Roxin Aparatos Organizados de Poder

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    O domnio por organizao como forma independente de autoria

    mediata* **

    O domnio da vontade em virtude de aparatos organizados de poder considerado hoje um

    dos principais temas do debate acerca da teoria jurdico-penal da autoria. Todos os manuais e

    comentrios tratam acerca disso, h vrias dissertaes mencionando a respeito e, apenas para

    elucidar este exemplo, uma nica edio comemorativa que me foi dedicada no ltimo

    ms

    The domain by organization as a mediate independent authorship

    Claus Roxin

    I INTRODUO

    NT1 contm quatro trabalhos sobre o tema do domnio por organizao1. Esta figura

    jurdica foi desenvolvida por mim, pela primeira vez, no ano de 19632

    * Aula inaugural proferida em 21 de junho de 2006 na Universidade Luzern, Sua, convite do Prof. Dr. iur. Jrg-Beat Ackermann. O presente artigo, intitulado Organisationsherrschaft als eigenstndige Form mittelbarer Tterschaft, consiste na verso atualizada da preleo proferida pelo Prof. Dr. Claus Roxin na Universidade de Luzern, na Sua, e foi gentilmente cedida pelo autor para compor esta obra. Traduo da verso alem de Pablo Alflen da Silva. ** Traduo de Pablo Rodrigo Alflen da Silva, Professor de Direito Penal e Processual Penal da UNIVATES e do Curso de Especializao em Direito Penal e Poltica Criminal da UFRGS, Mestre e Doutorando em Cincias Criminais (PUCRS), Advogado Criminalista (Cezar Bitencourt Advogados). NT1 Refere-se, aqui, o autor, ltima edio de 2006 da Revista Goltdammers Archiv fr Strafrecht (GA). 1 Festgabe fr Claus Roxin zum 75. Geburtstag, organizada por J. Wolter/P.-G. Ptz/W. Kper/M. Hettinger, como Heft 5/2006 de Goltdammers Archiv fr Strafrecht [GA], p. 255-438. Nesta: C. Kress, Claus Roxins Lehre von der Organisationsherrschaft und das Vlkerstrafrecht, 304 e ss.; A. Nack, Mittelbare Tterschaft durch Ausnutzung regelhafter Ablufe, 342 e ss.; H. Radtke, Mittelbare Tterschaft kraft Organisationsherrschaft im nationalen und internationalen Strafrecht, 350 e ss.; R. Zaczyk, Die Tatherrschaft kraft organisatorischer Machtapparate und der BGH, 411 e ss. 2 C. Roxin, Straftaten im Rahmen organisatorischer Machtapparate, GA, 1963, 193 ss. O texto foi passado por alto, em suas partes essenciais, em meu escrito de habilitao Tterschaft und Tatherrschaft, 24, 1. Aufl., 1963, at 8. Aufl., Berlin 2006.

    . Ela se baseia na tese

    de que em uma organizao delitiva os homens de trs, que ordenam fatos punveis com

    poder de mando autnomo, tambm podem ser responsabilizados como autores mediatos, se

    os executores diretos igualmente forem punidos como autores plenamente responsveis. Estes

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    homens de trs so caracterizados, na linguagem alem corrente, como autores de escritrio

    (Schreibtischtter). Minha idia era a de transpor este conceito cotidiano s precisas

    categorias da dogmtica jurdica. A razo imediata para este esforo era justamente o

    processo promovido em Jerusalm contra Adolf Eichmann, um dos principais responsveis

    pelo assassinato de judeus no perodo nazista.

    Nas dcadas seguintes esta moderna construo jurdica se imps na literatura alem em sua

    grande maioria3 e no ano de 1994 foi aceita pelo Supremo Tribunal Federal alemo4

    Esta deciso jurisprudencial foi levada adiante nas decises posteriores, e na Alemanha ainda

    mal provocou uma quantidade visvel de posicionamentos cientficos.

    . Nesta

    deciso um membro do assim chamado Conselho Nacional de Defesa, do antigo governo da

    Alemanha oriental, foi condenado como autor mediato de homicdio doloso, porque teria

    ordenado que os fugitivos que quisessem ultrapassar o muro da fronteira do Estado alemo

    oriental fossem impedidos de realizar o seu propsito, em caso necessrio, at mesmo por

    meio de disparos mortais. Os soldados da fronteira, os atiradores do muro, que teriam

    realizado os fuzilamentos com as prprias mos, foram igualmente condenados por homicdio

    doloso.

    5 Mas no mbito

    internacional a figura jurdica do domnio por organizao encontrou grande ressonncia. Nos

    anos oitenta do sculo passado ela j foi utilizada no julgamento da Junta Geral Argentina.6

    Ela levada em conta tambm no moderno Direito Penal Internacional.7 Isso porque o Art.

    25, III, a do Estatuto do Tribunal Penal Internacional no s reconhece a autoria mediata,

    como acentua expressamente que independe de que o executor direto tambm seja penalmente

    responsvel (regardless of whether that other person is criminally responsible). O penalista

    alemo Kress afirma, resumidamente:8

    3 Compare as indicaes em C. Roxin, Strafrecht, Allgemeiner Teil, Bd. 2, Formas especiais de manifestao do fato punvel, Mnchen 2003, 25, n.m. 108. 4 Entscheidungen des Bundesgerichtshofs in Strafsachen (= BGHSt), Bd. 40, 218 e ss. 5 Uma explicao sobre isso contm a 8. edio de meu livro Tterschaft und Tatherrschaft, p. 704 e ss. 6 Compare sobre isso Roxin, (supra, nota 3), 25, n.m. 109, com uma longa citao da deciso do Tribunal de Apelao. 7 Compare Roxin, (supra, nota 3), 25, n.m. 112, nota 140. 8 Kress, (supra, nota 1), 307, com outras indicaes.

    enquanto os intrpretes norte-americanos atualmente

    encontram-se, de forma compreensvel, bastante perplexos face s alternativas ao executor

    responsvel, este passo considerado pelos intrpretes alemes, em geral, como

    reconhecimento da autoria pelo domnio da organizao. Alm disso, ele entende que, caso

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    se oriente pelas primeiras manifestaes do Tribunal Penal Internacional, a figura dogmtica

    desenvolvida por Roxin em 1963 dominar, em breve, a praxis do primeiro Tribunal Penal

    Internacional permanente na histria do direito9. E ns esperamos por isso! O domnio por

    organizao como forma independente da autoria mediata discutido inclusive na literatura

    sua, se bem que a prxis do seu pas, felizmente, ainda no produziu tais casos.10 Eu defendi

    e precisei minha concepo originria em inmeras publicaes, contra os mais diversos

    ataques, ao longo dos 43 anos que se passaram desde o seu surgimento. Kress fala11

    Embora ilustres autores

    de um

    dilogo polmico, interessante e ainda no acabado. A presente exposio leva adiante tais

    esforos, na medida em que abarca as contribuies da discusso mais recente e desenvolve

    minha prpria soluo em alguns pontos.

    II RECHAO CO-AUTORIA

    12

    No existe uma deciso comum para o fato. O cumprimento de uma ordem o contrrio de

    uma tomada de deciso comum, de um acordo entre os co-autores. A identificao no

    estabelecimento do fim comum, na qual se baseia Otto

    advoguem pela condenao do homem de trs no como autor

    mediato, mas sim como co-autor, pode-se afirmar que: para a aceitao de uma co-autoria

    entre o mandante, no centro de um aparato de poder, e o executor, desde o local (por

    exemplo, no caso dos assassinatos nos campos de concentrao ou no caso dos disparos no

    muro), faltam todos os pressupostos.

    13

    9 Kress, (supra, nota 1), 308. 10 G. Stratenwerth, Schweizerisches Strafrecht, Allgemeiner Teil I: Die Straftat, 3. Aufl., Bern 2005, 13, n.m. 40. 11 Kress, (supra, nota 1), 305. 12 Para co-autoria J. Baumann/U. Weber/W. Mitsch, Strafrecht, Allgemeiner Teil, 11. Aufl., Bielefeld 2003, 29, n.m. 143; G. Jakobs, Strafrecht, Allgemeiner Teil, Die Grundlagen und die Zurechnungslehre, 2. Aufl., Berlin/New York 1991, 21/103 com as notas 190, 191; o mesmo, Anmerkung zum Urteil des BGH vom 26.7.1994 (= BGHSt 40, 218), NStZ 1995, 27; H.-H. Jescheck/T. Weigend, Lehrbuch des Strafrechts, Allgemeiner Teil, 5. Aufl., Berlin 1996, 670; H. Otto, Grundkurs Strafrecht, Allgemeine Strafrechtslehre, 7. Aufl., Berlin/New York 2004, 21, n.m 92; o mesmo, Tterschaft kraft organisatorischen Machtapparates, Jura 2001, 753 e ss. 13 Otto, Jura, 2001, (nota 12), 759.

    , no suficiente para isso. Pois, de

    modo geral, enquanto se pode falar disso face a uma outra, absolutamente possvel, motivao

    do executor, tal identificao igualmente pode existir na relao do que instiga ou auxilia,

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    com o autor. Tambm a conscincia de que os atos devem ser praticados de acordo com as

    instrues de direo, referida por Jescheck/Weigend14

    Jakobs e seus alunos

    , pode apenas transmitir a idia de ter

    que executar uma ordem, mas no fundamenta nenhuma deciso comum.

    A co-autoria baseia-se na obrigao mtua e no na vinculao unilateral do emissor da

    ordem. Falta, na tomada de deciso, a posio caracterstica de mesma categoria para a co-

    autoria. A co-autoria tem uma estrutura horizontal. Onde existe uma estrutura vertical

    inequvoca, como na hierarquia de aparatos de poder, leva-se em conta apenas uma autoria

    mediata. O fato de que o emissor da ordem e o executor em regra no conhecem um ao outro

    e tambm podem jamais se conhecer, faz a deciso comum parecer uma fico.

    15 esquivam-se do problema porque renunciam a uma deciso comum

    para a co-autoria e consideram suficiente a adaptao de um participante aqui, o executor

    direto no plano elaborado por outro. Mas isto no pode ser suficiente para uma co-autoria.

    Pois o agrupamento de pessoas que comete o fato exige sobretudo uma deciso comum para

    o fato, cuja necessidade, de acordo com as palavras de Stratenwerth16

    Porm, igualmente falta uma execuo conjunta do fato. Pois aquele que d a ordem, de modo

    geral, no concorre com o seu executor, pelo menos no por meio de uma contribuio ftica

    no estgio de preparao. Isto no suficiente para o cometimento conjunto, mesmo de

    acordo com o entendimento de que a co-autoria no se limita a contribuies fticas no

    estgio de execuo. Em todo caso, pode-se fundamentar a co-autoria at mesmo sem os

    problemas da instigao. A co-autoria reconhecida como cooperao baseada na diviso de

    trabalho atravs da participao ajustada ao fato. Por isso no se pode discutir aqui por que o

    homem com a alavanca de poder no quer sujar as prprias mos e quer deixar o trabalho

    , est fora de dvida

    tambm para o direito suo. Se faltar isto, ento apenas poder existir uma relao de

    subordinao que deve ser verificada sob o ponto de vista da autoria mediata. A co-autoria

    perderia todos os contornos e sua delimitao em face da autoria mediata, caso se renunciasse

    a uma deciso comum para o fato e se considerasse como suficiente para ela uma mera ordem.

    14 Jescheck/Weigend, (nota 12), 670. 15 Jakobs, AT (nota 12), 21/43; R. Derksen, Heimliche Untersttzung fremder Tatbegehung als Mittterschaft, GA 1993, 163 e ss.; H. Lesch, Die Begrndung mittterschaftlicher Haftung als Moment der objektiven Zurechnung, ZStW 105 (1993) 271 e ss.; H. C. von Danwitz, Ist die Mittterschaft abhngig von einem gemeinsamen Tatentschluss der Beteiligten?, Bonn 1994. 16 Stratenwerth, (nota 10), 13, n.m 52.

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    ser realizado por outro.17

    Mais prxima que a co-autoria a hiptese de instigao, que nos ltimos anos encontrou

    novamente em Herzberg

    Tambm uma vinculao mtua dos cmplices de mesma categoria,

    que caracterstica para a co-autoria, no pode se apresentar no caso do domnio por

    organizao.

    III RECHAO INSTIGAO

    18, Rotsch19 e, mais recentemente, em Zaczyk20, defensores

    particularmente engajados. Pois ela estaria de acordo com o teor do Art. 24 do Cdigo Penal

    suo e do 26 do Cdigo Penal alemo, os quais exigem uma disposio dolosa ao fato.21

    Um instigador no est no centro da deciso. Ele desperta a tomada de deciso, mas deve

    abandonar o desenvolvimento posterior do acontecimento ao instigado, o qual tem o domnio

    do fato determinante do acontecimento. No domnio por organizao ocorre justamente o

    contrrio: o homem de trs, que detm a alavanca do poder, decide sobre o se do fato,

    enquanto que o executor direto produz, em geral, de forma ocasional a situao concreta de

    atuao. Ele no pode mudar mais nada de essencial no curso do acontecimento traado pelo

    aparato, seno quando muito modific-lo. Mesmo uma recusa ordem, em regra, no serviria

    Porm, ela contesta o peso da ordem e da execuo conforme a ordem, em aparatos de poder

    que atuam desvinculados do direito.

    17 Contra a co-autoria pronunciam-se, de forma decisiva, tambm as recentes monografias de J. Schlsser e C. Urban. Para Schlsser, Soziale Tatherrschaft. Ein Beitrag zur Frage der Tterschaft in organisatorischen Machtapparaten, Berlin 2004, 363, exclui a ocorrncia de uma autoria mediata, por ele afirmada, a possibilidade de uma co-autoria entre homem de trs e o executor. Em Urban, Mittelbare Tterschaft kraft Organisationsherrschaft, Osnabrck 2004, 45, isto significa que: considerando as clssicas situaes de mando, nas quais se manifesta a tpica ordem soberana das instncias superiores nos aparatos organizados de poder, exclui-se a co-autoria... como soluo adequada. 18 R. D. Herzberg, Mittelbare Tterschaft und Anstiftung in formalen Organisationen, in: K. Amelung (Hrsg.), Individuelle Verantwortung und Beteiligungsverhltnisse bei Straftaten in brokratischen Organisationen des Staates, der Wirtschaft und der Gesellschaft, Sinzheim 2000, 33 e ss. 19 T. Rotsch, Tatherrschaft kraft Organisationsherrschaft, ZStW 112 (2000) 518 e ss.; o mesmo, Neues zur Organisationsherrschaft, NStZ 2005, 13 e ss. 20 Zaczyk, (nota 1), 414. 21 Ademais, sobre instigao M. Khler, Strafrecht, Allgemeiner Teil, Berlin/Heidelberg/New York 1997, 510, que, porm, baseia-se em que, desde o princpio, ele limita uma autoria mediata erros materiais sobre o fato e causas de justificao sobre a pessoa do intermediador do fato. Sobre isso C. Roxin, Tterschaft und Tatherrschaft, 8. Aufl., Berlin 2006, 663 e s. Um representante da soluo da instigao tambm J. Renzikowski, Restriktiver Tterbegriff und fahrlssige Beteiligung, Tbingen 1997, 87 e ss. Em Renzikowski esta concepo fundamenta-se em seu entendimento do princpio da autonomia; sobre isso Roxin, Tterschaft und Tatherrschaft, 681 e ss.

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    em nada para a vtima, porque as condies organizatrias-marco geralmente asseguram a

    execuo de uma ordem tambm para este caso.

    Portanto o homem de trs tem de longe o mximo poder sobre o fato e o domnio sobre a

    forma, como j o reconheceu o Tribunal Distrital de Jerusalm no caso Eichmann, na medida

    em que exps que o mandante na alavanca do poder transfere a responsabilidade principal

    para o acontecimento:22

    Herzberg esclarece:

    a responsabilidade aumenta quanto mais nos afastamos daquele que

    coloca em execuo com suas prprias mos a arma mortal e chegamos ao nvel mais elevado

    da ordem... As relaes de domnio so mal-interpretadas se se julga o executor como autor

    principal e os organizadores da criminalidade em massa como figuras marginais sem domnio.

    Os apoiadores da soluo da instigao reagem a esta averiguao, na medida em que negam

    que a delimitao entre a autoria mediata e a instigao depende de relaes concretas de

    poder ou na medida em que estabelecem a tese de que o instigador tem o acontecimento em

    suas mos, justamente de modo que, sob o ponto de vista da distribuio de poder, tambm o

    controlador do domnio possa ser caracterizado como instigador. Quanto ao primeiro ponto de

    vista quero mencionar Herzberg e quanto ao segundo, Rotsch.

    23 a tentativa de determinar a autoria sobre o poder real de conduo,

    deve ser inteiramente abandonada. Trata-se aqui de uma espcie ftica de observao, que

    pretende opor uma compreenso normativa do domnio do fato. De acordo com isso o

    organizador seria mero instigador, porque o executor direto mesmo no seria responsvel por

    seu ato e por trs dele no seria possvel uma outra autoria. Hitler, Himmler e Honecker no

    cometeram os delitos de homicdio que ordenaram, na qualidade de autores, seno

    provocaram como instigadores. A isso junta-se Zaczyk24

    Eu ainda voltarei ao argumento principal de que por trs de um autor que atua de forma

    responsvel no seria juridicamente justificvel a aceitao de um outro autor. Porm, aqui j

    , na medida em que ele diz que a

    incluso do aparato organizado de poder dissolve as circunstncias que o influenciaram (de

    forma concreta) ao ato em apreo dentro da rede que, porm, de maneira presumvel no so

    to concretas que suprimam a responsabilidade do autor direto.

    22 Deciso contra Adolf Eichmann, Strafakt 40/61, inoffizielle bersetzung, Nr. 197. 23 Herzberg, (nota 18), 48. 24 Zaczyk, (nota 1), 414.

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    fica dito que o prprio domnio do fato um princpio normativo que, na verdade, como todos

    os conceitos jurdicos no pode dissolver os fundamentos factuais correspondentes ao modelo.

    Se se declara o poder real de conduo como irrelevante, abandona-se ao mesmo tempo o

    critrio do domnio do fato. Pois este elemento no ter mais nenhum sentido se for

    desconsiderado o domnio real sobre o decurso do acontecimento. O fato de que pelo menos

    subsiste um normativismo desvinculado da realidade tambm mostra agora Radtke25

    No caminho oposto legitimao de uma mera instigao do emissor da ordem, no marco do

    aparato organizado de poder, segue Rotsch

    , o qual,

    em todo caso, se afasta de uma fundamentao do domnio ftico-naturalstico, porm,

    opondo-se Herzberg procura explicar o homem de trs com base na atribuio normativa

    e quanto ao resultado est de acordo comigo no que diz respeito ao autor mediato. As

    hipteses normativas que abandonam o plano da realidade tem popularidade e, como se v,

    podem servir, na mesma medida, para a fundamentao de hipteses contrrias.

    Uma outra delimitao das formas de participao que no esteja de acordo com o domnio

    sobre a realizao do tipo, sob nenhum ponto de vista pode representar um objetivo. Pois em

    um direito penal do fato a delimitao pode resultar somente de acordo com o peso objetivo

    da respectiva participao. E no caso do autor de escritrio, isto maior do que no caso do

    executor ocasional de uma ordem de homicdio, o qual apenas uma engrenagem no

    mecanismo do aparato.

    Se de acordo com o direito alemo e suo a instigao est sujeita mesma punio que a

    autoria, ento isto no teria o seu fundamento no fato de que a participao objetiva na

    produo do resultado seria a mesma em ambas as formas de cooperao. Ao contrrio, a

    participao mnima do instigador no fato compensada por meio do injusto complementar,

    que consiste na provocao da deciso de realizar o fato. Porm, no caso do homem na

    alavanca de poder a influncia objetiva na causao do resultado j predominante. Por isto

    no pode estar correto o seu rebaixamento instigador.

    26

    25 Radtke, (nota 1), 355. 26 Rotsch, NStZ, 2005 (nota 19), 13 e ss.

    , uma vez que ele apresenta a tese de que um

    habitual instigador tem o resultado nas mos, com a mesma segurana que aquele que ordena

    os fatos punveis no marco de uma organizao criminosa. O homem de trs no marco do

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    aparato organizado de poder, portanto, no se distingue de outros instigadores e por isso pode

    ser tratado como tal.

    Ele procura comprovar isto atravs da construo de um exemplo e afirma:27

    27 Rotsch, NStZ, 2005 (nota 19), 14.

    se o... poltico

    P, em uma manifestao diante de 500 de seus no vinculados a uma organizao

    fanticos partidrios, desafia a matar o malquisto concorrente X e para isso promete uma

    recompensa de 1 Milho de Dlares, ele pode estar certo da execuo do seu ato, da mesma

    forma que aquele que confia no cometimento de um ato no decurso regular de um aparato

    organizado.

    Porm, com um exemplo to peculiar no se pode comprovar a equivalncia entre instigao e

    domnio do fato. Pois, em primeiro lugar, no exemplo de Rotsch no se trata de um caso

    habitual de instigao, seno de um caso que se aproxima amplamente do domnio por

    organizao, posto que os fanticos partidrios se sentem manifestamente to obrigados

    com o seu dirigente, como os membros de uma organizao. No tpico caso de instigao

    no se pode discutir por que o potencial autor um fantico partidrio daquele que o

    desafia ao ato, e por que o desafiante ainda tinha nas mos 500 daquelas pessoas e atravs da

    oferta de milhes poderia conduzir ao fato. E, em segundo lugar, tal caso tambm

    absolutamente inimaginvel, pois tal desafio pblico ao homicdio teria por conseqncia

    natural uma interveno imediata do poder estatal, que levaria priso do orador e

    frustrao daquele golpe.

    Instigao e domnio do fato so, portanto, formas de delito de categoria absolutamente

    diversa. Hitler e os demais ditadores podiam realizar, com auxlio do aparato existente

    disposio deles, uma potencial destruio e violao do direito, que, comparativamente, no

    se afastava da posio do instigador normal. Se se coloca o seu poder de domnio no mesmo

    nvel que a influncia de um instigador, nivelam-se de forma normativamente simplificada

    enormes diferenas materiais. Isto se justifica j pela linguagem empregada. Ele fala

    indistintamente de autor de escritrio e no de instigador de escritrio.

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    IV COMO SE PODE FUNDAMENTAR UMA AUTORIA MEDIATA NOS CASOS DE

    DOMNIO POR ORGANIZAO?

    A hiptese, por mim proposta, de uma autoria mediata , como sempre, predominante tambm

    na discusso cientfica. Da literatura alem cito apenas dois autores de grandes comentrios.

    Heine28 acentua que medida em que se trata de um aparato organizado de poder

    desvinculado do direito, a autoria mediata pode estar amplamente assegurada. E Joecks

    declara:29 o domnio do fato em virtude de aparatos organizados de poder apresenta-se

    como a terceira forma independente de autoria mediata. Ele o prottipo de uma constelao

    de autor atrs do autor e amplamente reconhecido na literatura e na jurisprudncia. Somente

    poucas vozes desaprovam a construo. Tambm as trs monografias de Langneff (2000)30,

    Schlsser (2004)31 e Urban (2004)32 existentes sobre o tema na Alemanha, apesar de todas as

    divergncias em concreto, partem de forma unssona da hiptese da autoria mediata nos casos

    de domnio por organizao. Da literatura sua menciono apenas o representativo Tratado de

    Stratenwerth33

    Mas, como se pode fundamentar a autoria mediata com exatido e convico suficientes? A

    circunstncia de que eu tenho a concepo predominante ao meu lado, as consideraes gerais

    de plausibilidade dirigidas por mim at o momento, quanto ao peso da contribuio do ato e

    tambm boas razes para o rechao co-autoria e instigao, ainda no so suficientes para

    isso. Pois aqueles que rechaam uma autoria mediata e advogam por uma co-autoria ou uma

    instigao do homem de trs, fazem isto no em razo do poder de persuaso especial de suas

    prprias hipteses, seno como uma espcie de auxlio necessrio. Eles escolhem esta

    , que nos casos de crime organizado atravs de um aparato de poder

    igualmente advoga por uma autoria mediata. Pois aqui, diz ele, manifesta-se o autor de

    escritrio, que no colabora propriamente na execuo do fato, enquanto que o verdadeiro

    senhor do acontecimento, que detm nas mos a organizao, pode, portanto, confiar que suas

    ordens sero convertidas em fato atravs do aparato.

    28 A. Schnke/H. Schrder/P. Cramer/G. Heine, Strafgesetzbuch, Kommentar, 27. Aufl., Mnchen 2006, 25, n.m. 25 a. 29 W. Joecks, Mnchener Kommentar zum Strafgesetzbuch, Bd. 1, 1-51, Mnchen 2003, 25, n.m. 123. 30 K. Langneff, Die Beteiligtenstrafbarkeit von Hintermnnern innerhalb von Organisationsstrukturen bei vollverantwortlich handelndem Werkzeug, Aachen 2000. 31 Schlsser, (nota 17). 32 Urban, (nota 17). 33 Stratenwerth, (nota 10), 13, n.m. 40.

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    alternativa porque acreditam que a aceitao de uma autoria mediata violaria um princpio

    irrefutvel da teoria do autor.

    Este princpio baseia-se na hiptese de que por trs de um autor plenamente responsvel no

    pode existir nenhum autor mediato. Se o autor direto como, por exemplo, dos assassinatos

    em campos de concentrao ou dos disparos mortais no muro enquanto detentor do domnio

    do fato plenamente responsvel pelo seu fazer e responsabilizado como autor, impossvel

    pensar em atribuir ao homem de trs, ao mesmo tempo, o domnio do fato. Assim, o autor

    atrs do autor uma construo jurdica irrealizvel, um no-conceito, como uma vez j

    teria dito Welzel34

    A circunstncia de que o aparato com o seu modo prprio de atuao lhe assegura o resultado,

    de modo que para isso no depende de forma alguma, em primeira linha, do agente que

    ocasionalmente executa o ltimo ato, na maioria das vezes tambm tem sido admitida por

    aqueles que se ope ao meu entendimento. Assim Rotsch

    , antes de ter, mais tarde, modificado sua opinio. Esta uma objeo

    tentadora. Mas ela se baseia em trs falhas, cujo conhecimento abre o caminho a uma

    fundamentao convincente da autoria mediata.

    Em primeiro lugar, quem possibilita ao homem de trs a execuo de suas ordens, no s

    instrumento e tambm no aquele que, predominantemente, deu causa com suas prprias

    mos morte da vtima. O verdadeiro instrumento , ao contrrio, o prprio aparato. Este

    consiste em uma diversidade de pessoas que esto inseridas em estruturas pr-estabelecidas,

    que atuam conjuntamente em diferentes funes condicionadas pela organizao e cuja

    totalidade assegura ao homem de trs o domnio sobre o resultado. O executor

    individualmente no desempenha nenhum papel decisivo para a atuao da organizao,

    porque ela pode dispor de muitos outros executores solcitos.

    35

    34 Sddeutsche Juristen-Zeitung, 1947, p. 650. 35 Rotsch, NStZ, 2005 (nota 19), 16.

    conduz minha concepo a uma

    frmula que eu posso considerar como absolutamente vlida: o domnio por organizao no

    pressupe nenhum domnio da conduta tpica, seno apenas o domnio do resultado tpico.

    Ele admite que justamente nesta particularidade possa se situar um fundamento suficiente

    para estabelecer o domnio por organizao como uma forma independente de autoria

    mediata, juntamente com o domnio por erro e por coao. Porm, ele advoga pela instigao,

  • Revista Eletrnica Acadmica de Direito Law E-journal PANPTICA

    79

    sob o fundamento de que com referncia apenas ao resultado pelo domnio do fato

    desvinculado da realizao da ao tpica, de Roxin, nada mais resta da exigncia, baseada em

    consideraes de Estado de Direito, de que o autor a figura central na realizao da ao de

    execuo tpica. Pois a ao do homem de trs estar absolutamente desvinculada da

    realizao do tipo propriamente.

    Porm, eu no considero convincente a tese de que a ao do homem de trs estar

    desvinculada da realizao do tipo, de maneira contrria ao Estado de Direito, pois o

    domnio do fato sempre apenas o domnio sobre o resultado tpico. O domnio do autor

    direto pode ser um meio para a obteno do domnio sobre o resultado, como ocorre no caso

    de coao e, em certo grau, tambm no caso de provocao de um erro. Mas de modo algum

    ele deve existir como justamente mostra o emprego de aparatos de poder. O fato de que nos

    atos de extermnio em massa o emissor da ordem se manifesta como a figura central,

    corresponde perfeitamente s relaes reais de poder. A sua ao de realizao tpica constitui

    o acionamento do aparato de extermnio, que de modo algum aparece desvinculado do seu

    resultado pretendido. Alm disso, a afirmao de que certo que uma outra forma de

    manifestao do domnio do fato tambm desloque o autor direto ao centro do acontecimento,

    igualmente corresponde realidade, pois todo aparato criminoso depende, da mesma forma,

    do autor de escritrio e do executor.

    Em segundo lugar, segue esta viso a ideia de que o executor e o homem de trs possuem

    formas diferentes de domnio do fato, que no se excluem mutuamente. Quem mata a vtima

    com as prprias mos, exerce o assim por mim denominado domnio da ao, portanto, um

    domnio que resulta da execuo de um determinado ato. O homem de trs possui, de acordo

    com isso, o domnio por organizao, isto , uma possibilidade de influncia que lhe garante a

    produo do resultado por ordem do aparato de poder existente sem a execuo do fato pelas

    prprias mos. Esta garantia de resultado fundamenta o domnio do fato. Ela se distingue do

    domnio da ao do executor, mas pode existir conjuntamente com ele. Um caso corrente

    como o da situao de coao mostra que a possibilidade de um autor atrs do autor, no

    fundo, evidente. Se algum coagido por meio de uma ameaa de morte a praticar um fato

    punvel, o executor coagido evidentemente tem o domnio somente sobre o ato realizado

    diretamente por ele. A circunstncia de que ele ser exculpado devido sua posio de

    coao, no muda em nada o seu domnio sobre o fato, pois este consistir em uma forma de

  • Revista Eletrnica Acadmica de Direito Law E-journal PANPTICA

    80

    manifestao de um injusto tpico. No obstante isso, tambm o homem de trs tem o domnio

    do fato e autor mediato em virtude da coao. Portanto, de um modo geral, um fato

    inegvel o de que as diferentes formas de autoria podem ser graduadas uma atrs da outra.

    Em terceiro lugar, pode-se extrair das circunstncias antes mencionadas uma concluso

    principal que torna plausvel uma autoria mediata. No se pode deduzir a autoria e o domnio

    do fato primariamente de algum dficit do instrumento, assim como ocorre no caso de

    domnio do fato por erro ou coao, seno deve-se fundament-lo positivamente a partir da

    posio do autor no acontecimento integral. Isto quer dizer, no caso concreto de conduo da

    organizao: o domnio do fato do homem de trs baseia-se em que por meio de uma ordem

    sua, atravs do aparato existente, ele pode causar o resultado com a maior segurana, como no

    prprio caso de domnio por erro e por coao, os quais so reconhecidos de forma quase

    unnime como casos de autoria mediata. Isto j foi verificado pelo Supremo Tribunal Federal

    alemo, quando ele afirmou a respeito do domnio por organizao que:36

    36 BGHSt 40, 236 e s.

    ... na hiptese de

    emprego de instrumento inculpvel ou induzido em erro so freqentes as ocorrncias de

    casos nos quais o autor mediato no tem inteiramente nas mos a ocorrncia do resultado,

    como nos casos da espcie descrita.

    V OS PRESSUPOSTOS DO DOMNIO POR ORGANIZAO

    De acordo com isso, se se reconhece o domnio por organizao como uma forma

    independente de autoria mediata, subsiste a questo de que em quais pressupostos se baseia

    em concreto este domnio. Ele levanta vrias questes. De acordo com a posio atual do meu

    entendimento so quatro os fatores sobre os quais se pode atribuir o domnio do fato ao

    homem de trs.

    1 PODER DE MANDO

  • Revista Eletrnica Acadmica de Direito Law E-journal PANPTICA

    81

    Autor mediato somente pode ser quem tem um poder de mando dentro de uma organizao

    conduzida rigorosamente e o exerce para produzir realizaes tpicas. O comandante de um

    campo de concentrao nazista era, portanto, autor mediato dos assassinatos ordenados por

    ele, mesmo quando ele prprio agia com base em uma instruo de um superior. Por isso

    muitos autores mediatos podem estar um atrs do outro, em diferentes nveis de hierarquia de

    mando. Ao contrrio, o pessoal de servio de apoio somente pode ser punido por participao,

    se na verdade promoveu conscientemente os fatos punveis atravs de alguma ao, porm

    por si mesmo no ordenou nenhum homicdio e tambm no colaborou na sua execuo.

    2 A DESVINCULAO DO DIREITO PELO APARATO DE PODER

    Eu postulei desde o incio a desvinculao do direito pelo aparato de poder como um

    pressuposto imprescindvel do domnio por organizao. Esta exigncia discutida at

    mesmo entre os partidrios de minha teoria.37

    Em primeiro lugar, o aparato de poder no precisa ter se desvinculado do direito em todos os

    aspectos, seno apenas no marco dos tipos penais realizados por ele. As medidas tomadas pela

    DDR e mesmo pelo Estado Nacional-Socialista moveram-se em muitos setores dentro do

    direito vigente; porm os mbitos de atuao, como o impedimento de fuga da Repblica

    atravs de disparos mortais ou, apenas para mencionar o caso mais assustador, a soluo

    final para o problema relativo aos judeus, caracterizam atividades absolutamente

    desvinculadas do direito. E, em segundo lugar, para a desvinculao do direito no interessa a

    viso do antigo sistema, seno a avaliao jurdica atual. Os assassinatos no muro eram

    condutas desvinculadas do direito, ainda que o dirigente estatal da DDR tivesse outra opinio

    a respeito disso. Ento os assassinatos em massa do regime nazista, evidentemente, tambm

    Contudo, penso que se deva persistir nesta

    exigncia, desde que se eliminem os pontos crticos trazidos discusso atravs dos seguintes

    esclarecimentos.

    37 Contra este critrio, sobretudo, K. Ambos, Tatherrschaft durch Willensherrschaft kraft organisatorischer MachtapparateNT2, GA, 1998, 226 e ss. (241 e ss.). Compare minha discusso com Ambos in: Probleme von Tterschaft und Teilnahme bei der organisierten Kriminalitt, in: Festschrift fr Gerald Grnwald, organizado por E. Samson/F. Dencker/P. Frisch/H. Frister/W. Reiss, Baden-Baden 1999, 556 e ss. NT2 O trabalho de Kai Ambos encontra-se publicado sob o ttulo Domnio do fato pelo domnio da vontade em virtude de aparatos organizados de poder, no Brasil, na obra Ambos, Direito Penal: fins da pena, concurso de pessoas, antijuridicidade e outros aspectos, Porto Alegre: Fabris Editor, 2006, p. 47 e ss., com tradues e comentrios sob a perspectiva brasileira de Pablo Alflen da Silva.

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    82

    teriam sido atos desvinculados do direito se o antigo dirigente estatal os tivesse ordenado no

    por meio de ordens secretas, mas legalmente.

    Porm, com base nestes dois esclarecimentos fica evidente que a desvinculao do direito

    pelo aparato organizado de poder constitui um pressuposto necessrio para o domnio do fato

    do homem de trs. Por exemplo, se o assassinato dos fugitivos do muro fosse de modo geral

    proibido e tivesse sido somente resultado de ordens de funcionrios arbitrrios, ento tais

    acontecimentos seriam aes isoladas e deveriam ter sido tratados de acordo com as regras da

    instigao e da autoria. O soldado da fronteira tambm teria podido ento, a qualquer tempo,

    recusar a se subordinar legislao da DDR e sua respectiva prxis. O mesmo vale para os

    atos de extermnio em massa pelos nazistas, os quais jamais teriam ocorrido se indivduos

    tivessem agido por transgresso e um grande aparato sistemtico em todas as suas partes no

    tivesse proposto este fim. O sistema (por exemplo, o sistema parcial de um Estado) deve,

    portanto, trabalhar criminosamente (desvinculado do direito) como um todo, se as

    instrues do homem de trs vierem para garantir o resultado que fundamenta a autoria

    mediata.

    3 A FUNGIBILIDADE DO EXECUTOR DIRETO

    Tambm a fungibilidade, isto , a possibilidade de substituio daquele que na conduta

    delitiva do aparato organizado de poder praticou os ltimos atos parciais de preenchimento do

    tipo penal, para mim sempre foi um elemento essencial do domnio por organizao. O

    cumprimento das ordens do homem de trs, assim seguia minha tese, assegurado em grande

    parte justamente pelo fato de que muitos potenciais executores encontram-se disposio, de

    modo que a recusa ou a perda de um indivduo no pode impedir a realizao do tipo. Isto

    tambm segue, na literatura sua, por exemplo, Stratenwerth,38

    38 Stratenwerth, (nota 10), 13, n.m. 40.

    quando afirma: como

    qualquer indivduo que colabora na execuo substituvel, no necessrio em relao a ele

    nenhuma coao ou erro para transferir ao homem de trs o domnio do fato. Apesar disso,

    na discusso mais recente tambm o critrio da fungibilidade submetido crtica. Menciono

    apenas as trs mais importantes objees:

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    83

    Renzikowski39

    Schroeder

    segue a mim quanto possibilidade garantida de produo do resultado em

    virtude da possibilidade de substituio do executor direto. Porm, ele me critica o fato de que

    condutas hipotticas de terceiros, isto , a possibilidade de aproveitamento de outros

    executores, no poderia fundamentar um domnio efetivo do comportamento. Este argumento

    est correto, caso se considere como instrumento somente o executor na situao concreta. Eu

    j demonstrei, no entanto, que uma viso individualista desta espcie, que reduz o

    acontecimento a uma relao entre duas pessoas, no o modo correto de domnio por

    organizao. O instrumento a organizao e para o seu emprego eficaz a existncia de

    muitos possveis executores no uma hiptese, seno uma realidade asseguradora de um

    resultado.

    40

    39 Renzikowski, (nota 21), 89. 40 Fr.-Chr. Schroeder, Der Tter hinter dem Tter, Ein Beitrag zur Lehre von der mittelbaren Tterschaft, Berlin 1965, 168.

    apresentou a outra objeo afirmando que especialistas imprescindveis enquanto

    executores no seriam substituveis, apesar do homem de trs ser o autor mediato. Porm,

    com isso abandonado o mbito do domnio por organizao, que orientado pela

    automatizao descrita e, em regra, tambm por uma multiplicidade de acordo com o

    mesmo esquema de crimes correntes. Se um servio secreto precisa recrutar um especialista

    que possua, somente ele, condies de executar um determinado delito, a organizao no

    ostenta desde o princpio o modo especfico de atuao. Tambm um autor isolado pode se

    engajar como tal homem. No entanto, existe apenas uma instigao, uma vez que no

    exercida nenhuma presso coercitiva de acordo com o 35 do StGB.

    Porm, com isso demonstrado na verdade que nem todos os delitos causados por uma

    organizao criminosa fundamentam eo ipso uma autoria mediata do causador. Mas isto eu

    tambm jamais afirmei. Se para escolher um exemplo mais realista uma organizao

    criminosa com base negocial e sem qualquer coao de algum especializado nisso,

    encomenda passaportes falsificados a uma oficina no pertencente organizao, no h

    nenhuma autoria mediata, seno uma instigao falsificao de documentos. O significado

    da fungibilidade do executor para a autoria mediata no marco do aparato organizado de poder

    no relativizado por causa disso, seno acentuado.

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    84

    Finalmente, fez-se valer contra o critrio da fungibilidade o fato de que o executor direto

    poderia poupar e deixar escapar a vtima, de modo que ele teria ento o domnio exclusivo

    sobre a ocorrncia do resultado e no se poderia mais falar em fungibilidade.41 No caso dos

    assassinatos em massa nos campos de concentrao, que me surgiram diante dos olhos em

    primeira linha no desenvolvimento do domnio por organizao, o ajudante isolado, porm,

    apenas ter tido a possibilidade de evitar a morte da vtima por meio da recusa ou inatividade.

    O caso dos disparos mortais no muro de Berlim, que Herzberg tambm emprega como

    exemplo, primeira vista parece algo diferente.42

    41 Herzberg, (nota 18), 37 e ss. 42 Langneff, (nota 30), 151 e s., que aceita o critrio da fungibilidade, mas rejeita aqui tambm uma autoria mediata.

    O soldado da fronteira no poderia

    simplesmente ter errado o alvo ou desviado o olhar? Mas tambm no regra em situaes

    desta espcie, pois quando um regime toma medidas organizatrias que visam impedir uma

    fuga da Repblica, em caso necessrio por meio de disparos mortais aos fugitivos, isto no

    pode ocorrer de modo que permita suceder fugas grosseiras e despercebidas. Esta no seria

    uma organizao capaz de funcionar. Ao contrrio, deve ser criado um sistema de vigilncia

    mtua por sentinelas, como houve na DDR. Como os disparos mortais dependiam, na

    verdade, da atuao de uns poucos soldados, mas devido inatividade sabotadora dos

    soldados da fronteira uma fuga teria xito deve-se esclarecer se tal caso ocorreu , sob o

    ponto de vista do detentor do poder isto seria uma falha da organizao, um pane.

    Porm, tal no-funcionamento muito raro em uma organizao criminosa, como no caso de

    emprego de um instrumento inculpvel ou induzido em erro, no qual ningum pe em dvida

    a existncia de uma autoria mediata, porque a tentativa pode fracassar no caso concreto.

    Apesar disso, uma comparao dos assassinatos em massa do Nacional-Socialismo com os

    casos dos disparos mortais no muro mostra que a fungibilidade em organizaes delitivas

    pode ser formada em diferentes medidas, de modo que oportuno apoiar a autoria mediata

    no exclusivamente nestes critrios e nos outros pressupostos j mencionados. Por isso quero

    complementar as circunstncias fundantes do domnio com mais um ponto adicional.

    4 A DISPOSIO ESSENCIALMENTE ELEVADA DOS EXECUTORES AO FATO

  • Revista Eletrnica Acadmica de Direito Law E-journal PANPTICA

    85

    Com os critrios do poder de mando, da desvinculao do direito e da fungibilidade

    diferentemente do que eu tinha referido originariamente as circunstncias nas quais se

    baseia o domnio do fato do homem de trs ainda no esto completamente caracterizadas.

    Acresa-se, ainda, um fator que eu caracterizo em seus efeitos conseqentes como a

    disposio essencialmente elevada dos executores ao fato.

    O elemento assemelha-se aos conceitos com os quais Schroeder43 e Heinrich44 tentaram

    esclarecer a autoria mediata em organizaes delitivas. Schroeder fala de uma determinao

    condicionada ao fato45 e Heinrich de uma inclinao do executor de uma tpica organizao

    ao fato. Tambm o Supremo Tribunal Federal alemo menciona bastante influenciado por

    Schroeder entre as razes para a autoria mediata do homem de trs nas organizaes

    criminosas, a disposio incondicional do autor direto, em cumprir o tipo penal.46

    Eu parto de que aquele que em um aparato organizado de poder desvinculado do direito

    executa o ltimo ato de preenchimento do tipo diferente de um autor isolado em si mesmo.

    Ele est sujeito a numerosas influncias especficas da organizao, que na verdade no

    excluem de modo algum a sua responsabilidade, mas o tornam mais disposto ao fato que

    Tais

    circunstncias no podem fundamentar nenhum domnio do autor direto. Pois, inclusive, a

    situao dele estar disposto ao fato, determinado ao fato ou inclinado ao fato no muda

    em nada a sua liberdade de agir responsavelmente. Diferentemente ocorre, no entanto, se se

    compreende tais atitudes como elementos do modo de atuao especfico de uma organizao

    delitiva. Na verdade ele no por si s decisivo para a aceitao da autoria mediata, mas

    constitui juntamente com os trs fatores j mencionados por mim, um aspecto parcial do

    domnio por organizao. Quanto a esta hiptese, nem os autores mencionados e nem o

    Supremo Tribunal Federal alemo explicaram detalhadamente. Por isso ser demonstrado,

    logo em seguida, em que sentido eu compreendo o critrio da disposio essencialmente

    elevada ao fato como elemento do domnio por organizao.

    43 Schroeder, (nota 40), 150. 44 M. Heinrich, Rechtsgutszugriff und Entscheidungstrgerschaft, Mnchen 2002, 271 e ss. (273). 45 O BGH fala na verdade de disposio incondicional, enquanto Schroeder ressalta a determinao condicionada ao fato. Porm, Schroeder esclarece de forma mais exata, pois com este condicionamento ele queria falar, na verdade, no desencadeamento ainda pendente de determinao j existente para o fato, para o qual suficiente o indcio de mobilizao do homem de trs. (Der Sprung des Tters hinter den Tter aus der Theorie in die Praxis, JR 1995, 179). 46 BGHSt 40, 236.

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    86

    outro potencial delinqente e, visto de forma global, aumentam a probabilidade do resultado

    por meio de uma ordem e contribuem com o domnio do fato do homem de trs.

    So vrias e, em parte, at mesmo muito diferentes as circunstncias que aqui exercem algum

    papel.47

    47 Em seguida eu acolho parcialmente as sugestes das recentes monografias de Schlsser e Urban (nota 17).

    A integrao de uma organizao provoca, como tal, uma tendncia adaptao.

    Espera-se que os membros se adaptem concretamente. Isto pode levar a uma adeso irrefletida

    a condutas que jamais passariam pela cabea de pessoas incorporadas a tal organizao.

    Porm, um fenmeno tpico da organizao tambm o obsequioso zelo excessivo, seja pela

    ambio na carreira, pela ostentao, pelo deslumbramento ideolgico ou tambm em razo

    de impulsos sdicos ou mesmo criminosos, os quais o membro de uma tal organizao

    acredita poder fornecer impunemente. Alm disso, tambm h uma participao interna de

    membros opositores, em conseqncia de uma resignada reflexo: se eu no fao, de

    qualquer forma outro o far. Finalmente, acham-se tambm hipteses que na verdade no

    fundamentam nenhum domnio do homem de trs por erro ou coao, mas que se aproximam

    em grande parte de tais situaes: o executor solcito teme, por exemplo, no caso de recusa, a

    perda de sua posio, o desprezo dos seus colegas ou outros prejuzos sociais; ou, apesar da

    forte dvida em relao ao injusto, ele conta com a impunidade do seu fazer ordenado desde

    cima.

    Todas estas misturas alternadas dos fatores apresentados no excluem a culpabilidade e nem a

    responsabilidade do executor direto e tambm reduzem muito pouco a sua medida e, em

    algumas manifestaes, at mesmo aumentam, porm convergem em um ponto: elas

    conduzem a uma disposio condicionada dos membros da organizao ao fato, que,

    juntamente com a possibilidade de substituio pelo homem de trs, um elemento essencial

    de segurana, com base no qual ele poderia confiar no cumprimento de suas ordens.

    VI AS REGRAS DO DOMNIO POR ORGANIZAO PODEM SER

    TRANSFERIDAS FATOS PUNVEIS EM EMPRESAS ECONMICAS?

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    87

    Com o exposto at aqui foram descritos de forma suficientemente precisa os pressupostos

    para a autoria mediata em virtude de aparatos organizados de poder. Eu demonstrei minhas

    teses nos casos de criminalidade estatal. A figura jurdica do domnio por organizao pode

    ser igualmente aplicada, por exemplo, s atividades terroristas e determinadas formas de

    manifestao da criminalidade organizada, contanto que existam seus pressupostos no

    respectivo caso concreto.

    Mas com isso pode-se declarar como autores mediatos tambm os chefes de empresas

    econmicas, caso eles provoquem empregados de seu estabelecimento a cometer fatos

    punveis? O Supremo Tribunal Federal alemo defende este entendimento. Ele j afirmou na

    deciso referente ao Conselho Nacional de Defesa da DDR48 que: o problema da

    responsabilidade no caso de estabelecimento de empresa econmica tambm pode ser

    solucionado assim, e em uma srie de decises subseqentes ele procedeu da mesma

    forma.49 O fato de que o BGH j tinha a inteno de se servir de minha teoria em sua deciso

    no caso dos disparos no muro, mas, ao mesmo tempo, de ir alm dela, j foi mencionado

    expressamente, h algumas semanas, por Armin Nack, juiz presidente do Supremo Tribunal

    Federal. Ele referiu50

    A primeira deciso desta espcie, o chamado caso da interrupo de tratamento

    (Behandlungsabbruchs-Fall), surgiu j no mesmo ano (1994) que o caso dos disparos mortais

    que no caso concreto o BGH simplesmente poderia ter se limitado a

    fundamentar a autoria mediata levando em conta o instituto do domnio por organizao

    fundado por Roxin. E ele prosseguiu ento: o 5. Senado do BGH em matria penal

    posicionou-se, na ocasio, ao definir a autoria mediata ..., seguindo a Roxin. O autor que

    colaborou na deciso recorda-se muito bem do dilogo com o seu colega do Senado,

    Gerhard Schfer, durante uma pausa na discusso. Ns estvamos de acordo quanto ao fato de

    que um grupo de casos praticamente o mais importante deveria ser abrangido pelo: fato

    punvel provocado pelo chefe de uma empresa, ... no qual o colaborador da empresa atua de

    acordo com a instruo. Mas com isso a figura jurdica do domnio por organizao

    ampliada. Eu pretendo demonstrar isso em algumas recentes decises.

    48 BGHSt 40, 237. 49 Compare sobre isso, com detalhes, C. Roxin, Die Abgrenzung von Tterschaft und Teilnahme in der hchstrichterlichen Rechtsprechung, in: 50 Jahre Bundesgerichtshof. Festgabe aus der Wissenschaft, Bd. IV. Strafrecht, Strafprozessrecht [BGH-Festgabe], organizado por C. Roxin/G. Widmaier, Mnchen 2000, 177 e ss. (192 e ss.). 50 Nack, (nota 1), 343.

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    88

    no muro. O mdico e o filho de uma mulher idosa acometida de grave leso cerebral, que h

    trs anos j no reagia mais, instruram os enfermeiros a interromper a alimentao artificial

    da paciente (BGHSt 40, 257 e ss.). O BGH verificou isto sob o ponto de vista do delito de

    homicdio e afirmou a autoria mediata do mdico e do filho, que deduzida da ordem

    determinada por eles e, principalmente, do papel das pessoas vinculadas ordem. Por

    conseguinte, afirmou o BGH, no pode haver nenhuma dvida quanto ao domnio do fato

    de ambos os acusados (aaO., 268).

    Eu deixo de lado a duvidosa questo se aqui se pretendia em geral um homicdio punvel e

    no, ao contrrio, a suspenso justificada de um tratamento, porque em nosso contexto trata-

    se apenas da problemtica da autoria e da participao. Portanto, se se segue o BGH no

    sentido de que aqui havia sido praticado um homicdio punvel, ento no se pode falar de um

    domnio do fato do homem de trs. Na verdade, o mdico e o filho da paciente recorreram

    atribuio de instrues, porm tal poder de mando compreendia, desde o princpio, apenas

    instrues em conformidade com o direito. Tambm de modo algum pode-se afirmar que um

    hospital consiste em um estabelecimento de trabalho desvinculado do direito. Em nosso caso

    se mostraria convincente o fato de que o diretor de servios negasse a execuo da ordem e

    encaminhasse ao tribunal de tutela (Vormundschaftsgericht), que proibiria a suspenso da

    alimentao. Inclusive falta a fungibilidade do executor, pois no haviam outros executores e

    nem se poderia obt-los. Igualmente havia pouca disposio ao fato por parte do pessoal do

    hospital, como mostra nosso caso. Ao contrrio, em casos desta espcie os funcionrios do

    hospital so absolutamente escrupulosos, porque sabem que facilmente pode-se entrar em

    conflito com a justia penal.

    Portanto, os quatro pressupostos, aos quais eu vinculei a ocorrncia do domnio por

    organizao, devem existir conjuntamente, de modo que o caso deva ser apreciado no mximo

    sob o ponto de vista de uma instigao tentada (Art. 24, al. 2 do Cdigo Penal suo e 30, al.

    1 do alemo). O fato mostra claramente como necessrio determinar de maneira exata os

    pressupostos do domnio por organizao, se no se quiser, com o seu auxlio, chegar a uma

    ampliao sem limites da autoria mediata.

  • Revista Eletrnica Acadmica de Direito Law E-journal PANPTICA

    89

    Analogamente vale para uma deciso do ano de 1997,51

    Uma terceira deciso, que igualmente surgiu no ano de 1997

    pela qual o dirigente de uma

    Sociedade de Responsabilidade Limitada foi condenado como autor mediato da remoo de

    lixo lesivo ao meio ambiente, que constitui um fato punvel de acordo com o 326 do StGB

    alemo. Ele era responsvel pelo fato de que foram abandonados detritos aos recolhedores

    que no dispunham da possibilidade de eliminao organizada do lixo. Tambm aqui se

    afirma, invocando a deciso dos disparos mortais no muro, um domnio do fato e a autoria

    mediata do dirigente. Isto fundamentado com a declarao de que os acusados teriam

    aberto e indicado o caminho para que os detritos fossem eliminados ilegalmente. No

    informado o que eles teriam feito concretamente, seno apenas dito que eles seriam

    responsveis, porque os detritos foram abandonados aos recolhedores que no dispunham da

    possibilidade de eliminao organizada do lixo.

    Mas tudo isto ainda no justifica nenhum domnio do fato, sobretudo porque os recolhedores

    no estavam vinculados estrutura de organizao da prpria empresa e no dependiam dela.

    Quem, sem colaborar por si mesmo com o preenchimento do tipo, abre caminho para isso,

    ainda no tem o domnio do fato. Ao contrrio, trata-se de um tpico comportamento de

    instigao, sob o pressuposto de uma provocao dolosa de um fato reconhecido como

    contrrio proibio. Em todo caso, de modo algum so preenchidos os pressupostos do

    domnio por organizao.

    52

    51 BGH, NStZ, 1997, 544. 52 BGH, wistra, 1998, 148.

    , deve mostrar ainda que nosso

    Supremo Tribunal Federal, sem hesitar, transfere a figura jurdica do domnio por

    organizao, criada para o sistema de criminalidade estatal e, quando muito, para grupos

    mafiosos, empresas econmicas. Aqui foram punidos os dirigentes fticos de uma

    Sociedade de Responsabilidade Limitada como autores mediatos de estelionatos que haviam

    sido cometidos por seus empregados em relao encomenda de mercadorias. A autoria

    mediata foi afirmada, apesar de no poder ser verificada nenhuma atuao concreta ou

    inclusive apenas o conhecimento atual dos acusados em relao s encomendas de

    mercadorias. Pois como autor em virtude do domnio do fato, leva-se em conta tambm

    aquele que se aproveita de condies bsicas determinadas por estruturas de organizao, que

    impulsionam o curso regular. Isto o Supremo Tribunal Federal afirmou tambm para

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    atividades empresariais. Mas como o domnio do fato deve existir em acontecimento no qual

    o acusado no atuou concretamente, isto no est fundamentado de forma exata. O domnio

    do fato aqui utilizado em uma repetio formalista das locues desenvolvidas na deciso

    referente aos disparos no muro, apenas para qualificar a responsabilidade mediata do setor

    diretivo de uma empresa como domnio do fato. Porm, este conceito no apropriado para

    isso.

    Na literatura alem, a tentativa do nosso Supremo Tribunal Federal de transferir a figura

    jurdica da autoria mediata em virtude de aparatos organizados de poder s empresas

    econmicas que atuam principalmente no marco da ordem jurdica vigente, encontrou

    somente pouca adeso53 e em sua grande maioria rejeio54. Ainda na edio comemorativa

    recentemente publicada, mencionada ao incio, Zaczyk55

    53 W. Krekeler, Brauchen wir ein Unternehmensstrafrecht?, in: Festschrift fr Ernst-Walter Hanack, organizado por U. Ebert/P. Riess/C. Roxin/E. Wahle, Berlin/New York 1999, 651; L. Kuhlen, Die Abgrenzung von Tterschaft und Teilnahme, especialmente em relao aos chamados representantes de empresas, in: Amelung, Individuelle Verantwortung (nota 18), 71 (79 e ss.); o mesmo, Strafrechtliche Produkthaftung, in: Roxin/Widmaier, BGH-Festgabe (nota 49), 671 e s.; A. Ransiek, Unternehmensstrafrecht, Heidelberg 1996, 46 e ss.; W. Schild, Tterschaft als Tatherrschaft, Berlin/New York 1994, 23. 54 Ambos, (nota 37) 226, 239; N. Bosch, Organisationsverschulden in Unternehmen, Baden-Baden 2002, 251 e ss.; W. Bottke, Tterschaft und Gestaltungsherrschaft, Heidelberg 1992, 73; Schnke/Schrder/Cramer/Heine (nota 28), 25, n.m. 25 a; G. Heine, Von individueller zu kollektiver Verantwortlichkeit. Einige Grundfragen der aktuellen Kriminalpolitik, in: Grenzberschreitungen, Beitrge zum 60. Geburtstag von Albin Eser, organizado por B. Burkhardt/W. Gropp/H.-G. Koch, Freiburg 1995, 61 e ss.; Joecks (nota 29), 25, n.m. 131 e s.; K. Khl, Strafrecht Allgemeiner Teil, 5. Aufl., Mnchen 2005, 20, n.m. 73, bd; G. Kpper, Zur Abgrenzung der Tterschaftsformen, GA 1998, 525; R. Merkel, Tdlicher Behandlungsabbruch und mutmassliche Einwilligung bei Patienten im apallischen Syndrom, ZStW 107 (1995) 555; U. Murmann, Tatherrschaft durch Weisungsmacht, GA 1996, 278 e ss.; Otto, Grundkurs AT (nota 12), 21, n.m. 92; o mesmo, Jura 2001 (nota 12), 759; Renzikowski (nota 21), 90 ss.; Rotsch, NStZ 1998 (nota 19), 493 e ss.; o mesmo, NStZ 2005, (nota 19), 16 e ss.; Roxin (nota 3) 25, n.m. 129 e ss.; o mesmo, Die Abgrenzung von Tterschaft und Teilnahme in der hchstrichterlichen Rechtsprechung, in: Roxin/Widmaier, BGH-Festgabe (nota 49), 192 e ss.; J. Schulz, Die mittelbare Tterschaft kraft Organisationsherrschaft eine notwendige Rechtsfortbildung?, JuS 1997, 113; B. Schnemann, Unternehmenskriminalitt, in: Roxin/Widmaier, BGH-Festgabe (nota 49), 631. 55 Zaczyk, (nota 1), 412.

    declara esta ampliao efetuada pelo

    BGH como uma degenerao de minha concepo. Esta rejeio merece, pelos trs casos

    por mim citados, absoluta adeso, pois dos quatro pressupostos do domnio por organizao

    faltam, em regra, no mnimo trs: as empresas econmicas, contanto que no estejam

    envolvidas desde o princpio em atividades criminosas, como regra, no trabalham

    desvinculadas do direito. Falta tambm a possibilidade de substituio daquele que prepara as

    condutas criminosas. E tambm no se pode falar de uma disposio essencialmente elevada

    ao fato pelos integrantes da empresa, porque, como mostra a realidade da vida, o cometimento

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    de delitos econmicos e ambientais, ou at mesmo de delitos de homicdio em hospitais, traz

    consigo o grave risco de punibilidade e tambm o risco de perda do lugar na empresa.

    Por outro lado e a se situa o principal fundamento para a criticada jurisprudncia do BGH,

    conforme as declaraes do juiz participante no se pode negar que existe uma necessidade

    poltico-criminal de punir os membros da direo, que estimularam, apoiaram ou apenas

    permitiram condutas criminosas em sua empresa, como autores. Muoz Conde56 e

    Schnemann57

    Quanto a isso j existem propostas de Tiedemann

    procuram, por isso e tambm porque rechaam uma autoria mediata, admitir

    em tais casos, diferentemente daqueles do mbito de outra criminalidade, uma co-autoria

    entre os membros da direo e executores. Porm, as razes que eu aduzi contra uma co-

    autoria no mbito do domnio por organizao valem, em sua grande maioria, tambm aqui,

    de forma que tal soluo me parece problemtica.

    Parece-me mais preciso recorrer figura jurdica dos delitos de dever, desenvolvida por mim

    j h dcadas, e fundamentar com seu auxlio a autoria dos membros da direo, na medida

    em que se lhes atribui a posio de garantidores em defesa da legalidade dos atos da empresa.

    No Cdigo Penal alemo sempre tivemos disposies sobre delitos praticados no exerccio da

    funo. O 357 diz que: Um superior que induz seus subordinados a um ato ilcito no

    exerccio da funo... ou permite que um dos seus subordinados cometa tal ato ilcito, incorre

    nas penas este cominadas. Caso se estendesse esta disposio, referente ao mbito dos

    delitos praticados no exerccio da funo, ao superior que tem o direito de dar ordens em uma

    empresa econmica, esta seria uma soluo sensata.

    58 e Bottke59

    56 F. Muoz Conde, Willensherrschaft kraft organisatorischer Machtapparate im Rahmen nichtrechtsgelster Organisationen?, in: Festschrift fr Claus Roxin zum 70. Geburtstag am 15. Mai 2001, organizada por B. Schnemann/H. Achenbach/W. Bottke/B. Haffke/H.-J. Rudolphi, Berlin/New York 2001, 609 e ss. (620). 57 Schnemann, in: Roxin/Widmaier, BGH-Festgabe (nota 49), 621 e ss. (628 e ss.). 58 K. Tiedemann, Die Regelung von Tterschaft und Teilnahme im europischen Strafrecht, in: Festschrift fr Haruo Nishihara, organizado por A. Eser, Baden-Baden 1998, 496 e ss. (511). 59 W. Bottke, Tterschaft und Teilnahme im deutschen Wirtschaftskriminalrecht de lege lata und de lege ferenda, JuS, 2002, 320 e ss. (324).

    . Tambm o Projeto de um

    Corpus Juris para a proteo dos interesses financeiros da UE contm no Art. 13 uma regra

    desta espcie. Eu quero apresentar de maneira breve este modelo traado de lege ferenda.

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    Tiedemann desenvolveu, no marco de um projeto de pesquisa sobre a adaptao do direito

    penal na Europa, um dispositivo sobre responsabilidade por conduta alheia, que dizia da

    seguinte forma:

    (1) Pune-se como autor tambm quem tem que responder juridicamente por um ato ilcito no cometido por terceiro, quando tinha conhecimento do ato do terceiro e podia ter evitado ou dificultado fundamentalmente o seu cometimento. (2) De acordo com a alnea 1 so responsveis principalmente: a) os membros do governo, detentores de cargo oficial e soldados, por atos que so cometidos pelos subordinados s instrues, subalternos ou destinatrios da ordem; b) Proprietrio ou dirigente de uma fbrica ou empresa, bem como membros com poder de controle ou deciso em uma fbrica ou empresa, por atos que so cometidos por seus subordinados.

    Esta proposta corresponde inteiramente s minhas intenes. A responsabilidade por conduta

    alheia includa como forma independente de imputao da autoria nas disposies sobre

    autoria imediata, co-autoria e autoria mediata. O fato de basear-se no ter que responder

    juridicamente mostra que o dever de impedimento de determinados resultados fundamenta

    uma forma independente de autoria, assim como eu j afirmei em relao categoria, por

    mim desenvolvida, dos delitos de dever. E o paralelismo dos representantes oficiais com o

    plano dirigente de fbricas e empresas supre as lacunas jurdicas que no podem ser

    preenchidas atravs da figura jurdica do domnio por organizao, contrariamente hiptese

    do nosso Supremo Tribunal Federal.

    Bottke prope uma complementao ao 357 do StGB que, de acordo com o seu

    entendimento, poderia ser ampliada da seguinte forma: quem, na qualidade de superior

    legitimado a dar ordens em uma empresa, fbrica ou repartio pblica, induz seus

    subordinados prtica de fatos punveis relativos empresa, fbrica ou repartio ou

    permite que acontea tal fato ilcito, incorre nas penas cominadas para o autor deste fato

    ilcito. O mesmo vale para o membro de uma empresa, fbrica ou repartio que est

    encarregado da inspeo ou controle sobre as atividades realizadas por um outro dos seus

    membros, contanto que o ato cometido por este pertena s atividades que ele tem que

    fiscalizar ou controlar. Isto corresponde, em essencial, amplamente proposta de

    Tiedemann, porm circunscreve de forma mais precisa os limites do dever de responder.

    Finalmente, tambm se tem indicado ainda o Art. 13 do projeto de um Corpus Juris para a

    Proteo dos interesses financeiros da Unio Europia, que igualmente tenta conduzir a idia

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    de responsabilizao pelo comportamento alheio em empresas econmicas forma legal. O

    dispositivo reza: Se um fato punvel cometido atravs de uma empresa, por uma pessoa

    que est sob a autoridade do dirigente ou de outra pessoa que detenha o poder de controle ou

    deciso na mesma, ento tambm o dirigente da empresa ou o detentor do controle ou da

    deciso responsvel, caso tivesse conhecimento do cometimento do fato punvel, dado a

    ordem para o cometimento, deixado ocorrer o fato punvel ou omitido as medidas de controle

    necessrias.

    Todas as trs propostas seguem na mesma direo, porm distinguem-se em alguns aspectos.

    Mas isto teria que ser tema de outra exposio, para ento poder seguir adiante e encontrar

    uma formulao definitiva. Inclusive, para a dogmtica do direito penal resulta, aqui, a nova

    tarefa de delimitar um do outro, o mbito de responsabilidade dos indivduos participantes da

    empresa. Mas sempre so oferecidas to s medidas de conduo empresariais especficas,

    ou seja, a dimenso dos deveres dos indivduos orienta-se de acordo com a realidade do

    mbito de controle que lhe confiado. Ao contrrio, a alta direo tem o pleno dever de

    controle e organizao. Na verdade, em uma direo com muitos cabeas, determinados

    mbitos de responsabilidade podem ser destinados a dirigentes individuais, de modo que os

    demais so eximidos do seu dever de fiscalizao. Mas quando perceptvel que outro

    dirigente no cumpre seus deveres conforme a ordem, ou quando a empresa como um todo

    afetada por uma situao excepcional ou de crise, vige, ao contrrio, o princpio da

    responsabilidade coletiva de todos os dirigentes. A direo da empresa tambm pode delegar

    determinadas tarefas de controle. Porm, ela deve ento selecionar cuidadosamente seus

    colaboradores, fixar de forma exata seu crculo de deveres e se convencer, por meio de

    controles tcnicos, da evoluo ordenada dos processos empresariais. As particularidades

    pertencem ao mbito especial da criminalidade empresarial e aqui no podem ser

    apresentadas.

    VII CONCLUSO

    Eu resumirei. O domnio do fato em virtude de aparatos organizados de poder uma forma

    independente de autoria mediata. Ela no pode ser compreendida, de maneira mais adequada,

    como uma co-autoria ou instigao. A autoria mediata no se baseia no domnio sobre o

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    executor direto, mas sim no domnio sobre o aparato de poder que garante a realizao do

    tipo. O domnio do fato em virtude de aparatos organizados de poder baseia-se concretamente

    em quatro dados: no poder de mando, na desvinculao do direito pelo aparato de poder, na

    fungibilidade e na disposio essencialmente elevada do executor ao fato. Como estes

    pressupostos existem apenas no injusto do sistema estatal, no Estado criminoso dentro do

    Estado, assim como a Mfia e formas semelhantes de manifestao da criminalidade

    organizada, no se pode transferir esta figura jurdica aos fatos punveis em empresas

    econmicas, ao contrrio da opinio do Supremo Tribunal Federal alemo. Aqui necessria

    uma regulamentao especial referente responsabilidade do dirigente por fatos punveis que

    foram cometidos na empresa. A responsabilidade penal das pessoas que controlam ou

    decidem reduzida a um dever de garantidor que fundamenta uma forma independente de

    autoria.