Roy Lichtenstein, City, Maio Ou Junho 2000

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  • 7/28/2019 Roy Lichtenstein, City, Maio Ou Junho 2000

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    Por Ruth Rosengarten

    oque Roy Lichtenstein partilha comoolhardistante eirnico.em relao i e d a d e c o n t e mum olhar que tudo abrange mas que - para alm damanifesta - tudo recusa comentar. Esta forma de obseirnica edistanciada torna-se uma forma de contemptanto avida como aprpria arte. Estamos perante ap

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    City, Maio ou Junho de 2000

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    Nosanos 60, uma gerao de artistasamericanos, em resposta expressoaltamente emotiva e ao gestualismo expressivo dos Action Painters(expressionistas abstractos) volta-se no para si, no para o "eu", maspara o mundo. E o mundo para o qual olharam encontrava-se cheio deobjectosemblemticosde uma culturade massas- era aquiloqueo RolandBarthes, noutro contexto, denominava de um imprio de signos.Se a gerao anterior tinha encarado a sua obra como a visualizao deum processo - uma viagem interior - os artistas da dcada de 60 pareciamno se importar com a angstia existencial, mas encar-la atravs da lupade representaes jexistentes. E essas representaes pr-existentes estavamcompletamente submetidas cultura visual da sociedade de consumo:logotipos, slogans e emblemas - Lucky Strike, Canada Dry, Coca Cola...(Hoje podia ser Nike, Calvin Klein, Nokia).Ao longo de todo o sculoXX, muitos artistas tm feito aluso nas suasobras cultura popular - basta pensar em Picasso, Braque, Stuart Davies,e, inesperadamente, ar emMondrian e na sua pintura Broadway Boogie-U70ogie. O que era novidade nagerao dos artistas Pop, que incluaAndyWarhol, RoyLichtenstein eTomWesselman, erao estatuto icnico conferidoa objectos comuns em circulao e disponveis no mercado.O crtico ingls, David Sylvester, comenta que a presenado emblema,ou o logotipo, o verdadeiro objecto da Arte Pop. ParaJasper Johns esseemblema era a bandeira americana, para Warhol, a lata de sopaCampbell, as caixas Brillo ou as Divas no imaginrio americano(Marilyn, Jackie, Liz...). Para Roy Lichtenstein, tanto na sua pinturacomo na sua escultura, eram os temas banais da arte comercial, placardsou banda desenhada.Transformar os objectos banais da arte comercial na matria-prima dachamada arte erudita foi um dos objectivos da Arte Pop. Lichtenstein,comWarhol, conseguefazer dessa confluncia uma reflexosobreaprpriaarte, a natureza fugaz e contraditria do objecto de arte, as instituiesque legitimam esses objectos e, por sua vez, as foras de mercado queconfiguram essas instituies. Os dois entenderam os fortes laosexistentes entre a ideia de "vanguarda" e o dinheiro.Quando Andy Warhol pintou a sua primeira lata de sopa Campbelldeixou, visveis na superfcie, uns salpicos: "um artista tem de salpicaras coisas" (I thoughtan artist'sgottadrip) foi o seu comentrio, exprimindoassim a esttica expressionista predominante.Foi quando percebeu que tinha de limpar as superfcies, retirar os salpicos- que podia e devia dar s suas obras o aspecto limpo que simula o dosobjectos produzidos em massa - queWarhol abriu a via que veio a fazerdele um cone do seu tempo.Da mesmamaneira, a apropriao da bandadesenhada feita por Lichtenstein era uma forma de se retirar, de se abstrairda interioridade: o que contava era a imagem, a imagem produzida emmassa, a imagem de grande circulao.Picasso e Braque ApropriadosTrazidapelaFundaoRoyLichtenstein nos Estados Unidos, a exposiodo Centro Cultural de Belm a primeira restrospectiva aps a mortedo pintor em 1997 e a primeira grande mostra da obra do artistarealizada em Portugal. Lichtenstein nasceu em Nova Iorque em 1923.Estudouprimeiro naParsons School ofArt, depois na famosaArt StudentsLeague de Nova Iorque, e mais tarde na Ohio State Universiry, ondecedo revelou interesse por temas da vida contempornea.Nos anos 40, as suas cpias de Picasso e Braque tornaram-se as primeiras

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    roy lichtensteindas suas posteriores apropriaes de obras de grandes mestres da artemoderna. Depois de fazer o servio militar e de estudar por um curtoperodo de tempo em Paris, Lichtenstein regressa a Ohio para completaros estudos, e comeaa trabalharcom basena pinturade gnero americana.Por volta de 50, quando muda para Nova Iorque, Lichtenstein produzassemblages, pinturas e esculturas feitas de madeira, metal e objectosencontrados, tais como parafusos e cabos de berbequins.J em meados dessa mesma dcada, faz uma l itografia a que d o ttulode Ten Do/lar Bill (Nota de Dez Dlares), a sua primeira obra proto-Pop, e, em 1961, o primeiro quadro em que se apropria directamente de um desenho animado (o Rato Mickey) ou de uma pgina debanda desenhada.Poresta altura, comeaa utilizar tintas comerciais, adaptando um processode reproduo mecnica semelhante ao das revistas e jornais, conhecidocomo "pintas Benday" assim como bales com dilogos, retiradosdirectamente da banda desenhada. Pouco depois, comea a criar os seusprimeiros quadros que representam imagens publicitrias de produtosde consumo.Emmeados de 60, Lichtensteinj tinhadigerido uma enorme quantidadede iconografia popular e se virado para os clichs da banda desenhadasentimental, criando uma srie de mulheres assustadas e a chorar, dadasem grande plano. Os bales com dilogos comeam a desaparecer dosseus quadros. Comea, ento, a alargar no s os seus temas como osmeios tcnicos sua disposio, incorporando plstico, plexiglas e metalem algumas das suasobras.At suamorte, em 1997, Lichtensteincontinuoua elaborar com ironia no s o estatuto icnico dos bens de consumo,como a mistificao (e, portanto, o estatuto de cone) da prpria figurado artista.Figuras de cultoO que Roy Lichtenstein percebeu desde muito cedo, to cedo quantoWarhol, era que a preocupao com as figuras de cul to e os cones deconsumoda culturapopular s se tornavarelevante - artisticamente relevante- pela apropriao dos meios de comunicao atravs dos quais eram emprimeiro lugar popularizados. (No coincidncia o facto deWarhol teriniciado a sua vida profissional como artista grfico).Os meios de comunicao - frequentemente estratgias para vender oobjecto em questo - so directos, secos e ostensivamente "neutrais".O que Lichtenstein partilha com Warhol e Tom Wesselman o olhardistante e irnico em relao sociedade contempornea, um olhar quetudo abrangemas que- para almda ironiamanifesta - tudo recusa comentar. Estaforma de observao irnica e distanciadatorna-se uma forma de contemplar notanto a vida como a prpria arte. Estamosperante a primeira gerao de artistas queexamina com seriedade o estatuto dasinstituies artsticas.Enquanto Warhol utilizava meIOs dereproduo mecnicos, Roy Lichtensteinfazia questo de pintarmanualmente, masde uma forma quase maquinal. Indo buscar

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    as suas imagens estratgia de amplificaDa resulta o paradoxo de obras fmanualmente, mas com a aparnciaimagens feitas por um processode reprodmecnico. As silhuetas pretas e limpalettering grfico, as imagens e os textojornais e os pixels visveis tornaram-sferramentas principais do artista. "Intere-me", disse uma vez, "aquilo que em princseria considerado como o pior aspectarte comercial."o pior da arte comercialO quequerdizer o artistacom umaafirmcomo "o pior aspecto da arte comerc"Penso que a tenso entre o que to re cheio de clichs, por um lado, e o facta arte no poder ser de facto assim", expO "rgido e cheio de clichs" encontra-seoposiodirecta ideiadequeo artista expo que lhe vai na alma. O facto de colessas restries - comear com uma imae pint-la como se estivesse a colomecanicamente e no como se fosse mopor impulsos demirgicos de vida intertorna-se uma forma de disciplina. "Einteressado nessa qualidade altamrestritiva da arte", afirma Lichtenstein."qualidadealtamente restritiv' uma quetanto de forma como de contedo: acimtudo, a arte de Lichtenstein baseia-seconvenes gastas, no que que faz um lcomum, um esteretipo.Dar nfase aos esteretipos tantorepresentao, da aparncia, comosentimento - os momentos de graemotividade na banda desenhada - torn-se uma forma de o artista controlar aspintura eescultura. Tal comoWarhol,apra neutralidade conseguida atravs deprocesso de seleco aparentemente impesE a ironia, a banalidade de que imbsen timentalidadeda bandadesenhada, apaduplicada e triplicada quando Lichtensse vira para o Expressionismo Abstractopinceladas angustiadas de K1ine, Momer

    e de Kooning, minando assim (ao ironizar) o culto da espontaneidherica. Produzir um duplo do gesto espontneo descascar a formcontedo e dessacralizar um item de f da prpria arte ocidental. Quauma mancha de tinta reproduzida como se fosse banda desenhademoo colocada distncia e olhada, com ironia, atravs de um fiat ravs de formas de representao previamente existentes.distanciamentoe essa ironia constituem aheranalegadapor Lichtensa muitos pintores dos anos 90.