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  1 memórias  póstumas roteiro de andré klotzel diálogos de José Roberto Torero baseado no livro de machado de assis versão: setembro de 98/II 

Roteiro de Cinema - Memorias Postumas de Bras Cubas

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memrias pstumasroteiro de andr klotzel dilogos de Jos Roberto Torero baseado no livro de machado de assis

verso: setembro de 98/II

2Todos os Letreiros Iniciais menos o Ttulo. Termina com o letreiro: Este filme dedicado, com saudade, ao verme que primeiro roeu as frias carnes de meu cadver. Sequncia 1 -int/dia- Fundo Neutro. O FANTASMA DE BRS, num fundo neutro. FANTASMA Antes de comearmos a histria, importante prestarmos um esclarecimento ao pblico. Este no um filme tradicional. uma histria que comporta alguma liberdade. Foi filmada com o esprito da piada, mas o sentimento da tristeza. O filme no tem um mocinho contra um vilo, nem monstros ou maremotos. Tambm no um filme de grande profundidade intelectual e quem quiser alguma teoria filosfica poder ficar frustrado. Assim corro o risco de no agradar ao espectador que s deseja diverso nem ao que deseja pensamentos profundos. Mas se ainda tenho a chance de conquistar a voc espectador, a melhor maneira no explicar muita coisa. Por isso mesmo no importa como eu, um morto, estou contando esta histria aqui do outro mundo: a explicao seria muito longa e desnecessria ao entendimento da histria. O que importa que voc, espectador, j est assistindo ao filme e agora tarde para se arrepender. Letreiro: MEMRIAS PSTUMAS

Sequncia 2 -intext/dia- Cemitrio.

(1869)

Dia chuvoso. Brs Cubas dentro de um caixo. Fecham o caixo e comea a sair o fretro com umas 10 pessoas acompanhando, guarda-chuvas abertos. Vemos o rosto de Brs dentro do caixo (cmera dentro do caixo). FANTASMA (Off) Algum tempo pensei se a histria deveria comear pelo comeo ou pelo fim, isto , se eu contaria antes o meu nascimento ou a minha morte.

3O caixo percorre o cemitrio e chega a uma cova aberta. VIRGLIA em especial destaque durante o percurso. FANTASMA (Off) Normalmente se comea a contar uma histria pelo nascimento, mas eu resolvi fazer o contrrio por dois motivos. O caixo posto no solo. Num corte para plano geral, vemos a cena do enterro ao fundo, enquanto o Fantasma de Brs, plido, fala em primeiro plano. FANTASMA O primeiro que como eu ressuscitei para ser o autor destas memrias, eu no sou um autor defunto, mas um defunto autor. Para mim a sepultura foi outro bero. O segundo que a histria fica renovada e moderna. Moiss, que tambm contou a sua morte na bblia, comeou pelo nascimento e no pela morte. Alis, esta uma diferena radical entre a minha histria e a bblia. GONALVES d um passo frente e comea um discurso. GONALVES A natureza parece estar chorando a perda irreparvel de um dos mais belos caracteres que tem honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do cu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funreo... FANTASMA (Off) Eu tinha 64 anos bem vividos, era solteiro e tinha dinheiro. Ao bom amigo, que vocs podem ver fazendo o discurso, eu deixei uma bela quantia. No me arrependo. GONALVES ... tudo isso a dor crua e m que lhe ri a natureza as mais ntimas entranhas. Tudo isso um sublime louvor ao nosso ilustre finado.

4Sequncia 3 -int/dia- Quarto de Brs. Brs agoniza na cama. Virglia, vestida de preto, com o rosto semi-encoberto, se destaca em volta do leito, no amplo quarto, aonde Brs Cubas vive os ltimos momentos. FANTASMA (Off) Assistiram a minha partida umas quatro ou cinco pessoas, entre elas uma senhora. Vemos o mdico, o amigo e por fim Virglia. FANTASMA (Off) Estavam l o mdico da famlia, o amigo que viram falando no meu enterro e uma senhora... Daqui a pouco vou dizer quem era a tal senhora, que simplesmente no podia acreditar na minha extino. Brs d o ltimo suspiro. VIRGLIA (Suspirando) Morto, morto. Sequncia 4 -intext/dia- Vrias. Imagens do Rio de Janeiro de 1870. FANTASMA (Off) Morri h mais de cem anos, mais precisamente em 1869, no Rio de Janeiro. Pode-se dizer que eu morri das idias, porque minha morte foi decorrncia de uma pneumonia que peguei quando ia refrescar as idias: abri a janela em vez de uma brisa, bateu um vento encanado. Brs abre a janela da casa. Um forte vento entra. Brs espirra.

5Sequncia 5 -int/dia- Quarto de Brs. Leito de morte de Brs. Estamos no momento em que Virglia chega e vai entrar no quarto. GONALVES A colonizao do pas precisa de vias frreas. Estamos no momento de dar um grande passo. Um passo custoso mas firme, em direo ao nosso futuro. Percebendo a chegada da senhora, Gonalves, que se encontra beira do leito, vai terminando a conversa e se afasta. FANTASMA (Off) Lembro como se fosse hoje. Ela entrando pela porta, plida, comovida, vestida de preto. Ficou ali parada, sem nimo de entrar. O Fantasma entra em cena e se aproxima de Virglia. Ele invisvel para as pessoas. FANTASMA Virglia Sim, chamava-se Virglia. Imagine que nos amamos, ela e eu, muitos anos antes. Quem diria, dois grandes namorados, duas paixes sem limites acabam desse jeito: nada mais existia entre ns, ali, vinte anos depois. Virglia est beira do leito. Um feixe de luz entra pela janela e a ilumina de maneira quase mgica. Brs na cama reconhece a visita e cumprimenta ligeiramente. BRS Anda visitando defuntos? VIRGLIA Ora, defuntos Ando ver se ponho os vadios para a rua. O Fantasma de Brs se dirige a ns. FANTASMA Mais adiante vou contar a histria de Virglia. Antes quero relatar uma coisa indita. Que eu saiba ningum descreveu o prprio delrio de morte. Vou fazer isto agora. Sei que a cincia me agradecer a grande contribuio ao conhecimento humano. Voc, espectador, que j se remexe na poltrona, tenha calma. Logo vamos entrar na histria propriamente dita. Brs agonizante na cama.

6FANTASMA (Off) Eu tenho certeza que tambm voc vai achar interessante saber o que aconteceu na minha cabea durante uns minutos. Uma senhora que est beira do leito de morte de Brs, tem uma bblia na mo. Brs agonizante, olha a bblia e faz o sinal da cruz. Sequncia 6 - Vrias. Num fundo neutro, vemos Brs transformado no livro religioso. Ele faz parte da capa do livro: o rosto e a mo do Santo so suas. FANTASMA (Off) Primeiro me senti transformado em suma teolgica de So Toms. Sequncia 7 - int/dia- Casa de Brs. Brs est de costas deitado com as mos cruzadas sobre o peito como se fosse um defunto. Virglia se senta na cama e descruza as mos. Sequncia 8 - Vrias. Brs cavalga um hipoptamo. FANTASMA (Off) Depois me vi cavalgando um hipoptamo. BRS (Com medo, para o hipoptamo) Esta viagem me parece meio boba. Sem destino. HIPOPTAMO Engana-se, meu amigo. Ns vamos origem dos tempos. BRS Ah! Deve ser muito longe.

7O hipoptamo no responde. Brs visivelmente preocupado, tenta ser delicado. BRS E vale a pena? Como o hipoptamo no responde, Brs fecha os olhos, enjoado do galope. Ele sente frio. O hipoptamo pra. O ambiente todo branco e artificial. Brs comea a caminhar. O frio intenso. Brs esbarra em volumes que se tornam visveis medida que a neve os descobre. Subitamente percebemos que os volumes so parte de uma fabulosa mulher, a NATUREZA, cujo rosto uma montanha. Reconhecemos na Natureza as feies de Virglia. BRS Muito prazer. Como se chama a senhora? NATUREZA Porque quer saber? BRS (Intimidado) Por nada. Curiosidade. NATUREZA Pode me chamar de Natureza. Sou tua me. E tua inimiga. Natureza d uma gargalhada que se transforma em uma imensa ventania. NATUREZA No se assuste; minha inimizade no mata. Voc est vivo e eu no quero outra tortura. BRS (Incrdulo) Vivo? Eu? NATUREZA Sim verme, vives. E se voltar a ter conscincia um instante, dirs que queres viver ainda mais. Natureza segura Brs pelos cabelos e ergue-o altura de seu rosto. Os ps de Brs batem sem tocar em nada.

8NATUREZA Entendeste? BRS No. Nem quero entender. A senhora absurda. uma fbula. NATUREZA Tem certeza? BRS Tenho. A natureza que eu conheo me e no inimiga. NATUREZA No sou boa nem m. BRS Tu no s vida? NATUREZA Sou. Mas tambm sou a morte. E voc est prestes a me devolver o que te emprestei. Um forte trovo ecoa na paisagem branca. BRS Dona Natureza, me d mais alguns anos? NATUREZA Voc ainda no est enjoado dessa luta toda? O que queres ainda? BRS Viver, mais nada. NATUREZA No preciso mais de ti. BRS Acabando com a vida no golpeias a ti mesma? NATUREZA No importa ao tempo o minuto que passa, mas o minuto que vem. Eis o estatuto universal. Sobe e olha.

9Natureza atira Brs num morro de neve. No fundo no meio da nvoa, uma projeo de filmes antigos (de arquivo ou reconstituio): homem das cavernas, romanos, cavaleiros medievais, etc. BRS Tem razo. A coisa divertida e vale a pena. Um pouco montona talvez, mas vale a pena. Os filmes continuam: descobrimento do Brasil, poca da inveno do cinema, o futuro visto numa simulao de seriado de Flash Gordon ou dos filmes de Melies. Uma forte nvoa encobre tudo. Brs se vira mas s pode ver o hipoptamo. Ele mira o hipoptamo que vai diminuindo de tamanho, diminuindo, at ficar do tamanho de um gato. O hipoptamo solta um miado. Sequncia 9 -int/dia- Quarto de Brs. O gato de Brs mia num canto do quarto. Brs desperta do delrio. Virglia a sua frente. FANTASMA (Off) E Virglia estava ali, preocupada ao lado do meu leito de morte, assistindo o meu delrio. O fantasma novamente em primeiro plano. FANTASMA Vou contar a histria de Virglia, mas tenham calma, cada coisa a seu tempo. Agora ajeitem-se em sua poltrona que eu vou comear pelo comeo. E vejam com que agilidade, com que arte fao eu a grande passagem de tempo desta estria. Vejam: meu delrio comeou na presena de Virglia... Vemos o rosto de Virglia FANTASMA (Off) Virglia foi o meu grande pecado da juventude; eu disse juventude, e no existe juventude sem infncia; com infncia j se imagina nascimento. o rosto de Brs agonizante FUSO PARA: Sequncia 10- int/dia- Casa de Brs.

(1805)

10 rosto de nen que chora no bero. FANTASMA (Off) E a est feita a grande transio: chegamos sem esforo nenhum ao dia 20 de outubro de 1805, data em que nasci. Uma mulher pega o nen no bero e o entrega a BENTO, o pai de Brs. Ao fundo a me de Brs na cama abanada por uma escrava. Sequncia 11 -int/dia- Casa de Brs. A alegria da casa contrasta com a cena anterior. Numa sala esto os tios do nen e diversos amigos e vizinhos da famlia, crianas e velhos, figuras tpicas do sculo passado, fazendo uma visita ao recm-nascido. Bento chega com o nen Brs Cubas embrulhado em faixas. Ele vai mostr-lo a JOO, ex-oficial da Infantaria e IDELFONSO, padre. FANTASMA (Off) Naquele dia a rvore dos Cubas brotou uma graciosa flor. Eu fui lavado e enfaixado. Fiquei logo sendo o heri da nossa casa. JOO Tem um certo olhar de Napoleo Bonaparte. IDELFONSO Cnego o que h de ser. No, cnego no. Bispo! Bento pega-o e levanta acima da cabea, alando-o ao ar. BENTO Ele ser o que Deus quiser. O que Deus quiser. Ah, brejeiro! As outras pessoas no aposento rodeiam o menino falando e gesticulando muito. Bento, orgulhoso vai mostrando-o a todos. BENTO Digam, ele se parece comigo? Ele bonito? Ele inteligente? PESSOAS (uma mulher feia) lindo! (um cara esquisito) muito esperto.

11(uma mulher gorda) Tem um ar inteligente! (um careca) Tem mais cabelo que eu! (um cara magro) to gordinho FANTASMA (Off) Digo estas coisas meio por cima, pelo que me contaram anos depois; no tenho idia da maior parte dos detalhes. Sequncia 12 -int/dia- Casa de Brs.

(1812)

O menino Brs monta de cavalinho no negrinho PRUDNCIO, da mesma idade. Prudncio usa um cordo que serve de freio e rdeas. Eles percorrem vrios aposentos da casa. Na sala, eles passam pela me de Brs, que assiste cena enquanto est sendo abanada por uma escrava. Brs chicoteia Prudncio impiedosamente. Um velho escravo da famlia observa passivamente. FANTASMA (Off) S sei que cresci naturalmente como crescem as plantas e os gatos. Se bem que os gatos so menos espertos e as plantas menos travessas do que eu na minha infncia. PRUDNCIO Ai nhonh... BRS Cala a boca besta. Sequncia 13 -int/dia- Cozinha da Casa de Brs. Uma NEGRA faz um doce num grande tacho, suando muito no meio da fumaa, com uma grande colher de pau. Brs observa-a, se aproxima. Brs tenta pegar um pouco do doce com uma colher. A negra impede-o de faz-lo. Brs observa a mulher atentamente.

12FANTASMA (Off) Um poeta dizia que o menino pai do homem. Espero que no seja verdade, porque desde os cinco anos eu era conhecido como menino-diabo. Brs bate com a colher na cabea da negra e depois joga cinza no tacho de doce. Sequncia 14 -int/noite- Casa de Brs. Pessoas srias conversam com Bento e a ME de Brs. O menino est entretido fazendo alguma coisa de papel. um rabicho que ele coloca no palet de um senhor. A senhora que o acompanha v o rabicho um tempo depois. Brs, que j est escondido debaixo de um mvel, d um belisco na perna da mulher e foge. A mulher solta um grito. FANTASMA (Off) Eu mostrava um gnio rebelde, verdade, mas tambm engenhoso. Acredito que eram expresses de um esprito forte e robusto, porque meu pai tinha grande admirao por mim. Brs se perfila solenemente em frente s visitas. BENTO Nhonh, diga a estes senhores como se chama seu padrinho. BRS Meu padrinho o Excelentssimo Senhor coronel Paulo Vaz Lbo Csar de Andrade e Souza Rodrigues de Matos; minha madrinha a Excelentssima Senhora D. Maria Lusa de Macedo Resende e Sousa Rodrigues de Matos. SENHOR muito esperto o seu menino. BENTO Muito esperto, muito esperto. Bento, cheio de si, pe a mo nos ombros do menino, dando-lhe palmadinhas. BENTO Ah, brejeiro! Ah, brejeiro! Sequncia 15 -int/noite- Casa de Brs.

13Brs de pijama, de p ao lado da cama com a me antes de dormir. Ela l oraes que Brs repete. FANTASMA (Off) Minha me, temente a Deus e meu pai, me educava do seu jeito. Tentando transformar o menino-diabo em santo, ela me fazia decorar algumas oraes. Sequncia 16 -int/dia- Casa de Brs.

(1814)

Esto chegando para um grande banquete formal, pessoas importantes da sociedade carioca. Entre eles VILAA, um sujeito com cabeleira de rabicho, casaca de seda, anel de esmeralda e uma vistosa medalha, acompanhado da mulher e da filha. FANTASMA (Off) Mas no adiantou muito. Sequncia 17 - int/dia- Casa de Brs. O almoo j terminou. As sobremesas esto mesa onde todos esto sentados satisfeitos e j meio sonolentos. Brs com os olhos espichados para uma rica compota. Vilaa se levanta e tosse para chamar a ateno de todos. VILAA Padre Idelfonso, um mote! IDELFONSO (Pensa um pouco) Bonaparte. Vilaa se concentra, crava os olhos na testa de uma senhora, a D. Eusbia, e leva cabea a mo fechada com o indicador apontando o teto.

14VILAA Bonaparte, vejamos. Ao contrrio de Bonaparte, No fugirei da grande batalha, Pois o heri que merece a medalha, o que fica, no o que parte. Aplausos e admirao mesa. Bento orgulhoso com o sucesso de sua recepo, D. EUSBIA toda faceira, e Brs atento sobremesa. VILAA Conselheiro Aires, um mote! AIRES Doces! VILAA Ovos, farinha e fermento Bolos, tortas e queijos. Eu s me alimento, Dos teus doces beijos. Brs de olho nos doces da mesa, Vilaa de olho em D. Eusbia. D. EUSBIA Admirvel, Dr. Vilaa! VILAA A senhora diz isto, porque nunca ouviu o Bocage como eu ouvi, no fim do sculo em Lisboa. Aquilo sim, que facilidade! Tivemos lutas de uma e duas horas. Brs faz uma meno de atacar uma sobremesa perto dele. Sua me o detm. ME S depois que o senhor Vilaa acabar. VILAA Mote! ALGUM Fidelidade!

15VILAA A fidelidade o raro mel, De quem domina a emoo, Mas na verdade s fiel Quem fiel ao corao. A cena continua com Vilaa fazendo glosas, Brs querendo doces e a me negando. FANTASMA (Off) O Vilaa fazia glosas e mais glosas e nada de sobremesa Sequncia 18 -int/dia- Sala da Casa de Brs. Um trio toca para os convidados depois do almoo. Vilaa, andando por entre as pessoas seguido por Brs. D. Eusbia troca alguns olhares discretos com Vilaa. FANTASMA (Off) esse crime merecia uma importante vingana. Uma vingana exemplar. Vilaa sai da casa discretamente. Em seguida D. Eusbia vai pelo mesmo caminho. Sequncia 19 -ext/dia- Jardim da Casa de Brs. Vilaa espera Eusbia num canto isolado do jardim. Eusbia tem um sotaque de Portugal. EUSBIA Estou zangada com o senhor. VILAA Porque? EUSBIA Porque... no sei porque... a minha sina... creio s vezes que melhor morrer.

16Vilaa tenta pegar nas mos dela. EUSBIA Me deixe. Eusbia se afasta de Vilaa amuada. Este segue-a solcito. Em outro canto do jardim Vilaa tenta se aproximar de Eusbia. O menino Brs est espiando os dois. VILAA Ningum nos v. Morrer, meu anjo? Que idia so essas? Voc sabe que eu morrerei tambm... que digo?... morro todos os dias de paixo, de saudades... D. Eusbia enxuga os olhos com um lencinho. Vilaa pensa e surge com um frase potica: VILAA No chores, meu bem. No queira que o dia amanhea com duas auroras. Vilaa puxa Eusbia para si e num grande gesto, lhe d um pequenino beijo. Brs, que observa tudo, volta correndo em direo casa. Sequncia 20-int/dia- Casa de Brs. Brs chega correndo na sala. BRS O Dr. Vilaa deu um beijo na D. Eusbia. As pessoas comeam a se entreolhar maliciosamente e sussurrando. BRS O Dr. Vilaa deu um beijo na D. Eusbia. Vilaa surge pela porta. As pessoas murmuram e comentam. O trio interrompe a msica. BRS O Dr. Vilaa deu um beijo na D. Eusbia. Bento puxa Brs pela mo e o leva parte. Eusbia surge por um corredor oposto ao lado por onde veio Vilaa. Ela est com a medalha dele enganchada no vestido.

17BRS O Dr. Vilaa deu um beijo na D. Eusbia. O Fantasma de Brs no meio da festa, se dirige camera. Enquanto ele fala, vai se erguendo com uma grua junto com a camera, por sobre a festa. FANTASMA Descrito esse episdio, vamos dar um salto. Vamos passar por cima da escola, que no interessa, a triste escola onde aprendi a ler, contar, dar cacetadas, e cabular aulas. Vamos dar um salto no tempo. Sequncia 21 -ext/noite- Ruas. Quadro de Pedro Amrico retratando a Independncia de Brasil. FANTASMA (Off) Vamos independncia do Brasil. Brs jovem. A noite das luminrias. O povo nas ruas comemora e grita vivas com tochas de fogo nas mos. Brs vem posudo com roupas elegantes, montado num cavalo. Ele vai seguindo uma cadeirinha levada por dois escravos. FANTASMA (Off) Na festa da Independncia, eu e o pas ramos dois rapazes, ambos surgindo para mostrar sua prpria face. O Fantasma est entre os populares. Brs desmonta do cavalo e segue a p, puxando o animal. FANTASMA Sim, este que voces esto vendo a, descendo do cavalo, sou eu. Podemos no parecer muito, mas s fisicamente. Essa imagem o retrato mais fiel da minha robustez de esprito. Esse sorriso bonito a maneira mais cinematogrfica de mostrar meu entusiasmo. Vemos o rosto do jovem Brs de perto. FANTASMA (Off) Esses olhos, vivos e firmes, so a expresso precisa da minha personalidade masculina. Eu era um rapaz lindo e ousado.

(1822)

18Acreditamos que Brs est entusiasmado com a Independncia, mas no. A cadeirinha pra e dela desce MARCELA, uma espanhola, cortes famosa do Rio de Janeiro. Marcela se dirige a seu pajem. MARCELA Siga-me. Quem segue ela junto com o pajem Brs. PASSANTE Eh Marcela! Linda Marcela! BRS (Para si mesmo) Linda Marcela... O Fantasma de Brs assiste cena e comenta: FANTASMA Linda Marcela! Primeira emoo da juventude alegre e retumbante. Meu grito do Ipiranga. Meu sol da liberdade em raios flgidos. Sequncia 22 -int/dia- Casa de Marcela. Uma jia vistosa sai de uma caixinha. Na sala de Marcela se sobressai um vistoso relgio. FANTASMA (Off) Mas o fato que Marcela no tinha, digamos, a inocncia rstica. Ela na verdade mal chegava a entender a moral. Marcela contempla e experimenta a jia observada por Brs orgulhoso. MARCELA Isto coisa que se faa? Um presente to caro... Brs recebe um beijo de Marcela.

19Sequncia 23-int/noite- Quarto de Marcela. Brs est na cama. Sonhador e satisfeito observa Marcela seminua, experimentar a jia. FANTASMA (Off) Levei trinta dias e duas esmeraldas para chegar ao corao de Marcela. Foi o que ela precisou para perceber que eu era um homem superior. BRS Gostou mesmo? MARCELA Rico Brs, mui rico. Ela faz um trejeito e uma pose com a jia e tasca um beijo em Brs. MARCELA OL! ESCRAVA bate porta. ESCRAVA O seu Xavier est a. MARCELA Vista-se que o inconveniente chegou. Sequncia 24 -int/noite- Sala de Marcela. XAVIER na sala entrega um buqu de flores a Marcela. Enquanto ela entretm Xavier, ao fundo Brs sai de fininho orientado pela escrava. Ele ainda faz um aceno e manda um beijinho para Marcela. FANTASMA (Off) Teve duas fases nossa paixo. A primeira foi uma espcie de parlamentarismo, onde o Xavier era o presidente, e eu o primeiro-ministro.

20Sequncia 25-int/noite- Sala de Marcela. Brs, com mais uma rica jia presenteia Marcela encantada. FANTASMA (Off) Mas ento eu dei um golpe de estado e fiquei com todos os poderes em minhas mos. Me transformei num ditador sem nenhuma oposio. Eu acho. Ao fundo um outro homem sai de fininho acompanhado da escrava, como Brs sara na sequncia anterior. MARCELA Na verdade voc quer brigar comigo. Isso coisa que se faa? BRS Diga o que voc quer que eu faa por voc... MARCELA Meu amor, voc me d tudo o que eu quero. Este colar to lindo... Quase tanto quanto aquele que est na vitrine da joalheria Klopstok. BRS Qual? MARCELA Um que vi outro dia. De ouro cravejado de rubis. Sequncia 26 - int/dia - Loja de Jias. Plano de uma vitrine que tem ao centro uma jia evidentemente carssima. Sequncia 27 - int/noite - Casa de Marcela. De volta na sala de Marcela, Brs engole seco. Marcela ameaa Brs com o dedo em riste. MARCELA Mas o nosso amor no precisa desses estmulos. No lhe perdo se voc fizer de mim essa triste idia. Ela d um tapinha em sua cara e puxa-o para si num abrao.

21Deitam-se no sof, ele com a cabea no colo dela. Marcela fala baixinho enquanto faz cafun. MARCELA Jamais eu permitiria que me comprassem os afetos. Eu j vendi muitas vezes a aparncia, confesso. Mas a realidade eu conservo para poucos. O Duarte por exemplo, s a muito custo conseguiu me dar esta cruz. BRS Mas esta cruz, no me disseste que foi o seu pai... MARCELA (Sem jeito) Falei? No percebeste que era mentira, que eu dizia isto para no ficares com cimes? Brs se afasta. MARCELA Ah, chiquito, chegue mais perto de mim. No seja desconfiado. Amei a outro; que importa se acabou? Um dia quando nos separarmos... BRS No diga isso. MARCELA Tudo cessa um dia... BRS Ns tambm? Marcela pausa, engole em seco, quase chora e abraa Brs com fora. MARCELA Nunca. Nunca, meu amor. Uma lgrima de emoo corre os olhos de Brs.

22Sequncia 28 -int/dia- Casa Bancria. Brs com um FUNCIONRIO do banco. Ele assina papis e pega dinheiro. FANTASMA (Off) Primeiro explorei a generosidade de meu pai, mas a tal ponto chegou o abuso que ele restringiu um pouco as benesses. Ento pedi ajuda a meu anjo da guarda. Na verdade ele se parecia mais com um gerente de banco. Os anjos e demnios se disfaram de muitas maneiras. Sequncia 29 -int/dia- Loja de Jias. A maravilhosa jia que vimos na sequncia retirada da vitrine. O JOALHEIRO mostra a jia a Brs. Sequncia 30 -int/noite- Casa de Marcela. Brs d um embrulho a Marcela. Ela abre. a jia. FANTASMA (Off) Marcela me amou durante quinze meses e onze contos de ris. Marcela olha Brs, firme, nos olhos. BRS Para se lembrares de mim quando nos separarmos. Marcela indignada tenta jogar a jia pela janela. Brs impede ela do gesto. BRS No faa isto, Marcela, eu lhe peo. Ela se solta dele e insiste na inteno. BRS No, por favor. Eu te peo.

23Marcela sorri e fica com a jia. MARCELA Meu anjo! Sequncia 31 -ext/noite- Sada da Casa de Marcela e Sege. Marcela, com uma camisola, se despede de Brs que sai contente. BRS Um anjo. FANTASMA (Off) Meu pai, logo teve o vislumbre dos onze contos, tomou umas providncias. Na rua trs sujeitos pegam-no fora e o colocam dentro de uma sege. seu pai, o condutor da sege e outro homem. Brs se senta entre o pai e o homem. FANTASMA (Off) Eles me levaram casa do intendente de polcia do Rio de Janeiro, donde fui transportado depois de trs dias para um navio que ia para Lisboa. Sequncia 32 -ext/dianoite- Convs de Barco. O mar. Brs mira o infinito do convs do barco. O sol se pe. FANTASMA (Off) No primeiro dia pensei em me matar. No segundo em virar padre. No terceiro em beber at cair. No quarto em escrever uma carta a Marcela. No quinto comecei a pensar na Europa e no sexto sonhava com as noites de Lisboa. Em seis dias Deus fez o mundo e eu refiz o meu. Viva! Viva!

24Sequncia 33 -ext/dia- Prdio da Universidade.

(1828)

Cenas de Coimbra. Prdios, praas, a Universidade. Universitrios no ptio da faculdade de Direito. Brs participa de algum ritual mrbido, talvez com mulher nua dentro de caixo, moda do romantismo. Brs recebendo diploma na solenidade de formatura. FANTASMA (Off) No dia em que a universidade me deu o diploma em uma cincia que eu estava longe de trazer no crebro, confesso que me senti de algum modo enganado, mesmo que orgulhoso. Cheguei concluso que o Direito no podia ser coisa sria, uma vez que at eu podia ser um doutor nesse assunto. Sequncia 34 -ext/dia- Plancie. Brs viajando no lombo de uma mula carregada de tralhas. FANTASMA (Off) Depois de formado decidi prolongar a Universidade pela vida adiante e fui andar pela Europa. O jumento empaca e Brs luta com ele para andar. O animal se rebela e corcoveia. Poeira. Brs vai ao cho junto com tralhas de viagem. Seu p fica enganchado ao estribo e o jumento comea a arrast-lo quando milagrosamente surge um POBRE homem maltrapilho, que consegue segurar as rdeas do assustado animal. O jumento ainda corcoveia, mas o pobre domina-o. Brs, assustado no cho, olha aquele homem milagroso surgido do nada. Ele levanta-se e comea a se recompor. POBRE Olha do que vosmec escapou.

25O pobre concerta os arreios e bagagem na mula, enquanto Brs bate o p da roupa e avalia os ferimentos. FANTASMA (Off) Era verdade. Se o jumento dispara por ali afora, eu iria me arrebentar e no sei se a morte no estaria no fim do desastre, levando-me a cincia que desabrochava em flor. O homem me tinha salvado a vida. Brs olha o gentil homem e vai pegar sua sacolinha com moedas amarrada aos arreios. O pobre vai lhe passar as rdeas da cavalgadura. POBRE Pronto. BRS Daqui a pouco. Deixa que eu ainda no estou em mim. POBRE Ora! FANTASMA (Off) Resolvi dar-lhe trs moedas de ouro. BRS Pois no certo que ia morrendo? POBRE Se o jumento corre por a afora, possvel; mas com a ajuda do Senhor, viu vosmec que no aconteceu nada. Brs separa 3 moedas de ouro e vai entreg-las ao homem. No meio do caminho se arrepende e vira as costas. POBRE (Para o jumento) E isto so coisas que se faa com seu dono BRS (Consigo mesmo) Trs no, duas. Hum... (olha para o homem) O pobre acaricia o jumento. POBRE (Para o jumento) Tome juzo que o seu senhor pode castig-lo, viu?

26BRS Duas? muito... Uma est de bom tamanho... Brs guarda duas moedas e vai dar uma ao homem. O homem acaricia o jumento e lhe d um beijo. BRS Ol! POBRE Queira vosmec perdoar, mas o diabo do bicho est a olhar para a gente com tanta graa. Brs se arrepende de dar uma moeda de ouro. Voltando as costas ele vasculha a sacolinha at achar uma moedinha de prata sem muito valor que finalmente entrega ao homem. Montado na mula, Brs acena ao homem que j est ao longe. O pobre faz cortesias e cada um segue seu caminho. Brs tira do bolso do colete uns cobres. FANTASMA (Off) Meti os dedos no bolso do colete que trazia no corpo e senti umas moedas de cobre: eram os vintns que eu deveria ter dado ao homem. Tinha pago bem. Talvez bem demais. Tive remorsos. Sequncia 35 -ext/dia- Paisagem.

(1832)

Em frente a uma paisagem de um castelo ou cidade medieval, Brs vem, puxando sua mula. Conforme o Fantasma fala, vo aparecendo no canto do quadro imagens de mulheres. FANTASMA (Off) Em meus passeios pelo Velho Continente conheci a Itlia com Isabela, a Espanha com Carmencita Brs deitado beira de um rio lendo uma carta. FANTASMA (Off) Londres com Jane, Paris com Michele e a Alemanha com Helga. Quando j estava enjoado de todas aquelas andanas, recebi uma carta de meu pai.

27Num canto da imagem de Brs lendo a carta, as imagens das mulheres so substituidas pela do pai, como se fosse um anjinho a aconselh-lo. BENTO Vem, se no vieres depressa achars sua me morta. FANTASMA (Off) Esta frase foi para mim um golpe. Agora a me em quadro. ME Meu triste filho, nunca mais te verei. FANTASMA (Off) Ento resolvi trocar as mulheres por minha me e a Europa por minha casa. Voltei. Sequncia 36 -int/dia- Casa de Brs/Table Top. Imagens do Rio de Janeiro da poca. FANTASMA (Off) Vim. No nego que ao avistar o Rio de Janeiro tive uma sensao nova. O lugar da infncia, a torre, o chafariz da esquina, cenas da meninice refrescadas na memria. Brs ao lado do leito de morte da me. Um padre, famlia, tristeza. BRS Minha me... ME Meu filho... BRS Minha me! ME Estou morrendo...

28BRS No diga isso. ME verdade. BRS Por qu? Por qu? ME Cuida do teu pai. BRS Vou cuidar. ME E das minhas roseiras. BRS Vou cuidar. ME Meu filho, quero te dar um ltimo conselho. BRS Fale, me. ME Um conselho muito srio, um conselho que vai te ajudar o resto da vida. BRS O que me? ME A vida, Brasinho, uma loteria. Ela morre. FANTASMA (Off) Foram aquelas suas ltimas palavras. Fiquei prostrado. Lembro que no chorei. Tinha os olhos estpidos, a garganta seca, a conscincia boquiaberta. A casa de Brs vazia, clima de morte.

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Sequncia 37-ext/dia- Chcara. Uma chcara exuberante. Brs l, triste numa cadeira de recostar. ( poca de lindas borboletas que revoam durante a maioria das cenas da chcara) FANTASMA (Off) Retirei-me para uma chcara da minha famlia na Tijuca. O Fantasma de Brs entra em cena. FANTASMA Estava prostrado. Jamais o problema da vida e da morte me oprimira o crebro. Nunca at esse dia me debruara sobre o abismo do inexplicvel. Brs anda triste pelo mato em volta da chcara com uma espingarda. O Fantasma a segui-lo. Brs v um passarinho. O Fantasma continua sua conversa com o espectador. FANTASMA Talvez o espectador se espante com a franqueza que eu revelo minha mediocridade. Mas saibam que a franqueza a primeira virtude de um defunto. Na vida o olhar das opinies, a diferena de interesses e a luta das cobias nos obrigam a esconder, disfarar, enganar aos outros. E a si mesmo. Brs que ao fundo j fazia pontaria, d um tiro. FANTASMA Mas, na morte, que diferena! Que desabafo! Que liberdade! Brs matou o passarinho e contempla seu cadver segurando o animalzinho pelas patas.

30Sequncia 38 -ext/dia- Caminho da Chcara de D. Eusbia. Por trs de uma cerca, vemos D. Eusbia dando instrues a um jardineiro negro. Brs vem caminhando do outro lado da cerca. FANTASMA (Off) Mas vamos passar a uma fase menos triste... Caminhava eu, desolado pelas redondezas, quando... A senhora reconhece Brs. EUSBIA Brasinho, ora. Um homem... quem diria. FANTASMA (Off) ...avistei uma velha conhecida de famlia. Sequncia 39 -extint/dia- Varanda da Chcara de Eusbia. Brs e Eusbia sentandos na varanda. FANTASMA (Off) Com certeza voc espectador deve se lembrar dela. EUSBIA Voc no deve se lembrar bem de mim. Brs sem jeito. BRS Claro que sim, D. Eusbia. Como possvel esquecer de uma amiga to familiar de nossa casa? EUSBIA Brazinho, no imaginas como o desaparecimento de sua me me entristeceu...Uma criatura to dcil, to meiga, to santa? Me carinhosa, esposa imaculada. Morrer assim, trateada, mordida pelo dente tenaz de uma doena sem misericrdia? Brs cabisbaixo. EUSBIA

31Mas vamos falar de um assunto menos triste. Me conte de sua viagem Europa. Como foram os estudos? Os namoros... Hein? Eu quero saber dos namoros tambm. Nisso entra uma lindssima e recatada jovem: EUGNIA. EUGNIA Mame... Mame Quando ela percebe a presena de Brs, interrompe o que ia dizendo e se aproxima timidamente. EUSBIA Vem c, Eugnia. Cumprimenta o Dr. Brs Cubas, filho do Sr. Cubas. Veio da Europa. (Para Brs) Minha filha Eugnia. Brs se encanta e cumprimenta-a com um elegante gesto de cortesia. Eugnia se aproxima lentamente e senta-se ao lado da me, que comea a refazer a ponta de uma trana que havia soltado. EUSBIA Ah, travessa. No imagina, doutor o que isto ... D. Eusbia d um beijo carinhoso na filha. BRS Travessa? Pois j no est em idade prpria, ao que parece. EUSBIA Quantos anos lhe d? BRS Dezessete. EUSBIA Menos um. BRS Dezesseis. Pois ento. Uma moa. Eugnia se sente satisfeita mas logo reprime a descontrao.

32EUSBIA Tem muitas qualidades... O senhor sabe que Eugnia j est aprendendo o francs? Eugnia tenta reprimir a me com o olhar. EUSBIA , minha filha tem sido muito elogiada por nossa vizinha, Mme. Leblanc. Uma borboleta preta se aproxima das mulheres e comea a voar em torno de D. Eusbia. Ela se levanta apavorada fazendo o sinal da cruz. EUSBIA Sai diabo... Te esconjuro... Virgem nossa... BRS No tenha medo. Com um ar superior, Brs tira um leno e espanta a borboleta. D. Eusbia, ofegante se senta. Eugnia envergonhada. Brs sorri para a moa, um pouco da situao, um pouco de namoro. Eugnia sorri do namoro. Sequncia 40 -int/dia- Chcara de Brs. Brs na chcara, sentado na sala com um livro nas mos. Chega o pai, Bento. BENTO Ol, meu rapaz. Bento fica de p olhando o rapaz. FANTASMA (Off) Meu pai no se conformava com a minha meditao. BENTO Isso no vida. Rapaz, conforma-te com a vontade de Deus. BRS J me conformei.

33BENTO Ento est na hora de voltar para o Rio. BRS No tenho motivo. Sequncia 41-int/dia- Chcara. Brs e pai almoam. BENTO Precisa de motivo? Ento te dou dois: um lugar de deputado e um casamento. BRS O qu? BENTO Um lugar de deputado e um casamento. Brs se interessa mais na comida que no assunto. BENTO Aceitas? BRS No entendo de poltica. Quanto noiva... Deixe-me viver como um urso que sou. BENTO Mas os ursos se casam. BRS Ento traga-me uma ursa. A ursa maior. BENTO Ah, brejeiro! Brejeiro! Teme a obscuridade, Brs, foge do que nfimo. A carreira poltica lhe necessria, meu filho. Brs brinca com palitinhos e faz bolinhas com miolo de po (closes).

34BENTO Os homens valem por diferentes modos e o mais seguro de todos valer pela opinio dos outros homens. Sers deputado e ters uma linda esposa. Brs continua absorto. BENTO No saio daqui sem uma resposta definitiva. (tamborilando os dedos na mesa) De-fi-ni-ti-va. Bento bebe cafezinho. BENTO A noiva um anjo, meu pateta. Um anjo sem asas. Virglia o nome dela. BRS Virglia? Bento e Brs congelam na posio em que esto e aparece o Fantasma de Brs em cena. FANTASMA Ooops! Uma explicao. Virglia... Virglia aquela do comeo do filme. No sei se o espectador vai se lembrar, ento por via das dvidas, vamos rememorar. O Fantasma cruza o quadro e sai por uma porta. Sequncia 42-int/dia- Quarto de Brs. O fantasma entra no quarto. Brs no leito de morte como no incio do filme. Virglia observa-o, condoda. FANTASMA Virglia a senhora que em 1869 iria assistir aos meus ltimos momentos; e antes disso, muito antes, teve grande participao nas minhas mais ntimas sensaes. O fantasma sai por uma outra porta. Sequncia 43-int/dia- Casa de Dutra.

35O Fantasma entra pela porta da sala onde a jovem Virglia se arruma ao espelho, auxiliada por uma mucama. FANTASMA Essa Virglia jovem. Virglia! Era talvez a mais atrevida criatura de nossa raa humana, e com certeza, a mais voluntariosa. Eu logo iria me encontrar com ela. Logo vai comear o romance. Sequncia 44-int/dia- Chcara. O Fantasma entra na sala do almoo onde Bento e Brs permanecem congelados na mesma posio. FANTASMA Mas vamos seguir a histria sem interrupes. Por enquanto estamos com meu pai com a xcara de caf na boca quando... BRS Virglia... BENTO Virglia. Filha do Dutra. BRS Dutra? BENTO O Conselheiro Dutra. Uma influncia poltica. No conheces? Vamos l, aceitas? BRS Est bem. Estou disposto a examinar as duas coisas, contanto que... BENTO Contanto que? BRS Contanto que no fique obrigado a aceitar as duas. Creio que posso ser separadamente homem casado ou homem pblico. BENTO

36Todo homem pblico deve ser casado. Brs se serve da sobremesa. BENTO Mas seja como queres. Estou por tudo, contanto que... BRS (Imitando Bento) Contanto que? BENTO Ah, brejeiro! Contanto que no te deixes ficar a intil, obscuro e triste. No gastei dinheiro, cuidados e empenhos para no ver-te brilhar. A vida uma enorme loteria, meu filho, e com dois bilhetes ters mais chance de ser feliz. Ento, aceitas? Brs, que j no aguenta mais tanto falar, faz que sim, mas sem muita convico. Bento levanta-se e d um abrao no filho. BENTO Desces comigo? BRS Deso amanh. Sequncia 45 -ext/dia- Chcara de Eusbia. Brs, Eusbia e Eugnia andando pelo quintal da chcara. Eusbia vai mostrando as coisas interessantes (p. ex: os patinhos ou gansos). FANTASMA (Off) No dia seguinte fui casa de Eugnia me despedir e admirar um pouco aquela moa de lindo esprito e idias claras. Suas maneiras eram chs, como se dizia naquela poca, e tinha um ar de senhora. Brs percebe que Eugnia manca. FANTASMA (Off) Mas olhando bem Percebi que mancava. Para fazer uma cortesia, Brs oferta moa sua bengala.

37BRS (Oferecendo a bengala) Machucou o p? EUGNIA No, senhor, obrigada. Sou coxa de nascena. BRS Ah, ? Brs fica embaraado e no sabe como se portar. Eusbia que vinha falando entusiasmada, fica em silncio. Brs pega uma linda borboleta azul e mostra em detalhes para Eugnia. FANTASMA (Off) Coxa. Meu Deus, coxa! E mirando aquela minha Vnus Manca eu me perguntava: Porque coxa se bonita? Porque bonita, se coxa? BRS (Off) Porque bonita se coxa? Porque coxa se bonita? EUSBIA O senhor desce amanh? BRS Pretendo. Brs liberta a borboleta. EUSBIA No desa. Os trs caminham pela chcara.

38Sequncia 46 -int/dia- Chcara de Brs. Brs pensativo na sala de sua chcara quando uma enorme borboleta preta pousa em sua testa. FANTASMA (Off) Porque bonita, se coxa? Porque coxa se bonita? Tais eram minhas indagaes. Brs espanta a borboleta que vai pousar num retrato de Bento pendurado na parede e lentamente move as asas. FANTASMA (Off) A borboleta tinha um certo ar de escarninho que me aborreceu muito. Parecia que estava fazendo pouco de mim. Seria algum aviso? Brs apanha uma toalha de banho e, com um elegante golpe, executa a borboleta. Brs, desolado, carrega a borboleta ao peitoril da janela. Brs mira a borboleta pensativo. BRS Tambm! Porque diabo no era azul? FANTASMA (Off) Se a borboleta fosse azul, cor de laranja ou vermelha, talvez tivesse mais sorte na vida, mas era preta. Fiquei com d. Em todo caso era tarde, a infeliz havia expirado. Brs d um peteleco na borboleta que cai do peitoril para o quintal. Sequncia 47-ext/dia- Chcara de Eusbia. O jovem Brs chega com flores. FANTASMA (Off) Bem aventurados os que no descem, porque deles o primeiro beijo das moas. Isto no chega a ser uma frase bblica, mas com certeza de grande sabedoria.

39Sequncia 48 -int/dia- Chcara de Eusbia. Brs com Eugnia na sala da casa da chcara. Eugnia caminha, manca, para perto da janela. Brs segue a moa, e tocando-lhe o brao faz ela se virar. Brs se aproxima de Eugnia at que a aproximao se torne um beijo. FANTASMA (Off) Foi no Domingo o primeiro beijo de Eugnia... O primeiro que nenhum outro homem tinha recebido dela. E no roubado, mas entregue. Entregue da mesma maneira que um devedor honesto paga uma dvida. Pela janela vemos, ao mesmo tempo que Brs, a chegada de D. Eusbia. Quando a me entra na sala, Eugnia finge arrumar as tranas e Brs olha o infinito, pensativo pela janela. FANTASMA (Off) Que dissimulao. Que arte refinada, que moa bonita. Bonita mas coxa. Sequncia 49-intext/dia- Chcara de Eusbia. Brs e Eugnia num recanto da chcara. O Fantasma de Brs acompanha a cena. FANTASMA H a entre os espectadores alguma alma sensvel que j deve estar temendo pela sorte de Eugnia achando que eu simplesmente usei a moa para esquecer a morte de minha me. Talvez me chamem de cnico. Eu, cnico? Pela coxa de Diana, saibam que cheguei at a pensar em me casar com Eugnia. Ela era bonita. Mas coxa... Brs, na varanda da casa, a ss com Eugnia. BRS Eu preciso descer amanh. Meu pai me chama. Eugnia, depois de encarar Brs prolongadamente: EUGNIA Adeus. Faz-se silncio.

40EUGNIA Faz bem em fugir ao ridculo de casar comigo. Ela se vira e sai mancando pela varanda. Brs atrs. BRS Eu sou obrigado a descer, minha flor. Eu lhe quero muito. Muito. Eugnia pra e olha Brs de frente. BRS No acreditas? EUGNIA No. E acredito que faz bem. BRS Bem em qu? EUGNIA Em no casar comigo. Eugnia se vira e vai embora. Brs prostrado. Sequncia 50 -ext/dia- Estrada. Brs em seu cavalo anda pela estrada. A cada passo do cavalo, ele acompanha onomatopeicamente o balanar. BRS Coxa-bonita, coxa-bonita, coxa-bonita... FANTASMA (Off) Vinha pensando que eu tinha feito o melhor, que era justo obedecer a meu pai, que era conveniente uma carreira poltica... que a constituio... que a minha noiva... que o meu cavalo... etecetera etecetera Ah! Brejeiro! BRS Bonita-coxa, bonita-coxa, bonita-coxa Sequncia 51 -int/dia- Casa de Brs.

41Brs chega mancando em casa. Ele tenta tirar as botas apertadas e tem dificuldades. Um escravo ajuda-o a descal-las. BRAS (Off) No momento de descalar as botas, pude fazer uma considerao importante: as botas apertadas so uma das maiores felicidades do homem. Ao conseguir tir-las, seus dedos do p, aliviados, saltitam alegres e livres. Brs satisfeito. BRAS (Off) Sim, porque uma vez que elas fazem doer os ps, do um imenso prazer ao serem descaladas. Mortifique os ps, e depois os desmortifique, e a voc tem a felicidade barata. Eu sentia isto tambm em relao ao amor. Eu sabia que meu corao logo iria descalar suas botas. A felicidade de Brs ao aliviar o p numa bacia com gua morna. Sequncia 52 -int/dia- Casa de Dutra. Virglia, no corredor, se prepara para entra na sala que vemos ao fundo onde esto Brs, Bento, o Conselheiro DUTRA e sua MULHER meio surda. A casa de Dutra ostenta o poder e influncia do dono, evidentemente maiores que Bento. Formalidade. BENTO Conselheiro, quero lhe apresentar meu filho, de quem tanto falamos. (Fazendo apresentaes) A senhora Dutra. Brs faz uma galante cortesia da poca. BRS Escutei muitos elogios senhora. SRA. DUTRA Hein? Virglia chega at a sala. Como Dutra e a me de Virglia esto de costas, eles no percebem a chegada dela. Brs e Virglia trocam olhares. FANTASMA

42(Off) Virglia era bonita, fresca, saa das mos da natureza cheia daquele feitio, precrio e eterno, que o indivduo passa a outro indivduo, para os fins secretos da procriao... BRS Meu pai lhe tem em grande conta. SRA. DUTRA Como? Dutra fala gritando esposa surda. DUTRA O Dr. Brs lhe elogia muito. A Sra. Dutra faz que escutou com a cabea. Virglia se aproxima e Brs lhe faz a corte. Os convivas se dirigem a um canto da sala para tomar assento. Sequncia 53 -int/dia- Casa de Dutra. Outro dia. Virglia e Brs no hall da sala (haveria um vistoso relgio, semelhante ao da casa de Marcela?). Ele vai sair quando Virglia toca em seus braos e faz ele se virar. Ela se aproxima dele at a aproximao se tornar um beijo (fazer a movimentao de cena igual ao beijo de Eugnia e Brs, s que Virglia com o papel que Brs desempenhou na outra sequncia e Brs no papel de Eugnia). FANTASMA (Off) No vale a pena contar em detalhes como nos aproximamos mas, para resumir depois de um ms ramos ntimos.

43Sequncia 54 -ext/dia- Ruas. Brs caminha num dia alegre. Ele admira uma pequena banda musical e passa por um homem puxando sua mula. FANTASMA (Off) Eu ficava meditando pelas ruas horas a fio. Enquanto esperava a grande hora do encontro dirio com Virglia, era como se o tempo no passasse. Como se ficasse empacado. Feito um jumento. Brs tira seu relgio do colete. O vidro do relgio cai e rola pelo cho. FANTASMA (Off) At me distraa e entrava nos lugares errados. Brs est em frente a uma pequena loja que tem um grande relgio vista e parece ser uma relojoaria. A mula que vinha se deixando levar pelo homem agora empaca. Brs entra na loja. Sequncia 55 -int/dia- Loja de Marcela. A loja pequena e escura. Do fundo vem uma mulher envelhecida, com um pano na cabea que esconde um pouco seu rosto. Ela ostenta um portentoso anel. BRS Boa tarde, senhora. A mulher Marcela, que logo o reconhece. Ela tem o rosto desfigurado pela bexiga, velha e acabada. Marcela se aproxima silente. Brs sente algo, mas demora a reconhec-la. MARCELA Quer comprar alguma coisa? O sotaque espanhol a faz reconhecvel. BRS Marcela! Marcela, emocionada, aponta uma cadeira do lado do balco para Brs sentar. Ele no tem como recusar. MARCELA

44Como vai, Brs? Ele sem graa, ainda espantado com aquele rosto corrodo pela bexiga. BRS A vida se leva. Brs olha pela loja. na realidade uma joalheria, aonde se pode ver os presentes que outrora foram presenteados por ele. O relgio grande da entrada o relgio da casa de Marcela, que reconhecvel. MARCELA Mas porque entrou aqui? Queria falar comigo? BRS No, supunha entrar numa casa de relojoeiro. Queria consertar este relgio. Vou a outra parte. MARCELA Deixa-me ver. BRS Desculpe-me, tenho pressa. Ela grita para o fundo da loja. MARCELA Cosme! Close da mo de um menino que recebe o relgio de Marcela. Sequncia 56 -intext/dia- Joalheria. Em frente fachada da loja o menino sai correndo com o relgio. Agora o homem que estava puxando a mula, empurra o bicho que no sai do lugar.

45Sequncia 57 -int/dia- Loja de Marcela. Brs, que est de p, senta-se novamente. MARCELA Casou? BRS Ainda no. MARCELA Minha vida mudou muito, Brs. Voc me fez verter muitas lgrimas. No imaginas. Tive muita saudade. BRS (constrangido) eu tambm. Sequncia 58 -ext/dia- Loja de Marcela. Enquanto o homem da mula bate no animal, entra na loja um SENHOR sem chapu levando pela mo uma menina de quatro anos.. Sequncia 59 -int/dia- Loja de Marcela. Marcela j est sentada numa cadeira ao lado de Brs. MARCELA Quando precisar posso ser a melhor fornecedora dos objetos que encantam o corao feminino. Entra o senhor com a menina. SENHOR Como passou de hoje de manh? MARCELA Assim, assim. Vem c Maricota. Marcela pe Maricota de p no balco. Ela pronunciou a ltima frase sem nenhum sotaque espanhol. Brs fica surpreso.

46SENHOR Anda, pergunta a D. Marcela como passou a noite. (Para Marcela) Estava ansiosa por vir c, mas a me no tinha podido vesti-la. Ento Maricota? Toma a beno Assim No imagina o que l em casa. Fala da senhora todos os instantes, e aqui parece uma pamonha. Ainda ontem Digo Maricota? MARICOTA No, diga no, papai. MARCELA Ento foi alguma coisa feia? SENHOR Eu lhe digo. A me ensina-lhe a rezar todas as noites. Mas a Maricota ontem queria rezar para Santa Marcela MARCELA Coitadinha. Marcela d um beijo em Maricota. O senhor troca um sorriso com Brs, que continua sentado, aterrado com a percepo de que Marcela fala sem nenhum sotaque espanhol. MARCELA (Para Brs) um namoro. Uma paixo que o senhor no imagina. Sequncia 60 -ext/dia- Loja de Marcela. Fachada da loja: o homem est montado na mula empacada enquanto o menino volta correndo com o relgio de Brs. Sequncia 61 -int/dia- Loja de Marcela. O senhor com Maricota j foi embora. Brs, de p, d uma pratinha ao garoto que trouxe o relgio. BRS Muito agradecido. Estou com pressa. Voltarei em breve, Marcela. Sequncia 62 -ext/dia- Fachada da Loja.

47Brs sai apressado olhando o relgio. A mula dispara com o homem em cima (ou dispara frente e o homem sai correndo atrs).. FANTASMA (Off) Linda Marcela! Sequncia 63 -intext/dia- Sege e Fachada da Casa de Dutra. Brs dentro de uma sege que anda pelas ruas. O carro dobra esquinas, espera outro carro passar, continua andando. Detalhes de roda, poa dgua, etc. FANTASMA (Off) Ia pensando nas coincidncias da vida. Consulto o relgio, o vidro se parte... entro na primeira loja que me aparece frente... e me surge o passado... em carne e osso. Um passado que me dilacera e beija; ao mesmo tempo que me interroga, com um rosto cortado de saudades e bexiga... A sege estacionada em frente casa de Dutra. Brs impassvel dentro do carro, com um olhar fixo. A cmara vai se aproximando do rosto de Brs. Um vento sopra, agitando seus cabelos. A sege balana. Escutamos o som da sege andando pelas ruas, no entanto o carro est parado. FANTASMA (Off) Ia pensando como estranho o tempo, que s vezes empaca como um jumento e s vezes dispara como um cavalo no cio. Brs fica irrequieto quando sente que est demorando a chegar. BRS Joo, esta sege anda ou no anda? JOO U nhonh. J estamos parados na porta do sinh Conselheiro faz tempo. Ele percebe que de fato est no lugar ao qual se dirigia e sai apressado.

48Sequncia 64 -int/dia- Casa de Dutra. Virglia est visivelmente impaciente quando Brs cumprimenta a ela e a me. VIRGLIA Espervamos que viesse mais cedo. BRS que o cavalo empacou e encontrei um amigo que me deteve com uma histria interessante... Brs olha para Virglia e v seu rosto desfigurado pela bexiga como o de Marcela. Ele interrompe o que vinha contando. VIRGLIA O que foi? Brs puxa Virglia pela mo at mais perto de si, e examina seu rosto bexiguento. Num plano mais aberto, vemos que Virglia tem o rosto normal. Virglia estranha Brs e se afasta indo sentar no sof. Brs se aproxima do sof. Apatetado e incrdulo ele vai conferir o rosto de Virglia novamente. A coisa se confirma e ele se deixa cair no sof pasmo. VIRGLIA Nunca me viu? BRS (Tentando contornar a situao) To bonita nunca. Faz-se um silncio constrangedor. Ningum tem assunto. Virgula troca olhares com a me. Ambas incrdulas das atitudes de Brs. Este sorri sem graa.

49Sequncia 65 -int/noite- Casa de Dutra. Uma recepo na casa de Dutra para um Presidente de Provncia de passagem pelo Rio. Dutra numa pequena roda em volta do Presidente e sua mulher. Em outro canto Virglia, pede licena para interromper a conversa que est tendo com Bento e Brs e se afasta. Bento e Brs se aproximam da roda de Dutra. FANTASMA (Off) Eu ainda era ntimo de Virglia e frequentava sua casa. DUTRA Sabe? Ando com uns sobressaltos no corao. PRESIDENTE H de ver isso, conselheiro Dutra. O corao um rgo que traz surpresas desagradveis. DUTRA Toda minha famlia tem problemas de corao. s vezes, sem motivo, ele dispara. Assim, por nada. Virglia, conversando sozinha com LOBO NEVES, um gal todo certinho. Bento v o casal e se espanta. Ele d uma pequena tosse, forada, tentando desviar a ateno de Dutra para Lobo Neves e Virglia. FANTASMA (Off) Ento apareceu o Lobo Neves, um homem que no era mais esbelto que eu, nem mais elegante, nem mais lido, nem mais simptico. Mas foi ele quem conquistou Virglia e a candidatura a deputado. Num canto Virglia e Lobo Neves conversam. Brs sem graa. Bento tosse mais forte e Dutra finalmente olha para ele e percebe seu incmodo com Lobo Neves e Virglia. Dutra volta conversa com o presidente. DUTRA A verdade que nossa famlia tem um corao inconstante. PRESIDENTE Deve ser um sopro. DUTRA Sopro? Acho que est mais para tufo.

50PRESIDENTE No mximo uma brisa conselheiro. Nada mais que uma brisa. Bento continua tossindo. Virglia conversando com o Lobo Neves. VIRGLIA Ento, quando sers ministro? LOBO NEVES Pela minha vontade j, pela dos outros daqui a um ano. VIRGLIA Promete que um dia me far baronesa? LOBO NEVES Marquesa, porque eu serei marqus. A tosse de Bento continua, j no to artificial. Dutra olha incomodado. Sequncia 66 -int/noite- Casa de Brs. Bento e Brs entram em casa. O filho humilhado, o pai indignado, tossindo muito. BENTO Isso foi acontecer com um Cubas! Um Cubas! Tosse. Sequncia 67 -int/noite- Escritrio de Brs/Quarto de Dutra. Brs, nervoso fuma um charuto e tenta ler. No consegue, joga o livro. Escuta-se as tosses de Bento. Bento na cama tossindo. FANTASMA (Off) Como eu ainda no amava Virglia, para mim aquele episdio foi s uma alfinetada. Meu pai, porm, amava a idia de me ver casado e deputado, e aquilo foi para ele como se uma espada tivesse sido espetada no seu corao. Brs esmurra a parede de seu quarto.

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Sequncia 68 -int/dia- Casa de Brs. Bento mesa com Brs. Bento tem um acesso de tosse. FANTASMA (Off) Ou melhor, no pulmo. BENTO Um Cubas! Sequncia 69 -int/dia- Casa de Brs. Bento na cama quase morrendo. Brs e um mdico ao lado. BENTO Um Cubas! Um Cubas! FANTASMA (Off) Pode ser at que ele no tenha morrido exatamente do desastre de Virglia, mas que o desastre complicou os ltimos tempos, isso positivo. BENTO Um Cubas! Um Cubas! Uma ultima tosse de Bento, que expira. Brs olha para a ponta do nariz. FANTASMA (Off) E eu olhando para a ponta do nariz.

52Sequncia 70 -int/dia- Casa de Brs. Velrio de Bento. Pessoas em volta do caixo cumprimentam Brs abatido. FANTASMA (Off) O espectador j meditou alguma vez no destino do nariz? Uma explicao corrente que o nariz foi criado para o uso dos culos, assim como a cabea para o uso do chapu. Essa explicao at certo tempo me pareceu definitiva... A cmara passeia pelo rosto de sisudas pessoas, passa por um senhor de culos, um outro de chapu e vai at uma senhora olha para a ponta do nariz. Sequncia 71 - int/dia- Ante-sala do Velrio. Um FAQUIR numa cama de pregos em primeiro plano, ao lado do Fantasma, olha para a ponta do nariz, meditando. O Fantasma fala baixo para no atrapalhar o velrio que est no fundo da cena. (Eventualmente Virglia e Lobo Neves podem chegar no velrio) FANTASMA ... mas bastou conhecer um pouco de orientalismo para mudar meu ponto de vista. Um oriental gasta longas horas olhando para a ponta do nariz com o nico objetivo de ver a luz celeste. Quando ele finca os olhos na ponta do nariz, perde o sentimento das coisas externas, embeleza-se no invisvel, apreende o impalpvel, desvincula-se da terra, dissolve-se eteriza-se, sai do prprio corpo. Sequncia 72 -int/dia- Casa de Brs. As outras pessoas do velrio comeam a olhar para a ponta do nariz. O senhor de culos olha para a ponta do nariz. Brs olha para a ponta do nariz. (Caso Virglia e Lobo Neves estejam l, os dois se entreolham em vez de olhar o nariz) FANTASMA (Off) Disso eu tirei um importante aprendizado. H duas foras fundamentais: o amor que multiplica a espcie e o nariz que subordina esta espcie ao indivduo. Sequncia 73 -int/dia- Vrias.

53Brs em sua escrivaninha, de costas escrevendo num plano geral, nas paredes do quarto, um teatro de sombras ou lanterna mgica, com imagens de mulheres e homens andando de braos dados, carros na rua, cenas teatralizadas, um homem tira uma cartola para cumprimentar uma mulher. FANTASMA (Off) Nos tempos seguintes vivi recluso, escrevendo poltica e praticando filosofia. Escrevi um longo ensaio sobre a funo do nariz no destino da humanidade. Depois joguei fora. O papel com a mo de Brs escrevendo. FANTASMA (Off) Ia de vez em quando a algum baile ou teatro ou palestra. Brs amassa o papel e joga no lixo. O teatro de sombras. FANTASMA (Off) Mas a maior parte do tempo levei uma vida montona. Uma mesmice de fazer d. Fazia bom uso da herana de meu pai. Mesmo assim era uma vida chata. Sem o sentido de profundidade que todos esperariam. Enfim, ia com a vida largada ao sabor das mars. Virglia e Lobo Neves, no altar, pe as alianas sob uma chuva de ptalas de rosas. FANTASMA (Off) De vez em quando me lembrava que o Lobo Neves e Virglia se casaram e foram para So Paulo. E me lembrava que o Lobo Neves j era deputado. Brs novamente na escrevaninha, de dia. A camera se aproxima e principiamos a ver seu rosto. FANTASMA (Off) No que isso me afetasse muito, mas toda vez que eu me perguntava porque no seria melhor deputado e melhor marqus que o Lobo Neves, eu no tinha uma resposta. A cmara faz a volta em Brs e podemos ver que ele est olhando para a ponta do nariz. De novo o papel com a mo de Brs que escreve.

54FANTASMA (Off) Para no ficar a impresso de que eu era leviano, vou citar algumas frases que escrevi naquela poca: Aguenta-se com pacincia a dor dos outros uma das mais importantes. Cenas de ruas do Rio de Janeiro. Vida em sociedade; Brs conversando com algum; escravos vendendo comida, etc... FANTASMA (Off) Tem Acredite em voc; mas nem sempre duvide dos outros. Uma frase que ficou na histria diz mais ou menos assim: Antes cair das nuvens que de um terceiro andar. Mais uma que eu me lembro Matamos o tempo; mas o tempo nos enterra. Sequncia 74 -ext/dia- Rua.

(1842)

Como numa continuao da cena anterior, vemos um trecho movimentado de rua. A um canto est um grupo de elegantes homens. Entre eles, Brs Cubas. FANTASMA (Off) Assim os anos se passaram at 1842, quando vi distncia uma mulher esplndida. Os homens da rodinha apreciam uma linda mulher descendo pela rua. Virglia. FANTASMA (Off) Era ela. At ento no sabia que tinha voltado de So Paulo. S reconheci Virglia a poucos passos... Virglia chega, elegante, at uma carruagem aonde Lbo Neves a espera impaciente. FANTASMA ...Estava outra. A natureza e a arte lhe haviam aperfeioado. Lbo Neves e Virglia saem na carruagem. Brs observa.

55Sequncia 75 -int/noite- Casa da Baronesa. Um baile. Na ante-sala das danas, Brs conversa com Lobo Neves que joga baralho num grupo enquanto Virglia acompanha. FANTASMA (Off) Uma semana depois nos encontramos num baile. BRS Pensei que vocs nunca voltariam. VIRGLIA Eu j no via a hora. LOBO NEVES So obrigaes da poltica, Dr. Cubas. BRS De todo modo esto de volta corte. Comea a tocar uma valsa. VIRGLIA (Para Lobo Neves) Vamos danar esta valsa? Lobo Neves est muito entretido com o baralho. LOBO NEVES Por que no dana com Brs? BRS Ser um prazer. Brs dana com Virglia. FANTASMA (Off) Eu valia mais, muito mais que ele. minha, pensei. Acabou a dana. Virglia e Brs ofegantes.

56Sequncia 76 -int/noite- Salo de Baile. Virglia e Brs danando novamente. O salo de baile gira com o casal empolgado. A roupa de Virglia troca trs vezes durante a valsa (?). FANTASMA Depois de trs bailes, a valsa nos perdeu. minha, pensei. Ao fim, Brs passa-a a outro senhor. BRS (Para si mesmo) minha! Sequncia 77 -ext/noite- Ruas. Brs caminha alegre. BRS minha! minha! No meio da caminhada o Fantasma, que est num canto, joga uma moeda de ouro. Brs apanha a moeda e feliz continua a exclamar. BRS minha! minha! Sequncia 78 -ext/dia- Casa de Virglia. Vemos a fachada de uma bela casa com jardim. Brs est entrando na casa. FANTASMA (Off) Passei a frequentar a casa de Virglia e Lobo Neves, de quem logo fiquei muito amigo.

57Sequncia 79 -ext/dia- Jardim da Casa de Virglia. Brs conversando com Lobo Neves num canto do jardim, crianas brincando pelos cantos, uma escrava dando de mamar a uma criana, Brs fazendo brincadeirinha, Virglia pegando menino que chora no colo, etc. Entre as pequenas aes, planos em detalhe de Brs olhando para Virglia e sendo correspondido; as orelhas, os lbios de Virglia observados por Brs; os dois trombando, etc. FANTASMA (Off) O nosso amor era como uma planta que cresce muito rpido, inesperadamente. No me lembro quantos dias demorou o crescimento. Mas era uma planta com tanta seiva que em pouco tempo era a mais exuberante do bosque. Me lembro que um dia surgiu uma flor na planta. Sequncia 80 -int/noite- Casa de Virglia. Uma jogo de baralho. A cumplicidade de Brs e Virglia mais acentuada. FANTASMA (Off) Se quiserem, em vez de flor em planta, podem simplesmente chamar de beijo. Um beijo que ela me deu trmula. O Fantasma, presente reunio, s observando. Sequncia 81 -ext/noite- Casa de Virglia. Brs e Virglia no porto da casa. Ao fundo vemos a luz na janela onde o baralho continua. Virglia olha para ver se ningum os observa. Eles beijam-se. FANTASMA (Off) Trmula de medo, coitadinha, porque era ao porto da sua casa. Foi um beijo curto como aquele momento, mas ardente como o amor. Introduo a uma vida de delcias, de terrores, de remorsos, de prazeres que terminavam em dores.

58Sequncia 82 -ext/dia- Casa de Virglia. Lobo Neves sai de casa numa sege. Brs entra em quadro e se dirige casa de Virglia. FANTASMA (Off) Em pouco tempo estvamos amarrados um ao outro, sem foras para nos separar, indo sem saber para aonde. Deixando-nos levar por riscos que sabe-se l quais so as consequncias. Sequncia 83 -int/dia- Casa de Virglia. Virglia sentada na sala. O vento balana as grandes cortinas. Ele pensativo, com o olhar distante, anda lentamente. BRS Virglia, proponho-te uma coisa VIRGLIA O que ? BRS Amas-me? Virglia fica olhando para Brs, lnguida, apaixonada, ofegante. Ele sente a expresso do amor e se aproxima. Virglia enlaa o pescoo de Brs e eles se olham alguns instantes, emocionados. Brs tira as mos de Virglia do pescoo e as segura enfaticamente pelos pulsos. BRS Tens coragem? VIRGLIA De qu? BRS De fugir. Iremos aonde nos for mais cmodo. Uma casa pequena ou grande, na roa, na cidade ou na Europa. Onde te parecer melhor. Onde ningum te aborrea e no haja perigos para ti. Virglia plida e assustada.

59BRS Fujamos. Cedo ou tarde ele pode descobrir alguma coisa e estars perdida. Perdida Ouve? Morta E ele tambm, porque eu o matarei. Juro-te. VIRGLIA No escaparamos. Ele iria ter comigo e matava-me do mesmo modo. BRS O mundo vasto, Virglia. Eu tenho os meios de viver onde quer que seja. Um lugar que tenha ar puro e muito sol. Ele no chegaria l. S as grandes paixes so capazes de grandes aes e ele no a ama tanto que possa ir busc-la. (Filmar este ltimo dilogo com a opo de smente vermos os dois conversando e o contedo ser dado por uma fala em off do Fantasma: Eu expliquei que o mundo vasto, e que eu tinha os meios de viver) Virglia se espanta e fica quase indignada. VIRGLIA Ele gosta muito de mim. BRS Pode ser. Pode ser que sim Brs vai at a sacada e comea a tamborilar os dedos no peitoril. VIRGLIA Venha aqui. Brs se vira para fora da sacada. Ele v Lobo Neves que chega em casa. Ele lhe faz um gesto amigo. BRS (Para Lobo distncia) Salve o deputado Neves.

60Sequncia 84 -int/dia- Casa de Virglia. Lobo Neves entra na sala no momento em que Virglia est saindo. LOBO NEVES Brs, que honra a sua visita! Brs caminha at Lobo Neves e sem mais palavras pula em seu pescoo e comea a estrangul-lo. Virglia aflita. Lobo Neves se dobra no cho. Brs estrangula impiedosamente. O Fantasma de Brs entra em cena. FANTASMA No se preocupe, caro espectador, no mancharei esta histria com sangue. Eu tinha muita vontade de estrangular o Lobo Neves, mas isso muito diferente de faz-lo. Sequncia 85 -int/dia- Casa de Virglia. Brs tamborilando os dedos. Lobo Neves chega em casa, entra pela porta e d as boas tardes ao mesmo tempo que Virglia sai. Brs cumprimenta afetuosamente. LOBO NEVES Brs, que honra a sua visita! BRS Lobo meu amigo, como demoraste.

61Sequncia 86 -int/dia- Casa de Virglia. Lobo Neves e Brs tomam ch. LOBO NEVES Virglia a perfeio, meu caro Brs. Um conjunto de qualidades slidas e finas. Elegante, austera, um modelo. Por esse aspecto no posso me queixar da vida. Brs engole seu chazinho. LOBO NEVES Mas trago um carcoma na minha existncia: falta-me a glria pblica. A vida pblica um tecido de invejas, despeitos, intrigas, perfdias, interesses, vaidades. Creia que tenho passado horas e dias com as minhas constantes amofinaes... No h sentimentos, no h gratido... Nada, nada... Brs escuta tudo com pacincia, meditativo, enquanto Lobo Neves continua a falar. FANTASMA (Off) Eu ia ouvindo aquilo. Ouvindo... ouvindo... ouvindo... at que surgiu uma idia. Porque no seria eu ministro? Sim, eu poderia ser ministro... Virglia entra na sala, agora com uma roupa mais formal, de receber visitas. Ela se aproxima dos homens. Brs levanta-se para cumprimentar. FANTASMA (Off) Sim, Ministro de Estado, pensei. Virglia que iria gostar. Sequncia 87 -ext/dia- Jardim Botnico. Brs sentado num banco, envolvido pelo belo panorama, observa um senhor elegante com sua mulher e criana no carrinho ao lado da fonte. Algumas outras pessoas. FANTASMA (Off) Todos os seres vivos e todas as coisas do mundo pareciam dizer a mesma coisa. Ministro! Brs Cubas, Ministro de Estado! BRS uma idia. Ministro.

62Nisto surge um sujeito com roupas de senhor austero, mas todas gastas e esfarrapadas e maiores do que ele. QUINCAS BORBA. QUINCAS Aposto que no me conhece. Sr. Dr. Cubas? BRS No me lembro. QUINCAS Sou o Borba. O Quincas Borba. Brs fica boquiaberto de encontrar aquele antigo amigo. Quincas bonacho e alegre. Brs se levanta do banco sem saber se cumprimenta ou foge de Quincas. QUINCAS No preciso contar-lhe nada, o senhor adivinha tudo. Uma vida de misrias, de atribulaes e de lutas. Lembra-se das nossas festas que eu figurava de rei? Que trambolho. Acabo mendigo. BRS Procure-me, poderei arranjar alguma coisa. Brs caminha at a fonte em frente. QUINCAS No o primeiro que me promete alguma coisa, e no sei se ser o ltimo que no me far nada. Eu nada peo a no ser dinheiro. Dinheiro, sim. Porque necessrio comer. Olhe, ainda no almocei. BRS No? QUINCAS No, sa muito cedo de casa. Sabe onde moro? No terceiro degrau das escadas de So Francisco, esquerda de quem sobe. Pois, sa cedo e ainda no comi. Brs saca a carteira e d-lhe uma nota de 5 mil ris. QUINCAS In hoc signo vinces.

63Quincas beija e acaricia a nota. Brs vai andando e Quincas segue. QUINCAS Desculpe a alegria. Faz muito tempo que no vejo uma destas. BRS Est em suas mos ver muitas outras. QUINCAS Como? BRS Trabalhando. Preciso ir-me. Quincas pensa e muda de tom, enquanto Brs ensaia um adeus definitivo. QUINCAS No se v sem antes eu lhe explicar a minha filosofia da misria. Brs vai se afastar mas Quincas o segura pelo pulso para explicar a sua filosofia. QUINCAS O senhor trata-se. Jias, roupa fina, elegante. Veja bem, isto um belo anel. Magnfico. Compare esses sapatos aos meus. Para averso de Brs, Quincas se aproxima e junta os dois sapatos. QUINCAS E a poltica? s deputado? Ministro? BRS No. QUINCAS Nem eu. BRS Moro na rua... Quincas abraa Brs.

64QUINCAS No quero saber onde mora. Se alguma vez nos virmos, d-me outra nota dessas, mas permita-me que no a v buscar. E agora... adeus. Vejo que est impaciente. BRS Adeus. Durante o abrao Quincas surrupia o relgio de Brs. Brs anda sozinho. Brs vai puxa o relgio do bolso pela corrente mas s h corrente, o relgio foi-se. Brs olha para trs e no v mais ningum. BRS Meu relgio. Meu relgio. Ele roubou meu relgio. Sequncia 88 -ext/dia- Frente da Casinha Beira-Mar. O Fantasma de Brs sentado numa cadeira frente da linda e aconchegante casinha ao lado de uma igreja. Ao fundo, D. PLCIDA sentada fazendo croch. Enquanto o Fantasma fala, algum passante vem e cumprimenta D. Plcida. FANTASMA Para Virglia fugir comigo seria necessrio que ela abandonasse o marido, e por consequncia perdesse a considerao pblica. Depois de algum tempo vi que isto era impossvel. Para ela as duas coisas eram inseparveis: o nosso amor e a considerao pblica. Ento vamos l Fantasma se levanta da cadeira e vai se aproximando da casa e de D. Plcida. FANTASMA Estamos diante duma casinha beira-mar. Esta foi a casinha dos nossos amores. Era uma casinha muito prtica, porque ns tnhamos um vizinho que perdoava nossos pecados.

65Sequncia 89 -ext/dia- Frente da Casinha. Virglia desce duma sege, envolta com vu e manta que escondem a fisionomia. O Fantasma observa. FANTASMA (Off) Que doce era ver Virglia chegando nos primeiros dias, envergonhada e trmula. Sequncia 90 -int/dia- Casinha. Brs espiando Virglia por uma fresta da janela. Virglia entra esbaforida de medo e se atira no sof, tirando a manta. FANTASMA (Off) A primeira vez que chegou, ela se jogou no sof, plida, ofegante. Nunca achei-a to bela como naquele dia. Talvez porque nunca me senti to lisonjeado. Brs se aproxima de Virglia, pega na mo dela. Os dois se beijam. Virglia ainda resfolegante interrompe o beijo para pegar ar. Respira um pouco e puxa Brs para um novo beijo. Sequncia 91 -ext/dia- Frente da Casinha. Volta o discurso do Fantasma. D. Plcida fazendo croch. FANTASMA D. Plcida, que foi costureira e agregada na casa da Virglia, agora era a dona da casa. De fachada, claro. Enquanto nos amvamos, ela cumpria suas funes de guardi. Foi duro para D. Plcida aceitar a funo. Um transeunte para e troca algumas palavras com D. Plcida.

66Sequncia 92 -int/dia- Casinha. FANTASMA (Off) Acho que no princpio chorava e tinha nojo de si mesma. Brs numa canto impaciente. Virglia em cumplicidade com D. Plcida, que tem o olhar baixo e submisso, ao mesmo tempo hostil a Brs. PLCIDA Eu no posso, iai. VIRGLIA Mas porque D. Plcida? PLCIDA Iai casada. Tem marido. VIRGLIA Mas o Dr. Brs foi meu noivo. Antes mesmo de meu marido. Brs confirma com um gesto. PLCIDA Mas no fica bem. Uma moa como iai, que eu conheci criana ainda... VIRGLIA Mas eu preciso, D. Plcida. PLCIDA No pea isso para a sua velha. Virglia no sabe o que fazer. Brs chama-a a um canto e saca dinheiro. Virglia se aproxima de D. Plcida e pe o dinheiro na mo da velha. VIRGLIA A senhora fica na casa e sempre vai ter o seu dinheiro. Confia na sua iai. Lgrimas nos olhos de D. Plcida.

67Sequncia 93 -ext/dia- Frente da Casinha. Volta o Fantasma. D. Plcida continua no croch. FANTASMA Eu depositei um bom dinheiro para a velhice de D. Plcida, e acho que isso fez ela parar de chorar e o nojo acabou. Acredito at que ela rezava por mim toda noite. Sequncia 94 -int/dia- Casinha Beira-Mar. Dentro da casinha, Brs, meio aborrecido, escuta Plcida que borda e conta sua histria. FANTASMA (Off) E assim fiquei sendo seu confidente. PLCIDA O meu pai morreu quando eu tinha dez anos. Ele era sacristo da S. A minha me fazia doce para fora e eu ajudava a me. Eu ralava coco, misturava o tacho e levava os doces. Uma vida muito dura, Dr. Brs. Vida de criana mas vida dura. Casei aos 15 anos e minha me veio morar comigo. Meu marido morreu dois anos depois. E eu sustentando a me, que j tava doente, e minha menina que tinha dois anos. Dois anos, Dr. Brs! Eu sustentava 3 pessoas s com os doces que eu fazia de dia e costurando de noite. Eu trabalhei para um dia ver minha filha bem casada. Brs realmente aborrecido com a histria de D. Plcida. PLCIDA E minha filha me deixou s, Dr. Brs. Fugiu com um sujeito olha eu nem quero saber. Me deixou s, To triste, to triste, to triste que pensei morrer. Eu no tinha mais ningum no mundo e estava velha e doente.

68Sequncia 95 -int/dia- Casinha. Virglia e D. Plcida pe uma mesa com frutas e outras comidinhas. Brs abre um vinho. Brs serve duas taas de vinho e d uma para Virglia. Eles fazem um brinde, quando Brs interrompe. VIRGLIA Vamos chamar D. Plcida. Brs concorda um pouco a contragosto. Virglia vai at a cozinha. Sequncia 96 -int/dia- Cozinha da Casinha. VIRGLIA Venha, D. Plcida. Venha conosco. D. PLCIDA No vou no, Iai. VIRGLIA Voc parece que no gosta de mais mim. D. PLCIDA Virgem Nossa Senhora! No gosto de Iai! Mas ento de quem eu gostaria nesse mundo? Virglia pega nas mos de D. Plcida. Lgrimas escorrem dos olhos da velha. Sequncia 97 -int/dia- Casinha. Fantasma de Brs no canto do quadro. Ao fundo, completamente fora de foco, vemos os vultos de Brs e Virglia. Pode-se perceber sutilmente, pelos gestos e sons, que os dois transam. O Fantasma, completamente constrangido, no encontra palavras para explicar aquilo. Ele tem muitas hesitaes, ensaia comear a falar mas se breca. D um sorriso mas fica sem graa. (O Off da Sequncia seguinte poder ser dado aqui).

69Sequncia 98 -ext/dia- Frente da Casinha. A casinha em plano geral e o Fantasma de Brs. FANTASMA (se referindo cena anterior) Certas coisa se dizem melhor calando... O mundo vulgar terminava na porta daquela casa. Da porta para dentro era o infinito. Um mundo superior. Nosso, s nosso: sem instituies, sem leis, sem regras. Um s casal, uma s vida, uma s vontade, um s amor - a unidade de todas as coisas. D. Plcida para de fazer croch e se dirige igreja ao lado da casa. FANTASMA (Off) Mas eu ainda tinha certas obrigaes desagradveis, como aturar D. Plcida, que pedia o perdo por ns, verdade D. Plcida, dentro da igreja, se abenoando. Sequncia 99 -int/dia- Casa de Virglia. Brs chegando na casa de Virglia cumprimenta Lobo Neves e entrega um embrulho com balinhas para o filho do casal. O menino um azougue. FANTASMA (Off) ...e visitar o marido de Virglia que continuava meu amigo, tambm verdade. Gostar do filho dela era mais uma outra triste obrigao. E um dia, depois de meses, houve um grande acontecimento na carreira do Lobo Neves: ele foi nomeado governador do Maranho. Lobo Neves e Brs j esto sentados, tomando um chazinho, enquanto Virglia, em frente escuta emburrada. O filho do casal aporrinha Brs. LOBO NEVES Tenho novidades. Soube hoje que talvez ocupe uma presidncia de provncia. No norte. BRS Mas que boa notcia. Seus esforos foram reconhecidos finalmente?

70LOBO NEVES Ainda no certo. Mas creio que bem provvel. Virglia fica silente. BRS E Virglia? Gostou da grande nova? Virglia impassvel. BRS No gostaste, Virglia? LOBO NEVES A idia no lhe agrada muito. Principalmente para ir ao Norte. Mas no posso recusar o que me pedem. at convenincia nossa, do nosso futuro. Prometi a Virglia que um dia seria Marquesa, e nem Baronesa est ainda. Dirs que sou ambicioso? Sou-o, deveras. Enquanto Lobo Neves fala, percebemos, pela cara amuada de Virglia, que os dois j discutiram. Um escravo serve um pouco mais de ch. LOBO NEVES E tenho uma idia. BRS Ah! LOBO NEVES Uma tima idia... Voc quer dar um passeio ao norte? Brs fica estupefato. LOBO NEVES Voc rico, no precisa de um magro ordenado, mas se quisesse obsequiarme, ia conosco ao norte, como meu secretrio de governo. Percebe-se que Lobo Neves cedeu a uma reivindicao de Virglia e demonstra isso a ela nesse momento. Brs estupefato. Virglia satisfeita consigo mesma.

71Sequncia 100 -int/dia- Casinha. D. Plcida triste num canto. Virglia e Brs esto no meio da discusso. Ela aflita, ele nervoso andando pela sala. VIRGLIA Voc h de ir conosco. BRS Est doida? J disse que seria uma insensatez. preciso desfazer o projeto. VIRGLIA J disse que impossvel. BRS No posso ir. insensato, perigoso. VIRGLIA Por qu? BRS Voc bem sabe porqu: aqui na corte um caso desse perde-se na multido, mas na provncia tudo muda de figura. Brs pega seu chapu e antes de sair toma a mo de Virglia. BRS Eu nada posso fazer, nessa pequenina mo que est toda a minha existncia; voc responsvel por ela; faa o que lhe parecer melhor. D. Plcida num canto da sala. Uma lgrima escorre de seu rosto. Sequncia 101 -ext/dia- Beira-mar/Casinha. Nos arredores da casinha, Brs caminha beira-mar, pensativo. Na casinha, Virglia chora. FANTASMA (Off) Mas era inevitvel Sequncia 102 -int/noite- Casa da Baronesa.

72Na casa da baronesa convivas elegantes fazendo um brinde a Lobo Neves e Virglia. FANTASMA (Off) A nomeao de Lobo Neves ainda no tinha sido publicada, e j era motivo de comemoraes. Esqueci de dizer que muitas pessoas j desconfiavam de mim e Virglia. LOBO NEVES Muito obrigado senhor baro. Eu gostaria de estender esse brinde ao senhor Brs Cubas, que muito me honra com o cargo que acaba de aceitar. Quero anunciar que ele ser meu secretrio de governo. Lobo Neves continua a falar. Mais afastado do brinde est Brs, ladeado por um velho, GARCEZ, e a BARONESA. Os dois do sorriso malicioso em direo a Brs. Garcez aproveita a deixa. GARCEZ J sei, desta vez o Brs Cubas a vai ler Ccero. BARONESA Ccero? GARCEZ Pois ento? Brs Cubas um grande latinista. Traduz Virglio de relance. E olhe que Virglio e no Virglia. No confunda... O velho ri com prazer. Brs sorri entre dissimulador e orgulhoso.

73Sequncia 103 -int/dia- Casinha. Brs ao lado de D. Plcida l um jornal. Detalhe do jornal: Decreto n. 13 de 13 de Agosto de 1844. FANTASMA (Off) De fato, pouco tempo depois tnhamos sido nomeados, o Lobo Neves e eu. Presidente e secretrio da provncia do Maranho. Brs preocupado. Virglia chega lpida. BRS No posso aceitar. Virglia d risada. VIRGLIA Por qu? BRS Por qu? Ora, porque VIRGLIA Mas ns j no vamos. BRS Como assim? VIRGLIA O Lobo Neves vai recusar a nomeao. BRS Recusar? Sequncia 104 -int/dia- Casa de Virglia. Detalhe do jornal: o decreto n. 13. Lobo Neves e Virglia. LOBO NEVES No posso aceitar.

74Virglia surpresa. LOBO NEVES O decreto o nmero 13 do dia 13, e isso me traz uma recordao fnebre. Meu pai morreu no dia 13, s 13 horas, 13 dias depois de um jantar em que o havia 13 pessoas. Minha me morreu no parto do 13 filho, numa casa que tinha o nmero 13, este filho morreu aos 13 anos. Mas isto segredo. Ningum pode saber o motivo da minha recusa. Fuso para o detalhe do jornal com o n. 13. Sequncia 105 -int/dia- Casinha. Brs e Virglia. VIRGLIA Ele dir ao ministro que tem razes particulares. FANTASMA (Off) Treze. Oh, nmero do azar. Como te abenoei. Brs, com o jornal, manda um beijinho com o dedo ao n. 13. D. Plcida exulta, com lgrimas nos olhos. Sequncia 106 -ext/dia- Morro. Brs e Virglia deitados na relva num topo de morro fazem um piquenique. Uma linda vista. Eles desfolham uma flor. FANTASMA (Off) Virglia e eu tambm tnhamos nossas supersties. BRS Bem me quer... VIRGLIA Mal me quer... bem me quer...

75FANTASMA (Off) Quem escapa a um perigo vive a vida com outra intensidade. Comecei a amar Virglia muito mais depois que estive a ponto de a perder. E a mesma coisa aconteceu com ela. BRS Minha boa Virglia. VIRGLIA Meu amor. BRS Tu s minha, no? VIRGLIA Tua, tua. Os dois de p no morro olham a maravilhosa vista. Vemos suas figuras pequeninhas num plano geral descendo o morro. FANTASMA (Off) Acredito que esse foi o ponto mximo de nosso amor, o pico da montanha, donde por algum tempo vamos os vales de leste e oeste. Brs e Virglia descem o morro. FANTASMA (Off) A partir de ento comeamos a descer a encosta. A descer... descer... descer... serra abaixo. Ao p do morro, Virglia est abatida. BRS O que tens? Virglia faz um gesto de cansao. Brs puxa Virglia e lhe d um beijo paternal na testa. Virglia desmaia. FANTASMA (Off)E a fica um mistrio: porque Virglia desmaiou?

76Sequncia 107 -int/dia- Casinha. Brs deitado com a cabea na barriga de Virglia, tambm deitada. Ele fala com a barriga de Virglia como um ventrloquo. BRS O que voc vai ser quando crescer, meu filho? VOZ DO MENINO (Brs ventrloquo) Serei bacharel, papai. Farei discursos da cmara dos deputados que iro encher-lhe de orgulho. BRS (Para Virglia) Voc ouviu? Voc ouviu? VIRGLIA Que dizes Brs? Virglia no acha a menor graa na brincadeira. BRS Estou a tirar dois dedos de prosa com nosso filho. FANTASMA (Off) Porque Virglia desmaiou? Resposta: porque ela estava grvida. Atravs de um raro processo de ventriloquismo cerebral, eu conversava com o meu filho. Uma voz secreta me dizia: teu filho, teu filho. Era minha prpria voz. VOZ DO MENINO A mame est brava com o senhor? BRS No, a mame est cansada. VIRGLIA Brs, s vezes eu acho que voc no quer mais nada comigo.

77BRS Eu s estou falando com o baby, minha querida mame. FANTASMA (Off) Nada me interessava. Eu s pensava naquele embrio annimo... Sequncia 108 -int/dia- Quarto de Virglia. Virglia na cama assistida pelo mdico. O mdico faz sinal negativo a Lobo Neves, que est ao lado. FANTASMA (Off) Mas foi-se o meu filho naquele ponto em que o embrio ainda se parece mais com uma tartaruga. Sequncia 109 -int/dia- Casa de Virglia. Lobo Neves, abatido, se aproxima de Brs preocupado perto de uma janela. LOBO NEVES Est perdido. Brs, evidentemente golpeado, com lgrimas nos olhos, abraa Lobo Neves. Este se sente emocionado com a solidariedade do amigo. Sequncia 110 -int/noite- Casa da Baronesa. Recepo a militares. A Baronesa se aproxima de Brs junto com DAMASCENO, um elegante mulato, e sua bonita filha, NH LOL. BARONESA Deixe-me apresentar o Dr. Brs Cubas. Dr. Cubas, Sr. Damasceno e sua filha, Senhorita Eullia. DAMASCENO Senhorita Lol, em casa chamada simplesmente de Nh Lol.

78BARONESA (Rindo) Nh Lol. Que carinhoso. O Sr. Damasceno conheceu seu pai. Quando estavas na Europa. Nh Lol fica vexada com a pouca cerimnia do pai. A Baronesa se afasta para cuidar de seus ofcios de anfitri. DAMASCENO Seu pai foi um homem excepcional. Diferente dos asnos que hoje vemos nos sales. Um homem srio e patriota. Se seu pai fosse vivo, com certeza estaria contra a acolhida que se tem dado aos ingleses aqui na nossa terra. hora da expulso desses godemes ingleses barra afora. Nosso comrcio com a frica no pode mais sofrer essas intervenes Damasceno vai falando. Brs desinteressado, Nh Lol vexada. FANTASMA (Off) Depois da perda de nosso filho, nada me interessava mais, nem conflitos polticos, nem revolues, nem terremotos. Nada. Virglia dana uma valsa com um JOVEM bem apessoado. Brs observa enquanto Damasceno continua a falar. FANTASMA (Off) Eu s pensava em ter um filho com Virglia, e isso aumentava mais o pouco cime que sempre sentia por ela. Sequncia 111 -int/noite- Casa da Baronesa. A msica j terminou. Brs passa em frente a Virglia, que conversa alegre com o jovem da dana. Percebendo Brs, ela pede licena e se afasta do jovem, indo em direo a Brs. VIRGLIA Ai, que cansao, que calor O que tens, Brs. BRS Eu? Nada nada. Virglia, ainda alegre, faz uma expresso bricalhona, exagerando a cara emburrada de Brs, com uns muxoxos, a boca entreaberta, uma estupefao. Brs, mal humorado, no acha graa nos trejeitos de Virglia.

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Sequncia 112 -int/noite- Casa da Baronesa. Nh Lol toca ao piano. Junto dela Damasceno, alegre e expansivo, com um dos militares. DAMASCENO Eu gosto muito de msica, e sempre fiz questo que a Lol aprendesse o piano. Outras pessoas em pequenos grupos. Lobo Neves e Virglia. Nh Lol termina a msica. DAMASCENO L em casa a Lol canta o Ernani. (Imitando um cantor lrico) Ernani, Ernani Involami, involami Conhece? Nh Lol vexada olha para o pai. DAMASCENO Mas aqui ela no vai cantar isso. Nunca. A Baronesa, sempre com sua ironia, se aproxima de Brs, solitrio e observador. BARONESA O que achaste da filha do Damasceno? BRS Assim, assim. BARONESA Muito simptica. Falta-lhe um pouco mais de corte, mas que corao! uma prola. Bem boa noiva para voc. BRS No gosto de prolas. BARONESA Casmurro. Para quando que voc se guarda? Para quando estiver a cair de maduro?

80Sequncia 112A -int/dia- Casa de Virglia. FANTASMA (Off) Foi por esta poca que o Lobo Neves recebeu uma carta. Lobo Neves e Virglia. LOBO NEVES Leia esta carta. Virglia comea a ler e fica plida, boquiaberta. Senta-se. LOBO NEVES Em voz alta, por favor. VIRGLIA O senhor Brs Cubas goza de sua intimidade como amigo, mas a suspeita de que goza de maiores intimidades com sua mulher pblica. (Indignada) Que calnia! LOBO NEVES Calnia? VIRGLIA Infame! Lobo Neves pega a carta das mos de Virglia e l em voz alta. LOBO NEVES s tardes, enquanto o senhor se ocupa... (Suplicante) Virglia. Confesse tudo que eu lhe perdo. VIRGLIA Eu juro que da parte de Brs Cubas eu s ouvi gracejos e cortesias, nada mais que isso. LOBO NEVES Juras? VIRGLIA Tu no medes os sacrifcios que lhe fao. Sequncia 112B -int/dia- Casinha.

81Brs e Virglia. VIRGLIA Depois eu lhe disse que a carta deve vir de algum namorado que nada conseguiu dos que me cortejaram ultimamente. BRS Quem te cortejou? VIRGLIA O Escobar. Me galanteou durante 3 semanas. BRS Bem que eu desconfiava. VIRGLIA Eu falei da carta insinuante que o Machado me escreveu. Brs indignado. BRS O Machado fez isso fez isso? Virglia faz que sim. VIRGLIA Agora preciso prudncia. Ele pode no acreditar na carta, mas que continuar desconfiando certo. BRS Porque nunca me disseste que o Machado anda a lhe escrever cartas? Virglia se aborrece. VIRGLIA Brs, voc no merece os sacrifcios que lhe fao.

82Sequncia 113 -int/noite- Teatro. Um espetculo lrico. Na platia Brs, absorto em idias. Em outro canto Lobo Neves com Virglia. Ainda na platia Damasceno e Nh Lol. FANTASMA (Off) Eu ia ao teatro mas no escutava nada. Sim, porque meditar sozinho, uma coisa que qualquer um faz. J eu, preferia meditar no meio da multido. O mximo que poderiam dizer de mim que eu andava no mundo da lua. Sequncia 114 -int/noite- Teatro. No intervalo do espetculo, Brs no mundo da lua se encontra com Lobo Neves e Virglia. LOBO NEVES Como est meu caro Brs? BRS H quanto tempo! A conversa dos trs continua, formal. FANTASMA (Off) As pessoas pensavam que eu conversava, mas na verdade eu pensava. Por exemplo, pensava que o Lobo Neves talvez j no amasse a mulher, talvez j estivesse pronto a se separar dela, mas a formalidade no permitia que fizesse nada. Outro momento. Brs conversa com Damasceno e Nh Lol. Perto deles, Lobo Neves e Virglia na companhia de outras pessoas. FANTASMA (Off) Eu pensava tambm em outras espcies de formalidades. Por exemplo, as roupas. Olhando a Nh Lol, eu via como estava bonita naquela noite. Talvez por causa das suas belas roupas, que me provocavam. E a, imaginando a nudez fiz uma descoberta muito sutil. Nh Lol, no meio da multido do saguo, est nua.

83FANTASMA (Off) A naturalidade da nudez total seria uma coisa que iria embotar os sentidos do homem e por consequncia desinteressar ao sexo. As roupas, escondendo a natureza humana, atraem, instigam. Agora toda a multido do saguo, exceto o prprio Brs, est nua, porm com seus adereos: chapus, bengalas, jias. Lobo Neves esconde o sexo com o chapu. FANTASMA (Off) O resultado disso que o prprio desenvolvimento da espcie humana estaria ameaado se no fossem as roupas. As roupas, que so uma simples questo de formalidade, tm um papel decisivo no desenvolvimento da espcie humana e da natureza. Sequncia 115 -int/noite- Teatro. O palco do espetculo lrico. Os cantores da pera nus. Sequncia 116 -int/dia- Casinha. Brs entra na casinha. Virglia est esperando. Msica da pera da sequncia anterior. VIRGLIA Uma hora! Uma hora, Brs! BRS , minha memria VIRGLIA Parece que voc no quer mais nada comigo. Brs tem seu olhar dirigido a algum pequeno detalhe da sala ou se distrai brincando com alguma coisa boba, usando as mos. VIRGLIA Eu digo que voc no quer nada comigo e no me respondes? BRS Que hei de dizer? Que hei de dizer? Parece que ests enfastiada, que se aborrece, que quer acabar...

84VIRGLIA Justamente... acho que quero acabar esta sua indiferena... BRS Que indiferena? Poder ser indiferena ao seu fastio. Isso sim. VIRGLIA (chamando para outro cmodo) D. Plcida, venha ver se posso sair. (para Brs) Nem meu marido me responde assim. Alis, meu marido um primor em cortesia e afeio. Brs atento distrao de olhar ou brincadeira boba que fazia.. VIRGLIA O Lobo Neves um homem digno, superior a ti. Virglia se levanta para pegar o chapu e ir porta raivosa. Brs agarra-a. BRS Est bem, est bem. Venha aqui. O Fantasma entra em cena comentando a briga do casal. FANTASMA No lhe disse nada. Ela batia nervosamente com a ponta do p no cho... Vemos a ponta do p de Virglia batendo no cho. FANTASMA ...os braos cruzados e tensos... Vemos os braos cruzados e tensos. FANTASMA Aproximei-me e beijei-lhe a testa. O Fantasma de Brs d um beijo na testa de Virglia, que recua.

85FANTASMA Virglia recuou como se fosse o beijo de um defunto. D. Plcida j na janela, se volta agitada. PLCIDA Virgem nossa senhora, a vem o marido de Iai. Momento de terror. Virglia vai ao quarto. Brs, que tinha acompanhado Virglia at a porta do quarto, muda de idia e resolve esperar no meio da sala, em atitude de enfrentamento. Virglia volta correndo e puxa Brs pelo brao. VIRGLIA D. Plcida, fique na janela. Ela fica num canto da sala. Lobo Neves descendo a rua se aproxima da casa. D. Plcida abre a porta. PLCIDA O senhor aqui, honrando a sua velha. Entre faa favor. Adivinhe quem est c... No tem o que adivinhar... no veio por outra coisa. Aparea Iai. Enquanto Lobo Neves entra soturno, Virglia aparece como que fazendo surpresa. VIRGLIA Voc por aqui? LOBO NEVES Ia passando, vi D. Plcida janela e resolvi cumpriment-la. PLCIDA Muito obrigada... e digam que as velhas no valem coisa alguma. (para Virglia) Iai no precisa ficar com cimes. Voltando-se para Virglia e acariciando-a. D. PLCIDA Esse anjinho que nunca esqueceu da velha Plcida. Coitadinha, mesmo a cara da me Mas sente-se, senhor doutor. LOBO NEVES No me demoro.

86VIRGLIA Voc vai para casa? Vamos juntos. LOBO NEVES Vou. VIRGLIA D c meu chapu, D. Plcida. Brs olha pela fechadura. Virglia est arrumando o chapu e o cabelo num pequeno espelho que D. Plcida segura nas mos. As duas mulheres falam muito. VIRGLIA Pronta! Adeus, D. Plcida, no se esquea de aparecer, ouviu? Virglia sai com Lobo Neves. D. Plcida senta aliviada numa poltrona. Brs sai do quarto, pega seu chapu e vai segu-los, emasculado. D. Plcida segura-o pelo brao sem maiores dificuldades. Brs senta no sof, respirando. FANTASMA (Off) Eu ia atrs dos dois mas foi melhor assim. Sequncia 117 -int/dia- Casa de Brs. Brs recebe um pacote que contm um embrulho e uma carta. FANTASMA (Off) Foi por esse tempo que recebi uma carta extraordinria. Ele abre a carta. QUINCAS (Off) H tempos, no passeio pblico, tomei de emprstimo um relgio. Tenho a satisfao de restituir-lho com esta carta. Brs abre o pacote que tem o relgio. QUINCAS (Off) A diferena que no o mesmo, porm outro, no digo superior, mas igual ao primeiro. Muitas coisas se deram depois do nosso encontro...

87De volta carta. QUINCAS (Off) Irei cont-las no mido se no me fechar a porta. Saiba que j no trago aquelas botas caducas... Sequncia 118 -ext/dia- Ruas. Quincas, com ar abastado e muito bem vestido, anda pela rua. Ele d uma esmola a um pobre negro. QUINCAS (Off) ... Cedi o meu degrau da escada de So Francisco e finalmente almoo. Sequncia 119 -int/dia- Casa de Brs. Quincas e Brs conversam no escritrio. FANTASMA (Off) Se o corpo de um homem fossem as suas roupas, aquele no seria o mesmo Quincas que me roubara o relgio. Seu peito era uma bela sobrecasaca e suas pernas umas calas muito bem cortadas. E isso sem falar nos ps, que agora eram botas francesas. Planos da casaca e das botas. FANTASMA (Off) Toda essa mudana aconteceu porque ele herdou uns tantos contos de um bom tio. A morte de um a sorte de outro. Plano do boto e das botas. QUINCAS Olhe, a primeira noite que passei na escada de S. Francisco, dormi-a inteira, como se fosse a mais fina pluma. Por qu? Porque fui gradualmente da cama cama de esteira, da cama de esteira cama de pau, do quarto prprio ao quarto de polcia, do quarto de polcia rua

88FANTASMA (Off) Deus me livre contar a histria do Quincas, que alis ouvi toda naquele dia, uma histria longa, complicada, mas interessante. Brs olha o relgio que o Quincas lhe mandou. QUINCAS Ao vencedor as batatas! Sequncia 120 -int/dia- Casinha. Brs l um jornal. FANTASMA (Off) Logo depois o Lobo Neves foi nomeado novamente presidente de provncia. Eu fiquei na esperana do decreto vir outra vez na data do dia 13, ou pelo menos ser um decreto com o nmero 13 mas no, a data era 31. Detalhe do jornal: Decreto