periférica horizontal da cidade, a partir dos anos de 1950 e início de 1960.

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Segundo entrevistas existiam muitos açudes, ao longo do rio Criciúma, feitos para dessedentação dos animais, geração de energia, retirada de argila para as olarias. Esses açudes eram utilizados frequentemente para lazer, principalmente pelas crianças. Luiz Carlos Piéri ao recordar suas brincadeiras de infância, comenta que brincavam nas áreas de várzea do rio Criciúma:

A rodoviária (localizada entre as ruas Gonçalves Ledo e José Ferreira Laz), por exemplo, era um banhado, uma várzea, um banhado grande. [...] A gente brincava ali, inclusive tinha uma ilha no meio, tinha uns coqueiros. [...] Chegava em casa todo enlameado, apanhava. Quando eu tinha 10 anos eu tomei uma sova homérica. [...] Cheguei em casa 4 horas da tarde com lama até o pescoço. Nós tava enfiado lá pra caçar sapo, pra vender o sapo pro Dr. Ernesto Lacombe. Ele comprava os sapos porque ele tinha um laboratório bioquímico, pra fazer os testes de gravidez e outros. [...] Então, a gente ia lá caçar sapo e ia vender o sapo pro Dr. Ernesto. Tudo isso era feito em cima do quê? Exatamente em cima da bacia do rio Criciúma que hoje esta aí escondida, desapareceu completamente, foi desrespeitada53.

53 Luís Carlos Pieri, nascido em 1952. Entrevista realizada em 01 de dezembro de 2009, por Rose Maria Adami.

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Figura 3.11: Vista parcial de um dos açudes no ano de 1956, localizado no atual bairro Centro, próximo da rua Dolário dos Santos. Acervo: Arquivo Zappelini.

As áreas de várzeas e/ou banhados foram temas de vários

jornais, nos anos de 1950, pois se encontravam “em pleno centro e quase todos em meio a residências”54. Numa das reportagens, Élzio Lima faz uma denúncia de que em Criciúma o problema de saneamento é tratado com indiferença pelo poder público. Os banhados, segundo o repórter representavam fontes de moléstias infecto-contagiosas, que permaneciam atentando contra a saúde da população sem que o poder público lhes desse a mínima importância.

O jornalista também responsabilizava os proprietários dos terrenos, nos quais se encontravam os banhados, pois para ele significavam desleixo com seus terrenos. A solução para este problema seria sanear as zonas alagadas, “por simples abertura de valas que conduzissem as águas paralizadas à rêde de esgotos da cidade, ou diretamente ao seu sumidouro natural, no caso, o pequeno rio que passa pelo centro da cidade”55. Caberia aos proprietários dos terrenos a execução dos serviços, enquanto o poder público seria responsável pela fiscalização e manutenção das obras.

As áreas de banhados na bacia ocupavam, até o final dos anos 1950, grandes áreas principalmente no médio e baixo vale da bacia quando o rio tinha seu traçado original, como pode ser observado na figura 3.1256. Observa-se na figura que o rio Criciúma e seus afluentes apresentavam, até 1956, padrão meândrico no fundo do vale. A característica desse tipo de canal é devido à baixa declividade do terreno, principalmente em direção à foz, o que acarreta a diminuição da sua velocidade e consequentemente da capacidade de transporte dos sedimentos.

54 “A cidade em revista - Desleixo e irresponsabilidade”. Tribuna Criciumense, novembro de 1957. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma. 55 “A cidade em revista - Desleixo e irresponsabilidade”. Tribuna Criciumense, novembro de 1957. 56 A figura 3.12 foi elaborada a partir da Planta Aerofotogramétrica da Zona Carbonífera do Sul do Estado de Santa Catarina da Comissão Executiva do Plano do Carvão Nacional (CPCAN) em 1956, folhas 69 (Rio Maina) e 70 (Criciúma).

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A partir do início dos anos de 1960, o poder público iniciou o processo de canalização do rio Criciúma e dos seus afluentes, que consistiu, segundo Cunha (1995), no alargamento e aprofundamento da calha fluvial, retilinização do canal, construção de canais artificiais e de diques e proteção das margens. Com a retilinização, praticamente todos os “banhados” da bacia foram aterrados e alguns deles com rejeito de beneficiamento de carvão57. Além dos banhados, os meandros cortados pelo processo de canalização também foram aterrados. Em seus lugares foram construídos estabelecimentos comerciais e residenciais.

A ocupação do fundo do vale da bacia era uma ideia já cogitada e a sua representação aparece em 1955 por uma reportagem de jornal. Na matéria, o repórter vê na canalização do rio Criciúma uma oportunidade para ocupar os espaços utilizados pelo rio e seus afluentes:

[...] a retificação do rio Criciúma, com sua canalização revestida de pedra, no centro da cidade, virá consequentemente valorizar uma grande área hoje cortada sinuosamente por êle, dando oportunidade a que outras construções sejam levantadas nos locais, até o momento impraticáveis58.

A economia do carvão também trouxe para Criciúma os meios de comunicação. Nos anos de 1926 a 1927, foi lançado o jornal O Mineiro, de circulação quinzenal por iniciativa de Marcos Rovaris, Pedro Benedet e Frederico Minatto, proprietários de minas de carvão. O jornal teve apenas vinte e duas edições, das quais dezenove constam na Biblioteca Pública de Florianópolis. O jornal O Mineiro encerrou suas atividades em 15 de março de 1927, segundo Milanez (1991), em função de problemas financeiros.

Depois do Jornal O Mineiro, segundo Machado & Torres (2000), circularam também outros jornais pouco duradouros, como A República, em 1928; O Frege, entre os anos de 1945 a 1947; Folha do Povo, entre 1949 a 1953; Luzes do Sul, em 1958; Ouro Negro e O Combate, em 1961; Jornal de Criciúma, entre 1961 a 57 “Enchentes - Poderiam ser evitadas”. Tribuna Criciumense. 04 a 11 de setembro de 1965. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma. 58 “O Saneamento do Rio Criciúma”. Tribuna Criciumense. 31 de outubro de 1955. Autor: Alberto Abreu. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma.

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1963; Criciúma Nova, em 1965. O jornal Tribuna Criciumense foi fundado em 1955 e permaneceu até 1999, quando mudou de nome, passou a se chamar A Tribuna.

Além dos jornais impressos, Criciúma implantou outros meio de informação, como o serviço de alto falante Voz de Cresciuma, em 1946; da Rádio Eldorado de Cresciuma, em 1948; da Rádio Difusora, em 1962; e tantas outras. Além dos jornais e das emissoras de Televisão, a Praça Nereu continua sendo o local de encontros para discorrer sobre os assuntos do município, por meio da arte de conversação.

A arte da conversação na Praça Nereu e nos estabelecimentos comerciais instalados em seu entorno, são locais de encontro para discussão de assuntos do município. Os assuntos discutidos nestes locais são incorporados no cotidiano da população e constituem-se em signos que se transformam em representações materializadas por meio de ações. Essas ações expressam um tipo de linguagem verbal impregnada de significados, que revelam os pensamentos da sociedade construídos coletivamente, por meio da comunicação, atuando sobre o sistema socioeconômico-cultural.

Os jornais O Mineiro, Folha do Povo e Tribuna Criciumense, pesquisados para o desenvolvimento do presente trabalho, enalteciam a exploração de carvão como o “ouro negro”, a “fonte de desenvolvimento” e o “progresso de Criciúma”. Todo esse culto ao carvão mineral, nos meios de comunicação de Criciúma e também nos lugares de sociabilização talvez ocorresse, pois os grandes empreendimentos da cidade eram de propriedade dos mineradores.

Zacarias (1999), ao fazer um histórico da sua estada em Criciúma de 1944 a 1965, deixa bem claro o poder dos mineradores no município. O autor comenta que:

Na Criciúma de ontem, o que contava, o que pesava, o que influía e decidia era a indústria carbonífera. Quase que exclusivamente dela provinha o dinheiro que girava na praça, movimentava o comércio incipiente, e era ela que dava trabalho a milhares de braços desviados da lavoura (ZACARIAS, 1999:19).

Diante de todo esse poder de decisão dos mineradores no município e na região sul catarinense, era de suma importância para

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eles dominarem também os meios de comunicação. Os jornais e as rádios influenciavam na formação de uma opinião positiva com relação à exploração de carvão, divulgando os benefícios e o desenvolvimento que o “ouro negro” trazia para região sul catarinense.

Nessa nova paisagem que estava em construção com a intensificação da exploração de carvão em Criciúma e região, o rio Criciúma, incluindo aqui suas nascentes e afluentes, mudou de significado e/ou foi ressignificado pela população local. O rio não era mais visto e/ou apropriado para geração de energia, uma fonte de água, um local para lavagem de roupas e de lazer, entre outros. As atividades de mineração e beneficiamento de carvão inviabilizavam estes usos em função de poluição, assoreamento e urbanização. Porém, a poluição do rio não era vista como um problema para os novos habitantes da bacia, uma vez que o carvão era uma atividade rentável, que trazia pujança para o município.

Nas pesquisas realizadas nos jornais O Mineiro, Jornal de Criciúma, Folha do Povo e Tribuna Criciumense, no período de 1930 a 1960, em nenhum momento as águas do rio Criciúma são consideradas como um recurso de uso comum, nem tão pouco que eram poluídas pela exploração e beneficiamento do carvão mineral. Por outro lado, os jornais noticiavam a importância da exploração do carvão para o desenvolvimento econômico do município e da região. Não havia preocupação com o ambiente de entorno das minas para que não houvesse poluição do solo e dos recursos hídricos e muito menos com as inúmeras pilhas de rejeito de carvão produzidas diariamente pelo seu beneficiamento, depositadas em qualquer lugar sem os devidos cuidados.

A extração e beneficiamento de carvão gera poluição química, pois no carvão há minerais acessórios, como a pirita, um sulfeto de ferro, que em contato com o oxigênio do ar e com a água se transforma em óxido de ferro, gás sulfídrico e ácido sulfúrico. O gás sulfídrico provoca um cheiro de ovo podre extremamente desagradável. A acidez gerada pela decomposição da pirita provoca também a liberação de metais armazenados no carvão, como cobre, chumbo, cádmio, zinco e manganês.

Os metais ficam presentes na água, solo e ar, e quando assimilados pelos organismos vivos, incluindo o ser humano, acumulam-se nos tecidos e podem provocar doenças como tumores malignos, problemas neurológicos, respiratórios, gastrointestinais e

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a má formação de fetos. No ambiente, a acidez destrói os ecossistemas adaptados às condições de pH mais alto.

A apropriação das águas da bacia do rio Criciúma pela exploração do carvão gerou águas ácidas e com grande quantidade de metais pesados dissolvidos, o que inviabilizou seu consumo pelo homem e destruiu ecossistemas ripários e aquáticos. As águas derivadas do processo de infiltração, segundo Göthe (1989), quando penetram nas galerias abertas para exploração de carvão são contaminadas pelo contato com o sulfeto de ferro (pirita) e precisam ser drenadas continuamente para fora das minas para que não as inundem. Estas alcançam os cursos d’água, comprometendo o sistema hidrográfico como um todo, em função da sua acidez. Estas águas também contem grande quantidade de sólidos finos do processo de mineração do carvão, como pode ser observado na figura 3.13.

Figura 3.13: Vista parcial de uma mina localizada na encosta. Observa-se à direita da foto que as águas do interior das minas eram lançadas diretamente no solo e estas por sua vez certamente alcançariam os cursos d’água. Foto sem data e localização. Acervo: Casa da cultura de Criciúma.

Göthe (1989) comenta que as águas de drenagem das minas

possuem taxas de acidez diferenciadas. Essa acidez diferenciada depende do tempo de contato entre água e a pirita, da quantidade de pirita, das características hidrogeológicas da área minerada, do método de lavra e do sistema de drenagem das águas percoladas.

Há relatos de mineiros que trabalharam na Mina Brasil, situada nas encostas do Morro Cechinel onde se encontram as

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nascentes do rio Criciúma, que a água da mina era direcionada para o córrego que passava próximo. O córrego que o entrevistado se refere é um dos cursos d’água que deságuam no afluente formador da margem esquerda do rio Criciúma. As nascentes do afluente da margem esquerda nascem no morro Cechinel e morros do bairro Pio Corrêa (extensões do Morro Cechinel), abrangendo os bairros Mina Brasil de baixo e Pio Corrêa. Isso significa que a bacia do rio Criciúma já apresenta contaminação por acidez e metais pesados nas nascentes, antes da formação do seu rio principal.

No entanto, observa-se que, mesmo desativada a antiga mina Brasil ainda verte água contaminada do seu interior para um pequeno curso d’água (Figura 3.14). A antiga mina abandonada foi transformada, em 1984, em um local de turismo pela Prefeitura Municipal de Criciúma, chamada de Mina Modelo Caetano Sônego.

Figura 3.14: Vista parcial do canal que drena a água oriunda do interior da Mina Modelo Caetano Sônego (Criciúma/SC). Acervo: Rose Maria Adami, em 2003.

Nas entrevistas realizadas, os moradores da bacia do rio

Criciúma relataram que percebiam a poluição dos cursos d’água. A

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percepção dos moradores mostra que o rio era um elemento da paisagem que tinha significado para eles. A mudança da condição do rio em função da poluição gerava conflito de uso, pois não poderia mais ser apropriado para os antigos usos. O Sr. Alcebíades Bristot comenta que a população percebia a degradação do rio e seus afluentes, assim como também das águas subterrâneas:

A água das minas vinha para o rio. Era tudo pro rio. Tudo desembocava no rio, tudo. Mexeu no carvão, pronto: ai começou a destruição de tudo. Então, quando dava enchentes ai a água já era poluída, onde a água da enchente atingia a grama, o mato, aquilo tudo ali sentia. O capim morria. A grama secava. As árvores começavam a cai as folhas. Então, a gente via, né.

As entrevistas revelam que a exclusividade na apropriação das águas não ocorreu apenas nas águas superficiais da bacia, mas também nas águas subterrâneas. Os entrevistados salientam que muitos poços utilizados para captar água para abastecimento residencial com objetivos de dessedentação humana e animal, higiene pessoal e das roupas e outros finalidades tiveram que ser abandonados em função da poluição.

O Sr. Antônio Meller recorda que o poço da casa de seu avô e posteriormente sua casa foi degradado pela exploração de carvão e tiveram que deixar de fazer uso dele.

Aqui onde meu pai e meu avô tinha uma casa, tinha a cozinha e dentro da cozinha fazia uma varanda e o poço era ali dentro. E foi indo, foi indo e acho que com o tempo a água do rio Criciúma começou a penetrar (no poço) e não prestou mais: a água ficou contaminada. [...] Então foi feito um poço aqui atrás (da casa) e esse aqui de casa era utilizado só pra cozinhar a ração para os porcos e lavam as coisas, porque o poço da cozinha não prestava mais, ficou como se tivesse com graxa.

O sistema hidrográfico da bacia do rio Criciúma não foi degradado apenas pela água de drenagem das minas. Ocorreu

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também a poluição dos cursos d’água pela água ácida oriunda das pilhas de rejeito do beneficiamento de carvão depositadas em inúmeras áreas da bacia e também do município. No período das chuvas, os efluentes do beneficiamento com grande quantidade de sólidos em suspensão, acidez e metais pesados são drenados para os cursos d’água, poluem grande parte dos cursos d’água da bacia e, quando infiltram nos terrenos, contaminam também o lençol freático.

O rejeito é a impureza do carvão que é separada por meio de “lavagem” ou beneficiamento (GÖTHE, 1989). Na bacia do rio Criciúma, existiam vários lavadores de carvão, como o lavador da Companhia Carbonífera Urussanga (CCU), no bairro Santa Augusta, que ainda existe ruína, conforme pode ser observado na figura 3.15.

Figura 3.15: Vista parcial do lavador de carvão desativado da empresa de mineração Companhia Carbonífera Urussanga (CCU), no bairro Santa Augusta (Criciúma/SC). Acervo: Rose Maria Adami, em 2003.

A grande quantidade de rejeitos produzidos pelo processo de

beneficiamento do carvão ocorre pela baixa rentabilidade do carvão. Vilella (1989) salienta que essa é uma característica do carvão catarinense com aproveitamento de apenas 25% do produto, os 75% restantes são considerados rejeitos. Os moradores chamam o rejeito de pirita, devido à grande quantidade do mineral pirita ou seus produtos de alteração.

Os rejeitos do beneficiamento de carvão foram depositados em grande quantidade pelas empresas de mineração próximo das minas, das rodovias, dos cursos d’água e muitas vezes utilizados

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como aterros de estradas de rodagem e de terrenos alagados. Segundo os entrevistados, muitas áreas de várzeas ou banhados que eram os remansos do rio Criciúma e seus afluentes foram aterrados por rejeitos do beneficiamento de carvão e atualmente encontram-se recobertos pelo sítio urbano de Criciúma. Altair Guidi59 recorda que “na Vila dos Engenheiros (atual bairro Pio Corrêa) era um lugar onde o rio tinha vários metros de largura. [...] ali foi tudo aterrado. No hospital São José, à direita, foi tudo aterrado com rejeito de carvão”.

As áreas de planície do rio receberam os aterros de rejeito porque também sofreram uma ressignificação para a população local, pois não serviam mais para agricultura, uma vez que podiam ser inundadas por águas ácidas. Na época, não havia a preocupação com a preservação dos ecossistemas de várzeas e o seu papel na contenção de cheias. Nestes locais aterrados surgem então novos usos, com empreendimentos e atividades ligados à economia do carvão.

O Sr. Antônio Meller morador do bairro Santo Antônio relata que utilizou rejeito de beneficiamento de carvão para aterrar parte de seu terreno que era alagado.

Tem aqui atrás do que é meu, tem mais de um hectare. Era banhado e ai onde o rio fazia uma curva muito grande eu pedi pra aterrar. Hoje já esta vindo mato, eucalipto em cima. Ali na ponte (ponte que liga os bairros Santa Antônio e Pinheirinho) também pro lado de cá ali não tem um pé de bambu ali, e aqui pro lado de cá tem uns coqueiro foi tudo aterrado também com as piritas, também era banhado60.

Na segundo metade do século XX, era comum observar imensas áreas com pilhas de rejeitos de beneficiamento de carvão não só em Criciúma como em todo o sul catarinense. Göthe (1989) salienta que a Fundação do Meio Ambiente do Estado Santa Catarina (FATMA) fez um levantamento e detectou uma área correspondente a 1.500 hectares cobertos por rejeitos de

59 Altair Guidi, nascido em 1937. Ex-prefeito de Criciúma. Entrevista realizada em 30 de junho de 2005, por Claudete Lucky e Rose Maria Adami. 60 Antônio Meller, nascido em 1925. Entrevista realizada em 04 de agosto de 2007.

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beneficiamento de carvão dispostos de forma inadequada no ano de 1982 no sul de Santa Catarina.

As áreas de depósito de rejeitos na bacia do rio Criciúma, principalmente nos bairros de Santo Antônio, Pinheirinho e Santa Augusta eram, no início do século XX, zonas de cultivo agrícola e de pecuária. O Sr. Antônio Meller relata que próximo à foz do rio Criciúma, no bairro Santa Augusta “onde nós tínhamos o engenho [...] hoje está lá, um morro só de pirita”.

Com o passar dos anos e a falta de espaço para novas moradias, as áreas que recebiam rejeitos de beneficiamento de carvão foram aplainadas e posteriormente transformadas em loteamentos, algumas vezes clandestinos. Atualmente, muitos desses loteamentos se transformaram em bairros dentro do perímetro urbano de Criciúma.

Mesmo que atualmente não exista mais a exploração de carvão na bacia do rio Criciúma, é possível encontrar nos bairros Paraíso, Santa Augusta e Imperatriz, áreas de rejeitos dispostos próximos aos cursos d’água. A desativação das mineradoras na bacia não marcou o fim do processo de degradação do solo e dos recursos hídricos. Os rejeitos dispostos em grandes depósitos, a céu aberto, sem recobrimento adequado, continuam a degradar o solo e a poluir os cursos d’água e o lençol freático, em função da circulação, infiltração e lixiviação das águas da chuva sobre estes depósitos, tornando-as ácidas e com alto teor de metais pesados. Um exemplo dessa poluição ocorre no bairro Santa Augusta, em que são encontradas áreas de rejeito próximo à confluência do rio Criciúma com o rio Sangão (Figura 3.16).

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Figura 3.16: Vista parcial de áreas de rejeito de beneficiamento de carvão nas margens do rio Criciúma (em cor escura), no bairro Santa Augusta (Criciúma/SC). Acervo: Rose Maria Adami, em 2010.

A proximidade dos depósitos de rejeitos junto aos cursos

d’água também provocava o assoreamento dos canais e mudanças de traçado da rede de drenagem. O assoreamento também era causado pela drenagem das águas utilizadas no beneficiamento que continham grande quantidade de finos de carvão. O assoreamento aumentava a magnitude e a frequência das cheias do rio e interferia em determinadas formas de apropriação.

Relatos mostram que os finos de carvão oriundos do lavador de carvão localizado no alto vale da bacia, assorearam o rio Criciúma e inviabilizaram no médio vale o funcionamento do engenho do Sr. Benjamim Bristot, pois a vazão da água era baixa e a roda d’água que gerava energia para o estabelecimento não funcionava.

O crescimento populacional impulsionado pela migração de pessoas para trabalhar nas atividades de mineração de carvão também contribuiu para a degradação dos recursos hídricos da bacia do rio Criciúma e a mudança de significado desse elemento da paisagem local.

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3.3 O crescimento populacional na bacia do rio Criciúma: a falta de identidade dos migrantes com a paisagem local

A demanda das empresas exploradoras de carvão, estatais e privadas, proporcionou grande fluxo migratório para o município, principalmente depois dos anos de 1930, início dos anos quarenta. A mão-de-obra necessária para trabalhar nas empresas mineradoras era proveniente, principalmente de municípios vizinhos, pois, segundo o Sr. Antônio Meller, os agricultores da época não tinham interesse em trabalhar nas minas.

Então traziam o pessoal de fora porque aqui os colono que tinham, não queria saber de carvão e tal né. Então, começaram a buscar gente de fora pra trabalhar na mineração. Então o que vão fazer, não tinha onde morar, então começaram a fazer as casas, ali na frente da Igreja ali fizeram tudo casa ali nos dois lados da estrada era tudo casa de operário, de 5x5, 5x6 e dava as casas para os operários morarem pra ter operário pra trabalhar na mina pra produzir o carvão.

As pesquisas realizadas por Volpato (1981) e Carola (2002 e 2004) revelam que a maioria dos trabalhadores das minas de carvão da região carbonífera eram pescadores e agricultores vindos dos municípios de Araranguá, Imaruí, Imbituba, Jaguaruna, Laguna e Tubarão, ou seja, do litoral sul catarinense. Esses migrantes eram predominantemente de descendência portuguesa, italiana, africana, alemã e polonesa.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que Criciúma, em 1940, tinha uma população de 27.753 habitantes. Zacarias (1999) descreve que Criciúma logo após a Segunda Guerra Mundial “era ainda uma cidadezinha tímida” (ZACARIAS, 1999:11), com poucas casas (Figura 3.17), sem água encanada, rede de esgoto e a energia elétrica era precária. Dez anos depois, no ano de 1950, o censo inventariou 50.854 pessoas, ou seja, houve um aumento significativo na população de Criciúma de 23.101 pessoas, o equivalente a 83,23% de aumento.

O jornal Tribuna Criciumense, ao fazer um relato desse período, acentua que “famílias inteiras deixavam os municípios

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vizinhos e se transferiam para o novo ‘Eldorado’ do ouro negro”61, incentivadas pela possibilidade de “ganhar muito dinheiro”, com a exploração do carvão que tinha se transformado “nos esteios da economia regional”. Pelos adjetivos apresentados anteriormente por Zacarias (1999), o município não estava preparado em termos de estrutura habitacional para receber um número tão elevado de pessoas oriundas de outros municípios.

Figura 3.17: Vista parcial da paisagem de Criciúma em 1946, com um número reduzido de casas. A foto foi tirada do Morro Cechinel. Acervo: Foto Zapelini.

Esse aumento populacional sem um devido planejamento

habitacional desencadeou vários problemas sociais, como a falta de moradias, escolas, luz elétrica, água, saneamento básico, entre outras. A alternativa encontrada por algumas empresas mineradoras para abrigarem seus empregados com suas respectivas famílias, e, obviamente, manter a mão-de-obra das empresas, foi construir vilas operárias. No entanto, aos técnicos, engenheiros de minas, servidores públicos e mineradores residiam no centro urbano.

As vilas operárias mineiras eram conjuntos de pequenas casas, umas próximas das outras, formando um aglomerado e localizavam-se nas proximidades das minas. As casas eram construídas, alugadas ou financiadas pelas empresas carboníferas para abrigar os empregados das minas de carvão.

61 “Um pouco de nossa história II”. Tribuna Criciumense. 21 de novembro de 1964. P.03. Criciúma.

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Em Criciúma, existiam três vilas operárias mineiras construídas, segundo Bernardo (2004), pelas respectivas mineradoras que atuavam no município, como a Vila Próspera construída pela Carbonífera Próspera S.A., no atual bairro Próspera; a Vila Operária Velha de propriedade da CBCA, no bairro Santa Bárbara; e a Vila do Metropol pertencente à Carbonífera Metropolitana. Nascimento (2004a) salienta que as vilas operárias das empresas mineradoras da Carbonífera Próspera S.A. e da CBCA foram formadas praticamente com a abertura das minas. Das três vilas operárias de Criciúma, apenas uma localizava-se na bacia do rio Criciúma, no bairro Santa Bárbara, a chamada Vila Operária Velha.

No entanto, o Sr. Antônio Meller salienta que existiam outras vilas operárias, “na Santa Augusta (bairro) por volta de 1940, existiam muitas casas do pessoal da mina. Por volta de 1936, 1937 por aí desde aqui da Igreja até lá fora no Pinheirinho era tudo cheio de casa, de um lado e de outro da estrada. Eram casas para os operários das minas”62. Opinião partilhada por Nascimento (2006), quando salienta que existiam vilas operárias menores que a da Próspera e da Operária Velha e também bairros populares no entorno do centro da cidade.

Ao norte do centro, existiam as localidades de Vera Cruz – Morro do Bainha e, mais longe, Mina do Mato e Mina Naspolini. Ao leste, havia uma antiga área de mineração, vinculada à carbonífera Próspera, conhecida como Bairro Pio Corrêa. Ao oeste do centro, era a área sob controle da CBCA, [...], a mais importante empresa de mineração até a década de 40. A CBCA possuía sua antiga vila operária e construiu, nos anos 40, uma nova vila de mineiros, respectivamente os atuais bairros Santa Bárbara e Operária Nova. Mais próximo do centro, nas imediações da rua Henrique Lage, entre a rua Anita Garibaldi e a rua Wenceslau Braz, a CBCA possuía casas para os funcionários mais graduados da empresa (NASCIMENTO, 2006).

62 Antônio Meller nasceu em 1925, em Criciúma. Entrevista concedida Rose Maria Adami, em 04 de agosto de 2007.

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Junto às vilas operárias, segundo Ostetto, et al. (2004), as

empresas de mineração disponibilizavam aos operários das minas o açougue, o armazém, a farmácia, a luz elétrica, e as atividades de lazer, como futebol, cinema e clubes recreativos, que acentuavam ainda mais a relação de dependência entre os operários e as mineradoras. Outro benefício proporcionado pelas mineradoras era a água canalizada próximas das vilas, pois os poços secavam ou foram poluídos pela exploração de carvão.

Os atrativos disponibilizados pelas empresas carboníferas, como emprego remunerado de forma regular, moradia e outros “benefícios” estimulavam, segundo Carola (2002) as famílias pobres a procurarem na região carbonífera expectativas de uma vida melhor. Para o autor, a vinda para a região carbonífera, em algumas situações, era incentivada por famílias que já se encontravam trabalhando nas minas. Em outras situações, um membro da família vinha antes e depois de instalado se encarregava de trazer os outros integrantes que haviam ficado no município de origem. Nesse processo de vinda para a região carbonífera, muitas casas das vilas operárias alojavam, além dos membros da própria família, outros recém chegados que poderiam ser parentes distantes ou conhecidos. Esses inquilinos ocupavam cômodos da casa que durante o dia serviam de sala, cozinha, dispensa, e que no período da noite eram transformados em dormitórios.

Costa (1999), Carola (2002 e 2004) e Nascimento (2004a) ressaltam que, em função das casas serem pequenas, abrigarem muitas pessoas, não possuírem serviços sanitários, água encanada e esgotos, não era possível ter certas comodidades e privacidades. Os autores relatam também que havia certo descaso com a higiene do espaço considerado como entorno da casa e esses fatores contribuíam para grande quantidade de mortalidade infantil que assolava o município na época.

Os lotes não tinham cerca de delimitação, as moradias não tinham água encanada, coleta e tratamento de esgotos e o banheiro consistia em uma latrina separada da casa. Às vezes, estas latrinas transbordavam e o seu conteúdo escorria junto com a água por gravidade para os entornos dos lotes e para os cursos d’água ou infiltravam e alcançavam o lençol freático (BRASIL, 1959 apud CAROLA, 2002). Como nas vilas operárias não existia saneamento básico, era comum encontrar, segundo Costa (1999), córregos

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formados pela água servida jogada pelas janelas. Esse tipo de uso da água se configura como uma forma de apropriação dos recursos hídricos da bacia pela população migrante.

A falta de cuidados com a higiene e com os elementos da paisagem, especialmente os cursos d’água e o lençol freático, ainda é comum em assentamentos precários da classe trabalhadora. Atualmente, em Criciúma, é possível observar valas negras nos bairros mais periféricos, os quais recebem migrantes a todo o momento.

Esse descaso com o espaço de vivência pode estar atrelado à falta de identidade com o espaço local, ou seja, os elementos da paisagem não eram referências para os migrantes, os quais também possuíam uma cultura diferenciada. As pessoas que vieram dos vários municípios vizinhos para trabalhar na exploração de carvão em Criciúma, de acordo com Carola (2002), descendiam de famílias que antes sobreviviam da pesca e da agricultura.

Os migrantes oriundos do litoral catarinense e também os profissionais que vinham de outros estados para administrar as minas e os órgãos públicos, não tinham com o rio Criciúma nenhuma familiaridade, muitos eram mais familiarizados com o mar e desconheciam a história da paisagem e também da cultura local. Quando chegaram a Criciúma, a identidade com os elementos da paisagem não existia: o rio, o morro não tinham significado, referência para essas pessoas, pois as paisagens não são realidades globais, mas sim diversificadas. E, o significado de determinado objeto, não esta visível como elemento material, é criação dos sujeitos (RELPH, 1979), consequência da percepção associada aos sentimentos e experiências pessoais com relação ao objeto e sua representação (BARTHES,1975).

O significado do rio Criciúma e a forma como os agricultores o representavam na paisagem não era algo conhecido para os migrantes. Os agricultores que tinham construído coletivamente os significados do rio Criciúma não pertenciam mais àquele lugar que estava em transformação intensa. Segundo Claval (1999a), o sistema de signos de que as paisagens são portadoras, “transmitem” informações fáceis de serem interpretadas, por pessoas “familiarizadas” com a cultura local de um determinado lugar. Mas não para as pessoas que desconhecem a história daquela paisagem, como era o caso dos migrantes que vinham de uma paisagem completamente diferente.

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Para as pessoas que são “desfamiliarizadas” da cultura local, a paisagem pode “mentir”, pois, no entender de Bossé (2004: 172), “[...] cada lugar repousa sobre sua própria história e constitui o foco único, emissor e receptor de sua singularidade”. Isso porque, os significados construídos coletivamente pelos agricultores com relação ao rio Criciúma estavam relacionados à identificação cultural e social dos lugares nos quais se originam, e, com a saída de grande parte dos agricultores da bacia, essa identidade se perdeu.

Dessa forma, a mensagem que a paisagem “passa”, conforme Claval (2004:67) só se torna clara, quando se conhece “[...] os textos que ela procura transcrever”. No caso dos migrantes, a relação com a paisagem da bacia era de apropriação e exploração de um recurso que lhe traria dinheiro e moradia e provavelmente não tinham conhecimento das conseqüências para o ambiente que esse processo causava. Quando a paisagem não apresenta significado, segundo Machado (1996:107), não há um vínculo por parte das pessoas que convivem com a paisagem e o lugar, consequentemente o lugar torna-se apenas “[...] o local das atividades, e sua paisagem, simplesmente o cenário de fundo”.

A partir dessa falta de identidade com a paisagem os migrantes se apropriam dela e a transformam, pautados nas suas “maneiras de ver”, ou seja, nas suas crenças, valores e interesses (COSGROVE, 2004). Com essa “maneira de ver” surge também uma nova paisagem fruto da cultura da exploração do carvão mineral. Sobre esta nova paisagem que aos poucos era “construída”, os grupos sociais imprimiam suas marcas que evidenciavam as diferentes atividades individuais e coletivas e também as múltiplas representações dos significados atribuídos aos cursos d’água da bacia do rio Criciúma.

Na nova paisagem construída, a população vinda para Criciúma morava em vilas operárias construídas no espaço das indústrias de mineração e por isso também as pessoas conviviam com a poeira do carvão e com as áreas de rejeitos piritosos, ou seja, estavam habituados a uma paisagem degradada. Ostetto, et al. (2004: 99), ao relatarem o cotidiano das famílias dos mineiros nas vilas operárias da região carbonífera, salientam que as atividades carboníferas modificaram “a paisagem, as relações de trabalho, as relações sociais e contribuiu para a construção de uma cultura em torno da mineração”. Para as autoras, descrever o espaço físico das vilas:

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[...] é imaginar ruas e casas escuras de pó do carvão, as roupas estendidas nos varais que não escondiam o esforço das lavadeiras em deixá-las limpas, mas a poeira não se intimidava; é imaginar [...] mulheres lavando suas roupas nos “coxos” espalhados por toda a vila, ou, então indo buscar água na carioca; [...] até mesmo ajudando o pai ou o marido na hora do banho, depois de um dia de trabalho; é lembrar meninos e meninas correndo ao redor das casas, em suas diferentes brincadeiras ou cuidando dos irmãos menores, fazendo o enterro das crianças que não sobreviveram. Ou, ainda, aproveitando as nascentes que não tinham sido contaminadas pela mineração para se banharem. Viver em uma vila operária neste período era adaptar-se a um outro modo de vida ao qual não estavam acostumados. Uma vida regida pelas regras de trabalho nas Companhias, que atingiam também o lugar de moradias (OSTETTO, et al., 2004: 113).

A exploração de carvão foi uma atividade econômica que proporcionou crescimento econômico acelerado, mas sem um planejamento urbano adequado. O que proporcionava para os visitantes da cidade, um entendimento de que existia carvão em toda a parte. Isso fica claro na reportagem de Ernesto Bianchini Góes:

O nosso município é conhecido, em todos os quadrantes da Pátria, como se fosse apenas uma mina de carvão. Carvão na praça, carvão nos arrabaldes, carvão nos subúrbios, carvão no “hinterland”, carvão em toda a extensão e em todos os sentidos63.

A falta de planejamento provocou alterações na organização doméstica e na configuração do espaço de moradia, pois o ambiente de trabalho prolongava-se até as moradias e envolvia toda a família,

63 “...Não abandonem os colonos”. Tribuna Criciumense. 30 de maio de 1955. P. 05. Criciúma.

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ou seja, a extração era exercida pelos homens e a escolha pelas mulheres e crianças.

A descrição da organização das vilas operárias e a degradação da paisagem são possíveis de serem visualizadas na figura 2.18. A paisagem é do ano de 1944, na Vila Operária da Companhia Carbonífera São Marcos64. É possível observar, em primeiro plano, o galpão com algumas mulheres no processo de escolha de carvão e também a boca da mina. Ao fundo, as casas dos operários da companhia, sem cerca entre elas.

Figura 3.18: Vista parcial da Vila Operária da Companhia Carbonífera São Marcos no ano de 1944. Acervo: Belolli et al. (2002: 256).

Entretanto, não foram somente os assalariados das minas de

carvão que contribuíam para mudança da paisagem e consequentemente dos cursos d’água da bacia. Houve grande contribuição de outros “forasteiros”. Depois dos anos de 1930, além da vinda de várias empresas carbonífera e órgãos governamentais ligados às explorações do carvão também vieram outros profissionais de vários setores, como técnicos, engenheiros, geólogos, administradores e políticos ligados a esses órgãos, pois Criciúma e região não tinham mão-de-obra qualificada para esse tipo de trabalho.

A vinda de vários profissionais para Criciúma, a fim de atender as atividades carboníferas e o crescimento da cidade foi destaque no jornal A Imprensa de Tubarão, no ano de 1953.

64 A vila operária São Marcos localiza-se fora da área da bacia do rio Criciúma.

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A cidade de Cresciuma, localizada no sul do Estado, vem tendo um progresso acentuado entre as demais desta rica região. Com exceção de Tubarão, Cresciuma foi a que mais progrediu nestes últimos dez anos. Povo trabalhador, cheio de iniciativa, vem contribuindo de maneira decisiva para o Crescimento de sua cidade. A extração do carvão, lhe tem sido, sem dúvida, o fator principal de progresso. Os homens que se entregaram á indústria carbonífera, têm feito de Cresciuma uma cidade moderna e movimentada. Milhares de operários são empregados na extração do minério preto, para tanto são necessários também grande número de veículos, médicos, advogados, engenheiros, institutos, sindicatos e cooperativas. Junto a tudo isto, algumas dezenas de casas comerciais, escritórios de representações, cinema, hotéis, churrascarias, livrarias e até drogaria. Para dirigir tantos operários e tantas emprezas e casas de negócio, se deslocou de outros rincões para Cresciuma, uma elite composta de gente de banco, médicos, advogados, engenheiros, técnicos, industriais, jornalistas, comerciantes, etc65.

Campos (2001) considera que Criciúma cresceu e se

estabeleceu como cidade pólo da região sul catarinense em função da produção carbonífera, mas também houve a contribuição desses inúmeros profissionais considerados como forasteiros. Para o autor, “em Criciúma e na região carbonífera que a circunda, eram os forasteiros – engenheiros, médicos, advogados, contadores e contabilistas, comerciantes e prestadores de serviços – os seus propulsores” (CAMPOS, 2001:32).

Para atender a toda essa demanda que vinha de estados mais desenvolvidos economicamente em busca do “Eldorado” (ZACARIAS, 1999), do “ouro negro”, era preciso construir estabelecimentos residenciais, comerciais e públicos, pois o

65 “Cresciuma e seu progresso”. A Imprensa. 25 de dezembro de 1953. P.01. Tubarão. Acervo Arquivo Histórico de Tubarão.

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município não tinha uma infraestrutura habitacional e funcional para acomodar a todos. Um exemplo dessas construções foi a instalação em Criciúma, no ano de 1941, do DNPM. Para instalar esse Departamento em Criciúma foram edificados, segundo Balthazar (2001) um prédio central na rua Pedro Benedet atual Fundação Cultural de Criciúma e oito casas próximas à Praça do Congresso para atender seus técnicos que chegaram no período de 1943 à 1945.

Assim como essas, tantas outras edificações e estabelecimentos comerciais foram construídos para atender às visitas ilustres que o município recebia, como políticos, representantes de mineradoras, governadores e tantos outros ilustres (PIMENTEL & BELOLLI, 1974; MILANEZ, 1991; BELOLLI, et al. 2002).

As edificações66 foram construídas, na sua grande maioria, próximas à Praça Nereu Ramos, que nos anos de 1940 já representava o núcleo central do município. No entanto, Zacarias (1999) salienta que Criciúma mesmo “pomposamente cognominada ‘Capital do Carvão’”, suas ruas, no ano de 1944, não eram projetadas para mais de um quilômetro da Praça Nereu Ramos, em qualquer sentido.

Dessa forma, morar próximo ao logradouro central de Criciúma era considerado um privilégio e estava disponível apenas para os profissionais de classe média, ligados às atividades carboníferas. Esses profissionais, segundo Nascimento (2006), ao habitarem próximo do logradouro central foram incorporados à elite do centro urbano, pois representavam um grupo economicamente abastado da cidade.

Muitos desses profissionais permaneceram em Criciúma e ocuparam cargos de destaque no poder público da cidade, como prefeitos67, vereadores, engenheiros, médico e entre outros. A ampliação da área do perímetro urbano da cidade a partir da Praça Nereu Ramos, e a falta de identidade dos gestores públicos com o rio Criciúma fez com que muitas edificações fossem construídas às

66 Em 02 de junho de 1951, o prefeito Paulo Preis sanciona a lei n. 59 que proíbe a construção de prédios de madeira nas ruas próximas à Praça Nereu Ramos. 67 Foram os casos dos prefeitos Neri Jesuíno da Rosa, nascido em Tubarão, veio para Criciúma para organizar uma escola técnica; Nelson Alexandrino, nasceu em Imaruí; Eduardo Pinho Moreira, nasceu em Laguna.

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margens dos inúmeros cursos d’água que cortavam o perímetro urbano, frequentemente inundadas por ocasião das cheias.

Fotos dos anos de 1940 mostram que, com o centro urbano em franca expansão68, era comum construir às margens do rio Criciúma e sobre ele, deixando parte dele “perdida” entre os prédios. Essa observação é possível visualizar na figura 3.10, em que apenas parte do rio Criciúma aparece na paisagem entre as ruas Conselheiro João Zanette e Seis de Janeiro e entre as ruas Seis de Janeiro e Rui Barbosa.

A leitura dessa paisagem mostra que a sociedade, ao fazer as construções sobre o rio ou próximas a ele, tenta apagar esse elemento geográfico da paisagem urbana que aos poucos se forma. O resultado dessa apropriação e transformação revela aos leitores da paisagem os significados simbólicos impressos pelas relações sociais estabelecidas no processo de construção da paisagem urbana. Tal construção estava envolta em um universo simbólico que, segundo Cosgrove (2004) está sempre em processo de transformação, uma vez que a sociedade reconstrói por meio de representações seu espaço a partir dos significados e das re-significações dos objetos que compõem o espaço geográfico.

Mesmo na área considerada “nobre” da cidade, da mesma forma que nas vilas operárias, não existia saneamento básico e todo o esgoto produzido nas residências e estabelecimentos comerciais e públicos eram lançados diretamente in natura nos cursos d’água da bacia do rio Criciúma. Por isso, as residências foram construídas com os fundos virados para o rio Criciúma (Figura 3.10).

Essa atitude demonstra a mudança de significado e/ou a ressignificação do rio, influenciando nos novos modos de vida e na ocupação e organização do espaço geográfico da bacia. Simboliza um processo de “negação” do rio, dentro da nova paisagem urbana que se “desenha” na bacia por parte da sociedade, motivada pela economia de extração de carvão. No sentido figurado, é possível dizer que a sociedade, na nova paisagem urbana, “virou as costas” para o rio Criciúma.

68 Houve muitos incentivos do governo municipal que se ocupasse o centro urbano. Um deles sancionado pela lei n. 80 de 28 de agosto de 1952, prevê que “as pessoas físicas ou jurídicas que construírem ou adaptarem edifícios para hotel no município de Criciúma, dentro do prazo de dez anos (10), [...] gozarão, por igual prazo, de isenção de quaisquer imposto, atuais ou futuros”.

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A estabilização das atividades carboníferas, motivada pelos incentivos governamentais após a Segunda Guerra Mundial, e a transformação dos trechos próximos da Praça Nereu Ramos em áreas comerciais69 pela Prefeitura Municipal, trouxeram muitas pessoas para a bacia do rio Criciúma. Essas pessoas passaram a ocupar o fundo do vale e a meia encosta do morro Cechinel.

Essa paisagem de degradação ambiental repercutia nos recursos hídricos do município. Os jornais dos anos de 1950 trouxeram uma série de reportagens em que o rio é “denunciado” como “depósito de todas as imundícies da cidade” condutor de doenças infecto-contagiosas, o qual exala odor que “perturba o olfato e oferece campo propício à propagação de moléstias”70.

Em uma reportagem de maio de 1955 o jornal enfatiza que o rio Criciúma, era um “verdadeiro depósito de lixo e de fezes, contaminado, de modo pernicioso, a população criciumense”. O autor da matéria realça que o cheiro do rio é mais intenso no verão e compromete “os foros de nossa cidade, dando aos que nos visitam eloqüente atestado de falta de higiene e de mal estar”71. Essa opinião foi partilhada por praticamente todos os entrevistados no presente trabalho.

Nesta reportagem, o autor solicita aos órgãos públicos “que ponham fim, definitivamente, à sujeira e fedentina no córrego, ex-rio Criciúma, que atravessa boa parte de nossa cidade”72. Para o autor “não é possível que a Prefeitura Municipal e o Posto de Saúde Pública continuem a tolerar que os dejetos e lixo sejam atirados às águas desse riacho, em franco desrespeito aos mais comezinhos princípios de higiene”. A reportagem finaliza colocando o rio Criciúma como um atentado ao progresso, “vamos aguardar, portanto, as providências pedidas prosseguindo em nossa luta para livrar nossa cidade desse atentado ao seu progresso”.

69 O prefeito Paulo Preis considerou pela lei n. 56, de 30 de maio de 1951, áreas comerciais os trechos de ruas próximas a Praça Nereu Ramos. 70 “Saneamento do Rio Criciúma: Vão ser iniciados, imediatamente, os trabalhos de limpeza, pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento”. Tribuna Criciumense. Matéria de capa do dia 03 de outubro de 1955. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma. 71 “Sujeira e fedentina no rio Criciúma”. Tribuna Criciumense. 02 de maio de 1955, p.03. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma. 72 “Sujeira e fedentina no rio Criciúma”. Tribuna Criciumense. 02 de maio de 1955, p.03. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma.

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A ressignificação do rio Criciúma por parte da população é representada pela falta de cuidados com o rio Criciúma, ao lançarem no rio uma grande quantidade de lixo. Mas, não havia necessidade do lixo ser jogado no rio, pois o prefeito Addo Caldas Faraco criou os serviços e limpeza pública e coleta de lixo73 no ano de 1950 e em cinco anos a população ainda não tinha se acostumado a designar o seu lixo para seu devido lugar. Esse lixo associado à falta de tratamento e canais próprios para o esgoto doméstico e industrial causava mau cheiro, epidemias e inviabilizava outros usos.

Entretanto, mesmo com o serviço de limpeza pública, os jornais da época informam durante praticamente em todos os anos da década de 1950, que as ruas eram sujas e não havia por parte da população uma preocupação maior com a coletividade. Numa das inúmeras reportagens sobre limpeza pública o autor relata que as ruas tinham estado deplorável “o lixo, ao soprar dos ventos, rodopiava entre transeuntes e os cacos de telhas, pedaços de tijolos, fitas de papel pareciam adornar o tapete mágico da imundície”74. Todo esse lixo, no período das chuvas era levado para os rios, quando não coletado pelo serviço de limpeza.

A divulgação por parte do jornal Tribuna Criciumense de que o rio Criciúma era um foco de poluição e condutor de doenças, levou uma empresa de máquina de lavar roupa a fazer desse assunto à propaganda para venda de seu produto. Na propaganda aparece um desenho de duas mulheres lavando roupa no rio e abaixo delas uma mensagem “Não mande sua roupa buscar doenças”75. Percebe-se que há na propaganda a insinuação de que lavar roupa no rio era uma forma de levar doenças para casa. Relatos de alguns entrevistados apontam que lavar roupa no rio Criciúma era uma atividade comum e garantia a sobrevivência de algumas famílias.

A poluição do rio Criciúma e seus afluentes, a falta de limpeza pública associada a outros fatores contribuíram significativamente para o alto índice de mortalidade infantil em Criciúma. No período que compreende os anos de 1930 a 1960,

73 A lei n. 44 de 30 de maio de 1950, cria o serviço de limpeza pública e coleta de lixo de Criciúma. 74 “Limpeza pública”. Tribuna Criciumense. 09 de maio de 1955. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma. 75 “Não mande sua roupa buscar doenças”. Tribuna Criciumense. 02 de dezembro de 1957. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma.

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Costa (2004) destaca que houve muita mortalidade infantil por desnutrição e consumo de águas contaminadas oriundas dos rios e das próprias águas trazidas pelas “bicas” (nascentes canalizadas) e colocadas à disposição dos moradores das vilas operárias pelas companhias de mineração. A autora salienta que não havia água encanada nas residências, a água era trazida pelas bicas que se localizavam nas esquinas das ruas das vilas operárias.

Além das “bicas”, Barchinski (2004) descreve que a água era armazenada nas vilas operárias em caixas d’água, chamada de “Carioca” (Figura 3.19). A água tanto das “bicas” quanto das caixas d’água era considerada uma das prováveis causas das grandes epidemias entre a população operária, elevando consideravelmente o índice de mortalidade infantil nas vilas operárias.

Figura 3.19: Vista parcial da vila operária nos anos de 1940, no atual bairro Santa Bárbara. Observa-se na entrada da vila a bica de água utilizada pelos moradores.

Manif Zacarias, médico instalado em Criciúma desde

1944, destaca que no decorrer do processo de crescimento urbano desordenado e sem as condições de saneamento básico adequadas havia no município um alto índice de mortalidade infantil. A preocupação do médico com a saúde da população, principalmente das crianças que “morriam em série”, levou-o a escrever uma série de reportagens sobre o assunto no jornal Tribuna Criciumense. Na reportagem escrita em 1957, chama a atenção da população para o elevado número da mortalidade infantil no município.

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Dos 4.264 falecimentos ocorridos e registrados em todo o município durante o período de 1946-1957, o elevado número de 1992 corresponde a crianças que só viveram, no máximo, até 1 ano de idade. [...] no ano de 1956, tivemos 46% dos óbitos incidindo em crianças que alcançaram no máximo, 1 ano de idade76.

O médico atribuía às autoridades públicas e aos empresários da mineração de carvão, a responsabilidade dessa calamidade pelo completo descaso diante do problema e a falta de uma política de controle da mortalidade infantil. A poluição da água a que se refere o médico pode estar relacionada a dois componentes diferentes: a poluição biológica por organismos oriundos das fezes e urina da população ou a poluição química proveniente da extração e beneficiamento do carvão que leva a acidificação da água e a dissolução de metais pesados.

Os discursos do médico, segundo Barchinski (2004), contribuíram no sentido de implantar medidas por parte do Estado, a fim de combater a mortalidade infantil, por meio de políticas preventivas de saúde pública. As medidas estratégicas do estado vinham ao encontro dos planos de governo de Getúlio Vargas que já previa investimentos nos serviços de saúde e assistência médica, em postos de saúde e hospitais e na educação sanitária. Diante das imposições governamentais, as indústrias carboníferas tiveram que se adaptar à exigência de implantação de uma política de assistência médica e higiene no trabalho para os funcionários e seus familiares. Tal política previa, dentre outras atividades, a construção de novas moradias nas vilas operárias e ampliação das já instaladas, implantação de escolas e de rede de abastecimento de água, além de assistência médica e social.

Para criação de uma política de assistência social, Barchinski (2004) explica que instituições como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e outras, foram responsáveis pela implantação do Serviço Social da Indústria (SESI), do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), da Comissão Executiva do Carvão Nacional

76 “A Mortandade Infantil em Criciúma”. Jornal Tribuna Criciumense de 20 de Maio de 1957. Criciúma. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma.

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(CEPCAN) e da Sociedade de Assistência aos Trabalhadores do Carvão (SATC) em Criciúma.

Mário Belolli, em entrevista concedida a Costa (1999), comenta que o SESI instalou-se no município no ano de 1948, por iniciativa do Prefeito Alddo Faraco e de um dos diretores da Carbonífera Metropolitana. No ano de 1955, desenvolvia projetos de higienização das famílias que moravam nas vilas operárias, implantava farmácias, organizava os armazéns das empresas, implantava atividades recreativas nas escolas, dentre outras atividades.

Uma das causas levantadas por Manif Zacharias para o alto índice da mortalidade infantil era o consumo de água contaminada. Em função da poluição das águas superficiais e subterrâneas na bacia do rio Criciúma e também em grande parte da região sul, o governo federal instalou por meio do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) o serviço de abastecimento de água em alguns bairros e vilas operárias do município.

O conflito de uso dos recursos hídricos na bacia do rio Criciúma fica exposto neste momento, pois a apropriação do rio e seus afluentes como dispersores de esgotos domésticos e a infiltração de águas contaminadas no solo, inviabilizava a apropriação das águas superficiais e subterrâneas para abastecimento público.

Apesar dos rios, para a população migrante, significar um elemento da paisagem que servia apenas para eliminar despejos, eles tinham uma utilização pouco percebida, que era de fornecer água potável. Essa água nos rios, nascentes e água subterrânea, que poderia ser utilizada para abastecimento público dentro da própria bacia, estava poluída por metais pesados e esgotos e se descobriu que era preciso buscar água cada vez mais distante.

No ano de 1942, o DNPM contratou o escritório de engenharia da Saturnino de Brito, no Rio de Janeiro para realizar um projeto que visava à implantação de uma usina de captação, tratamento e distribuição de água em Criciúma (CAMPOS, 2002). Os primeiros serviços de abastecimento de água foram implantados e gerenciados pela CEPCAN. O sistema de abastecimento público, conforme Aderlei Porto77, iniciou sua construção em junho de 1943

77 Aderlei Porto engenheiro da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento – CASAN desde 1970. Entrevista concedida a Rose Maria Adami em 24/08/2005.

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e foi inaugurado quatro anos depois. A CEPCAN ficou responsável pelo sistema até 1970, quando este passou para a Prefeitura Municipal de Criciúma.

Em Abril de 1970, o Departamento Autônomo de Engenharia Sanitária (DAES), que era uma autarquia estadual, foi encarregado de administrar o sistema pela prefeitura municipal em comum acordo com o governo do estado. O DAES foi extinto um ano depois, e foi criada a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (CASAN), órgão estadual que tem a responsabilidade pela captação, tratamento e distribuição de água potável até os dias atuais.

Inicialmente, a água para o abastecimento público de Criciúma era captada do rio Mãe Luzia e distribuída para 450 casas do perímetro urbano de Criciúma. Com o passar dos anos, o sistema se estendeu para os bairros Próspera, São Cristóvão e Pio Correa. Campos (2001), engenheiro químico do DNPM, ao relatar sobre a usina de tratamento de água de Criciúma, revela que a usina de tratamento de água instalada pelo DNPM, mesmo moderna para época, não tinha condições de tratar adequadamente a água que era captada do rio Mãe Luzia. Esse rio recebia carga poluidora já nas suas nascentes das áreas mineradas e das águas bombeadas das minas da CSN. O engenheiro salienta que:

Toda a carga poluente das águas residuais da lavra e da chuva arrastavam para ele (rio Mãe Luzia) uma tremenda quantidade de minerais pesados, especialmente pirita, tornando insuportáveis suas águas, devido à acidez e ferro, praticamente intratáveis pelo equipamento existente (CAMPOS, 2001:33).

Nos anos de 1952, existiu um movimento do legislativo municipal em conjunto com o DNPM, no sentido de expandir a rede de abastecimento de água em Criciúma. O jornal Folha do Povo78, no ano de 1952 traz uma reportagem sobre a visita da Comissão de vereadores composta por Elias Angeloni, Oswaldo Hülse, Ernesto José Milioli e Ernesto Bianchini Góes ao DNPM

78 Jornal Folha do Povo de 14 de abril de 1952, matéria de capa, na coluna “O que vai pela Câmara”, manchete “Abastecimento de Água”. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma.

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para solicitar ao diretor do órgão, na época o Sr. Sebastião de Campos Netto, a ampliação dos serviços de abastecimento d’água no município de Criciúma. A partir desta conversa foi lançado na Câmara Municipal um movimento no sentido solicitar para à Assembléia Legislativa a ampliação do serviço de abastecimento de água para Criciúma.

Em outubro de 1952, seis meses depois da matéria, outra reportagem do jornal Folha do Povo, informa sobre nova visita a Sebastião de Campos Netto, diretor do DNPM, e a promessa do início das obras de ampliação da rede de água no perímetro urbano. Caso fossem aprovadas pela Assembléia Legislativa do Estado, o estudo do plano de fornecimento de água previa três pontos básicos:

1º mudar a captação de água para o rio São Bento; 2º efetuar estudos em torno da extensão da rede e distribuí-la até o limite da capacidade de uzina, que é de 5 milhões de litros em 24 horas; e 3º cobrança de colocação de hidrômetros e fornecimento de água79.

Segundo a reportagem, a implantação destes pontos beneficiaria Criciúma “com um serviço de águas à altura dos centros bem adiantados”. Aderlei Porto argumenta que somente depois de 1953, em função da poluição causada pela exploração de carvão, a captação de água do rio Mãe Luzia foi suspensa.

A partir de 1953, segundo Campos (2001), as águas para abastecimento público de Criciúma passaram a ser captadas do rio Guarapari, no município de Nova Veneza, pois os rios do município de Criciúma encontravam-se degradados pela exploração do carvão. As águas do rio Guarapari, afluente do rio Mãe Luzia, foram desviadas por meio de um canal aberto (Figura 3.20) que por força de gravidade chegavam até uma pequena barragem construída no rio Mãe Luzia.

Da barragem, a água vinha até a margem direita do rio Mãe Luzia, em ponto mais alto

79 Jornal Folha do Povo de 06 de outubro de 1952, matéria de capa, manchete “Serviços de Água em Criciúma: em estudos um novo plano de fornecimento do precioso líquido para a população”. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma.

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que a gravidade permitia, frente ao lado oposto do rio, onde estava a captação, atravessando-o, em horizonte bem acima das cheias, em calhas de madeira, sustentadas em pontes de cabo de aço. Do outro lado, a água era despejada em um pequeno reservatório e daí bombeada para estação de tratamento (CAMPOS, 2001: 47).

calha de madeirasobre o rio Mãe Luzia

Figura 3.20: Vista parcial do canal de desvio do rio Guarapari que levava água para barragem por meio de calhas de madeira sobre o rio Mãe Luzia. Nova Veneza (SC). Acervo: Campos (2001).

Como as instalações do canal eram precárias, feitas com

calha de madeira, nos períodos de chuvas constantes a calha era levada pelas águas. Esses imprevistos causavam transtornos para o município que ficava sem abastecimento público até os devidos consertos, como pode ser observado na reportagem de jornal.

A calha de madeira que trazia o líquido do Rio São Bento para abastecimento da cidade, foi carregada pela inundação que caiu neste município, nos meados do mês de março, o que obrigou o povo a ficar totalmente privado de água, durante vários dias80.

80 Jornal Tribuna Criciumense de 22 de abril de 1957, matéria de capa “Continua a revolta da população, face ao fornecimento da água do rio Mãe Luzia”.

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No entanto, o jornal Tribuna Criciumense do ano de 1955

traz uma nota informando que a população continuava “a beber água do Mãe Luzia, tão contaminada de ácido, como qualquer pôço ou manancial dentro da cidade”81. Esse comentário comprova o relato de alguns entrevistados que a água tinha cheiro e muitas vezes aparentava cor amarelada e manchava as roupas. O jornalista que escreveu a nota na coluna “Respingando na Tribuna” assinada por “G.de Ão” foi um dos poucos encontrados na pesquisa dos jornais que relacionava a poluição da água e consequentemente a sua falta no município à exploração de carvão. Contudo, deve-se destacar que a contaminação biológica por esgotos domésticos era a causa apresentada pelos médicos nos anos de 1940 e 1950 para o grande número da mortalidade infantil e outras doenças, conforme comentado anteriormente.

Em outros momentos, o DNPM autorizava a captação de água do rio Mãe Luzia, que causava revolta e manifestação, em função da aparente poluição da água. Algumas dessas manifestações foram registradas no jornal Tribuna Criciumense:

Sujo, oleoso, fétido e de alto teor de carvão, o líquido que está matando inúmeras crianças e concorrendo para inutilisar os encanamentos – Enquanto isso ocorre, o representante do Departamento Nacional da Produção Mineral, encarregado dêsse serviço, mais uma vez se retira para o Rio, deixando a coletividade ao desamparo – Urge que o povo, castigado por tamanha falta de responsabilidade, exija do Gôverno Federal, um paradeiro a êsse crime e descalabro. Esta passando dos limites a irresponsabilidade com que o Dr. José Menescal Campos, representante do Departamento Nacional de Produção Mineral neste município, vem encarando o problema da falta de água à população criciumense. [...]

Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma. 81 Jornal Folha do Povo de 30 de maio de 1955, Coluna manchete “Câmara Municipal: serviço de água”. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma.

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Para obviar essa calamidade (destruição pelas chuvas torrenciais da calha que levava água do rio até a estação de tratamento) foi providenciada a ligação da água do Rio Mãe Luzia, suja, oleosa, fétida e de alto teor de P.H. até que pôsse providenciada a construção de nova calha. Apesar dessa água ser recusada até pelo animais – ser gordurosa e adstringente, continua faltando82.

Durante os anos seguintes, percebe-se que a luta pelo tratamento e abastecimento de água em Criciúma foi constante, pois foram encontradas inúmeras matérias nos diversos jornais do município sobre o assunto inclusive com apoio da promotoria pública. Nessas matérias observa-se que muitos bairros do município não possuíam água encanada e os jornais solicitavam a ampliação da rede de distribuição para o abastecimento público. Entretanto, observa-se também em algumas reportagens que havia a percepção por parte dos jornalistas de que a falta de água no município estava atrelada à exploração de carvão e ao desmatamento das encostas, como mostra a reportagem abaixo:

É sabido que, com o avanço da extração do carvão e o desmatamento cada vez maior das reservas florestais que protegem as nascentes. Criciúma marcha, aceleradamente para ser uma cidade sem água potável. A cidade cresce, expande-se continuamente obrigando particulares a dispêndios enormes à procura de água83.

Aderlei Porto salienta que a estação de tratamento das águas localizava-se no bairro São Defende e foi projetada, em 1953, para captar apenas 60 l/s de água, com um consumo médio de 100 l/hab/dia. A estação foi ampliada e atualmente trabalha na faixa de 1.000 l/s de água para atender todo o município.

82 Jornal Tribuna Criciumense de 22 de abril de 1957, matéria de capa “Continua a revolta da população, face ao fornecimento da água do rio Mãe Luzia”. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma. 83 Jornal Tribuna Criciumense de 27 de outubro de 1958, matéria de capa “O abastecimento dagua”. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma.

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Nos anos de 1960 a falta de água encanada em Criciúma ainda era uma constante, pois segundo reportagem de jornal “das 131 ruas de Criciúma [...], apenas 27 estão servidas do precioso líquido”84.

No início dos anos de 1980, a CASAN passou a captar água nos rios São Bento, Manin e Jordão, afluentes do rio Mãe Luzia, para o abastecimento público de Criciúma. Como eram rios de pouca vazão houve, nos períodos de estiagens prolongadas, muitos problemas com abastecimento público em Criciúma.

A falta de mananciais de água para o abastecimento público fez que o poder público se organizasse para projetar no ano de 1982 uma barragem no rio São Bento, no município de Siderópolis. A obra foi concretizada em 2001 e atende aos municípios de Criciúma, Içara, Forquilhinha, Maracajá, Morro da Fumaça, Nova Veneza e Siderópolis. Atualmente, segundo site da CASAN, a barragem do São Bento tem capacidade para armazenar 58 milhões de metros cúbicos de água, numa área inundada de 450 hectares.

A apropriação da água para os diversos usos é uma das principais produtoras de conflitos em torno desse recurso. Na bacia do rio Criciúma, o modelo de apropriação da água a partir de 1930 foi a utilização para o beneficiamento de carvão e como rede receptora e de transporte de efluentes da mineração (beneficiamento e drenagem das minas) e de esgotos domésticos. No período subseqüente, após 1960, houve também a apropriação do espaço do próprio canal fluvial para construir a malha urbana.

3.4 A paisagem da bacia do rio Criciúma após a exploração de carvão

A exploração de carvão na bacia do rio Criciúma proporcionou a ressignificação do rio Criciúma por parte da população que vivia na bacia e essa mudança de significado foi objetivada por meio de representações na paisagem. No processo de exploração de carvão, o significado do rio Criciúma sofreu alteração por duas razões diferentes: a atividade de mineração de carvão e o grande fluxo migratório para Criciúma.

84 Água – solução vital”. Jornal de Criciúma. 17 de junho de 1962. P. 10. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma.

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A atividade de mineração poluía e assoreava o rio. Entretanto, era muito lucrativa, gerando riquezas para o município. Por isso, o rio não era mais importante como fonte econômica. Sua utilidade, naquela conjuntura, era como fornecedor de água para os lavadores de carvão e como drenagem de efluentes.

No processo de apropriação da água, do espaço do leito e das várzeas do rio Criciúma e seus afluentes, as mineradoras tiveram exclusividade do recurso que era de uso comum. Mas, com a poluição e o assoreamento, as águas da bacia deixaram de ser utilizadas para outros usuários. Quando a água sofre um processo de degradação, esta perde o seu valor social e econômico85, bem como o espaço que a contém, ou seja, o próprio canal, pois essas águas não podem ser mais utilizadas por outros usuários, levando muitas vezes a conflitos pelo uso do recurso.

Para essa forma de apropriação da água utilizada pelas mineradoras se caracteriza, conforme Mckean & Ostron (2001), como de exclusividade, pois um usuário mantém o controle de acesso do uso, excluindo os demais usuários. Isso significa, para Ostrom (2002), que as apropriações feitas por um sujeito podem criar manifestações (externalidades) negativas para os outros.

A poluição das águas da bacia do rio Criciúma, causada pelas atividades de mineração principalmente nos bairros periféricos, era possível observar na paisagem, assim como imensas áreas de rejeito de beneficiamento de carvão, o ar impregnado pelos gases oriundos da combustão do enxofre das pilhas de rejeitos e a poeira de rejeito.

Essa paisagem de degradação ambiental não é uma prerrogativa apenas de Criciúma. A região carbonífera foi considerada a 14a Área Crítica Nacional pelo Governo Federal por meio do Decreto n. 85.206 de 25 de setembro de 1980, para efeito de controle da poluição e conservação da qualidade ambiental. Cabe ressaltar que nesta área estavam envolvidos 32 municípios do sul catarinense presentes nas bacias dos rios Araranguá, Urussanga e Tubarão.

85 O valor econômico da água, segundo a visão de Lanna (2002) não deve ser confundido com o valor da cobrança pelo uso da água. O valor econômico é um valor teórico que expressaria o valor da água levando em consideração as diversas utilizações feitas pelo ser humano, inclusive incorporando aspectos subjetivos. No entanto, existem os conflitos associados ao valor intrínseco da água e à perda do valor decorrente de sua degradação, principalmente pela poluição da água. 85 Jorge Darós, nascido em 1941.

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A segunda razão para a ressignificado do rio Criciúma foi o grande contingente de população que chegou em Criciúma, em função das atividades de mineração de carvão. Os migrantes, sejam eles técnicos, engenheiros, administradores e mineiros, não tinham ligação com o rio Criciúma e por isso, não sentiam tanto a degradação deste elemento da paisagem.

Para Jorge Darós86 as pessoas que viviam em Criciúma depois dos anos de 1950 não tinham afinidade com o rio Criciúma. Para elas o rio “sempre foi uma coisa que tava passando por ali, mas não se tinha consciência da importância do rio. A utilidade sim, agora a consciência...”.

A poluição química e biológica por elevado teores de acidez e grandes quantidades de matéria orgânica nos cursos d’água, imensas áreas de rejeitos de beneficiamento de carvão, cursos d’água assoreados por finos de carvão, mudança no traçado dos cursos d’água e canalizações, entre outros constituem “marcas” (BERQUE, 2004), ou “pistas materiais” (MENESES, 2002) deixadas na paisagem pela população que retratam a economia de um determinado período da história, como uma grafia impressa na superfície terrestre.

As marcas deixadas na paisagem pela apropriação dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma ultrapassam as mudanças na escala temporal e são vistas simultaneamente como “matrizes”, pois representam a relação da sociedade com seu lugar. As marcas na paisagem deixadas pelo processo de apropriação dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma são representações dos atores sociais e de seus signos de identificação com o espaço.

A paisagem da bacia do rio Criciúma, quando analisada como marca e matriz mostra as representações que possibilitam a leitura dos significados deixados pela população da bacia de uma geração à outra, como uma matriz de informação. A partir dos anos de 1960, sobre essa matriz de informação, os atores sociais da bacia iniciam uma nova escrita e/ou interação na paisagem que seria o recobrimento dos cursos d’água e a ocupação de suas margens para construção de prédios residenciais e comerciais.

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4. A URBANIZAÇÃO DA BACIA DE 1950 A 2009: OS SIGNIFICADOS E REPRESENTAÇOES DO RIO CRICIÚMA

Eu na minha fraca inteligência faço a comparação de Criciúma como uma concha de tirar sopa da panela ou feijão que seja. A concha é o centro de Criciúma que esta dentro de dois blocos de terra, assim dos dois lados e o cabo da concha é a saída do rio Criciúma (Antônio Meller, Bairro Santo Antônio, 2007).

Nos capítulos anteriores procurou-se mostrar que a paisagem da bacia do rio Criciúma foi construída ao logo dos anos, modelada como um produto social pelas distintas representações dos grupos dominantes. Essas diferentes representações dos significados foram “impressas” na paisagem, como uma evidência das particularidades das classes sociais que habitam o alto, médio e baixo vale da bacia.

A poluição acentuada no rio Criciúma e seus afluentes, a partir de 1930, fez com que a população e o próprio poder público aprovassem a idéia da canalização dos cursos d’água da bacia, em função do mau cheiro que o rio exalava. Essa poluição estava associada ao lançamento de drenagem ácida das minas de carvão mineral, localizadas nas encostas dos morros Cechinel, do Pio Corrêa e Casagrande (atual morro do Céu), como também da grande quantidade de esgoto doméstico lançado nos cursos d’água, uma vez que Criciúma ainda hoje não tem saneamento básico.

A partir dos anos de 1950, a poluição do rio Criciúma se intensificou, em função da expansão da malha urbana na bacia. Essa expansão foi ocasionada pelo crescimento demográfico no município que, por sua vez, foi incentivado pela estabilidade das atividades carboníferas após a Segunda Guerra Mundial.

Neste capítulo será abordado o processo de urbanização intensa na bacia e a canalização do rio Criciúma e seus afluentes de 1950 a 2009. Com a mudança de significado do rio Criciúma para a população, houve inúmeras modificações nos canais fluviais pelas obras de engenharias, como o desvio de trechos dos leitos, a retilinização e a canalização com contenção de margens, fundo e recobrimento, construção de canais auxiliares além da drenagem de áreas de várzeas. O recobrimento dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma pelas obras de canalização incentivou a população a se

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apropriar das margens e também do próprio leito do rio Criciúma e seus afluentes para a expansão da malha urbana.

4.1 A urbanização na bacia do rio Criciúma nos anos de 1950 a 1980 e as modificações na rede de drenagem

Os dados do censo demográfico do IBGE mostram que de 1950 a 1960 houve um aumento da população do município de Criciúma equivalente a 23,19%, a população passou de 50.854 para 61.975 habitantes. Além do crescimento vegetativo, houve a migração de pessoas dos municípios vizinhos, principalmente em busca de empregos ofertados pelas empresas mineradoras.

Em Criciúma, a atividade carbonífera estava a pleno vapor, movimentando a economia local, atraindo muitas pessoas em busca de empregos na mineração ou no setor de comércio de serviços. O excedente de população oriundo de vários municípios do sul catarinense e também de outros estados brasileiros não ocupou apenas terras da bacia do rio Criciúma. O centro da cidade localizado no fundo do vale do rio Criciúma era o local mais procurado para moradia, em função da proximidade com estabelecimentos comerciais, de serviços e da administração pública.

A expansão da malha urbana na bacia, nesse período, foi muito significativa. Enquanto Zacarias (1999) afirma que em 1944 as ruas não ultrapassavam a um quilômetro da Praça Nereu Ramos, no mapa de ocupação urbana da bacia de 1957 (Figura 4.01) constata-se que em treze anos houve um aumento significativo na ocupação da bacia, principalmente entre as cotas altimétricas de 30 a 50 metros. No alto vale, no entanto, em áreas próximas ao centro, nos atuais bairros de São Cristóvão, Cruzeiro do Sul e Vera Cruz, formados por antigas vilas operárias da Carbonífera Próspera e CBCA, segundo Nascimento (2006), a ocupação já atingia a cota 90 metros.

Diferia, assim, do baixo vale, que nas cotas de até 40 metros, era praticamente desabitado. Existiam apenas pequenas comunidades rurais no bairro Pinheirinho e vilas operárias, no atual bairro Boa Vista. Diante dessas informações, é possível concluir que até o ano de 1957, a grande maioria da população da bacia do rio Criciúma ocupou apenas parte do alto e médio vale.

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O município não estava preparado para receber o grande fluxo migratório e, em consequência disso, a paisagem de degradação ambiental se refletia nos cursos d’água do município, pois todo o esgoto doméstico gerado na área da bacia era lançado no rio Criciúma e seus afluentes. Nesse período, as águas dos rios eram sinônimos de doenças e contaminações, mesmo na área central de Criciúma.

A “solução” adotada pelo poder público foi a canalização de alguns trechos do rio Criciúma, o corte de meandros, o aterro das áreas alagadas (banhados) e a contenção de margens e de fundo dos canais fluviais. As preocupações com a salubridade voltavam-se, inicialmente, para os cursos d’água que se encontravam próximos às áreas mais densamente ocupadas, ou seja, o núcleo urbano.

Para tanto, era preciso condições financeiras para realizar essas obras e foram feitos vários apelos ao governo estadual e federal para financiá-las. O deputado estadual Ruy Hülse teve um papel importante nestas campanhas desencadeada pela Assembléia Legislativa. De acordo com o jornal Tribuna Criciumense, o referido deputado havia encaminhado um telegrama ao Senhor José Pimentel, na época presidente da Associação Comercial e Industrial de Criciúma (ACIC):

Comunico-lhe que ocupei, ontem, a tribuna da Assembléia (Legislativa), tratando problema saneamento rio criciúma, enviando através referida Assembléia Legislativa telegramas ao diretor do departamento nacional de obras e saneamento bem como ao Coronel Osvaldo Pinto da Veiga no sentido aquele órgão especializado estude e realize o saneamento referido rio na zona urbana e suburbana da cidade, a fim se resolva este angustioso problema que tão seriamente preocupa laboriosa população desta progressista cidade. Tomo aqui liberdade e solicitar, através seu ilustre presidente, colaboração este prestigiosa entidade de classe em se dirigindo àquela autoridade, solicitando-lhe idênticas providências. Cordialmente, Ruy Hülse87.

87 “Sujeira e fedentina no rio Criciúma”. Tribuna Criciumense. 02 de maio de 1955, p.03.

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A matéria também mostra outro telegrama de José Pimentel

ao senhor Camilo de Menezes, Diretor do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), no Rio de Janeiro, reiterando solicitação para efetuar medidas estruturais no rio Criciúma:

Associação Comercial Industrial Criciúma toma liberdade reiterar vossencia apêlo feito deputado Ruy Hülse visando saneamento Rio Criciúma vg cuja sujeira e fedentina comprometem seriamente foros esta cidade e possibilitam aparecimento epidemias pt Prestaria vossencia valioso auxílio população criciumense se dignasse enviar engenheiro sanitarista proceder urgente levantamento e sugerir medidas desvio leito esse rio pt Atenciosas saudações. José Pimentel – Presidente.

A mesma reportagem informa que, em visita à cidade, o diretor do DNOS Carlos Krebs Filho se reuniu com autoridades do município para definir as medidas preliminares para o saneamento do rio. As medidas previam a limpeza do rio Criciúma e sua canalização com aprovação da Câmara de Vereadores e a apreciação do DNOS. Para o repórter, a canalização era uma obra bem vinda, pois as áreas em que o rio meandrava seriam cortadas e nestes locais poderiam ser construídas edificações. Segundo a reportagem:

A retificação do rio Criciúma, com sua canalização revestida de pedra, no centro da cidade, virá consequentemente valorizar uma grande área hoje cortada sinuosamente por êle, dando oportunidade a que outras construções sejam levantadas nos locais, até o momento impraticáveis.

Previa-se, de acordo com a reportagem, que o aspecto urbanístico da cidade seria melhorado em 60% apenas com a limpeza do rio Criciúma e que quando concluída seria uma das

Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma.

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maiores obras do sul do Estado. Por isso, o repórter estimula a população a receber “de braços abertos a tão salutar medida, por sermos nós os únicos beneficiados”, especialmente os moradores das margens do rio Criciúma, que facilitem os trabalhos de saneamento, retirando “as fóssas que despejam no arrrôio”. O prometido era que, após a retirada das fossas e da canalização do rio, seriam construídas as fossas sépticas. A reportagem segue num tom patriótico:

Sabemos das dificuldades de muitos, mas quando uma medida vem beneficiar uma coletividade, jamais devemos entravar a sua consecução, ainda que da nossa parte tenhamos que dispender dinheiro ou redobrar os nossos esforços para o bem comum. Insistimos por todos os meios disponíveis em fazer com que os criciumenses, principalmente aqueles que venham a ser atingidos em suas economias pela obrigação de retirarem as casinhas que despejam no leito do Rio Criciúma, compreendam o valor inestimável dessa obra, que visa o embelezamento da cidade e muito mais ainda, a preservação da saúde constantemente sujeita ao ataque de moléstias originárias dos ambientes fétidos, da imundície, de águas estagnadas e dejetos humanos.

Em novembro de 1955, outra matéria de jornal informa que foi aprovada no orçamento da União uma verba de quatro milhões para o saneamento do rio Criciúma. A matéria reforçava a necessidade das obras, uma vez que a cidade é um “importante centro de mineração” e o rio Criciúma é “um pequeno rio cujas águas são totalmente poluídas pela decomposição do sulfeto de ferro (pirita) das nossas minas de carvão”88. O jornalista acrescenta que o referido rio encontrava-se novamente “entulhado de lixo”, provocando “insuportável fedentina, principalmente no verão” e

88 “Verba de quatro milhões para o saneamento do Rio Criciúma e de dois milhões para o abastecimento d'água á Vila de Nova Veneza”. Tribuna Criciumense. Matéria de Capa de 05 de novembro de 1955. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma.

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serve como “esgoto de grande parte da zona urbana e suburbana da cidade”.

No ano de 1957, os interessados na canalização do rio Criciúma acrescentam nos discursos as inundações como mais um motivo para que se apreçasse a canalização. Segundo ofício enviado pelo Prefeito Municipal Addo Caldas Faraco ao Sr. Carlos Krebs, na época Chefe do DNOS.

Como é do conhecimento público, devido às constantes chuvas torrenciais que vêm caindo, a cerca de quatro meses, vimos constatando várias enchentes do rio Criciúma, todas elas com sérios prejuízos não só para os moradores marginais como também para os poderes públicos Estaduais e Municipais, na reconstrução das estradas e ruas por onde ele passa. Como é também do conhecimento de V. Excia., carece o rio Criciúma de uma retificação e dragagem, serviço prometido, de há muito, por V. Excia e que agora reclama urgência. Nestas condições, solicito a V. Excia., encarecidamente seja este serviço realizado, ainda este ano a fim de evitar novas enchentes nos período chuvosos de janeiro e fevereiro próximos. Certo de que V. Excia não deixará de atender esse nosso apelo, desde já agradeço e aproveito o ensejo para reafirmar os meus protestos de alta estima e distinta consideração (assinado). Addo Caldas Faraco89.

Enquanto as solicitações ao DNOS para canalização do rio Criciúma não eram atendidas, nos anos de 1957 a 1959, o prefeito municipal juntamente com os vereadores se encarregava de aprovar leis que apressaram as etapas da canalização. No ano de 1957, o Prefeito Addo Caldas Faraco altera o plano urbanístico da Criciúma90 pela lei n. 208, na qual suprimia a avenida prevista no

89 “Noticias de Prefeitura: Retificação e Drenagem do Rio Criciúma”. Tribuna Criciumense. 11 de novembro de 1957. P.02. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma. 90 O Plano Urbanístico de Criciúma executado pelo engenheiro Victor Dequech (contrato

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plano urbanístico original paralela ao rio Criciúma, no trecho entre as ruas Marechal Deodoro e Henrique Lage.

Art 1o – Fica aprovado o Plano Urbanístico de Criciúma, autorizado pela Lei nr.107, de 22 de setembro de 1953, com todas as especificidades constantes da respectiva planta, exceto as seguintes: (a) Avenida paralela ao Rio Criciúma, no trecho compreendido entre as ruas Marechal Deodoro e Henrique Lage.

Essa avenida, segundo Balthazar (2001), ao ser aprovada no plano urbanístico da Criciúma de 1953, tinha como objetivo preservar as margens do rio da especulação imobiliária, facilitar o trânsito no perímetro urbano e evitar alagamentos.

Em agosto de 1958, o prefeito aprova a lei n.243 que declara de utilidade pública as margens direita e esquerda do rio Criciúma, no trecho entre a Travessa Pe. Pedro Baldoncini e a rua Henrique Lage, no centro da cidade. Por esta lei, a Prefeitura Municipal faria a desapropriação de forma “amigável ou judicial”, de dois metros e cinqüenta centímetros das margens direita e esquerda no trecho citado, para construir o canal que passaria as águas do rio Criciúma. A partir da desapropriação e com a canalização do rio, o espaço ocupado por ele e suas margens passa a ser de acesso público, conforme prevê a referida lei.

Um ano depois, em junho de 1959, os terrenos marginais ao rio Criciúma no médio e baixo vale foram desapropriados pela lei n. 270 que declarava ser de utilidade pública as margens do rio desde a sua foz no rio Sangão até a rua Henrique Lage, no centro da cidade. A desapropriação era de responsabilidade da Prefeitura Municipal, mas os serviços de retilinização do rio Criciúma seriam efetuados pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento. Isso fica muito claro no ofício encaminhado pela Prefeitura Municipal de Criciúma ao chefe do DNOS, quando informa:

I) Em atenção ao oficio n. 218, dêsse departamento, encaminho, anexo as

firmado pela Lei n. 107 de 22 de setembro de 1953) foi aprovado em 22 de setembro de 1953, pela Lei n. 107. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma.

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Declarações de cada proprietário atingido pela retificação do Rio Criciúma. II) Informo, outrossim, a V. Sa., que esta prefeitura assume integralmente a responsabilidade de resolver quaisquer problema de indenização e desapropriação, que porventura surgirem, ficando assim o Departamento Nacional de Obras e Saneamento, isento de qualquer ônus com relação a essa parte. III) Para o seu conhecimento anexo cópia Lei n. 270, dêste Município onde declara de propriedade pública a faixa necessária para o canal. IV) Nestas condições, solicito novamente a Sa. encarecidamente, seja esse serviço realizado, ainda este ano, a fim de evitar novas enchentes nos períodos chuvosos de janeiro e fevereiro próximos. Certos de que V. Sa. não deixará de atender nosso apêlo, desde já agradeço e aproveito o ensejo para reafirmar os meus protestos de alta estima e consideração. (Assinado) Addo Caldas Faraco – Prefeito Municipal91.

Depois desta desapropriação os terrenos próximos das margens do rio Criciúma e encaminhar os documentos para o chefe do DNOS, em Florianópolis, o prefeito recebeu a permissão, no mesmo ano para iniciar as obras de canalização do rio Criciúma. Contudo, as obras só foram iniciadas pelo DNOS no ano de 196292.

Os autores da grande maioria das reportagens de jornais, se referirem ao rio Criciúma como “pequeno filete de água”, “pequeno rio” “ex-rio”, “córrego”, “regato”, “pobre córrego, o ex-rio Criciúma, cuja sujeira e fedentina desafiam os mais empedernidos olfatos e que só as enxurradas a saneiam”93. A forma de ver o rio, reflete como a população via o rio depois da sua contaminação 91 “Notícias da Prefeitura: Retificação do Rio Criciúma”. Tribuna Criciumense. 14 de setembro de 1959. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma. 92 “Prefeitura em Foco: Drenagem do Rio Criciúma”. Jornal de Criciúma. 17 de junho de 1962. p.10. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma. 93 “Criciúma: paraíso da jogatina”. Tribuna Criciumense. 02 de maio de 1955. p.03. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma.

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química e biológica, ou seja, um canal de esgoto mal cheiroso e contaminado que serpenteava pela cidade, deixando inúmeros banhados, sem nenhum significado para população.

Da forma como as reportagens foram escritas, percebeu-se que o rio era considerado um “vilão” por se localizar no perímetro urbano do município e causar inúmeros problemas à cidade. De acordo com esta lógica, “os cursos d’água da bacia estavam no lugar errado” era preciso desviá-los ou escondê-los para que não ocasionassem mais problemas.

Mesmo com todos os problemas sociais e de saneamento básico veiculados nos meios de comunicação, qualquer mudança na cidade era sinônimo de modernidade. No ano de 1956, um dos jornalistas do jornal Tribuna Criciumense, Ézio Lima, divulga que “efetivamente, Criciúma tem crescido admiravelmente nestes últimos anos”94, devido as “constantes transformações em seu panorama urbanístico, a série de melhoramentos introduzidos começam a dar-lhes foros de cidade moderna”.

A paisagem da bacia do rio Criciúma passou novamente por um processo de mudança intensa, principalmente a partir da segunda metade dos anos de 1960, com o fim da exploração de carvão nas encostas do Morro Cechinel e, com os incentivos do governo federal e municipal para diversificar a economia e modernizar a cidade. No entanto, era possível perceber na paisagem marcas de cidade mineira, como a permanência das vilas operárias, áreas de rejeito, ferrovias, lavadores de carvão, entre outros elementos ligados à exploração de carvão.

Por meio dessas marcas deixadas na paisagem é possível compreender as relações estabelecidas entre os atores sociais e suas interações na paisagem. Com o passar dos anos, sobre a paisagem mineira, se edificaram novas marcas, a da expansão urbana. Mas, as antigas marcas não foram de todo apagadas. Nesse novo ciclo econômico de Criciúma, ainda era possível visualizar resquícios do período da exploração de carvão que ficou na paisagem, nos costumes e hábitos dos moradores, como uma nova matriz de informação passível de interpretação.

Por algum tempo, a atividade carbonífera seguiu paralela junto com novas indústrias que se implantaram no município,

94 “Cidade em Revista: A cidade e seu progresso”. Tribuna Criciumense. 16 de julho de 1956. P.08. Autor: Ézio Lima. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma.

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contribuindo significativamente para a economia. Por isso, a configuração da ocupação na bacia do rio Criciúma teve forte influência do sistema econômico, pois as indústrias carboníferas direcionaram a vida da população, assim como induziram na localização residencial de seus funcionários e na criação de vilas de mineiros nas proximidades das minas.

Certamente, essa foi a razão da ocupação do município de Criciúma até o final dos anos de 1960 ser dispersa, limitada basicamente às áreas mais planas da bacia do rio Criciúma e nas encostas do morro Cechinel. Uma das áreas planas da bacia é a Praça Nereu Ramos e seu entorno, considerada o núcleo central do município, com residências e estabelecimentos comerciais e de serviços (Figura 4.02).

Figura 4.02: Vista parcial da Praça Nereu Ramos nos anos de 1950. Percebe-se um início de verticalização nos estabelecimentos comerciais e residenciais próximos da Praça. Acervo: Casa da Cultura de Criciúma.

A atividade carbonífera e/ou os mineradores ao interferir na

paisagem, não atuaram somente sobre os elementos naturais, como realidade física, mas, também, como realidade social. Isso porque condicionaram a ocupação próxima às bocas de mina, no caso na baixa encosta dos morros Cechinel, do Pio Corrêa e Casagrande, influenciando na vida cotidiana dos moradores e impondo uma ordem natural, de acordo com os valores dos grupos dominantes. Até o início dos anos de 1980, as vilas operárias representavam um símbolo da mineração “impresso” na paisagem da bacia.

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Essa realidade começa a dar seus primeiros passos para a mudança no início dos anos de 1960, segundo Nascimento (2006), quando a Associação Comercial e Industrial de Criciúma (ACIC) inicia uma campanha para conscientizar os empresários a diversificarem seus ramos de trabalho, possibilitando assim a entrada de outras empresas e consequentemente de novos mercados de trabalho. A solicitação da ACIC estava pautada nas constantes crises que as indústrias carboníferas viviam em função da dependência do governo federal e que repercutiam no setor econômico do município. Neste período, vieram para Criciúma, segundo Goularti Filho e Genoveva Neto (1997), as indústrias calçadistas juntamente com as de confecção e de vestiário.

No entanto, essa iniciativa não era ideia nova. Já no ano de 1948 para incentivar a diversificação industrial, o Prefeito Addo Caldas Faraco, aprova a Lei n. 25 que isenta os impostos por cinco anos para as indústrias e profissões que ali se instalassem num período de dez anos. Mas, essa prerrogativa era somente para indústrias e profissões dos ramos que ainda não existissem no município, a exemplo da indústria cerâmica instalada na bacia no ano de 1946.

A busca da diversificação industrial na cidade possibilitou a modernização urbana. Segundo Nascimento (2006:53), por mais riqueza que trouxesse a atividade carbonífera impossibilitava a cidade de apresentar características de modernidade, em função do “odor desagradável, a poeira que as ruas revestidas de pirita levantava nos dias de sol, o lodo preto e pegajoso nos dias de chuva, o pó do carvão que tudo impregnava”. Essas características de cidade mineira contrastavam com o desejo de modernidade de uma “cidade limpa, arborizada, vertical, com pessoas educadas e de bons hábitos”.

É possível perceber que os anseios da sociedade estavam atrelados às novas possibilidades que a diversificação da indústria vislumbrava, ou seja, ter recursos financeiros sem ter que conviver com todos os problemas que o carvão proporcionava. A partir da introdução de novas técnicas, houve uma ressignificação ou uma “reciclagem dos signos e símbolos” (CORRÊA, 2003) na “matriz cultural” no tocante à exploração de carvão, pois ocorreram alterações na percepção dos atores sociais que integravam a sociedade da bacia. A “rejeição” por parte da população, do carvão que era o símbolo significante (GEERTZ, 1978) de progresso e

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prosperidade ocorre, pois os valores usuais atrelados a ele não correspondem mais às aspirações individuais e nem de alguns grupos dominantes.

Diante desse novo paradigma que a cidade vive, os gestores públicos passaram a incentivar a modernização da área urbana por meio de isenção de impostos para construção de estabelecimentos comerciais no núcleo urbano. No ano de 1960, o prefeito Faraco promulga a lei n. 305, de 12 de julho, que isentava do imposto predial, “por um período de 10 anos, os prédios de alvenaria construídos no município, com 10 pavimentos e as demais características se harmonizem com o Código de Postura do município”. Os proprietários desses estabelecimentos teriam também mais 50% de isenção de impostos por mais 5 anos, depois de expirados os 10 anos. Com esse incentivo municipal, muitos prédios foram construídos na cidade.

Os incentivos do poder público municipal impulsionaram muitos empresários a investirem na construção civil do município. Neste período, segundo Balthazar (2001), o setor imobiliário apresentou um crescimento acentuado, com prédios de mais de quatro andares, como foi o caso dos edifícios COMASA, na rua Marcos Rovaris; Hotel Cavaller, na rua Anita Garibaldi e o União Turismo Hotel, na rua Conselheiro João Zanette. Para o autor, esses três edifícios marcaram o processo de expansão urbana da horizontalidade para a verticalidade em Criciúma.

A partir de 1968, os construtores de Criciúma receberam outro incentivo, agora do governo federal com créditos financiados pelo Banco Nacional de Habitação (BNH). A partir dessa data, o comprador do imóvel poderia financiar sua compra, utilizando o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e houve um crescimento imobiliário em todo o país de 23% a mais que no ano anterior (GOULARTI FILHO e GENOVEVA NETO, 1997).

Em Criciúma, o processo de edificação na área central da cidade era tão acentuado que até os jornais de Tubarão comentavam sobre o assunto, como foi o caso do Correio Sulino:

Os visitantes têm ficado impressionados com o ritmo de crescimento da cidade de Criciúma, principalmente nestes últimos meses. A febre de construção é tamanha que a mão de obra vem escasseando e criando problemas para as firmas construtoras. Para exemplificar

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somente numa travessa de oitenta metros, a ser brevemente aberta, transversal à Pedro Baldoncini, estão programados para construção nada menos que oito edifícios95.

O dinamismo nas alterações da paisagem da bacia, a transformava em um espaço impregnado de história, em que as novas construções contrastavam com as antigas. Essa diferença de modelos e estilos na paisagem da bacia reflete as marcas do trabalho e suas técnicas nos diferentes momentos da história, é uma “[...] escrita sobre a outra”, como comenta Santos (1997d:66).

A partir da transformação da paisagem da bacia, envolvendo a apropriação das terras da bacia pela sociedade criciumense é possível percebê-la sob dois pontos de vista, a partir das mudanças materializadas que seriam as construções e a expansão da malha urbana; e também da subjetividade, ou seja, o significado que a sociedade atribuiu às mudanças na paisagem, isto é, a modernização.

A materialização do desejo de modernização permite perceber que os sujeitos sociais da bacia ansiavam por modernizar o núcleo central, que representava o espaço vivido e/ou o lugar da elite criciumense, pois eram eles que detinham o poder na cidade e conseqüentemente os recursos financeiros que permitiriam essas mudanças. Como os lugares se estruturam a partir das experiências dos atores sociais, nada mais natural que a elite almejasse representar seu poder econômico no seu espaço vivido que no caso eram as proximidades das praças Nereu Ramos e do Congresso. Essas representações de poder foram impressas na paisagem, por meio de edificações que eram condizentes com as condições financeiras, valores e aspirações da elite. Dessa forma, a elite projetou a sua identidade na ostentação dos prédios, que eram o objeto que representava poder e modernidade.

A representatividade de modernidade e poder fortaleceu-se com o passar dos anos como um matriz de informação. Em 2001, o valor da compra de um terreno nas proximidades das praças Nereu Ramos e do Congresso variava de R$ 300,00 a 1.200,00 reais o metro quadrado, ou seja, eram considerados, segundo Balthazer (2001), como os terrenos mais caros do município.

95 “Criciúma em Foco”. Correio Sulino. 07 de maio de 1961. P. 12. Tubarão. Apud Nascimento (2004c).

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Neste processo de apropriação da paisagem da bacia, os atores sociais da bacia construíram a sua identidade a partir da relação que tinham com a Praça Nereu Ramos e seu entorno e com a vida social aí existente, pois como relata Pol & Valera (1999) é no processo de apropriação que a identidade dos sujeitos se expressa, como um agente transformador do meio natural que o cerca. Logo, a construção de novos edifícios nas proximidades da Praça Nereu Ramos, significava para sociedade formas de representação decorrente da apreensão do significado que os atores sociais “imprimiram” na cidade, ou seja, o fortalecimento da Praça Nereu Ramos e seu entorno como o núcleo central da cidade e sua modernização.

No desejo de modernização da cidade, determinados grupos sociais, segundo Nascimento (2004c), recusavam as marcas que caracterizavam a cidade como “provinciana e atrasada”. Para descaracterizar as marcas de “cidade pequena, sem atrativos e basicamente mineira” surgiram inúmeras edificações, com mais de três andares, na sua grande maioria, no núcleo central.

Essas edificações proporcionavam à cidade “ares de cidade grande”, como divulgava a Tribuna Criciumense em 1965, que Criciúma “além de se estender para todos os lados, deu agora para olhar o céu. De repente aparecem edifícios e construções em todas as ruas. Os prédios de dois andares ficam acanhados com o surgimento de gigantes de cimento armado”96. Enquanto que no núcleo urbano a modernidade “desenhava” os primeiros prédios, ocupados privilegiadamente pela elite, a população das classes média e baixa ocupavam os bairros de entorno, com construções de um pavimento.

O surto de modernização do núcleo central também incluiu o rio Criciúma. Para as reportagens da época era “um absurdo” ter um rio “cortando” o núcleo central, pois como pregava o discurso higienista97 da época, “uma cidade moderna tem seus rios canalizados”. O rio Criciúma e seus afluentes apresentavam, até final dos anos de 195098, padrão meândrico no baixo vale. A partir 96 “Criciúma cresce para o alto”. Tribuna Criciumense. 11 a 18 de setembro de 1965. P06. Acervo Casa da Cultura de Criciúma. 97 O movimento higienista chegou ao Brasil nos anos subseqüentes a Proclamação da República em 1889. O engenheiro Saturnino de Brito foi um dos precursores do movimento, que tinha como ideia central a evacuação rápida das águas, por meio de canalização subterrânea de toda água circulante pelas cidades (SILVEIRA, 2000). 98 A canalização do rio Criciúma foi autorizada pela Lei Municipal n. 270, de 24 de

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do início dos anos de 1960, o poder público, juntamente com o DNOS iniciou o processo de canalização do rio Criciúma e seus afluentes. No processo de canalização, a grande maioria dos cursos d’água passou por modificações como retilinizações, estreitamentos e aterramento de grandes áreas que antes se constituíam em áreas de várzeas do rio Criciúma e seus afluentes. As áreas aterradas serviram para ocupação de estabelecimentos comerciais, de serviços e prédios residenciais.

O início das obras de canalização dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma foi anunciado pelos jornais da cidade como uma grande conquista, depois de várias solicitações aos órgãos governamentais nos anos de 1950. Em junho de 1962, o Jornal de Criciúma anuncia com entusiasmo o início do processo de canalização dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma:

Prosseguem aceleradamente as obras de abertura do canal do Rio Criciúma, iniciada há cerca de três meses, pelo DNOS, após intensiva labuta – para a sua consecução – do prefeito Nery Rosa. Com ligeira interrupção [...] à altura da localidade de Baixadinha, o canal está completamente aberto desde o Rio Sangão até as cercanias de Sto. Antônio”99.

As obras de canalização do rio Criciúma iniciaram pela foz, apenas com retilinização do canal fluvial e foram realizadas em um curto período de tempo. Em outubro de 1962, depois de sete meses do início das obras, o Jornal de Criciúma informa à população que “dentro de aproximadamente dois meses, os serviços de dragagem deverão estar concluídos, ao alcançarem a Rua ‘Henrique Lage’, à altura da ‘Cerâmica Santa Catarina’” 100.

As obras de canalização foram adotadas pelo poder público, como medida para evitar ou minimizar as cheias do rio Criciúma e seus afluentes e de saneamento básico. Os jornais de município junho de 1959, que declarava de utilidade pública a extensão necessária à retificação do rio Criciúma, desde a sua foz, no rio Sangão até a rua Henrique Lage. 99 “Prefeitura em foco: Drenagem do rio Criciúma”. Jornal de Criciúma. 17 de junho de 1962. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma. 100 “Dragagem do rio Criciúma”. Jornal de Criciúma. 14 de outubro de 1962. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma.

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alardeavam que com a canalização dos cursos d’água não mais haveria problemas com as inundações no centro urbano.

Prosseguem aceleradamente os trabalhos de dragagem e retificação do Rio Criciúma, promovidos pelo DNOS em cooperação com a prefeitura. A draga japonesa que vem operando em nosso município abriu mais de dois quilômetros de canalização, desde o Rio Sangão até a localidade de Santo Antônio. Com a conclusão dêsse trabalho e a abertura do canal até a rua Henrique Lage, nas proximidades da cerâmica, o problema do alagamento das zonas periféricas da cidade, durante as chuvas fortes, fica definitivamente solucionado101.

A promessa de que a canalização finalizaria as inundações no núcleo central da cidade fez com que o prefeito de Criciúma recebesse elogios por parte dos jornais pela “louvável iniciativa” de canalização do rio Criciúma. Para os jornalistas, a canalização proporcionaria recobrir “parte deste esgôto aberto, saneando e criando uma rua a mais no centro da cidade”102. Na mesma reportagem, o jornalista ainda completa que “a prefeitura receberá nosso elogio e o agradecimento do povo se estender estas obras pelo menos pela zona urbana que é atravessada pelo riacho”. Para realizar a retilinização do rio Criciúma, o prefeito Arlindo Junkes indenizou103, nos anos de 1963 e 1965, os proprietários de terrenos próximos do rio Criciúma. A idéia de recobrir o rio para utilizar seu espaço para outras ocupações não era nova, já era cogitada nas reportagens dos jornais desde os anos de 1950.

Entretanto, mesmo com a retilinização do rio Criciúma em 1962 e a coleta de lixo normatizada desde 1950104, e a aprovação do 101 “Retificações do Rio Criciúma”. Jornal de Criciúma. 03 de junho de 1962. P.07. Criciúma. Acervo da Casa da Cultura de Criciúma. 102 “O riacho”. Tribuna Criciumense. 26 de outubro a 02 de novembro de 1962. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma. 103 As indenizações foram sancionadas pelas leis 426, de 28 de dezembro de 1963; 425, de 28 de dezembro de 1963; 481, de 30 de novembro de 1964; 482, de 30 de novembro de 1964; 520, de 30 de julho de 1965; 520, de 20 de julho de 1965, 522, de 30 de julho de 1965 e 568, de 14 de dezembro de 1965. 104 O serviço de limpeza pública e coleta de lixo foi criado pela lei n. 44, de 30 de maio de 1950.

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Código de Postura do município105 proibindo a poluição e contaminação dos cursos d’água, os problemas com relação ao rio Criciúma continuaram a existir. Isso porque, a cidade recebia vários migrantes e ampliava suas edificações, com prédios residenciais, comerciais e públicos e todo esgoto gerado era lançado in natura no rio Criciúma e seus afluentes, assim como grande parte do lixo. Os jornais noticiavam que nas áreas centrais havia um acúmulo de detritos maior em vista do aglomerado comercial, sem falar no odor que os rios exalavam, em função dos esgotos.

Quem se der ao que se pode chamar de desprazer de andar pelas ruas de nossa cidade, chegará à conclusão de que os nossos ares estão mesmo irrespiráveis. Não bastasse as nuvens de pó levantadas pelos veículos, a fumaça das locomotivas, a eterna sujeira acumulada nas ruas, a falta de coletoras de lixo, deparamos ainda com essa horrível fedentina exalada pelos esgotos das nossas principais ruas. Um simples exame em qualquer ralo de um dêsses esgotos, mostra ao casual observador, que os esgotos estão fugindo à sua finalidade, pois não mais evacuam os dejetos acumulados. E o resultado aí está. Pode-se calcular já, o que vai ser no verão106.

Várias foram as tentativas dos jornais da época para educar as pessoas referente à limpeza pública, ensinando-as a viver em espaços públicos de forma coletiva. Muitas dessas tentativas ocorriam de forma muito incisiva, com palavras ríspidas de quem se sente indignado pela falta de conscientização das pessoas. Ézio Lima foi um dos jornalistas que fez inúmeras críticas sobre a falta de conscientização da população e do poder público com relação aos cuidados com os terrenos baldios que eram transformados em lixões107, ausência de iluminação pública108, e de cuidados com os

105 O Código de Posturas do Município de Criciúma foi instituído pela lei n. 1.193, de 01 de outubro de 1975. 106 “Esgotos desafiam a saúde do criciumense”. Tribuna Criciumense. 12 de agosto de 1967. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma. 107 “A cidade em Revista: ainda os terrenos baldios não murados”. Tribuna Criciumense. 21 de maio de 1956. Criciúma. Autor: Ézio Lima. Acervo Casa da Cultura de Criciúma.

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arruamentos109. Mas, pelo que se percebe nas reportagens dos jornais dos anos seguintes é que todas as tentativas de conscientizar as pessoas para adquirirem hábitos “mais civilizados”, não surtiram efeito.

A falta de cuidados com a limpeza pública repercutia não só no núcleo urbano, que se localizava no alto e médio vale da bacia do rio Criciúma, como também nas áreas próximas da foz. As áreas do baixo vale do rio Criciúma eram consideradas insalubres em função da grande quantidade de lixo e matéria orgânica que desaguavam pelo rio Criciúma. Esses materiais eram lançados principalmente pela população do alto e médio vale que eram locais de maior concentração habitacional da bacia. Com a falta de significado do rio Criciúma por parte da população, o baixo vale continuou, nas décadas seguintes, a ser um lugar insalubre que ameaçava a saúde pública da cidade, principalmente no período das chuvas, quando suas águas extravasavam do leito.

Esse processo se intensificou com as construções, na chamada fase de modernização do município. Nos anos de 1960, com o avanço das construções, os jornais já falavam em “revestir o rio Criciúma”, em função de todos os problemas que segundo eles o rio causava. O “surto” de drenar os cursos d’água da bacia do rio Criciúma era tão grande, por parte da população, que os jornais noticiavam ser uma incoerência do poder público ainda existir trechos em que o rio apresenta sinuosidade no centro urbano. Esse assunto foi apresentado no ano de 1969, no jornal Tribuna Criciumense.

A reportagem considerava o rio Criciúma “um problema” que se sobressai dentre tantos que o município tem e precisa ser solucionado pelo poder público, pois é “um absurdo que as autoridades de nosso município não volvam seus olhos para tão cruciante problema, demonstrando seu interêsse e procurando realizar aquilo que esteja a seu alcance”110. A solução apresentada era a canalização do rio, principalmente das áreas que ainda não passaram pelo processo, como no caso “nas proximidades da Rua

108 “A cidade em Revista: iluminação pública”. Tribuna Criciumense. 18 de junho de 1956. Criciúma. Autor: Ézio Lima. Acervo Casa da Cultura de Criciúma. 109 “A cidade em Revista: o embelezamento da cidade”. Tribuna Criciumense. 14 de maio de 1956. Criciúma. Autor: Ézio Lima. Acervo Casa da Cultura de Criciúma. 110 “Rio Criciúma: problema sem solução”. Tribuna Criciumense. 15 de março 1969. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma.

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João Cechinel, um dos ramos do referido rio é tão sinuoso e superficial que forma imenso banhadal, ajudando na proliferação de mosquitos e prejudicando a saúde de quem mora na referida zona”.

Em algum momento da matéria parece que o autor tem um entendimento das consequências da canalização para o rio, quando enfatiza “ao escrevermos sôbre canalização, no caso, não estamos desejando afirmar que o Rio Criciúma deva de imediato, ser revestido de muros”. Mas, infelizmente a ideia de que a canalização do rio resolveria todos os problemas, na época, era muito forte e o repórter complementa:

Queremos apenas expressar a necessidade imperativa existente de que haja uma retificação bem como um aprofundamento de seu leito, o que virá evitar que suas águas se represem em tempos de cheias, inundando enormes áreas e formando alagadiços que possam vir a ameaçar a saúde de nossa coletividade111.

Mesmo com o processo de canalização do rio Criciúma e seus afluentes, as inundações continuaram ocorrendo na bacia. Depois das primeiras retilinizações dos cursos d’água do rio Criciúma, ocorreram entre os dias 21 a 28 de agosto de 1965 chuvas e inundações em todo o sul do país, segundo o jornal Tribuna Criciumense.

A reportagem informa que “Criciúma sofreu com transbordamento de riachos que inundaram o centro da cidade e várias zonas residenciais ocasionando prejuízos de monta”112. Apesar das retilinizações realizadas no rio Criciúma, em 1962, segundo o jornal “as ruas centrais [...] ficaram inundadas. Esta foi a primeira vez que as águas subiram assim e a maioria das pessoas opina que o transbordamento deve-se ao pequeno diâmetro do encanamento, recém instalado em uma nova construção”. Os bairros próximos da foz foram os mais atingidos. O jornal enfatiza que da rua Henrique Lage, local em que a prefeitura executou obras de dragagem nos rios não houve mais alagamentos e inundações, 111 “Rio Criciúma: problema sem solução”. Tribuna Criciumense. 15 de março 1969. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma. 112 “Chuvas e inundações devastam todo o sul do país”. Tribuna Criciumense. 21 a 28 de agosto de 1965. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma.

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mas estes apenas se transferiram para áreas mais a jusante, principalmente na foz. Tucci et al. (1995) comentam que as obras estruturais executadas no canal fluvial para evitar ou diminuir as cheias em determinado ponto da bacia hidrográfica apenas levam o fenômeno para trechos mais a jusante, onde o canal está livre de obras.

As inundações eram tão comuns na bacia que sua solução viraram promessas política de alguns candidatos a prefeitos da cidade. No ano 1965, Ruy Hulse então candidato à prefeitura de Criciúma pelo partido UDN, responde as perguntas de como seria sua plataforma de governo se eleito fosse ao cargo de prefeito, com relação às inundações do rio Criciúma.

As cheias ocorrem com certa periodicidade. Não quero afirmar que a Prefeitura seja a única responsável pelo estado calamitoso que a cidade e os bairros atravessam nestas ocasiões. Cabe contudo, à municipalidade uma série de providências para minorar este problema. Passamos por uma situação realmente paradoxal; não dispomos propriamente de um rio e estamos sujeito a enchentes. O aumento da secção, retificação e revestimento do chamado ‘Rio Criciúma’ se impõe como medida capaz de resolver, em grande parte este problema113.

Na fala do candidato a prefeito fica claro que se prefeito fosse iria continuar as obras de canalização do rio Criciúma como todos os prefeitos anteriores e assim o fez.

Nos anos de 1960, os jornais da cidade noticiaram onze (11) inundações de médias e grandes intensidades na bacia do rio Criciúma. Porém, a história da bacia do rio Criciúma é pautada pela ocorrência de inundações, de várias magnitudes e com alta freqüência, desde a sua colonização, em 1888. De acordo com Cunha (1994), as inundações ocorrem, pelo processo natural do rio ocupar seu leito maior em momentos de vazões excepcionais em intervalos de tempo. A freqüência e a magnitude de tais vazões são

113 “Ruy Hülse – Administração planificada para solucionar os problemas de Criciúma: Enchentes um Paradoxo”. Tribuna Criciumense. 21 a 28 de agosto de 1965. Capa e P. 08. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma.

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geradas em função da quantidade de precipitações, associada ao escoamento superficial concentrado decorrente das encostas.

Uma das primeiras inundações noticiadas em Criciúma ocorreu no ano de 1926, decorrente das fortes chuvas no mês de janeiro. Segundo a reportagem do jornal O Mineiro, a inundação “destruiu completamente 6 pontes entre ellas a celebre ponte do Rio Sangão, bem como diversos boeiros e pontilhões, deixando as estradas verdadeiramente em alguns pontos intransitáveis”114, deixando Criciúma sem comunicação com outros municípios. As chuvas foram intensas e “causaram grandes enchentes nos rios, sangas e sangradouros, que transbordando por fora de seus leitos e alagaram por completo os caminhos vicinaes”115.

Apesar da convivência histórica com as inundações, o sítio urbano de Criciúma continuou crescendo no fundo do vale e encostas adjacentes. Tal fato deve-se ao modelo colonizador adotado na implantação da colonização da bacia do rio Criciúma e, em grande parte, ao uso do rio Criciúma como divisor de lotes. Nesse período, o rio tinha também a função de suprir as necessidades básicas da população e ser um gerador de energia para engenhos, serrarias, tafonas, ferrarias, entre outros estabelecimentos. É possível também que isso tenha acontecido em função da falta de conhecimento prévio sobre o funcionamento de uma bacia hidrográfica ou pelo fato da área ter se firmado como o centro urbano do município. Morar próximo ao centro urbano representava para população status social, comodidade e segurança, pela proximidade com as casas comerciais e convívio com a vida social, política, econômica e religiosa do município.

Nas primeiras décadas após a colonização, com o reduzido número de pessoas, era possível conviver com as inundações por meio de uma adequada ocupação dos lotes. Os moradores, principalmente das áreas inundáveis, baseados em experiências anteriores faziam o uso do solo de seus lotes de tal forma que as inundações não causassem muitos prejuízos. As construções situavam-se numa parte mais alta do lote e/ou as casas eram construídas mais altas, enquanto que as várzeas eram utilizadas para pastagens e plantações. Deste modo, as inundações não representavam grandes transtornos à vida da população, como

114 “Grandes enchentes”. O Mineiro. Manchete do jornal de 01 de janeiro de 1926. 115 As citações foram copiadas na integra, respeitando a ortografia da época.

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mostram as entrevistas que algumas pessoas nem sequer percebiam que ocorriam enchentes, pois não eram atingidas por elas.

Com a expansão urbana e a necessidade da ocupação de novas áreas, os lotes foram desmembramentos, os antigos caminhos tornaram-se as ruas principais, ligando os bairros ao centro urbano da cidade. À medida que o núcleo urbano se expandiu, o planejamento dos lotes seguiu a mesma regra. Em alguns casos, os cursos d’água foram os vetores de crescimento do processo de urbanização, pois a ocupação se estendeu ao longo destes lotes até as encostas dos divisores de água da bacia do rio Criciúma.

Como a bacia do rio Criciúma é pequena, grande parte dos novos lotes encontrava-se nas áreas inundáveis e nas encostas dos morros. Com o crescimento populacional e consequente expansão da área urbana, as áreas inundáveis foram ocupadas, em função das ocupações irregulares propiciadas pelos aterramentos das áreas de várzeas. Enquanto ocorriam inundações de pequenas magnitudes, pouca importância era dada à questão, visto que já estavam incorporadas aos hábitos da população, não se refletindo em maiores prejuízos.

A partir do final dos anos de 1960, início dos anos de 1970, a expansão urbana na bacia, que era voltada basicamente para as áreas próximas ao centro urbano e na meia encosta do morro Cechinel, começa a mudar com a instalação no município de novas indústrias. A diversificação industrial ocorreu segundo Goulart Filho (2007), devido aos incentivos financeiros concedidos pelo governo federal, por meio do BNDE para amenizar o problema do desemprego, causados pela mecanização das minas116 de carvão.

Os empresários continuaram diversificando suas atividades industriais, trazendo para o município, outros profissionais para atender a nova demanda de trabalho, como foi o caso da instalação de outras empresas de cerâmica branca117 (pisos e azulejos), plástico, metal-mecânico, indústria química, calçados e do vestuário. Neste período, havia uma expectativa de crescimento

116 No ano de 1968 o governo federal exigiu por meio do decreto 62.113 que as companhias carboníferas apresentassem ao Plano do Carvão Nacional, projetos de mecanização das minas. Isso causou desempregos na grande maioria das carboníferas e repercutiu em todos os setores da economia de Criciúma. 117 Na bacia do rio Criciúma existia desde 1946, segundo Goulart Filho e Jenoveva Neto (1997), uma empresa de cerâmica branca a Cerâmica Santa Catarina S. A. (CESACA).

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industrial e de infra-estrutura, pois fora implantada a BR 101, que passava ao sul do município. Diante dessas expectativas, o poder público construiu acessos à rodovia federal que possibilitava rapidez no transporte de mercadorias e acesso, tanto para o sul, como para o norte do Estado.

Outra iniciativa que incentivou o crescimento urbano e industrial na bacia foi a retirada dos trilhos da Ferrovia Dona Tereza Cristina do centro da cidade no ano de 1975, direcionando-os mais para o sul da bacia. A Avenida Centenário118, foi planejada utilizando praticamente o mesmo traçado da Ferrovia Dona Tereza Cristina. A estrada de ferro durante todo o período em que permaneceu no município de 1919 a 1970, atuou, segundo Nascimento (2004c), como um marco delimitador dentro do espaço da cidade, que cerceava a expansão do centro em direção ao sul.

Para o autor, a ferrovia estabelecia “uma diferença entre o ‘lado de cá’ dos trilhos, que constituía a área central, e o ‘lado de lá’ (setor sul) dos trilhos, uma área menos valorizada e envolvida numa forte carga de preconceitos pelos moradores tradicionais do centro” (NASCIMENTO, 2004c: 78). Talvez esse preconceito em relação ao setor sul estivesse vinculado, segundo o autor, principalmente pelo bairro Comerciário ter características de zona rural, com plantações agrícolas, pastagem e criação de gado até os anos de 1970. Outra razão seria que os bairros São Cristovão e Santa Bárbara eram antigas vilas operárias das carboníferas Próspera e CBCA, respectivamente.

A desvalorização do setor sul da bacia pode estar associada ao “ponto de vista” (COLLOT, 1990) dos observadores da paisagem, ou seja, os sujeitos que a desvalorizavam percebiam apenas parte da mesma. Quando os trilhos foram retirados, que era um condicionante, foi possível observar a paisagem de forma mais ampla. Ao tomar consciência da paisagem “do lado de lá do trilho”, os sujeitos sociais que habitavam “o lado de cá do trilho”, ou os migrantes perceberam a multiplicidade de elementos que a envolvia e também se perceberam como parte integrante dela e passaram aos poucos a valorizá-la.

Associado à atividade industrial, houve também de 1973 a 1979, segundo Nascimento (2004c), um crescimento de produção

118 A Avenida Centenário foi concluída em 1980 e recebeu essa denominação por ser inaugurada no ano da comemoração dos l00 anos de colonização do município.

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da atividade carbonífera incentivado pela crise mundial do petróleo. Nesse período, o governo federal empenhado em substituir o petróleo por outro mineral como fonte geradora de energia, criou leis a fim de subsidiar a compra do carvão mineral. Em Criciúma, esses subsídios impulsionaram as empresas mineradoras a aumentar a sua produção.

O crescimento das atividades carboníferas foi sentido na bacia em forma de investimentos imobiliários e expansão da malha urbana, pois as minas de carvão localizadas na bacia do rio Criciúma já haviam fechado. Além das atividades carboníferas, Balthazar (2001) salienta que Criciúma contava com uma diversidade industrial embasada na construção civil, indústria cerâmica, plástico e metal-mecânica, que exigem mão-de-obra específica e qualificada para atender às exigências do mercado nacional e internacional.

A diversificação da indústria e o crescimento da atividade de mineração atraíram para o município, segundo Nascimento (2004c), nova leva de migrantes oriundos dos municípios vizinhos. Esses migrantes contribuíram para o aumento significativo da população do município que passou de 61.975 no ano de 1960 para 81.451 habitantes no ano de 1970, ou seja, um aumento da população em quase 32%. Segundo o autor, o aumento significativo da população contribuiu para consolidar Criciúma como o maior município do sul de Santa Catarina, no tocante ao número de habitantes.

O grande contingente populacional no município contribuiu para aumentar a urbanização na bacia do rio Criciúma e alterar significativamente a paisagem, em função da expansão da malha urbana. Para acompanhar essa perspectiva de crescimento industrial e populacional foi preciso modernizar a cidade com novos estabelecimentos comerciais e residenciais para receber os empreendedores.

A partir dos anos de 1970, segundo Balthazar (2001), na parte central da bacia inicia o processo de verticalização, principalmente nas ruas próximas às Praças Nereu Ramos e do Congresso. O processo de modernizar o núcleo central da cidade, fez com que muitas pessoas de classe social menos favorecida fossem afastadas dessa área e condicionadas a procurar bairros mais distantes.

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A elite de Criciúma, na década de 1970, respirava uma atmosfera impregnada de carvão, mas sonhava com outros ares, o das grandes e modernas cidades. Lutava por uma cidade com largas avenidas e altos edifícios que expressavam a importância que tinha aos seus próprios olhos. Tudo aquilo que estivesse entre a realidade e seus sonhos deveria ser removido: trilhos, casas e pessoas (NASCIMENTO, 2004c:140).

Com a modernização do núcleo urbano, o afastamento da classe mais pobre do centro e a vinda de migrantes para suprir a mão de obra operária nas indústrias instaladas do município e também das minas de carvão, novas áreas foram ocupadas, além do núcleo central. Houve uma valorização dos terrenos a leste (atuais bairros São Cristovão e Comerciário) e ao sul da bacia (atuais bairros Michel, São Luiz, Santa Bárbara, Milanese e Pinheirinho), incentivada pela implantação da BR 101 e também pela retirada dos trilhos da ferrovia do centro da cidade.

No setor leste da bacia, é possível perceber por meio da figura 4.03, que a antiga estrada Criciúma Araranguá, atual rua Desembargador Pedro Silva, um dos acessos à BR101, serviu como vetor de crescimento para os bairros Michel, Comerciário e São Luiz. Nascimento (2004c) considera que no bairro Comerciário houve maior crescimento populacional após a construção do estádio de futebol Heriberto Hulse, em 1955 e a ocupação se consolida com a instalação do Conjunto Educacional Sebastião Toleto dos Santos, em 1973.

No setor sul da bacia, um dos vetores de crescimento foi a Av. Desembargador Pedro Silva que liga os bairros São Luiz ao Pinheirinho e Santa Barbara. Esses bairros encontram-se no médio e baixo vale, portanto, em alguns trechos são áreas inundáveis, principalmente as que se encontram abaixo de 30 metros de altitude. Percebe-se na figura 4.03 que no bairro Milanese, próximo ao Paço Municipal, existe uma grande área de várzea ainda sem ocupação.

No setor oeste da bacia, um dos vetores de crescimento foi a construção da Av. Centenário quase o mesmo traçado da Ferrovia Dona Tereza Cristina. Esta via pública possibilitou a ocupação dos atuais bairros Tereza Cristina, Paraíso, Santa Augusta, São

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Francisco, Boa Vista e Pinheirinho, na margem esquerda do trilho da Ferrovia Dona Tereza Cristina. Partes desses bairros foram ocupados por uma população da classe social muito baixa. Nascimento (2004c:158) salienta ao longo desta avenida houve “um profundo processo de renovação urbano no entorno”, ao se instalaram ao longo do tempo estabelecimentos comerciais e residenciais, lojas, bares e lanchonetes, dentre outros.

Os mapas de ocupação urbana da bacia do rio Criciúma de 1957 (Figura 4.02) e de 1978 (Figura 4.03) mostram que em vinte e um anos, praticamente, todo o médio e baixo vale foram ocupados pela expansão da malha urbana, principalmente entre as cotas altimétricas de 24 a 50 metros. Salvo algumas exceções no setor oeste da bacia no atual bairro Paraíso, em que não houve ocupação por ser uma área de rejeito de beneficiamento de carvão e no bairro Pinheirinho, próximo ao antigo aeroporto por ser uma área de várzea. Houve também expansão da malha urbana no setor oeste da bacia, principalmente no morro Cechinel entre as altitudes de 60 a 120 metros e no setor leste da bacia, sobretudo, no morro Casagrande entre as altitudes de 60 a 90 metros.

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A ocupação de grande parte da bacia do rio Criciúma foi onerosa para o poder público, com a realização de obras de drenagem e canalização em vários afluentes do rio Criciúma, pois localizam-se em altitudes abaixo de 60 metros, em alguns casos, áreas inundáveis. No decorrer do processo de expansão e adensamento urbano não houve um planejamento adequado para cidade e muitos cursos d’água foram canalizados, com objetivo de “proteger a população” contra as doenças transmitidas pelos cursos d’água, acelerar a drenagem das águas das inundações e várzeas, construir vias de acesso, eliminar o mau cheiro oriundo dos esgotos, ampliar as áreas para assentamento das populações e construção de estabelecimentos comerciais. Próximos aos bairros periféricos, em alguns trechos, o rio foi canalizado apenas com contenção de margem e de fundo.

Mas, concomitante como o processo de modernização, a cidade continuava com os “velhos problemas”, que se avolumavam com a ocupação sem muito planejamento: a poluição das águas, do ar e dos solos. Tais problemas eram abordados na Tribuna Criciumense em agosto de 1970 de forma muito contundente, por Hiran Tomás, conotando Criciúma, como uma cidade poluída:

Quem duvida que seja Criciúma uma cidade poluída, basta verificar qualquer córrego d água. Não se cria nem sapo. Quem duvida da poluição de nosso ar, basta abrir a janela na parte da manhã e receber na cara a fedentina de nossa maior riqueza, infelizmente. Mas, isso não é nada. O cheiro se agüenta. No entanto, não se consegue divisar 300 metros à nossa frente pois a neblina, misturada com o pó e a fumaça, forma uma parede indevassável. E tudo isso nós respiramos. É fumaça das obsoletas “marias fumaças” que ainda continuam passando no centro da cidade, e a fumaça dos montes de pirita, em eterna e alegre combustão. Não há saúde que resista119.

Diante de toda essa poluição proporcionada pela exploração de carvão, o repórter faz um apelo às autoridades médicas e 119 “Criciúma – Cidade poluída”. Tribuna Criciumense. 08 de agosto de 1970.

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sanitárias para estudarem “o caso de Criciúma e convençam a população que tudo isso não faz mal à saúde... mata aos poucos”.

Hiram Tomás escreve outra reportagem sobre a cidade, chamando a atenção da população de forma muito incisiva sobre outro “velho problema”, a limpeza pública. Para o autor, as características da cidade revelam o seu povo, demonstram se as pessoas que vivem nela são cultas ou não e “uma pessoa quanto mais culta, mais limpa. E, tende a expandir esta limpeza a seu redor e quer limpos seus pertences” 120. No entanto, o autor utiliza frases agressivas para chamar a atenção da sociedade para o fato de que a falta de cuidado com a limpeza pública expressa para os visitantes uma mensagem de que as pessoas que vivem na cidade não têm muita noção de limpeza, pois a “cidade é o cartão de visita”.

Durante todos os anos de 1970, várias reportagens de jornais e campanhas foram produzidas com intuito de chamar a atenção dos criciumenses para não jogarem lixo nas ruas, nos terrenos baldios e nos rios. A limpeza pública e a impressão que os visitantes tinham ao chegarem a Criciúma eram uma preocupação constante nas matérias dos jornais. O hábito de não dar o destino adequado ao lixo produzido na cidade se agravou quando chegou à Criciúma, nos anos de 1970, um contingente de pessoas de vários lugares do Brasil, a fim de suprir a demanda de mão-de-obra trabalhadora nas indústrias recém instaladas no município.

O que impressiona nas matérias dos jornais, principalmente nos anos 1960 e início dos anos de 1970 é que, mesmo com todo o lixo lançado no rio, a cidade exalando cheiro de matéria orgânica e enxofre e todos os problemas sociais originados pela falta de moradia e saneamento básico, os repórteres atribuem à cidade “ares” de modernidade.

Numa reportagem em que o autor faz uma denúncia de que o “rio Criciúma será transformado, em depósito de lixo”, alega que esta atitude é um contraste “berrante e insalubre, desta terra vibrátil de progresso e gigantismo”121. O jornalista faz um alerta para que as instituições de serviço da cidade para que “sacudam a sensibilidade do povo e das autoridades dos mais diversos setores, no afã de que sejam adotadas providências enérgicas pela coibição do abuso”. 120 “Criciúma é lixeiro”. Tribuna Criciumense. 22 de agosto de 1970. 121 “Atentado à saúde pública: detritos no rio Criciúma”. Tribuna Criciumense. 24 de maio de 1969. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma.

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Percebe-se na fala do repórter que, ele exclui as pessoas no que chama de “progresso e gigantismo”. É como se esses adjetivos atribuídos à cidade não precisassem das pessoas para se estabelecer e elas precisassem ser “sacudidas” para entenderem que vivem numa cidade que progride. Ora, não são as pessoas que com o seu trabalho e a sua forma de se apropriar da paisagem que desenvolvem o progresso e fazem determinados lugares se agigantar? Como é possível dizer que determinado lugar “vibra de progresso”, se seu povo não se preocupa em desenvolver novos hábitos de identidade com o lugar em que mora?

Diante de toda essa expansão urbana e os incentivos para que a população se conscientizasse para viver em comunidade, os anos de 1970 também foram marcados pelas realizações de canalizações do rio Criciúma e seus afluentes. Essa canalização previa a retilinização do canal, seguida de contenção de margem e de fundo e alguns trechos com recobrimento superior, conforme divulgação dos jornais da cidade. Mas, enquanto as canalizações não eram realizadas, os jornais faziam várias críticas ao que eles chamavam de “falta de visão do poder público” que não iniciava o processo de recobrimento do rio Criciúma.

Em uma das reportagens, o autor de pseudônimo Pelicano faz uma crítica ao poder público sobre os problemas que “rio Criciúma causa”, e comenta que além de todos os “detritos orgânicos e inorgânicos e cheiros” do rio Criciúma havia também a falta de inteligência das autoridades por não canalizarem o rio. A reportagem segue em forma de sátira, propondo “o anúncio ideal” para ser colocado à disposição dos turistas nos hotéis de Criciúma, como forma de divulgação do município:

Falamos agora de nosso tão impecável e mal querido rio. Ora, foi êrro de impressão. Digo melhor, Rio Criciúma. Bem no centro de Criciúma o amigo turista poderá encontrar ao alcance dos olhos e do nariz um suculento rio que leva em suas águas o defecamento dos criciumenses, bem como aquilo que os mesmôs não utilizam mais. Além disso o amigo turista encontra fácil, fácil, o local para pescaria, pois o rio apresenta vários vermes em suas margens, facilitando assim a cata de minhocas. Não esqueça também que o rio

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Criciúma fica bem ali ao lado da Cobal e o Armazém Castelo. Ali, além de momentos agradáveis, o amigo turista poderá sentir de perto a falta de inteligência das autoridades que ainda não pensaram (e não pensarão tão cêdo) em canalizar o citado centro turístico122.

Na crítica há uma cobrança grande para canalizar o rio Criciúma, pois retirar o rio da “vista” dos transeuntes seria a forma de resolver grande parte dos problemas da cidade. No final da reportagem, o jornalista salienta que “no centro de uma cidade não pode haver lugar para um rio do quilate do que temos” e complementa que Criciúma não tem tendência a ser uma segunda Veneza. Percebe-se na fala do repórter que o rio é considerado um “ser” indesejado e que precisa ser retirado da visão dos espectadores que os observam apáticos e sem poder fazer muita coisa, pois a “responsabilidade” com relação ao rio é toda do poder público. A população é posta na reportagem como apenas uma vítima do rio e de suas mazelas.

A partir de 1973, segundo pesquisa nos jornais da época e entrevista, o prefeito Algemiro Manique Barreto inicia o processo de canalização do rio tão solicitado pelos meios de comunicação. Mas, para isso solicita um valor de treze milhões de cruzeiros para o Banco do Brasil, a fim de desenvolver obras de “retificação e canalização do rio Criciúma”123. Além dessa obra, o dinheiro seria destinado também para as “obras de infra-estrutura urbana, compreendendo a construção da Avenida ‘Axial Centro’, pavimento asfáltico de acesso centro, [...] e terminal rodoviário”. Essa atitude agradou os repórteres dos jornais locais por inserir na sua plataforma de governo, a canalização do rio Criciúma, como um dos empreendimentos prioritários.

A canalização realizada na gestão do Prefeito Algemiro Manique Barreto124 foi diferente das demais anteriormente realizadas, pois o rio foi retilinizado novamente, porém, houve a contenção de margens, do fundo (Figura 4.04) e em determinados

122 “A Pororoca”. Tribuna Criciumense. 18 de setembro de 1971. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma. 123 Lei n. 1.038, de 12/12/73. Autoriza o chefe do poder executivo a contratar com o Banco do Brasil S.A. operação de crédito de até CR$ 13.000.000,00 124 Algemiro Manique Barreto foi prefeito de 1973 a 1977.

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trechos o rio foi recoberto por lage de cimento. Conforme relato do Sr. Algemiro Manique Barreto:

O traçado do rio Criciúma, apesar da canalização que nós fizemos quase que permaneceu o mesmo (traçado), não havia como mudar. A única coisa que nós fizemos é que ele tinha um traçado todo sinuoso com muitas curvas, então procuramos fazê-lo em linha reta e edificamos uma lage de fundo, de concreto com as paredes laterais também de concreto, isso fez com que ameniza-se em grande parte, o mal cheiro que era provocado com as estiagens. Porque como todos sabem, o rio Criciúma era na época de 70 (1970) e continua sendo até hoje o grande absorvedor de esgotos de Criciúma. Então, na época quando dava uma estiagem as águas baixavam e secava a vertente do rio e os dejetos humanos ficavam espalhados pelas margens do rio, era profundamente mal cheiroso em toda sua extensão. Com a canalização do rio, em grande parte, foi solucionado porque a água vem lava e leva e depois não acumula tanto durante as estiagens125.

Figura 4.04: Vista do processo inicial de canalização do rio Criciúma em um dos bairros

125 Algemiro Manique Barreto. Entrevista realizada em 2004.

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da bacia, com contenção de fundo do leito. Acervo: Casa da cultura de Criciúma.

Na fala do ex-prefeito de Criciúma é possível perceber que as

obras de canalização no rio Criciúma feitas na sua gestão, mesmo depois de quase trinta anos, ainda são para ele a melhor solução para as inundações e a higienização da cidade. Na época da sua gestão, a Tribuna Criciumense enalteceu as obras, colocando-a como uma medida “inadiável, exigida pelo acelerado desenvolvimento do município”126, que precisa de condições adequadas de expansão. Para a reportagem, a canalização “se impõe pelo valor que tem para cidade o escoamento definitivo das águas e esgoto, que não poderão mais ficar entulhados em gargantas, ao longo do pobre leito”.

O referido prefeito, a fim de desenvolver parte dessa obra, no ano de 1974, autoriza novas áreas de desapropriação e permuta127 tanto no baixo vale, quanto nas encostas do Morro Cechinel no alto vale da bacia. Essas desapropriações conforme entrevista com o prefeito se fizeram necessárias e ocorreram desde “a sinaleira que fica nas proximidades do hospital São José (rua Pedro Benedet), um pouco pra cima, até a rua Araranguá”, em uma extensão de aproximadamente 2.500 metros.

Em março de 1974, o sul de Santa Catarina foi surpreendido por grandes inundações que deixaram muitos mortos e incontáveis prejuízos sociais e econômicos. A bacia do rio Criciúma também foi atingida neste evento de chuvas excepcionais, o que gerou muito prejuízos. Mesmo com o início do processo de canalização do rio Criciúma, a quantidade de chuva foi tão intensa neste episódio que o rio Criciúma e seus afluentes apresentaram uma vazão nunca antes observada, levando ao extravasamento do fluxo.

Em 24 de março de 1974, que ocorreu a maior enchente já registrada na região sul do Estado. A chuva caiu num volume assustador e atingiu fortemente a cidade de Criciúma. Vários bairros ficaram alagados; muitas lojas do comércio central foram

126 “Canalização do rio Criciúma”. Tribuna Criciumense. 15 de dezembro de 1973. P. 04. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma. 127 As desapropriações foram autorizadas pelas leis 1122, de 12 de setembro de 1974 e 1145, de 19 de dezembro de 1974.

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atingidas pelas águas que transbordaram do Rio Criciúma e as que desciam das áreas mais altas do município. Na Catedral São José, as águas chegaram até os últimos degraus. Os comerciantes, apavorados, tentaram salvar as mercadorias, mas a chuva não deu trégua, e grande parte perdeu quase tudo naquela enchente que durou apenas um dia (AUGUSTINHO, 2007: 237).

As ruas centrais (Figura 4.05) e zonas mais baixas da bacia, segundo reportagens dos jornais, foram completamente alagadas. Os bairros Paraíso e Bela Vista, localizados no baixo vale foram os mais atingidos pelas inundações, pois receberam todas as águas da bacia do rio Criciúma.

Figura 4.05: Vista parcial de uma das ruas centrais de Criciúma na inundação de março de 1974. Acervo: Arquivo Histórico de Criciúma.

O município sofreu perdas incalculáveis, em vários setores

da economia com as inundações e também houve problemas no sistema de abastecimento de água da cidade128. As notícias trazidas pela Tribuna Criciumense eram deveras alarmantes:

[...] a Prefeitura Municipal, [...] outras entidades criciumenses, [...] o governo estadual [...] e a Defesa Civil [...] tem prestado apreciável parcela de esforços, afim de que

128 “Casan recupera danos”. Tribuna Criciumense. Reportagem de capa de 25 de maio de 1974. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma.

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possamos encontrar soluções viáveis e imediatas para os problemas mais graves que afetaram o bem estar e a tranqüilidade de centenas de famílias. Por outro lado, comissões foram constituídas em reunião promovida pela Prefeitura Municipal, Associação Comercial e Industrial. Clube de Diretores Lojistas e Banco do Brasil, com o intuito de serem analisados em seus vários aspectos, os problemas de cada industrial e comerciante, cujos estabelecimentos foram invadidos pelas águas, sofrendo prejuízos incalculáveis. Somente os estabelecimentos situados no centro da cidade, apresentam danos materiais da ordem de dez milhões de cruzeiros. Com o desenvolvimento das atividades dessas comissões, podemos vislumbrar perspectivas alvissareiras, no tocante à prorrogação de prazos de impostos e abertura de faixas especiais de créditos, a fim de que os prejuízos sofridos pelos industriais e comerciantes de nosso município, não venham a se refletir diretamente na coletividade129.

Um mês após a inundação, a Tribuna Criciumense traz uma reportagem em forma de monólogo, contando os detalhes de como a população de Criciúma reagiu:

Era uma vez, 24 de março de 1974, Criciúma. De uma hora para outra a chuva aumenta. O rio se avoluma. Corre. Invade as ruas. Entra nas casas. E não pagou pedágio e nem pede licença. Tudo se tornou trágico. Tudo era pavor. Todos se põem em movimento. Os comerciantes querem salvar suas propriedades. Os curiosos querem divertir-se. A maioria anda nas ruas. Muitos dos altos edifícios olhavam pelas janelas. Alguns olhavam o lado trágico. Queriam salvar o que era seu. Muitos o lado divertido. Andavam de cá para lá. Nadavam nas águas

129 “Criciúma fica alagada”. Tribuna Criciumense. Reportagem de capa de 30 de março de 1974. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma.

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da rua. Puxavam carros. Catavam o que as águas roubavam das lojas. Todos vieram. Todos sentiram a realidade. Só falta constatar as conseqüências. Não são poucas. O fato era. Lembrança. As conseqüências são. Sempre foi e continua evidente o poder e a ilegicidade da natureza. Apesar de suas técnicas o homem é sempre pego desprevinido. Ontem fogo. Hoje água. Ele se defende de um lado e é atacado de outro. Mais uma vez fica evidente: tudo o que é comum une. A alegria comum une. A desgraça comum une. Ali tudo se torna de todos. Até os meios para diminuir as desgraças ou necessidade são somadas. Esquecem-se a fadigas os cansaços. Como há os grupos dos bons há os dos maus. O mal, a desgraça unem, também. Há os grupos dos malandros. Os dos injustiçados. Quando mais se lhes faz oposição, injustiças mais se unem. Neste momento em que o trágico tomou conta de toda uma região, foram esquecidos problemas particulares, questões grupais para serem focalizadas e mineradas as necessidades regionais. Quanto empenho! Quanta generosidade! Quanta dedicação! Quanto altruísmo! Nestas horas é que se faz necessária a organização, a chefia. E na medida em que foram atendidas as soluções e necessidades ela foi eficiente e suficiente. Criciumense nenhum sonhou com isso que viu nesses dias. Nascente de rio. Pé de morro. Toda aquela água era só da chuva. E chegou naquelas alturas! Onde é desembocadura de rio, o negócio deve ter sido pavoroso. Quantos foram os flagelados não se sabe. Estão abrigados nos vários estabelecimentos públicos. Lá estavam mais ou menos acomodados. Viu-se e ouviu-se de tudo.

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Mãe, como é bom aqui! É casa de rico. Tem de tudo: A gente pede pão, café e já vem. Eu não vou querer sair, não é mãe? Foi sugerido a alguém que fosse ver sua casa como estava. Respondeu: Conheço bem onde está. Só daqui a uns 10 dias. De tudo o que se ouviu daria para fazer tragédia, comédia ou qualquer outro gênero literário. Nós criciumenses tivemos muitas perdas materiais, porque temos muito. Mas, não chagamos perto do pavor, medo que nossos vizinhos sofreram. Nós questão de horas. Eles de dias. Perderam mais que nós. Vítimas, ninguém sabe quantas. [...] Estes acontecimentos ficarão em nossas lembranças por muito tempo130.

Em agosto de 1974, oito meses depois de iniciadas as obras de canalização do rio Criciúma, a Tribuna Criciumense faz uma síntese das obras, informando aos leitores que até aquele período já tinham sido concluídas:

setecentos e trinta metros de limpeza, escavações e regularização do leito, [...] setecentos e sessenta e dois metros de estaqueamento, seiscentos e vinte e dois de viga de fundação, quatrocentos e vinte de muros laterais em alvenaria, trezentos e vinte de lage de fundo, e duzentos e vinte metros de aterro lateral 131.

A reportagem informa também que até novembro de 1974 estariam “concluídos cerca de mil quinhentos e sessenta e um metros de canalização”. Para o autor da matéria, a canalização e os desvios realizados no leito impediriam outras inundações iguais às

130 “Água - Pavor”. Tribuna Criciumense. 06 de abril de 1974. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma. 131 “Canalização do rio Criciúma”. Tribuna Criciumense. 31 de agosto de 1974. P. 08. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma.

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de março132 daquele ano, que ocasionou prejuízos de alta monta para os estabelecimentos residências, comerciais e industriais.

Após a finalização da canalização do rio Criciúma, em 1975, a Prefeitura Municipal encaminha comunicação à população para informar sobre as obras de canalização do rio Criciúma. Na comunicação há um tom de desculpas em função de alguns gargalos que ficaram nas canalizações do rio Criciúma, pois o “estreito leito foi afetado pelas construções, muitas delas obstruindo a passagem da água, criando barreiras de escoamento”133. No entanto, a reportagem informa que o atual prefeito proibiu as construções sobre o rio Criciúma na sua gestão.

Depois dessa etapa de canalização, o rio Criciúma passou por várias outras, conforme a plataforma de gestão dos prefeitos ou a solicitação dos munícipes. No ano de 1978, por reivindicação do município, o rio Criciúma foi incluído no chamado “Cidade de Criciúma”134, um programa de saneamento ambiental em áreas urbanas desenvolvido pelo DNOS. O projeto seria executado de 1979 a 1984, com objetivo de “eliminar o perigo das enchentes e tornar a cidade e região melhor capacitada em termos de saneamento”. O programa seria efetuado em princípio no rio Criciúma que, segundo o jornal Tribuna Criciumense, “atravessa o centro urbano ao longo do trecho de densidade demográfica, funcionando como descarregador de água fluviais. Mas a vasão135 normal é prejudicada pela obstrução do canal, estrangulado em grande parte”. As obras implicariam em retificação e revestimento em concreto armado, “com secção média de seis metros quadrados, numa extensão de 4.800 metros de canal”.

O projeto também implantou um canal auxiliar, no ano de 1979, com o objetivo de auxiliar na vazão das águas do rio Criciúma. Nas noticias veiculadas na Tribuna Criciumense não havia informação dos locais da cidade por onde o canal auxiliar foi

132 O autor se refere às precipitações que ocorreram em março de 1974 em todo o sul do Estado que resultaram em inundações generalizadas. 133 “Rio Criciúma”. Tribuna Criciumense. 02 de agosto de 1975. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma. 134 “Criciúma será saneada até 1984”. Tribuna Criciumense. 26 de agosto de 1978. P.04. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma. 135 Os erros de ortografia foram mantidos, para caracterizar a originalidade da reportagem.

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implantado. Mas, fotografias dessa época mostram que nas ruas Marcos Rovaris (Figura 4.06), Santo Antônio, Getúlio Vargas (Figura 4.07) e Araranguá (Figura 4.08) houve obras para canalização do rio Criciúma.

Figura 4.06: Vista parcial da construção do canal auxiliar do rio Criciúma na rua Marcos Rovaris, no ano de 1979. Acervo: casa da Cultura de Criciúma.

Figura 4.07: Vista parcial da construção do canal auxiliar do rio Criciúma na rua Getúlio Vargas, no ano de 1979. Acervo: casa da Cultura de Criciúma.

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Figura 4.08: Vista parcial da construção do canal auxiliar do rio Criciúma na rua Araranguá, no ano de 1979. Acervo: casa da Cultura de Criciúma.

A implantação do canal auxiliar na rede de drenagem do rio

Criciúma também agradou aos jornais, pois estes teciam elogios mesmo com o grande valor da obra por acreditarem ser um investimento necessário “para a cidade no sentido de livrá-la do problema de inundação freqüente que acontecem com qualquer pancada de chuva”136. Mesmo quando havia crítica por parte da comunidade com relação ao transtorno que a construção do canal auxiliar ocasionava na área urbana, os jornalistas tratavam de justificar a sua importância. Na reportagem da Tribuna Criciumense de junho de 1979, a obra é considerada “uma das poucas que não é passível de críticas, pela sua elevada valia e salutar objetivo, desde que devidamente terminada”137.

Entretanto, depois da construção do canal auxiliar e de inúmeras modificações no rio Criciúma, os problemas referentes às inundações continuavam na cidade. Visto que, finalizada as obras de implantação do canal auxiliar no final do ano de 1979 e iniciado o período de verão de 1980, percebeu-se que com a vinda das chuvas, o canal não foi tão eficiente quanto à maioria das pessoas diziam que ele seria, pois continuaram as inundações na cidade. No início do verão de 1979, a Tribuna Criciumense informa que o canal auxiliar recém construído, depois de proporcionar inúmeros

136 “Canal auxiliar custará mais de 15 milhões”. Tribuna Criciumense. 22 de setembro de 1979. P.10. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma. 137 “Os positivismos e as mazelas da administração”. Tribuna Criciumense. 09 de junho de 1979. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma.

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problemas referentes ao trânsito na cidade não conseguiu dar vazão às águas das chuvas.

O criciumense passou inúmeros meses enfrentando o flagelo de um trânsito atravancado (ainda continua), sofrendo os efeitos ora da lama, ora da poeira, em pleno centro, na expectativa que o suntuoso buraco que estava sendo concretado pela municipalidade viesse a minorar seus problemas esporádicos e rápidas cheias que ocorrem em certos pontos da cidade, quando há um índice de precipitação pluviométrica mais acentuado. Recentemente, a Prefeitura Municipal de Criciúma, iniciou a distribuição, indiscriminada, dos carnês da Contribuição de Melhoria, à grande parte da população, sob o fundamento de que o canal auxiliar do rio Criciúma havia solucionado eternamente os problemas das cheias e, em conseqüência beneficiado a cidade. Porém, não demorou muito, a natureza veio desmentir o Poder Público Municipal, uma vez que no último dia 15 de dezembro as chuvas que caíram sobre a cidade, inundaram diversos locais de Criciúma. Ora, o canal auxiliar do rio Criciúma em seu primeiro teste, demonstrou e comprovou que a bilionária obra não conseguiu atingir seus objetivos138.

Além de não dar vazão às águas das chuvas, o novo canal auxiliar apenas transferiu o problema, ou seja, no centro da cidade nos lugares em que o novo sistema de galeria pluvial passou quase todas as casas, ou foram invadidas pelas águas da chuva, ou ficaram ameaçadas. Isso deixou a população apreensiva, pois era a primeira chuva forte depois que o canal auxiliar foi instalado. A Tribuna Criciumense passou a considerar o canal recém instalado, simplesmente como obsoleto.

138 “O canal auxiliar da enchente”. Tribuna Criciumense. 20 de dezembro de 1979. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma.

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Com esta implantação que se constituiu obsoleta e sem condições de agüentar uma grande vazão de água, demonstra a fraqueza de planejamento de tamanha envergadura, onde até o presente momento foram gastos muito dinheiro e que não está resolvendo nada. Alguns moradores que viram suas casas quase que invadidas pelas águas afirmaram de viva voz que ‘se estivessem o antigo canal auxiliar as coisas poderiam ser melhor, e nós estaríamos tranqüilo’. Caso se repetisse a mesma intensidade de água que caiu sobre nossa cidade em 1974. Fatalmente teríamos uma nova enchente e agora com maiores prejuízos para a população criciumense139.

A partir das novas inundações, a mesma imprensa que elogiava e enaltecia o canal auxiliar, como o “Salvador das Enchentes”, passou a criticá-lo140. Segundo a reportagem, os proprietários de estabelecimentos comerciais e residenciais localizados próximos ao canal auxiliar estavam preocupados, pois teriam que pagar “uma verdadeira fortuna” por uma obra feita “sem o mínimo de planejamento”.

Após a finalização das obras do canal auxiliar do rio Criciúma, a Prefeitura Municipal incluiu as despesas nos impostos pagos pelos contribuintes. Onze contribuintes municipais se recusaram a pagar as obras de canalização do rio Criciúma, alegando que o canal auxiliar não resolveu os problemas de inundação da cidade e entraram com um mandado de segurança na justiça. Mas o mandado de segurança foi considerado improcedente pela 1ª Vara da Comarca de Criciúma e também pela 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina141.

Na realidade, não era percebido pela população e pelo poder público, a partir da análise das reportagens de jornais, entrevistas e obras efetivadas, que as medidas estruturais tomadas não

139 “Canal auxiliar não auxiliou em nada”. Tribuna Criciumense. 22 de dezembro de 1979. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma. 140 “Canal auxiliar volta a preocupar”. Tribuna Criciumense. 02 de fevereiro de 1980. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma. 141 “Mantato de segurança envolvendo canalização do rio Criciúma foi julgado improcedente”. Tribuna Criciumense. 13 de dezembro de 1980. P.09. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma.

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resolveriam os problemas das inundações, pois a maior parte da cidade se encontra em fundo de vale. As pessoas não percebem ou não querem perceber que este é um compartimento que possui uma dinâmica ambiental muito intensa e que é agravada pela impermeabilização do solo e pela ocupação das áreas de várzea (antigas áreas tampão de cheias).

Principalmente depois do evento de 1974, intensificaram-se as discussões e os estudos sobre a proteção da cidade, tanto a nível governamental na execução de projetos de defesa (medidas estruturais), como no Código de Posturas do Município, que proibia o corte ou derrubada da vegetação nas encostas142. Contudo, nenhuma medida nesse sentido parece ter sido realmente efetivada.

A percepção de que o fundo do vale da bacia sofria inundações periódicas levou a população, principalmente pela classe média e alta da sociedade a se deslocar para as áreas das encostas dos morros Cechinel, do Pio Corrêa e Casagrande, as quais eram pouco ocupadas. Neste processo, ocorre o desmatamento e cortes nas encostas e a impermeabilização do solo, ampliando os riscos de deslizamentos e enxurradas nas encostas e inundações no fundo do vale.

A diversificação das indústrias, a retirada dos trilhos da Ferrovia Dona Tereza Cristina, a transformação das vilas operárias em bairros e as obras de canalização dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma assinalam o início do desaparecimento das marcas da atividade carbonífera e também dos cursos d’água da paisagem da bacia do rio Criciúma. Entretanto, seria necessária mais uma década para que a atividade carbonífera fosse praticamente extinta do município e as marcas na paisagem da bacia do rio Criciúma fossem fortemente apagadas. Porém, algumas marcas ainda persistiram e se transformaram em matrizes de informação, como apregoa Berque (2004). Essas marcas deixadas na paisagem eram os cursos d’água poluídos por componentes químicos e biológicos, impróprios para qualquer tipo de uso e também algumas áreas de rejeito de beneficiamento de carvão localizadas nos bairros Paraíso e Santa Augusta.

142 Capítulo IX: Proteção das Matas da lei n. 1.193, de 01 de outubro de 1975 – Código de Posturas de Criciúma.

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4.2 A urbanização na bacia do rio Criciúma nos anos de 1980 a 2000 e as modificações na rede de drenagem

Nos anos de 1980, a expansão urbana continuava forte, pois as empresas carboníferas ainda recebiam subsídios governamentais para explorar carvão, como substituto do petróleo para geração de energia. Com a economia do município em alta, novas indústrias se instalam em Criciúma e outras se fortalecem como foi o caso das indústrias de setor de vestuário. Nesse período, 73% das indústrias de confecção do vestiário da região sul concentravam-se no município (GOULARTI FILHO e GENOVEVA NETO, 1997).

A instalação de novas indústrias e o fortalecimento das já existentes atraiu novamente muitas pessoas para o município. Segundo dados do IBGE, no ano de 1980 o município contava com 110.604 habitantes, se os dados forem confrontados com a população de 1990, que eram de 146.320 habitantes percebe-se que houve um aumento de cerca de 32% de habitantes. Esse aumento estava atrelado tanto ao crescimento vegetativo da população, quanto ao aumento de população oriunda das migrações.

O crescimento demográfico incentivou a ocupação de novas áreas na bacia do rio Criciúma. O poder público municipal também fez o seu papel ao incentivar a ocupação do setor sul da bacia, com a transferência da Prefeitura Municipal do centro da cidade para o bairro Pinheirinho, em 1980 e nos anos seguintes pela inauguração do ginásio municipal e do Teatro Municipal Elias Angeloni. Nesse período, a ocupação estendeu-se para áreas de várzeas, sujeitas a inundações freqüentes do rio Criciúma e também houve o fortalecimento da ocupação das áreas de declividade acentuada nos morros Cechinel e do Pio Corrêa, pelas classes sociais média e alta do município.

A expansão urbana na bacia originou a redução de área permeável no sítio urbano da bacia. A impermeabilização do solo, associado à retirada de partes da cobertura vegetal que recobria as encostas nos morros Cechinel, do Pio Corrêa e Casagrande, repercutiu na capacidade de infiltração do solo, originando grande volume de sedimentos na calha fluvial e conseqüentemente o assoreamento dos cursos d’água. Esses fatores associados a canalização dos rios de primeira ordem, provocaram o escoamento

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superficial concentrado143 nas encostas. Como o rio canalizado não consegue dar vazão a toda essa água ocorrem as inundações em determinados pontos no fundo do vale, durante o período de maior precipitação, que ocorre de dezembro a março.

A ocorrência dessas inundações também pode ser favorecida pelo lixo lançado nos canais fluviais que represam as águas nos já subdimensionados dos trechos canalizados e também pela grande quantidade de água superficial que escoa diretamente para os rios, devido a impermeabilização do solo, decorrente dos edifícios, ruas asfaltadas, pátios lajotados, como salienta Tucci (1995).

O desmatamento das encostas já havia chamado a atenção de Aurélio Carlos Remor, diretor do DNOS, em uma visita a Criciúma, em 1977. Na época, o diretor falava da necessidade da criação de uma reserva florestal, pois o município estava desmatando exatamente nas regiões de maior declividade, o que “implica no aumento da velocidade das águas e na erosão que se verifica, faz com que hoje, os cursos d’água fiquem sem condições de escoamento”144.

O assoreamento associado ao lixo lançado nos rios intensifica ainda mais as inundações. Menos de um mês após as inundações de fevereiro de 1980, a Prefeitura Municipal realizou um mutirão de limpeza no rio Criciúma e encontraram grandes quantidades de detritos jogados no rio que prejudicavam o escoamento das águas. Após a limpeza nos cursos d’água o jornal Tribuna Criciumense, faz uma indagação ao poder público sobre o canal auxiliar: “O problema é saber se agora com a limpeza que está sendo executada no Rio Criciúma, o canal Auxiliar da enchente irá mesmo auxiliar nas grandes enchurradas145?”146. A história mostrou que esse e outros canais auxiliares construídos na bacia do rio Criciúma não foram suficientes para conter as inundações, pois as construções de residências e estabelecimentos comerciais continuaram a ser feitas, utilizando o leito do rio ou as suas margens.

143 O escoamento superficial concentrado ocorre quando há maior concentração das águas precipitadas, maior velocidade do fluxo das águas na encosta, e menor infiltração destas águas no solo (GUERRA, 2003). 144 “Diretor do DNOS em Criciúma”. Tribuna Criciumense. 27 de agosto de 1977. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma. 145 Os erros de ortografia foram mantidos. 146 “Rio Criciúma está recebendo melhor tratamento”. Tribuna Criciumense. 23 de fevereiro de 1980. P.04. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma.

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Diante do entendimento de que o hábito de lançar o lixo nos rios prejudica a população como um todo, o Rotary Clube Criciúma Oeste lançou em 1980, ano do centenário da cidade, uma campanha no sentido de conscientizar a população para não jogar lixo no rio Criciúma. A mensagem chamava o rio Criciúma de um “verdadeiro amigão” desde a chegada dos primeiros colonizadores, pois auxiliava nas necessidades básicas das famílias e considera as pessoas que jogam lixo no rio de não serem “amigas da cidade”, não “gostarem da cidade”. Visto que, não tinham respeito e consideração pelo resto da população que era consciente e não lançava lixo no rio. A mensagem instigava a população a denunciar os infratores:

[...] Se você observar alguém prejudicando nosso amigão, faço-o ver o erro que está cometendo. Reclame! Não fique parado! Vamos proteger as nossas coisas para o bem de todos. E que todos deixem as águas de nosso amigão correrem livres. Neste ano de nosso centenário, o nosso amigão também completa 100 anos de bons serviços à nossa cidade. Vamos respeitá-lo147.

Houve por parte da Prefeitura Municipal, durante a gestão do José Hülse de 1983 a 1989, a conscientização da população da necessidade de manter o rio Criciúma limpo148. Para isso instituiu-se um adesivo com os dizeres “Ame o Rio Criciúma” e também um “fiscal do rio” que aplicava multas nos moradores que jogavam lixo no rio. O Jornal da Manhã de 1996 traz uma entrevista com Alvacir Damázio, um dos fiscais do rio Criciúma que trabalhou de 1983 a 1984:

[...] Durante dois anos, todos os dias pela manhã Alvacir calçava à a bota de cano longo e descia o rio na rua Marechal Deodoro, [...] e percorria os corredores escuro de canalização na área central, até a rua conselheiro João

147 “Rotary oeste: proteja o rio Criciúma”. Tribuna Criciumense. 24 de maio de 1980. P.11. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma. 148 “Obras realizadas nas últimas décadas no Rio Criciúma”. Jornal da Manhã. 20 e 21 de janeiro de 1996. P. 07. Criciúma. Acervo: Universidade do Extremo Sul Catarinense.

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Zanete. [...] Entre a canalização do rio e as colunas dos prédios construídos dentro do leito, Alvacir ia recolhendo o lixo com mais sete colegas. [...] Alvacir tinha um método próprio para aplicar as multas. Ele explica que na primeira vez que uma pessoa era flagrada tentava conscientizá-la para não jogar lixo no rio. Da segunda vez ele aplicava o auto de infração.na terceira vez não tinha escapatória.Era uma multa que poderia ser de um a 10 salários mínimos. [...] Mas, se os infratores eram desfavorecidos economicamente Alvacir tinha outra forma. ‘quando eram pobre eu dizia que ia chamar a polícia, eles se assustavam e não jogavam mais lixo no rio’. [...] Mas, o tempo foi generoso e no final os moradores ajudavam a fiscalizar149.

Mesmo com toda a conscientização realizada pelo Rotary, pelo poder público e também pelos jornais, a população continuou a lançar esgoto e lixo no rio Criciúma (Figura 4.09).

Figura 4.09: Vista parcial do rio Criciúma, canalizado com contenção de margem e de fundo, na rua Araranguá. Percebe-se que o rio encontra-se com muito lixo e assoreado. Acervo: Casa da Cultura de Criciúma, 1980.

149 “Alvacir Damázio: fiscal do rio na década de 80”. Jornal da Manhã. 20 e 21 de janeiro de 1996. P. 07. Criciúma. Acervo: Universidade do Extremo Sul Catarinense.

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As reportagens de jornais apontam que durante toda a década

de 1980, os prefeitos realizaram inúmeras obras de canalização e drenagem dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma. Para realizar essas obras de canalização, os prefeitos autorizaram permutas150 de áreas de terras nos bairros Pio Corrêa, Centro, Operária Nova para o alargamento e prosseguimento do canal do rio Criciúma.

A ideia de que a canalização dos cursos d’água resolveria os problemas de inundação e o mau cheiro dos cursos d’água era tão forte, que os próprios moradores solicitavam-na ao poder público. Quando o poder público não tinha verbas para realizar as obras, os moradores pagavam pela canalização. As entrevistas mostraram que algumas canalizações com contenção de margem, de fundo e recobrimento do rio Criciúma, foram realizadas com recursos financeiros dos próprios moradores, pois tinham interesse nas áreas que eram ocupadas pelo rio. Um exemplo desse procedimento foi realizada na rua Pe. Pedro Baldoncini, no centro da cidade, levantado em entrevista com o Sr. Santo Longarete:

[...] Nós pedimos ordem pra eles (Prefeitura Municipal). Mas, eles não botaram a mão em nada. Nós é que compramos a pedra, nós é que fizemos tudo. Todos os moradores que tinham terreno aqui onde o rio era livre, nós passamos (murros de contenção) encostadinho do rio. Tinha uma casa só aqui em baixo, porque as casas eram só lá em cima. Aqui não tinha prédio, não tinha nada. Só tinha o rio e mais nada. [...] Nós fizemos (a canalização) pra aproveitar o terreno aqui e do outro lado também151.

A solicitação para o poder público do recobrimento do rio, com intuito de expandir os lotes e “limpar” as propriedades foi um assunto levantado por praticamente todos os entrevistados. Alguns entrevistados relataram que muitas pessoas construíam sobre os rios, pois consideravam que o rio era “terra de ninguém” e aproveitavam os terrenos para suas edificações. Atualmente muitos

150 As permutes foram autorizadas pelas leis de 1554,16 de junho de 1980; 1767, de 27 de maio de 1982; 2.818, de 21 de dezembro de 1992. 151 Santo Logareti nasceu em Morro Grande em 1932.

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estabelecimentos comerciais e residenciais e arruamentos encontram-se sobre o rio Criciúma e seus afluentes.

Os prefeitos, ao canalizarem partes dos cursos d’água sempre utilizavam a justificativa de que “as obras beneficiariam” as comunidades dos bairros atingidos, pois alargaria o canal fluvial. No ano de 1987, a Prefeitura Municipal solicitou ao DNOS auxilio financeiro para canalização e drenagem de cursos d’água dos bairros São Luiz, Pinheirinho, Nossa Senhora da Salete, Santo Antônio e Rio Maina. Desses, três bairros fazem parte da bacia do rio Criciúma, o São Luiz, Pinheirinho e Santo Antônio. A reportagem da Tribuna Criciumense a respeito do fato assim se expressa:

Nos cinco bairros atingidos com as futuras obras, quem sairá ganhando é a população, que terá a ampliação do canal localizado no Bairro São Luiz, compreendendo as ruas Washington Luiz e Afonso Pena, numa extensão de 580 metros. Outra melhoria, segundo o prefeito Hulse, refere-se a drenagem nas ruas Zacharias Gomes e Imigrante Dário, numa extensão de 400 metros, localizadas ambas no Bairro Pinheirinho. Já no Bairro Santo Antônio, as melhorias atingirão 280 metros na Rua Rio do Sul.152

A própria comunidade achava a canalização do rio Criciúma uma obra de grande valor para comunidade em geral. A grande maioria dos entrevistados agradece aos prefeitos pelas obras e considera a canalização como uma benfeitoria para a sociedade, pois não consideravam que o canal fluvial fosse um rio e sim esgoto. Uma entrevistada ao ser perguntada se lembrava do período em que um determinado prefeito canalizou o rio Criciúma, ela responde de forma ríspida: “Ele não canalizou o rio, ele não canalizou o rio, ele canalizou o esgoto”. Pela fala da entrevistada é possível perceber que no final da década de 1980 a população

152 “Hulse que canalizar cinco bairros criciumenses”. Tribuna Criciumense. 03 de outubro de 1987. P.02. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma.

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considerava o rio Criciúma não mais como rio e sim como esgoto153 que corria a céu aberto.

Diante da perspectiva de que o rio Criciúma era um esgoto fica fácil entender as diversas solicitações feitas pela sociedade ao poder público para a sua canalização. O Sr. Antônio Casagrande ao ser perguntado se a sociedade de forma geral gostou das obras de canalização realizadas pelos prefeitos, responde:

Imagina, todo mundo. Era limpeza, saúde. Acabou com aquela nojeira. Agora você não vê nada. É um canal mais ou menos do tamanho desse quarto aqui, uma chapa cheia de cimento dessa grossura. Passa carro, passa caminhão em cima e quem vem de fora nem sabe que tem um rio. Passa bem na frente do meu portão no portãozinho ali que você entrou (rua Santo Antônio). [...] Atravessa, passa no vizinho ali em baixo. Passa no Angeloni (supermercado, na rua marechal Deodoro) e vai embora154.

Na fala do Sr. Antônio, está representada o sentimento de repulsa que a sociedade tinha do rio Criciúma e seus afluentes. Para a sociedade, o rio era um transmissor de doenças e moléstias e era preciso eliminá-lo do espaço de vivência das pessoas, pois a cidade estava em franco desenvolvimento econômico e social.

O início dos anos de 1990 é marcado pelo fim dos subsídios para exploração de carvão na região sul catarinense por parte de governo, em função da abertura de mercado externo e a importação do carvão metalúrgico. E, também pelo fortalecimento das micro e pequenas empresas de diversos ramos, como as confecções, vestuário, setor químico, metal mecânico, alimentício, entre outras 153 Em Criciúma, como nos demais municípios do extremo sul catarinense, os esgotos urbanos são lançados “in natura” nos cursos d’água (SANTA CATARINA, 1997). Na grande maioria dos municípios brasileiros a realidade não é diferente. Segundo dados da pesquisa nacional de saneamento básico (IBGE, 2001b), dos 5.507 municípios brasileiros, 52,2% possuíam algum tipo de serviço de esgoto sanitário, independente da extensão da rede coletora. 84,6% dos distritos brasileiros com coleta de esgoto sanitário, não possuem nenhum tipo de tratamento no esgoto produzido, jogam-no in natura nos cursos d’água. Porém, no ano de 2009, o município de Criciúma iniciou o processo de construção de um sistema de coleta e tratamento do esgoto em convênio com o governo estadual. 154 Entrevista com Antônio Casagrande em 23 de fevereiro de 2007.

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que absorveram parte da mão-de-obra dos desempregos das minas de carvão (GOULARTI FILHO, 2007).

A diversificação das indústrias iniciada nos anos de 1960, segundo Goularti Filho e Genoveva Neto (1997), contribuiu significativamente para que a economia do município se recuperasse mais rapidamente da crise que se abateu sobre as empresas carboníferas após o fim dos subsídios governamentais. Com o fortalecimento das novas indústrias instaladas no município, criam-se outros grupos econômicos em Criciúma que passaram a influenciar a economia e a política, não só do município, como também de Santa Catarina.

Entretanto, nem toda mão-de-obra desempregada conseguiu se colocar no mercado de trabalho novamente e a solução encontrada por parte dos desempregados foi a emigração para os Estados Unidos em busca de trabalho. Os rendimentos ganhos na América do Norte eram investidos em imóveis em Criciúma, acelerando a expansão do setor imobiliário e da construção civil no município (ZILI, 2005) e consequentemente na bacia, com a construção de estabelecimentos comerciais e residenciais. Segundo o autor, algumas construtoras com sede em Criciúma têm filiais nos Estados Unidos, a fim de melhor atender os emigrantes.

No final dos anos de 1990, mesmo com o aumento da verticalização no alto e parte do médio vale, havia também uma pressão ocupacional nas áreas de declividade mais acentuada dos morros Cechinel e Casagrande, consideradas como áreas de preservação pelo Plano Diretor do município. A pressão ocupacional estava embasada nos problemas de inundações que ocorriam nas porções mais baixas e centrais da bacia. A expansão da malha urbana para as encostas dos morros, fez com que a canalização também fosse adotada para a grande maioria dos canais de primeira ordem (nascentes) (Figura 4.10) e também para alguns dos canais de ordem maiores.

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Figura 4.10: Vista parcial da canalização dos rios de primeira ordem nas encostas do Morro Cechinel, Bairro Cruzeiro do Sul, com contenção de margem e de fundo. Acervo: Casa da Cultura de Criciúma, 1981.

Um exemplo de canalização dos cursos d’água de ordem

maior nas encostas do morro Cechinel ocorreu no ano de 1995. A Prefeitura Municipal autorizou a canalização de parte do afluente formador (margem direita) do rio Criciúma, na rua Vidal Brasil (Figura 4.11), ao lado do Hospital São João Batista. A obra previa a construção de “130 metros lineares em concreto armado com um metro e 20 centímetros de base por 1 metro e 50 centímetros de altura”155. Além de “um canal celular e três caixas redutoras de velocidade de água”. A obra foi iniciada segundo reportagem do jornal com intuito de minimizar o mau cheiro oriundo do afluente, em função do esgoto sanitário das casas e do próprio hospital e beneficiaria 1.300 moradores dos bairros Cruzeiro do Sul e Mina Brasil. Entretanto, a obra não chegou a ser concluída, sob a alegação de ser construído em área de preservação permanente.

155 “Esgoto ao lado do hospital terá em breve canal celular”. Tribuna Criciumense. 11 de agosto de 1995. P. 14. Criciúma. Acervo Casa da Cultura de Criciúma.

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Figura 4.11: Vista da canalização de parte do afluente da margem direita formador do rio Criciúma, na rua Vidal Brasil. Acervo: Rose Maria Adami e Yasmine Moura da Cunha, 2004.

Na gestão de Altair Guidi de 1989 a 1992, a prefeitura realizou algumas obras de canalização dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma. Essas obras foram apresentadas no relatório do “Projeto Criciúma Criança” e chamadas de “obras escondidas”. Segundo o relatório, essas obras eram compostas de “galerias pluviais, bueiros celulares e obras de saneamento básico” (CRICIÚMA, 1992), que depois de realizadas foram recobertas e sobre elas foram construídas arruamentos e edificações em vários bairros da cidade (figura 4.12). Na bacia do rio Criciúma essas obras foram realizadas nos bairros Pinheirinho, Santo Antônio, Santa Bárbara, São Luiz e Operária Nova.

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Figura 4.12: Vista da canalização de um curso d’água, da esquerda para a direita no alto da figura, com contenção de margem, de fundo e recobrimento superior pelo poder público. Acervo: Criciúma (1992).

Após o processo de recobrimento de grande parte do rio

Criciúma no núcleo central da cidade, percebe-se pelas reportagens de jornais da década de 1990, que as informações sobre inundações aumentaram significativamente. Em dez (10) anos, de 1990 a 2000, foram noticiadas 26 inundações, com destaque para os anos de 1996, com informações de ocorrência de sete (07) inundações, em 1998, com cinco (05) e em 2000, com seis (06) inundações. Isso não quer dizer que não houve outras inundações, mas que não foram noticiadas.

Na grande maioria das vezes em que ocorreram inundações na bacia, os meios de comunicação (rádio e jornal) discutem o assunto e as soluções apresentadas são sempre as mesmas, ou seja, a construção de canais auxiliares156 e canalização dos cursos d’água que ainda permanecem sem recobrimento. Exemplo disso foi a “solução” encontrada pelo Secretário de Obras da Prefeitura Municipal, após as inúmeras inundações no ano de 1996. O

156 “Canais auxiliares podem ser a solução viável”. A Tribuna. 22 de setembro de 2000. Criciúma. Acervo: Universidade do Extremo Sul Catarinense.

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Secretário informa que tem dois projetos para solucionar, em parte, as inundações da bacia do rio Criciúma. O primeiro projeto seria construir um canal auxiliar nos bairros Comerciário e São Cristóvão e o segundo, outro canal auxiliar para escoar a água dos bairros Vila dos Engenheiros, Mina Brasil e Loteamento Próspera157.

Percebe-se que as promessas do poder público para resolver os problemas de inundações na área central de Criciúma, em 59 anos pesquisados em jornais são sempre as mesmas: alargamento dos cursos d’água, no médio e baixo vale e construção de canais auxiliares, no alto vale.

Um exemplo do aprofundamento e alargamento do rio Criciúma no médio e baixo vale, ocorreu em 1996, próximo dos bairros Paraíso, Boa Vista, Santo Antônio e São Francisco. Nesses bairros o assoreamento do rio Criciúma é constante pela retirada de vegetação das encostas dos morros Cechinel, do Pio Corrêa e Casagrande, para construções residenciais e pastagens. A retirada da vegetação nas encostas origina grande volume de sedimentos na calha fluvial e conseqüentemente o assoreamento dos cursos d’água. Com o intuito de desassorear o rio Criciúma próximo da foz, segundo Jornal da Manhã de janeiro de 1996, a Prefeitura Municipal resolveu alargar o rio Criciúma que se encontrava com cinco metros de largura e passou a ter 11 metros158 após a finalização da obra. O alargamento e aprofundamento do canal a jusante faz com que o rio ganhe velocidade e eroda o fundo do leito a montante (CUNHA, 1995), ou seja, no núcleo central.

O recobrimento total dos cursos d’água no alto vale e parte do médio vale ou o desaparecimento dos rios da paisagem do alto vale da bacia fez com que o processo de limpeza dos rios para retirada de terra e dos entulhos fosse difícil, principalmente quando se utiliza o processo de mecanização. Segundo uma reportagem da Tribuna Criciumense159, no rio canalizado existe apenas pequenas aberturas no concreto (recobrimento superior do rio) em que os funcionários da prefeitura municipal passam para realizar a limpeza

157 “Secretário de obras diz que não pode acabar com cheias”. Tribuna Criciumense. Matéria de capa de 12 de fevereiro de 1996. Criciúma. Acervo: Universidade do Extremo Sul Catarinense. 158 “Tempo bom ajuda para início da limpeza no Rio Criciúma”. Jornal da Manhã. 24 de janeiro de 1996. P. 10. Criciúma. Acervo: Universidade do Extremo Sul Catarinense. 159 “Operação limpeza: Prefeitura retira entulho do rio”. Tribuna Criciumense. 27 de janeiro de 2000. Criciúma. Autor: Luiz Carlos Espíndola. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense.

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do rio de forma manual. Isso faz com que muito lixo lançado no rio nas pequenas galerias abertas do alto vale se acumulem entre os pilares dos prédios ou gargalos da canalização e provoquem pontos de inundação.

Nos anos de 1990, assim como nos anteriores, os jornais do município fizeram inúmeras denúncias de fragrante de lixo nos corpos d’água da bacia. Mas, mesmo no final do século XX, com todas as campanhas de conscientização, a população de Criciúma ainda não tinha absorvido esses ensinamentos, pois o rio Criciúma ainda era um dos meios da população se “livrar” do lixo. Muitas vezes essa falta de conscientização partia de pessoas que tinham certo nível cultural e trabalhavam em estabelecimentos comerciais localizados na parte central do município.

A falta de conscientização de certas pessoas, aliadas ao desrespeito com os ecologistas e trabalho de preservação de seu leito pela municipalidade, está fazendo com que o rio Criciúma continue sendo violentamente castigado pela poluição. [...] Segundo denúncias de moradores residentes próximo ao rio, duas casas comerciais [...] vem se constituindo nos maiores poluidores do rio. Disseram os reclamantes que, da cozinha destas duas casas são jogados sacos de papel higiênico, cascas de frutas e verduras e outros detritos que escorrem parede abaixo num verdadeiro fragrante [...] de um rio que não suporta mais ser massacrado. Essa agressão, [...] vem se constituindo na maior arma de contribuição para as enchentes, pois, seu leito, invadido por detritos forma verdadeiras barreiras de proteção das águas. Caso os fiscais do Departamento do Meio Ambiente não tomarem as devidas providências, dentro de pouco tempo o rio Criciúma não terá mais forças para ajudar na vasão das águas da chuva, e, por conseqüência, as enchentes no centro da cidade serão mais constantes e violentas160.

160 “Rio Criciúma: continua sendo castigado por detritos”. Tribuna Criciumense. Reportagem de capa de 29 de dezembro de 1990. Criciúma. Acervo: Universidade do Extremo Sul Catarinense.

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Mesmo nos bairros localizados nas encostas do Morro

Cechinel, os moradores também solicitavam a canalização de partes dos cursos d’água do afluente da margem direita do rio Criciúma, em função do mau cheiro proveniente do lixo lançado no rio. A solicitação se fazia necessária, segundo os moradores dos bairros Cruzeiro do Sul161 e Vera Cruz162, no período de chuvas intensas ocorria inundações, em função do acúmulo do lixo nos cursos d água.

Essas atitudes, por parte da população, eram representações da ressignificação do rio Criciúma. Mesmo com todas as denúncias realizadas pelos meios de comunicação, as pessoas continuavam a lançar nos rios seus lixos e a Prefeitura Municipal era obrigada a realizar mutirões de limpeza para “desafogar” os cursos d’água. Um desses mutirões de limpeza foi realizado no ano de 1996, depois da cidade ter sido inundada seis vezes163 em menos de um mês. O mutirão foi acompanhado pelo Secretário de Obras, pelo engenheiro sanitarista da Prefeitura e por um repórter do Jornal da Manhã, que fez um relato da situação em que se encontrava o rio Criciúma nos seus 7,5 quilômetros de extensão. Segundo a reportagem:

[...] No primeiro quilômetro do rio Criciúma, entre o hospital são João Batista até a rua Pedro Benedet, na galeria Catarina Traide Center, o rio esta canalizado com uma largura de três metros e com trechos contendo areia no fundo. O segundo quilômetro até a Estação Rodoviária está submerso. Sobre ele foram construídos os prédios da área central da cidade. Por este trecho não é possível ver o rio. [...] No terceiro quilômetro na Estação Rodoviária a rua Antônio Peruchi no bairro Santa Bárbara começa aparecer os entulhos no rio. São plásticos, garrafas, areia e mato na encosta. Neste trecho existem vários canais

161 “Moradores reclamam da falta de drenagem do Rio Criciúma”. Jornal da Manhã. 17 de junho de 1997. Criciúma. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense. 162 “Acúmulo de lixo na Vera Cruz procava problemas com ratos”. Jornal da Manhã. 07 de março de 1997. Criciúma. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense. 163 “Novo alagamento incomoda moradores”. Jornal da Manhã. 18 de janeiro de 1996. Criciúma. Autor: Maurício Vieira. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense.

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que se encontram com o rio, com a água de cor amarela. No quarto quilômetro, do bairro Santa Bárbara ao bairro Santo Antônio, próximo a danceteria Signus, o rio corre entre duas encostas de mato e lixo. As areias trazidas pelas águas estreitam o Rio Criciúma em cerca de dois metros. O quinto quilômetro abrange o trecho entre a rua Silvino Rovaris, fundos da Carroceria Becker. O rio também está assoriado com mato e entulho. No sexto quilômetro do Rio Criciúma é caótico. A terra, o mato e o lixo o estreitaram. Ali o Rio Criciúma corre por uma largura de aproximadamente dois metros. A água do rio começa a se tornar preta, devido à coquerias nas encostas. No sétimo quilômetro a situação do rio Criciúma é ainda mais alarmante. As águas escuras mal conseguem passar entre os entulhos amontoados de dezenas de meses. Na foz o rio ainda tem que vencer uma ponte, abandonada por uma mineradora, e se encontrar com o rio Sangão. A água do rio Sangão, de cor amarela corre ao lado das águas escura do Rio Criciúma164.

Na descrição percebe-se que o rio Criciúma encontra-se numa paisagem repleta de representações que informam ao intérprete da paisagem o significado que o rio tem para população da bacia, mesmo que este elemento geográfico participe ativamente do cotidiano individual e coletivo da sociedade. Essa interrelação ocorre porque é impossível separar o indivíduo da paisagem e/ou de um elemento que a compõe, pois o indivíduo está envolvido nela, como frisa Berque (2004). As construções sobre os cursos d’água da bacia e o lixo ao longo de todo o percurso do rio Criciúma, revelam os valores simbólicos e/ou identidade que cada indivíduo da bacia tem com o rio Criciúma. Isso porque embora a representação pertença a toda sociedade, segundo Castro (1997), a interpretação dos símbolos para a construção mental dos significados passa em cada um dos indivíduos que fazem parte da sociedade. 164 “Rio Criciúma: assoriado e com lixo”. Jornal da Manhã. 20 e 21 de janeiro de 1996. Criciúma. Autora: Jane da Rosa. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense.

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O significado do rio Criciúma como um elemento que precisa ser eliminado da paisagem torna-se mais claro na década de 2000, em função do avanço da construção civil na bacia, que contribuiu muito para o processo de verticalização urbano no alto e médio vale. O recobrimento do rio, as edificações construídas junto às margens e às vezes no espaço do próprio leito são marcas que expressam esse significado e permitem compreender as relações estabelecidas entre os atores sociais e as suas interações na paisagem da bacia nos últimos anos, como uma construção cultural. 4.3 A urbanização na bacia do rio Criciúma nos anos de 2000 e as modificações na rede de drenagem

A modernização do núcleo urbano proposta nos anos anteriores resultou em uma paisagem urbana verticalizada, principalmente no alto e médio vale com prédios com mais de 10 andares, ocupando os terrenos das antigas residências de apenas um pavimento. Enquanto que a paisagem de parte do médio vale e do baixo vale foi ocupada por casas de no máximo dois pavimentos, com exceção apenas do bairro Universitário que apresenta algum indício de verticalização motivada pela vinda para Criciúma de estudantes de outros municípios e/ou estados para estudar na Universidade de Extremo Sul Catarinense (Figura 4.13).

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Figura 4.13: Vista parcial da paisagem da bacia do rio Criciúma, com a verticalização de parte do alto e médio vale e a horizontalidade das residências em parte do médio e baixo vale. Acervo: Criciúma (1992).

A modernidade, por meio da verticalização dos edifícios

apagou grande parte das marcas deixadas pela atividade carbonífera no núcleo central e também dos cursos d’água do rio Criciúma e suas margens.

A década de 2000 foi produtiva para o setor da construção civil. Em 2005 Zili (2005) relata a região de Criciúma contava com aproximadamente 60 construtoras em atividades e, que de 2000 a 2002 as construtoras entregaram 107 edifícios prontos, e destes, oito apenas não se encontravam no município. Como a área mais verticalizada do município de Criciúma localiza-se no núcleo urbano, acredita-se que grande parte dos edifícios construídos localiza-se na área da bacia.

Nos anos seguintes, as construtoras continuaram a construir em ritmo acelerado e a todo o momento viam-se prédios sendo erguidos, onde antes se localizavam terrenos baldios, residências de pavimentos menores ou sobre as lajes de concreto que recobriam os cursos d’água da bacia. Essa expansão imobiliária desmedida foi descrita por Sandra Meyer Silvestre em um artigo de jornal, que

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retrata a sua angustia ao perceber “a fúria imobiliária” no município:

Eu não pedia muito. Conformada em morar numa cidade sem vista para o mar e sem curso de rio (a não ser em dias de enxurradas), meu olhar pastava no último reduto verde de minha rua – um terreno baldio. Diga-se, ele era um lindo terreno e o termo baldio nem lhe faz justiça, porque baldio é sinônimo de inútil e, como veremos, o terreno prestava-se a inúmeras necessidades. A grama descuidada, os anúncios publicitários ao fundo e o frondoso cinamomo conviviam na mais perfeita harmonia. Até que... Em meu terreno baldio a infância celebrava sua alegria nos fins de tarde. Ali ela se reunia barulhenta e inundava a rua com seu riso contagiante. Até que... Meu terreno baldio era também uma espécie de sala de recuperação. Explico: todos os dias, depois do almoço, um triste rapaz recuperava-se de uma lesão nos membros inferiores. Sentava-se sob o cinamomo e ali tomava sua dose diária de sol e cura. Até que... Até que a fúria imobiliária que vem enlouquecendo Criciúma nos últimos anos, resolveu atacar. Ela, mais uma vez, não poupou as crianças, nem os convalescentes, nem o meu olhar desesperado. Os homens que chegaram com prego e martelo, bem sei, não são os culpados. Um prédio de apartamentos, me diziam. Não que o bairro precise, aviso. Bem em frete há outro, recém-acabado, com suas vidraças implorando por compradores e locatários. E ao lado desse, mais um, em fase de acabamento. Sem falar do imenso caixote de concreto, aço e desperdício que se ergue, arrogante, a não mais de 100 metros dali. Na fundação de cada um deles, um pouco do bucólico passado de Criciúma vai sendo irremediavelmente sepultado. Mas a dor maior é como meu cenário verde. Ele já foi completamente enclausurado por

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uma cerca de madeira que não admite qualquer aproximação. Sim, minha paisagem converteu-se num desgracioso tapume branco. O cinamomo, coitado, também já recebeu sua sentença: por enquanto está em regime de solitária, sem direito à visitas, a não ser de uma serra assassina que, dia desses, amputou-lhe um dos galhos; mas quando chegarem as máquinas,isto me foi dito pelos homens do martelo, sua condenação será a máxima. Qual teu crime cinamomo? O fato de teres nascido plebeu em bairro metido à besta? O pior é que nem a Fatma, nem o barão, defensor de tantas de nossas fronteiras, nem qualquer tribunal conseguirão livrar-te da condição de réu. Quando aqui vim morar, ninguém me avisou deste sítio seguido de pilhagem! Aos poucos nos roubam a luz, os pássaros, o ar... E, nessa guerra desigual, toda minha artilharia resume-se a esta desolada crônica165.

Apesar da especulação imobiliária descrita no artigo, deve-se salientar que a verticalização não ocorre em toda a bacia, encontram-se muitas casas de um e dois pavimentos no entorno das praças Nereu Ramos e do Congresso e principalmente nas encostas dos morros Cechinel, do Pio Corrêa e Casagrande. Assim, na paisagem atual, coexistem o moderno e o antigo, mostrando como salienta Santos (1997c), tempos diferentes que se sobrepõem.

A combinação desses elementos de tempos diferentes representados na paisagem mostra ao intérprete que no alto e em parte do médio vale as características da atividade carbonífera foram em grande parte apagadas pelo processo de verticalização. Salvo algumas exceções, em parte do médio vale e no baixo vale, essas características ainda são visíveis. A modernização do alto e médio vale da bacia do rio Criciúma e a ressignificação dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma fez com que a grande maioria deles foram recobertos pelo processo de canalização e suas marcas foram apagadas da paisagem.

165 “A fúria imobiliária”. Jornal da Manhã. 16 de abril de 2003. Criciúma. Autora: Sandra Meyer Silvestre. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense.

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A paisagem do médio vale e do baixo vale foi ocupada por parte da população com médio e baixo poder aquisitivo e onde é possível ver as marcas da mineração e dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma, pois não foram recobertos. Marcas essas representadas pelos trilhos da Ferrovia Dona Tereza Cristina, pelas áreas de rejeito de beneficiamento de carvão a céu aberto nos bairros Paraíso, Santa Augusta e Imperatriz e por bairros que ainda guardam características de antigas vilas operárias e também pelo rio retilinizado, sem contenção de margem e de fundo.

A verticalização além de representar os investimentos dos criciumenses que se encontram nos Estados Unidos e dos empresários dos vários setores industriais se deve também ao número expressivo de pessoas que o município abriga desde 1978, quando grande parte da bacia já tinha sido ocupada (Figura 4.03). Na análise dos mapas de ocupação urbana de 1978 e de 2007 (Figura 4.14) percebe-se que não houve uma expansão da malha urbana muito significativa, apenas em direção as encostas dos morros Cechinel, abaixo de 240 metros, do Pio Corrêa, abaixo de 150 metros e Casagrande (atual morro do Céu), abaixo de 90 metros de altitude.

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Como não existe mais espaço disponível para a malha urbana se expandir dentro da bacia, há um grande número de prédios sendo construídos, acarretando a verticalização, a fim de atender a demanda crescente de moradias, comércios e serviços. Essa demanda também se deve ao aumento da população do município. Segundo dados do IBGE no ano de 2001, a população de Criciúma alcançou 172.420 habitantes, ou seja, cresceu 15,13% em relação a 1990. Deste total de habitantes, 49.790 vivem na bacia do rio Criciúma, o equivalente a 28% da população do município em uma área 18,7km2, ou seja, a densidade demográfica da bacia é de 2.662 habitantes/km2. O processo intenso de verticalização no alto e parte do médio vale da bacia, na última década, mudou significativamente a paisagem da bacia do rio Criciúma.

Parte da população, principalmente das classes sociais de média a alta passaram a ocupar o morro Cechinel, no norte da bacia do rio Criciúma com altitudes de até 270 metros, apesar de serem áreas de encostas. Neste setor da bacia é possível também visualizar estabelecimentos comerciais de parte do núcleo urbano do município (Figura 4.15). Nas áreas mais elevadas da encosta encontra-se vegetação secundária em vários estágios de regeneração.

Figura 4.15: Vista parcial da ocupação das encostas do morro Cechinel, nos bairros Cruzeiro do Sul e Mina Brasil. Acervo: Rose Maria Adami e Yasmine Moura da Cunha – 2005.

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Para ocupação das encostas o poder público canalizou grande parte dos rios de primeira ordem, com exceções, como algumas das nascentes dos afluentes formador do rio Criciúma (margem direita), no bairro Cruzeiro do Sul que ainda se encontram com vegetação (Figura 4.16).

Figura 4.16: Vista parcial de um dos afluentes da margem direita do rio Criciúma, no morro Cechinel, sem nenhuma obra de canalização.

As colinas e morros do setor leste da bacia, que alcançam até

210 metros de altitude foram ocupadas até a altitude de 180 metros, principalmente no bairro Pio Corrêa e Próspera, com predominância de residências de um a dois pavimentos de classe média a alta (Figura 4.17). Entretanto, percebe-se um avanço ocupacional em direção das áreas da encosta vegetada. Isso é possível, pois a Lei de Parcelamento do Solo do município apenas proíbe o parcelamento e consequentemente as edificações “no Morro Cechinel a partir da cota de altitude 260 metros”166. Neste setor da bacia, a verticalização ainda é incipiente, pois no bairro Pio Corrêa se estabeleceu a classe social alta, com predomínio de

166 Artigo 50 da lei n. 3.901, de 28 de outubro de 1999, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano de Criciúma.

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mansões. Parte do bairro era a antiga Vila dos Engenheiros que trabalhavam nas empresas mineradoras.

Figura 4.17: Vista parcial da ocupação na encosta do morro do bairro Pio Corrêa. Acervo: Rose Maria Adami e Yasmine Moura da Cunha, 2006.

O médio vale da bacia, constitui-se na área mais densamente povoada, e consequentemente com maior parcelamento do solo. O aglomerado urbano ocorre em altitudes que abrangem até 90 metros, subindo as encostas do Morro Cechinel até uma altitude de 120 metros. As encostas do morro Casagrande, nas proximidades dos bairros São Cristovão e Comerciário foram ocupadas até a altitude de 90 metros, com predomínio de prédios residenciais e comerciais de classe média. No topo da encosta encontra-se vegetação secundária em vários estágios sucessionais. Percebe-se na figura 4.18 o adensamento urbano em parte do fundo do vale e do setor leste da bacia, com uma verticalização intensa.

Figura 4.18: Vista parcial do setor leste bacia do rio Criciúma. Ao fundo observa-se o Morro do Casagrande. Foto tirada das encostas do Morro Cechinel. Acervo: Rose Maria Adami, 2006.

O fundo do vale foi ocupado até uma altitude de 90 metros,

próximo do maciço do morro Cechinel e a abaixo de 30 metros, junto à foz do rio Criciúma. Exceto algumas áreas como parte do bairro Paraíso que constitui uma área de rejeito de beneficiamento de carvão e outra área de várzea no bairro Pinheirinho. A

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morfologia desse compartimento foi completamente alterada, pois é o mais densamente ocupado, principalmente na área central da cidade, em que se localizam os setores de serviços e comércio.

O aumento da verticalização no núcleo urbano e a falta de espaço para construção na bacia agravou, na última década, um “velho problema”: as construções de estabelecimentos residenciais e comerciais sobre os cursos d’água da bacia do rio Criciúma e das suas margens. Isso porque desde os primeiros migrantes que chegaram para trabalhar nas minas de carvão, no início dos anos de 1930 até os dias atuais, não houve a construção de forma coletiva de uma relação de pertencimento do rio com a comunidade.

O recobrimento de grande parte dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma é a representação da falta de pertencimento da população para com o rio. Dessa forma, a população deixou que novos valores, como a modernização suplantassem os antigos e consequentemente fossem atribuídos novos significados com relação aos cursos d’água, que por sua vez repercutiram na ausência de afetividade.

Em função da falta de afetividade e pertencimento, no final dos anos de 2000, o alto vale da bacia do rio Criciúma estava na sua grande maioria canalizado, com contenção de margem, de fundo e com recobrimento superior, conforme pode ser visualizado na figura 4.19.

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Figura 4.19: Vista parcial de parte do afluente formador do rio Criciúma (margem direita), com contenção de margem, de fundo e com recobrimento superior, na rua Lauro Muller. Acervo: Rose Maria Adami, 2004.

A ocultação e/ou desaparecimento do rio da paisagem

proporcionada pela canalização ocorre principalmente no alto vale da bacia, nos bairros Pio Corrêa, Mina Brasil, Cruzeiro do Sul Lote 6, Vera Cruz e partes do Centro. Apenas o afluente formador do rio Criciúma da margem direita, que nasce no Morro Cechinel aparece na paisagem com contenção de margem e de fundo, num pequeno trecho do rio na rua Santo Antônio (Figura 4.20).

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canal

Figura 4.20: Vista parcial da galeria aberta do afluente formador da margem esquerda do rio Criciúma na quadra entre as ruas Santo Antônio, João Cechinel, Pedro Benedet e Hercílio Luz, no bairro Centro. Acervo: Rose Maria Adami e Yasmine Moura da Cunha, 2005.

Mas o afluente formador do rio Criciúma que nasce nos

morros do bairro Pio Corrêa não é mais visível na paisagem, por passar em áreas densamente povoadas dos bairros Pio Corrêa e do Centro. Esse afluente somente aparece na paisagem alguns metros antes da confluência com o afluente da margem esquerda para formar o rio Criciúma, entre as ruas Cel. Pedro Benedet e Marechal Deodoro (Figura 4.21).

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Figura 4.21: Vista da confluência dos dois afluentes formadores do rio Criciúma, entre as ruas Cel. Pedro Benedet e Marechal Deodoro, no bairro Centro. Acervo: Rose Maria Adami e Yasmine Moura da Cunha, 2004.

Após a confluência, o rio Criciúma segue em direção à foz

com contenção de margem e de fundo. Próximo da Praça Nereu Ramos até próximo da rua Henrique Lage, o rio foi completamente canalizado, com contenção de margem, de fundo e com recobrimento superior, e muitos estabelecimentos residências, comerciais e públicos foram construídos sobre ele.

Entretanto, foi aprovada em 1999, a lei municipal de Parcelamento de Solo, que institui no seu artigo 50 inciso X, a não permissão do parcelamento do solo para “o Rio Criciúma e seus afluentes numa faixa de 5 metros para cada lado de sua margem, iniciando na sua nascente, até encontrar a rua Henrique Lage”. Percebe-se que a aprovação dessa lei demorou a ocorrer por parte do poder público, pois neste trecho há a maior concentração de edificações do núcleo urbano, desde o início do século XX. E, a tendência do município sempre foi de fortalecer este trecho indicado pela lei para o não parcelamento do solo, como núcleo

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central do município. No ano de 1999, quando a referida lei foi aprovada, os cursos d’água formadores do rio Criciúma já estavam todos canalizados e recobertos por edificações.

Sem contar que é perceptível a falta de preocupação nos planos diretores do município de 1973167 e 1984168, com relação às faixas marginais de proteção dos rios e consequentemente com às inundações, pois estes foram omissos, não existe nenhum artigo que fala sobre o assunto. Já o Plano Diretor Municipal de 1999, institui uma faixa de proteção das margens dos rios de 30 metros, mas a forma de ocupação do solo de Criciúma revela que essa legislação não é cumprida pelo poder público e/ou obedecida pelos moradores.

A partir da rua Henrique Lage, no médio vale até o cruzamento da rua com a Avenida Centenário, o rio Criciúma encontra-se com contenção de margem e de fundo. Nesse trecho, o rio é estreito e suas margens são ocupadas por prédios comerciais e residenciais. As entrevistas mostram que todo esse trecho em que o rio encontra-se confinado, suas margens são inundadas com frequência nas precipitações intensas de verão.

Muitos estabelecimentos comerciais da rua Henrique Lage são inundados, pois o rio não consegue dar vazão às águas das chuvas e estas sobem pela canalização de esgoto e atingem os estabelecimentos comerciais pelos ralos dos banheiros, vasos sanitários, pias e outros. Segundo entrevistas, determinadas bocas de lobos da cidade funcionam como “termômetros”, pois quando estas começam a “ferver”, ou seja, expelir suas águas, é sinal de que o rio não consegue dar vazão às águas da chuva e estas serão lançadas para fora, iniciando o processo de inundação na cidade.

A maioria dos moradores e comerciantes dos trechos em que os cursos d’água encontram-se canalizados com contenção de margem, de fundo e/ou com recobrimento superior sente-se apreensivos e incomodados no período de chuvas intensas, em função dos prejuízos que as inundações causam em suas moradias e estabelecimentos comerciais. Para se proteger das inundações em seus estabelecimentos comerciais, muitos comerciantes fazem uso de uma tábua de madeira, como contenção na porta de entrada de suas lojas (Figura 4. 22).

167 O Plano Diretor de 1973 foi instituído pela lei n. 947, de 11 de abril de 1973. 168 O Plano Diretor de 1984 foi instituído pela lei n. 2.038, de 29 de novembro de 1984.

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Figura 4.22: Vista de uma fachada com contenção móvel. Recurso muito utilizado pelos comerciantes na rua Cel. Pedro Benedet para contenção das águas de inundação. Acervo: Rose Maria Adami, 2010.

Outra alternativa encontrada pelos comerciantes, ao longo

dos anos, foi reformar seus estabelecimentos comerciais, elevando os pisos das construções (Figura 4.23) e construindo prateleiras mais elevadas, dentre outras medidas paliativas, a fim de conviver com os impactos causados pelas inundações.

Figura 4.23: Vista de alguns estabelecimentos comerciais na rua Cel. Pedro Benedet construídos mais elevados em relação à rua. Acervo: Rose Maria Adami, 2010.

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As medidas paliativas utilizadas pelos comerciantes são representações do significado do rio Criciúma e demonstram que não estavam apenas se protegendo das águas das inundações, mas também do próprio rio. Para os moradores e comerciantes, o rio Criciúma representa um perigo no período das chuvas. Muitos entrevistados relataram que tem medo de ir ao centro da cidade em períodos de chuvas, em função da possibilidade de ficarem ilhados. Já os comerciantes comentam que, em qualquer chuva, ficam apreensivos com a possibilidade de haver uma inundação.

Após o cruzamento da rua Henrique Lage com a Avenida Centenário, no médio vale, o rio Criciúma apresenta-se apenas retilinizado sem as contenções (Figura 4.24). Para esse trecho, a lei de Parcelamento de Solo, institui no seu artigo 50 inciso X, a não permissão do parcelamento do solo e “uma faixa de 15 metros ‘non aedificani’”. Em visita a campo, percebe-se que a legislação não é respeitada pelos moradores, pois foram encontradas edificações muito próximas do rio Criciúma.

Figura 4.24: Vista parcial do rio Criciúma retilinizado, mas sem contenção de margem e de fundo, localizado no bairro Santo Antônio. Acervo: Rose Maria Adami e Yasmine Moura da Cunha, 2004.

Nas casas próximas aos cursos d’água da bacia, com contenção de margem e de fundo, observa-se muros altos separando os moradores de qualquer contato com o rio (Figura 4.25). A pesquisa com moradores dessas casas revela que os muros são mais que um elemento segregador do espaço, são também uma forma de representação da falta de importância do rio para os moradores.

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Figura 4.25: Vista parcial do rio Criciúma entre as ruas Álvaro Catão e Wenceslau Braz, no bairro Centro. Acervo: Rose Maria Adami, 2010.

Em outros trechos em que o rio Criciúma encontra-se aberto,

ocorrem construções de prédios com os pilares dentro dos cursos d’água. Essa irregularidade comum na bacia pode ser vista na figura 4.26, em que um dos pilares de um prédio foi construído no leito do rio Criciúma, na rua Marcos Rovaris, no Centro da cidade.

Figura 4.26: Vista parcial de um prédio construído com um dos seus pilares posicionados no leito do rio Criciúma, localizado na rua Marcos Rovaris, no Centro

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da cidade. Acervo: Rose Maria Adami e Yasmine Moura da Cunha, em 2004.

Após o recobrimento dos cursos d’água, a população constrói

de forma irregular sobre o rio. Um exemplo dessa irregularidade ocorre na rua João Cechinel, conforme pode ser visualizado na figura 4.27).

Figura 4.27: Vista parcial do afluente da margem direita do rio Criciúma com contenção de margem e de fundo. Ao fundo, depois de recobrirem o afluente, os moradores construíram uma casa sobre ele, na rua João Cechinel, no Centro da cidade. Acervo: Rose Maria Adami e Yasmine Moura da Cunha, 2004.

Ao longo dos 59 anos pesquisados nos jornais da cidade percebe-se uma mudança de significado e/ou ressignificação por parte dos jornalistas com relação ao rio Criciúma. Nos primeiros anos pesquisados, ou seja, de 1950 a 1990 os jornalistas fizeram várias campanhas para solicitar ao poder público a canalização do rio Criciúma, pois era preciso “afastar a população das moléstias e doenças trazidas pelo rio”. Nessas campanhas, excluíam a população da co-participação no processo de poluição química e biológica do rio Criciúma, que era o principal foco das doenças. Sem contar que após a canalização dos rios, muitas edificações foram construídas sobre elas, como forma de apropriação e também para aproveitamento dos terrenos.

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No ano de 2000, o repórter Luiz Carlos Espíndola do jornal Tribuna Criciumense trata o rio Criciúma de forma diferente dos que já haviam escrito sobre ele. Ao se reportar sobre o rio, fica indignado com a situação que o rio se encontra e responsabiliza também a população pelas frequentes inundações.

O que fizeram e estão fazendo com o rio que corta a cidade e que foi transformado em esgoto, é caso de cadeia. Principalmente quando se constata que o rio foi aprisionado sob prédios e lajes. Incrível, que o mesmo povo que abre a boca para protestar sempre que a cidade fica inundada, tem as mãos que jogam lixo e restos de utensílios domésticos no rio169.

O jornalista traz também para a discussão o problema referente à estrutura dos prédios que foram construídos sobre os rios. A dinâmica do rio, em todo o período pesquisado, é noticiada nos jornais pela primeira vez.

Os problemas decorrentes da cobertura do canal, parecem não ter fim. No trecho já coberto, as paredes de tijolos maciços estão apodrecendo e caindo, permitindo que a água cave crateras nas margens do rio, o que, de certa forma, coloca em risco a segurança dos usuários dos imóveis construídos sobre o canal. Um prédio, com fundos para o estacionamento Santo Antônio, por exemplo, está cercada de crateras abertas pelas águas, inclusive rente ao alicerce. O mais absurdo é que “na região central ainda é permitido fechar (cobrir) o rio. A lei permite”, declara a Secretária (de Obras)170.

169 “Operação limpeza: Prefeitura retira entulho do rio”. Tribuna Criciumense. 27 de janeiro de 2000. Criciúma. Autor: Luiz Carlos Espíndola. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense. 170 “Operação limpeza: Prefeitura retira entulho do rio”. Tribuna Criciumense. 27 de janeiro de 2000. Criciúma. Autor: Luiz Carlos Espíndola. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense.

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Curioso é a Secretária de Obras da Prefeitura informar que ainda era permitido fechar o rio, pois a lei de Parcelamento do Solo do município aprovada em 1999, no seu artigo 50 exigia uma faixa não edificável de 5 metros para cada lado das margens das nascentes até a rua Henrique Lage e dessa rua até a foz uma faixa de 15 metros. Outro detalhe referente aos recobrimentos dos cursos d’água é que a Lei 9.433 da Política Nacional de Recursos Hídricos aprovada em 1997 preconizava que qualquer mudança nos cursos d’água de uma bacia hidrográfica seria preciso aprovação do comitê de bacias. Entretanto, na época o Comitê da Bacia do rio Araranguá, da qual o rio Criciúma faz parte estava em processo de formação e só foi aprovado em 2001 pelo Decreto n. 3.260 do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH).

Ao longo dos anos pesquisados foram encontradas notícias de desabamentos de muros de contenção e perigo de desmoronamentos em residências construídas muito próximas dos rios. Esses desabamentos estavam associados à erosão nos cursos d’água da bacia do rio Criciúma, e foram noticiados no bairro Santa Bárbara171, em 1998. No centro da cidade, ocorreu também o rompimento de uma das lajes172 que recobria o rio Criciúma, próximo da Praça Nereu Ramos, depois de dois dias com fortes chuvas e com elas o desabamento de um abrigo para os funcionários da Prefeitura Municipal. Outro episódio aconteceu no bairro Santo Antônio173, depois de uma forte chuva, em que a área de serviço e a garagem de uma casa construída nas margens do rio Criciúma cederam. Essas e outras notícias mostram o perigo das edificações sobre o leito do rio ou próximos das suas margens.

A erosão de partes dos cursos d’água canalizados pode estar associada à erosão remontante do rio Criciúma, em função do alargamento do perfil transversal nos trechos próximos da foz. Esse processo ocorre, segundo Cunha (1994), pois o rio tende a encontrar o equilíbrio de seu perfil longitudinal, depois das interferências de forma direta no canal fluvial, como as obras de canalização, associadas às intervenções de forma indireta no canal

171 “Terreno desaba e põe casa em perigo na Santa Bárbara”. Jornal da Manhã. 20 de outubro de 1998. Criciúma. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense. 172 “Laje de rio criciúma cede e derruba abrigo”. A Tribuna. 17 de agosto de 2006. Criciúma. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense. 173 “Enxurrada: área de serviço cede e preocupa moradores”. Jornal da Manhã. 03 de maio de 2007. Criciúma. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense.

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fluvial, ou seja, os desmatamentos e ocupações das encostas e consequentemente impermeabilização do solo.

A falta de pertencimento e consequentemente o recobrimento dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma, tem causado inúmeros transtornos para a população. Em períodos de chuvas intensas os estabelecimentos comerciais e residências construídas sobre os cursos d’água são inundados pelas águas dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma.

As obras de canalização alteraram a seção transversal dos rios, com alargamento e aprofundamento da calha fluvial e proteção das margens; o tipo de canal, com a remoção de meandros, eliminação de soleiras e depressões; o padrão de drenagem, com a construção de canais artificiais e diques; e os processos fluviais, com as mudanças na declividade e no comprimento dos canais, e conseqüentemente o aumento de vazão.

Como essas obras foram realizadas em tempos diferentes pelo poder público ou de forma setorial pelos próprios moradores da bacia, não foram levadas em consideração as diferentes seções transversais dos cursos d’água. Isso fez com que ocorresse alteração na eficiência da vazão em determinados pontos dos rios canalizados, causando pontos de inundações. O jornalista Giancario Baraúna do Jornal da Manhã no ano de 2001 desceu às galerias subterrâneas do rio Criciúma e constatou que as obras realizadas em diferentes momentos fizeram com que proporcionasse muitos afunilamentos ou subdimensionamento nessas galerias. Para o jornalista “nas galerias subterrâneas é fácil constatar os problemas que resultam em transtornos para quem mora às margens do rio. [...] entulhos e bancos de areias que dificultam a passagem da água e muitas vigas de concreto das centenas de construções formam boa parte do leito do Criciúma”174. Esses afunilamentos ou subdimensionamento nessas galerias fluviais contribuem significativamente para originar pontos de inundações na bacia.

A Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM, 2005) realizou uma pesquisa na bacia do rio Criciúma e detectou nove pontos de inundação, a que chamou de regiões críticas, todas localizadas no rio principal. Os pontos de inundações da bacia do rio Criciúma, segundo Bezerra, et al. (2006), ocorrem em 174 “Rio Criciúma: sinais de quem não suporta mais ser camuflado pelo concreto”. Jornal da Manhã. 31 de janeiro de 2001. Criciúma. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense.

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praticamente toda a sua extensão do rio principal, em função de quatro fatores: escoamento superficial, extravasamento das galerias abertas e da rede de esgoto e estrangulamentos da seção transversal do rio.

As inundações na área urbana do município de Criciúma, segundo os entrevistados, sempre ocorreram. Contudo, nos últimos anos, com o processo de canalização dos cursos d’água, o fenômeno das inundações intensificou-se. Estas informações podem ser comprovadas pela pesquisa realizada em jornais do município de 1950 a 2009. O histórico das inundações mostra que o período de maior intensidade de chuvas seguida de inundações ocorre nos meses de dezembro, janeiro, fevereiro e março e em casos isolados no mês de setembro. Veiga, Massignam & Wildner (1992) afirmam que os maiores índices de precipitação em Santa Catarina ocorrem nos meses de janeiro, fevereiro e março. Os períodos de estiagem são observados, segundo Sonego (2002) nos meses de abril, outubro, novembro e dezembro. A grande maioria das notícias sobre as inundações relata que são chuvas rápidas de no máximo 40 minutos e de forte intensidade.

A pesquisa nos jornais revela que os intervalos de tempo de ocorrência de inundações diminuíram nos últimos treze (13) anos, ou seja, aumentou a frequência dos episódios de inundação na bacia. Dos anos de 1957 até 1997, ou seja, quarenta (40) anos as notícias veiculadas nos jornais da época sobre inundações mostram que era comum ocorrer uma (01) ou duas (02) inundações por ano, no período de verão, exceto, nos anos de 1967, 1977, 1982 que houveram de três (03) a quatro (04) inundações por ano. Entretanto, houve anos que não ocorreu inundação ou essas inundações não foram noticiadas pelos jornais. Mas, após o ano de 1996, as notícias mostram que a freqüência das inundações por ano aumentou significativamente.

Na década de 2000 foi noticiado nos jornais de Criciúma a ocorrência de 34 inundações na bacia. O ano que ocorreu o maior número de inundações noticiadas foi 2001, com nove. Dessas, cinco aconteceram nos meses de janeiro e fevereiro e quatro entre os meses de outubro e dezembro, seguida do ano de 2000, com seis inundações. Nos anos 2004 e 2006 foram noticiadas cinco (05) inundações por ano e no ano de 2003 foi divulgadas quatro inundações. Nos anos de 2002, 2005, 2007, 2008 e 2009, houve apenas uma (01) inundação por ano, noticiada.

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Muitas dessas inundações foram de grande magnitude, como foi o caso da que ocorreu em fevereiro de 2003. A chuva forte alagou o centro urbano e deixou inúmeros desabrigados nos bairros periféricos. Os estragos nos estabelecimentos comerciais e nos bens públicos e particulares ocasionaram prejuízos de aproximadamente novecentos mil reais175 e levaram o prefeito Décio Góes a decretar estado de calamidade pública na cidade176.

O Jornal da Manhã levanta um questionamento “afinal quem paga os prejuízos?” causados pela inundação na cidade. Esse questionamento parte do pressuposto de que alguém tem culpa e em função disso esse alguém tem que pagar pelos prejuízos causados. A reportagem insinua que o poder público deveria tem feito alguma coisa para evitar o problema e que não fez e “a população deverá cobrar”. Mas, ao mesmo tempo não exclui a responsabilidade da população que não tem cuidado com seu lixo.

Durou apenas uma hora, mas foi suficiente para alagar diversos bairros de Criciúma. A chuva torrencial mais uma vez botou em evidência os problemas da cidade quando chove demais num curto espaço de tempo. O rio Criciúma transbordou e várias lojas, casas, bancos e garagens sofreram com a inundação. Será que o Poder Público poderia fazer alguma coisa para prevenir esta situação? A população deverá cobrar, porém, esta mesma população tem parte da responsabilidade pelas cheias. Durante os minutos do temporal, vários sacos de lixos flutuam como se fossem pequenos barcos. Garrafas também desfilaram pelas ruas. O pior foi ver o prejuízo que uma tempestade causa à economia local. Ainda não se tem números, mas a perda com carros alagados, lojas atingidas, muros que caíram. Afinal quem paga este prejuízo?177

175 “Prejuízos chegam a RS 900 mil”. Jornal da Manhã. 18 de fevereiro de 2003. Criciúma. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense. 176 “Estado de emergência é decretado após a enxurrada”. Jornal da Manhã. 12 de fevereiro de 2003. Criciúma. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense. 177 “Os estragos do temporal”. Jornal da Manhã. 11 de fevereiro de 2003. Criciúma. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense.

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No entanto, percebe-se que o repórter apenas atribui à população a responsabilidade do lixo, esqueceu-se das edificações sobre o rio e nas suas margens construídas de forma irregular, muitas vezes com a aprovação da Prefeitura Municipal. Há uma tendência, por parte da população, de tratar as inundações como um fenômeno independente da sua atuação como sociedade organizada. Isso a coloca numa situação “cômoda” de vítima dos fenômenos naturais, redimindo-se da sua falta de co-responsabilidade no processo.

No ano de 2007 também foi registrada uma inundação de grande magnitude (Figura 4.28). As águas inundaram lugares na bacia nunca antes atingidos, segundo a reportagem do Jornal da Manhã.

[...] as famílias da rua 175, no Paraíso (bairro), enfrentam uma noite difícil. “começou a encher antes das 7 da noite, tentamos levantar os móveis, mas não deu mais. Tivemos que sair com a água chegando no peito”. A vizinha, Sandra Regina Rodrigues, sempre via a água chegar perto de sua casa, mas nunca entrar. “Ontem foi diferente, tudo veio rápido. Quando a gente viu, já estava tudo alagado. Deu para salvar poucas coisas”. O grande volume de chuva e a baixa vazão nas bocas de lobo provocaram alagamentos em pontos que normalmente não são afetados. Um deles foi a rua Lídia Dassoler. Por volta de 23h30min, a água subiu e invadiu as residências. “nunca tinha visto uma coisa dessas. Tentamos até erguer um pouco os móveis, mas a água subiu demais. Só sabemos o quanto é dolorido passar por uma situação dessas quando a enfrentamos”, lamentou o morador José Silveira. Outro ponto alagado pela primeira vez foi em alguns pontos da Av. Santos Dumont, no bairro São Luiz. A moradora informa que “nunca imaginávamos que a água chegasse nesse ponto”178.

178 “O dia seguinte à enxurrada”. Jornal da Manhã. 03 de abril de 2007. Criciúma. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense.

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Essa inundação causou prejuízos calculados pela Secretaria

de Obras da Prefeitura Municipal de quase 4 milhões de reais, e Criciúma decretou situação de emergência179.

Figura 4.28: Vista parcial da rua seis de Janeiro na inundação de 01 de abril de 2007. Acervo: Fotos veiculadas pela internet.

As inundações na bacia do rio Criciúma são tão freqüentes,

principalmente nos meses de verão, que deixaram de ser “fatos jornalísticos”, para virarem fatos rotineiros ou motivos de anedotas. Isso faz com que muitas inundações ocorridas na bacia não sejam divulgadas pelos jornais, ao longo dos anos pesquisados. Uma dessas anedotas foi publicada na Tribuna do Dia de 11 de fevereiro de 2003 pelo cartunista Sônego. Na charge aparece o prefeito num barco pescando, no rio Criciúma os carros naufragados na inundação, com uma expressão de felicidade pelo número de carros que conseguiu “pescar”. Passa uma pessoa num barco e pergunta: “- E daí Prefeito, como é que tá a pescaria?!?”, e ele responde “- Ótima, acabei de pescar mais um!”. A charge é uma crítica bem humorada, insinuando que o poder público não está muito preocupado com as inúmeras inundações que ocorrem todos os anos nos meses de verão.

179 “Enchente: Prejuízo de quase R$ 4mi”. Jornal da Manhã. 03 de abril de 2007. Criciúma. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense.

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Apesar das frequentes inundações ao longo da história de Criciúma, em especial as de alta magnitude, não houve a preocupação por parte do poder público de reestruturar a ocupação ou planejar melhor as futuras ocupações na bacia do rio Criciúma. Ao contrário, como nas décadas anteriores, depois de cada inundação as “soluções” encontradas para minimizar as inundações são sempre as mesmas: aprofundar e alargar o rio Criciúma no baixo vale e construir canais auxiliares180 no alto e médio vale. Em 2009, a prefeitura aprovou um projeto, com verbas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal de vinte e três milhões de reais para realizar obras no rio Criciúma, consideradas pelos técnicos como obras de revitalização. Dentre essas obras consta a construção de outro canal auxiliar. Esse canal, como nas décadas anteriores é considerado pelo poder público, como o “salvador das inundações” no núcleo central.

A ocorrência dos pontos de inundação está associada ao lixo lançado nos cursos d’água da bacia. Embora os inúmeros apelos feitos pelos jornais, rádios e outros meios de comunicação e também dos prefeitos durante o período pesquisado, os criciumenses continuaram a utilizar o rio Criciúma como lixeiro mesmo na década de 2000.

Nos vários mutirões de limpeza do rio que a Prefeitura Municipal realizou depois de uma inundação, os jornais noticiavam a retirada “de latas e sacos plásticos, até tábuas, galões e restos de móveis. Não fosse a origem dos itens, poderia se dizer que é uma lista de mudança. Mas, ao contrário do que se pensa, são objetos retirados do canal do rio Criciúma”181. Assim como essa reportagem, todos os anos os jornais noticiam mutirões para limpeza do rio Criciúma e a quantidade de lixo retirado dos cursos d’água. Numa reportagem chegaram a noticiar que à montante da rua Marcos Rovaris, no Centro da cidade foram retirados “mais de vinte toneladas de areia, lixo e entulhos, de um ponto onde o rio ainda está descoberto”182. As tentativas de conscientizar a

180 “Rio Criciúma: as soluções passam pelo planejamento de toda comunidade”. Jornal da Manhã. 31 de janeiro de 2001. Criciúma. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense. 181 “Operação limpeza: Prefeitura retira entulho do rio”. Tribuna Criciumense. 27 de janeiro de 2000. Criciúma. Autor: Luiz Carlos Espíndula. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense. 182 “Prefeitura inicia operação limpeza do rio Criciúma”. Jornal da Manhã. 27 de janeiro de 2000. Criciúma. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense.

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população para viver em comunidade e não utilizar o rio Criciúma como lixeira também continuaram na década de 2000.

Percebe-se nas reportagens, principalmente da década de 2000 que as pessoas têm uma imagem sonhadora de que só retirando o lixo e o esgoto dos cursos d’água resolveria o problema das inundações. Entretanto, no ano de 2007, depois de ignoraram por anos a fio a ocupação desordenada do solo, como uma das causas das inundações, uma matéria do Jornal da Manhã foi “muito feliz” nas suas observações, sobre esse assunto:

A enchente de domingo foi uma das maiores de Criciúma nas últimas décadas. [...] Ruas do centro viraram rios, carros foram arrastados, lojas invadidas pela água, mercadorias boiando, bairros debaixo d água. Impactados por tudo isso, os cidadãos de Criciúma passaram o dia se perguntando: por que encheu, de novo? Fazia anos que a cidade no tinha enchente. [...] eram as principais perguntas. O poder público garante que está tudo de acordo. Mas, pelo volume de água que caiu, o problema não está nas bocas de lobo. O mais provável é que Criciúma esteja pagando a conta da ocupação desordenada do solo. Mas ou menos assim – o rio foi sendo ‘apertado’, suas margens ocupadas, e não tem mais espaço para a vazão de tanta água ao mesmo tempo. Resultado: o rio transborda (nos “primeiros buracos” que encontra) e manda boa parte das águas de volta, provocando as enchentes no centro da cidade. Ignorar isto é tergiversar. É difícil ocultar o caminho para as soluções”183.

Parece que houve despertar para o entendimento da co-participação da população nas responsabilidades pelas ocupações irregulares sobre os rios e nas inundações, depois de anos, isentando a co-autoria do setor imobiliário e da construção civil de construírem sobre o rio Criciúma e seus afluentes, com a permissão ou não do poder público. Além de isentar também o poder público 183 “Por que teve enchente?”. Jornal da Manhã. 03 de abril de 2007. Criciúma. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense.

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pela falta de um sistema de coleta e tratamento de esgoto no município, todas as casas e prédios lançam in natura seus esgotos nos rios quando frisavam “até podemos não ser os culpados pelo crescimento rápido da cidade e pela falta de planejamento dos prédios e casas que jogam o esgoto no rio” 184.

O setor imobiliário e da construção civil, nas últimas duas décadas, se apropriaram do leito dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma e das suas margens, a fim de construírem edifícios, residências e estabelecimentos comerciais. Na última década, o traçado do rio Criciúma foi apagado da paisagem da bacia, principalmente no alto e parte do médio vale. Nesses compartimentos da bacia, a ocupação do leito e das margens do rio Criciúma impossibilita as pessoas de reconhecerem o trajeto do rio e seus afluentes na paisagem, levando-o ao seu esquecimento, principalmente por parte das pessoas que não têm muito contato com os cursos d’água ou as que chegaram à Criciúma depois dos anos de 1960. Entretanto, mesmo que o seu traçado não esteja visível na paisagem, os cursos d’água da bacia continuam ocupando um espaço no sítio urbano da cidade e na memória das pessoas com mais idade, apesar das obras de canalização o terem descaracterizado como rio.

As marcas do rio Criciúma e seus afluentes só são possíveis de serem visualizadas em partes do médio e baixo vale. No entanto, mesmo nesses lugares em que o rio não sofreu processo de recobrimento, apenas a retilinização com a retirada dos meandros, como nos bairros Santa Bárbara, Pinheirinho, Paraíso e Santa Augusta, o rio não apresenta significado para as pessoas. O rio Criciúma e seus afluentes não são vivenciados, desejados e analisados repetidamente de forma visual, como objeto geográfico da paisagem que pertence à população. Ao contrário, o rio é analisado sempre com intuito de ser canalizado, ou seja, apagado da paisagem, em função do “medo” que a população desenvolveu por ele pelas constantes inundações.

O interessante dessa análise da paisagem da bacia, é que a população não se conscientizou de que foram as ocupações irregulares sobre o rio, nas suas margens e nas encostas dos morros

184 “Vida”. Jornal da Manhã. 10 de maio de 2006. Criciúma. Acervo da Universidade do Extremo Sul Catarinense.

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que originam a grande maioria das inundações. Outra percepção do intérprete da paisagem é que a população não compreende que o rio é um elemento geográfico que possui uma dinâmica e compõe a paisagem, portanto, ocupar uma determinada paisagem é também conviver com seus elementos, ou seja, com o rio Criciúma e suas margens.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As paisagens da bacia do rio Criciúma, analisadas com base nos fundamentos da Geografia Cultural, evidenciam que sua construção foi executada de forma coletiva por três conjunturas sócio-econômicas que se sucedem no tempo. A primeira fase foi composta pela atividade agrícola e o comércio, a segunda fase pela atividade de mineração de carvão e a terceira e última fase pela atividade imobiliária e da construção civil.

Para cada momento histórico específico, as atividades econômicas influenciaram nas formas de apropriação dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma. Essas apropriações refletiam um significado interiorizado pelos grupos sociais que organizavam o espaço geográfico naqueles momentos. As representações desses significados foram impressas na paisagem segundo as “maneiras de ver” o mundo e a si mesmos dos atores que a modelavam.

Nesse contexto, considerando o processo histórico no recorte temporal, entre 1880 a 2009, foram interpretados os significados dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma e suas representações contidas nas reportagens de jornais, registros de fotografias e entrevistas. Esses registros evidenciaram os múltiplos significados que foram representados nas diferentes fases analisadas.

As representações dos significados que o rio assumiu ao longo dos períodos históricos estudados foram muitas vezes difíceis de serem encontradas, principalmente no início da colonização da bacia, em que os vestígios das linguagens utilizadas para materializar os significados estavam muito apagados.

Deve ser ressaltado que as fases descritas ao longo do trabalho sobre os significados do rio Criciúma e seus afluentes foram muitas vezes sobrepostas e articuladas. Havia a concomitância de diferentes atividades econômicas e formas de apropriação do rio em um mesmo setor da bacia. Em outros casos, em partes da bacia predominava uma forma de apropriação derivada do desenvolvimento de uma determinada atividade econômica em detrimento de outras atividades, como por exemplo, a mineração de carvão inviabilizava o uso agrícola. A atividade agrícola foi sendo substituída do centro da cidade e permanecendo nos entornos, sobrevivendo até meados da década de 1970 nos bairros periféricos da bacia.

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No primeiro período analisado, os agricultores e comerciantes foram os primeiros apropriadores do rio Criciúma de 1880 até aproximadamente os anos de 1940. Nesse período, os agricultores se apropriaram dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma e dos terrenos para o cultivo agrícola e também da pastagem.

As várias intervenções na paisagem consistiram na retirada da mata para agricultura, pastagem e habitação e na apropriação e modificação de alguns cursos d’água da bacia na tentativa de satisfazer suas necessidades de subsistência e financeiras. Essa apropriação foi incentivada pelo modelo colonizador vigente, que utilizou o rio Criciúma como delimitador dos lotes coloniais. Isso fez com que, até a primeira metade do século XX, o rio Criciúma fosse o vetor de crescimento da bacia e o núcleo central da cidade continuasse a se expandir, seguindo o caminho do rio.

Até a primeira década do século XX, o rio Criciúma e seus afluentes tiveram um papel fundamental para as primeiras indústrias do município, pois estas utilizavam as águas do rio para geração de força motriz, uma vez que o modo de produção dominante era ditado por uma lógica da produção agrícola e de subsistência. Os agricultores aproveitavam a força motriz de pequenas quedas d’água, como fonte de beneficiamento de seus produtos agrícolas (engenhos e tafonas), e como geração de energia para as indústrias artesanais (serrarias, ferrarias e curtumes).

Além disso, as águas dos rios da bacia eram uma “extensão” dos lotes coloniais, pois eram utilizadas pelos agricultores para abastecimento da família, dessedentação de animais, alimentação (pesca), higiene pessoal, orientação, lavagem de roupas e dos utensílios domésticos, agricultura e desenvolvimento de determinadas atividades econômicas. Mas, também as águas eram um recurso de uso comum, pois os agricultores da bacia faziam uso coletivo delas.

Apesar da importância desse recurso e consequentemente dos seus canais fluviais, não existia uma preocupação por parte dos agricultores e comerciantes para preservá-los. Pelo menos é o que se percebe nos Códigos de Posturas do município de 1928185 e de 1949186, que foram omissos com relação ao rio Criciúma. Em 185 Código de Postura de Criciúma de 1928 foi instituído pela lei n. 48, de 09 de janeiro de 1928. 186 Código de Postura de Criciúma de 1949 foi instituído pela lei n. 27, de 28 de janeiro

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nenhum dos seus artigos, os rios são mencionados, seja para proteção das suas margens ou para preservação de suas matas ciliares e dos terrenos de toda a bacia. Essa falta de preocupação com o rio talvez se explique pelos interesses iniciais dos imigrantes europeus que chegaram ao Brasil que era o de ocupar e explorar a colônia e ganhar dinheiro suficiente para retornar a sua terra natal.

A modernização de muitos dos estabelecimentos industriais que utilizavam as águas dos cursos d’água para geração de força motriz fez com que houvesse a perda do seu significado, pois a força motriz vinha agora de outra fonte, o carvão. A representação dessa perda foi materializada por meio de depoimentos de descendentes dos antigos proprietários. Em um desses depoimentos é explicado que houve o desuso das águas do rio no estabelecimento industrial, inclusive com abandono do canal que desviava a água do rio Criciúma feito para aproveitar a energia do rio.

A ressignificação do rio Criciúma e seus afluentes no atual centro da cidade de Criciúma inicia com a instalação da sede administrativa do Distrito de Araranguá em 1892187. A transformação da Vila em Distrito atraiu pequenos industriais e comerciantes que se instalaram em Criciúma vindos de outras regiões do sul catarinense. Também houve, além do desenvolvimento do comércio e de pequenas maquinofaturas, as atividades ligadas à administração pública. Esta situação contribuiu para que a atividade de agricultura se distanciasse da sede do Distrito, migrando para outros terrenos próximos a leste, oeste e sul, mas ainda pertencentes a bacia do rio Criciúma. Nestes lugares, o rio ainda era importante para a população e tinha um significado distinto.

Os pequenos industriais e comerciantes foram os primeiros geradores de mudanças econômicas e sociais, bem como em relação à mudança de significado do rio Criciúma, pois ele não era mais importante para as atividades econômicas, como o era no tempo da agricultura. O rio deixou de participar ativamente da vida cotidiana da sociedade. As mudanças originadas pelos comerciantes foram idealizadas de forma individual a partir da visão do mundo de cada um e compartilhadas nos grupos sociais pela “Arte da

de 1949. 187 A emancipação de Criciúma para município ocorre em 1925.

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Conversação”. Na época, os comerciantes representavam o poder político no município e, em alguns casos, da região sul catarinense.

Com o início da exploração do carvão mineral na bacia do rio

Criciúma em larga escala, os donos de minas, os mineiros e a população em geral foram os apropriadores do rio Criciúma. A atividade carbonífera na bacia do rio Criciúma inicia em 1917 e permanece até aproximadamente o início dos anos de 1960 no alto e médio vale. Contudo, junto à sua foz, continuou até os anos de 2000.

Nessa época, a elite dominante composta pelos industriais e “negociantes” de produtos agrícolas e de primeiras necessidades encontraram na exploração do carvão mineral um campo de investimento a mais para os seus negócios. Durante a Primeira Guerra Mundial, mineradores locais e vindos de outros estados brasileiros abasteceram com carvão o mercado interno brasileiro e integraram Criciúma ao resto do país.

Por meio das mudanças econômicas e sociais no município, o rio Criciúma perdeu seu significado como um fator geográfico importante para população da bacia. Os cursos d’água foram ressignificados pela população local, pois a nova condição econômica e social na bacia não estava mais integrada a eles.

Já na década de 1930, a paisagem da bacia do rio Criciúma apresenta um processo de mudança intensa, perde as marcas da atividade rural e passa a apresentar as marcas da indústria carbonífera. Sobre a paisagem rural se edificaram marcas produzidas pela exploração do carvão, como uma nova matriz de informação.

Nesse período, os cursos d’água da bacia do rio Criciúma foram apropriados pelos mineradores para fornecer água para os lavadores de carvão e como drenagem de efluentes, poluindo os recursos hídricos. Além dos mineradores se apropriarem das águas e do espaço do leito, utilizaram também as várzeas do rio Criciúma e seus afluentes para depósito de rejeito de beneficiamento de carvão. Dessa forma, as mineradoras tiveram exclusividade do recurso que era de uso comum e com o processo a poluição e o assoreamento, as águas da bacia deixaram de ser disponibilizadas para outros usuários.

A mineração também proporcionou um grande fluxo migratório para Criciúma desde o início dos anos de 1930 até o

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final dos anos de 1970. O crescimento demográfico acentuado incentivou a ocupação da planície de inundação do rio Criciúma e áreas de encostas dos morros Cechinel, do Pio Corrêa e Casagrande. Para que essas ocupações ocorressem, o poder público alterou leis municipais para realizar inúmeras obras de engenharias nos cursos d’água da bacia, como canalização de vários trechos de leito, aterros de várzeas e meandros dos rios com rejeito de beneficiamento de carvão. Tudo isso foi feito visando à ampliação dos terrenos.

Entretanto, Criciúma não dispunha de estrutura habitacional e de saneamento básico para receber um contingente tão acentuado de pessoas em um curto espaço de tempo. A fim de sanar um desses problemas, os mineradores criaram as vilas operárias com moradias e comércios para a população de migrantes nas proximidades das minas de carvão. Mas, as moradias nas vilas operárias não tinham água encanada, coleta e tratamento de esgotos e resíduos sólidos. Essa situação se agravou com a vinda de mais migrantes nos anos de 1970, que ocuparam as áreas inundáveis em direção à foz que ainda não estavam densamente habitadas. Os esgotos, os rejeitos de beneficiamento de carvão e os resíduos sólidos gerados nas vilas operárias e no núcleo urbano, poluíram os cursos d’água superficiais e o lençol freático.

Enquanto os migrantes operários eram concentrados em vilas, os técnicos, engenheiros, geólogos e administradores ligados à atividade de mineração se direcionaram para o núcleo central, nas proximidades da Praça Nereu Ramos, e juntamente com os antigos comerciantes se transformaram na elite da cidade. Entretanto, o núcleo central da cidade estava localizado na confluência dos afluentes formadores do rio Criciúma, na sua planície de inundação, e as edificações foram construídas sobre terrenos do leito e das margens, sempre com os fundos das residências para o rio. As novas edificações residenciais, comerciais e públicas contribuíram para o início do desaparecimento do traçado do rio Criciúma no núcleo central da cidade.

Os novos habitantes da bacia se tornaram apropriadores dos cursos d’água para lançamento de esgoto doméstico e lixo. Sendo assim, a mineração incentivou a poluição química e biológica dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma e a ocupação de áreas inundáveis e das encostas.

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A população migrante não tinha nenhuma relação com o rio, não havia laços profundos com esse elemento da paisagem, ele não lhes servia de referência ou de fornecedor de água potável ou de força motriz. Dessa forma, o rio assumia um significado diferente daquele dos primeiros colonos, ou seja, ele tinha um significado de indiferença e por isso não era de se estranhar sua apropriação como meio de depósito e de transporte de resíduos e efluentes.

No início dos anos de 1960, com a diversificação das indústrias e a urbanização crescente do Brasil, a configuração da paisagem da bacia passa a ter novas dinâmicas, pautadas no anseio de modernidade, como a necessidade de calçamento das ruas, aumento do número de edificações e a canalização dos rios poluídos. Os cursos d’água da bacia do rio Criciúma sofrem as primeiras intervenções mais drásticas por causa do processo de canalização, com retilinizações em praticamente todo o seu percurso e apropriação do espaço do próprio leito.

De 1960 até os dias atuais, as imobiliárias e as construtoras foram as apropriadoras do rio Criciúma. Depois da poluição química e biológica dos cursos d’água da bacia pelas atividades carboníferas e pelo crescimento demográfico, o poder público inicia as obras de canalização, com retilinização, de grande parte dos cursos d’água da bacia a partir de 1962. Estas ações foram incentivadas pelo movimento higienista que via na drenagem rápida das águas poluídas uma solução para os problemas de saúde da cidade.

Nesse período, observa-se nas reportagens dos jornais consultados que a população tinha repulsa pelo rio Criciúma em função do mau cheiro que exalava. O conflito entre a população e o rio Criciúma foi observado também nos depoimentos dos moradores da bacia. O discurso destes moradores representa o significado que o rio tinha para cada um dos grupos envolvidos. As consequências deste conflito foram materializadas na paisagem a partir da intervenção do poder público, realizando recobrimento dos cursos d’água, principalmente no núcleo central da cidade. A partir de 1977, a canalização de grande parte dos cursos d’água da bacia passou a incluir a contenção de margens e de fundo e o recobrimento superior.

No decorrer do processo de verticalização urbana, após os anos de 1970, muitos corpos d’água foram canalizados por trechos, conforme os mandatos dos prefeitos, com os objetivos de acelerar o

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transporte de água das inundações, de drenar as várzeas, de construir vias de acesso, de eliminar o mau cheiro oriundo dos esgotos, de ampliar as áreas para assentamentos das populações e de ocupar o espaço do leito para construções. O rio Criciúma e seus afluentes foram desaparecendo da paisagem da bacia e isso demonstra a falta de significado que ele tinha para a população local e para o poder público. A partir desse período, o rio não é mais um elemento da nova paisagem construída.

O desaparecimento do traçado dos cursos d’água da bacia colaborou para a aceleração das construções sobre o rio e suas margens. Essa expansão foi acelerada nos anos de 1990, quando os emigrantes criciumenses que foram para os Estados Unidos resolveram investir seus rendimentos na compra de imóveis na cidade. Em 1990 e na primeira década de 2000, a expansão imobiliária proporcionou a apropriação do leito dos cursos d’água da bacia do rio Criciúma e das suas margens nos locais em que ainda não havia contenção de margem e de fundo e recobrimento. Estes espaços foram apropriados para construção de edifícios, residências e estabelecimentos comerciais. Isto ocorreu principalmente em parte do alto e médio vale, que são os setores mais densamente verticalizados da bacia.

Esse processo intenso de verticalização contribuiu significativamente para apagar o traçado do rio Criciúma da paisagem da bacia. Entretanto, mesmo que o seu traçado não esteja visível na paisagem, os cursos d’água da bacia ocupam um espaço no sítio urbano da cidade, apesar das obras de canalização o terem descaracterizado como rio.

Apesar do poder público do município querer “ter o domínio sobre os cursos d’água” da bacia com as obras de canalização, ele e a população local foram surpreendidos por vários eventos de inundações durante as últimas décadas. Na concepção do poder público e dos meios de comunicação, a canalização dos cursos d’água, associada à construção de canais auxiliares na rede de drenagem do rio Criciúma resolveriam o problema das inundações na bacia. Essa matriz de informação repercute até hoje na paisagem da bacia, sem que se tenha o entendimento de que o núcleo central da cidade se constituiu no fundo do vale em que ocorre a confluência dos afluentes formadores do rio Criciúma. Associada a isso, ainda houve uma intensa impermeabilização do terreno pela construção de edificações durante os últimos sessenta anos.

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Na primeira década dos anos 2000, a ocupação nas encostas, a impermeabilização do solo e o mau dimensionamento das galerias pluviais têm proporcionado inundações de grande magnitude com altos prejuízos para os moradores e comerciantes. Na grande maioria das vezes, estes eventos de inundação afetam apenas parte do fundo do vale e do médio vale, ou seja, a parte mais densamente povoada do núcleo central da cidade.

As constantes inundações desenvolveram na população o “medo” do rio Criciúma, em função dos prejuízos causados em suas moradias e estabelecimentos comerciais. A representação desse medo das águas das inundações está materializada na cidade, por meio de uma tábua de madeira na porta de entrada da grande maioria das lojas, como uma forma de se proteger e/ou defender do rio Criciúma. Outras formas de representação observadas na paisagem e nos hábitos da população são a construção de edificações mais altas do chão e a não ida ao centro da cidade no final da tarde, em que é mais comum a ocorrência de chuvas intensas.

Em cada fase discutida nesse trabalho, o rio passou por diferentes formas de apropriação que refletem um significado. Na primeira fase, ao longo da colonização até próximo a década de 1940, o rio tinha um significado de importância e referência para as pessoas. Na fase seguinte, de exploração de carvão na bacia, o rio passa a ter outro significado, pois é apropriado para o despejo de efluentes do carvão, esgotos domésticos e resíduos sólidos. Nesse momento, o rio tem um significado negativo de sujo, mal cheiroso e essas impressões chegam até o século XXI nos locais em que o rio ainda não foi recoberto. A partir da década de 1970, o rio desaparece na paisagem por causa das canalizações e recobrimentos de vários trechos do seu leito e dos afluentes por isso nem tem significado, pois não existe aos olhos de muitos moradores da bacia. Contudo, nos momentos de precipitações elevadas, o rio volta a se mostrar na paisagem e isso gera em muitos moradores uma sensação de medo, ou seja, volta a ter um significado, contudo, ligado a algo ruim.

A análise da paisagem da bacia do rio Criciúma nos três períodos em que houve mudança de atividade econômica proporcionou o entendimento de que o rio Criciúma é um elemento da paisagem que recebe múltiplos significados traduzidos pelas representações, as quais são materializadas por diferentes formas de

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apropriação. As marcas e matrizes de informações deixadas na paisagem da bacia do rio Criciúma possibilitaram compreender as relações estabelecidas entre os atores sociais e suas interações com a paisagem. Cada significado atribuído ao rio Criciúma reflete uma cultura dos grupos sociais que ocuparam e ocupam a sua bacia.

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2. Orais

Aderlei Porto. Técnico da CASAN desde 1970. Entrevista realizada em 24 de agosto de 2005, por Rose Maria Adami.

Alcebíades Bristot, nascido em 04 de abril de 1935. Neto do imigrante Benjamim Bristot. Entrevista realizada em 2 de março de 2006, por Lisiane Borges Potrikus e Rose Maria Adami.

Algemiro Manique Barreto. Ex-prefeito de Criciúma. Entrevista realizada em 04 de maio de 2004, por Deise Bezerra.

Altair Guidi, nascido em 1937. Ex-prefeito de Criciúma. Entrevista realizada em 30 de junho de 2005, por Claudete Lucky e Rose Maria Adami.

Amélio Pavei, nascido em 1924. Neto dos imigrantes italianos. Entrevista realizada em 2004, por Fabricia Cechinel, Lisiane Borges Potrikos e Rose Maria Adami.

Ana Peagle Balod, nascida em 1918. Veio de Orleães com o Marido Vitor Balod para montar uma fábrica de bicicletas em Criciúma em 1943. Entrevistas realizadas em 07 de Abril de 2005 e 18 de agosto de 2009, por Rose Maria Adami.

Antônio Casagrande, nascido em 1916. Neto dos primeiros imigrantes italianos. Entrevista realizada em 23 de agosto de 2007, por Rose Maria Adami.

Antônio Meller, nascido em 1925. Neto do imigrante Antônio Meller. Entrevista realizada em 04 de agosto de 2007, por Rose Maria Adami.

Dalva de Aguiar Silvestre, nascida em 30 de agosto de 1932. Ex-funcionária da Associação Feminina de Assistência Social de Criciúma (AFASC). Entrevista realizada em 06 de julho de 2005, por Rose Maria Adami.

Dario Valiati, nascido em 1946. Funcionário do DNPM de Criciúma desde 1970. Entrevista realizada em 23 de dezembro de 2009, por Rose Maria Adami.

Davino Gava, nascido em 21 de março de 1937. Ex-mineiro. Trabalhou em várias companhias de carvão. Entrevista realizada em 21 de dezembro de 2009, por Rose Maria Adami.

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Duílio P. R. Fermo, nascido em 1938. Engenheiro Agrônomo, funcionário da Acaresc desde 1969. Atualmente é aposentado pela Epagri. Entrevista realizada em 17 de dezembro de 2008, por Rose Maria Adami.

Durci Feltrin Citadin, nascido em 20 de março de 1946. Engenheiro Agrônomo, funcionário da Acaresc188 desde 1972. Atualmente é aposentado pela Epagri. Entrevista realizada em 17 de dezembro de 2008, por Rose Maria Adami.

Joel Modesto Casagrande, nascido em 1954. Neto do imigrante Augusto Casagrande. Entrevista realizada em 31 de agosto de 2007, por Rose Maria Adami.

Jorge Darós, nascido em 1941. Ex-professor de filosofia da Universidade de Extremo Sul Catarinense (UNESC) e neto de imigrantes italianos. Entrevista realizada em 24 de setembro de 2009, por Rose Maria Adami.

Laura Carneiro Neves Meller, nascida em 03 de junho de 1917. Veio de Florianópolis para moram em Criciúma em 1942. Trabalhou no escritório da Carbonífera Próspera. Entrevista realizada em 19 de junho de 2005, por Rose Maria Adami.

Libera Napoleão, nascida em 12 de novembro de 1918. Entrevista realizada em 11 de julho de 2005, por Rose Maria Adami.

Luís Carlos Pieri, nascido em 1952. Filho do radialista Sebastião Humberto Piéri que usava o pseudônimo de Cássio de Alencar. Entrevista realizada em 01 de dezembro de 2009, por Rose Maria Adami.

Mário Belolli. Historiador de Criciúma. Entrevista realizada em 19 de dezembro de 2008, por Rose Maria Adami.

Santo Longaret, nascido em 1932. Membro da Associação Comercial e Industrial de Criciúma (ACIC). Entrevista realizada em 23 de agosto de 2007, por Rose Maria Adami.

Vita Barata, nascida em 06 de abril de 1929 em Lauro Müller. Mora em Criciúma desde 1937. Entrevista realizada em 25 de julho de 2003, por Rose Maria Adami. 188 A Acaresc foi incorporada pela EPAGRI em 1990.

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