Roy Bennett - Instrumentos de Teclado

Embed Size (px)

DESCRIPTION

livro para musicista de piano

Citation preview

  • Cadernos de Msica da Universidade de Cambridge

    INSTRUMENTOS DE TECLADO

    R O Y B E N N E T T

    J o r g e Z a h a r E d i t o r

  • INSTRUMENTOS DE TECLADO

    A srie Cadernos de Msica da Universidade de Cambridge, de que esta editora j publicou Forma e Estrutura na Msica, Uma Breve Histria da Msica e Instrumentos da Orquestra, tem sequncia agora com Instrumentos de Teclado - este, como os demais, de autoria do importante musiclogo ingls Roy Bennett.

    Pode-se dizer que os primeiros instrumentos criados pelo homem foram as percusses (o tanta) e que a msica civilizada surgiu com os sopros (a flauta de P) acompanhados pelas cordas tangidas (as liras em suas diversas formas, desde o antigo Egito - como se v em vrios afrescos - at o ku-t japons). Pode-se reivindicar antiguidade tambm para os instrumentos de arco, ancestrais do violino, que j eram conhecidos na frica e na sia em pocas remotas. Dessa forma, a "orquestra" j estaria praticamente completa quando, cerca de trezentos anos antes de Cristo, o primeiro conceito de instrumento de teclado foi criado. O teclado ficaria, assim, no final da "escala evolutiva" - o que significa estar na ponta mais sofisticada.

    De fato, se todos os instrumentos so importantes na msica, se msicos to diversos quanto o russo Igor Stravinsky ou o brasileiro Hermeto Pascoal puderam demonstrar que no h limites para a criatividade instrumental, foram os instrumentos de teclado, no entanto, que determinaram de forma decisiva o que atualmente se conhece como "msica ocidental", a msica que hoje ouvimos a cada momento, da erudita popular. Tendo seu real desenvolvimento comeado a partir do sculo XII de nossa era, o teclado foi a base principal do processo criativo de autores como Buxtehude, Bach, Scarlatti, Haydn, Mozart e Beethoven, at chegar ao apogeu de Chopin e

    -* -L iszt . Foi no teclado que Bach levou a msica barroca ao seu mais alto desenvolvimento, que a "forma-sonata" foi construda, que Wagner esboou os primeiros cromatismos de Tristo e Isolda, que Liszt criou uma escola de interpretao vigente at hoje nas mos de artistas to velhos como Horowitz ou to jovens como Argerich e Pogorelich.

    A noo do piano como "o mais nobre dos instrumentos", por ser o de maior mbito e de mais amplo alcance, no errada - se a prtica um ndice suficientemente bom para determinar o que certo ou errado. Oua uma sonata de Scarlatti com Horowitz, uma de Beethoven com Gieseking, valsas de Chopin com Lipatti, peas de Schumann com Richter, ou prel-dios de Debussy com Michelangeli, e compreender isso melhor do que as palavras podem explicar.

    Mas toda inteno didtica precisa das palavras - e de livros como este. Nestas pginas o leitor interessado ir encontrar uma descrio minuciosa do que so e como so os diversos ins-trumentos de teclado: o rgo, cravo, clavicrdio, virginal e a espineta; e o piano. Diagramas e desenhos explicaro ao e mecanismo. Fotos reproduziro partituras musicais e os vrios tipos de instrumentos, desde os exemplares mais antigos ainda hoje conservados at os mais modernos. E retratos mostraro os principais compositores. Como caracterstico desta coleo, uma ponderada indicao de gravaes a serem ouvidas facilita para o leitor um processo seletivo que normalmente leva muitos anos para ser alcanado, ao mesmo tempo em que enfatiza o valor da experincia pessoal na compreenso do fenmeno artstico. Assim, este livro algo mais do que uma obra dedicada aos estudantes de piano. Seu pblico todo o universo leitor interessado em conhecer mais de perto umas das maiores ddivas da civilizao: a msica - uma arte para a qual os instrumentos de teclado so, hoje, a principal via de acesso.

    EDUARDO FRANCISCO ALVES

  • Instrumentos de Teclado

  • CADERNOS DE MSICA DA UNIVERSIDADE DE CAMBRIDGE

    Volumes da srie:

    U m a Breve Histr ia da Ms ica

    Forma e Estrutura na Ms ica

    Instrumentos da Orquestra

    Instrumentos de Tec lado

    Elementos Bsicos da Ms ica

  • Roy Bennett

    Instrumentos de Teclado

    Traduo: Teresa Resende Costa

    Jorge Zahar Editor Rio de Janeiro

  • Ttulo original: Keyboard Instruments Traduo autorizada da primeira edio inglesa publicada em 1985 por Cambridge University Press, da Inglaterra, na srie Cambridge Assignments in Music

    Copyright 1985, Cambridge University Press Copyright 1989 da edio em lngua portuguesa: Jorge Zahar Editor Ltda. rua Mxico 31 sobreloja 20031 Rio de Janeiro, RJ Todos os direitos reservados. A reproduo no-autorizada desta publicao, no todo ou em parte, constitui violao do copyright. (Lei 5.988) Impresso: Tavares e Tristo Ltda.

    ISBN: 0-521-27653-5 (ed. orig.) ISBN: 85-7110-065-9 (JZE, RJ)

    Agradecimentos Pela gentileza de concederem-nos o uso do copyright, o autor e a editora inglesa deste livro agradecem a: BBC Hulton Picture Library, p. 9 - o rgo, p. 16 - Bach, p. 23 - Couperin, p. 43 - Haydn, p. 45 -Liszt, p. 49 - Beethoven, e p. 50 - o rgo de igreja; Warwickshire Museum, p. 9 - o cravo (exposto em St. John's House, Warwick); John Broadwood & Sons Ltd., p. 9 - o piano de cauda, p. 41 - o piano vertical e p. 44 - o piano Broadwood de Beethoven; Museu Torteneti de Budapeste, p. 10 - um primitivo rgo de tubos; Biblioteca Universitria, Utrecht, p. 10 - desenho tirado de um livro de salmos; Biblioteca Medicea Laurenziana, Florena, p. 11 - primitivo rgo porttil; British Library, p. 11 - o fragmento Robertsbridge, p. 25 - fac-smile da partitura do trecho original de "A Hornepype", p. 27 -frontispcio de Partheniatp. 3 8 - fac-smile de um rondo de Giustini e p. 50 - um primitivo rgo porttil reproduzido do livro de salmos de Luttrell; Bayerische Staatsbibliothek, Munique, p. 12 - pea sem ttulo, composta por Baumgartner, que faz parte do volume Buxheim de msicas para rgo; Russell Collection de cravos e clavicrdios, Universidade de Edimburgo, p. 12 - harmnio, p. 21 - o cravo de dois teclados, com uma vista de cima deste instrumento, pp. 28 e 50 a espineta com forma de asa do sculo XVII, p. 31 - o clavicrdio de teclado preso e p. 32 - o clavicrdio de teclado livre; G. Millet, p. 17 - foto de Lionel Rogg; Decca Record Company, p. 17 - foto de Peter Hurford, p. 47 - piano preparado e p. 49 - Ashkenazy; Malcom Dodd, p. 17 - foto de Jennifer Bate; Greater London Councii, p. 18 - o rgo do Royai Festival Hall; Victoria and Albert Museum (copyright da coroa), p. 19 - o mais antigo dos cravos existentes, p. 22 - o cravo de Hndel, p. 25 - o virginal fabricado por Loosemore e p. 50 - o cravo de Fritz; Robert Morley & Co. Ltd., pp. 20 e 50 - detalhe das lamelas do cravo, p. 31 - detalhe da mecnica do clavicrdio e p. 50 - detalhe da mecnica do piano; Mansell Collection, p. 22 - Hndel, p. 24 - Scarlatti, p. 35 - Bach, p. 43 - Mozart e p. 47 - Debussy; Metropolitan Museum of Art, Nova York,p. 26-ovirginar4meefUhoM, doao de B.H. Homan, 1929(29.90); Crosby Brown Collection of Musical Instruments, 1889 (89.4.1219) do Metropolitan Museum of Art, Nova York, p. 37 - o piano de Cristofori; Fitzwilliam Museum, Cambridge, p. 26 - fac-smile do lbum Fitzwilliam para virginal; Royai College of Music, p. 27 - William Byrd, p. 30 - Wanda Landowska e p. 49 - Incio Paderewski; o Heather Professor de Msica da Oxford University, p. 27 - John Buli e Orlando Gibbons; Photographie Giraudon, Paris. p. 28 - Henry Purcell e p. 45 - F. Chopin; Universidade Karl Marx, Leipzig, p. 32 - um clavicrdio antigo; Worcester Art Museum, Worcester, Massachussets, p. 34 -quadro de uma jovem tocando clavicrdio; Coletneas do Musiksammlung der sterreichischen Nationalbibliothek, Viena (Catalogue no: Mus. Hs. 18.707, foi. 11 verso - 1 2 recto), p. 36 - Manuscrito com desenhos ornamentais de Froberger, Steinway & Sons, p. 41 um Steinway visto de cima; Biblioteca do Congresso, Washington, DC, p. 42 - fac-smile do frontispcio de uma partitura de Haydn; Germanisches Nationalmuseum (Dr. Riick Collection), Nuremberg, pp. 43 e 50 - o pianoforte e p. 45 - o piano de rard; Mary Evans Picture Library, Londres, p. 45 - caricatura de Liszt; Clive Barda e Philips Classics, p. 49 - foto de Alfred Brcndcl; Ashmolean Museum, Oxford, p. 50 - virginal.

    Quanto ao piano de cauda de Haydn (p. 43), no conseguimos localizar o detentor do copyright, mas teremos o maior prazer de chegarmos a um conveniente acordo to logo nos seja dada uma oportunidade para isso.

  • Sumrio

    i Teclas e teclados

    Ao Professor

    2 O rgo

    A famlia do cravo

    O rgo O rgo da igreja medieval Os menores tipos de rgo:

    rgo porttil rgo positivo Regai Pequeno rgo de sala ou harmnio

    O rgo de igreja aps 1400 "Oitava quebrada ou diminuda" O mecanismo de um tpico rgo de igreja Registros e tubos Os manuais e a pedaleira A variedade de timbres Exerccios Outras msicas de rgo para ouvir A msica para rgo do sculo XX O cravo O mecanismo do cravo O som do cravo Ornamentos O cravo como "contnuo" Cravo versus piano O virginal O som do virginal A msica elisabetana para virginal

    10 10 11 11 12 12 13 13 13 14 15 15 17 18 18 19 20 20 23 24 24 25 25 26

    A espineta O som da espineta Exerccios Outras msicas de cravo, virginal e espineta para ouvir A msica para cravo do sculo XX

    28 28 29 30 30

  • 4 O clavicrdio 31 O clavicrdio O mecanismo do clavicrdio 31

    O clavicrdio de teclado preso e o de teclado livre 32 O som do clavicrdio 33 A msica para clavicrdio 34 Exerccios 35 Outras msicas de clavicrdio para ouvir 36

    5 O piano 37 O piano O primeiro piano 37

    A primeira msica de piano 38 O piano moderno 38 O mecanismo do moderno piano de cauda 39 Os pedais 40 O moderno piano vertical 42 O progresso do piano 42 A msica para piano do sculo XIX 45 Alguns pianos fora do comum 46 A msica para piano do sculo XX 47 Exerccios 47 Outras msicas de piano para ouvir 49 Mais alguns exerccios 50 Exerccio especial 52 Instrumentos eletrnicos de teclado 52

  • Ao Professor Este livro apresenta os principais tipos de instrumentos de teclado, vale dizer, as diversas modalidades de rgo, cravo, virginal e espineta; o clavicrdio e o piano. Cada instrumento se encontra detalhadamente descrito e tambm mostrado atravs de diagramas e esboos claros que explicam a ao e o mecanismo.

    Muitas ilustraes incluem retratos dos principais compositores de msica para teclado, fotografias dos mais antigos instrumentos que conseguiram chegar at os nossos dias, exemplares sados dos principais fabricantes e alguns tantos que pertenceram a compositores famosos.

    Interpondo-se s explicaes dos diferentes instrumentos de teclado, acham-se descries de msicas expressamente escritas para estes, bem como fac-smiles e trechos de msicas (algumas integralmente).

    No fim dos principais captulos, encontram-se diferentes tipos de exerccios alguns requerem respostas objetivas, outros so de carter mais pessoal, isto , dizem respeito ao modo como cada um reage msica ouvida e, por fim, h aqueles que so de natureza mais prtica. Encontra-se ainda includa uma ampla lista com sugestes de peas para serem posteriormente ouvidas.

    Roy Bennett

    7

  • 1 Teclas e teclados

    Todos os instrumentos descritos neste livro possuem teclado. So eles: os rgos e os cravos em suas diferentes verses, o clavicrdio e ainda os diversos tipos de pianoforte, ou simplesmente "piano", como chamado a maioria das vezes.

    Embora esses instrumentos possam produzir sons de diferentes maneiras, o som das notas sempre obtido pelo abaixamento das teclas, dispostas de acordo com determinado desenho que aquele do teclado.

    O diagrama abaixo mostra o teclado do piano atual com o seu conhecido traado de duas fileiras de teclas: a das brancas, uma ao lado da outra, e a das pretas, mais curtas e dispostas em grupos de duas ou trs, num plano mais elevado.

    D' D d d central

    d' d" d" d"" d

    oitava rf> solb lb stb d# f# sol# l#

    d re i mi f sol l si

    A ideia bsica do teclado, assim formado, anterior ao sculo III a.C. Os teclados antigos tinham apenas o que costumamos chamar teclas "brancas". Posteriormente, durante o sculo XII, uma tecla preta mais curta e ressaltada foi acrescentada o si bemol cujo som formado de partes retiradas das teclas brancas que correspondem s notas l e si. Durante o sculo XIV, mais duas outras teclas pretas foram adicionadas: o f sustenido e o sol sustenido e, no muito mais tarde, foram acrescentadas as duas ltimas remanescentes: o d sustenido e o mi bemol. Observe que as notas pretas tomaram os nomes das notas brancas que lhes so vizinhas (veja o diagrama esquerda) e que cada uma delas possui dois nomes. No incio do sculo XV, a configurao do teclado j estava firmemente estabelecida. O surpreendente que desde essa poca tenha permanecido sempre a mesma, apesar de o nmero de notas poder variar de instrumento para outro e, em alguns, as cores das teclas estejam ao contrrio (como o caso mostrado na foto menor da pgina 31).

    O propsito e o desenho do teclado permitem que o executante controle o maior nmero possvel de notas com os seus dez dedos (ele usa os polegares como qualquer outro dedo). Igualmente, a extenso da oitava deve ser aquela que, sem esforo, esteja ao alcance da mdia da mo do ser humano.

    Cada tecla tem uma alavanca em balano cujo movimento lembra o de uma gangorra. Quando o executante aperta a extremidade (visvel) da tecia, a outra (dentro do instrumento) levanta, pondo para funcionar o "mecanismo produtor de som" do instrumento.

    O quadro a seguir mostra como, a partir das trs maneiras bsicas de produzir sons em antigos instrumentos (do tipo flauta de P, saltrio e dulcmer), se chegou, pela introduo do mecanismo das teclas, s vrias espcies de instrumentos de teclado.

    8

  • Tubos/vento Cordas pinadas Cordas marteladas

    flauta de pan I

    + teclado I

    rgos portativo harmnio positivo rgo de igreja regai ( c o m pedaleira)

    saltrio i

    + teclado i

    famlia do cravo cravo virginal espineta

    dulcmer I

    + teclado

    clavicrdio piano [pianoforte] fortepiano piano vertical piano de cauda piano de concerto piano de mesa

    O ato de comprimir as teclas do rgo provoca a entrada de vento, fazendo vibrar vrios tubos de tamanho graduado e, por conseguinte, com a altura do som tambm graduada. Pode haver trs ou mais teclados, chamados manuais, e um teclado para os ps, denominado pedaleira. Tanto no cravo como no piano, a presso dos dedos sobre as teclas ativa um mecanismo que faz as cordas vibrarem. No cravo, as cordas so pinadas, enquanto no piano so batidas por martelos.

    orgao

    9

  • O rgo De todos os instrumentos de teclado, o rgo de longe o mais antigo. Sua inveno creditada ao engenheiro grego Ctesbio, que viveu durante o sculo III a.C. Documentos escritos, no muito depois de sua poca, descrevem-lhe o invento como "uma das maravilhas do mundo" e do a entender que o rgo por ele construdo estava possivelmente baseado na ideia de utilizar mecanicamente a i proviso de ar que era levado para um imenso jogo de tubos. Estava, pois, o ar armazenado num "someiro" e j havia inclusive um teclado que controlava a sua sada para os tubos.

    O instrumento de Ctesbio ficou conhecido como hidraulos (palavra construda com os vocbulos gregos que significam gua e tubo), pois era a gua que mantinha a presso constante do ar no someiro. Durante o sculo IV d .C , o princpio hidrulico comeou a ser substitudo pelo pneumtico (do grego "vento"), no qual o fornecimento de ar se fazia por meio de foles.

    Tubos remanescentes de um rgo de 228 d.C, encontrado em Aquincum, Hungria

    O rgo da igreja medieval

    ( direita) Desenho do Livro de Salmos de Utrecht (sc. IX),

    ilustrativo do Salmo 150. Alm do rgo, com dois enrgicos organistas incentivando dois exaustos sopradores, vemos

    cornos, pratos, saltrio e alade. (Embaixo) O mais antigo dos

    rgos existentes, pertencente Catedral de Salamanca e con-

    servado tal como era em 1380.

    Em vez de teclas, como as do hidraulos, o rgo da igreja medieval possua rguas de registros tbuas de madeira, localizadas entre o someiro e a parte inferior dos tubos, que se abriam e fechavam. Quando em posio de abertura, os furos das rguas de registros se alinhavam com os da parte de baixo dos tubos, permitindo que o vento entrasse nestes. Se em posio de fechamento, os furos no coincidiam e os

    tubos se mantinham silenciosos. Para cada rgua de registro, havia diversos tubos e, com isso, cada uma delas podia produzir uma variada "mistura" de diferentes timbres e sons unssonos: oitavas (oito notas mais altas) e quintas (cinco notas mais altas). Aproximadamente no comeo do sculo XII, as rguas de registros foram substitudas por teclas, na verdade, alavancas grandes e pesadas que precisavam ser pressionadas com a palma da mo, com o pulso e at mesmo com pancadas.

    Muitos documentos medievais relatam a alegria que proporcionava aos msicos da poca toda aquela potncia, todo aquele colossal volume sonoro, de que dispunha o rgo de igreja, ouvido, em alguns casos, a centenas e centenas de passos do lugar onde estava o instrumento. Num relato um tanto fantasioso, Wulfstan, um monge que viveu em Winchester no fim do sculo X, descreve um gigantesco rgo l instalado que possua quatrocentos tubos controlados por dois teclados, cada qual com vinte teclas, o que representa dez vezes mais tubos do que teclas. Eram neces-srios dois organistas, e o suprimento de ar vinha de vinte e seis foles bombeados

    X

  • por setenta homens corpulentos, "pingando suor e movimentando os braos sem parar... para que o rgo ribombasse como um trovo... abafando qualquer outro som que no fosse o seu". Infelizmente, no restou nenhum desses fabulosos instru-mentos medievais para que pudssemos ns mesmos julgar a qualidade de seu som.

    Os menores tipos de rgo

    Do sculo XIII para diante, ao lado do grande rgo de igreja, desenvolveu-se uma quantidade de tipos menores de rgo que incluem o porttil, o positivo, o regai e o harmnio ou rgo de sala.

    O rgo porttil era suficientemente pequeno para ser carregado pela pessoa que o tocava. Suas teclas estavam de acordo com o tamanho normal dos dedos e eram tocadas com uma das mos, pois a outra ou o brao tinha os foles para cuidar. Havia em geral duas filas de tubos, com uma extenso de duas oitavas (do d central para cima), sendo um tubo para cada nota. Era usado indiferentemente em ambientes internos e externos, como em procisses ou festas ao ar livre. Procure ouvir uma melodia de dana medieval, acompanhada por um pandeiro. Alm da msica, voc ir perceber nitidamente o organista pondo os foles para funcionar.

    O rgo positivo era bem maior que o porttil, mas ainda podia ser transportado de um lado para outro (positivo, no sentido de que era para ser "posto em posio" no cho ou sobre uma mesa). Os tubos maiores deste instrumento aumentavam a extenso das notas na direo do baixo e para cada tecla havia vrios deles, o que fazia da nota uma mistura de diversos sons. O rgo positivo precisava de dois "executantes", um para tocar as notas do teclado e outro para lidar com os foles.

    Procure ouvir o comeo de outra dana medieval, chamada estampie, tocada num rgo positivo, de preferncia a dana que foi uma das primeiras peas ex-pressamente escritas para instrumentos de teclado. Ela provm de um manuscrito incompleto, de duas pginas somente, datado de cerca de 1325, que ficou conhecido

    O compositor cego italiano Francesco Landini (c.1325 -

    1397), famoso por tocar um diminuto rgo porttil.

    (Embaixo) Parte do Fragmento Robertsbridge, datado do sc. XIV ornais antigo dos manuscritos de msica para teclado. A parte de cima (para mo direita) est escrita com notas em forma de losangos, numa pauta de cinco linhas. A parte de baixo (para mo esquerda) est escrita com letras do alfabeto, de a at g. (Direita) Um msico do sc. XV que, ajudado por sua mulher, toca um rgo positivo. (O cachorro parece no ser grande amante de msica.)

    HW

    M 1

  • bibelrgano como "Fragmento de Robertsbridge", pelo fato de sua descoberta estar ligada a um velho registro pertencente Abadia de Robertsbridge, em Sussex. O regai um pequeno rgo porttil que esteve em moda a partir da metade do sculo XV at o sculo XVII. Os seus sons vivos, "rosnados" finos, mas poderosos eram produzidos por palhetas que batiam em tubos muito curtos, chamados ressonadores. Um tipo bastante especial de regai era o bibelrgano. O instrumento, quando fechado, parecia uma enorme bblia; quando aberto e colocado sobre uma mesa, as duas metades do "livro" se transformavam em foles. Procure ouvir a msica de um compositor alemo chamado Baumgartner, tocada num regai. Esta pea sem nome est no Buxheimer Orgelbuch (Livro Buxheimer para rgo), um importante lbum de peas para teclado que data aproximadamente de 1470 (acima, mostramos a msica tal como foi impressa). O harmnio ou rgo de sala uma forma posterior do rgo positivo. Era um instrumento usual nas casas e geralmente vinha acomodado dentro de um armrio, semelhante a um guarda-loua. Procure ouvir parte da pea do compositor ingls Thomas Tallis (cl505-1585), em arranjo de sua autoria, da cano "O Ye Tender Babes" (veja abaixo a partitura da msica). Ela faz parte do Mulliner Book, um lbum de peas para teclado copiado entre 1550 e 1575 pelo organista Thomas Mulliner.

    Um harmnio, ou rgo de sala, do sc. XVII.

  • O rgo de igreja depois

    de 1400

    "Oitava quebrada ou diminuda"

    O mecanismo de um tpico

    rgo de igreja

    Como se faz soar a nota

    Durante o sculo XV, vrias melhorias importantes foram feitas no rgo de igreja. Por volta do final do sculo, quase todos estes instrumentos tinham pelo menos dois manuais com teclas para os dedos, que, agora, estavam menores e muito mais sen-sveis ao toque. Alguns rgos j tinham sido dotados de pedais, o que na Inglaterra, entretanto, s ocorreria j quase no final do sculo XVIII.

    Um dos mais importantes avanos foi a introduo do mecanismo de boto ou puxador para fazer intervir ou cortar fileiras ou jogos inteiros de tubos que cada um dos teclados fazia soar. Assim, em vez da constante mistura de sons produzida pelo rgo medieval, com cada tecla fazendo soar diversos tubos ao mesmo tempo, era agora possvel ao organista, quando ele puxasse os botes apropriados (veja a figura da pgina ff), selecionar apenas os jogos de tubos que produzissem os sons desejados. Igualmente, era-lhe possvel obter certas nuanas de sonoridade, fazendo com que os dois teclados soassem diferentemente.

    At o fim do sculo XVII, os manuais de muitos rgos e tambm dos instrumentos de cordas providos de :eclas continuavam com o desenho de uma oitava quebrada ou diminuda no baixo. No exemplo esquerda, a nota mais baixa, que deveria ser mi, na verdade o d baixo. O f sustenido teria som de r e a tecla do sol sustenido, o som de mi. As teclas restantes soariam as notas como normalmente so ouvidas. A inteno da oitava diminuda era a de economizar espao e despesa, poupando notas que quela poca dificilmente seriam necessrias.

    Faremos agora um exame mais detalhado do modo como funciona um rgo. Na pgina ao lado encontra-se um diagrama (ele no est em escala) que mostra em linhas gerais o corte em perfil de um rgo de igreja, de tamanho no muito pequeno. Os quatro elementos essenciais deste instrumento so: 1. Um reservatrio de vento sob presso constante, obtida por bombeamento

    manual ou eltrico. 2. Diversos jogos de tubos, onde cada tubo corresponde a uma nota. Cada jogo tem

    o seu timbre e h uma gradao no tamanho dos tubos que o compem, de modo a fornecer uma escala de notas completa.

    3. Manuais e pedaleiras (teclados de mo e de p). 4. Registros que determinam quando deve um jogo de tubos soar ou ficar

    silencioso. O organista usa pelo menos em dois sentidos a palavra registro: para referir-se aos puxadores ou botes, ou para indicar os jogos de tubos que esto sob o controle dos botes. No rgo que apresentamos, h trs registros para cada manual e um nico para a pedaleira. Os botes de registro podem ser usados separadamente ou combinando-os uns com os outros.

    Este rgo possui um mecanismo simples, pois movido por tirantes e no atravs de fiaes e contatos eltricos. H tambm um mecanismo de cpula (invisvel no diagrama) que permite tanto acoplar um manual ao outro (para que se toque apenas um deles), como tambm acoplar os manuais pedaleira. Os tubos de cada jogo esto colocados sobre uma caixa chamada someiro. Entre os tubos e o someiro h as rguas de registros, uma para cada jogo de tubos. As rguas se acham ligadas aos registros por alavancas. Assim, sempre que um boto for acionado, a rgua se deslocar para o lado. Os furos ao longo dela alinham-se, neste instante, com as extremidades dos tubos, tornando possvel a entrada de vento nestes. H, no entanto, sob a extremidade de cada tubo, uma tampa ou vlvula dobradia, chamada palheta, que impede o suprimento de ar. Somente quando o organista apertar a tecla que uma srie de varetas, denominadas tirantes, abrir a palheta, deixando que o vento se dirija para o tubo e faa a nota soar. Os tubos dos outros jogos ligados a este teclado permanecem em silncio, uma vez que os furos

  • Diagrama geral mostrando o corte em perfil de um rgo de

    igreja, de tamanho razovel. Ele possui trs registros para cada

    manual (so em nmero de dois) e um nico registro para a peda-

    leira. Ao conjunto de manuais, registros e pedaleira, d-se o

    nome de console. Compare este rgo com o que mostrado

    pg. 18

    (3 jogos de tubos) grande rgo

    H -3

    (5 jogos de tubos) rgo expressivo

    rguas de registros (em preto)

    puxadores ligados s rguas por sistema de alavancas

    manual do rgo expressivo r

    manual do grande rgo i M :

    pedal expressivo

    PCdflera /77777A

    de suas rguas no coincidem com as extremidades deles at que sejam puxados os botes que lhes so correspondentes.

    Registros e tubos Os jogos de tubos so de dois tipos: os de boca ou flautados e os de lingeta ou pa-lhetaria. Os flautados so tubos de madeira ou metal que produzem sons de maneira semelhante aos da flauta doce. Os jogos de lingeta possuem uma palheta batente, isto , uma lingeta curva de metal, que vibra dentro de um ressonador cnico ou cilndrico.

    Alguns tubos de rgo soam na altura "normal", aquela que corresponde exatamente a sua tecla no manual. J outros tm o som uma ou mais oitavas acima ou abaixo do que a altura indicada pelas suas teclas. O registro bsico chamado oito ps de altura, pois o tubo para a nota mais baixa do seu jogo (a nota d) tem oito ps de comprimento. Assim, o registro, cujas notas esto na altura normal, denominado registro de oito ps. Um registro de quatro ps (o do tubo mais baixo, com quatro ps de comprimento) tem o som uma oitava acima do registro bsico; um de 16 ps soa uma oitava abaixo. H ainda registros de dois ps, um p, 32 ps e, em alguns rgos, at de 64 ps (trs oitavas abaixo do registro bsico). Um organista, portanto, quando seleciona determinados registros e aperta uma s tecla, ouve no apenas o som da nota correspondente tecla apertada, mas tambm essa mesma nota duplicada em oitavas, tanto acima, quanto abaixo.

    H outros tipos de registros cujos sons provm de intervalos diferentes, acima da altura de oito ps: so os dos jogos de mutao e os dos jogos de mistura. Um jogo de mutao pode, por exemplo, ter um intervalo de dcima segunda (o de uma oitava e o de uma quinta) acima do registro bsico. Um jogo de mistura tem, para

    \ 14

  • cada tecla, diversos tubos de diferentes tamanhos que produzem vrias alturas acima da nota bsica. Tais jogos no so usados isoladamente, mas combinados com os fortes registros da altura normal cujas notas eles abrilhantam e enriquecem com os seus timbres.

    Os manuais e a pedaleira

    ECO

    SOLO

    EXPRESSIVO

    GRANDE

    CORO Ordem dos teclados em um rgo de cinco manuais

    A variedade de timbres

    Quatro tipos de tubos n

    O rgo mostrado pgina 14 tem dois manuais, mas os rgos maiores podero ter trs ou at mais. Cada manual se acha em conexo com determinados jogos de tubos que formam uma diviso no todo do instrumento, embora, em essncia, apenas uma das partes dessa diviso constitua, por si s, um rgo completo.

    O manual principal, aquele a que est ligado o jogo de tubos mais possante e, consequentemente, tambm o que produz maior volume sonoro, chamado o grande. O segundo em importncia o expressivo, cujos tubos esto encerrados numa caixa que tem um dos lados fechado por persianas. Usando o pedal expressivo, o organista pode tirarefeitos de crescendo ediminuendo, avolumando ou diminuindo aos poucos os sons, enquanto as persianas lentamente se abrem e fecham. Muitos rgos possuem tambm um terceiro manual, denominado rgo positivo (colocado logo abaixo do grande), cujos registros produzem sons mais suaves e doces, prprios para acompanhamento de coro ou para msicas de carter sereno. Um instrumento ainda maior pode comportar o rgo solo, com registros que atendem s finalidades de um canto, talvez com acompanhamento executado num dos outros manuais. E podem, tambm, ter o rgo eco, cujos registros fornecem sons etreos, suaves, que parecem vir de longe. Em muitos rgos modernos, o princpio da caixa expressiva est aplicado no s ao manual propriamente dito expressivo, como tambm a outros manuais; nunca, no entanto, ao grande rgo.

    Alm dos manuais, h, naturalmente, a pedaleira, que tem a mesma disposio de um teclado, com as suas teclas brancas e pretas (veja a figura da pgina 9). O organista toca a pedaleira com os calcanhares e a parte da frente dos ps. Os registros da pedaleira principal so de 16 ps (emitem sons uma oitava abaixo da altura normal), mas a estes podem ser acrescentados outros com diferentes alturas, por exemplo, oito ps, algumas vezes quatro ps e 32 ps, e, em alguns poucos rgos, 64 ps.

    A imensa variedade de timbres (ou cor do som) disponvel num rgo de grandes propores provm dos jogos flautado c de boca e dada pela espcie de material usado na sua fabricao (madeira, metal), pela diferena de presso do vento e pelos formatos e escalas (os dimetros) dos tubos. O mais importante e caracterstico som do rgo vem da tubagem flautada e se chama registro bsico ou diapaso. H dois tipos de registro bsico: o de tubos "abertos" e o de tubos "tapados", estes com uma tampa no seu topo. Isto modifica a qualidade do som e tambm a da altura. O "fecha-mento" de um tubo faz com que a nota soe uma oitava abaixo. O principal registro distribudo pedaleira denominado bordo. Seulubo mais comprido mede somente oito ps; no entanto, se "tapado" emitir um som a uma altura de 16 ps (observe o desenho pgina 14).

    O rgo de grandes propores pode ter 150 registros, ou at mais. Vrios deles emitem sons de outros instrumentos, como o da viola e o dos diversos tipos de flauta (estes dois sados dos jogos flautados), ou ainda o do trompete, do obo e da clarineta (todos trs provenientes dos jogos de boca).

    Tubo tapado Spitzfite Trompete Clarineta Se o organista tocaraomesmo tempo em dois manuais diferentes (cada mo tocando namdT palheteria n u m de les ) , e l e Pde n o S(^ combinar uma enorme gama de sons, como tambm

    fazer contrastes de sonoridades. E, se usar os registros de cpula, ele junta, num nico teclado, dois ou mais manuais, criando uma rica mistura de timbres e, se for o caso, tambm um maior volume sonoro. Os rgos mais modernos costumam ter v

  • pistes que modificam de uma s vez grupos inteiros de registros, o que feito com um ligeiro toque de p ou do polegar para que o fluxo da msica permanea ininterrupto.

    Procure ouvir dois exemplos contrastados de msica de rgo. Primeiro, de Johann Sebastian Bach (1685-1750), cujas composies para rgo incluem tocatas, preldios e fugas, fantasias e preldios-coral, procure ouvir Ich ruf zu dir, Herr Jesu Christ (Eu Vos invoco, Nosso Senhor Jesus Cristo), um preldio-coral escrito para dois manuais e pedaleira. A msica abaixo indica a registrao (a escolha de determinados registros) que o organista selecionou.

    8' Hohl Flute. 4' Lieblich Flute, 2' Piccolo, 2 23 Harmonic Twelfth, 1 3/5 Harmonic Tierce ('^ti.

    MANUAL SOLO (mo direita)

    MANUAL EXPRESSIVO (mo esquerda)

    PEDALEIRA

    rjhH?rfl? 1 tJ cctcj 1

    Pr1

    hm?

  • B A C H [sih la d si tj

    Depois, procure ouvir um trecho da pea de Liszt, Preldio e Fuga sobre B-A-C-H, ou seja, um tema de quatro notas construdo com as letras do nome Bach pela notao alem, e que corresponde s notas si bemol, l, d e si bequadro. Esta msica mostra um pouco da formidvel extenso de um grande rgo, tanto no que se refere altura e ao volume, quanto ao timbre uma extenso sonora que excede a de qualquer outro instrumento.

    Alguns organistas famosos: Lionel Rogg;

    Jennifer Bate; e Peter Hurford

    Exerccio 1 Descreva as principais diferenas entre os quatro tipos de rgo designados nos retngulos abaixo:

    rgo rgo regai rgo de igreja porttil positivo

    regai (c/pedaleira)

    Exerccio 2 1) Explique cada uma dessas palavras que, de certo modo, esto relacionadas ao rgo:

    manual rgua de registro jogo flautado de boca ou palhetaria palheta registrao grande expressivo

    2) Em quantos sentidos pode o organista usar a palavra "registro"?

    Exerccio 3 Descreva alguns dos modos como um organista pode variar os sons produzidos por um grande rgo, no que diz respeito ao timbre, ao volume e altura.

    Exerccio 4 Procure ouvir outra vez o preldio-coral de Bach, Ich ruf zu dir, Herr Jesu Christ, cuja msica est reproduzida pgina 16. 1) Em qual dos manuais o organista toca o canto do coral (na verdade, a melodia de um hino alemo); e em qual toca a figurao do acompanhamento em semicolcheias? Por que o organista no toca estas duas linhas de msica no mesmo manual? 2) As notas do baixo deste preldio-coral so tocadas na pedaleira com um registro de 16 ps. Esto estes sons:

    a) na mesma altura que as notas impressas? b) uma oitava abaixo que as impressas? c) uma oitava acima?

    Exerccio 5 Se possvel, v a uma igreja e marque hora com o organista de l. Observe e oua ao vivo o rgo, procurando perceber um pouco a maneira como funciona este instrumento.

    17

  • Outras msicas de rgo para

    ouvir

    A msica para rgo do sculo XX

    Algumas peas de antigos lbuns de msica para teclado, como Buxheimer Orgelbuch (c.1470) e The Mulliner Book (c.1560) Variaes ou uma das fantasias com efeitos de "eco" do compositor holands Jan Pieterzoon Sweelinck (1562-1621) Arranjos de hinos e diferencias (variaes) sobre melodias populares, pelo compositor cego espanhol Antonio de Cabezon (1510-1560) Uma tocata ou capricho do compositor italiano Frescobaldi (1583-1643) Um preldio e fuga ou um preldio-coral do compositor dinamarqus Dietrich Buxtehude (1637-1707) Bach: preldios e fugas; tocatas e fugas (especialmente a em r menor); Passacaglia e Fuga em D Menor, e preldios-coral, como o Wachet auf, In dulci Jubilo zNun danket alie Gott Hndel: concertos de rgo, especialmente o em f maior, conhecido como "O Cuco e o Rouxinol" e o Opus 4 nQ 6 em si bemol Csar Franck: Pasorale e Pice Hrolque Schumann: Canon em si menor Opus 56 nQ 5 Widor: Tocata da Sinfonia para rgo nQ 5 Reger. Fantasia e Fuga sobre B-A-C-H (sobretudo os dois ltimos minutos e meio da Fantasia, quando se ouvem sons de rgo muito interessantes)

    Vughan Williams: "Rhosymedre" (dos Trs Preldios sobre Melodias do Hino Gals) Poulenc: Concerto para rgo, cordas e tmbale Hindemith: Concerto para rgo (Kammermusik Nr. 7, Op. 46 Nr. 2), especialmente o primeiro movimento Messiaen: Les Corps Glorieux; e as nove meditaes de Natal, chamadas La Nativit du Seigneur Ligeti: Volumina (embora estranha, a sonoridade cheia de surpresas e em geral bela; de fato, tocam trs instrumentistas, dois dos quais meramente com a funo de trocar os registros)', tude N Q 1: "Harmonies" (um estudo com transformaes va-garosas, impalpveis, tanto no que diz respeito altura e harmonia, quanto ao timbre)

    O rgo do Royai Festival Hall, em Londres, construdo por

    Harrison e Harrison (1954). Equipado com quatro manuais e

    103 registros, trata-se de um instrumento avantajado e

    complexo, muito embora, em essncia, constitua a simples multiplicao dos elementos

    bsicos do rgo da pgina 14, tendo apenas a funo dos tirantes substituda por um

    mecanismo "eletropneumtico".

    18

  • 3 A famlia do

    cravo

    Os instrumentos de cordas com teclado que pertencem famlia do cravo so: o virginal, a espineta e, naturalmente, o cravo. Em todos estes instrumentos o som produzido por cordas pinadas, diferente do clavicrdio e do piano, que tm as cordas batidas ou marteladas.

    cravo virginal espineta

    O cravo

    mvel

    cordas

    lamelas cravelhas manual superior manual inferior

    O cravo possui um formato semelhante a uma asa (tal como o piano de cauda), com cordas de metal esticadas frente do executante, formando ngulo reto com o teclado. Os primeiros cravos tinham um s teclado ou manual e uma nica corda para cada nota. J um cravo construdo depois do sculo XVII bem provvel que tenha dois teclados o segundo colocado em nvel mais alto, atrs do primeiro e possvel que apresente tambm dois, trs ou mesmo quatro jogos de cordas completos.

    As cordas so presas s cravelhas que, por sua vez, se acham fixadas no cepo, atrs dos teclados. girando as cravelhas que se afina o instrumento. Cada corda se acha distendida atravs de dois cavaletes (um fixado no cepo e o outro sobreposto tbua de harmonia) e segura por uma aselha que pode estar fixada tanto na extremidade do mvel, pelo lado de dentro, como na tbua de harmonia. Os cavaletes transmitem as vibraes das cordas tbua de harmonia, cuja ressonncia ao mesmo tempo amplia e enriquece a sonoridade.

    teclados

    O cravo foi desenvolvido durante o sculo XV (a primeira meno deste instrumento data de 1397). A ilustrao mostra o mais antigo dos cravos que chegou at nossos dias. Ele tem uma extenso de quatro oitavas e foi fabricado em 1521 por Jerome de Bologna. Encontra-se noVictoria and Albert Museum, Londres.

    19

  • A altura das vrias notas depende do comprimento relativo das cordas, bem como da tenso (esticamento) e da espessura delas:

    quanto mais curta a corda quanto mais fina a corda quanto mais apertada a corda

    mais rapidamente ela vibrar e mais alto soar a nota

    O mecanismo do cravo

    cavalete

    cavalete lamela

    P n corredia lamela diretriz

    tecla

    abafador

    corda palheta

    Na extremidade da tecla, aquela que fica dentro do cravo, h uma rgua de madeira, posta verticalmente, chamada lamela (ou saltarelo). Fixada na cabea desta, encontra-se uma "lingeta" mvel de madeira que projeta a palheta, feita de pena animal ou de pedao de couro pontudo. Quando a tecla est em repouso, uma pea de pano, em geral feltro, chamada abafador, impede a corda de vibrar.

    Quando a tecla apertada, a sua extremidade levanta, tal como uma gangorra, impulsionando para cima a lamela. A palheta, ento, em sua passagem pela corda, pina-a, produzindo as vibraes que do o som da nota. Uma vez a tecla solta, a lamela torna a descer e a lingieta gira sobre o eixo para que a palheta no volte a ferir a corda novamente. Uma pequenina mola retorna a lingeta sua posio vertical. O abafador volta a descansar sobre a corda, "abafando-a" e silenciando a nota.

    O SOm do Cravo Procure ouvir a Gavotte da Quinta Suite Francesa de Bach, tocada em cravo de um s manual.

    No cravo impossvel variar a sonoridade atravs do toque dos dedos (como ocorre no piano e no clavicrdio). O fato de apertar com fora ou de leve as teclas, pouca ou nenhuma diferena faz para um som que gerado pelo pinamento de 4 cordas.

    Entretanto, num grande cravo de dois manuais, os sons fortes ou fracos e uma diversidade de timbres contrastantes so perfeitamente exequveis. Diferentes jogos de lamelas pinando diferentes jogos de palhetas podem, atravs de registros de mo situados acima do teclado ou dos pedais, ser postos em ao. Como mostra a figura ao alto, os jogos de lamelas so dispostos em fileiras, uma atrs da outra, o que torna possvel o controle de trs ou mais lamelas por uma nica tecla. Cada fileira de lamela est engastada numa "lamela diretriz" e numa "lamela corredia" (veja o diagrama). Por meio dos registros de mo ou dos pedais, pode-se trazer para o lado a fileira de cada lamela corredia, levando-a posio de engate para que as palhetas possam ferir as cordas, ou a de desengate, quando a cabea de cada lamela, inclinada ligeiramente, deixa a palheta fora do alcance das cordas.

    20

  • Dessa forma, ao selecionarem-se os registros apropriados, um jogo de cordas, na altura normal (dita "altura oito ps") pode estar sendo tocado no manual de cima, enquanto um jogo de cordas mais curtas, de altura quatro ps (uma oitava acima), est sendo tocado no manual de baixo. (Na altura oito ps, o d central tem o seu som normal; j na altura quatro ps, ao tocar-se a tecla que lhe corresponde o seu som ouvido uma oitava acima.) Em certos cravos, h tambm um jogo de cordas mais compridas, com altura de 16 ps, que soa uma oitava abaixo.

    H ainda outras maneiras de produzir sons contrastantes. A sonoridade mais aveludada e cheia das palhetas de couro pode ser jogada contra a das palhetas de pena, que proporcionam sons bem mais secos. O registro de alade aciona uma fi-leira especial de lamelas cujas palhetas pinam a corda num ponto muito mais pr-ximo do cepo. Isto d uma espcie de som mais anasalado e fino. O registro de "harpa" ou de "bfalo" pe pequeninos chumaos de feltro ou de pele de bfalo em contato com determinado jogo de cordas, abafando-lhes os sons e tirando um efeito de pizzicato surdo. Um registro de "cpula" permite que dois ou mais jogos de lamelas e cordas sejam tocadas num s teclado, de modo a criar sonoridades volu-mosas, fortes e majestticas.

    A pessoa que toca cravo classifica os vrios "timbres", alturas e intensidade sonora de que ela dispe atravs dos registros e pedais. E parte do fascnio deste instrumento est justamente na possibilidade dada ao executante de escolher a registrao adequada para os diferentes trechos de uma pea. Procure ouvir o Minueto da Dcima Suite para Cravo de Hndel. O minueto seguido de trs variaes, duas das quais esto mostradas na partitura reproduzida na pgina seguinte. A registrao escolhida pelo cravista est indicada na msica, ao alto, esquerda.

    Acima, cravo com duplo manual, feito em 1755, Londres, por um dos mais conhe-cidos fabricantes desse instrumento, Jakob Kirckman. A direita, o mesmo cravo, visto de cima. Ele tem trs jogos completos de cordas e quatro jogos de lamelas.

    21

  • George Friderick Hndel (1685-1759)

    M i n u e t o (manual superior, 8' e manual inferior, 8' acoplados)

    i *i J J J. J3J f-f- pp r f f

    J J J , J- ^ JH ry

    Variao 1 (manual superior, 8')

    Variao 3 (manual inferior, 8' + 16' + 4')

    Este cravo pertenceu a Hndel.

    22

  • Voc ver que um grande cravo com dois manuais pode produzir uma sonoridade brilhante, vigorosa e muito variada. Alguns cravistas preferem manter uma s registrao para a msica inteira, a fim de que o contraste, numa suite de danas, por exemplo, s venha a ocorrer entre uma pea e outra. Mas diversos cravistas famosos (como Wanda Lando wska, Fernando Valenti e George Malcolm), que adoram contrastes de volume e timbre, esto a todo instante, do princpio ao fim da pea, trocando a registrao.

    Contudo, um grande cravo, mesmo com toda a gama de volumes e timbres de que dispe, no pode proporcionar a mudana gradual de sonoridade, como possvel obter no piano, atravs exclusivamente do toque de dedos. Toda mudana sonora no cravo s feita de forma escalonada, em degraus claramente definidos que vo produzindo "camadas" contrastantes, medida que o instrumentista v acionando os registros e pedais para engatar ou desengatar os diversos jogos de lamela. Apenas uma exceo, o ltimo dispositivo acrescentado ao instrumento: as "persianas" que mencionamos anteriormente.

    Ornamentos

    Franois Couperin (1668-1733). Ele e outros compositores franceses dos sculos XVII e XVIII, que escreveram msica para cravo como Chambon-nires (1602-1672), Rameau (1683-1764) e Daquin (1694-1672) so conhecidos como "Les Clavecinistes" fclavecin em francs significa cravo).

    Uma vez que a fora com que se toca a tecla no tem nenhuma ou quase nenhuma importncia para os sons do cravo, a acentuao de determinada nota numa frase totalmente impossvel neste instrumento. Alem disso, to logo a nota seja atingida, o seu som j est comeando a desaparecer. Desde cedo, os compositores procuraram, pelo emprego de ornamentos, resolver estes problemas. Como indica a palavra, os ornamentos servem para embelezar a msica; no entanto, no se trata apenas de uma questo de embelezamento, pois os trinados longos servem tambm para sustentar notas que sem eles logo morreriam, e os ornamentos secos e incisivos do tipo de trinados curtos e mordentes vivos (do italiano, significando como uma mordida) do uma impresso de acento e peso s notas que tm mais importncia.

    Procure ouvir a pea denominada La Galante, do cravista e compositor francs Franois Couperin, e preste ateno em alguns efeitos desse tipo que foram obtidos por meio de ornamentos:

    ^ "1

    f s r 1 y \ v r'

    23

  • Domnico Scarlatti (1685-1757)

    Um dos maiores compositores e tambm cravistas de seu tempo foi o italiano Domnico Scarlatti. Ele nasceu em Npoles, em 1685 (no mesmo ano que Bach e Hndel), mas os seus ltimos anos de vida foram passados na Espanha, onde morreu em 1757, na cidade de Madri. Scarlatti comps cerca de 550 sonatas de um s movimento para cravo, todas de forma binria, isto , constitudas de duas partes, cada uma delas geralmente repetida. Procure ouvir a Sonata em L Menor (L429; kl75), na qual se encontram muitas caractersticas do brilhante e vigoroso estilo de Scarlatti. A msica se inicia com uma arrojada ideia baseada num acorde harpejado em l menor, seguido de impemosa escala descendente que passa como o claro de um relmpago (a msica est mostrada abaixo e o trecho indicado pela letra A). Segue-se pouco depois um trecho de acordes dissonantes (letra B). Na segunda parte da sonata, preste ateno s notas repetidas, semelhantes a chilreios de pssaros e passagem tocada com cruzamento de mos (letra C), uma das especialidades de Scarlatti.

    O cravo como Durante o perodo Barroco (1600-1750), o cravo, alm de usado como instrumento "contnuo" s o^0 , t m n a o u t r o importante papel: o de acompanhar no s o canto, como tambm

    outros instrumentos. Uma caracterstica encontrada em quase toda msica de conjunto dessa poca a presena do cravo (por vezes do rgo) como instrumento contnuo, vale dizer, como um instrumento que era tocado "continuamente", do princpio ao fim da pea, de modo que os seus sons completassem as harmonias, ornamentassem a tessitura e, sobretudo, que, atravs deles, fosse mantida a unidade do conjunto. No final do perodo Barroco, o cravo, algumas vezes, se viu elevado condio de instrumento solista nos concertos.

    Cravo versus Durante a segunda metade do sculo XVIII, o piano comeou a rivalizar-se com o Diano cravo em popularidade. Parte da atrao do piano vinha do fato de que, nele, era ^ impossvel ir gradualmente aumentando ou diminuindo a sonoridade. Para combater

    isto, alguns fabricantes de cravo dotaram os seus instrumentos de uma persiana expressiva. Esta se compunha de uma srie de tabuinhas, tal como as venezianas de uma janela, e era colocada sobre as cordas (uma ideia semelhante ao princpio que orientou o manual expressivo dos rgos, veja pgina 15). Por meio do pedal, o cravista podia abrir ou fechar as pequeninas tbuas, de modo a dar a impresso de estar aumentando ou diminuindo o som das cordas. Mas, apesar dessa desesperada tentativa de sobrevivncia do cravo, o piano continuou a venc-lo em popularidade e, por volta de 1810, j reinava absoluto. Durante quase todo o sculo XIX, o cravo esteve esquecido. Entretanto, o sculo XX o vem ressuscitando e, cada vez mais, ouvido o vastssimo repertrio que foi composto para ele no perodo que vai do

    24

  • sculo XV ao XVIII. Diversos compositores de nosso tempo tm escrito obras exclusivamente para cravo, ou onde ele tem uma parte (veja a lista de msicas dada pgina 30). O virginal (em ingls, virginais, pois a palavra usada a maioria das vezes no plural) , na verdade, uma modalidade simplificada do cravo. Sua forma mais comum a oblonga. Possui apenas um teclado situado em algum ponto de um dos seus lados mais compridos, seja mais direita ou mais esquerda, ou mais ao centro.

    As cordas de arameuma para cada notacorrem da esquerda para a direita, mais ou menos paralelas ao teclado, sem formar ngulos retos com este, diferente, portanto, do cravo. Como mostra a fotografia abaixo, as cordas se acham esticadas atravs de dois cavaletes que lhes transmitem as vibraes tbua de harmonia. As cravelhas esto direita. As cordas do baixo, as mais longas, esto colocadas defronte das mais curtas, situadas no fundo do instrumento.

    O virginal

    Vista de cima do virginal fabri-cado por John Losemore, de Exeter. A extenso deste instru-mento vai pouco alm de quatro oitavas.

    O som do virginal As cordas do virginal so pinadas de maneira semelhante s do cravo. Quando uma tecla apertada, uma ripa de madeira, em posio vertical, ou seja, a lamela, locali-zada na outra extremidade da tecla, se levanta dentro do instrumento. Na cabea da lamela se acha fixada a palheta de pena que, ao se mover, pina a corda.

    Procure ouvir o incio da msica denominada " A Hornepype", do compositor ingls Hugh Aston (c. 1485-1558). Ela uma das trs mais antigas peas que se sabe terem sido escritas especialmente para virginal; seu manuscrito data aproximadamente de 1530.

    Um fragmento do manuscrito original (c.1530), mostrando

    o incio da musica "A Hornepype", composta

    por Hugh Aston.

    25

  • Virginal flamengo, fabricado em 1581, por Hans Rckers. Aqui se acham dois instru-mentos em um s, conhecido como "me e

    filho". O "filho", esquerda, pode, tal como uma gaveta, ser puxado para fora e colocado por cima das lamelas que ficam

    na parte de trs do teclado da "me". Assim, quando as teclas da "me" so

    tocadas, suas lamelas puxam para cima as extremidades posteriores das teclas do

    "filho", que soam (uma oitava acima) em conjunto com as da "me". Como

    alternativa, o "filho" pode ser usado sozinho, constituindo-se num instrumento

    inteiramente independente.

    A msica elisabetana para

    virginal

    O virginal se transformou no instrumento mais popular dos lares elisabetanos. Quase todos os compositores da poca que escreveram msica para instrumento de teclado tinham frequentemente o virginal em suas mentes, embora muitas peas fossem tambm tocadas em cravo e outras se mostrassem mais adequadas ao clavi-crdio ou ao rgo.

    Apesar da sonoridade do virginal no ser muito rica e possante, e ser menos variada do que a do cravo, suas notas agudas cintilam como brilhantes e as do baixo podem surpreender pelos sons arredondados e cheios. Compare a sonoridade do virginal com a do cravo na pea denominada Muscadin ou Kempe s Morris, uma popular melodia dos tempos elisabetanos, num arranjo de Giles Farnaby ( c l 565-1640). O comeo da msica est tocado em cravo e o restante em virginal. (William Kempe foi um famoso ator cmico e bailarino que, em 1594, representou ao lado de Shakespeare, diante de Elizabeth I; alguns anos mais tarde, realizou a incrvel proeza de percorrer todo o caminho de Londres a Norwichquase 180 quilmetros danando uma mourisca ou, em ingls, uma morris dance.)

    Uma pgina do Fitzwilliam Virginal Book (ver pg. 27) com a msica Muscadin ou Kempe's

    Morris, de Giles Farnaby.

    . utaiu. ......"... dJWtJk h K , rrzzi...44.:..:...-~-t i -~ jt f ' : ';J

    \" H*- i r .. "h'l **[ ; (*i

  • As trs figuras de proa da msica elisabetana para

    virginal: William Byrd (1543-1623), John Buli (1563-1628) e Orlando Gibbons (1583-1625).

    ~P AR T H E, N I A / or

    J T H E M A Y D E N H E A I ) of -the first musicke th at

    | rfi , {mm tonZJ* ^%f^Q8(

    I"'"'IIIHII1III1|

    Os compositores elisabetanos foram os primeiros a elaborar o que de fato se pode chamar de um estilo de msica para teclado, caracterizado no uso abundante de acordes harpejados, ornamentos secos e incisivos, escalas ligeirssimas e passagens carregadas de virtuosismos. Dentre os muitos lbuns de msica para teclado dessa poca, os principais so: My Ladye Nevells Booke (1591), no qual se acham 42 peas do maior compositor

    elisabetano: William Byrd. The Fitzwilliam Virginal Book (1609-1619), este contendo a maior coleo de

    msicas elisabetanas para teclado. Todas as suas 297 peas foram copiadas a mo por Francis Tregian, da Cornulia. Muitas delas, durante o tempo que passou em Fleet Prison, uma priso de Londres, onde esteve preso por causa de suas crenas religiosas. So muitos os compositores representados neste lbum, mas os principais so: Byrd, Buli, Gibbons e Farnaby. (Na pgina 26 mostramos uma folha do Fitzwilliam Virginal Book)

    Parthenia o primeiro lbum impresso de msicas para virginal. Sua publicao data do final de 1612 ou do incio de 1613.Nele,esto21 peas das trs figuras de proa da msica elisabetana para virginal: Byrd, Buli e Gibbons.

    Cerca de 12 anos aps o aparecimento de Parthenia, um novo lbum de msica para teclado foi publicado com o ttulo de Parthenia In-violata. Todas as peas nele so de compositores annimos e todas incluem uma parte para viola da gamba. Procure ouvir uma das danas deste lbum, um vivaz Coranto (corrente), tocado em virginal com acompanhamento de viola da gamba.

    Uma das formas de composio preferidas dessa poca era a de fazer com que cada parte da msica fosse seguida por uma repetio ornamentada ou por uma variao. {Muscadin ou Kempe s Morris, de Farnaby, mostrada na pgina 26, est composta dessa maneira.) s vezes tambm o compositor era dado a escrever uma srie de variaes sobre uma melodia, que iam gradualmente crescendo de interesse pelo emprego cada vez mais abundante de ornamentos e passagens virtuossticas que saam de uma mo para outra. Procure ouvir as variaes de Byrd sobre uma popular melodia elisabetana, chamada The Carmans Whistle\ a pea se encontra tanto no My Ladye Nevells Booke como no The Fitzwilliam Virginal Book. Como todo o mundo j devia conhecer a melodia, Byrd a reproduz em duas frases somente, a ttulo de lembrete. Seguem-se, ento, nove variaes.

    Variao 1

    27 (etc.)

  • A espineta

    cordas

    lado recurvo

    teclado

    Espineta foi o nome dado na Inglaterra no fim do sculo XVII a um instrumento de teclado, com cordas pinadas, que era uma variante em maior escala do cravo. A espineta possui somente um teclado, um nico jogo de cordas e uma corda para cada nota.

    A tpica espineta a que tem forma de asa, com o lado direito do mvel fa-zendo uma "curva". As cordas correm diagonalmente da esquerda para a direita, for-mando um ngulo de 45 com o teclado. Elas so seguras pelas cravelhas, fixadas no cravelhal, logo acima do teclado, e esticadas atravs de dois cavaletes at as aselhas, que as prendem no lado direito. As lamelas, com suas penas de pinar, esto situadas numa linha imediatamente atrs do cravelhal. As cordas do baixo, na parte de trs do instrumento, so mais compridas do que o teclado, o que d espineta a sua caracterstica forma de "pala de carneiro".

    Uma espineta com a sua forma de asa e lado recurvo, lembran-

    do uma "pata de carneiro". Este instrumento tem uma extenso

    de cinco oitavas e foi fabricado em 1575 por John Harrison, de

    Londres.

    O som da espineta

    A espineta tornou-se extremamente popular na Inglaterra, sobretudo no perodo que vai do final do sculo XVII at as ltimas dcadas do sculo XVIII. Era um instrumento mais barato do que o cravo, alm de tomar bem menos espao nas casas.

    O seu som claro e "argentino", mais semelhante ao do cravo do que ao do virginal. No to "cavernoso" quanto o deste ltimo, pois um de seus cavaletes est montado na tbua da harmonia e o outro fixado no cravelhal. (No virginal, ambos os cavaletes esto montados na tbua da harmonia.)

    Procure ouvir duas peas de Purcell, "A New Scotch Tune" (Uma ria Escocesa) e "March" (Marcha), tocadas numa espineta ingjesa do sculo XVIII. As msicas fazem parte de um lbum chamado Musick's Handmaid que contm 12 peas para serem tocadas em virginal, cravo ou espineta. Damos, logo abaixo, a msica de "A New Scotch Tune":

    Henry Purcell (1659-1695)

    28

  • 2) Descreva como so produzidos os sons nestes trs instrumentos.

    Exerccio 7 Procure ouvir outra vez a pea de Couperin La Galante (pgina 23). Couperin comps esta pequena pea na forma binria:

    Seo A Seo A x v . Seo B Seo B repetida repetida

    Na execuo, o cravista, atravs do emprego de diferentes registros (ver pgina 21), varia a sonoridade, para dar maior interesse pea. Acompanhe a msica e, enquanto estiver ouvindo, anote os lugares onde o cravista:

    (a) usa o registro de "harpa"; (b) acrescenta a altura quatro ps para o timbre revelar-se mais brilhante, com

    as notas ouvidas uma oitava acima.

    Exerccio 8 Muitos dos timbres contrastantes de que dispe um grande cravo so devidos (a) ao material de que feita a palheta e (b) ao lugar na corda em que a palheta a belisca.

    Se voc tiver uma guitarra mo, procure fazer a seguinte experincia, descrevendo os diferentes sons que tirar do instrumento. Fira a corda mais alta com:

    (1) a parte de trs da unha (2) a ponta do polegar (3) uma pena dura (4) uma borracha em forma de cunha

    A) por cima da roseta ou ouvido (B) bem prximo do cavalete (C) bem na parte de baixo do brao

    ou ponto

    29

  • Outras msicas de

    cravo, virginal e espineta para

    ouvir

    Msica para cravo do sculo XX

    A cravista polonesa Wanda Lan-

    Outras peas de antigos lbuns de msica para teclado, como The Fitzwilliam Virginal Book e Parthenia. Tocatas e danas para cravo do compositor italiano Frescobaldi (1583-1643). Algumas peas mais dos "clavecinistes" franceses, como Soeur Monique e Les Moissoneurs (Os Ceifeiros), de Couperin; Tambourin e La Poule (A Galinha),,de Rameau; Le Coucou de Daquin. Danas de algumas suites de Purcell, Bach e Hndel. Bach: Preldios e Fugas do Cravo Bem Temperado ("Os 48"), tocados ao cravo; Variaes Goldberg-, Fantasia Cromtica e Fuga e o Concerto Italiano, e mais ainda os Concertos para cravo e orquestra de cordas. Danas e movimentos de sonatas, tocados em espineta ou cravo, de compositores ingleses como Byrd, William Croft, Thomas Arne. Obras de compositores barrocos nas quais o cravo usado como contnuo.

    Falia: Concerto para cravo, flauta, obo, clarineta e violoncelo (1923-6) Poulenc: Concert Champtre para cravo e orquestra (1927-8) Martin: Concerto para cravo e orquestra de cmara (1935), no qual tambm o piano desempenha uma parte importante. Frank Martin: Concerto para cravo e pequena orquestra (1952) e Petite Symphonie Concertante para harpa, cravo, piano e duas orquestras de corda (1945). John Cage: HPSCHD (1967-9) para de um a sete cravos e de uma a 51 gravaes de computador (na pea se encontram tambm passagens de obras para teclado de compositores como Mozart, Beethoven, Chopin, Schumann e Schoenberg).

    O sm do cravo tem sido muitas vezes amplificado eletronicamente e a ele, com frequncia, se tem dado uma parte nas msicas de fundo para cinema e televiso.

    pessoas que, no sculo XX, restituiu ao cravo a posio que lhe era devida. Inspirados pelas suas arrebatadas interpretaes

    da msica do sculo XVIII, Falia e Poulenc escreveram concertos

    dowska (1879-1959), tocando num cravo moderno, fabricado

    Landowska foi das primeiras pela firma francesa Pleyel.

    especialmente para ela.

    30

  • A A forma do clavicrdio semelhante de uma caixa oblonga, e o seu teclado fica num dos lados mais compridos desta caixa. As cordas de arame vo da esquerda para

    D r J H / i p n r H i f l a c i i r e i t a m a i s o u m e n o s paralelas ao teclado. Elas partem das aselhas, seguem por V^r L i a v l t U l U %J c - m a foias (d0 i a ( j 0 d e e na altura do meio destas) e, depois de passarem

    pelo cavalete e a tbua de harmonia, chegam s aselhas, no lado direito. Perto das aselhas encontram-se tiras de panos, tranadas por entre as cordas.

    Enquanto as cordas do cravo, do virginal e da espineta so pinadas, as do clavicrdio so levemente marteladas ou batidas.

    Vista decima de um clavicrdio de teclado preso, datado apro-

    ximadamente de 1700.

    O mecanismo do Dos instrumentos de teclado, o clavicrdio o que tem a ao ou o mecanismo clavicrdio produtor de som mais simples. Fixada na extremidade de cada tecla, se acha uma

    pequenina lmina de bronze, na vertical, chamada tangente. Quando a tecla abaixada, a sua extremidade oposta se levanta, tal como uma gangorra, fazendo a tangente bater no par de cordas, logo acima. A tangente, at que a tecla seja solta, permanece exercendo presso sobre as cordas.

    Quando a tangente bate contra um par de cordas, ela est, na realidade, "bloqueando-as", do mesmo modo que faz um violinista ao apertar uma corda com o dedo da mo esquerda, para torn-la muda. A tangente divide as cordas em duas sees. O impacto da batida leva uma das sees para a sua direita, ou seja, para um ponto entre ela e o cavalete, onde a corda vibra, produzindo a nota desejada. Contudo, a seo da corda esquerda da tangente no pode vibrar, pois est "abafada" (silenciosa, portanto) pelas tiras de pano. Quando o executante solta a tecla, a tangente cai, interrompendo imediatamente o som, pois, neste instante, as tiras de pano esto amortecendo todo o comprimento da corda.

    31

  • Embora no sejam muito co-nhecidos os dados do clavicr-

    dio no seu passado mais remoto, ele, sem dvida, j existia no princpio do sculo XV. A fo-

    tografia ao lado mostra o mais antigo dos clavicrdios existen-

    tes (mais hexagonal do que oblongo), feito pelo famoso j

    fabricante de instrumentos Do-mnico Pesaro, em 1543.

    O clavicrdio de teclado preso e o

    de teclado livre

    teclado preso

    teclado livre

    O ponto exato onde a tangente atinge o par de cordas determina o comprimento das ondas vibratrias, o que, por sua vez, determina a altura do som. Quanto menor for o comprimento das ondas vibratrias, mais alto ir soar a nota. Devido a esse fato, possvel a duas ou mais teclas, com as suas respectivas tangentes, compartilharem do mesmo par de cordas, fazendo, assim, soar diferentes notas, de acordo com os diferentes pontos atingidos pelas tangentes. Naturalmente, estas notas no podem soar ao mesmo tempo. No entanto, os primeiros fabricantes de clavicrdios trataram de assegurar que apenas as notas separadas por um semitom (por conseguinte, jamais tocadas simultaneamente na msica dessa poca) sassem do mesmo par de cordas.

    Os clavicrdios que tm as suas cordas compartilhadas por duas ou mais teclas so chamados de teclado preso. Aqueles, onde h um par de cordas para cada tecla, so ditos de teclado livre. Os primeiros clavicrdios de teclado livre foram fabricados no fim do sculo XVII, mas os de teclado preso continuaram sendo fabricadosvainda em pleno sculo XVIII. Estes, por terem um nmero reduzido de cordas, eram menores, de fabricao mais barata e mais fceis de ser afinados. O clavicrdio mostrado ao alto desta pgina tem somente 22 pares de cordas, embora possua uma extenso de quatro oitavas, com uma oitava mais curta no baixo (ver pgina 13).

    32

  • O som do clavicrdio

    l i 1 " " " " H . '

    clavicrdio

    Muitas pessoas se surpreendem quando pela primeira vez ouvem o som do cla-vicrdio. Trata-se de uma sonoridade muito caracterstica, lmpida e bela, apesar de demasiadamente fraca e delicada. Se comparado com o cravo, os sons mais fortes do clavicrdio seriam algo pouco mais do que mezzo forte e os mais fracos, pouco mais do que um sussurro. Isso em parte se deve ao fato de ser a distncia que separa as tangentes das cordas muito curta e, em parte, porque os sons resultam de cordas marteladas nos limites de seus comprimentos vibratrios. Procure ouvir um arranjo da cano francesa do sculo XVI, "Tant que vivray" (Enquanto eu viver), primeiro tocado em cravo (cordas pinadas) e depois em clavicrdio (cordas marteladas):

    Pode faltar ao clavicrdio o brilho e a potncia do cravo, mas ele possui umas tantas outras qualidades, pois dentro de sua diminuta extenso sonora, um bom instru-mentista capaz de conseguir as mais sutis nuanas de volume e expressividade. No cravo, impossvel, apenas pelo toque, obter-se uma gradao da sonoridade e do volume. J no clavicrdio, se as teclas forem tocadas com mais brusquido, isso far com que as tangentes batam nas cordas mais forte e velozmente, produzindo sons mais possantes. E se, ao contrrio, as teclas forem abaixadas com suavidade, os sons sairo mais fracos. Sob este aspecto, alm de seus sons serem provenientes de cordas batidas em vez de pinadas, o clavicrdio parente mais prximo do piano do que o cravo.

    A tangente do clavicrdio, enquanto a tecla estiver abaixada, permanece comprimindo o seu par de cordas. Isto faz desse instrumento o nico no qual possvel o contato direto da pessoa que toca com as cordas. De fato, o instrumentista tem a possibilidade de influir no som depois da nota ser ouvida. Este efeito expressivo, exclusivo do clavicrdio, chamado Bebung (palavra alem que sig-nifica "tremido"). Trata-se de um efeito de vibrato, semelhante ao usado pelos violinistas quando desejam dar mais vida e ardor s notas. No clavicrdio, este efeito conseguido fazendo variar muito rapidamente a presso do dedo sobre a tecla, aps a nota ter sido ouvida. Com isso, a tenso da corda sofre alteraes ligeirssimas que geram mnimas variaes um "tremido" ou "ondulado" na altura da nota.

    33

  • "Jovem tocando clavicrdio" (1534), quadro atribudo ao

    pintor flamengo Jan van Hemessen.

    Beethoven sempre associado ao piano quando se trata de msica para teclado certa vez observou que, "dentre todos os instrumentos de teclado, o clavicrdio aquele em que melhor se controla o som e a interpretao expressiva". Naturalmente, a falta de volume e vigor so limitaes que tornam o clavicrdio inadequado a msicas escritas para conjuntos de instrumentos ou para concertos levados em igrejas ou salas muito grandes, onde os seus sons pouco seriam ouvidos. Mas, do sculo XV ao XVIII, sobretudo na Alemanha, ele foi extremamente popular nas casas: ideal para pequenas reunies privadas ou como instrumento de estudos no barulhentos. Tambm foi muito popular entre os organistas, que, frequentemente, o tinham para estudar suas msicas no aconchego do lar, em vez de estarem enfrentando o interior gelado das igrejas.

    Msica para Nenhum compositor antes do sculo XVII escreveu msicas especialmente para clavicrdio clavicrdio, embora seja bem provvel que algumas peas do lbum alemo de

    msica para teclado, datado aproximadamente de 1470 e conhecido como Buxheim Organ Book, tivessem sido mais endereadas ao clavicrdio do que ao rgo. Alm deste, alguns lbuns de msica para teclado do sculo XVI trazem em suas pginas de rosto a indicao de que as peas nele includas so "para rgo, cravo e clavi-crdio". Porm, as msicas de clavicrdio mais tpicas, aquelas que, sem dvida alguma, foram compostas com vistas a este instrumento, so as dos compositores alemes dos sculos XVII e XVIII, especialmente as de Froberger (1616-1667), as de J.S. Bach (1685-1750) e seu filho Carl Philip Emmanuel Bach (1714-1788).

    O Cravo Bem Temperado de J.S. Bach composto de dois volumes de preldios e fugas, s vezes chamado simplesmente "Os 48" pode ter sido escrito para clavicrdio ou para cravo, ou talvez para ambos, ou at mesmo para que certas peas sejam tocadas num deles e outras tantas no outro. O ttulo indicado por Bach em nada ajuda, pois, confusamente, a palavra cia vier (impressa nas pginas de rosto de vrias edies alems do sculo XVIII) tanto pode significar clavicrdio, como simplesmente instrumento de teclado. bem verdade, no entanto, que muitos dos preldios e fugas, especialmente os de carter mais expressivo, ficam muito mais vistosos no clavicrdio do que no cravo. Alm do mais, o executante, devido clareza do instrumento e s maiores possibilidades que ele oferece na obteno de uma dinmica e expresso mais acentuadas, pode distinguir melhor as diversas vozes de uma fuga.

    34

  • Entretanto, com relao s peas compostas por Carl Philip Emmanuel Bach, no h a menor dvida de que foram especialmente escritas para clavicrdio. Procure ouvir a gravao do trecho extrado de sua pea Adeus ao Meu Clavicrdio de Silbermann (Silbermann foi um grande fabricante de clavicrdios daquela poca). A suavidade dos contrastes, os crescendos e diminuendos e os exemplos de Bebung esto em perfeita sintonia com a expressividade e a sensibilidade do clavicrdio.

    L pelo incio do sculo XVIII, o clavicrdio havia cado em desgraa na maioria dos pases. Somente na Alemanha, ao lado do cravo, continuava a manter sua popularidade. No fim do sculo XVIII, porm, todos os dois instrumentos foram

    C.P.E. Bach (1714-1788) desbancados pelo piano. Como o cravo e o virginal, tambm o clavicrdio vem sendo ressuscitado no

    sculo XX. Novos clavicrdios tm sido fabricados e muitos so excelentes cpias dos antigos modelos. Alguns compositores deste sculo tm escrito peas para ele.

    Exerccio 9 Descreva como so produzidos os sons no clavicrdio. Como pode o instrumentista variar a sonoridade que tira deste instrumento?

    Exerccio 10 Explique estas palavras relacionadas ao clavicrdio: (a) tangente (b) tiras de pano (c) Bebung (d) teclado preso e teclado livre

    Exerccio 11 clavicrdio virginal rgo Quais as principais diferenas no modo de produzir os sons nestes trs instrumentos?

    Exerccio 12 Caso disponha de um violo, procure fazer esta experincia: (a) Aperte com firmeza uma corda, logo atrs de um dos trastos mais baixos. Repare no tipo de som emitido pelo instrumento. (b) Continuando com a corda comprimida atrs do mesmo trasto, puxe-a, agora, da maneira normal e no lugar usual.

    1) Qual dos sons (a) ou (b) mais forte? 2) Qual desses dois processos para pr a corda vibrando mais parecido com o mecanismo do clavicrdio e qual guarda maior semelhana com o cravo?

    Exerccio 13 Procure ouvir duas gravaes da abertura de uma pea intitulada Lament Com-posed in London (Lamento Composto em Londres), de Johann Jakob Froberger, compositor alemo do sculo XVIII, que visitou a Inglaterra, primeiramente to-cada num cravo e depois num clavicrdio.

    35

  • Os ttulos de muitas peas dos manuscritos de Froberger esto

    ornados com desenhos dele prprio. Aqui, mostramos uma

    intricada ornamentao que ele imaginou para sua nona Tocata.

    F M * Em qual dos dois instrumentos de teclado cravo ou clavicrdiovoc acha que a pea obteve melhor rendimento? Explique as razes de sua escolha.

    _

    | i s

    - V i = 1 t. j

    C : \ l * * \ ^ ; \ i i ** ! , l< V K '

    ' " ? v . v *' 'f r > > v

    Outras msicas de clavicrdio para ouvir

    Froberger: Suites para Teclado J.S. Bach: alguns dos Preldios e Fugas do Cravo Bem Temperado; Suites Francesas

    (tocadas em clavicrdio por Thurston Dart). C.P.E. Bach: Sonatas, Ronds, Fantasias dos primeiros volumes Fur Kenner und

    Liebhaber (Para Conhecedores e Amadores). Herbert Howells (compositor do sculo XX): peas do Clavicrdio de Lambert.

    36

  • 5 O piano

    O primeiro piano

    Em 1713, Couperin, o famoso compositor e cravista francs, escreveu: "O cravo tem uma perfeita extenso e, por si s, um instrumento brilhante,

    mas j que impossvel fazer crescer ou diminuir a sua sonoridade, ficarei para sempre grato a quem, com infinita arte e bom gosto, contribua para tornar este instrumento capaz de expresso..."

    Talvez estivesse Couperin, aqui, pedindo para que fossem feitas melhorias no cravo j existente, ou at mesmo para que um novo instrumento de teclado fosse inventado. Ou talvez, ento, estivesse meramente expressando sua gratido a algum fabricante de cravo que, atravs exclusivamente de sua arte e talento, faz com que o ouvinte tenha a impresso do cravo como um instrumento realmente capaz de emitir sutis variaes de expresso. Pois, apesar de sua potncia, da preciso de seus ataques e do brilho de sua sonoridade, o cravo no tem condies de, somente pelo toque de dedos, oferecer variaes graduais de sonoridade e volume. Curioso que 15 anos antes de Couperin escrever estas palavras, sem que ele nada soubesse, um novo instrumento de teclado e cordas havia j sido inventado. Um instrumento que combinava o brilho e a potncia do cravo com as qualidades expressivas do clavicrdio e que, no devido tempo, acrescido de algumas melhorias, iria tornar-se no mais popular de todos os instrumentos o instrumento que, hoje em dia, chamamos simplesmente piano (forma abreviada de pianoforte).

    Este, desde 1697, estava inventado por Bartolomeo Cristofori (1655-1731), encarregado da conservao de instrumentos na corte da famlia Medici, cm Florena, Itlia. Por volta de 1700, Cristofori j havia construdo pelo menos um instrumento do novo tipo. Era, ento, chamado gravicembalo col piano e forte ("cravo com piano e forte"). Mas, enquanto no cravo as cordas so pinadas, no instrumento de Cristofori elas so atingidas por martelos cobertos de camura de leve ou fortemente, de acordo com a fora posta no toque da tecla. Isto estava fa-dado a dar ao piano um considervel poder de expresso e a oferecer novas c interessantes possibilidades. No s podia o instrumentista fazer contrastes sbitos entre piano e forte, como tambm lhe era possvel controlar as mltiplas nuanas intermedirias de volume. Os sons podiam ir tornando-se cada vez mais fortes {crescendo) ou mais fracos {diminuendo). Um outro contraste era o do legato (notas

    ( esquerda) O mais antigo dos pianos, fabricado por Cristofori em 1720. (Embaixo) O mecanismo de 1726, j aperfeioado por Cristofori. Quando a tecla (1) com o seu piv abaixada, a outra extremidade levanta, tal como uma gangorra. Com o empurro da lamela (2), a alavanca se ergue, atirando o martelo (3) contra a corda (4). Depois de ricochetear na corda, o martelo seguro pelo atrape (5).

    37

  • sustentadas e uniformes) por oposio ao staccato (notas secas e destacadas). Fora isso, podia ainda o instrumentista, com a mo direita, modelar uma expressiva melodia ao estilo cantabili ("cantado"), enquanto a esquerda fornecia um acom-panhamento sbrio, mas sutilmente colorido.

    A primeira msica O primeiro compositor, pelo que se sabe, a ter escrito peas especificamente para de piano piano foi o italiano Ludovico Giustini (1685-1743). Damos, aqui, o ltimo movi-

    mento da sonata que leva o nQ 9 da srie de Doze Sonatas para Cravo com Piano e Forte, vulgarmente chamado cravo com martelos. A obra data de 1732, um ano depois da morte de Cristofori:

    Observe que Giustini usa trs indicaes de dinmica: for te, piano e pi piano (mais piano). Procure ouvir a gravao desta pea tocada em um piano antigo. Alguns msicos fazem a distino entre pianos modernos e antigos (de chapa de madeira), referindo-se a todo piano fabricado at a primeira metade do sculo XIX como fortepiano (a palavrapianoforte com a inverso dos dois vocbulos que a formam).

    (a)

    O piano moderno

    | (b ) (c) 4 .2 m m 1 m m 0.9 m m (a) Baixo (uma n ica corda g rossa) (b) Tenor (duas cordas) (c) Agudo (trs cordas)

    Cristofori fabricou ao todo mais de vinte pianos e nos seus ltimos modelos j se encontram quase todos os elementos existentes no piano moderno, seja no de cauda (com forma de asa e cordas horizontais), seja no vertical (com cordas verticais). Estes elementos so: 1. As cordas, feitas de ao. Na parte do baixo, para cada nota h apenas uma corda (enrolada com fio de cobre para aumentar a ressonncia). Na extenso do tenor, cada nota possui duas cordas e, nas restantes, so trs cordas para cada uma delas. A altura das notas depende do comprimento relativo, da espessura e da tenso das cordas:

    quanto mais curta a corda quanto mais fina a corda quanto mais apertada a corda

    mais depressa ela ir vibrar e mais alto ir soar a nota

    38

  • 2. O mecanismo produtor de som ou a ao. Este inclui o teclado, os martelos cobertos de feltro e o complicado processo que leva os martelos a bater nas cordas quando so tocadas as teclas. (Tudo isso se acha explicado em maiores detalhes na pgina ao lado.)

    3. A pesada chapa de ferro na qual esto esticadas as cordas, com uma das extremidades presa s cravelhas e a outra s aselhas. (Nos modernos pianos de concerto, a tenso total das cordas chega a trinta toneladas ou 30.480 kg; j nos pianos antigos, pelo fato da tenso no ser to grande, a chapa era de madeira.) 4. Os cavaletes e a tbua de harmonia. Os cavaletes transmitem as vibraes das cordas tbua de harmonia, cuja ressonncia amplia e enriquece a sonoridade. 5. O mvel que encerra todas as peas acima mencionadas. 6. Os pedais que, pgina 40, se acham explicados pormenorizadamente.

    O mecanismo do moderno piano de

    cauda

    Abaixo encontra-se um diagrama mostrando o que acontece quando ouvida uma nota emitida por um piano de cauda. Ao ser a tecla (1) com o seu piv abaixada, a outra extremidade dela ergue o abafador (2), afastando-o da corda (3). Ao mesmo tempo, o piloto (4) empurrado para o alto, acionando um complicado mecanismo. O impacto deste empurro levanta a lamela ou saltarelo (5) que, por sua vez, lana para cima o martelo (6), que vai bater contra a corda.

    39

  • To logo seja a tecla solta, o abafador torna a cair, amortecendo a corda e silenciando, por conseguinte, o som.

    H ainda vrios outros pontos importantes. Para imprimir vibraes cordaseja no caso de uma nota forte ou fraca o sistema de alavancas deve fazer com que o martelo seja atirado contra a corda com uma considervel velocidade muito maior do que a da tecla ao ser abaixada. O martelo, uma vez que tenha atingido a corda e esta tenha comeado a vibrar, deve imediatamente pular para fora dela. Pois, se ele, com o seu revestimento de feltro, permanecer contra a corda, as vibraes (portanto, tambm o som) sero apagadas. O mecanismo que permite ao martelo desobstruir imediatamente a corda mesmo que a tecla continue abaixada se chama escapo.

    O perigo est no fato de que o martelo, para fazer soar uma nota forte, possa, na sua grande velocidade, saltar para fora da corda com tanta fora e isso faz-lo ricochetear e bater acidentalmente uma segunda vez contra a corda. Para impedir tal coisa, existe um amortecedor, chamado atrape (a pea nmero 7, no diagrama visto acima), que se move para frente quando a tecla abaixada e segura o martelo na sua descida.

    O espantoso que esses problemas no s foram percebidos, como ainda resolvidos por Cristofori nos seus ltimos pianos.

    Um problema, no entanto, que existiu nos pianos antigos, foi o de que era muito difcil, ou mesmo impossvel, tocar notas repetidas em grande velocidade, sobretudo se a sonoridade exigida fosse piano. O problema foi resolvido pelo ainda mais complicado mecanismo, conhecido como duplo escapo, inventado em 1821 por Sbastien rard, de Paris. Consistia este em deixar o martelo, depois de ferir a nota, a uma pequena distncia da corda e mante-lo sob total controle da tecla, enquanto ela permanecesse abaixada. O toque das notas repetidas tornou-se, ento, possvel, pois que o duplo escapo permite que se toque repetidamente a mesma tecla deixando-a, de cada vez, subir s um pouco e no at em cima, quando voltaria outra vez a ser abaixada.

    Os pedais

    una corda (pedal surdina) pedal direito

    Um dos mais importantes fatores na tcnica pianstica est reservado ao uso dos pedais. A maioria dos pianos possui dois. O pedal direita denominado pedal direito e, por vezes, erroneamente, "pedal forte". Fazer presso com o p sobre este pedal significa retirar todos os abafadores das cordas. Isso permite que qualquer corda que seja atingida vibre livremente, pois o seu som est sendo sustentado mesmo que a sua tecla correspondente esteja solta enquanto o pedal no for erguido. O uso deste pedal produz ainda outro efeito: quando se retiram os abafadores, algumas outras cordas que no foram

    40

  • tocadas podem "vibrar por simpatia", o que empresta sonoridade uma colorao e riqueza extras.

    Indicaes de pedal na musica de piano J^kft usar o pedal direito

    soltar o pedal direito

    J levar o pedal at o ponto onde termina o colchete

    una corda ou ux. usar a surdina ou (uma corda) o pedal esquerdo ire corde ou t.c. soltar a surdina (trs cordas)

    tutte le corde ou t.c. soltar a surdina (todas as cordas)

    sema pedale sem pedal

    O pedal da esquerda, usado com menos frequncia, chamado una corda (do italiano, "pedal de uma corda") ou pedal surdina ou ainda pedal doce. Fazer presso com o p sobre este pedal significa "matizar" a sonoridade, produzindo qualidades de sons mais doces, surdos e at mesmo mais misteriosos. Nos pianos de cauda, quando se comprime a surdina, isto faz o teclado e todo o mecanismo mover-se ligeiramente para o lado direito, e assim os martelos, agora, podem bater apenas em duas das trs cordas, ou numa nica corda em vez de duas, consequentemente produzindo menor volume sonoro. Nos pianos verticais, isto pode ser obtido por meio de um feltro que se interpe entre os martelos e as cordas, de modo a tornar a sonoridade mais surda ou abafada. Ou ento, fazendo com que todos os martelos fiquem mais prximos das cordas para que seja menor a distncia do percurso deles, o que lhes reduzir a velocidade e a fora e, por conseguinte, haver uma diminuio da sonoridade. Quando o compositor deseja que o pianista use este pedal num determinado trecho da msica, ele escreve debaixo deste una corda ("uma corda"). E quando quer que o pedal seja solto, escreve tre corde ("trs cordas").

    Em determinados pianos, principalmente aqueles fabricados pela firma americana Steinway, h um terceiro pedal, colocado entre os outros dois (veja a ilustrao da pgina 39). Este denominado pedal sostenuto e, ao ser comprimido, mantm os abafadores fora somente daquelas cordas cujas teclas estiverem abaixadas no momento. Os sons destas sero sustentados at que o pedal seja solto, embora todas as demais notas possam ser tocadas sem sofrer os efeitos do pedal sostenuto. Este pedal til quando, por exemplo, uma nota ou um acorde do baixo precisa ser sustentado, enquanto o pianista est com as suas mos ocupadas numa outra parte do teclado, tocando notas que levam pedal da forma usual.

    ( direita) Vista de cima de um piano de concerto, da firma americana Steinway. Mede 2,75m de comprimento e tem uma extenso de sete oitavas e um quarto.

    (Abaixo) Um moderno piano vertical da firma inglesa Broadwood-dp. pianos desde a dcada de 1770.

    -fabricante mvel

    tbua de harmonia

    alto (trs cordas)~| tenor

    (duas cordas) baixo

    (uma s corda)

    cravelhas martelos chapa de ferro mvel

    baixo (uma s corda) tenor (duas cordas)

    alto (trs cordas)

    abafadores

    cravelhas

    una corda (surdina) P^al direito aselhas

    aselhas

    chapa de ferro

    martelos

    teclado

    41

  • O moderno piano O piano vertical, tal como o conhecemos hoje, foi introduzido pela primeira vez por vertical v o l t a d e *800. Suas principais vantagens so a de ser um instrumento mais barato

    e a de ocupar menos espao que um piano de cauda. Logo se tornou popular e foi um mvel comum na maioria das salas de visita das casas do sculo XIX.

    O esquema abaixo mostra o que acontece quando tocada uma nota num

    Quando a tecla (1) abaixada, a sua outra extre-midade levanta e faz inclinar a alavanca em balano (2) (ou wippen*, na terminologia inglesa e alem). Isto ergue a lamela (3), que atinge a base do martelo (4) e lana a cabea (5) deste na direo da corda (6). Ao mesmo tempo, o abafador (7) retirado da corda, que fica livre para vibrar e soar a nota quando o mar-telo atingi-la.

    O martelo bate imediatamente na corda, ricocheteando. O atrape (8), neste instante, vai para a frente e o segura a meio caminho de sua descida, impedindo que ele ricocheteie outra vez sobre a corda, mas, se for o caso, permitindo que a nota seja repetida. Logo que a tecla for solta, o abafador volta a sua posio original, amortecendo as cordas para que o som seja silenciado.

    O progresso do piano

    Nas prximas cinco pginas deste livro iremos enumerar algumas das importantes etapas por que passou o desenvolvimento do piano a comear dos primeiros pianos de Cristofori, at os instrumentos mecnica e musicalmente perfeitos de nossos dias.

    No incio, o piano custou um pouco a firmar-se. Mas, por volta de 1760, C.P.E. Bach, cuja msica para teclado causou grande impacto a Haydn, colocou o piano em termos de igualdade com o cravo e o clavicrdio. E, mais ou menos por essa poca, o seu irmo mais moo, J.C. Bach que exerceu grande influncia no jovem Mozart deu os primeiros concertos pblicos de piano em Londres. Aos poucos, o novo instrumento foi suscitando o interesse das plateias: em parte, devido ao volume e novidade de sua sonoridade, e, em parte, por causa de seu poder de expresso. Era mais possante que o clavicrdio e podia ser tocado junto com outros instrumentos e, com relao ao cravo, tinha muito mais expressividade que este, pois era dotado no s da faculdade de prover crescendos e diminuendos graduais, como tambm podia sustentar muito melhor as notas. Durante muito tempo, as msicas compostas para instrumentos de teclado tinham em suas capas a indicao: "para pianoforte ou cravo". Mas, nos primeiros anos do sculo XIX, o cravo caiu de moda e o piano o substituiu inteiramente.

    Procure ouvir o incio da Sonata em Mi Bemol (Hob. 38), de Haydn, primeiramente tocada num cravo e, em seguida, num fortepiano. Esta uma das seis sonatas que levam na pgina de rosto (mostrada esquerda ao alto da pgina) a indicao "para cravo ou fortepiano". Ao ouvir, observe e compare as caractersti-cas e as possibilidades de um e outro instrumento.

    * Esta palavra pode ser de origem saxnica; significa, em alemo, gangorra, balano ou volteio ou ainda gire rpido.

    42

  • Joseph Haydn (1732-1809)

    O piano de cauda de Haydn

    Fortepiano fabricado por Stein na dcada de 1770

    Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791)

    Embora o piano tivesse sido inventado por um italiano, foram os fabricantes alemes que, com afinco, levaram adiante a ideia desse instrumento. Dentre estes, podemos citar: Gottfried Silbermann, fabricante tambm de rgos, clavicrdios e cravos; o seu aluno, Johann Zumpe; e Johann Andreas Stein, de Viena. Por volta de 1760, as guerras na Alemanha trouxeram diversos fabricantes para a Inglaterra. Um destes foi Johann Zumpe, que fundou uma rendosa firma de pianos em Londres.

    Durante a segunda metade do sculo XVIII, formaram-se duas principais escolas de fabricantes de pianos, que usavam em seus instrumentos tipos diferentes de mecanismos. Estes ficaram conhecidos como mecanismo "ingls" e mecanismo "vienense" ou "alemo".

    No mecanismo vienense, como o de Stein, por exemplo, o martelo era assentado sobre a tecla e o escapo se prendia armao de madeira. No mecanismo ingls, o procedimento era outro: o escapo estava ligado tecla, enquanto todos os braos de martelos se fixavam num travesso contnuo, situado em posio mais elevada. Dois tipos diferentes de sonoridade resultavam desses dois tipos de mecanismo.

    No piano provido com o mecanismo vienense, o teclado era leve e tanto as notas agudas como as baixas se achavam muito bem equilibradas. A batida dos martelos, cobertos de couro fino e, em geral, ocos, estavam em perfeito acordo com a tenso das cordas, fazendo com que o som das notas fosse bem sustentado e produzindo, ao mesmo tempo, uma sonoridade muito lmpida, que era ideal para as tessituras transparentes e luminosas das obras de piano da poca anterior a Beethoven. Mozart ficou encantado com os pianos de Stein, munidos desse mecanismo, como se pode ver em uma carta dele ao seu pai, Leopold Mozart:

    "Quando bato com firmeza na tecla, posso ficar com o meu dedo nela, ou retir-lo, no importa; o som s ir desaparecer quando eu quiser. Qualquer que seja a maneira que eu toque na tecla, o som sai sempre o mesmo. Ele nunca spero, nem muito forte, nem muito fraco e