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RSletras - JORNAL MENSAL DE CULTURA Nº 140 Março / 2014 1 JORNAL DE LETRAS ARTES E CIÊNCIAS RS LETRAS A edição gráfica saiu nos finais de março de 2014 e foi enviada para Assinantes, Centros e Associações Culturais, Casa de Cultura, Órgãos de imprensa, Escritores, Órgãos de comunicação, da nossa Comuni- dade Luso-Brasileira - RS, de língua materna portuguesa Também enviado para Portugal e algumas das ex-colônias portugue- sas de África. No momento enviamos a presente edição eletrônica. O jornal poderá ter ainda outras ou sucessivas emissões, sendo en- viado numa das formas: RSletras - Completo RSletras - Página 1 e Caderno ARTEsul Editor: Dr. António Soares Ano 14 Nº 3 Março 2014 Nº 140 Rua Plácido de Castro-154 Azenha - Porto Alegre/RS - 90.650-070 Contatos: (51) 3072-3444; 3072-3441;afnsoares @yahoo.com.br. Preço: R$ 2,00 Assinatura anual: 40,00 www.rsletras.blogspot.com RSLETRAS Equipe dos jornalistas-escritores responsáveis: ANTONIO SOARES (EDITOR), JOAQUIM MONCKS, SANTA INÉZE DA ROCHA, JOSÉ MOREIRA DA SILVA, ALCIONE SORTICA, RAFAEL BÁN JACOBSEN, CLÁUDIO D´ ALMEIDA, RAÚL MACHADO, FELIPE DAIELLO, ZÉ AUGUSTHO, ALTAYR VENZON ARTESUL cultura - arte - poesia Caderno Rsletras RSletras 140 Março 2014 Coordenação e organização: Santa Inèze da Rocha e Rosane Bastos [email protected] / 8482-1398 R. Plácido de Castro,154 - Porto Alegre/RS - 90.650-070 [email protected] / 3072-3444 Equipe dos jornalistas-escritores responsáveis: ROSANE BASTOS, MARIA LUISA LORSCHEITTER, CERES MARYLISE, CLÁUDIO D’ALMEIDA.

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JORNAL DE LETRAS ARTES E CIÊNCIAS

R S LETRASA edição gráfica saiu nos finais de março de 2014 e foi enviada para

Assinantes, Centros e Associações Culturais, Casa de Cultura, Órgãosde imprensa, Escritores, Órgãos de comunicação, da nossa Comuni-dade Luso-Brasileira - RS, de língua materna portuguesa

Também enviado para Portugal e algumas das ex-colônias portugue-sas de África. No momento enviamos a presente edição eletrônica.

O jornal poderá ter ainda outras ou sucessivas emissões, sendo en-viado numa das formas:

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Coordenação e organização:Santa Inèze da Rocha e Rosane [email protected] / 8482-1398

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Editor: Dr. António SoaresDiretora: Santa Inèze da RochaColaboradores: José Moreira da Sil-va, Alcione Sortica, César Miranda,Rafael Bán Jacobsen, Felipe Daiello,Cláudio d’Almeida

Ano 14Nº 3Março2014Nº 140

Rua Plácido de Castro-154 Azenha - Porto Alegre/RS -- 90.650-070Contatos: (51) 3072-3444; 3072-3441; [email protected]. Preço: R$ 2,00 Assinatura anual: 40,00

RSLETRASwww.edicoescaravela.blogspot.com.br / www.edicoescaravela.com

CERES MARYLISE: POESIA DA SUAVE TERNURA DA INTIMIDADE

EDIÇÕES CARAVELA, a coedição luso-brasileira do livro

Mesmo um leitor, sem pretensões de análiseliterária, ficará surpreso pela força torrencial dasensibilidade que dá vida aos poemas de CeresMarylise. Já desde o nascimento da espiritualidadegrega, se diz que a poesia é sentimento, expressãoíntima da vida. A obra Atalhos e descaminhos, queanalisamos, de Ceres Marylise, outra coisa não diz.

Impressiona a leitura de poemas como “Tuascores” por aquele dizer que, a um tempo, despa-lavriza a palavra e jorra ondas de significados: “Na-da entendo de pinturas abstratas/ mas as tuas/ sãotua alma, são teu tempo, são só tuas,/ são teuspróprios sentimentos, isso sim”! O que permiteconcluir que um poeta, ao ser bafejado pela espi-ritualidade da inspiração, torna-se o seu próprio dizerpoético, único, original, íntimo.

HUMANIDADE E DOÇURAFilio-me à vertente de que a possessão amorosa é um espécime do egocentrismo, manifestando-se através do

egoísmo e das frustrações, o qual produz atos deploráveis e por vezes até agressivos entre os enamorados. Por estarazão, o estudo dedicado e a pesquisa sobre a poética e o lirismo me permitem chegar à conclusão que o poema temde ser um exemplar pejado de confraternidade - que é o exercício espiritual de amar o semelhante - mesmo que odesejo (e as setas de cupido) leve-nos ao amor com a libido em alta dose e torne confuso este entendimento para sechegar a uma conduta coerente. E é esta confraternidade que vivifica e dimensiona a relação humana de convivên-cia. A poesia é a sua voz altissonante, naturalmente codificada e prenhe de humanidades, como temos exemplar-mente no jovem poeta Castro Alves (que morre aos 24 anos), tanto na chamada "lira antiescravagista" como emsua poética do “eu e tu”, que retrata os inocentes e pueris jogos do amar, segundo os costumes de meados doséculo XIX. A poética, em seu invólucro formal - sua indumentária de apresentação pública - nunca é tátil, palpável,

porque palavra alojada nas nuvens, no etéreo. Todavia, é o mais alto convite ao exercício do amar como proposta sensitiva. Boca sequiosa queexprime e expõe o coração da máquina de dizer o viver com a doçura e os zelosos cuidados urdidos pela condição humana, quando pretendea felicidade como bem de ocasião. Esta donzela esquiva que não permite apossamentos perenes...

Dispor as coisas de modo que, ao sair a edição do li-vro em Porto Alegre, aconteça a edição do mesmo emLisboa. Fatores colaborando: a mesma língua, escritaunificada, ortografia conforme o acordo. Então que a obracircule, seja divulgada, seja vista, lida e aceita. Que os lei-tores-receptores e autores entrem em campo, queiram co-nhecer-se, trocar correspondência.

Esse plano co-editorial foi motivado pela obra poetasgeminados que pari passu inclui poetas gaúchos (Anto-nio Soares, César Pereira, Joaquim Moncks, Jaime VazBrasil e Raul Machado) e poetas açorianos (Judite Jorge,Luisa Ribeiro, José Maria Carreiro, Mário T. Cabral, Urba-no Bettencourt). Na Feira do Livro-59 de Porto Alegre ti-vemos a presença de Mario T. Cabral e Judite Jorge e asconvivência e muita amizade deles com os poetas Joa-quim Moncks, Antonio Soares, Raúl Machado. No contex-

“Dança do ventre”, outro poema surpreendente, fir-ma-se numa forma sinuosa de tecer discurso que fazvisualizar as palavras dançando como se dançarinasfossem. Um outro poema, de título “Abdução”, fascinaaqui aquele velho desejo prometeico do desejo sem fim.Poeta Ceres Marylise revela-se como poeta de altomerecimento.

Suas bases culturais lhe abalizam potencialidadescapazes de muita realização poética. Professora uni-versitária de longa carreira, colaboradora das melhoresrevistas da lus ofonia, textos sobejos de poes iaamplamente divulgados. Em “Poetas do Brasil” (ediçãoBacca 2013), a maior e melhor antologia anual de poesiade língua luso-brasileira, o nome de Ceres Mary-lisefigura nas vertentes da poesia. (RS)

a crônica literária de Joaquim Moncks

to encontros e convivência com outros escritores.Agora estamos elaborando a obra Lisboa-Porto Ale-

gre: contistas geminados. Já assegurada a presençagaúcha de Jane Tutikian, Paulo Freitas, Rafael BanJacobsen e José Eduardo Degrazia.

O plano da Coedição Luso-Brasileira que envolveautores, escritores, e sobretudo distribuidores e livrari-as de ponta caminha para a fi rmeza defin itiva daeditoração e ampla distribuição já em vias plenas deoperacionalização. O imenso espaço de nossa língualuso-brasileira para muita coisa se presta.

Dois aliados e obreiros em campo: João Frada, au-tor e editor de Portugal; Walter Montalvão formando oplano da distribuição.

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GLENIO nasceu artista, elevado ao extremo dascores e ao bombardeio de um verdadeiro colorista daluz, do êxtase da claridão e dos contrastes expres-sionistas genuinamente alemães do inicio do séculoxx, sempre talhados pela estética tributária de um

jovem gravurista do clube de Bagé, ainda até ontem, operário da dor edo prazer plasticista de pintar. Bianchetti, filho composto da gênesefeiticeira do grande modernismo brasileiro e batizado nas fontes deáguas profundas de Portinari e O. Goeldi. Glenio Bianchetti, homemfiel às raízes da Bagé de um rincão gaúcho naturalmente universal,adotado pelas desesquinadas ruas de Brasília, onde viveu por muitotempo como professor da UNB, pintando seus brancos de diferentesmatizes, ver sua VIA SACRA, doada para a capela SANTA TERESA emBagé, que celebra a culposa doloridão do mundo, revelando amarelossolares, lilases e ocres dialogantemente poéticos com azuis dramáticose vibrantes, só vistos no céu de sua singularidade superior, de mestrevisionário. Agora imortal. E pela lógica da sua vida e dos sentidos dequem vê sua obra, somos condenados pois a jejuar para sempre, dovazio que está posto atrás da cor... Cintilografada em estado clínicopor cada novo olhar.

ZÉ AUGUSTHO MARQUESPoeta e crítico de arte das rev istas DARTIS de artes plásticas e CAOSÓTICA rev ista de

artes e ciências. Escreve para os jornais RSLETRAS e FALA BRASIL DE CULTURA.www.zepoesia.blogspot.com F: 84230616

Nora Costa

ANOITECE

Anoiteceos lampiões a gásda noiteadormecidaem teu olhar

Lágrimanos olhosdo poetao azulda meninaque envelheceu

ALDRAVIA - Uma nova forma de poesia A crônica de Alcione Sortica

Ela preencheu seus primeiros espaços literários lá em Mariana, Minas Gerais, pelosidos recentes de dezembro de 2010. E nesse curto período de existência vem encantan-do pela suavidade, simplicidade e beleza. Estamos nos referindo à aldravia, uma novaforma de poesia, no bom estilo mineiro.

Os criadores são os poetas do Movimento Aldravista: Andreia Donadon Leal, Gabriel Bicalho, J.S.Ferreirae J.B.Donadon Leal.

Os poemas são compostos por seis versos univocabulares, numa bela formação de termos empilhados,cuja essência é o máximo de poesia com um mínimo de palavras.

O primeiro livro das aldravias reúne trabalhos de 51 poetas, membros fundadores da Sociedade Brasilei-ra dos Poetas Aldravianistas e teve sua edição em 2012. Já o Livro II das Aldravias, contendo 1569 textos,foi editado em 2013, bilíngue português/espanhol, com a participação de 66 poetas do Brasil e do Exterior:Espanha, França e Portugal e com lançamento em Espanha e Portugal no mês de abril de 2014.

Entre os poetas aldravianistas gaúchos, de nascimento ou de morada, encontramos Ilda Maria CostaBrasil, Izabel Eri Camargo, Maria da Glória Jesus de Oliveira, Odone Antônio Silveira Neves, Juçara Valverde,Terezinha Rossarolla, Eugênia de Camargo, Juraci Martins, Marcos Vanderlei de Oliveira e, mais recente-mente, Zélia Dendena Sampaio.

Da minha lavra, algumas amostras, com versão para o espanhol:

abençoadamãojogandosementesnochão lembranças

esaudadessãovelhascomadres

arroyosrioschiquilleríasaltandosobrepiedras

riachosrioscriançascabriolandonaspedras bendita

manolanzandosemillasalcampo

recuerdosynostalgiassonviejascomadres

* Membro Correspondente da Sociedade Brasileira dos Poetas Aldravianistas - SBPA. Escritor Alcione Sortica- Contista, cronista e poeta, Vice-Governador da Representação Estadual do Rio Grande do Sul da AssociaçãoInternacional Poetas Del Mundo. w w w.alcionesortica.com

Não há castelos e nem segredospor onde andam os caracóis.São trilhas lúcidasde um luar que escorre;os pés lentos de tanto sono

- quem dirá o caminho se cor não há?

Teu dorso é musgo sem febre;teu mundo, um círculo abertocoroado de l iquens e folhas nuas.

Rasteja um corpo cego que,aos milhares, é um só.

Se a noite é travo, se o rumo dança,é porque tuas casas, abandonadas,deixaram de acompanhar a sorte

e agora cobram sua vingançade tabernáculo esquecido.

Não há céu e nem salinaspor onde andam os caracóis.

Existe sede e um veio de mel e pólen que não é teu.

02/03/2014

Canção para ninar caracóis, poema de rafael Bán Jacobsen

UM POETA DA COR

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UMA PONTE PARA O NADATania Rossi30/04/2013

A noi te de lua cheia sem pre im press ionouEugênia. Aquela lua de outono, sempre mais brilhanteque das outras es tações, de ixava nela aquelasensação de nada ter criado. Aquela angústia do nada

ser diante da grandiosidade que só a natureza pode entregar àquelesque têm olhos de ver.

Pegou aquele trem de poltronas aconchegantes. O odor do courotrabalhado e ali a serviço dos viajantes, durante tantos anos, trazia-lherecordações da viagem que fizera ao atravessar os Alpes.

Agora, enrolada em seu manteau de pura lã argentina, seguia pararever seu velho amigo, já com idade avançada.

Morador de recantos do mundo, os mais exóticos e solitários, Hugodemonstrara sempre aquela queda pelas coisas vividas, mas nãoexplicadas.

Eugênia teve sono. Dormiu. Acordou. Tornou a dormir. Então, sentiuque pelos malabarismos do olfato, suas narinas se dilataram, quandoinstintivamente recolhera, com sofreguidão, o aroma do café que ofuncionário havia colocado em sua pequena e aconchegante cabine.

O cheiro da poltrona de couro ficou esmaecido, dando lugar ao aromado café com bolinhos macios, cheirando à canela moída.

Olhou pela janela do trem. O dia estava acordando, que nem ela. Aravina umedecida pelo orvalho, deixou gotículas na ponta dos seixos àbeira da estrada.

Sentiu-se disposta. Só então lembrou o velho amigo. Será que oencontraria ainda com vida?

Na estação, pouco tempo depois e já de mala em punho, caminhoupara fora, em busca de um transporte que a levasse até a vila onde seabrigava Hugo.

O frio era intenso. Pelos caminhos, a geada cobria parte da vege-tação. Aconchegou seu gorro de peles junto aos ouvidos, encantadospelo sons da natureza vibrante que se descortinava pelos arredores.

Finalmente avistou, ao longe, o rústico sobrado. Avermelhado comogoiabas maduras. Poucas janelas, somente as essenciais para que onegror da noite não fizesse morada por longas horas dentro da casa,quase sem móveis.

Conhecia-a por fotografia. Nunca tinha estado lá.Pediu que o táxi parasse junto à margem do pequeno rio. Águas

muito azuis. Ao descer, despediu-se do motorista, alegando que nãoprecisaria esperar. Ela voltaria bem mais tarde.

Caminhou pela margem oposta da casa. Batia palmas, na espe-rança de ser ouvida. A velha ponte estava quebrada. A correnteza levoujustamente o elo que a levaria para junto do solitário amigo.

A porta do sobrado cor de goiaba estava fechada. Da pequenachaminé nem sinal de fumaça. Será que o café de Hugo estava frio?

O telhado coberto com palhas que ela desconhecia, por certoaqueceu a velha casa por anos a fio. Já fazia bastante tempo que eleresolvera mudar-se para este fim de mundo.

Apesar da manhã já estar em harmonia com a claridade da lua,que teim ava em permanecer para os lados da casa, Eugêniaestranhou o silêncio, apenas quebrado pelo suave marulhar da águado rio, por debaixo da ponte quebrada.

Artista plástico, desde a adolescência, Hugo não perdeu o hábitode usar pincéis, telas, tintas e, por certo, esteve na véspera ali, dooutro lado da ponte. Seu cavalete o denunciava.

As cortinas brancas das duas únicas janelas, davam um aspectode lar àquela casa silenciosa. Será que ele ainda dormia?

Bateu palmas novamente. E novamente mais palmas.Eugênia começou a correr pelas margens. Agora gritava o nome

de Hugo. Até os pequenos pássaros que viu pela estrada haviamdesaparecido. Sonolentos talvez?

Ali não havia farra de cigarras. Não havia algazarra de pardais.Apenas o rio. Uma porta fechada. E uma ponte para o nada.

TRÊS LIVROS NOVOS

Mas, meu Deus, para que serve a poesiaQue nos alcança um dia de repenteCom gosto de perfumes coloridos?

Versos estes que valem por muita apreciação,textos de abas e muitos desses prefácios que sefazem sem entendimento da obra. Um dos temasou trilhas de efetivação recai na forma de acentu-ar o sentimento da poesia. Esta é como uma rea-lidade ou entidade que chega ou ocorre, promoveou eleva e muito espiritualiza o homem. A poesiachega ou alcança o homem com gosto de perfu-mes coloridos mas tambem faz repetir o espaçoazul e verde da música ou cantar e comandar ohomem. A voz poética de Fulvia Moreto configura-se na força inevitável da sensibilidade - toda a sen-sibilidade que eleva e encanta.

IMAGENS DO CORAÇÃO, valem como tra-dução de regards avec le coeur. Seja assim.O autor, bom escritor português, emigrou jo-vem adulto para Québec e, uma mão na ferra-menta e outra na caneta, escreve, forma-se naUniversidade, publica poemas em revistas, edi-ta livros, integra-se no Circulo de Poesia deMontérégie de Québec onde fixa pouso defi-nitivo. Como vive no Canadá escreveu origi-nariamente os poemas em francês mas logoos traduz para português.A obra é trilingue: portugu-ês, francês e castelhano.Os poemas fortes e chei-os de vida e energia. O rit-mo, bem distribuído, logoindicia do poder poéticode quem com a mesma fa-cilidade faz um poema realou um soneto.

Um lindo romance queJ. P. da Fontoura escrevepara retratar a chegada e fi-xação dos açorianos nasterras de Taquary, a cidadeque se preza de ser “cida-de açoriana”. Motivos pessoais também contaram.Esses açorianos focalizados são nada mais queos antepassados do autor que vieram de Flores,uma das nove ilhas açorianas.

Os protogonistas - Pedro e Joana - servem desuporte e veículo para o que autor quer dizer esgnificar.

Aprende-se muito lendo o romance, mesmo quea obra, como afirma o autor, não pretenda dar li-ções de história. Mas a história lhe confirma a cer-teza de que fez um bom romance.

A obra vale ainda muito pela coragem do autorem retomar um tema que só nos últimos anos en-trou em moda. Um romance histórico que retrataa saga dos casais açorianos que, de tão longe na-vegaram por mares bravos e sonorosos....

DAI VELAS AOSLARGOS VENTOS de J. P. da Fontoura

REGARDS AVEC LE COEURimagens do coração

obra trilingue de Laureano Soares

POESIA, de Fúlvia Moretto

A obra Poesia, embora deproporções modestas, valecomo um grande livro.Seus poemas são produtode muita ação e experiên-cia. Os primeiros versos doprimeiro poema, repetidosna contracapa, rezam:

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CASA DO POETA RIOGRANDENSE - 24 Altayr VenzonResponsável:

radialistae jornalista

ARI 662

Edição de MarçoInformações sobre a Antologia da Casa do Poeta Rio-Grandense - 2014 (50 anos)

ligar para Altayr: (51) 3346-1224 e (51) 9964-4406

O que Erico Verissimo representoupara a literatura gaúcha no romance épi-co, Moacyr Scliar representou no planomágico, f iccionista capaz de arrancar ofantástico em centelhas, às vezes até doaborrecido cotidiano. Primava pela me-mór ia da imaginação. Dentro de umaperspectiva muito singular, carregou suacriação de humor ferino, doído, às ve-zes hilariante, como se o tivesse busca-do de ancestrais, nas raízes mais fun-das do ser judeu, seguindo a linhahebraica dos grandes escritores contem-porâneos. Estilo peculiar, direto de ver omundo, irmão de Kafka, catalogou suasmetamorfoses, extraindo sempre o pre-cioso, o inesperado, o escondido gritodas coisas. Prêmio Jabuti várias vezes,Casa de las Américas de Cuba, um dosautores mais traduzidos no exterior, co-locou O centauro no jardim entre os cemmaiores livros judaicos em duzentos anosde literatura no mundo.

Tive a honra de saudá-lo, quando desua entrada na Casa de Machado, emoutubro de 2003, e um de seus pedidos,pois se pautava na simplicidade, foi o deque não me alongasse fora desse prin-cípio. E lhe respondi que diante de suaobra complexa, seria o mais simples quepudesse, ainda que buscasse o milagre.Autor de obras-primas - O exército de umhomem só, O centauro no jardim, O car-naval dos animais, Eu vos abraço, milhões(sua despedida), era cordial, franco, cui-dadoso e gentil no falar, no comer, fru-gal durante o chá da Academia, dando-me sempre notícias novas do pampa,onde residia e nunca abandonou, ape-sar da sua atividade impressionante,entre conferências e mesas-redondas no

país e nos Estados Unidos, ou na Eu-ropa. Brincava comigo nas conversas,nas dedicatórias, gestos, cartas, con-ferênc ias em que partilhávamos oespaco. Pois viemos do mesmo pampa,viemos da mesma infância, quando mo-rei no bairro do Bom Fim. Reli o queescreveu no pórtico de alguns livrosseus, em letra dara, diferente de tantoscolegas médicos, que imitavam a.escritaegípcia que Champollion teve que de-cifrar: senti a cordial delicadeza, a ca-pacidade difícil de admirar. Tudo o queera da Academia, tinha seu particularinteresse. Também o que era do RioGrande. Preocupava-se com a saúdedos confrades. O que Carlos HeitorCony lembrou numa crônica pungente.Em sessão da Casa de Machado, ad-vertiu sobre a importância da vacinacontra a gripe. Inventivo, Solidário,humaníssimo, jamais fugindo do encon-tro com os leitores. Além de haver guar-dado o sortilégio de viver e também mor-rer na terra do Rio Grande. De viagem

ELDA CORRÊA BARLEM

AIRTON SENNAJovem nascidoEm berço douradoAstro universalmenteCom grandiosa mente

Partiu com grandeVelocidade, assim viveuTambém com grande bondadeCorrendo sempre com velocidade

Foi num dia fatídicoQue o Brasil parouParou e o mundo chorouPorque Airton não voltou

O astro maior subiuNuma corrida longaNuma corrida astralAssim nos deixou

em viagem, como um Ashaveruserroso, com palavra cativante, mos-trava, em vez das palestras eruditas,sua arte esplêndida de contador dehistórias que a todos emocionava.Mas foi a eternidade, sim, que ganhoueste proceloso inventor de persona-gens, este privilegiado contador dehistórias , que será aproveitado deuma nuvem a outra, como no seu con-to “Navio fantasma", a andar no es-pesso nevoeiro, até chegar em Casa.Repito o que disse sobre ele na mi-nha História da Literatura Brasileira(Ed. Leya, SP 2ª ed.): “Moacyr Scliar,com sua palavra humana, simples,ágil, plasmou uma revolução pessoalna f icção contemporânea, de dentropara fora. Pousando a imaginaçãotransfiguradora nos aspectos sutis,atônitos ou astuciosos dos seres e domundo, na descoberta de frestas daalma humana, que lhe são peculia-res. Sua obra é a história do homem,que, acordado para dentro, de repen-te se ilumina".

* Da Academia Brasileira de Letras

UM INVENTOR DE PERSONAGENSQUE A ETERNIDADE GANHOU CARLOS NEJAR*

ALMOÇO DOS ASSOCIADOS E SIM-PATIZANTES: restaurante prato dodia, rua joão alfredo nº 199, largoda epatur, cidade baixa, todos osprimeiros sábados do mês.

Próximos almoços: 3 de maio; 7 de ju-nho; 5 do julho; 2 de agosto; 6 de setem-bro; 4 de outubro; 8 de novembro e 6 dedezembro.VIOLÃO: SILFARNEI ALVES, apresen-tação JANETE SESSIM; Colaboradorasespeci ais: ILMA ALMEIDA E TANIAMAICÁ. Teclado: ADÃO MADRUGA.

CASA DO POETA RIO-GRANDENSE. EVENTOS:CAFÉZINHO POÉTICO. todas as primei-ras quintas-feiras do mês. às 22,30 ho-ras, no restaurante e churrascaria porto,avenida desembargador andré da rocha,187, ao lado da escadaria da duque parabaixo.Violão:PROFESSOR MASSA-RETTI. Cantores, cantoras e declama-dores.

Próximos ev entos: 08 de maio; 05 dejunho; 03 de julho; 07 de agosto; 04 desetembro; 02 de outubro; 06 de novem-bro; 04 de dezembro.

ANTOLOGIA 2014. 50º Aniversário.TEXTOS DE POESIAS E PROSAS.Remeter para ALTAYR VENZON, DonaLaura, nº 35, cep 90430.091, a Editoraserá CARAVELA, lançamento na FEI-RA DO LIVRO, Valor por página, a pri-meira 100 reais, a segunda ou mais 60,a terceira e seguintes mais 30,00. PA-GAMENTOS NA AGÊNCIA BANRISULCONTA DA CASA DO POETA, ou nadiretoria com o Presidente Altayr medi-ante recibo.

EXPOESIA 2014. Contatos com a Di-retoria, local e data a serem anuncia-dos.

André Venzon será o coordenador de expoesia 2014 da Casa do Poeta Rio Grandense.Ele é o atual dirigente do Museu de Arte Contemporânea. Contará com a participação dacuradora de Artes Plásticas Dilva Camargo e com a ativista cultural Marinês Bonacina

DOIS MOMENTOS DO MAC

Jô do Suzan, que soltou a voz com entusiasmo, eElisandro Verdum, no cavaco, foram aplaudidos comos outros participantes do grupo Samba do lrajá.

André Venzon contou com Morena Santos para coordenar umaanimada comemoração dos 22 anos de atividade do Museu de ArteContemporânea. Convidaram o grupo Samba do Irajá, que propor-cionou uma roda de samba com entusiasmo e alegria, movimen-tando a Casa de Cultura Mario Quintana. Instalados na Travessados Cataventos, os músicos deram seu recado, reunindo muitosinteressados. Jô de Souza soltou a voz e todos acompanharam.

Para marcar o início das comemorações da semana do aniversáriode Porto AIegre, o Museu de Arte Contemporânea homenageia a capi-tal nesta sexta-feira com duas mostras. Em “A Galeria dos Caminhosque se Bifurcam”, Bruno Borne apresenta suas instalações; e FernandaValadares mostra suas pinturas em “Na Adega Evaporada”.

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DUBLIN DE OSCAR WILDE, por Felipe Daiello

palavras são mal interpretadas, haveria maissilêncio neste mundo”.

“Escolho os meus amigos pela cara lavada ealma exposta”:

Junto ao mármore de sua estátua, em Dublin,além do sorriso irônico o que nos encanta são assuas expressões gravadas na negra pedra, paraa eternidade:

Nos assuntos muito sérios, o essencial é oestilo, não a sinceridade.

Uma ideia que não é perigosa, não merece nemmesmo ser chamada de ideia.

A verdade pura e simples é raramente pura enunca simples.

Não há outro jeito de livrar-se de uma tentaçãoa não ser sucumbindo a ela.

Se você resistir, a sua alma adoecerá dese-jando aquelas coisas que lhe foram recusadas.

As mulheres estragam qualquer romance, comessa mania de querer que eles durem parasempre.

Oscar Wilde

Nascido em Dublin,Oscar Fingal O’ Fhah-ertie Wills Wilde, escri-tor irlandês, autor de “ORetrato de Dorian Gray,torna-se um dos maio-res dramaturgos emLondres ao f inal do sé-culo XIX.

“A vida é muito importante para ser levada asério”.

Circular pela atual Dublin é recordar as frasesdo grande pensador. Tarefa agradável, mas exigetempo e paciência.

“A ambição é o último recurso do fracassado”.A Ir landa sempre foi berço para grandes

literatos e produziu quatro prêmios Nobel de Lite-ratura. Apesar do prestígio mundial, Oscar Wildee James Joyce não receberam o galardão emEstocolmo. Circular à noite pelos pubs, seguindoa velha tradição, degustando a Guiness escura,contagiado pela alegria da música e da dançairlandesa, possibilita recriar e imaginar a atmosferade velha Dublin que tanto inspirou Oscar Wilde.

“A melhor maneira de começar uma amizadeé com uma boa gargalhada. De terminar com ela,também”.

Os goles da amiga, Guiness, ouvindo a alegremúsica irlandesa, intercalando os pratos onde abatata é a resistência, recordam o poeta:

“Devem-se escolher os amigos pela beleza,os conhecidos pelo caráter e os inimigos pelainteligência”.

Educado no “Tr inity College” , local onde of amoso manuscr ito de Kell está expos to, odramaturgo teve pai médico e mãe poeta e, desdecedo, apaixonou-se pelos escritos gregos e roma-nos.

Em Londres , vive com amigo e retratistapopular da época, Frank Miles, convivência quelhe trará problemas no futuro. O relacionamentohomossexual não era aceito pela rígida sociedadevitoriana.

Em 1881, ao realizar palestras pelos EstadosUnidos, conhece Henry Longfellow, Oliver Holmese Walt Whitmann. Começa a desenvolver a teoriada beleza que deve ser o foco absoluto na arte ena literatura.

Casado, precisando sustentar dois f ilhos,trabalha em Rev is tas e Magazines; publicahistórias infantis. “Quando eu era jovem, pensavaque o dinheiro era a coisa mais importante domundo. Hoje tenho certeza”.

A importância de ser Ernesto será outra obrapara recordar o gênio irlandês. Mas, o retrato deDorian Gray é o seu clássico.

Única novela, “O Retrato de Dorian Grey”, de1890 provoca uma tor rente de protes tos .Necessário adaptações. Surge um best seller.

“As mulheres existem para que as amemos, enão para que as compreendamos”.

Oscar Wild, que já tivera relações homoa-fetivas, com o pintor Frank Miles, quando estavaem Oxf ord, ao se relac ionar com Lord Inglêsprovoca escândalo que o leva à prisão.

Sua esposa troca o nome de família e OscarWilde, após sair da prisão, nunca mais recupera

o seu brilho e prestígio. Durante os seus últimostrês anos de vida, pobre, miserável, circula pelaEuropa, vivendo em hotéis baratos e do apoio dosamigos.

“Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioriada pessoa apenas existe”.

Não podemos esquecer que após a ruptura doImpério Romano, a cultura ocidental foi pre-servada em locais ermos e escondidos dessaTerra Verde. Em mosteiros, centro de formaçãocultural, monges e pessoas de todo o mundoencontravam local para estudar, para ler, paratraduzir e para produzir livros. Diversas línguas eculturas tinham aqui local de abrigo e de desen-volvimento. As raízes das futuras universidadesestavam lançadas. Será essa a razão da Irlandaproduzir nomes como: Bernard Shaw, W.B. Yeats,Sw ift, James Joyce, Samuel Becket, Oscar Wildee tantos outros. Títulos de livros clássicos apare-cem na memória. ‘Viagens de Gulliver’, ‘ Esperan-do Godot’, “Ulisses”, “O Retrato de Dorian Gray”.

“Ser grande signif ica ser Incompreendido”.A s f rases de Oscar Wilde surgem no

improviso:“O pessimista é uma pessoa que, podendo

escolher entre dois males, prefere ambos”.A arquitetura Georgiana dos prédios às pontes

cercando o rio Liffey, os parques e jardins, aalegria contagiante da noite, tudo nos leva a parteantiga de Dublin. Entre ruelas estreitas e barescentenários, o Temple Bar nos aguarda. Opor-tunidade de esquecer por momentos a literaturae entrar direto e na gastronomia irlandesa e namagnífica escura Guiness. A s canções emirlandês, difíceis de entender, serão companheirasde outras lembranças. Oscar Wilde ainda pre-sente.

“Hoje em dia, conhecemos o preço de tudo e ovalor de nada”.

“Ah! Não me diga que concorda comigo! Quan-do as pessoas concordam comigo, tenho semprea impressão que estou errado”.

“Aqueles que não fazem nada estão sempredispostos a criticar os que fazem algo”.

Dorian Grey, o seu retrato espelha a visão deDublin e de Londres na época em que Oscar Wildeviveu e escreveu. Duas versões para o Retratode Dorian Grey ref letem a censura imposta, opreconceito, as c ríticas, a necessidade deescapar das alf inetadas. De tornar a obra maisaceitável, mesmo em des favor de c ritér iosliterários.

Visitar a casa onde o poeta viveu, relembrarfrases bem articuladas, cheias de vida, circularpelos locais onde ele andou, absorvendo detalhes,guardando minúcias é tentar entender o gênio.Difícil!

No parque ao lado, estátua em mármoreapresenta o escritor em pose caracterís tica.Parece rir de quem chega. Algumas das suasfrases estão bem a mão:

“Falar é ter demas iada consideração pelosoutros. Pela boca morreram os peixes e OscarWilde”.

“Crer é muito monótono, a dúv ida é apai-xonante”.

“Se soubéssemos quantas vezes as nossas

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RUÍNAS, por Francisca de Carvalho Messavezes põem no lixo o bebê recém-nascido ou jogam em riachos pelajanela do barraco onde se escondem. Isso não é vida.

Depois que apareceram as drogas, o ser humano mergulhou decabeça. Crianças já usam essas drogas. Resultado: marginalidade paraos homens e prostituição para meninas e mulheres. Meninas com dozeanos se oferecem ao sexo pelas cidades. Esse assunto é mundial. Asmoças já não pensam em se casar, já nascem no cio. Também quandose casam são maltratadas e mortas pelos com-panheiros. Não fazemBO na delegacia da mulher. A troco de que ficam sendo espancadas emortas pelos algozes dos maridos. Ruínas humanas tomaram contado mundo, não se pode confiar em ninguém. A maioria só quer roubarpara se dar bem, ninguém quer trabalhar honestamente. Quanto maispobre, a penca de filhos é maior, todos na miséria morando em lugaresruins, penhascos, casinholas de papelão.

Ando triste com o mundo. Os pobres confundem a pobreza comsujeira. Daqui pra frente o que será do ser humano? Está virando umFARRAPO HUMANO ou UMA RUÍNA HUMANA. Outra ruína ocorre notrânsito. Matam, dirigem bêbados, não querem nem fazer exame dobafômetro. Pagam multa e saem pra rua continuando a matar. Ninguémconsidera a vida. Vai subindo nas calçadas e matando famílias inteiras.Outra ruína na vida é a homofobia. Não temos nada a ver com aorientação sexual das pessoas. Se controlarmos nossa vida, já é obastante.

Perdoem -me, meus amigos, esse des abafo. Mas não estouagüentando mais tanta morte. É uma carnificina urbana. Os tempostenebrosos chegaram e dão mostra diariamente pelas manchetes damídia.

Ruínas são destroços de algo que já foi importantee arquitetônico. No Rio Grande do Sul temos as RUÍ-NAS DE SÃO MIGUEL, construídas pelos jesuítas paracatequização dos indígenas, isso em séculos pas-sados. Tudo foi construído pela Companhia de Jesus,padres e religiosos vindos da Espanha e índios

Guaranis. São tombadas pela UNESCO COMO PATRIMÔNIO HISTÓRICO.Muito visitadas por brasileiros e turistas.

RUÍNAS HUMANASO ser humano se transforma em ruínas por vários motivos. Aban-

dono da família, quando se vê esses andarilhos perambulando nas ruas,comendo lixo, dormindo embaixo de marquises. De onde vêm aquelesseres. Muitos já foram alguém com profissão definida e com famíliasimportantes e até já freqüentaram universidades. Porque se desiludiramda vida e se entregaram a viver naquela miséria, na rua. Muitosbêbados, sujos e doentes da cabeça. Miséria humana.

Há aqueles que matam sem motivo, têm motivo para roubar. Ultima-mente roubam e depois matam as pessoas, pais de famílias. Menoresde idade para roubar um telefone celular. Há manhãs que o noticiáriofala de assassinatos em série, de cinco a seis pessoas trucidadas. OHomem perdeu suas estribeiras, está matando a esmo. O pior é que apolícia prende, a justiça cobra fiança e solta. No outro dia ele volta amatar. Miséria humana são essas mães adoidadas com a cabeça cheiade drogas que matam seus filhos em banheiros de Shopping, muitas

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Recentemente, em fins de outubro de 2013, jornais de todo omundo passaram a noticiar, em artigos com títulos pomposos, osresultados de um estudo conduzido por dois pesquisadores vinculadosà Universidade Livre de Berlim e à Universidade Técnica de Viena.As manchetes, em geral, eram sentenças como “Cientis tas dacomputação provam existência de Deus” ou “Cientistas anunciam terresolvido teorema que prova a existência de Deus”.

De fato, o artigo publicado por Christoph Benzmüller e BrunoWoltzenlogel Paleo em agosto deste ano apresentou uma análisecomputacional de um argumento lógico elaborado por Kurt Gödel(1906-1978), um dos matemáticos mais brilhantes de todos os tempos.O argumento de Gödel, que data dos anos 1940 e é conhecido como“o argumento ontológico de Gödel), busca provar a existência de umaentidade “como Deus” ou “do tipo Deus” através de conclusõesextraídas com rigor de raciocínio a partir de um conjunto mínimo dedefinições e pressupostos iniciais.

Ao longo da história, filósofos e teólogos já propuseram inúmerosargumentos para provar como falsa ou verdadeira a existência deDeus. Anselmo da Cantuária, René Descartes, Gottfried Leibniz etantos outros aí estão para testemunhar. A originalidade da con-tribuição de Gödel a essa antiga discussão está no fato de ele tertraduzido o seu argumento em uma série de expressões matemáticasque, trabalhadas em conjunto, dialogando entre si, geram conclusõescerteiras e inquestionáveis. Ou seja: Gödel construiu um argumentopara provar a existência de Deus seguindo o mesmo tipo de métodoque os matemáticos usaram (e ainda usam) para provar coisas como“em um triângulo retângulo, o quadrado da hipotenusa é igual à somados quadrados dos catetos” ou “a soma dos ângulos internos dequalquer triângulo é igual a 180°”.

Um argumento lógico-matemático, como aquele proposto porGödel, parte sempre de alguns princípios que não são provados, masaceitos tacitamente: os chamados axiomas (ou premissas). E é apartir dos axiomas assumidos que as conclusões lógicas são obtidas,constituindo os teoremas. Tomemos, por exemplo, um argumento-de-brinquedo: se assumirmos como axiomas (afirmações verdadeirasem si mesmas) que “todas as mulheres possuem asas” e que “todoaquele que possui asas é capaz de voar”, nosso teorema inescapávelé que “todas as mulheres são capazes de voar”. Esse raciocínio,incluindo sua conclusão a respeito de mulheres que voam , éperfeitamente correto do ponto de vista lógico: nada foi deduzido semapoio das premissas, o teorema finalmente obtido não contraria aspremissas, não houve, enfim, nenhuma falha no raciocínio. E éjustamente esse o conceito de “correto” e “incorreto” no campo dalógica: um argumento é “correto” (ou logicamente válido) se nãoapresentar falhas em sua estrutura, não importando se as premissas(axiomas) e/ou as conclusões (teoremas) possuem contrapartida narealidade. O lógico, em seu trabalho, está interessado nas relaçõesde verdade e falsidade que ocorrem entre os enunciados de umargumento, e não em comprovar se o seu conteúdo é verdadeiro oufalso do ponto de vista fático. Essa última tarefa é alheia à lógica ecabe às divers as ciências (a fís ica, a química, a geolog ia, aantropologia, a biologia, etc.).

Entre as definições e axiomas que Gödel assentou para formularseu argumento teológico, temos, por exemplo:

1) É possível distinguir propriedades positivas entre todas as propriedades do ser.2) Se P é uma propriedade positiva e implica uma propriedade Q, então Q é positiva.

DEUS, OS MATEMÁTICOS, A LÓGICAE OS COMPUTADORES

Rafael Bán Jacobsen

3) A existência necessária é uma propriedade positiva.4) Um objeto x é como Deus se e somente se x tiver como propriedades essenciais aquelas, e somente elas, que forem positivas.

Agregando alguns outros pressupostos àqueles elencados acima,Gödel acaba concluindo logicamente que “necessariamente existeum objeto x como Deus”. Os passos seguidos por Gödel na análisedas relações de verdade entre suas várias definições e axiomas temcomplexidade imensamente maior do que a do exemplo mencionadosobre mulheres aladas; por isso, nas últimas décadas, matemáticose lógicos de todo o mundo vêm se debruçando sobre o argumento deGödel, na tentativa de verificar sua correção. O trabalho de ChristophBenzmüller e Bruno Woltzenlogel Paleo consistiu em utilizar umprograma de computador para “automatizar” a resolução do conjuntode equações que traduzem matematicamente o argumento ontológicode Gödel. A conclusão dessa análise computacional, apresentadaem um artigo intitulado “Formalização, mecanização e automaçãoda prova de Gödel para a existência de Deus”, é que o argumento deGödel é logicamente válido, isto é, não possui nenhuma falha deraciocínio, nenhum passo em falso.

Pelo que foi discutido acima, fica claro que, do ponto de vista lógico,a única coisa que os pesquisadores querem dizer ao afirmarem serválida a conclusão “necessariamente existe um objeto x como Deus”é que a estrutura do argumento de Gödel é perfeita, isto é, que aconclusão encontra total amparo nas definições e nos axiomasinicialmente assumidos. Nada mais. Não se comprovou, é claro, aexistência de algum ser divino, assim como o argumento-de-brinquedoapresentado anteriormente, apesar de correto, não comprovou aexistência de mulheres voadoras.

Com a comprovação da validade lógica do argumento de Gödel,qualquer crítica a este, doravante, terá de ser conduzida no campoextralógico, atacando-se, por exemplo, o conteúdo as premissas queo sustentam. Primeiramente, a definição de “propriedade positiva”de Gödel é considerada um tanto vaga: “positiva” significa positiva nosentido moral-estético, e nada mais é esclarecido. Ademais, pensandosobre as quatro definições e axiomas listados acima, será que,realmente, é possível distinguir, de modo inequívoco, as propriedadespositivas de um ser? Será que uma propriedade positiva somentepode gerar (ou implicar) propriedades positivas? Não há possibilidadede uma propriedade positiva gerar uma propriedade negativa? Porque razão a obrigatoriedade de existir é positiva, ou seja, por que aexistência necessária é positiva no sentido moral-estético? Por fim,na seara teológica, pode-se questionar se uma entidade “do tipo Deus”só pode possuir propriedades essenciais positivas. Por exemplo: akabbalah, antiga sabedoria hebraica que investiga a natureza e asrevelações divinas, diverge dessa visão ao considerar que, emboraDeus seja um só, dele emanam atributos duais, constituindo asdicotomias mascul ino/fem inino, compassivo/julgador, criador/destruidor, positivo/negativo, etc.

Resta intocado, portanto, aquilo que transcende o homem, asmáquinas, a lógica e a própria matemática. Se é verdade, como jáponderaram alguns, que Deus é matemático, isso apenas é possívelporque Ele está além dela – e sabe utilizá-la melhor do que ninguémpara conduzir seu eterno jogo de revelação e ocultação perante asmentes atônitas de nossa limitada humanidade.

Outubro de 2013

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NOVA DIRETORIADA ACADEMIA RIO-GRANDENSE DE LETRAS

Aos 24 / 03 / 2014,no Memorial da Jus-tiça (Praça da Ma-triz), foi empossadaa nova diretoria daARL. De novo SérgioBorja merecida-mente presidentepara um segundomandato

No ato de posse Sér-gio Augusto Pereirade Borja nos faz to-mar consciência dosignificado e do valorda nossa AcademiaMaior do Estado paraas letras e cultura dacomunidade.

Lendo da esquerda: Antonio Soares, do Conselho Fiscal, autor de livros como Lendo Nossos Autores I e II. Walter Galvani, jornalista, autor devários livros; Rafael Bán Jacobsen, secretário de atas, autor do, entre outros, romance Uma leve simetria. Avelino Alexandre Collet, vice-presi-dente, autor de livros e orador notável; Zélia Dendena, tesoureira e muita dedicação à Academia. Jose Edil de Lima Alves, doutor em Literaturae Secretário Geral. Finalmente nosso Presidente Sérgio Augusto Pereira de Borja, autor de livros de poesia e muita publicação na área doDireito. Ainda reconhecimento a Ruth Telles, pelo desempenho, com Avelino Collet na parte artística da declamação. Lembrando José Moreira,também da Diretoria, Conselho Fiscal, mas ausente por saúde, e bom dinamizador da ARL.

Nova diretoria da AJEBNo City Hotel, num almoço festivo, é empossada a nova diretoria da Associação de Jornalistase Escritoras do Brasil para o Biênio 2014/2015. Um convite nos gratifica, dirigido ao jornal paraa posse da nova Presidente MARIA ODILA MENEZES DE SOUZA e sua Diretoria, a realizar-se em 20 de Março de 2014, às 11:30h, no CITY HOTEL, na Rua José Montaury, 20. No planoinferior da foto: Rejane Teresinha Prado Machado a presidente (esq.) e Maria Theresa Becker,a 1ª vice- presidente, ambas que cessam. No plano superior esquerda Maria Odila Menezes deSouza e Marinês Bonacina, respectivamente Pres idente e 1ª, Vice-Presidente recémempossadas. Para completar a lista registramos Maria da Glória Jesus de Oliveira 2ª. Vice-presidente; 1ª. Tesoureira, Ana Simione; 2ª Tesoureira, Fernanda Pedrazzi; Diretora de Even-tos, Floreny Avila Ribeiro Diretora; de Publicação, Hilda Hübner Flores; 1ª. Secretária, IodilmaCorreia; 2ª. Secretária Theresa Medeiros. Conselho da Diretoria: Daisi Vallier, Mariza Alvares eZaira Cantarelli. Conselho Fiscal: Ivanise Montovani, Vera Lúcia da Silva Moraes e Leanir P.Valcarenghi. Para Diretora de Imprensa, Marinês Bonacina.Da Direção do RS Letras votos de sucesso à nova equipe de trabalho. .

Júlio de Castilhos, de Sérgio daCosta Franco (4)

História do Rio Grande do Sul, deMoacyr Flores (3)

O gaúcho, formação e hábitos, dede Délio de Assis Brasil (4)

Os reverbel, de Gustavo Py Gomesda Silveira 4)

Sob o céu encoberto da ditadura,de Iara Almansa Carvalho (4)

Cois as da V ida, de MargaridaCassales (3)

Efêmero querer (contos), de Mar-garida Cassales (4)

Lendo nossos autores I e II, análi-se literária de António Soares (2)

Rodeio de adágios. Fraseologiagauchesca, de Ivo Alberto Almansa (2)

Um destino chamado Raquel, deAntónio Soares (2)

Um amor e duas vidas, de ArturLouro Pereira (3)

Sepé Tiaraju, de Antônio RafaelBaioto et (2)

A vida em quatro dimensões , dePedro Bulek Filho (4)

Volta à idade da pedra, de HeinoWilly Kude (2)

Hamlet-Rei, de Heino Willy Kude(3)

Trilhas literárias I, II e III, de JoséMoreira da Silva (2)

O Rio Grande pe lo Brasil, deJosé Luiz Silveira (3)

A re publique ta, de Heino WillyKude (3)

Crônicashoje, de António Soares(1)

Menino Deus meu Bairro, deCesão Miranda (2)

O combate do Passo da Juliana,de César Pires Machado (2)

Orfeu, de Betty Borges Fortes (2)

Poesia50 anos de poesia, de JaymeCaetano Braun (3)Tempo de viver, de Danci Ramos(2)Mensagem, de Fernando Pessoa(1)Assim gira o mundo, de Margari-da Cassales (2)Lira de Verão, de José Moreira daSilva (3)Enigma de Amor (poesia), deSanta Inèze da Rocha (1)Rumor Astral; Sorriso matinal;- de Antonio Soares (1)

Livros açorianosPione iros açorianos , de CarlosRoberto M. Brasil (4)Açorianos III e IV, por Santa Inèzeda Rocha (2)Poesia geminada, incluindo poetasgaúchos e açorianos (2)Poe tas açor ianos e poetasgauchos. org de Antonio Soares ePaulo Bacedônio (2)

Novidades recém saidas:Varlabena, de Terezinha GonçalvesContando Conto, de Maria da Gloria J. de OliveiraVida de um tatu, Marco AntonioCanção das raizes, de Celi Cardoso Soares

escolha seu bom livro escolha seu bom livro escolha seu bom livro livros do mês - NOVOS

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RSletras - JORNAL MENSAL DE CULTURA Nº 140 Março / 201410

ARTESULcultura - arte - poesia

Caderno RSletrasRSletras 140Março 2014

Coordenação e organização:António Soares (editor); Rosane Bastos; Luis Ramos

[email protected] / 8482-1398

Isso foi nos idos de 1969, quando em plenafloresta do Parque Nacional do Turvo, no nor-te do Rio Grande do Sul, lá estavam eles, oscolegas botânicos Lauro, Bernardo, Jurandir ePedro, todos da Universidade Federal, paraestudo de plantas.

A barra ca, emprestada pelo grupo daSecção de Zoologia, servia como base de apoio dentro do mato. Nãosem a presença diária de um querido conhecido, o velho e solitáriomateiro local, a contar suas vivências com os bichos da região, ondeaté onça havia.

Mais um dia terminara e já estavam os quatro botânicos recolhidosna barraca, a jogar conversa fora, após uns goles de caninha. Jurandir,com seu grande rádio de pilha l igado. De repente, do rádio surge anotícia espetacular: naquele momento, 20 de julho, o homem pisavapela primeira vez na Lua. Correram para fora da barraca e lá estava ela,em fase minguante, linda, pairando no céu. Inacreditável! A Lua ama-rela, brilhando, e gente desembarcando nela. Voltaram para dentro."Nesse momento, Neil Armstrong dá os primeiros passos trêmulos...",diz o rádio deitado no chão. E, logo depois, a célebre frase do astronau-ta Amstrong vinha pelo rádio, lá de cima da Lua: "Este é um pequenopasso para um homem. Mas um salto gigantesco para a humanidade".Não, era demais para um simples mortal. Algo deveria ser feito, e comurgência urgentíssima, para extravasar tamanha emoção. Extasiado,Jurandir dá um tiro para cima, furando o teto da barraca.

CHEGADA DO HOMEM À LUA, crônica de Maria Luisa Lorscheitter *

Algum tempo depois chega assustado o mateiro, que ouvira o tiro evinha saber o que tinha acontecido. Informado do ocorrido, não que-ria acreditar . "Não", berra o velho olhando para o céu, "isso é coisa deamericano pra nos enganar, ainda ontem eles estavam passando poraí". Foi então convencido a dar um tiro, ele também, mas pelo lado defora da barraca. Não deixou por menos, detonou sua "bazuca", e otrabuco fez um clarão que iluminou a noite.

Jurandir acalmou-se, estava agora apenas feliz e com muito sono.Dormiu. Silêncio, os outros, chocados, entreolharam-se estáticos dian-te do estrago na barraca emprestada. Como explicar depois o aconte-cido aos donos dela? Que aquele furo era apenas resultado de umaexplosão de alegria porque o homem havia chegado à Lua? Não, hámomentos na vida em que nada pode soar mais falso do que umacristalina verdade. Melhor então não arriscar e arranjar logo uma boahistória heróica e crível, como um ataque de onça desde a copa deuma árvore, prontamente debelado à bala, ou de um assaltante flores-tal posto a correr com tiros para o alto. Qualquer coisa, menos a ver-dade. Mas acabaram escolhendo uma opção muito mais prática. Aovoltar da viagem empacotaram a lona da barraca caprichadamente e,na devolução, informaram que nela tudo estava l impo e em ordem,poderiam guardá-la assim mesmo, bem dobradinha. E foram embora,não sem antes agradecer o precioso empréstimo.

Algo inusitado, nunca mais se teve notícias da tal barraca devolvida. * Professora UFRGS

especiais para a continuidade de sua existência. Nenhum povo viverábem se não criar instrumentos de defesa de suas instituições, molamestra, alavancas sustentáculos do estado de direito, devem a partir daexistência, serem alimentadas e realimentadas como o fogo no braseiroda felicidade de uma Nação.

Há um m om ento que m aus patrio tas na pele do corpoinstitucionalizado. E o faz com a mesma artimanha do traidor; parasitaabraça a Árvore-Nação e vai lhe sugando subterfugicamente a seivacriadora, com ânsia de morcego e sanguessuga. Quando se descobreo nefasto procedimento; já o corpo social está anêmico. Muitos quepoderiam ter-se alimentado do mesmo suco revitalizante de inanição.O sugador de terno e gravata já encheu a burra de ouro e prata e aremeteu por vias indiretas a financeiras, objetos de sua luxúria outesouros escondidos do enriquecimento ilícito. Tais seres são PHDs,em trampolinagem, doutores em formação de quadrilha, técnicos naarte de enganar ; o exemplo que dão é de estelionatarismo, ; em lugardas virtudes cultivam a falsidade e a mentira;andam sempre.

Com uma cordinha de garrotear o ‘rabo’ dos outros do ‘bando’, poisé artífice na organização de lista de ‘rabudos – larápios’, para prometerusá-los como instrumento de defesa quando denunciados.

se instalam nas instituições, não raro como mandatários através dovoto popular, num país que tem fome de todos os gêneros e os eleitoresvendem seu voto por um pedaço de pão, nota-se o enterro doprogresso, o crescimento do anal fabetismo, a construção de maisprisões do que escolas e hospitais, o vício da desonestidade aimplantar-se na juventude ávida de exemplos. E se vão geraçõesperdidas como boiadas ao matadouro; criam-se outras gerais derevoltados, descrentes do poder da lei, da ordem e da harmonia social.As forças que se armam em praça pública para a degola dos traidoresda pátria proliferam no âmago das pessoas de bons costumes,transformam-se em bomba e explodem em ação negativa ao bem viver.

É missão dos governos preservarem a paz dos cidadãos, tratar oser humano desde o ventre materno para comporem a legião dehomens do bem.Para tanto é necessário usarem de toda a inteligênciae até da força para afastar do jardim das comunidades e da Nação aservas daninhas.

Negociar com bandido é igualar-se a ele. Se há frutos podres nasinstituições, o destino deles haverá de ser o lixo da prisão e doesquecimento, para que não contaminem os sadios.

Porto Alegre/RS, 13 de outubro de 2007.

OS FRUTOSPODRES

dejosé moreira da silva

As insti tuições são com o certasárvores frondosas, que oferecemsombra aos andarilhos, fruto aos quetem fome e pela fotossíntese purifica oarque se respira; suas flores exalamperfume acolhedor e a fronde embelezaa natureza. Ser criado em vis ta depremente necessidade, exige cuidados

Esses fora da lei são temidos pelovolume de informações que detem emseus bancos particulares de dados. Sóos que amam a pátria e por e lasacrificam até a própria vida e nadatem a temer podem leva-los aosbancos dos réus.

Sob os signos desses bandidos que

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RSletras - JORNAL MENSAL DE CULTURA Nº 140 Março / 201411

esquecimentoescrevi teu nome na areiacom minha letra, minha mão,para que as ondas do marapagassem a tua lembrançae fiquei na espera, desde então...

escrevi teu nome na areia,e como ele não desapareciafiquei à espera da lua cheiapara ver o que aconteceria...

nascida das longas noites,em uma solidão sem palavramandando esta imagem embora,esperar para ver em cada maréum mar inteiro que te apagava...

as ondas passando tão pesadas,vem carregadas de muito salmolhando as palavras deixadasaté que o teu nome some, afinal...

algumas coisas se resolvem fácil,seja com o tempo que passa,ou até mesmo com a morte,qualquer solução aparece,outras, não tem esta sorte...

escrevi teu nome em um muro,mas em um lugar bem distante,só assim estou bastante segurode não te lembrar, a cada instante...

enunciadoninguém perguntou como iria ser,a qualquer um de nos,ou a alguém que seja,se queríamos nascer,nem anunciou nosso nascimento

caminhar nas margens do rioé sempre uma ideia interessantemesmo que se tenha que trocarde uma margem para outraquase que a cada instante

mas ainda assim acreditona força das palavras,na pureza dos sentimentosnas ondas da emoçãoe nas criações dos pensamentos

1964 (50 anos para trás)hoje é difícil de acreditar

que há cinquenta anos atráspessoas estavam a marchar,

batendo nas portas dos quartéis,a incitar alguns coronéispara um golpe preparar

em nome de família e da liberdadechamaram foram as trevas da censura

e oficializaram, na verdade,uma época do terror e de torturas

se hoje fossemos acordar generaisseria só para dizer: - ditadura,

nunca mais!e daqui a vinte e um anos

vamos querer é comemoraros cinquenta anos do fim

daquele regime militar

CARLOS PÁEZ VILARÓ (1923/2014)

CLÁUDIO D’ALMEIDApoemas - crônicas - fotografias

CLÁUDIO D’ALMEIDAENGENHEIRO CIVIL, POETA E ESCRITOR.

AUTOR DE 4 LIVROS

POEMAS poe maspoemas

Começo com a fras e “.. .desenhar naimpaciência é como andar com sapatosdiferentes...” do artista uruguaio, que deve sercomo uma espécie de síntese do que foi sua vida.Basta lembrar que experimentou desde a pinturaaté a escultura, passando pelos murais e pelaprópria arquitetura, algo que a Casa Pueblo,perto de Punta del Este é a melhor testemunha.Aparenta que uma extrema perseverança ededicação foram as suas características principais.Lembro que seu f ilho estava entre osdesaparecidos, naquele desastre aéreo em 1972,quando a equipe uruguaia de hóquei, ficou perdida

nos Andes por três meses, apenas foi encontradaporque Vilaró não desistiu nunca, mantendo asbuscas com seus próprios recursos.

Sua arte buscou a expressão do ser humano eda diversidade, tanto que também procurourepresentar a cultura negra, mesmo que o paísvizinho não tenha sido um expoente na época daescravidão, mas foi muito usado no contrabandode escravos para as minas de prata da Bolívia,por exemplo. Mas para conhecer melhor isto, bommesmo é incluir a visita a Punta Ballena, quandose estiver em visita aos nossos vizinhos.

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RSletras - JORNAL MENSAL DE CULTURA Nº 140 Março / 201412

Na década de 80 fui conhecer o “fim do mundo”, como até hoje é chamadaa Terra do Fogo. A viagem foi de carro (um corcel II) com a saída por Alegretee um churrasco de ovelha na casa de amigos, depois a imens idão daPatagônia Argentina, em direção ao extremo sul do nosso continente. Deacordo com os planos inicia is seguiríamos a Ruta 40, ao longo da Cordilhei rados Andes, para o que atravessamos o país vizinho, mas logo após Bari locheo trajeto foi invertido para o li toral . A condição das rodovias , combinadacom a pouca a ltura do carro, em relação ao chão, fazia com que fosse bemdifíci l de permanecer no “rípio”, com são chama das as estradasencasca lhadas no país vizinho, sem arri scar, tanto os pneus, como o própriomotor.

Após seis dias na estrada chegamos ao Estrei to de Magalhães , já noChile. Como era verão e as noi tes naquelas latitudes ficam bem curtas nestaestação, as barcas faziam a travessia até a meia-noi te, o que nos fez esperar,mesmo sob um frio bem intenso, a sua última passagem, comendo omeletee tomando muito vinho tinto para combater as ba ixas temperaturas. Logodepois das onze da noi te cruzou na nossa frente um transatlântico, como nofi lme Amarcord, do Fel lini. Lembrei a cena, na qual pessoas humi ldes levamum cego, em um pequeno bote, até o a lto mar e passam a descrever umnavio, todo iluminado, para ele.

Mas as luvas que usava e as di ficuldades em regular a máquinafotográfica, lutando com o frio, impediram uma foto daquele momento, queapenas res is te no meu imaginário. Logo em seguida atracou a barca esubimos com o carro, que ficou entre dois imensos caminhões. A travess iame pareceu arri scada, pois as ondas enormes faziam a borda da embarcaçãosubir bem acima do horizonte e ba ixar rápido, com respingos que nosatingiam, já que tínhamos que ficar fora dos veículos . O espíri to do vinhochi leno mantinha alegria e otimismo. Mesmo ass im fomos acampar logoapós chegarmos à outra margem, agora na grande i lha, conhecida comoTierra del Fuego, metade chi lena, metade argentina. Como tinha muitasnuvens baixas, a noi te estava diferente, o céu i luminado, aqui e a l i, peloreflexo das chamas de refinarias de petróleo, em algo parecido com o efei todas fogueiras dos nativos, hoje extintos, e que teria levado aos primeirosnavegadores adotarem este nome para a região.

A frontei ra entre estes dois países é demarcada pela l inha dos pontosa ltos da Cordilheira dos Andes , mas na região esta cadeia de montanhassofreu um des locamento para leste e acabou trazendo junto o Chi le, até oOceano Atlântico. Por outro lado, a cidade de Ushuaia, na beira do canal deBeagle, é a única local idade argentina à qual se chega cruzando este divisorde águas com o Oceano Pacífico, após vencer o Paso Gariba ldi . A estradaexis tente era muito precária , com uma infinidade de curvas , estrei ta epedregosa, mas logo após a passagem do ponto mais a lto acompanha umvale com paisagens di ferentes dos extensos campos da parte chi lena, comlagos e bosques.

A cidade está voltada para o sul, nas margens do canal e foi util i zada,durante muito tempo, como pres ídio, em especial para aqueles dissidentespol íticos, anarquis tas e sindicalis tas, que o governo queria manter afastadosdas lutas socia is , do começo até a metade do século XX. Al i exis temreferências, no Museo del Fin del Mundo, que apresenta a sol idariedade

USHUAIA: uma viagem em dois tempos...dos presos com náufragos, na década de trinta, do século passado. Nestaminha viagem a inda não havia sido restabelecida a linha dos trens , usadospara buscar a madeira cortada pelos pris ioneiros. Bons passeios foram aoGlaciar El Martial e ao Parque Lapataia, onde acampamos, em um lugarmuito bonito, mesmo com seus castores e coelhos , trazidos para a região eque hoje são cons iderados uma praga. A temperatura oscila entre os dezgraus posi tivos e os dez negativos, variação pequena, se pensarmos a queexperimentamos aqui, mas este fato e o i solamento daquelas terras fazcom que lá não existam insetos de nenhum tipo. Como também não existiamdoenças, mas foram trazidas pelos missionários que pretendiam catequizaros nativos e, na real idade, contribuíram para sua extinção. Na cidade deRio Grande, antiga capital da parcela argentina, podemos ver alguns crânios,ao lado de fotos com os nomes destes últimos habitantes , reunidos naMissão Salesiana.

O outro tempo da viagem até o “fin del mundo” foi há quatro anos, mascom caracterís ticas bem dis tintas . Com menos tempo, fomos de avião,hospedagem em uma agradável pousada e alguns passeios incluídos. Entreeles o percurso no trem, agora restaurado, percorrendo áreas onde os antigospresos se ocupavam em cortar árvores . Lá ainda estão os troncos restantes,a lguns cortados rente ao chão, outros cerca de meio metro acima dasuperfície : a diferença entre as árvores abatidas com, ou sem neve! Éempolgante e ao mesmo tempo, tri ste.

Em outro dia percorremos o Canal de Beagle, uma navegação longa, comoalternativa a um percurso mais curto, mas que nos levou até as reservasdos pinguins, lotadas destes animais , tão desa jei tados fora da água, tãorápidos e graciosos , quando nadando. No caminho de vol ta enfrentamos osfamosos ventos frios e cortantes que vem da antártica e que haviamimpedido a saída dos barcos, durante a lguns dias.

Nesta viagem, com melhores recursos, consegui degustar uma série defrutos do mar, entre eles a famosa centolla, aquele imenso s i ri dasprofundezas frias, apenas não acompanhei todo processo, pois eles ficamexpostos em aquários , vi stos pela rua e por dentro dos restaurantes, paraserem escolhidos e podemos acompanhar sua ida para a cozinha, onde sãopesados e imersos em ca ldeirões de água fervente, para i s to não tiveestômago.

Em outro dia saímos em um longo passeio pelas encostas da cordilheira,passando por loca is onde são criados cachorros que puxam trenós , noinverno, quando a neve é o atrativo turís tico principa l. No verão eles apenasficam descansando, lindos e sociáveis. Mais adiante, para uma visi ta aoLago Fagnano, loca l pioneiro na colonização atual, passamos por aquelemesmo Paso Gariba ldi , com uma estrada completamente diferente daquelaque eu havia percorrido, anos atrás . Hoje tem um traçado moderno,desenvolvendo-se na encosta, está asfal tada e com um mirante no seu pontode cruzamento do divisor continenta l . Caminhando um pouco, o meupensamento vol tou no tempo, lembrando minha viagem anterior, até que,observando da mureta deste refúgio atua l, encontrei a velha estrada, hojeabandonada, retorcida nas suas tantas curvas, a inda resistindo a ser invadidapela vegetação, na origem destas divagações e trazendo de vez as minhasrecordações.

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RSletras - JORNAL MENSAL DE CULTURA Nº 140 Março / 201413

ETERNO RETORNOA gente devia reler todos os livros

Vinte anos depoisA gente devia reconversar as conversas

Trinta anos depoisMas como abrir as portas emperradas

As portas cansadas de não amanhecer?As conversas adormeceram

Os livros tambémSó corre nas ruas um jeito curioso

Um jeito sem corDe não querer anoitecer.

AS PORTAS DO TEMPO

Amor é outra coisaÉ tempo enroladoEm novelos espessosQue enrolam desenrolamNas portas do tempoRolam sem pararEm imagens que voamQue vêm e se enrolamNo canto da sala.Como saberO que se enrolaE se calaNas portas do tempo?

VIAGEMSe eu morrer nesta noite de calma

Em meio às flores que, sempre serenas,Vêm sorrindo perfumar os caminhos

Verei os espaços iluminadosPelos olhos tranquilos e amigos

Dos que souberam amar.

Se eu morrer nesta noite de pazVoarei sobre os imensos desertos

A esconder lá no fundo, silenciosasRiquezas perdidas, nunca encontradas.

Verei também, lá do alto, entre a massaDas inúmeras pedras e dos mares

As mãos e os passos claros, luminososDos que souberam amar.

E se eu morrer nesta noite de vozesAmigas e de presenças rnusicais

Saberei o sentido e o mistérioDo que nos foi dado viver e amar.

MUSICA DELL’ ALBALa notte, strano castello nero,

Invade i l tempoDi sconosciute dimensioni.

Sulla terra, labirinti di vicoliIntreccio di scale

Si perdono nei secoliChe non vedremo mai più.

Il silenzio pauroso m’avvolgeE mi stringe il cuore e il respiro.Ma scavalcando la cruda fantasia

Cerco, com ansia, la presenza di um dioMentre nascono insieme l’alba e la

musica.

PRESENZA DIUN’OMBRA

E’ venuta un’ombra stanotteUn profilo tranquillo, sereno,Sullo sfondo chiaro della luna.“Cosa vuoi?” - le chiesi. Rispose:“Finchè sarai sempre distanteCome i venti che s’aggiranoSulla cima fredda dei monti,Finchè non avrai imparatoA sentir dentro le tenebreLa presenza amica di un sognoChe germoglia, misterioso e dolce,Non vedrai mai intorno a teBrillare la rugiada del mattino.”

CHEGADA

Quando os anos se despedem,Quando o passado abraça o futuroE se repete, bem ou mal,Em cada esquina do mundo,E quando as portas do tempoSe abrem para a confusãoDas coisas e sons emaranhadosComo a foz de rios entrelaçadosE as pontes derrubadas pelo vento,Sobe então, familiar e pura,A melodia da infânciaE das esferas,A música que serena a inquietaçãoE repõe em ordem a alma cansada.

FÚLVIA MORETTOa poeta da meiga docura

FULVIA MORETTO, a Profª Drª Fulvia Maria Luiza Moretto, é autora de vários livros de poesia como Amanhã (1990); As portas doTempo (1993); As estradas do Tempo (2006); Revoadas (2012) e Poesia (2013). Participa de entidades como Academia LiteráriaFeminina e UBE. Em 2007 foi finalista do Prêmio Jabuti (poesias), com o livro “Estradas do Tempo”. Além de excelente tradutora deobras de língua francesa, ela afirma-se como poeta de amplos recursos para fazer da poesia o mundo predileto de sua pena. Seuspoemas, fortes e ricos de significado, falam de uma ternura de sentimentos voltados para ela mesma e logo para os demais.